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cadernos
metrópole
planejamento urbano e regional:
percursos e desafios
Cadernos Metrópole
v. 18, n. 37, pp. 609-924
nov 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3700
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
Quadrimestral
ISSN 1517-2422 (versão impressa)
ISSN 2236-9996 (versão on-line)
A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
CDD 300.5
Periódico indexado no SciELO, Redalyc, Latindex, Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Conselho Editorial
Anna Maria Marques Cintra (Presidente), José Rodolpho Perazzolo, Karen Ambra, Ladislau Dowbor,
Lucia Maria Machado Bógus, Mary Jane Paris Spink, Miguel Wady Chaia, Norval Baitello Junior,
Oswaldo Henrique Duek Marques, Rosa Maria B. B. de Andrade Nery
Coordenação Editorial
Sonia Montone
Revisão de português
Equipe Educ
Revisão de inglês
Carolina Siqueira M. Ventura
Revisão de espanhol
Vivian Motta Pires
Projeto gráfico, editoração
Raquel Cerqueira
Capa
Waldir Alves
EDITORES
Lucia Bógus (PUC-SP)
Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)
COMISSÃO EDITORIAL
Eustógio Wanderley Correia Dantas (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil)
Sérgio de Azevedo (Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/ Brasil) Suzana Pasternak (Universidade de São Paulo,
São Paulo/São Paulo/Brasil)
CONSELHO EDITORIAL
Adauto Lucio Cardoso (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/
Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Cristina Fernandes (Universidade Federal de Pernambuco, Recife/
Pernambuco/Brasil) Ana Fani Alessandri Carlos (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de P. Britto (Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia Catenazzi
(Universidad Nacional de General Sarmiento, Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires/Argentina) Angélica Tanus Benatti Alvim (Universidade Presbiteriana Mackenzie,
São Paulo/São Paulo/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Carlos Antonio de Mattos (Pontificia
Universidad Católica de Chile, Santiago/Chile) Carlos José Cândido G. Fortuna (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Claudino Ferreira (Universidade de
Coimbra, Coimbra/Portugal) Cristina López Villanueva (Universitat de Barcelona, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de Castro (Universidade Federal do
Pará, Belém/Pará/Brasil) Eleanor Gomes da Silva Palhano (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (Universidade
de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Félix Ramon Ruiz Sánchez (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes
da Silva (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/Portugal) Frederico Rosa Borges de Holanda (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Geraldo
Magela Costa (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet Bruna (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/
São Paulo/Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas
(Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heloísa Soares de Moura Costa (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil)
Jesus Leal (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) José Alberto Vieira Rio Fernandes (Universidade do Porto, Porto/Portugal) José Antônio F.
Alonso (Fundação de Economia e Estatística, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) José Machado Pais (Universidade de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Marcos
Pinto da Cunha (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) José Maria Carvalho Ferreira (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/Portugal)
José Tavares Correia Lira (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Leila Christina Duarte Dias (Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luís Antonio Machado
da Silva (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza/Ceará/Brasil) Márcio Moraes Valença (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes
(Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento
M. Clementino (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito
Federal/Brasil) Marta Dominguéz Pérez (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) Montserrat Crespi Vallbona (Universitat de Barcelona, Barcelona/
Espanha) Nadia Somekh (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Nelson Baltrusis (Universidade Católica do Salvador, Salvador/Bahia/
Brasil) Norma Lacerda (Universidade Federal de Pernambuco, Recife/Pernambuco/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (Universidade de São Paulo, São
Paulo/São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Rosa Maria Moura da
Silva (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Sarah
Feldman (Universidade de São Paulo, São Carlos/São Paulo/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/
Brasil) Wrana Maria Panizzi (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil)
Colaboradores
Alex Ferreira Magalhães (UFRJ/Brasil) Alexandre Sabino do Nascimento (UPE/Brasil) Ana Claudia Duarte Cardoso (UFPA/Brasil) Ana Lucia Nogueira
Britto (UFRJ/Brasil) Ana Maria Fernandes (UFBa/Brasil) Angelica Aparecida Tanus Benatti Alvim (UPM/Brasil) Antonio Pedro Alves de Carvalho (UFBa/
Brasil) Arilson da Silva Favareto (UFABC/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (USP/Brasil) Aylene Bousquat (USP/Brasil) Beatriz Silveira Castro Filgueiras
(UFF/Brasil) Benito Muiños Juncal (UNIFACS/Brasil) Benny Schvasberg (UnB/Brasil) Carlos Antonio Brandão (UFRJ/Brasil) Carlos Antonio de Mattos
(PUC-CL/Colômbia) Carlos José Candido Fortuna (UC/Portugal) Carolina Ferreira de Fonseca (UFG/Brasil) Cibele Saliba Rizek (USP/Brasil)
Cid Olival Feitosa (UFS/Brasil) Claudette de Castro Silva Vitte (Unicamp/Brasil) Clovis Ultramari (UFPR/Brasil) Cristina López Villanueva (UB/
Espanha) Denise Cunha Tavares Terra (UENF/Brasil) Denise de Alcântara Pereira (UFRRJ/Brasil) Diana Scabelo Lemos (UFF/Brasil) Doralice
Barros Pereira (UFMG/Brasil) Eduardo Cesar Leão Marques (USP/Brasil) Eduardo Vasconcelos Raposo (PUC-RJ/Brasil) Eliseu Sposito (UFV/
Brasil) Elmer Nascimento Mato (UFS/Brasil) Ermínia Maricato (USP/Brasil) Ester Limonad (UFF/Brasil) Eugenio Fernandes Queiroga (USP/
Brasil) Fabio Duarte (PUC-PR/Brasil) Fabricio Leal de Oliveira (UFRJ/Brasil) Fania Fridman (UFRJ/Brasil) Felipe Nunes Coelho Magalhães
(UFMG/Brasil) Fernanda Furtado de Oliveira e Silva (UFF/Brasil) Fernanda Sánchez Garcia (UFF/Brasil) Fernando Augusto Proietti (FOC/Brasil)
Francisco Carlos Baqueiro Vidal (UFBa/Brasil) Fernando Garrefa (UFU/Brasil) Floriano José Godinho de Oliveira (UERJ/Brasil) Frederico Rosa
Borges de Holanda (UnB/Brasil) Geraldo Magela Costa (UFMG/Brasil) Gerônimo Leitão (UFF/Brasil) Gilda Collet Bruna (UPM/Brasil) Gustavo
Henrique Naves Givisiez (UFF/Brasil) Heliana Comin Vargas (USP/Brasil) Heloisa Soares de Moura Costa (UFMG/Brasil) Henri Acselrad (UFRJ/
Brasil) Humberto Miranda do Nascimento (Unicamp/Brasil) Inaiá Moreira de Carvalho (UFBa/Brasil) Jan Bitoun (UFPE/Brasil) Jeroen Klink
(UFABC/Brasil) João Farias Rovatti (UFRGS/Brasil) José Antonio Gomes de Pinho (UFBa/Brasil) José Borzacchiello da Silva (UFC/Brasil) José
Julio Ferreira Lima (UFPA/Brasil) José Luis Vianna da Cruz (UFRRJ/Brasil) Juciano Martins Rodrigues (UFRJ/Brasil) Juliano Pamplona Ximenes
Ponte (UFPA/Brasil) Jupira Mendonça (UFMG/Brasil) Jussara Ayres Bourguignon (UEPG/Brasil) Laila Mourad (UCSal/Brasil) Lamounier Erthal
Villela (UFRRJ/Brasil) Laura Machado de Mello Bueno (Puccamp/Brasil) Leandro Dias de Oliveira (UFRRJ/Brasil) Leandro Luiz Giatti (USP/
Brasil) Livia Izabel Bezerra de Miranda (UFPE/Brasil) Lúcia Cony Faria Cidade (UnB/Brasil) Lucia Helena Pereira da Silva (UFRRJ/Brasil) Lucia
Leitão (UFPE/Brasil) Lucia Zanin Shimbo (USP/Brasil) Luciana da Silva Andrade (UFRJ/Brasil) Luciana de Oliveira Royer (USP/Brasil) Luciana
Corrêa do Lago (UFRJ/Brasil) Luis Antonio Machado da Silva (UFRJ/Brasil) Marcelo Eduardo Pfeiffer Castellanos (UFBa/Brasil) Marcelo
Tadeu Baumann Burgos (PUC-RJ/Brasil) Marcio Moraes Valença (UFRN/Brasil) Marco Akerman (USP/Brasil) Marco Aurélio Costa (IPEA/
Brasil) Marco Aurélio Santana (UFRJ/Brasil) Marcos Barcellos de Souza (UFABC/Brasil) Maria Amélia Jundurian Corá (PUC-SP/Brasil) Maria
Camila Loffredo d’Otaviano (USP/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme (USP/Brasil) Maria Dulce Picanço Bentes Sobrinha (UFRN/Brasil) Maria
Graciela González Pérez de Morell (Unifesp/Brasil) Maria Julieta Nunes (UFRJ/Brasil) Maria Lucia Martins Reffinetti (USP/Brasil) Mariana
Fix (USP/Brasil) Marilia Steinberger (UnB/Brasil) Marinez Villela Macedo Brandão (Unifesp/Brasil) Marta Dora Grostein (USP/Brasil) Maura
Veras Pardini Bicudo (PUC-SP/Brasil) Maurici Tadeu F. dos Santos (UAB/Brasil) Miguel Antonio Buzzar (USP/Brasil) Miguel Matteo (Ipea/
Brasil) Montserrat Crespi Vallbona (UB/Espanha) Nadia Somekh (UPM/Brasil) Neio Lucio de Oliveira Campos (UnB/Brasil) Nilton Ricoy
Torres (USP/Brasil) Nivaldo Carneiro Junior (Santa Casa de SP/Brasil) Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio (USP/Brasil) Norma Lacerda
(UFPE/Brasil) Olga Lucia Castreghini de Freitas Firkowski (UFPR/Brasil) Pasqualino Romano Magnavita (UFBa/Brasil) Patricia Chame Dias
(UFBa/Brasil) Paula Carnevale Vianna (Univap/Brasil) Paula Freire Santoro (USP/Brasil) Paulo Artur Malvasi (Santa Casa de SP/Brasil)
Paulo Roberto Rodrigues Soares (UFRGS/Brasil) Pedro de Novais Lima Jr. (UFRJ/Brasil) Pedro Roberto Jacobi (USP/Brasil) Rachel de Castro
Almeida (UnB/Brasil) Rafael Feleiros de Pádua (USP/Brasil) Rainer Randolph (UFRJ/Brasil) Raquel Rolnik (USP/Brasil) Regina Dulce Barbosa
Lins (UFAL/Brasil) Regina Maria Prosperi Meyer (USP/Brasil) Renato Cymbalista (USP/Brasil) Ricardo Brinco (FEE/Brasil) Ricardo de Souza
Moretti (UFABC/Brasil) Ricardo Ojima (UFRN/Brasil) Robert Moses Pechman (UFRJ/Brasil) Robson Dias da Silva (UFRRJ/Brasil) Rômulo José
da Costa Ribeiro (UnB/Brasil) Rosa Moura (Ipea/Brasil) Rosana Denaldi (UFABC/Brasil) Rosetta Mammarella (FEE/Brasil) Saint-Clair Cordeiro
Trindade Jr. (UFPA/Brasil) Sandra Lencioni (USP/Brasil) Sarah Escorel (Fiocruz/Brasil) Sarah Feldman (USP/Brasil) Sergio González López
(Uaemex/México) Sergio Manuel Merencio Martins (UFMG/Brasil) Suzana Pasternak (USP/Brasil) Sylvio Bandeira de Melo e Silva (UFBa/
Brasil) Tales Boher Lobosco Gonzaga de Oliveira (UFMG/Brasil)
sumário
617 Apresentação
The centrality of metropolitan agglomera ons 623 A centralidade das aglomerações metropolitanas
in the globalized economy: economic na economia globalizada: fundamentos
founda ons and poli cal perspec ves econômicos e possibilidades polí cas
Daniel Sanfelici
Axes: a new paradigm of regional planning? 671 Eixos: novo paradigma do planejamento regional?
Infrastructure axes in the na onal PPAs, Os eixos de infraestrutura nos PPA’s nacionais, na
in the Iirsa and in the macrometrópole paulista Iirsa e na macrometrópole paulista
Jeferson Cris ano Tavares
Reviewing the use of IBGE data for research 721 Revendo o uso de dados do IBGE para pesquisa
and land planning: reflec ons on the classifica on e planejamento territorial: reflexões quanto
of the urban and rural situa on à classificação da situação urbana e rural
Caroline Krobath Luz Pera
Laura Machado de Mello Bueno
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 609-924, nov 2016 615
The end of slums? Planning, par cipa on 765 O fim das favelas? Planejamento, par cipação
and removal of families in Belo Horizonte e remoção de famílias em Belo Horizonte
Clarice de Assis Libânio
Space in geography and the space 803 O espaço na geografia e o espaço da arquitetura:
of architecture: epistemological reflec ons reflexões epistemológicas
Lucia Leitão
Norma Lacerda
When the project disguises the plan: concep ons 823 Quando o projeto disfarça o plano:
of planning and its metamorphoses concepções de planejamento
in the city of Belém, state of Pará e suas metamorfoses em Belém (PA)
Ana Cláudia Duarte Cardoso
Taynara do Vale Gomes
Ana Carolina Campos de Melo
Luna Barros Bibas
616 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 609-924, nov 2016
Apresentação
A área do Planejamento Urbano e Regional foi sempre marcada por ter uma agenda
abrangente e ousada, procurando dialogar com as grandes transformações sociais e suas múltiplas
dimensões em cada conjuntura histórica. O escopo necessariamente multi e interdisciplinar de nosso
campo permitiu análises profundas, de conjunto e de longo alcance da realidade urbano-regional.
Entretanto, a partir da década de 1990, a fragmentação crescente do campo, em
compartimentos de disciplinas isoladas, talvez tenha rompido com aquela virtuosa e promissora
tradição. Nesse período mais recente, os teoricismos, abstratos e desconectados da realidade, mas
também os empiricismos, que absolutizavam os estudos caso a caso, tiveram seu grande momento.
Nas últimas duas décadas, as profundas e abrangentes transformações sociais, econômicas,
políticas, institucionais, simbólicas e de modos de vida, nas diversas escalas espaciais, provocaram
impactos marcantes na produção social do espaço. Novas dinâmicas urbanas e regionais ocorreram
ou estão em processo.
Nesse contexto, são imensos os desafios de análise para buscar entender permanências,
inércias e rupturas naqueles processos de transformação em variadas dimensões, com impactos
socioespaciais marcantes.
Regiões e cidades foram profundamente impactadas desde o início dos anos 2000 por
velhos e novos processos. Transformações econômicas, grandes projetos de investimento, novas
relações fundiárias e imobiliárias com o processo de financeirização, provisão de bens e serviços
e de infraestrutura urbana, movimentações populacionais, lógicas em rede, aparecimento de novas
formas de organizar a produção, mudanças na ação do Estado, metamorfoses culturais, renovadas
modalidades de lutas socioespaciais, etc.
Que programas de pesquisas são requeridos para buscar responder a problemáticas tão
complexas e mutantes? Que dimensões da realidade captar? Que múltiplos olhares são possíveis
sobre o espaço?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 617-621, nov 2016 617
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3700
Apresentação
Nesse contexto de intensas alterações da realidade, convidamos para este número de Cadernos
Metrópole pesquisadoras e pesquisadores das diversas áreas de conhecimento que abordam a
questão urbana e regional para trazerem suas contribuições para esse importante debate sobre os
pontos imprescindíveis da agenda renovada a enfrentar em nossas investigações e reflexões acerca
das transformações recentes nos espaços das cidades e regiões sob análise. O tema da chamada foi
“Planejamento Urbano e Regional: percursos e desafios”.
Abrindo a coletânea, o artigo A centralidade das aglomerações metropolitanas na economia
globalizada: fundamentos econômicos e possibilidades políticas, de Daniel Sanfelici, propõe uma
discussão teórica sobre as forças econômicas que reiteram a centralidade da metrópole no processo
de globalização e sobre as possibilidades e limites da ação política local. Afirma que, em que pese a
infinidade de previsões sobre o iminente declínio da importância das grandes cidades, estas últimas
se mantêm como nós privilegiados do desenvolvimento econômico. Examina os fundamentos
econômicos da aglomeração espacial e discute como essas mesmas forças econômicas, mediadas
pela ação pública local, estruturam o espaço intraurbano. Arremata, vislumbrando as possibilidades
abertas à ação pública local, ressaltando que, para ser eficaz, deve ser concebida, ao mesmo tempo,
como transescalar e multidimensional.
Em seguida em Governance in an emerging suburban world, Pierre Hamel e Roger Keil partem
da afirmação de que as cidades são crescentemente definidas pelas suas periferias. A produção
dos espaços suburbanos, através de diversas modalidades de governança (Estado, acumulação de
capital e autoritarismo privado), vem transformando cidades-região de maneiras inesperadas. A
diversidade de formas espaciais que moldam o desenvolvimento suburbano traz novas escalas para
a compreensão das questões urbanas. Os autores tratam dessas questões emergentes a partir do
caso canadense, abrindo importante perspectiva para estudos comparados.
Ao problematizar a organização territorial ancorada em eixos de infraestrutura propostos pelo
poder público e demonstrar as relações entre reestruturação produtiva e configuração do território,
o artigo Eixos: novo paradigma do planejamento regional? Os eixos de infraestrutura nos PPA’s
nacionais, na Iirsa e na macrometrópole paulista, de Jeferson Cristiano Tavares, procura analisar,
em diferentes escalas e com recortes espaciais, o papel dos eixos: nos PPA’s, no âmbito federal; no
programa Iirsa, no âmbito continental; e o Plano de Ação da Macrometrópole Paulista (PAM 2013-
2040), no âmbito estadual. O artigo afirma a consolidação de um protagonismo em curso do eixo
como elemento estruturador da organização territorial nessas diferentes escalas.
Por meio de análise bibliométrica, o artigo La gentrificación en los estudios urbanos: una
exploración sobre la producción académica de las ciudades, de Félix Rojo Mendoza, procura analisar
a recente produção científica sobre o processo de gentrificação. O autor ressalta a utilização, por
vezes, livre, imprecisa e generalizada do termo que ganhou crescente relevância nos últimos anos.
A gentrificação, que implica reestruturação urbana com deslocamento e substituição de classes
sociais no espaço, vem sendo utilizada para também caracterizar processos às vezes muito distintos.
Entre outras contribuições do autor para o debate, está o questionamento sobre se é possível seguir
618 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 617-621, nov 2016
Apresentação
utilizando esse termo ou se seria necessário renomear tais processos de transformação urbana nos
diversos contextos socioespaciais.
O artigo Revendo o uso de dados do IBGE para pesquisa e planejamento territorial: reflexões
quanto à classificação da situação urbana e rural, de Caroline Krobath Luz Pera e Laura Machado
de Mello Bueno, por meio de uma discussão sobre as transformações relativas ao uso da terra
no processo de expansão urbana da Região Metropolitana de Campinas, observa a relevância
das informações coletadas e as dificuldades de classificação colocadas pela dicotomia urbano-
-rural quanto à situação dos setores censitários propostos pelo IBGE e apresenta os limites e as
possibilidades desses dados para o mapeamento de tendências de crescimento metropolitano.
Aponta as possibilidades para reorganização da classificação, para caracterizar as desigualdades
do espaço urbano, sugerindo que o uso desses dados poderá ser mais efetivo para construção e
avaliação de políticas públicas municipais e metropolitanas.
O artigo Planeamiento territorial sostenible: un reto para el futuro de nuestras sociedades:
criterios aplicados, de Adrián Ferrandis Martínez e Joan Noguera Tur, assevera a necessidade de
planejar adequadamente o desenvolvimento territorial, ante o modelo socioprodutivo dominante,
como a única maneira de ter territórios mais sustentáveis e de alcançar e manter o bem-estar da
população. Ao refletir sobre essa premência, destaca a importância do planejamento territorial como
um instrumento fundamental para a evolução sustentável dos territórios, avançando na definição de
critérios de sustentabilidade fundamentais para a execução de ações consequentes.
O artigo O fim das favelas? Planejamento, participação e remoção de famílias em Belo
Horizonte, de Clarice de Assis Libânio, analisa as políticas públicas e o planejamento para as áreas
de favelas em Belo Horizonte nos últimos anos e os seus resultados paradoxais. Demonstra que
houve um processo de desfavelização, com avanços na consolidação urbanística das favelas e na
provisão de serviços públicos, porém observa que tais ações não encontraram correspondência
no que diz respeito à apropriação e ao uso do espaço urbano como direito fundamental. Defende
que houve uma inflexão nas práticas governamentais nesses espaços com, de um lado, a garantia
do direito de permanência das famílias no local e, de outro, o aumento do direito de participação
cidadã nas decisões a elas afetas, mas sem o enfrentamento de questões substantivas do direito
mais amplo à cidade.
A partir de uma análise crítica dos Cirs – Complexos Imobiliários, Residenciais e de Serviços, o
artigo Planejamento urbano empresarialista em complexos imobiliários, residenciais e de serviços: a
Reserva do Paiva em análise, de Adauto Gomes Barbosa, aborda as características e as consequências
desses empreendimentos plurifuncionais e a governança urbana desse planejamento urbano
empresarialista que resultou na concepção do Cirs Reserva do Paiva, na Região Metropolitana do
Recife. Frutos de uma interescalaridade das ações, os Cirs resultam da ação de distintos agentes e
de uma eficiente articulação com o poder público. Evidencia-se o protagonismo privado, ainda que
o Estado seja fundamental como agente regulador e viabilizador do negócio. Ao serem concebidos e
produzidos sob a tônica do exclusivismo socioespacial, constituem-se em resposta conservadora ao
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Apresentação
planejamento urbano, que nega a cidade como totalidade, não contribuindo para o enfrentamento
de seus problemas estruturais.
Com o objetivo de procurar estabelecer algumas distinções epistemológicas entre os corpos
disciplinares da geografia e da arquitetura, que têm como objeto o espaço, o artigo O espaço na
geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas, de Lucia Leitão e Norma Lacerda,
ressalta que nas últimas quatro décadas o conceito de espaço se tornou alvo de análises críticas
explícitas por parte dos geógrafos, com possíveis diferenciações desse conceito quando confrontado
com a formulação teórica dos arquitetos. As autoras procuram indicar e discutir as especificidades
teórico-metodológicas de ambos os campos do conhecimento espacial, ressaltando a necessidade
das aproximações disciplinares e da explicitação das premissas conceituais que emergem do urgente
diálogo entre essas disciplinas.
A reforma do Ver-o-Peso, principal símbolo do Centro Histórico de Belém, é analisada em
Quando o projeto disfarça o plano: concepções de planejamento e suas metamorfoses em Belém
(PA), de autoria de Ana Cláudia Duarte Cardoso, Taynara do Vale Gomes, Ana Carolina Campos de
Melo e Luna Barros Bibas. O artigo busca dialogar com as concepções de cidade, as intervenções
conduzidas pelos grupos políticos locais, as coalizões com o setor privado e a mídia local. Aponta
tensões e disjuntivas entre as várias concepções em disputa: de apropriação da paisagem e dos
espaços públicos com melhoria da vida cotidiana das pessoas do lugar versus a mercadificação
das orlas e dos espaços verdes e a produção do espaço artificial e espetacularizado de deleite do
visitante, etc. Demonstra como a esfera política pouco considera, atualmente, o ambiente urbano
amazônico em sua complexidade, não abrindo espaço para uma abordagem da modernização de
Belém atenta à participação popular, à festa inclusiva e à sociobiodiversidade local.
A partir do estudos dos casos das cidades de Salvador, no Brasil, e do Porto, em Portugal,
discutindo os condicionantes que permitiram estruturar programas ou políticas públicas continuadas,
com significativos resultados nos processos de reabilitação e preservação, o artigo Habitação em
centros históricos: um desafio à integração das políticas públicas, de Lucia Maria Machado Bógus
e António Miguel Lopes de Sousa, contextualiza as formulações programáticas e os fundamentos
conceituais a elas associados da habitação, entendida como política pública integrada, de forma a
compreender a relevância das práticas de planejamento urbano que integram a questão habitacional,
suas formas de articulação e impactos nos processos de sociabilidade e de revitalização funcional
daqueles centros históricos sob análise.
A ideia de paisagem relaciona-se diretamente com a era moderna. Entre aproximações e
distanciamentos, o sentimento da paisagem (stimmung) resulta de um longo debate que coloca em
questão a racionalidade definitiva do mundo. A conflitualidade latente entre razão e emoção leva
Kant a admitir a possibilidade da apreensão suprassensível da natureza. Sulzer e Herder alinham-
-se com ressalvas nessa direção, reconhecendo a existência de prazer ou de excitação, provocados
a partir da interação exterior. Carus, a partir de então, refere-se diretamente ao sentimento da
paisagem, apoiado em influências cruzadas de Goethe e Humboldt. O artigo Em busca do sentimento
da paisagem, de Margareth Afeche Pimenta, reflete sobre a trajetória que poderia ter conduzido à
620 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 617-621, nov 2016
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 617-621, nov 2016 621
A centralidade das aglomerações
metropolitanas na economia globalizada:
fundamentos econômicos
e possibilidades políticas*
The centrality of metropolitan agglomerations in the globalized
economy: economic foundations and political perspectives
Daniel Sanfelici
Resumo Abstract
Em que pese a infinidade de previsões sobre o imi- D e spit e t h e nu m e r o u s p r e d ic t io ns a b o u t
nente declínio da importância das grandes cidades, the imminent decline in the impor tance of
estas últimas mantêm-se como nós privilegiados large cities, they continue to be key hubs of
do desenvolvimento econômico. Este artigo propõe economic development. This articles aims to
uma discussão teórica sobre as forças econômicas discuss the economic forces that keep the
que reiteram a centralidade da metrópole no pro- metropolis at the center of globalization, as
cesso de globalização e sobre as possibilidades e well as prospects and limits for political action
limites da ação política local. Na primeira parte, o at the local level. In the first part, the paper
artigo dedica-se a examinar os fundamentos eco- discusses the economic foundations of spatial
nômicos da aglomeração espacial. Na segunda par- agglomeration. The second par t looks into
te, discute como essas mesmas forças econômicas how these economic forces, mediated by local
básicas, mediadas pela ação pública local, estru- public action, structure intra-urban space. In
turam o espaço intraurbano. E, na terceira e últi- the third and last part, the paper examines
ma parte, discute as possibilidades abertas à ação the possibilities open to local public action,
pública local, ressaltando que, para ser eficaz, esta underscoring that, in order to be effective, it
última deve ser concebida, ao mesmo tempo, como has to be seen as simultaneously trans-scalar
transescalar e multidimensional. and multi-dimensional.
Palavras-chave: globalização; urbanização; proxi- Keywords: globalization; urbanization; spatial
midade espacial; desenvolvimento local. proximity; local development.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 623-646, nov 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3701
Daniel Sanfelici
624 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 623-646, nov 2016
A centralidade das aglomerações metropolitanas...
espacial interna dos centros urbanos. Revisitan- de moradia e saneamento, passando por trans-
do brevemente a literatura relativamente ex- porte, segregação e acesso desigual ao urbano,
tensa sobre o processo de aglomeração e seus até os problemas ambientais que se avultam.
fundamentos econômicos, a primeira seção do Observa-se que avanços em muitos desses
artigo discute como o crescimento vertiginoso campos só podem ser obtidos através de um
das grandes cidades repousa sobre um rol de enfoque integral dos problemas em questão e
vantagens econômicas colocadas em marcha de formas de cooperação territorial mais sofis-
pela proximidade espacial sob a forma de eco- ticadas no âmbito da gestão das metrópoles e
nomias externas ou externalidades. A dinâmica da elaboração e execução de políticas públicas.
de acumulação não é apenas responsável, con-
tudo, por produzir níveis cada vez mais eleva-
dos de urbanização e de metropolização, mas
igualmente por fomentar transformações de
A vantagem das metrópoles:
grande envergadura na estrutura espacial in- aglomeração e inovação
terna das cidades através da modificação dos
usos do solo urbano. Visando lançar luz sobre Entre as profecias que, no auge dos anos 1990,
esses processos, muitos dos quais francamen- o discurso otimista da globalização validava,
te desfavoráveis ao acesso mais democrático estava a ideia de que as tecnologias da infor-
à cidade, a segunda parte do artigo discute mação e de transporte levariam, em maior ou
os principais interesses, agentes e forças en- menor grau, à perda de importância ou disso-
volvidos na produção do espaço da cidade e lução do território como nexo fundamental de
aponta como a entrada de novos agentes no interação social.1 Para os economistas versados
circuito imobiliário colocou novas questões pa- na teoria econômica ortodoxa, esse vaticínio
ra a reflexão. Como ficará evidente nessas duas se amparava na premissa de que a redução
primeiras seções, o reconhecimento da impor- ininterrupta dos custos de transporte e de co-
tância desses processos e forças econômicas municação, ao propiciar maior fluidez na trans-
nas transformações em curso não significa, ferência dos fatores de produção, favoreceria
absolutamente, a adesão a uma concepção da inexoravelmente uma distribuição mais equi-
economia enquanto um campo independente tativa dos recursos no espaço, enfraquecendo
da prática social, operando exclusivamente de gradativamente as forças gravitacionais que
acordo com suas leis internas; antes, ressaltar- geram a polarização (Veltz, 2014). No tempo
-se-á o entrelaçamento inevitável dos proces- que transcorreu desde então, as evidências
sos e práticas ditas econômicas com as dimen- não pararam de se acumular no sentido opos-
sões social e política. Por fim, na última seção, to: se, por um lado, a globalização favoreceu
o artigo coloca em pauta os principais desafios efetivamente o comércio de longa distância e
que se perfilam no horizonte da gestão das me- viabilizou, através das tecnologias da informa-
trópoles nos próximos anos, desafios estes que ção, práticas mais sofisticadas de coordenação
se revelam ainda mais urgentes nos países em global das estratégias empresariais, por outro,
desenvolvimento – desde problemas básicos não eliminou a necessidade de proximidade
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territorial na organização das atividades eco- mais ou menos simplificadas em torno de no-
nômicas. Antes, há indicativos de uma corre- ções como centro e periferia ou países desen-
lação robusta entre a integração econômica volvidos e subdesenvolvidos. A questão crucial
global e a aglomeração espacial em alguns é compreender por que e como certos polos
poucos polos urbanos que concentram, cada de aglomeração atingem níveis de produtivi-
vez mais, as atividades econômicas mais avan- dade e inovação crescentes, distanciando-se,
çadas, articulando-se horizontalmente em uma em termos de riqueza produzida e apropriada,
rede de cidades que extrapola as fronteiras, e das demais cidades e regiões. Muitas disputas
muitas vezes a capacidade de ação, dos esta- surgiram em torno da resposta mais adequada
dos-nação (Amin e Thrift, 1992; Sassen, 2000; a essas questões, mas há hoje um consenso
Scott, 1998; Veltz, 2014). Um indicador ilus- de que as metrópoles gozam de uma série de
trativo dessa importância adquirida pela me- vantagens de natureza cumulativa sob a for-
tropolização é o crescimento exponencial do ma de economias externas ou de aglomeração
número de megacidades no mundo – definidas (Scott, 1988; 1998; 2006; Scott e Storper, 2007;
como aglomerações com mais de 10 milhões Storper e Walker, 1989; Storper, 1997; Veltz,
de habitantes. Segundo relatório da ONU, em 2014; Bathelt, Malmberg e Maskell, 2004;
1990 havia 10 megacidades no mundo, cifra Pecqueur, 2009).3 Estas últimas englobam fe-
que saltou para 28 em 2014. 2 Esse número nômenos diversos que podem ser condensados,
pode, além disso, ser uma subestimação da sob o risco de certa simplificação, em quatro
soma total: um relatório recente da Organi- principais: 1) o compartilhamento de infraes-
zação para a Cooperação e Desenvolvimento truturas físicas de alto custo e marcadas pela
Econômico (OCDE) calculou em 15 o número indivisibilidade; 2) as interdependências tran-
de megacidades existentes apenas na China, sacionais entre firmas de um mesmo segmen-
7 a mais do que as estimativas da ONU indica- to ou cadeia produtiva; 3) a formação de um
vam (cf. Krause-Jackson, 2015). Nem mesmo mercado de trabalho denso, diversificado e es-
os graves e persistentes problemas sociais e pecializado; e, finalmente, 4) a criação de um
ambientais que concentrações populacionais ambiente propício à circulação de ideias, ao
dessa dimensão costumam ocasionar parecem aprendizado e à inovação. Esses diferentes in-
frear o ritmo de crescimento das metrópoles, centivos à aglomeração não são mutuamente
sobretudo nos países em trajetória de cresci- excludentes; antes, eles frequentemente se so-
mento econômico acelerado. brepõem ou se articulam de modos complexos.
Extrapolando o registro meramente ane- Todavia, o peso ou a importância de cada um
dótico, é forçoso indagar quais são as causas deles se altera ao capricho de mudanças tec-
desse surto de urbanização recente. Há pelo nológicas, de mudanças regulatórias que fa-
menos dois decênios, uma bibliografia vasta no vorecem ou inibem o comércio internacional e
campo da geografia econômica e da economia de novas formas de concorrência que emergem
regional vem procurando oferecer respostas como reação a transformações no ambiente de
mais refinadas a essa interrogação, qualifi- negócios. Convém discorrer brevemente sobre
cando o debate a fim de suplantar explicações cada um deles.
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atribuídos. Em particular, parece inevitável hoje dos direitos de propriedade e pela formação de
a conclusão de que a mobilização do potencial um mercado no qual os proprietários negociam
latente de cooperação no contexto da imensa seus imóveis a um preço que reflete a capitali-
diversidade de culturas, hábitos, concepções e zação do fluxo esperado de renda (na forma de
habilidades que as cidades encerram é uma das aluguéis) que a cessão do uso da propriedade
chaves para repensar o desenvolvimento na imobiliária pode lhes proporcionar. Esse fluxo
atualidade. No entanto, antes de discutir essas esperado de renda guarda estreita relação com
questões relativas às possibilidades de inter- o posicionamento (cambiante) de uma parce-
venção política, convém colocar em pauta uma la do solo no tecido metropolitano. O princípio
outra dimensão do processo urbano, a saber, mais básico de estruturação do espaço urbano
as transformações do uso do solo urbano, os é, portanto, o da precificação da centralidade,
agentes que as promovem e suas consequên- o que explica que o gradiente de preços do so-
cias para os diferentes grupos e classes sociais lo urbano tenda a atingir seus patamares mais
que habitam as cidades. elevados nas proximidades dos pontos de maior
concentração das atividades econômicas ou em
locais onde o acesso a essas centralidades é
facilitado pela existência de infraestruturas de
A mudança nos usos transporte (Harvey, 2010; Scott, 1980) – o que
do solo urbano não significa que outros princípios de estrutu-
e a estrutura intraurbana ração do solo urbano não se façam igualmen-
te presentes, como amenidades diversas que
As mesmas forças de atração gravitacional que, criam externalidades positivas.
na escala do território, ocasionam a aglomera- Esse princípio básico de atribuição de
ção da atividade econômica em concentrações um preço (renda) à centralidade pode ser vis-
urbanas de elevada densidade e grande exten- lumbrado nitidamente em operação quando
são, condicionam algumas das características um investimento realizado pelo Estado em
básicas da estrutura interna das cidades. O uma nova linha de transporte metropolitano
tecido intraurbano é marcado pela justapo- interliga pontos antes mal conectados com as
sição de uma gama extensa de usos do solo áreas centrais da cidade, reposicionando as di-
que conformam uma totalidade ao mesmo ferentes parcelas do tecido urbano no espaço
tempo altamente diferenciada e fortemente relativo (Harvey, 1999). Um exercício hipotético
polarizada. Essa polarização reflete a procura permite ilustrar esse processo. Quando ocorre
das firmas e dos indivíduos nelas empregados um investimento em uma nova rede de trans-
por proximidade espacial, gerando pontos de porte ou a extensão de uma linha de transporte
maior densidade ocupacional que estruturam, já existente, o solo urbano situado nas imedia-
grosso modo, a distribuição dos usos do solo ções de um novo terminal de transporte torna-
(Scott, 2008). O acesso à proximidade espacial -se alvo de disputa entre potenciais usuários
e às vantagens dela decorrentes é mediado, com fins residencial ou comercial em função
na economia capitalista, pela regulamentação do seu melhor posicionamento em relação às
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A centralidade das aglomerações metropolitanas...
principais centralidades da metrópole. Essa dis- e Henneberry, 2000). Para permanecer com a
puta gera uma expectativa de preços futuros ilustração precedente: se as leis de zoneamen-
em ascensão que sinaliza, aos empreendedo- to da área adjacente ao novo terminal de trans-
res imobiliários, uma oportunidade de ganhos porte inibirem o adensamento e a verticaliza-
com a oferta de imóveis novos na região. Os ção, a elevação dos preços e, por conseguinte,
proprietários de imóveis ou terrenos na região a velocidade e intensidade das transformações
são, então, confrontados com uma demanda serão sobremaneira limitadas. 5 Em segundo
crescente de firmas de incorporação e constru- lugar, essa explicação focaliza (quase) exclusi-
ção em busca de terrenos para construção. Se vamente o lado da demanda por espaço como
a disponibilidade de terrenos for limitada por determinante nas transformações que ocorrem
se tratar de uma região já plenamente construí- nos usos do solo, atribuindo ao segmento imo-
da, os empreendedores imobiliários deverão biliário (e, portanto, à oferta) o papel eminen-
adicionar, aos demais custos de um empreen- temente passivo de reagir aos sinais de preço
dimento, os custos de demolição das estrutu- gerados pelo crescimento e pelas preferências
ras existentes e, com base nesse cálculo, deci- cambiantes da demanda – estas últimas con-
dir acerca da viabilidade do empreendimento. dicionadas por forças macroeconômicas ou
Com a expectativa de ganhos futuros validan- macrossociais, como a geração de empregos,
do os planos de investimento dos empreende- para o caso da demanda das empresas, ou o
dores imobiliários ocorrerá um gradativo aden- aumento da renda, para o caso da demanda
samento ocupacional acompanhado de (maior das famílias (Healey e Barrett, 1990; Healey,
ou menor) elevação dos preços imobiliários na 1991; Gottdiener, 1994). No entanto, ainda que
localidade, alterando, por sua vez, o perfil so- em um nível elementar, a demanda por novos
cioeconômico dos moradores. imóveis responda a estímulos macroeconômi-
Se é inegável que a lógica da centralida- cos variados, a natureza e a direção espacial
de estrutura em grandes linhas a distribuição das transformações imprimidas na escala local
dos usos do solo urbano, a caracterização do refletem igualmente as interações (muitas ve-
processo de transformação nos usos do solo zes conflituosas) entre uma gama heteróclita
nos termos acima capta apenas parcialmente a de agentes – proprietários de terras, incorpora-
realidade, porque supõe o triunfo irrestrito de dores, investidores, bancos, agências de plane-
uma racionalidade econômica pura em que os jamento urbano, etc. – inseridos em um contex-
empreendedores apenas respondem cegamen- to de convenções, valores, instituições e rotinas
te aos estímulos gerados pela evolução da de- de produção particulares ao território no qual
manda. Em primeiro lugar, e de modo evidente, operam. Dito de outra maneira, a simples exis-
todas as decisões de transformação do uso do tência de uma demanda não permite antever
solo são mediadas por instituições e por mar- com precisão: 1) se essa demanda será aten-
cos regulatórios, operantes em diversas escalas dida (no volume necessário) e com que rapi-
espaciais, que restringem ou direcionam a ação dez, tendo em vista os inúmeros obstáculos de
dos proprietários, dos investidores, dos empre- natureza regulatória e de coordenação que se
endedores e dos usuários finais (Ball, 1983; Guy interpõem aos agentes na produção de novos
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imóveis; e 2) como essa demanda será atendi- devem disputar o espaço (social, mas também
da, seja em termos de tipologias e qualidades geográfico) com outras formas de conceber
de construção, seja em termos de localização. os benefícios aportados pela propriedade de
Depreende-se disso, entre outras coisas, que imóveis. Ademais, raramente os habitantes de
a reconfiguração dos usos do solo da cidade uma cidade aceitam passivamente o avanço da
não deve ser interpretada apenas como uma racionalidade econômica sobre formas alter-
reação do mercado imobiliário a variáveis que nativas de conceber, imaginar e organizar os
lhe são exógenas, como a evolução da renda, usos e fluxos que perpassam o espaço urbano
o crescimento econômico, a mudança das pre- (Fainstein, 2001). Embora inúmeras disputas de
ferências dos consumidores e a ampliação das moradores contra o adensamento e a constru-
infraestruturas de transporte, mas também, em ção de novos edifícios não sejam muito mais
boa medida, como um produto das decisões e do que defesas de privilégios, bem sintetizadas
apostas especulativas de empreendedores que, no acrônimo inglês NIMBY,8 muitas outras são
longe de agir isoladamente, fazem-no em um conduzidas por organizações e movimentos
ambiente denso de interações, trocas de infor- sociais com uma visão mais ampla de direito
mação, crenças compartilhadas, alianças, etc. à cidade. São essas organizações que pressio-
(Guy e Henneberry, 2000; Fainstein, 2001). É nam o poder público para intervir no sentido de
essa autonomia relativa da oferta em relação impedir que o adensamento excessivo elimine
às circunstâncias econômicas que explica a os espaços públicos ou gere uma sobrecarga
capacidade de o setor imobiliário criar novas sobre a infraestrutura existente; para preservar
centralidades urbanas em localidades pouco o patrimônio histórico-cultural da cidade; pa-
evidentes do ponto de vista dos eixos estru- ra reivindicar o direito de grupos sociais mais
turantes de uma metrópole, produzindo um vulneráveis permanecer em áreas mais centrais
redirecionamento do crescimento da cidade das cidades (seja mediante o investimento em
através da redistribuição dos grupos sociais no novos projetos de moradia social, seja através
6
tecido urbano. da regularização e qualificação de assentamen-
O enredamento do mercado imobiliário tos informais); ou para solicitar melhor acessi-
em contextos sociais, políticos e culturais de bilidade das áreas mais empobrecidas aos cen-
referência tem por corolário evidente que a tros de emprego e lazer através da ampliação
morfologia espacial das cidades jamais é um da rede de transporte. A mercantilização do
reflexo de uma racionalidade econômica pura, solo urbano e a rígida segregação dos grupos
como preconizam ou desejam algumas aborda- sociais no espaço que dela resulta não podem
7
gens econômicas. Como assinala Haila (1988), ser, portanto, vistas como um processo contí-
as condições de exercício de uma racionalidade nuo e inexorável, sem contradições e disputas
mais puramente econômica, que viabilizaria o que impõem avanços e recuos (voltaremos a
tratamento do solo urbano como um ativo fi- esse ponto adiante).
nanceiro nos termos de Harvey (1999), nem Em síntese, a estrutura interna das ci-
sempre estão presentes e, mesmo quando es- dades traduz, inegavelmente, os imperati-
tão, os agentes portadores dessa racionalidade vos econômicos básicos de aglomeração e
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A centralidade das aglomerações metropolitanas...
polarização, mas essas forças primárias são antes assinalar um ponto de comum acordo
sempre mediadas e defletidas por normas, entre a maioria dos autores, a saber, que um
instituições, rotinas e convenções sociais que dos traços mais expressivos da ascensão das
produzem resultados pouco previsíveis em ter- finanças globalizadas é seu afã de reduzir, para
mos socioespaciais – algo que um olhar com- fins de comparabilidade imediata, todos os se-
parativo superficial entre cidades tão diferentes tores da economia a um denominador comum
como Amsterdã e Los Angeles, ou São Paulo universal: sua capacidade de gerar valor para
e Buenos Aires, pode facilmente confirmar o acionista investidor. Esse apetite por renta-
(Shatkin, 2007). Dito isto, é pertinente reconhe- bilidade se combina com estratégias de diver-
cer que a entrada em cena de novos agentes sificação de ativos – tanto geográficas quanto
na produção do espaço vem produzindo pres- setoriais – que prometem reduzir a exposição
sões em favor de um aprofundamento de uma ao risco concentrado, compensando flutuações
racionalidade mais estritamente econômica na negativas em algum setor com ganhos mais ex-
concepção e produção das cidades. Referimo- pressivos em outro.
-nos aqui à relevância que assumiram os ativos O setor imobiliário emergiu, nesse con-
de base imobiliária nas estratégias de gestão texto, como uma das alternativas de diver-
de portfólio de agentes financeiros designados sificação de investimento aos investidores
genericamente como investidores institucio- institucionais, que podem obter exposição a
nais. Desde meados da década de 1980, sob essa “classe de ativos” (jargão comum no meio
o efeito triplo da desregulamentação e libe- financeiro) por mais de uma via – por exem-
ralização financeira iniciada com mais ímpeto plo, a compra de ações ou de títulos privados
nos Estados Unidos, das inovações no âmbito emitidos por construtoras e incorporadoras;
das tecnologias da informação e, finalmente, a aquisição direta de imóveis para locação a
do redirecionamento da poupança privada, outras empresas, como edifícios corporativos
antes concentrada em depósitos bancários, nos distritos de negócios das cidades ou gal-
para alternativas de investimento mais rentá- pões logísticos situados próximos a entronca-
veis como fundos de pensão e mutual funds, mentos rodoviários estratégicos; a aquisição
os investidores institucionais tornaram-se de cotas de companhias imobiliárias ou fundos
protagonistas das transformações profundas de investimento imobiliário; a compra de par-
ocorridas na economia capitalista, muito além ticipação em shopping centers, etc. Conforme
do domínio financeiro stricto sensu. São essas uma gama de pesquisas vem demonstrando, a
transformações de ampla envergadura nas es- entrada desses novos agentes no financiamen-
truturas básicas do capitalismo que uma litera- to à atividade imobiliária acarretou mudanças
tura extensa, e em franco crescimento após a importantes não apenas na organização inter-
crise de 2008, procurou englobar com o con- na do setor imobiliário, que em alguns países
ceito de financeirização (Braga, 1997; Orléan, levou à consolidação de firmas de maior poder
1999; Froud, Johal e Williams, 2002; Chesnais, de mercado, mas também na própria manei-
2002; Lapavitsas, 2009; Belluzzo, 2009). Não é ra como esse setor produz as cidades (Bote-
nosso propósito aqui revisitar esse debate, mas lho, 2007; Fix, 2007; Shimbo, 2012; Theurillat,
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Corpataux e Crevoisier, 2010; Aalbers, 2008; em cidades nas quais a liquidez dos ativos é
David e Halbert, 2014; Halbert e Rouanet, 2014; mais elevada, ou seja, em que a densidade do
Sanfelici e Halbert, 2016; Guironnet, Attuyer mercado imobiliário local facilita tanto a re-
e Halbert 2015; Fields e Uffer, 2016). Em par- venda do ativo para reestruturação da carteira
ticular, a presença dos investidores financeiros quanto a prospecção de um novo locatário na
introduziu temporalidades e espacialidades dis- ocasião de uma rescisão ou término de contra-
sonantes no processo de produção das cidades, to; e em que a percepção de risco é menor de-
geralmente tributárias de um modo diferente vido à familiaridade com o ambiente de negó-
de conceber rentabilidade e risco (Theurillat, cios (Theurillat, Corpataux e Crevoisier, 2010;
Rérat e Crevoisier, 2015). Henneberry e Mouzakis, 2014).
Três breves exemplos são suficientes O segundo exemplo refere-se à presença
para esclarecer esse ponto. Primeiro, no caso dos investidores como acionistas de empresas
de ativos como edifícios de escritório, o mo- de construção e incorporação, um tema sobre o
vimento de externalização (venda) do patri- qual é instrutivo olhar para a evolução recente
mônio imobiliário por parte de empresas até no Brasil. A partir de 2005, quando uma onda
então proprietárias-ocupantes, iniciado nos de investimento estrangeiro atingiu o segmen-
anos 1980 e justificado pelo anseio por maior to da construção e incorporação, um grupo de
flexibilidade operacional, tornou esses ativos incorporadoras tirou proveito das condições
imobiliários alvos preferenciais de investidores de financiamento para adotar estratégias de
como fundos de pensão e veículos de investi- expansão acelerada através da aquisição de
mento especializados, como os fundos de in- outras empresas e da entrada em mercados
vestimento imobiliário. Esses agentes investem regionais (Shimbo, 2012; Fix, 2011; Sanfelici,
seja adquirindo imóveis já existentes de firmas 2013). Essa estratégia de expansão acelerada,
que desejam se desvencilhar de seu patrimônio fruto de uma convenção coproduzida entre a
imobiliário, seja adquirindo (e às vezes finan- comunidade financeira e a diretoria das cons-
ciando) imóveis novos que lhes são ofertados trutoras de capital aberto, engendrou um en-
por promotores imobiliários. As análises exis- curtamento do horizonte temporal das empre-
tentes sobre as estratégias de investimento sas, cujo desempenho passou a ser mensurado,
desses investidores financeiros apontam para nos anos que sucederam à abertura de capital,
lógicas de seletividade pronunciadas que con- cada vez mais de acordo com o aumento no
tribuem para a concentração geográfica dos volume de unidades lançadas de um trimestre
investimentos imobiliários em um núcleo duro para o outro, em detrimento de uma visão de
de metrópoles com vocação global e, dentro mais longo prazo e multidimensional (Sanfelici
delas, em alguns poucos distritos de negócios e Halbert, 2016). Essa ênfase na capacidade de
consolidados. Essas lógicas possuem funda- expansão das empresas teve como resultado,
mentos diversos, mas frequentemente encon- além de uma mudança decisiva na estrutura do
tram explicação em noções de risco e retorno setor devido à maior participação de mercado
muito próprias às finanças de mercado, que le- das incorporadoras de capital aberto, a multi-
vam os investidores a priorizar o investimento plicação de grandes projetos imobiliários, como
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urbana deve almejar a construção de vínculos brasileiro é rico em exemplos. É certo que exis-
de cooperação e alinhamentos de metas com tem inúmeras políticas e intervenções em nível
outras escalas de administração política, visan- local, muitas delas previstas no Estatuto da
do à potencialização dos ganhos gerados por Cidade, que podem atenuar as desigualdades
uma determinada política pública. É evidente urbanas, como a definição de zonas especiais
que a construção desses vínculos entre escalas de interesse social, o uso do IPTU progressi-
políticas não é apenas um problema de nature- vo para coibir a especulação com terrenos em
za técnica, visto que as relações entre escalas regiões providas de infraestrutura, a regulari-
estão permeadas por relações de poder, e estas zação e urbanização de favelas e a concessão
definem em grande medida em torno de quais de terrenos públicos ou a desapropriação de
políticas a convergência escalar será possível – terrenos privados para fins de moradia social
voltaremos a esse ponto das relações de poder. (para um rol desses instrumentos, ver Souza,
No entanto, é preciso frisar que a ausência de 2001). Essas políticas e mecanismos devem
formas de coordenação interescalar na formu- ser reconhecidos em sua utilidade e devem ser
lação e implementação das políticas urbanas empregados em todo seu potencial. No entan-
resulta em toda sorte de disfuncionalidades e to, essas ações terão seus efeitos limitados ou
ineficiências que constituem importantes im- mesmo dissolvidos enquanto o sistema tribu-
pedimentos para avanços imprescindíveis no tário brasileiro, instituído em sua maior parte
âmbito do desenvolvimento urbano. A questão em âmbito federal, permanecer caracterizado
emergente da mobilidade urbana no Brasil, que por injustiças tributárias gritantes (Gondim e
esteve no centro dos protestos de 2013, ilustra Lettieri, 2010), um ponto que muitos estudio-
bem a urgência de uma política de coordena- sos do urbano soem ignorar.12
ção entre escalas. Embora inúmeros municí- O segundo ponto que merece atenção
pios tivessem envidado esforços genuínos, nos diz respeito à multidimensionalidade das polí-
últimos anos, no sentido de aprimorar o siste- ticas de desenvolvimento local, ou seja, à exi-
ma de transporte coletivo e, assim, abreviar o gência de um reconhecimento mais explícito e
tempo de deslocamento diário entre moradia e reflexivo, pelos agentes políticos, das interde-
trabalho, as políticas implementadas em nível pendências existentes entre as diferentes di-
federal de incentivo ao transporte individual mensões do fenômeno urbano como condição
motorizado e de financiamento subsidiado para a formulação de políticas públicas mais
à aquisição da casa própria anularam todo e abrangentes e justas. Subjacentes a esse ape-
qualquer avanço que tivesse sido efetuado na lo estariam razões tanto de ordem normativa
escala local ou metropolitana (Maricato, 2011; quanto de eficiência. No que tange à sua base
Souza, 2013), deteriorando, sobremaneira, normativa, a ideia de multidimensionalidade
as condições de deslocamento de parte dos implica transcender uma visão de desenvolvi-
habitantes da cidade. A necessidade de ação mento local e regional que, a despeito de avan-
transescalar é igualmente evidente em uma ços, continua a colocar o acento sobre o cres-
política de mitigação das desigualdades so- cimento do produto como indicador prioritário
cioespaciais locais, e aqui novamente o caso do progresso (Moulaert e Nussbaumer, 2005).
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mais progressista da cidade requer, antes de vocabulário) político capaz de oferecer uma vi-
tudo, que as forças progressistas na sociedade são alternativa de cidade que seja coerente e
civil elaborem um novo imaginário (e um novo que mobilize os diferentes grupos sociais.
Daniel Sanfelici
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia. Niterói,
RJ/Brasil.
danielsanfelici@gmail.com
Notas
(*) Este artigo é o resultado de reflexões desenvolvidas durante estágio de pós-doutorado no
Laboratoires Techniques, Territoires et Sociétés (Université Paris-Est). Agradeço à Capes pelo
financiamento ao estágio de pesquisa.
(1) Esse discurso não se circunscrevia aos debates no campo da economia, mas, em suas diferentes
versões, estava presente nos principais debates das ciências humanas, como o atesta a
prevalência do conceito de “desterritorialização” entre seus proponentes. Cf. Haesbaert (2004).
(3) A profusão de pesquisas explorando a relação entre aglomeração e desempenho econômico foi
precedida, no período pós-guerra, por teorias de economistas como François Perroux, Albert
Hirschman e Gunnar Myrdal. Apesar do pioneirismo desses autores, a questão ficou em grande
medida submersa diante de outros temas que eram considerados mais importantes, como as
relações entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos ou entre centros e periferias, na arena
internacional (Sco , 2002).
(4) Sobre isto, Veltz (2014) afirma que “é na interorganização [...] que se constroem as competências
e que se definem, em grande parte, os avanços técnicos. O ‘progresso técnico’ é, ao mesmo
tempo, cada vez mais endogeneizado na economia mercan l e subme do às suas leis, e mais
dependente de processos coopera vos e socializados” (p. 190, tradução nossa).
(5) Pode-se presumir, como muitos o fazem, que os interesses de alguma fração de classe ou
setor econômico ou, ainda, e de maneira mais abstrata, do capital serão determinantes na
formulação das leis de uso e ocupação do solo. Existem, evidentemente, muitos exemplos para
confirmar tal assertiva. Entretanto, existem inúmeros outros exemplos em que, no embate
entre proprietários e construtoras, os primeiros acabam por impor suas preferências, sobretudo
quando são proprietários de alta renda.
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Daniel Sanfelici
(6) Essa capacidade endógena do mercado imobiliário de redefinir, em um contexto de expecta vas
e crenças par lhadas entre os empreendedores privados, a distribuição dos usos do solo na
cidade levou Abramo (2001 e 2012) a desenvolver uma análise da produção da cidade baseada
na economia das convenções.
(7) Em edição recente, a revista The Economist, tradicional porta-voz do liberalismo econômico,
lamentou a persistência de limitações ao aproveitamento do solo urbano em cidades como
São Francisco e calculou que o PIB americano seria em torno de 13% mais elevado caso essas
restrições fossem suprimidas. Em que pese a estreita redução do bem-estar social à dimensão
do PIB que uma proposição desse po carrega, mesmo essa revista reconhece que, levada ao
limite, a racionalidade econômica destruiria o que as cidades têm de melhor.
(8) Not In My Back Yard, que traduz a ideia do pico morador de renda média e alta que é indiferente
ao adensamento e à construção, desde que não ocorram no seu bairro.
(9) Justamente porque, como procuramos discutir nos parágrafos anteriores, as reivindicações
da sociedade civil podem, em muitos casos, frear os efeitos mais negativos da valorização
imobiliária ou modificar projetos de renovação urbana para contemplar interesses diversos.
(10) Muitos autores fazem vista grossa às nuances e gradações existentes entre autores muitas vezes
classificados como pertencentes a uma mesma vertente teórica, o que acaba por empobrecer
o debate.
(11) Essa concepção estratégica do Estado, inspirada no trabalho de Bob Jessop, está bem sinte zada
no texto de MacLeod e Goodwin (1999).
(12) É possível mesmo conjeturar que uma reforma tributária que corrigisse as distorções regressivas
do atual sistema tributário brasileiro poderia ter efeitos mais profundos sobre o acesso à
habitação do que uma polí ca de subsídios à aquisição da casa própria.
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646 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 623-646, nov 2016
Governance in an emerging
suburban world
Governança em um mundo suburbano emergente
Pierre Hamel
Roger Keil
Abstract Resumo
Cities are increasingly defined through their Cada vez mais, as cidades estão sendo definidas
peripheries. This observation is the result of através de suas periferias. Essa observação resulta
what has been explored by urban researchers do que tem sido explorado por pesquisadores urba-
wo r l d w id e. Su b u r b an d evelo p m e nt , w it h nos no mundo todo. O desenvolvimento suburbano,
diverse modalities of governance – through com diversas modalidades de governança – através
the state, capital accumulation and private do Estado, acumulação de capital e autoritarismo
authoritarianism – is transforming city regions privado – está transformando as regiões das cidades
in an unexpected way. The diversity of spatial de uma forma inesperada. A diversidade de formas
forms shaping urban /suburban development espaciais que modelam o desenvolvimento urbano/
is part of a peripheral growth bringing in a suburbano faz parte de um crescimento periféri-
new scale for understanding urban issues, co que está introduzindo uma nova escala para se
the metropolis or the city region. The paper compreender as questões urbanas, a metrópole ou
is subdivided in four parts. First, we take into a região da cidade. O artigo está dividido em quatro
account the expansion of suburban spaces partes. Primeiro, consideramos a expansão dos es-
in order to highlight the new urban issues paços suburbanos para ressaltar as novas questões
emerging at a city regional scale. Second, we urbanas que estão emergindo em escala regional.
look at framing the mechanisms of suburban Em seguida, nos debruçamos sobre os mecanismos
governance. Then, after paying attention to the de governança suburbana. Finalmente, após aborda-
Canadian situation, we compare the model of mos a situação canadense, comparamos o modelo
suburban governance in Anglo Saxon settler de governança suburbana em sociedades coloniza-
societies to other forms and / or models of doras anglo-saxãs a outras formas e/ou modelos de
suburbanization prevailing in other parts of the suburbanização que prevalecem em outras partes do
world. mundo.
Keywords: suburbs; cities; actors; governance; Palavras-chave: subúrbios; cidades; atores; go-
Canadian suburbs; post-suburban realities. vernança; subúrbios canadenses; realidades pós-
-suburbanas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 647-670, nov 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3702
Pierre Hamel, Roger Keil
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Governance in an emerging suburban world
post World War II phenomenon, primarily tied have been researched widely ( McManus
to the Keynesian-Fordist production of space, and Ethington, 2007). Different aspects
has now become a universal process with investigated by researchers have included both
“suburban constellations” arising around the the conditions leading to the establishment of
globe (Harris 2010; Keil 2013). Such a tendency suburbs and the forces contributing to their
has not been difficult to observe in Canada transformation. In that respect, the diversity
where the concentration of population in city- of factors taken into account in urban
regions over the last decades was particularly studies – including ethnicity, race, economics
strong (Hiller, 2010). But this observation can and social activities – have contributed to
easily be extended to a global scale. This is at our understanding of the complexity and
least one of the key hypotheses underlying transforming character of these settlements
our thinking. For us, urban growth and (Nicolaides and Wiese, 2006). That said, these
urbanization at a global scale are materializing studies predominantly focused on specific
primarily through metropolitanization that can cases and historical contexts and paid little
be defined, on the one hand, by the internal attention to the universal and particular forces
social and spatial structuring of metropolises involved in suburbanization processes and
and, on the other, by the building of a system of their consequences on the ‘suburban ways of
metropolises at a global scale (Bassand, 2007; life’ – which we refer to as suburbanism(s).
see also Brantz et al., 2012). And this is being These are defined jointly by structural factors
achieved mainly through peripheral urban and subjective cultural choices characterizing
growth. Processes of suburbanization are now different situations that are influenced by
subsumed within emerging megalopolitan national and regional contexts. Because of
spaces. ‘Suburbs’ are a ‘zombie category’ at that omission and given our political-economy
odds with the contemporary form of urban perspective, we see a need to pay greater
regions, while outer suburban and exurban attention to a diversity of geographical
spaces continue to rapidly expand and define settings with a focus on how suburban
the growth of ‘edgeless cities’ (Lang and Knox, expansion is transforming cit y-regions
2008). It is possible, therefore, to identify and how suburbanism(s) are part of social
suburbs as one ‘moment’ of development and transformations (Moos and Mendez 2015).
life within growing megalopolitan regions. The multiple urban realities we see when
Su bur ban g row t h and ex pansion considering suburbs and suburban growth from
is ce r t ainl y not a new p h e n o m e n o n . a global perspective highlight the importance
Suburbanization has been part of urbanization of historical and geographical differences.
and urban development as long as urbanism Although these two entry points do not
has emerged as a form of life or as a mode always converge, they nonetheless contribute
of collective organization (Vieillard-Baron, complementary information that enhances
2011; Teaford, 2011). In addition, in the our understanding of current (sub)urban
field of urban studies and more specifically issues. The suburbs are now an unpredictable
urban history, suburbs and suburbanization landscape, especially compared to the
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Pierre Hamel, Roger Keil
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Governance in an emerging suburban world
between these actors, even though it is always around the world. But does addressing how
possible that cooperation can being channelled suburban governance has been implemented in
or even manipulated to serve special interests. the Global North and the Global South solve all
Beyond the ideological claims of a lessening the theoretical issues suburban governance has
of class interests under governance discourse, to deal with?
one has to be aware of class response to According to Dennis R. Judd (2011, p.
public challenges in the context of neoliberal 17) an “all-encompassing theory” of the city
austerity (Davies, 2011). Instead of leading is “impossible to achieve”. And we can say
to more democracy, governance mechanisms the same for urban-regions where suburban
under neoliberal rule have often resulted in expansion is taking place. This does not
more authoritarianism in process and outcome mean that theoretical concerns are useless.
(Swyngedouw, 2005). Institutional changes that In fact, we think exactly the opposite is true.
have taken place in the political field since the To gain a better understanding of the way
1980s are clearly a big concern. The emergence suburban governance is taking shape and is
of the governance model in the urban literature managed in different parts of the world, it is
has undoubtedly reflected a shift in “how important to raise conceptual concerns and to
we conceptualize urban governments as discuss the implications of theoretical choices
governments” (Andrew, Graham and Phillips, involved in defining suburban expansion and
2002, p. 12). Processes of policy-making are suburbanism(s) as specific object of study.
taking a new form: The universalization of urbanization has to be
taken seriously not only as an empirical object
Polic y-making no longer separates
of inquiry but also as a challenging issue at a
neatly policy-makers from policy-takers,
nor does it distinguish between public theoretical level.
and private actors in all type of roles
throughout the policy process. The
polity structures addressed by political
mobilization and that produce policy Framing the mechanisms
decisions are not solely those of the of suburban governance
nation-state, but those of other polities
(…). (Piattoni, 2010, p. 249)
A large literature explicitly investigates how
Taking into account the way reflexivity urban regions are governed. Immigration
and professional specialization has transformed policies, housing, infrastructure, transportation
the political context, the reference to the and development processes contribute to the
notion of governance is being used in a critical process of governance. Whether it is urban
way. Instead of looking at it as a ‘fait accompli’, regime theory, growth coalitions, regulation
we refer to it as a working tool for exploring theory, or accounts of urban social movements,
how policy-making regarding suburban we have many conceptual resources for
expansion and suburban way of life have been understanding how urban-regions are planned,
institutionalized and/or have been underway built and are struggled over. However, much
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Pierre Hamel, Roger Keil
less attention has been paid to the question processes of urbanization and suburbanization,
of suburban governance; specifically the or what Lefebvre (1968; 2003[1970]) has
constellation of public and private processes, theorized as an “urban revolution”. At the
actors and institutions that determine and time of writing, Lefebvre’s revolution was
shape the planning, design, politics and a provocative hypothesis. The globalization
economics of suburban spaces and everyday of neoliberal capitalism has furthered the
behaviour. Admittedly, a range of different decentralization and universalization of urban
scholars and (sub)urban commentators have space at a global scale and, as Lefebvre
explored the regulation of suburban spaces postulated, is transforming aspects of everyday
and processes of suburbanization (see Young life and ‘space’ of the urban. Powerful processes
2015). Yet, often the discussions are not of uneven development, capital accumulation,
couched in the language of governance per migration and agricultural transformations
se (for an exception see Phelps et al., 2010; have resulted in varied forms of peri-urban
Phelps and Wood, 2011). At the same time, any development that touch all urban-regional
survey of the existing literature would reveal spaces. However, the universalism of this
that it is exceedingly difficult to pin down process should not occlude the particularities of
exactly what suburban governance means and how suburbs are produced and lived. Both the
how it is practiced. In fact, suburbs and their form and content of different suburban spaces
social meanings are connected to the history are heavily path-dependent, reflecting different
of different national contexts (Faure, 2010). As political, economic, cultural and environmental
underlined by John Archer (2005), in England histories. Moreover, the social and ecological
and America, ongoing contentious issues are histories affecting the permutations of
the results of the Enlightenment project that suburbanization and forms of everyday life are
one can find at the basis of Western values, marked by relations of power, inequality and
starting with the material world. Therefore, marginalization, which profoundly affect the
the array of descriptors across different trajectories of suburban growth and decline.
geographical and linguistic areas makes the Suburbanization has certainly taken the
task of ascertaining similar and different form of a global process (Harris, 2010; Keil,
modes of suburban governance difficult yet 2011; 2013), yet we lack a comprehensive
still a necessary project (Harris and Vorms assessment of the forces of governance
forthcoming). that guide the proliferation of peripheral
Th u s, o u r a i m i s t o d e v e l o p a urbanization. The problematic of governance
framework, and argument that accounts involves accounting for the particular
for the universalization of suburbanization, manifestations of the more general urban-
while maintaining a focus on the particular regional process of decentralization. The
manifestations of this global process. It is true governance of suburbanization and attendant
that different descriptors of suburban life signify forms of everyday life are a matter of
particular forms of decentralized urban space. identifying the constitutive dynamics that
Yet behind all of these forms of suburbs are the shape and influence how suburbs are produced
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Governance in an emerging suburban world
and experienced. Governance contains a within the space of city regions (Addie and Keil
politics of suburbanization that facilitates its 2015; Keil et al., 2016). In fact, the problems
process but also questions the effects of growth of political regulation that public authorities
(and decline). It can be part of a more general are facing are more and more inscribed
politics of scale but can also entail a number of within metropolitan areas where specific
social and economic dynamics in which politics issues (socio-spatial segregation, security,
may be present but invisible. The question we environment, health, education, matters of
ask then is as follows: What are the universal sustainable development) are being discussed.
and particular forces shaping suburbanization Metropolises are not only the main location
processes in different urban-regions? where it is possible to observe the restructuring
In broad terms there are two central of relations between state and civil society, but
aspects of suburban governance, the also the main sphere directly affected by social
first of which concerns how processes of changes related to neoliberalism (Jouve, 2005).
suburbanization and forms of suburbanism are Thus, from a political economy perspective,
differentiated historically and geographically. the new territorial frames associated with
Yet at the same time, in an increasingly metropolises are becoming the spaces where
globalized urban world, suburbanization a new capitalist regulation is implemented
processes in different spaces are guided by and where capitalist contradictions are
similar practices whether it is, for example, transferred to, but also the scale where new
annexation (Cox, 2010; Kennedy, 2007; Zhang compromises have to be worked out (Baraize
& Wu, 2006) or the diffusion of ideologies and Négrier, 2001). An important gap remains,
that sanctify decentralization, public choice however, between metropolitan institutions
and private homeownership (Langley, 2009; on the one hand and functional territories
Marcuse, 2009). Thus the second aspect of on the other (Lefèvre, 1998; Keil and Addie
suburban governance entails accounting for 2015; Phelps et al. 2010, p. 378). One of the
the points of convergence regarding how central tensions of governing suburbanization
suburbanization proceeds whether in Eastern and postsurbubanization is the misalignment
Europe, the United States, South Asia and in a between political institutions and the rapid
range of other spaces. Suburban governance growth of decentralized development, which
entails accounting for both the converging and continually transforms the territoriality of
diverging patterns of peripheral development. urban-regions (Boudreau et al., 2006; Boudreau
Doing so requires paying attention to the et al., 2007; Le Galès, 2003; Phelps and Wood,
varied agents, methods, relations and 2011, Phelps et al, 2010; Young and Keil 2014;
institutions through which development is Keil et al., 2016).
managed. Together, these can be viewed as the Three styles of suburban development
mechanisms of suburban governance. can be identified: self-built, state-led and
One then has to keep in mind that private-led suburbanization. These three forms
mechanisms of suburban governance are also of suburban development do not unfold in
increasingly taking place at the scale and a teleological manner from one stage to
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Pierre Hamel, Roger Keil
another but rather each type of suburban self-led, state-led, and market- or private-led
expansion is evident in different historical development avoids taking the Euro-American
moments and spaces. Self-led peri-urban case as fundamental and highlights divergent
growth is serendipitous and occurs without yet comparable processes in different spaces.
detailed planning. The scale of development In all of its forms, suburban development
ranges from individual, residential and is led by distinct but complementary modalities
commercial developments to large tracts of of governance through the state, capital
informal housing. This type of development accumulation and private authoritarianism.
is thus fragmented and heterogeneous and Different state forms have played a role in
is typified by low regulation. Infrastructure suburbanization processes. At the same
tends to be poorly developed and time, it is important not to view the state as
characterized by the type of disconnectivity monolithic but rather it is crucial to see the
that Graham and Marvin (2001) describe as scaled nature of states and to consider the
“splintered urbanism”. In contrast, state-led state as a site of social conflict crystallized,
suburbanization is centralized, planned and however momentarily, in an institutional form.
directed by government agencies. This style Emphasizing the role of capital in the making
of suburbanization is dependent on conscious of suburban life allows us to acknowledge
establishment of residential, industrial and how a range of practices, including industrial
commercial developments, often through relocation and financialization, have defined
deliberate zoning and planning processes. the suburbanization process and suburbanism
Infrastructure connectivity tends to be utilized itself. The power of capital has been closely
as a lever for guiding and regulating the bound to that of the state but it is impossible
development process. Market- and private-led to understand the state without considering
development tends to involve decentralized capital and vice versa. If relations between state
control yet the state plays a facilitative role in and capital are at the heart of suburbanization
terms of land-use, labour and environmental and the forms it took in different contexts, the
policy and judicial and legislative frameworks. recent financial and political crisis highlight
This type of suburbanization takes commercial, how local economic development is currently
residential and industrial forms although challenged by two major problems: firstly, the
is defined by political and social exclusion. pressures coming from external flows as the
Development is exclusively for profit and result of economic globalization, secondly, the
tends to be uneven as new spaces boom while weakening of the State2 as responsible for social
others decline. These three different forms of and economic redistribution (Mongin, 2008).
suburbanization represent ‘ideal-types’ that Tendencies towards privatized authoritarian
nonetheless represent concrete forms and forms of governance have been very strongly
processes of suburban development – albeit linked with recent suburban development.
affected by particularities of history and Gated communities can be considered here
geography. In contrast to periodizing suburban as the core of a range of governmentalities in
expansion and decline, distinguishing between which socio-spatial differentiation has morphed
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Governance in an emerging suburban world
into a more coercive landscape of exclusion and to the increasing suburbanization of urban-
segregation. regions in all spaces including the US. Much
We are proposing these three modalities more, suburban forms classically associated
here as a conceptual framework for a with English and American suburbs, such
discussion on governance of suburbanization as the bungalow, villa and veranda all have
and increasingly diverse ways of suburban their roots in places such as India and the
life. We suggest that tensions between Mediterranean and were appropriated through
these modalities will rise as they often have colonial processes ( King, 2004). In their
incompatible processes, goals and outcomes. own ways, both Roy and King illustrate the
Most importantly, the dynamics of the various necessity of going beyond the North American
suburbanism ways of life that unfold in the and European suburban experience and push
emergent peripheries of our cities rebel against us to consider different worldly forms of
the governmentality (Foucault, 2003) of the suburbanization. In this paper, though, we will
suburbanization process that produced and start close to home with a sketch of suburban
conditioned them. governance in Canada.
Often it is assumed that the US
experience represents the paradigmatic case of
suburbanization that other cases are measured The example
against. Suburban spaces such as Levittown, of Canadian suburbs
New York, are often held up as idealized
versions of suburbanization. However, one of We begin with some historical and definitional
the key points of agreement in the blossoming perspectives before looking at Canadian
literature on suburbs is that diversity is the norm suburbs through the complex lens of the
rather than the exception, which means that country’s federalism, its regional diversity
Levittown is but one form of suburbanization. and institutional specificity. From an historical
This is even more evident when we consider perspective, Canadian urbanization is
the range of suburban development occurring entrenched in the European tradition. At
in post-socialist states (Hirt, 2007; Hirt and the outset, spatial organization and urban
Petrovic, 2011), China (Feng, Zhou and Wu, forms were clearly influenced by the model of
2008; Zhang and Wu, 2006), India (Dupont, centrality that has contributed to define the
2007; Kennedy, 2007), Africa (Davis, 2006; classical European city. However this model
Grant, 2005) and even within Europe and was profoundly transformed during the 19th
North America, where we see denser or non- century by the North American liberal culture
conforming forms of suburbanization (Fishman, defined around individuality, freedom and
1987; Freund, 2007; Young, 2006). In terms of ownership. The priority given to consumer
the governance of suburbanization, Ananya preferences was a direct consequence of that
Roy (2009) pushes us to consider multiple culture and has had a predominant influence in
worldly forms of governance, not as derivative regards to suburbia and its distinctiveness. In
of the US experience, but rather as central this sense, it is very much in line with the other
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Pierre Hamel, Roger Keil
cases in this section of the book that highlights in US federalism. Their autonomy is directly
the classical Anglo-Saxon cases. It reflects the circumscribed by provincial legislation and
governmentality of white settler societies in authority.
a perceived environment of abundance and Taking into account regional differences
spatial limitlessness, opportunity to break class and the presence of two distinct cultures at
and ethnic restraints, and individuality. the root of the Canadian political compromise,
Urban Canada is made up of regions a separation of powers has been established
(Central Canada, Atlantic Provinces, Western between the provincial and federal levels. As
Provinces and Northern Territories). Historical, stipulated in the British North America Act
geographical and cultural differences have (BNAA) of 1867, local issues and responsibilities
contributed to support suburbanization are exclusively a provincial matter. Thus,
processes considered as major components of provinces are responsible for ensuring that
metropolitanization. Here we have to recall local land management and planning meet
that “as early as 1825, Canada was one of the needs of Canadians. However, despite the
the most urbanized countries in the world” establishment of a clear separation of powers
(Hiller, 2010a, p. XV). This is due to the choice between the provincial and federal levels, grey
of concentration in viable settlements made areas of litigation did not take long to occur
by the colonizers and the population. Since between the two tiers. We lack the space
then, this trend has been constantly reinforced. here to revisit the history of these conflicts,
According to the 2006 census, the Canadian but one must emphasize that the spending
population was strongly concentrated within power and specific prerogatives of the federal
the six major metropolitan areas: “(…) nearly government allowed Ottawa to influence the
half of the Canadian population (45 per cent) development of municipalities and urban areas.
reside within them” (Hiller, 2010a, p. XVIII). The federal government has not hesitated to
To grasp this reality and the fact that take the initiative and support the financing
urban growth is taking place in all census of households for home ownership towards
metropolitan areas (CMA), including the the creation of the Canadian Mortgage
choice of urban and suburban forms as and Housing Corporation (CMHC) or the
decided by economic, social and political construction of transport infrastructures. We
actors, it is necessary to better understand the will look at these central avenues for suburban
specificity of Canadian municipalities, both governance in detail below.
urban and suburban. The federalist context – Today Canadian suburbs are changing
as it was defined in 1867 by the constitution rapidly. The rather stereotypical view that saw
and evolved as a result of a cultural, economic the suburbs as categorically different from
and political compromise and through a the inner city has been widely challenged.
fundamental conflict between centralizing Canadian suburbanization has traditionally
and decentralizing forces – has played a major been influenced by the American and the
role. In Canada, municipalities do not have an European models. While in Canada, as in the
autonomous status as they have, for example, UK, the US and Australia, “the suburban ideal
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and investment particularly in an era that interests, graft and corruption in peripheral
defines urban development as creative, young localities as Laval (Quebec), Mississauga and
and driven by the knowledge economy. Yet, Vaughan (Ontario) as well as Surrey (British
many Canadians now live, work and play Columbia). The causes are numerous, but the
in quite undefined and nondescript middle relatively limited media coverage of suburban
landscapes where everything seems to politics may account for the apparent lack of
happen at once: large scale infrastructure like accountability of some political leaders in
highways and airports are next to residential suburban localities.
quarters; all manner of service infrastructures Canadian suburbs have been shaped by
including universities and high tech corridors a multiplicity of factors. The absence of state
are adjacent to low rent apartments; parks and regulation, the role of federal and provincial
parking are side by side; high speed highways governments in supporting access to direct
and transit deserts define the same space; and indirect homeownership, the availability
religious mega-structures are across the street of inexpensive land for suburban expansion
from ethnic mini-malls (Young et al., 2011). and the irrepressible desire of workers for
The political equation of regionalization access to homeownership were all elements
and redistribution has been severed as supporting suburban expansion and its
aggressive suburban regimes have come to diversified landscape. After the Second World
power regionally or even federally in Canada to War, with a new wave of suburbanization,
use their political base to fundamentally shift suburban municipalities had to contribute to
the meaning of metropolitan politics. At the metropolitan governance. As urban issues
same time, suburban regimes in communities were increasingly defined at a metropolitan
around Toronto (as well as in Montreal and scale, suburbs were involved in decisions
Vancouver) are developing a decidedly regarding transpor tation, housing and
autonomous set of strategies to make their economic development concerning whole city-
mark in an increasingly competitive global regions. Thus, the representation of conformity
city environment. At first glance, this suburban used to define suburbia is necessarily
resurgence in metropolitan politics seems outdated. Within the new context of suburban
to represent a throw-back to earlier periods governance, the priority given to economic and
of regional regulation but closer inspection financial concerns raises new challenges for
reveals a new set of political circumstances public authorities.
that have to do with the maturing of a largely What is distinctive about Canadian
suburbanized Canadian urban region and new suburban governance may be its regional
modes of multilevel governance. As suburban character and its increasing difference from
local administrations ostensibly gain more both the European and American models
autonomy and influence at a metropolitan from where it developed its character in the
scale, some of them have become hotbeds past. Canada is now strongly urbanized and
of political and fiscal impropriety. This was the country’s population is concentrated in
expressed recently through conflicts of large metropolitan areas: Toronto, Montreal,
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Vancouver, Ottawa-Gatineau and the Calgary- the ways in which government distributes
Edmonton corridor (Bourne et al., 2011, p. 7). responsibilities in federal states.
In addition, more than half of the population Suburbanization plays a major part in the
of Canada resides in the Windsor-Quebec City rescaling and shifting of responsibilities across
corridor “and seven out of 10 manufacturing a multi-level governance structure. The push
jobs in the country are located there [...]” into new, often sprawling, suburban peripheries,
(Hiller, 2010b, p. 28). The importance of even in slow growth cities like Winnipeg, is
this population concentration and the rising linked to the expansion of the so-called “new
power of metropolitan regions throughout economy,” and the suburban way of life has
the country are certainly important features become the standard for the new metropolitan
of the new urban landscape of Canada. There normal with consequences for the overall
is now a truly Canadian story developing from course of policy in an environment of continued
coast to coast which is internally differentiated devolution, austerity and state restraint. In
(in a federalist context) and shows some this context, it is ever more questionable
remarkable similarities across the nation’s whether Canadian municipalities and regional
(sub)urban reach. Cities, regions and their institutions have the capacity to deal with
suburbs are now recognized as central to the challenges of immigration, poverty, exclusion
governance of the vast territory of Canada, and environmental issues wrapped up in the
which is beginning to understand itself as a continued push for suburban expansion.
primarily urban country.
The current push in Canada for regional
forms of regulation can be understood as Elements of comparison
a form of state rescaling (Boudreau et al.,
2006, 2007; Keil et al., 2016). In the context of This article talks about suburban governance
neoliberalization and globalization of Canadian both as a conceptual terrain and as an object
territorial government, local and regional of empirical study. What lessons can we learn
modes of governance are assuming new from the geographic spread of suburbs?
responsibilities. This has to do with interurban Through Hamel and Keil (2015), we
and interregional competition for investment set up governance in two important ways:
and labour (Florida, 2002), with infrastructure In the first instance, it asked how suburbs
provision (Young et al., 2011) as well as with are planned and designed, conceived and
the need to establish an institutional framework materialized through self-built, state-led
to deal with post-welfare state issues of and private-led development. But it further
social, economic, cultural and environmental proposed to understand governance through
regulation. While the debate on rescaling looks three inter t wined modalities involving
at broader dimensions of social institutions in the state, capital and emergent forms of
a changing global geography (Keil and Mahon, authoritarian governance. In a second move,
2009), the literature on multi-level governance we put forward to extend governance to
(Piattoni, 2010) has specifically dealt with processes of suburban life (suburbanisms)
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Pierre Hamel, Roger Keil
classically enabled and limited certain types of the ‘American’ model as universal form of
of developments in suburban environments development. In Western Europe, countries
t h r o u g h e c o n o m i c i n c e n t i v e s, d i r e c t such as Greece, Ireland, Portugal and Spain
intervention (e.g. planning or infrastructure continue to work through the lingering pain
provision), policing and services. Governments that that strategy inflicted on their economies
at all scales remain particularly present through speculative overbuilding in their cities’
as actors in those places where the state peripheries in the 1990s and early 2000s.
has been known traditionally to shape the What are the emerging processes of
urban reality: in Western Europe, in Canada suburban governance? There is a continued
in particular. The most pervasive form of tension between the urge for regional
suburbanization through state-led governance governance (see also Keil et al., 2016) and
is certainly present in China where local state the pervasive tendency for suburban polities
entrepreneurialism plays an increasing role to assert themselves separately from the core
in the development of suburban land. State city but also in contradistinction from each
activity, however, is coupled with one of the other and in respect to regional government
fiercest forms of capital accumulation and i n s t i t u t i o n s. Fr a g m e n t a t i o n , p o l i t i c a l
productive of some of the most authoritarian idiosyncrasy and institutional individualism
forms of privatism ever seen on this planet. reign supreme in many of the new suburban
The traditional Anglo-Saxon cases, the United territories in the world’s “cities in waiting”.
States, Great Britain, Australia and Canada In many parts of the world, suburbanization
to a degree, continue on a trajectory, which and post-suburbanization processes present a
sees suburban governance mostly aligned mixture of formal and informal, institutionalized
with waxing and waning powers of the and spontaneous, state, market and private
market. Even after the meltdown of 2008, forms of governance. New political interests
the accumulation through the production of are being shaped by political economies of land
suburban space continues (almost) unabated. that are newly invented and articulated with
When we say “almost” we refer specifically to arcane land use practices, along with novel (if
the increased formal adaptation through New often mannerist and derivative) built forms,
Urbanist and sustainability-inflected versions gross social, spatial and service inequities and
of suburbanism that have replaced some of the new in-between proximities whose political
more vulgar and wasteful forms of sprawl of potential are just beginning to unfold.
the past two decades and preach instead the What are the emerging themes of
gospel of compact and dense structures and suburban governance? Shelter and jobs are
forms. The Anglo-Saxon, market-driven models important, especially in developing nations
of suburban governance are now joined world where suburbanization is still produced by
wide by aggressive suburbanization machines majority rural-to-urban migration. Mobility
in India, China, Africa, Latin America and infrastructures, primary and secondary
Eastern Europe, where massive accumulation schooling, taxes remain high on the agendas of
strategies are based on the sprawling roll-out suburban politics. The environment, economic
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school boards play a major role in structuring metropolitan peripheries (Keil, 2013). In large
suburban spaces and investments in their parts of the world, this continues to mean
infrastructures (Addie, Keil and Olds, 2014). primary urbanization of rural populations on
The roles of capital and of the state are the outskirts of major centres. Indisputably,
intertwined. Private development capital China (where the government has plans
and developers have played a significant to create settlements for at least another
role in suburban growth as well as suburban quarter billion peasants in suburban mega-
governance. The third modality of suburban cities), India and Africa, lead the way with
governance is authoritarian and private. Far an unprecedented wave of primary rural-to-
from naturally increasing the likelihood of urban migration which will transform not
democratization (in contrast to government), just these countries and continents forever
current forms of governance are often built but will shift the balance of populations,
on through authoritarian, if not coercive economies and powers further from the
technologies of power. North and West to the South and East of
We can view the three modalities of the planet. Yet in an equally breathtaking
suburban governance as somewhat compatible simultaneity, those first-time urbanites will
arenas in which various instruments and be neighbours to established, yet rapidly
technologies of suburban governmentality are changing post-suburban landscapes that
being produced. Remarkably, the state has are revolutionized under the dictates of a
mostly acted in symbiosis with the property neoliberalized, globalized, flexible regime of
industry in pushing suburbanization as a self- accumulation. While the cities of the global
propelling outcome of governance which, in South still expand at the margins and require
turn, produces expectations about different provision of first and fundamental collective
models of suburban life. Lately, suburbia has consumption services, infrastructure and
occasionally shed its image of an open and institutional innovation, they alread y
liberated domain close to nature and has folding in on themselves and demanding
assumed the look and feel of a camp: enclosed immediate attention as urban quarters,
and sequestered, fenced and secured. internationalized business districts and
mature neighbourhoods. The solid difference
between original suburbanization and post-
Conclusion suburban realities as explored in this article
melts into air. Governance of these spaces
The “urban centur y”, as ours has been remains one of the leading task of the 21st
labeled, is really defined by an expansion of century.
664 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 647-670, nov 2016
Governance in an emerging suburban world
Pierre Hamel
Université de Montréal, Department of Sociology. Montreal, Quebec, Canadá.
pierre.hamel@umontreal.ca
Roger Keil
City Institute, York University, Faculty of Environmental Studies. Toronto, Canadá
rkeil@yorku.ca
Notes
(1) For this, we rely heavily on what has been explored in our edited book (Hamel and Keil, 2015).
More specifically what is presented in this ar cle comes mainly from both the introduc on and
conclusion of the book in addi on to chapter 1 (Ekers, Hamel and Keil, 2015) and chapter 4 (Keil,
Hamel, Chou and Williams, 2015).
(2) Economic globaliza on is not a recent phenomenon. But the form it takes since the 1970s in
rela on to the Fordist crisis is different than what it has been in the past, par cularly regarding
State restructuring and fiscal tightening. Consequently, State regulation – particularly in
reference to suburban governance – goes with deregula on and a revision of past socipoli cal
compromises (see Bauman and Bordoni, 2014).
(3) Here we refer to the Major Collabora ve Research Ini a ve Global Suburbanisms: Governance,
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Research Council of Canada (2010-17); see www.yorku.ca/suburbs.
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Eixos: novo paradigma do planejamento
regional? Os eixos de infraestrutura
nos PPA´s nacionais, na Iirsa
e na macrometrópole paulista*
Axes: a new paradigm of regional planning?
Infrastructure axes in the national PPAs,
in the Iirsa and in the macrometrópole paulista
Jeferson Cristiano Tavares
Resumo Abstract
O objetivo deste artigo é problematizar a organi- Our goal is to discuss inter-scalar territorial
zação territorial interescalar baseada nos eixos de organization based on the infrastructure axes
infraestrutura propostos pelo poder público, entre proposed by the government between 1995 and
1995 e 2015. Sua análise está fundamentada no 2015. Our analysis is grounded on the theoretical
referencial teórico que demonstra as relações entre framework that shows the relationship between
(re)estruturação produtiva e organização do territó- (re) structuring of production and territorial
rio (Logan e Molotch, 1987; Scott, 1998; Brenner, organization (Logan; Molotch, 1987; Scott, 1980;
2010). Foram eleitas, como objetos de estudo, as Brenner, 2010). We chose to study planning
ações planejadoras propostas pela iniciativa públi- actions proposed by public initiative. At the
ca, no âmbito federal: os planos plurianuais e seus federal level: the PPAs and their programs; at the
respectivos programas; no âmbito continental: os continental level: the plans and proposals of the
planos e propostas da Iirsa; e no âmbito estadual: Iirsa; and at the state level: the Plano de Ação
o Plano de Ação da Macrometrópole Paulista (PAM da Macrometrópole Paulista (PAM 2013-2040).
2013-2040). As conclusões do artigo apontam para Our findings point to the ongoing leading role
um protagonismo em curso do Eixo como elemento of the Axis as a structuring element of territorial
estruturador da organização territorial nas suas di- organization in its different scales, guided by
ferentes escalas orientado pelos preceitos de inte- the principles of integration, connectivity and
gração, conectividade e competitividade. competitiveness.
Palavras-chave: eixos; planejamento regional; Keywords : axes; regional planning; PPA; Iirsa;
PPA; Iirsa; macrometrópole paulista. macrometrópole paulista.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 671-695, set/dez 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3703
Jeferson Cristiano Tavares
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Eixos: novo paradigma do planejamento regional?
PPA 1996-19991 como matriz para investimen- meio ambiente. E, como estratégia de atração
tos de infraestrutura em regiões delimitadas de investimentos, tornaram-se uma ação pú-
a partir de importantes fluxos de escoamento blica a partir da provisão de recursos públicos
de produtos nacionais. Na sua segunda versão, e privados para irradiar o desenvolvimento: “A
resultante do Consórcio Brasiliana que objeti- realização desses investimentos irradia exter-
vou aprofundar a versão do PPA 1996-1999, os nalidades favoráveis à atração de empreendi-
eixos constituíram-se em “[...] um instrumento mentos produtivos” (Brasil, 2001, p. 15).
particular [...] para o equacionamento de pro- A origem dessas versões remete-se ao
jetos relevantes com vistas a um planejamento trabalho de Eliezer Batista (Infraestrutura para
amplo, de abrangência nacional e nítido cará- o desenvolvimento social e integração na Amé-
ter espacial [...]” (Ablas, 2003, p. 172). Na sua rica do Sul, 1997) e à influência desse trabalho
versão novamente revista e conceituada no sobre o PPA 1996-1999, que tratava dos inves-
PPA 2000-2003 (Anexo I – Diretrizes estraté- timentos em infraestrutura como instrumento
gicas e macro-objetivos, tópico Agendas), os de integração espacial.
eixos foram propostos com a justificativa de Para aprofundar as diretrizes do PPA
equilibrar o desenvolvimento regional e de 1996-1999, o governo federal abriu licitação
promover a distribuição de riqueza; além de para uma ampla consultoria da qual resultou
integrar as regiões por meio de plataformas o trabalho “Identificação de oportunidades
eficientes que possibilitassem maior competi- de investimentos públicos e/ou privados” de-
tividade no mercado internacional. Suas dire- senvolvido pelo Consórcio Brasiliana (formado
trizes foram: complementaridade regional por pelas empresas vencedoras do certame: Booz-
meio de investimentos que proporcionassem o -Allen & Hamilton do Brasil Consultores Ltda.,
desenvolvimento e a redução das disparidades Bechtel International Inc. e Banco ABN Amro
regionais; desconcentração para criar novos S.A.) entre os anos de 1998 e 1999. Os estudos
espaços econômicos; participação privada; for- foram acompanhados pelo BNDES (Banco Na-
talecimento das relações internacionais com a cional de Desenvolvimento Econômico e Social)
América Latina e, principalmente com o Mer- e pelo Ministério do Planejamento, Orçamento
cosul; fortalecimento institucional pelos ins- e Gestão (Nasser, 2000, p. 166).
trumentos de financiamento; desenvolvimento A base do discurso dos eixos propos-
local integrado a partir da sua influência no ta pelo referido trabalho fundamentou-se na
âmbito urbano; fomento do setor de serviços; integração física e na preocupação com os
e incentivo e integração das infraestruturas “desequilíbrios espaciais e sociais” dessas re-
econômicas às redes de infraestrutura social e giões, independentemente das fronteiras ad-
recursos hídricos (Brasil, 2001, pp. 15-16). Ao ministrativas, aproximando-se do modelo de
longo desse processo (em cerca de 8 anos) os definição de uma “região de planejamento”
eixos foram considerados o principal instru- (originalmente conceituada por Boudeville no
mento de dinamização territorial e abordaram seu Aménagement du territoire et polarisation)
as infraestruturas econômicas, de informação e (Ablas, 2003, pp. 172-173), sem desprezar as re-
conhecimento, de desenvolvimento social e de lações polarizadas herdadas da escola francesa.
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Na prática, essa consultoria propôs uma segundo o qual, após revisão e complementa-
regionalização do território nacional a partir ção dos estados, estimava-se US$207 milhões
de critérios definidos pelos principais eixos de de investimentos necessários.
infraestrutura do País e sua área de influência, Por fim, essas nove regiões foram reagru-
considerando a importância de vias de trans- padas em quatro regiões definitivas:
porte, a funcionalidade das cidades abrangidas, 1) Rede Sudeste, Eixos Sudoeste e Eixo Sul: a
a existência de focos dinâmicos e os aspectos mais produtiva do País com predominância de
ambientais. O objetivo central foi estabelecer terciário avançado e prioridade para a difusão
uma base física capaz de direcionar os inves- e competividade;
timentos públicos e privados atrelados a pro- 2) Eixo Oeste e Eixo Araguaia-Tocantins: celeiro
jetos específicos e afins a esses investimentos. de produtos agrícolas para exportação (agro-
Assim, foram definidos nove eixos que resulta- pecuária e agroindústria) com prioridade para
ram em nove delimitações de regiões: Sul; Su- a logística de alta capacidade;
doeste; Rede Sudeste; São Francisco; Araguaia- 3) Eixo São Francisco e o Eixo Transnordestino:
-Tocantins; Oeste; Transnordestino; Madeira- a mais deficitária e pobre, com prioridade para
-Amazonas; e Arco Norte. novas oportunidades e adensamento das ca-
A partir dessas regiões, foram identifica- deias e inclusão social, com especial interesse
dos potenciais, demandas futuras (de transpor- sobre os recursos hídricos; e
te, energia e telecomunicações) de oportunida- 4) Eixo Madeira-Amazonas e Arco Norte: com
des de investimentos, além de necessidades de recursos para conservação e com prioridade
serviços sociais que compuseram um “portfólio para desenvolvimento inovador, biodiversidade
de investimentos” (Ablas, 2003, pp. 177-178) e integração internacional.
Hid. Madeira-Amazonas
Costeiro do Sul
Franja de Fronteira
São Paulo
Centro-Oeste
Costeiro Nordeste
Transnordestino
Araguaia-Tocantins
Oeste
Saída para o Caribe
Rio São Francisco
Hid. Paraguai-Paraná
Rodovias
Rios
Ferrovias
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Cada um desses eixos delimita uma área da infraestrutura física a partir de uma con-
de influência que se consolida como uma re- cepção regional. Formou-se, então, a União
gião apta a receber recursos para propiciar de Nações Sul-americanas (Unasur) que culmi-
desenvolvimento econômico sustentável. Sua nou com o Tratado Constitutivo da Unasur,
origem está na influência brasileira sobre a em 23 de maio de 2008 (em Brasília). Entre
criação da Iirsa, ocasião em que foram apre- outras resoluções, esse Tratado estabeleceu
sentados o mesmo documento de Batista vários conselhos setoriais no nível ministerial
(na sua versão em inglês: Infrastructure for em diferentes âmbitos de trabalho, entre eles
Sustainable Development and Integration of o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e
South America, 1996) e o documento “Eixos da Planejamento (Cosiplan), criado em 28 de ja-
América do Sul impulsionarão desenvolvimen- neiro de 2009, cujos objetivos centravam-se na
to” (de José Paulo Silveira, 2000 ). Mas, tam- infraestrutura regional, na integração entre os
bém, nos estudos apresentados pelo CAF (Vías países-membros, na compatibilização de nor-
para la Integración, 2000) e pelo BID (Un nuevo mativas e no apoio aos projetos prioritários. A
impulso a la integración de la infraestructura partir de 2011, a Iirsa vinculou-se ao Cosiplan,
regional en América del Sur, 2000 ), na mes- compondo seu Comitê Coordenador (ao lado
ma ocasião. Como resultado, após a fundação dos Grupos de Trabalho), com a finalidade de
da Iirsa, foi apresentado um Plano de Ação ser o foro técnico para apoio do planejamento
(elaborado conjuntamente pelo BID, CAF e da infraestrutura de conectividade regional. A
Fonplata,3 entre outros órgãos regionais) com Cosiplan aprovou recentemente seu Plano de
destacada importância aos eixos na estrutura- Ação (2012-2022).
ção territorial. O maior legado dessa organização ins-
A influência do documento de Batista é titucional ao redor de um conceito de eixo foi
fundamental para entender o panorama sobre uma “Carteira de Projetos” de infraestrutura
o qual se montam os fundamentos propagados nos setores de transporte, energia e comuni-
pela Iirsa através de seu Plano de Ação e do seu cações que foi proposta a partir da Metodo-
expoente territorial, o EID, pois o documento logia de Planejamento Territorial Indicativa.
de Batista propôs a predominância do aspecto Essa Metodologia partiu da identificação dos
geoeconômico, em substituição ao geopolítico, EID´s como organizadores do território sul-
no planejamento do desenvolvimento, a fim de -americano para propor um conjunto de pro-
obter benefícios econômicos pela integração jetos de infraestrutura econômica vinculados
sul-americana. ao território e que proporcionassem melhores
Nesse aspecto, é importante compreen- funcionalidades logísticas dos investimentos e
der a estrutura da Iirsa. Criada em 2000 pela do desenvolvimento sustentável nas suas áreas
primeira reunião de presidentes sul-america- de influência. A primeira versão da Carteira de
nos realizada no Brasil, a Iirsa teve o objetivo Projetos foi elaborada em 2004 e, a partir de
de iniciar um processo de integração e coope- então, passou por sucessivas atualizações. Ini-
ração de múltiplos eixos que integrassem os cialmente previa um portfólio de 335 projetos
doze países e impulsionassem a modernização de infraestrutura organizados em 40 Grupos de
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EID´s
1 Eje Andino
2 Eje Peru-Brasil-Bolívia
3 Eje de la Hidrovía Paraguay-Paraná
4 Eje de Capricornio
5 Eje Andino del Sur
6 Eje del Sur
7 Eje Mercosur-Chile
8 Eje Interoceánico Central
9 Eje del Amazonas
10 Eje del Escudo Guayanés
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Jeferson Cristiano Tavares
decorrer do PAM, não há maior aprofundamen- Dessa forma, o PAM define três eixos estraté-
to dessas ações, levando à compreensão do gicos, ou ideias-chave, que orientam as ações:
predomínio da infraestrutura (sobretudo a eco- Eixo 1) Conectividade territorial e competiti-
nômica) como prioridade de intervenção. vidade econômica, dando importância às con-
Para entender a origem e os efeitos dos dições logísticas e de infraestrutura produtiva
vetores territoriais, é preciso compreender e de circulação econômica, além da criação de
a Macrometrópole Paulista e o seu Plano de ambiente de negócios através da concentra-
Ação. A MMP é formada por 172 municípios ção de empresas, centros de negócios e insti-
delimitados por um raio aproximado de 200 tuições financeiras. Eixo 2) Coesão territorial
quilômetros da capital, São Paulo. Reúne as e urbanização inclusiva, abordando o desafio
Regiões Metropolitanas de São Paulo, de Cam- de desenvolver o território de forma inclusiva,
pinas, da Baixada Santista, do Vale do Paraíba sustentável e equilibrada. Eixo 3) Governança
e Litoral Norte e parte da Região de Sorocaba, metropolitana, tratando da organização políti-
as aglomerações urbanas de Jundiaí e Piracica- co-institucional no que diz respeito, principal-
ba e a microrregião Bragantina. Concentrava, mente à accountability da carteira de projetos.
em 2010, 73,3% do total da população pau- O que se objetiva com esses conceitos é uma
lista, 82,7% do Produto Interno Bruto (PIB) do Macrometrópole “una”, “diversa”, “policêntri-
estado de São Paulo e 27,7% do PIB brasileiro ca”, “compacta” e “viva” (Governo do Estado
e 50% da área urbanizada do estado (Gover- de São Paulo, 2014a, p. 11).
no do Estado de São Paulo, 2014a, p. 1). Para Dessa forma, os vetores territoriais con-
orientar o desenvolvimento da Macrometrópo- formam-se como o espaço prioritário sobre o
le, o governo do estado propôs o PAM como qual se desenrolam essas propostas através
um conjunto de ações com o objetivo de dire- de planos, programas, projetos e obras que,
cionar as principais decisões administrativas reunidos na carteira de projetos, somam um
entre os anos de 2013 e 2040. As diretrizes investimento aproximado de R$415 bilhões
gerais do PAM são espacializar o planejamen- para serem aplicados entre 2013 e 2040. Do
to, criar um processo contínuo e integrar os que se observa das prioridades da carteira
diferentes setores administrativos. Valorizar de projetos, o Vetor de Desenvolvimento da
as funções estruturadoras da Macrometrópole Região Metropolitana de São Paulo concentra
(mobilidade e logística, saneamento ambiental mais de 65% dos investimentos previstos nos
e habitação) integrando setorial e institucio- vetores territoriais, e as obras infraestruturais,
nalmente os projetos e as ações. Enfim, definir sobretudo as de logística e de circulação de
os parâmetros da Política de Desenvolvimento pessoas (rodoviária e ferroviária), consomem
da Macrometrópole Paulista pela definição a maior parte dos recursos totais da carteira
de uma carteira de projetos e investimentos. de projetos.
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Eixos: novo paradigma do planejamento regional?
Sua constituição como ação planejadora sobretudo pela revisão das ações integradas
está orientada por um novo contexto político e entre Estado e iniciativa privada. Foram abor-
econômico que se inicia na redemocratização dadas todas as áreas de transporte, de energia
brasileira a partir das primeiras eleições dire- e de comunicações com vistas a modernização,
tas, em 1989. Os princípios econômicos adota- ampliação e privatização de parte dessas infra-
dos a partir de então baseiam-se na definição estruturas e de previsão de aumento de atendi-
de um cenário de abertura econômica com vis- mento nas áreas mais carentes do País (Brasil,
tas a um modelo de Estado mais enxuto ante a 1996b, sem página, item II: Objetivos e metas
maior participação do capital privado nos ser- da ação governamental, subitem: Infraestrutu-
viços públicos. No PPA de 1991-1995, elabora- ra econômica).
do no governo de Fernando Collor de Melo (lei O discurso de reorganização adminis-
n. 8.173 de 30 de janeiro de 1991), fica clara a trativa, investimentos públicos e privados nos
repercussão da ideia de reestruturação política setores econômicos de serviços públicos e a
e econômica expressa no seu art. 5º, § 1º, 2º e retórica pelo combate dos desequilíbrios regio-
5
3º. E do projeto político e econômico neolibe- nais parecem ter criado uma estranha aproxi-
ral de minimizar a participação do Estado nos mação entre os preceitos da ciência regional
serviços públicos, atribuindo-lhe funções regu- predominantes a partir da década de 1950, de
ladoras, enquanto, à iniciativa privada, cabe- equilíbrio territorial do desenvolvimento, aos
riam as novas atribuições dos serviços públicos. preceitos das políticas neoliberais, de privati-
Não foi a única ação nesse sentido, mas foi um zação dos serviços públicos. Esse hibridismo
importante prenúncio (na forma de plano) das fica muito evidente se analisarmos a proposta
políticas neoliberais que se consolidariam nas de Batista (1995) que está baseada no modelo
gestões presidenciais seguintes. de belt agrícola norte-americano (apud Faro;
No primeiro governo Fernando Henrique Pousa e Fernandez, 2005, pp. 12 e 157), se-
Cardoso foi instituído o PPA para o quadriênio gundo o qual uma grande região é atendida
1996-1999 através da lei 9.276, de 9 de maio por ações, planos e projetos qualificadores
de 1996, que trouxe, no seu anexo, as diretri- com finalidade econômica. Seu conceito ori-
zes, os objetivos e as metas do referido PPA. As ginal, “sistêmico-holístico”, partiu do aspecto
estratégias contidas nesse anexo vislumbram geoeconômico para constituir espaços a partir
o “aprofundamento do programa de desesta- de suas vocações produtivas articulando re-
tização” e a “reformulação e fortalecimento cursos naturais, energia e logística no âmbito
dos organismos de fomento regional” (Brasil, nacional e sul-americano.
1996b, sem página, item I.1 Das estratégias)
com fins a reduzir os “desequilíbrios espaciais Os belts – ou eixos – foram concebidos
como espaços econômicos e territoriais
e sociais do país” (uma das três principais dire-
concretos, com certa harmonia em relação
trizes do PPA)6 pela provisão de recursos para
às vocações produtivas, cuja exploração
serviços públicos básicos de caráter social. As deveria presidir a identificação dos princi-
infraestruturas econômicas, por sua vez, ocupa- pais projetos de eliminação dos gargalos
ram um espaço importante nessa proposta, de logística, para levar a produção aos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 671-695, set/dez 2016 683
Jeferson Cristiano Tavares
mercados de forma competitiva – uma seu conceito integral, e a aplicaria aos PPA´s e
política de desenvolvimento industrial e, aos seus programas políticos “Brasil em Ação”
ao mesmo tempo, associada a projetos
e “Avança Brasil”. Ao ser incorporado pela
de infraestrutura, que permitiriam a alo-
proposta do Consórcio Brasiliana, o modelo
cação na produção. (Raphael de Almeida
Magalhães apud Faro; Pousa e Fernandez, de Enid´s foi adaptado com base nas ideias
2005, p. 12) dos polos de desenvolvimento (1950 e 1960)
e de “região de planejamento” de Boudeville
Eles opunham-se ao modelo de corre- (Manzoni Neto, 2013, pp. 111-112), deflagran-
dores de exportação, pois deveriam articular- do esse hibridismo não só de conceitos, mas e
-se com o entorno e promover o contágio do sobretudo de posturas teórico-metodológicas
desenvolvimento nas áreas lindeiras com po- de períodos distintos. Aliás, sintomático do diá-
tencial produtivo. Para o funcionamento, con- logo com os argumentos do PPA 1996-1999,
tudo, era necessário ajuste da infraestrutura, em que predominou o discurso do combate
sobretudo a econômica, para articular matéria- aos desequilíbrios espaciais e sociais bem ao
-prima, recurso humano e mercado consumidor. gosto do debate regional que predominou no
Brasil entre os anos 1950-1970. Dessa forma,
Entender os eixos é respeitar a mais- os Enid´s transformaram-se na plataforma ter-
-valia das potencialidades tanto de uma
ritorial sobre a qual se dispunham projetos de
microárea como de uma macroárea. É
necessário integrar internamente regiões investimentos do setor público e privado com
economicamente viáveis. Depois, essas fins a incidir na área de influência dos eixos.
áreas serão integradas à América do Investimentos com “objetivo último de fortale-
Sul. Esta, por sua vez, será integrada cer, com o máximo de participação privada, os
ao mundo [...]. (Depoimento de Eliezer
Eixos de Integração e Desenvolvimento como
Batista apud Faro; Pousa e Fernandez,
2005, p. 157) vetores de maior competitividade econômica
e menores desequilíbrios sociais e regionais”.7
Esse hibridismo em aproximar os precei- Esse modelo foi novamente alterado
tos desenvolvimentistas ao contexto neoliberal quando incorporado pelos EID´s da Iirsa que,
pode ser mais bem compreendido se visualizar- mesmo sob forte influência do governo de
mos o caminho percorrido por essa proposta. FHC, redesenhou seu modelo de eixo a partir
Os estudos de Batista foram encomendados pe- do debate da constituição de novos mercados
lo governo de Fernando Collor de Melo (1990- econômicos unificados com proposta de “mo-
1992) e aprofundados no governo de Itamar dernização da infraestrutura física da Améri-
Franco (1992-1995), por solicitação do então ca do Sul em áreas de transporte (...)” (Iirsa,
ministro das Relações Exteriores, Fernan do 2011, p. 7). E manteve a ideia de grandes cin-
Henrique Cardoso (e financiados pelo Business turões de desenvolvimento na escala continen-
Council for Sustainable Development – Latin tal e de maneira integrada a partir das infraes-
America). Fernando Henrique Cardoso, por sua truturas econômicas.
vez, adotaria a ideia já no seu primeiro man- Os ecos da década de 1950 também
dato como presidente (1996-2003), mas não exerceram influência sobre os EID´s da Iirsa
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Eixos: novo paradigma do planejamento regional?
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Jeferson Cristiano Tavares
No caso do PAM, embora ele não apre- que redesenhou as fronteiras internacionais,
sente as bases conceituais e seu histórico nacionais e estaduais e tem consolidado o eixo
remeta-se mais à rotina do planejamento esta- como o principal mote físico-espacial de novas
dual, ele também foi elaborado e proposto em intervenções e investimentos.
meio a uma gestão de viés neoliberal que se
alinhava, há duas décadas, a esses preceitos
sul-americanos e nacionais. Condição que jus-
tifica a utilização, constante, dos aspectos de
Convergências e paradoxos:
conectividade e concorrência na organização
os predomínios econômico,
territorial da macrometrópole e do predomí- locacional e setorial
nio de ações pautadas por grandes obras de
infraestrutura econômica. A lista de seus prin- Essas propostas de eixos têm em comum ou-
cipais desafios esclarece bem a importância: tros aspectos, além de serem concebidas sob
da competitividade econômica territorial para um contexto político e econômico de reorgani-
atração de mais investimentos; da conecti- zação regional do mercado internacional:
vidade da macrometrópole para proporcionar a) constituem uma boa parcela do planeja-
maior eficiência à integração das atividades mento regional pelo predomínio da infraestru-
8
produtivas. São parte da sua carteira de pro- tura econômica (comunicações, energia e, prin-
jetos obras de forte impacto produtivo, como cipalmente, logística ou transportes nos seus
centros logísticos, porto seco, retroporto, vários modais);
plataforma logística, plataforma remota, aero- b) partem de um fluxo existente (material,
porto, porto fluvial, porto marítimo e comple- como pessoas ou produtos; ou imaterial, como
xos aeroportuários. distribuição de energia ou sistema de comuni-
O que se segue, nas três esferas do pla- cações) e a partir dele delimita uma região sob
nejamento (nas escalas continental, nacional e sua influência;
estadual), são ações alinhadas ao neoliberalis- c) as regiões delimitadas pela influência dos
mo e com explicitado vínculo à predominância eixos resultam em: manchas ora contínuas, ora
da iniciativa privada como propulsora de inves- descontínuas; podendo estar sobrepostas ou
timentos. A bagagem neoliberal dessas propos- não; não se limitando às fronteiras municipais,
tas, decorrente dos governos predominantes estaduais ou nacionais, portanto rompendo a
nesse período, redundou num discurso de “de- ideia clássica de regionalização como a prática
senvolvimento” inócuo, pois esteve menos vin- do agrupamento de áreas confinadas e reuni-
culado a soluções sobre os passivos sociais e das por algum tipo exclusivo de similaridade;
ambientais, e mais preocupado em criar ativos d) promovem a integração territorial repro-
territoriais setoriais. duzindo no espaço as soluções para as necessi-
Definitivamente, a pauta da competiti- dades econômicas de conectividade produtiva
vidade territorial apoiada na sua integração e e aumento de competitividade;
conectividade com mercados mundiais conso- e) morfologicamente, contrariam o mode-
lidou um modelo de intervenção infraestrutural lo macrocefálico típico da cadeia produtiva
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Em que pese a influência dos polos de De acordo com a natureza dos investi-
crescimento sobre o conceito de eixos, esses se mentos dos Projetos da Carteira do PAM,
cerca de 56% demandam a participação
distanciam daqueles sobretudo quanto ao fo-
de recursos privados, seja em forma dire-
co e à maneira dos investimentos. Enquanto os
ta, seja por meio de PPPs e concessões.
polos buscavam o equilíbrio territorial pela dis- (Ibid., p. 179)
sipação do desenvolvimento pela indústria mo-
triz e pela integração territorial de sua cadeia, Considerando que o equacionamento da
os eixos preveem investimentos setorizados na política neoliberal depende dos investimentos
infraestrutura produtivista. Ambos contam com privados e que estes dependem de retornos fa-
investimentos privados (pela indústria, no caso voráveis, consolida-se um ciclo vicioso garan-
dos polos; pelas parcerias entre capital público tido pela decisão locacional. Com o abandono
e privado, no caso dos eixos), contudo as polí- dos princípios desenvolvimentistas (diga-se de
ticas que incentivam os eixos, paradoxalmente, passagem, que estavam baseados, entre outros
provocam uma concentração de ativos em re- paradigmas, no da industrialização), também
giões já privilegiadas por investimentos, con- se abandonou o princípio de equilíbrio terri-
trariando os objetivos de equilíbrio regional. torial do desenvolvimento (presente nos dis-
Essas diferenças aumentam quando analisadas cursos de planejadores no início da segunda
as passagens que se dão do aspecto geopolí- metade do século XX). Assim, o privilégio em
tico para o geoeconômico; desenvolvimentista atender áreas já potencialmente desenvolvidas
para o neoliberal; estatal para o privado; e, em (ou em curso de desenvolvimento) pelo aporte
última instância, do equilíbrio territorial para a de recursos de infraestrutura econômica deixou
competitividade-integração-conectividade ter- de lado o atendimento às áreas mais carentes
ritoriais. A entrada do capital privado na provi- e a prioridade por equipamentos de natureza
são dos serviços de caráter público reforça essa social. Pois, afinal, a primazia do investimen-
mudança. No PAM, esses papeis ficam bem to privado condiz com a certeza de lucros dos
definidos: recursos aportados. Em sintonia com a ques-
tão econômica segundo a qual os eixos res-
PPP: pondem aos preceitos neoliberais, entram em
Essas novas formas de relação público-
debate as escolhas locacionais a partir das
-privada estão no centro da estratégia
quais predominam investimentos em áreas já
de desenvolvimento da Macrometrópole
preconizada no PAM. Assegurar o desen- qualificadas e aptas à maior produtividade. Nos
volvimento dessa região pressupõe que EID´s, por exemplo, a decisão locacional optou
grandes investimentos sejam realizados. por baixo investimento no Eixo do Escudo das
E estes dependem de financiamento e da
Guianas que, mesmo estratégico para a região,
ação de atores privados que encarem o
possuia “baixo grau de desenvolvimento” (Pa-
território da MMP como um local seguro
para investimentos, com prazo garantido dula, 2014, p. 335). Já, nos vetores territoriais, a
e regras estáveis. (Governo do Estado de área mais privilegiada com investimentos (65%
São Paulo, 2014d, p. 158) do total destinado aos vetores territoriais) é o
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Eixos: novo paradigma do planejamento regional?
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escala global. Tendo em vista essas evidências, busca responder a um determinado contexto
podemos afirmar o protagonismo do eixo como econômico mundial.
novo padrão formal/espacial de organização Por fim, podemos compreender que o
territorial definido por políticas e programas de modelo de eixos tem se enraizado de tal forma
âmbito territorial proporcionados por governos nas instituições de planejamento que, mesmo
estadual, nacional e continental. Esse novo pa- os antigos padrões de organização territorial,
drão, por sua vez, reforça a influência das ati- antes influenciados pela ideia de polos, estão
vidades produtivas, pois se desenvolve por um sendo revistos à luz da lógica dos fluxos das
diálogo entre as decisões locacionais e o capi- dinâmicas produtivas. Haja vista a aprovação
tal privado, não apenas com investimentos na das duas novas regiões metropolitanas no es-
atividade industrial, mas também nos setores tado de São Paulo: Região Metropolitana do
de serviços de interesse público. E, ao privile- Vale do Paraíba e Litoral Norte (2012) e Re-
giar mais as atividades produtivistas e as áreas gião Metropolitana de Sorocaba (2014). Em
mais competitivas, utiliza o argumento de “de- ambos os casos, o que parece ter predomina-
senvolvimento” para justificar a modernização do como fator decisivo para a definição dessas
dos equipamentos infraestruturais. regiões metropolitanas não foi a constituição
Nesse contexto, a transposição de matriz de uma metrópole polarizada a partir de suas
predominante, que passa dos Polos de Cresci- principais cidades (São José dos Campos; So-
mento para os Eixos de Infraestrutura, sugere rocaba) que por si são dependentes de polos
um deslocamento conceitual do predomínio maiores e geograficamente próximos (São
da escola francesa de planejamento para a es- Paulo e Campinas). Mas, foram definidas a
cola americana. A ideia de difusão de desen- partir das relações de fluxos instituídos pelos
volvimento equilibrado, antes orientada pela seus principais eixos rodoviários (Dutra, Ayr-
geração de polos de crescimento, passa a ser ton Senna/Carvalho Pinto e Raposo Tavares/
orientada pela ideia de belts como regiões de Castelo Branco) que as interligam a esses po-
planejamento de setores produtivos que, nos los maiores e, consequentemente, aos portos
casos analisados, fundamentam-se pelos flu- de Santos e São Sebastião, condizentes à ur-
xos. Esse deslocamento é comprovado pela banização dispersa (Reis Filho, 2006) em fran-
pioneira experiência de Eliezer Batista (1995) co desenvolvimento. Na urbanização dispersa,
ao conceber seus eixos de infraestrutura a boa parte das atividades cotidianas regionali-
partir das experiências dos belts americanos e za-se ao longo das rodovias, ampliando a de-
pela larga predominância de agências e ban- pendência da mobilidade, a valorização de es-
cos sul-americanos (sob influência das políti- paços metropolitanos e intermetropolitanos, o
cas norte-americanas) na conceituação e no espraiamento residencial e de serviços, a di-
financiamento desses eixos. Essa filiação, em minuição de densidade das áreas urbanizadas,
diálogo com o contexto de reestruturação pro- o esgarçamento do tecido urbano e a consti-
dutiva, parece articular instituições, capital e tuição de uma “nebulosa” ou de uma conste-
trabalho na construção de um paradigma que lação de áreas urbanizadas interdependentes
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Eixos: novo paradigma do planejamento regional?
e pouco compactas. Notáveis influências dos metropolitano fragmentado e com altos índi-
eixos como fator decisivo de mudança de um ces de problemas sociais e ambientais (Tava-
padrão de organização territorial. res, 2015, pp. 174-178).
A constatação desse paradigma parece Seria desejável que o debate regional
provocar um novo desafio que vai além da extrapolasse o viés setorial produtivista ma-
compreensão do papel do eixo no planeja- terializado pelas faixas infraestruturais que
mento regional. Trata-se da ausência da esca- constroem espaços exclusivamente econômi-
la local nesse debate. Embora o planejamento cos e se voltasse para os espaços de concen-
por eixos ocorra no âmbito interescalar, ele tração de pessoas, a rigor as redes urbanas.
não aborda a escala local. Menciona-a em al- No planejamento regional, a rede urbana tem
gumas ocasiões, mas as ações prioritariamen- relevante destaque por ser um espaço priori-
te não são a ela direcionadas. As condições de tário de relações interescalares e por reunir
urbanização que se identificam nas principais a dimensão regional e o aspecto local numa
cidades brasileiras, com maior evidência no tentativa de diálogo entre os espaços econô-
estado de São Paulo e nas capitais estaduais, micos e as demandas sociais, pois é a relação
apresentam um grau de metropolização irre- urbano-regional que se tem mostrado essen-
versível, sendo inevitável a inserção da escala cial para a construção de novos paradigmas do
local no debate regional. Sobretudo porque planejamento regional. Tentando sintetizar es-
essas ações de âmbito regional interferem nas se desafio e tendo em vista a consolidação dos
cidades a partir dos impactos sociais e am- eixos como nova prática do planejamento, pro-
bientais que recaem sobre os espaços urba- pomos o seguinte questionamento: quais de-
nos e seus usuários. Haja vista os conhecidos verão ser os novos paradigmas da organização
efeitos das decisões regionais exclusivamente territorial que, com foco na relação urbano-
setoriais sobre o ambiente urbano, nas déca- -regional, podem alavancar o desenvolvimento
das de 1960 e 1970, que legaram um modelo da rede urbana brasileira?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 671-695, set/dez 2016 691
Jeferson Cristiano Tavares
Notas
(*) Este texto foi, em boa parte, mo vado pelos debates sobre planejamento regional com Laisa
Eleonora Stroher e Cin a de Souza Alves, a quem devo agradecimentos.
(1) O PPA (Plano Plurianual), a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e a LOA (Lei Orçamentária
Anual) são instrumentos de planejamento previstos na Cons tuição de 1988, no seu ar go 165,
cuja finalidade é garan r, à gestão pública administra va a ro na de planejamento e o controle
do inves mento dos recursos públicos. Atualmente, os três entes federados (níveis federal,
estadual e municipal) têm aplicado esses instrumentos.
692 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 671-695, set/dez 2016
Eixos: novo paradigma do planejamento regional?
(6) As três diretrizes eram: “Construção de um Estado Moderno e Eficiente; a Redução dos
Desequilíbrios Espaciais e Sociais do País; e a Modernização Produ va da Economia Brasileira”
(Brasil, 1996b, sem página, item I. Diretrizes da Ação Governamental).
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Leis e decretos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 671-695, set/dez 2016 695
La gentrificación en los estudios urbanos:
una exploración sobre la producción
académica de las ciudades
Gentrification in urban studies: an investigation
about the academic production of cities
Resumen Abstract
Muchos de los procesos de transformación Many of the current urban transformation processes
urbana actuales se tratan a partir de la noción de are discussed based on the notion of gentrification.
gentrificación. Su definición tradicional implica Its traditional definition implies urban restructuring
reestructuración urbana y recambio de clases. Sin and replacement of social classes. However,
embargo, su aplicación en estudios urbanos ha its application to urban studies has led to a
derivado en varias temáticas ¿Cuál es la variedad debate focusing on various topics. What types of
de procesos a los que apunta la gentrificación processes are related to gentrification in current
en estudios actuales? Este artículo presenta los studies? This article presents the findings of a
resultados de una investigación bibliométrica bibliometric research concerning the use of the
respecto a la utilización del término gentrificación. term gentrification. We searched for documents
Considerando las bases Web of Science y Scielo published in the databases Web of Science and
de los últimos 5 años, se describe su tratamiento SciELO in the last five years containing the term in
en 159 artículos titulados con dicho término. their titles. A total of 159 articles was found. The
Los resultados indican tendencias al alza en su results indicate an increase in the use of the term,
uso, diversificación de los tipos de gentrificación, the establishment of diverse types of gentrification,
y diferencias académicas en la atribución de and academic differences in the attribution of the
consecuencias a este proceso. consequences of this process.
Palabras claves: gentrificación; transformaciones Keywords: gentrification; bibliometric analysis;
urbanas análisis bibliométrico; estudios urbanos. urban transformations; urban studies.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3704
Félix Rojo Mendoza
698 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016
La gentrificación en los estudios urbanos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016 699
Félix Rojo Mendoza
700 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016
La gentrificación en los estudios urbanos
involucra la idea de una revaloración del mas difícil por la llegada de nuevos inquilinos
centro de la ciudad, a partir del cual funciona de estratos medios. Y por último, la presión
el capital comercial, resignificando las zonas de desplazamiento apunta a aquellos que en
de interés residencial (Contreras, 2011; López- el desplazamiento anterior (de exclusión) son
Morales, 2013). obligados directamente al desalojo por las
En este sentido, y a pesar del intenso dinámicas de reemplazo y revitalización urbana
debate respecto a si la gentrificación produce (Marcuse, 1985).
o no desplazamiento, segregación residencial Con todos los antecedentes de la
o polarización social, lo cierto es que desde el gentrificación mencionados anteriormente,
punto de vista de las políticas urbanas aún pareciera que no existe claridad en la
se promueven este tipo de transformaciones co munidad ac ad é mic a r e sp e c to a las
bajo el supuesto de lograr el establecimiento dimensiones que describe este término.
de comunidades más conectadas y menos En ese sentido, la gentrificación sería más
segregadas (Lees, 2008). En base a lo anterior, se bien un proceso dinámico, no susceptible de
plantea que la búsqueda de comunidades mixtas definiciones restrictivas, por lo que el desafío
a través de la gentrificación genera, a la larga, es considerar la amplia gama de elementos
comunidades socialmente más homogéneas que la constituye como concepto relevante
(Butler y Robson, 2003), y desplazamiento de en los estudios actuales (Smith, 1996). Esto
residentes de clase obrera y minorías (Hamnett, se puede evidenciar en las distintas formas
2009; Davidson y Lees, 2008). que toma la gentrificación, identificando
Contemplando esta dimensión de procesos de renovación urbana (esto implica
desplazamiento en la gentrificación, Marcuse la extracción de renta) sin expulsión y en la
(1985) introduce distinciones importantes periferia (Sabatini et al., 2012), renovación
para evaluar estas dinámicas en los espacios ur bana con ex pulsión y en el centro /
urbanos. Es así como menciona 4 tipos pericentro (Contreras, 2011; Swanson, 2007),
de desplazamientos, todos los cuales se y renovación urbana con expulsión y en la
diferencian por el grado de “presión” que periferia (López-Morales, 2013).
las personas viven en este proceso. Por un En base a lo anterior cabe preguntarse,
lado, describe el desplazamiento directo, el ¿cuál es la variedad de procesos a los cuales
cual corresponde a hechos contingentes que apunta la gentrificación en la producción
determinan el abandono de las personas de ese científica actual? La gentrificación, ¿se ha
espacio (incendios, inundaciones, desalojos por extendido como categoría analítica a distintas
alquiler). Un segundo tipo de desplazamiento, formas de transformación urbana, o aún
llamado de cadena directa, está asociado al conserva las dimensiones tradicionales de su
abandono de viviendas producto del aumento definición relacionados con el revitalización de
del alquiler en el tiempo y de los precios de espacios urbanos y el desplazamiento? ¿Cómo
construcción en esos espacios. Otro tipo de se produce académicamente este concepto
desplazamiento corresponde al de exclusión, en en la actualidad? Estas son las preguntas que
el cual el acceso a la vivienda se hace cada vez guían el desarrollo del presente trabajo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016 701
Félix Rojo Mendoza
702 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016
La gentrificación en los estudios urbanos
académicos y los contextos espaciales más De esta forma, y observando el Cuadro 1, las
comunes en esta temática. 20 revistas que más artículos presentan títulos
2) Metodologías aplicadas en su de gentrificación, que constituye cerca del 70%
producción. Esta dimensión se vincula al de los artículos analizados, tratan temáticas de
análisis de contenido de los resúmenes para geografía humana, urbanismo, planificación,
la determinación del tipo de metodología género, cultura y educación. Por otro lado,
utilizada y los contextos comparados presentes y en cuanto a los contextos de producción,
en los trabajos. de estas 20 revistas 9 corresponden al Reino
3) Contenidos asignados a la gentrificación. Unido y 7 a EE.UU, concentrando entre ambos
Este ámbito se relaciona con el análisis de contextos el 50% de todos los artículos
contenido de los resúmenes, que derivó en los revisados para este estudio. Dentro de esta
tipos de gentrificación, los conceptos centrales realidad de alta concentración en el contexto
utilizados, los agentes gentrificadores y las anglosajón, destacan revistas de producción
consecuencias explicitadas. latinoamericanas en Chile y Brasil, las cuales
Las técnicas de análisis utilizadas para representan cerca del 14% de la producción de
las dimensiones anteriores son el análisis de este tipo de artículos. En el caso de Chile, las
contenido y análisis estadístico-descriptivo, revistas Geografía Norte Grande2 y Eure son las
todo efectuado con el software SPSS 22.0. que destacan, concentrando entre ambas cerca
de un 8% de toda la producción de artículos en
el período analizado.
En cuanto a los departamentos
Resultados académicos que están publicando artículos
científicos con el término gentrificación en sus
Dinámicas de producción de la títulos, destacan 4 tipos que fueron construidos
gentrificación en artículos científicos. recodificando los departamentos de pertenencia
del primer autor: departamentos de geografía
Las dinámicas de producción de los artículos (incluye los departamentos de geografía
analizados se refiere a los contextos específicos social, humana y urbana), departamentos de
en los cuales se reproducen estos trabajos, ciencias sociales (sociología, antropología y
como las revistas que las publican, los ciencia política dentro de los más comunes),
departamentos académicos más destacados y departamentos de urbanismo y estudios
las regiones, países y ciudades que constituyen urbanos (arquitectura y planificación urbana),
los espacios estudiados. y departamentos de ciencias ambientales
Dentro de los ámbitos de desarrollo en y de la tierra (formado por departamentos
este tipo de trabajos, las revistas que mencionan de ciencias, ambiente y gestión ambiental).
gentrificación en sus títulos en los últimos 5 Como se puede apreciar en el Gráfico 1 y el
años son variadas desde el punto de vista de Cuadro 2, los departamentos académicos
las temáticas que tratan, pero concentradas en que más artículos con gentrificación en sus
cuanto a los países que generan su producción. títulos están publicando son los de geografía
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016 703
Félix Rojo Mendoza
Departamentos de geografía
Departamentos de ciencias sociales
Departamentos de ciencias ambientales y de la tierra
Departamentos de urbanismo y estudios urbanos
Total 100
Fuente: Elaboración propia.
704 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016
La gentrificación en los estudios urbanos
(28,9%) y ciencias sociales (27%), seguidos 2010 y 2013 el número se mantuvo entre los
de urbanismo/estudios urbanos (13,3%) y 20 y 30 artículos por año, mientras que el año
ciencias ambientales/de la tierra (6,3). Los 2014 la producción supera los 40 artículos.
tres primeros departamentos mencionados Sin embargo, las tendencias en artículos
marcan, después de varias fluctuaciones por de este tipo deben ser analizadas desde el
año, una tendencia al alza en este tipo de punto de vista de los contextos espaciales de
3
publicaciones a partir del año 2013, mientras producción, ya que no se observan los mismos
que los departamentos de ciencias ambientales incrementos en distintas marco-regiones del
y de la tierra, después de ese año no registran mundo. De esta manera, y recodificando los
publicaciones con gentrificación en sus títulos. países más estudiados en macro-regiones, se
Cabe mencionar que un 14,5% de los artículos observa que si bien Norteamérica y Europa
analizados pertenecían a otros departamentos son los contextos con mayor presencia en los
de variadas temáticas (estudios culturales, artículos analizados, América Latina y Asia han
lenguas, criminología, etc.), mientras que en un aparecido con fuerza después del año 2012
10,1% no aparece una afiliación institucional como contexto de estudio (Gráfico 2). Esto
clara en el artículo. indicaría un mayor interés en tratar el tema
Existe, por tanto, una tendencia de de la gentrificación en los últimos contextos
incremento en la producción de este tipo de señalados, y la intención de anunciarlo
artículos en los últimos 5 años, en especial, directamente en los títulos de sus trabajos. Así,
después del año 2013. En este sentido, se los incrementos de este tipo de artículos en los
puede apreciar (Gráfico 2) que entre los años años analizados responde al interés en estudiar
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La gentrificación en los estudios urbanos
Por otro lado, las ciudades más relevantes en un referente de estudio de los artículos que
como áreas de estudio para la gentrificación titulan gentrificación en América Latina. Las
en los artículos analizados presentan las hipótesis pueden ser variadas, incluyendo las
mismas tendencias de lo que ocurría a nivel representaciones de una ciudad ícono de la
de países. Así, y observando le Cuadro 4, de las desestructuración del mercado, las influencias
15 ciudades más estudiadas en los artículos, de la formación doctoral anglosajona de
9 corresponden a los tres primeros países de algunos académicos o las redes e influencias
producción de este tipo de trabajos (EE.UU, académicas internacionales. Sin embargo, es
Reino Unido y Canadá), y sólo dos a ciudades difícil responder la pregunta con este estudio,
en América Latina (Chile y México). El caso siendo necesario para ello una profundización
de Santiago de Chile rompe en parte con la en las dinámicas involucradas en la producción
tendencia anglosajona, ubicándose en segundo del término gentrificación.
lugar como área de estudio más citada, con En el Cuadro 4, además, se puede
un 5,9 % del total de artículos analizados. observar que sólo 4 de las 15 ciudades
La pregunta que esto genera es por qué esta corresponden a las capitales nacionales,
ciudad se ha transformado en el último tiempo mientras el resto se distribuye entre ciudades
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 697-719, set/dez 2016 707
Félix Rojo Mendoza
de gran relevancia nacional-global (New York, que se utilizó. De esta manera, un 25,2%
Chicago o Toronto) y ciudades intermedias de los artículos manifiestan la utilización de
menos influyentes (Guangzhou, Leeds y metodologías cualitativas, un 13,2% lo hacen
Juárez). Por otro lado, es interesante que en términos cuantitativos, y un 7,5% utilizan
Chicago sea la principal ciudad en los artículos métodos mixtos. La gran mayoría (54,1%) no
analizados, continuando una larga tradición de describe la metodología en el resumen, lo que
estudios urbanos que la ha tenido como área no implica ausencia de apartado metodológico
emblemática de estudio, por ejemplo, en la en dichos artículos (Cuadro 5).
corriente de la ecología urbana de la Escuela Dentro de los artículos que manifiestan
de Chicago. el trabajo con metodologías cualitativas,
destacan las entrevistas, focus groups y la
observación etnográfica como técnicas de
Metodologías aplicadas recolección de información, mientras que
en la producción de la gentrificación el análisis documental y de contenido son
en artículos científicos las técnicas de análisis más utilizadas. En
los artículos que trabajan con metodologías
Para la descripción de las metodologías cuantitativas, las fuentes de información son
utilizadas en los trabajos revisados en este bases censales, estadísticas de uso y precio de
estudio, se efectuó un análisis de contenido a suelo, y encuestas de opinión, mientras que
los resúmenes de los artículos, describiendo, las técnicas de análisis más destacadas son la
cuando correspondía, el tipo de metodologías estadística descriptiva e inferencial.
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La gentrificación en los estudios urbanos
Metodología utilizada
Metodología cualitativa
Metodología cuantitativa
Métodos mixtos
Nº de artículos selecionados
Año de publicación
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Félix Rojo Mendoza
interior de un mismo país, y menos aún, que que tiene para contrastar el valor original del
lo hagan entre ciudades de distintos países. concepto de gentrificación en los diversos
En este sentido, y observando el gráfico 4, se contextos y procesos a nivel global. Y en este
puede observar que los estudios dentro de un sentido, una buena forma de profundizar
mismo contexto nacional han aumentado en en los debates actuales de la pertinencia
los últimos años, mientras que los estudios del término gentrificación en los estudios
que contrastan ciudades de distintos países urbanos (Maloutas, 2011; Lemanski, 2014),
también lo hacen, pero en una magnitud es precisamente la utilización de trabajos
mucho menor. La relevancia del estudio comparados entre distintas ciudades de países
comparado está dada por la potencialidad diversos.
Contextos de estudios
Dentro de un mismo país
Dos países distintos
Nº de artículos selecionados
Año de publicación
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La gentrificación en los estudios urbanos
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La gentrificación en los estudios urbanos
Los otros conceptos centrales utilizados 11,5%, y el mercado con 9,6% (Gráfico 5). El
en los artículos analizados son: protección Estado aparece como gentrificador en la medida
contra la gentrificación (6,9%), relacionado que impulsa políticas sociales de mixtura
con los movimientos sociales urbanos que social, utilizando para ello mecanismos como
se oponen a este proceso; gentrificación de la construcción de nueva vivienda en zonas
nueva construcción (6,9%), vinculado con que intentan ser revitalizadas e integradas
las políticas públicas de integración y mexcla socialmente. Por otro lado, la relación Estado-
social; políticas urbanas (5%), que discute mercado se constituye como agente ya que el
respecto a los instrumentos de planificación primero posibilita la participación del segundo
urbana que permite la gentrificación; y agentes en los procesos de transformación de las
gentrificadores (3,1%), que pone el acento en ciudades. Los nuevos propietarios apuntam a
los ejecutores de este tipo de fenómenos en las la categoría que integra a aquellos artículos
ciudades (Cuadro 7). que hablan de las personas que se trasladan
En cuanto al último concepto central a espacios gentrificados, o aquellos que deben
m e n c i o n a d o a n t e r i o r m e n t e, a g e n t e s desplazarse de estos. Y el mercado como agente
gentrificadores, el análisis de los resúmenes es aquel vinculado en los artículos al sector
también permitió extraer y codificar los actores inmobiliario y todos los procesos de extracción
del proceso que son nombrados en los artículos de renta de suelo que ello implica. Es importante
que titulan gentrificación. Es así como los mencionar que no todos los artículos presentan
principales agentes mencionados son el Estado a los agentes gentrificadores en sus resúmenes,
con un 27,6%, seguidos de la relación Estado- lo que equivale al 39,5% de los trabajos
-mercado y los nuevos propietarios con un analizados (Gráfico 5).
Agentes gentrificadores
explicitados en el resumen
Estado
Mercado
Estado y Mercado
Nuevos propietarios
No se especifica
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Consecuencias de la
gentrificación
Consecuencias positivas
Consecuencias negativas
Nº de artículos selecionados
Consecuencias Nº de
Porcentaje
de la gentrificación artículos
Año de publicación
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La gentrificación en los estudios urbanos
Sig. asintótica
Valor GI
(bilateral)
Chi-cuadrado de Pearson 8,9005 3 ,031
Razón de verosimilitudes 9,100 3 ,028
Asociación lineal por lineal 4,589 1 ,032
N de casos válido 120
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La gentrificación en los estudios urbanos
Notas
(1) Si bien los buscadores de Web of Science permite el filtro por ar culos, haciendo la dis nción con
los capítulos de libros y otras categorías, aún así la búsqueda arrojó ar culos que eran reseñas
o capítulos de libros. En este sen do, fue necesaria la revisión de cada unos de los ar culos
seleccionados preliminarmente.
(2) Esta revista destaca el año 2014 con la edición especial del tema gentrificación, en donde se
publican 8 ar culos. Esto sin duda determina su ubicación dentro de las tres revistas que más
han publicado trabajos bajo el tulo gentrificación en los úl mos años.
(3) Las tendencias por año que se muestran en este trabajo están construidas hasta el año 2014
para no alterar el análisis e interpretación. Es decir, si bien el estudio contempla hasta mayo del
2015, cuando se muestran gráficos de tendencias por año, sólo se llega hasta el 2014 para no
generar lecturas erradas de los 5 primeros meses de 2015.
(5) 1 casillas (12,5%) enen una frecuencia esperada inferior a 5. La frecuencia mínima esperada es
4,33.
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Revendo o uso de dados do IBGE
para pesquisa e planejamento territorial:
reflexões quanto à classificação
da situação urbana e rural
Reviewing the use of IBGE data for research and land planning:
reflections on the classification of the urban and rural situation
Caroline Krobath Luz Pera
Laura Machado de Mello Bueno
Resumo Abstract
Este artigo discute a classificação dos setores cen- This article discusses the classification of census
sitários, segundo sua situação urbana ou rural, tracts, according to their urban or rural situation,
propostos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e proposed by the Brazilian Institute of Geography
Estatística. São exploradas as contribuições que es- and Statistics (IBGE). The contributions that
ta classificação traz para o planejamento urbano, this classification brings to urban planning are
pontuando os limites e possibilidades da utilização explored, and the limits and possibilities of the
desses dados para mapeamento da expansão urba- use of these data to map the contemporary urban
na contemporânea e na estruturação do território expansion and to structure the territory beyond
além da dicotomia urbano-rural. Pontuou-se a ne- the urban-rural divide are emphasized. Users of
cessidade dos usuários das informações censitárias census information should know the method used
conhecerem o método utilizado pelo Instituto para by the IBGE to construct cartographic databases
construção das bases cartográficas utilizadas du- utilized during collection. In addition, users should
rante a coleta, assim como refletir como dados do reflect on how IBGE data can be employed in the
IBGE podem ser utilizados na construção de políti- construction of public policies, highlighting the
cas públicas, destacando a relevância das informa- relevance of the collected information and stressing
ções coletadas e frisando o papel dos municípios the role of municipalities in initiatives to develop
em iniciativas para elaborar bases aprimoradas pa- improved databases in order to obtain better
ra melhores resultados no próximo censo. results in the next census.
Palavras-chave: variável “situação do setor cen- Keywords : variable "census tract situation";
sitário”; Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- Brazilian Institute of Geography and Statistics;
tística; dicotomia urbano-rural; planejamento da urban-rural divide; urban expansion planning.
expansão urbana.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 721-742, set/dez 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3705
Caroline Krobath Luz Pera, Laura Machado de Mello Bueno
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Revendo o uso de dados do IBGE...
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Caroline Krobath Luz Pera, Laura Machado de Mello Bueno
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Revendo o uso de dados do IBGE...
dos Setores do Censo 2000 (IBGE, s/d.) no qual IBGE para delimitação das situações urbanas e
constam informações a respeito da delimitação rurais, durante o processo de elaboração da ba-
4
das chamadas “áreas de apuração”. se cartográfica, para fins de coleta censitária,
Atualmente 5 há, na categorização do induzindo o leitor – gestor, pesquisador, estu-
Instituto, três tipologias de situação urbana: 1) dante – à falsa leitura sobre a realidade instau-
área urbanizada de cidade ou vila; 2) área não rada no território.
urbanizada de cidade ou vila; e 3) área urbana A leitura do Mapa 1, quando não asso-
isolada. As cinco categorias de situação rural ciada ao Quadro 1 – ou seja, se ambos forem
atuais são: 1) aglomerado rural de extensão ur- analisados de forma isolada, sem o conheci-
bana; 2) aglomerado rural isolado – povoado; mento a respeito das definições e dos métodos
3) aglomerado rural isolado –núcleo; 4) aglo- utilizados para coleta e sistematização dos
merado rural isolado – outros aglomerados; e dados pelo IBGE –, pode causar a impressão
5) zona rural, exclusive aglomerados rurais. de que a região analisada se apresenta muito
Assim como a distinção em duas situa- mais urbana do que de fato é, além de indicar
ções, urbana ou rural, a classificação a partir de a ocorrência de uma expansão da área urbana,
oito categorias também possui caráter híbrido entre os anos 2000 e 2010, superior à ocorrida
quanto à origem das informações – conforme na realidade. Por meio da comparação entre
pode ser analisado por meio das informações o Mapa 1 e o Mapa 2, nota-se que o primeiro
contidas no Quadro 1 –, pois pauta-se tanto mascara muitas informações relativas ao terri-
na legislação urbanística, quanto na realidade tório, que se tornam visíveis somente a partir
instaurada –, uma vez que se baseia no núme- do desmembramento da região em mais cate-
ro de domicílios e na contiguidade territorial gorias de análise, como no Mapa 2.
para mapear os aglomerados rurais. Utiliza Diante do exposto, apesar de ser mui-
também dados referentes ao tipo de uso do to comum a utilização dos setores censitários
solo para definição das áreas de apuração dos para mapeamento das áreas urbanas e rurais,
tipos: áreas urbanas, urbanas não urbanizadas este não é o método mais apropriado para
e aglomerados rurais. caracterização da expansão das áreas urba-
A espacialização das oito categorias pa- nizadas. Conforme vimos até aqui, os setores
ra a região estudada pode ser observada por censitários, divididos de acordo com sua situa-
meio do Mapa 2, que revela um quadro bas- ção: urbana ou rural, ilustram uma informação
tante diferente do encontrado no Mapa 1. híbrida, que tanto pode pautar-se no perímetro
Além da comparação dos mapas entre si, ao urbano municipal, representando a área legal-
se comparar esses mapas com outras fontes mente urbana, quanto em situações da realida-
de informação, como imagens de satélite da de instaurada, caracterizando um território de
região estudada, percebeu-se que o entendi- fato urbanizado. Entretanto, como o IBGE não
mento dos processos fica comprometido sem disponibiliza informações a respeito da fonte
o conhecimento da definição de cada uma das utilizada para traçar esse perímetro urbano
oito categorias e dos critérios utilizados pelo para fins de coleta censitária em cada um dos
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Caroline Krobath Luz Pera, Laura Machado de Mello Bueno
municípios brasileiros, torna-se difícil utilizar a categoria 2 (área urbana não urbanizada) ter
tais dados para analisar a expansão urbana como objetivo mapear as áreas vazias inseridas
contemporânea, legal ou real. em área urbana legal, essa categoria só leva
Além disso, o método utilizado no Mapa em consideração as áreas ocupadas com ativi-
2, apesar de possibilitar uma leitura mais com- dades agropastoris (lavoura, pecuária e ativida-
plexa a respeito do território, também mascara des extrativas) e terras ociosas (sem qualquer
dados a respeito da realidade legal e de fato uso) quando não contíguas às áreas urbanas
instaurada. Isso ocorre, além das limitações de cidade ou vila intensamente ocupadas com
acima apontadas, devido a limitações oriundas edificações, ruas, praças, etc. (IBGE, s/d). Sendo
da chave de classificação proposta pelo IBGE e assim, nota-se que a categoria 2 não dá conta
do método utilizado para coleta de cada uma do mapeamento de todas as áreas urbanas não
das categorias. urbanizadas, o que dificulta a utilização desses
Por exemplo, a categoria 1 (área urbana dados pelo planejamento municipal para quan-
de cidade ou vila) mascara informações quanto tificação de vazios urbanos.
à presença de vazios urbanos, pois, apesar de
Situação Definição da Situação do Setor Método para Classificar a Área de Apuração e/ou os Setores Censitários:
do Setor6 Censitário (Censo 2010)7 (IBGE, s/d-a) e e-mail do setor técnico de atendimento do IBGE (2015)
1. Área urbanizada “Setor urbano situado em áreas legalmente “Constituem áreas urbanizadas:
de cidade ou vila definidas como urbanas, caracterizadas I) Áreas intensamente ocupadas com edificações, ruas e praças, etc.;
(Urbana) por construções, arruamentos e intensa II) Áreas com uso do solo menos intenso que os da categoria I, onde se identifica
ocupação humana; áreas afetadas a presença de reservatórios d’água, áreas de lazer, cemitérios, estações
por transformações decorrentes do agrícolas experimentais, depósitos ligados à atividade industrial ou comercial,
desenvolvimento urbano e aquelas aterros sanitários, etc., formando um espaço contínuo com o da I.
reservadas à expansão urbana.” III) Áreas reservadas à expansão urbana, isto é, terras ociosas, sem qualquer uso
rural, ainda não ocupadas por construções ou equipamentos urbanos, contíguas
às áreas incluídas na categoria I e ou II.” (IBGE, s/d)
2. Área não “Área não urbanizada de vila ou cidade, “Constituem áreas não urbanizadas:
urbanizada de setor urbano situado em áreas localizadas I) Áreas ocupadas com atividades agropastoris (lavouras em geral, pecuária) e
cidade ou vila dentro do perímetro urbano de cidades atividades extrativas.
(Urbana) e vilas reservadas à expansão urbana II) Terras ociosas, sem qualquer uso, não contíguas às áreas urbanizadas dos
ou em processo de urbanização; áreas tipos I e II (IBGE, s/d-a).
legalmente definidas como urbanas, Nota: A situação 2 (área urbana não urbanizada) só é cadastrada na Base
mas caracterizadas por ocupação Territorial mediante existência de Lei Municipal. Quando esta não existe (fato
predominantemente de caráter rural” que se dá para aproximadamente 1/5 dos municípios, segundo a pesquisa
Munic), o IBGE não classificará setores segundo tal situação.” (E-mail da equipe
técnica de atendimento do IBGE, 2015)
3. Área urbana “Setor urbano situado em áreas definidas “A situação 3 (área urbana isolada) só é cadastrada na Base Territorial mediante
isolada (Urbana) por lei municipal e separadas da sede existência de lei municipal. Quando esta não existe (fato que se dá para
municipal ou distrital por área rural ou por aproximadamente 1/5 dos municípios, segundo a pesquisa Munic), o IBGE não
um outro limite legal.” classificará setores segundo tais situações. O IBGE toma o cuidado de cadastrar
a área urbana isolada apenas quando efetivamente ocupada, pois não são raros
os casos em que uma determinada área é reservada, através de lei, para um
determinado empreendimento que acaba não se efetivando.” (E-mail da Equipe
técnica de atendimento do IBGE, 2015)
726 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 721-742, set/dez 2016
Revendo o uso de dados do IBGE...
4. Aglomerado rural “Setor rural situado em assentamentos em “[...] Por constituírem uma simples extensão da área efetivamente urbanizada,
de extensão urbana área externa ao perímetro urbano legal, atribui-se, por definição, caráter urbano aos aglomerados rurais desse tipo.
(Rural) mas desenvolvidos a partir de uma cidade Tais assentamentos podem ser constituídos por loteamentos já habitados,
ou vila, ou por elas englobados em sua conjuntos habitacionais, aglomerados de moradias ditas subnormais ou núcleos
extensão”. desenvolvidos em torno de estabelecimentos industriais, comerciais ou de
serviços.
Na sua identificação, deve-se obedecer, além dos critérios de tamanho e
densidade,8 a um critério a eles específico: o de contiguidade, que estabelece
que a distância entre este e o núcleo principal da cidade ou vila deve ser inferior
a 1 km. Serão considerados, também, os aglomerados rurais cuja contiguidade
se estabeleça em relação a outros aglomerados rurais do tipo extensão urbana,
desde que pelo menos um desses aglomerados tenha sido definido como
contíguo a uma cidade ou vila, não sendo necessário que a cidade ou vila e
os aglomerados rurais a elas contíguos estejam situados na mesma unidade
administrativa.” (IBGE, s/d-a)
5. Aglomerado rural “Setor situado em aglomerado rural isolado “Povoado é o aglomerado cujos moradores exercem atividades econômicas,
isolado9 povoado sem caráter privado ou empresarial, ou quer primárias (extrativismo vegetal, animal e mineral, e atividades
(Rural) seja, não vinculado a um único proprietário agropecuárias), terciárias (equipamentos e serviços) ou, mesmo, secundárias
do solo (empresa agrícola, indústria, usina, (indústrias em geral) no aglomerado ou fora dele. É caracterizado pela existência
etc.), cujos moradores exercem atividades de serviços para atender aos moradores do próprio aglomerado ou de áreas
econômicas no próprio aglomerado ou rurais próximas. Devendo possuir:
fora dele. Caracteriza-se pela existência - Pelo menos 1 estabelecimento comercial de venda de bens de consumo
de um número mínimo de serviços ou frequente e pelo menos 2 dos 3 serviços ou equipamentos abaixo:
equipamentos para atendimento aos - um estabelecimento de ensino de 1º grau com turmas de 1º segmento com
moradores do próprio aglomerado ou de funcionamento regular.
áreas rurais próximas”. - um posto de saúde, com atendimento regular e em funcionamento e/ou,
- um templo religioso de qualquer credo. Além dos critérios de tamanho e
densidade comuns a todos os aglomerados rurais”.10 (IBGE, s/d-a)
6. Aglomerado rural “Setor rural situado em aglomerado rural “É considerado, como característica definidora desse tipo de aglomerado rural
isolado11 núcleo isolado, vinculado a um único proprietário isolado, seu caráter privado ou empresarial. Além dos critérios de tamanho e
(Rural) do solo (empresa agrícola, indústria, usina, densidade comuns a todos os aglomerados rurais”.12 (IBGE, s/d-a)
etc.), privado ou empresarial, dispondo
ou não dos serviços ou equipamentos
definidores dos povoados”.
7. Aglomerado rural “Setor rural situado em outros tipos de “São aqueles que não dispõem, no todo ou em parte, dos serviços ou
isolado13 aglomerados rurais, que não dispõem, equipamentos definidores dos povoados e que não então vinculados a um único
Outros aglomerados no todo ou em parte, dos serviços ou proprietário. Serão classificados como aglomerados rurais somente aqueles que
(Rural) equipamentos definidores dos povoados apresentarem mais de 10 e menos de 51 domicílios, não constituindo, portanto,
e que não estão vinculados a um único área de apuração. Além dos critérios de tamanho e densidade comuns a todos
proprietário (empresa agrícola, indústria, os aglomerados rurais”.14 (IBGE, s/d)
usina, etc.).”
8. Zona rural
exclusive aglomera- “Área externa ao perímetro urbano, exclusive as áreas de aglomerado rural.” (IBGE, s/d)
dos rurais (Rural)
Elaboração: Pelas autoras, 2016. A fonte das informações de cada coluna encontra-se em nota de rodapé.
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Quadro 2 – Utilização da variável Situação do Setor Censitário para caracterização de padrões espaciais
de análise da expansão urbana contemporânea
Situação do Setor Censitário Situação do Setor Censitário Característica da transformação espacial ocorrida no período estudado: Município onde O que pode representar esse padrão
em 2000 em 2010 2000/2010 ocorre (ver Mapa 3) de expansão urbana?
8- Zona rural, exclusive aglomerado 1- Área urbanizada de cidade Crescimento da área urbana, podendo ser só um aumento na área urbana legal 2, 3, 4, 6, 8, 9, 10, 11 - Expansão do perímetro urbano
rural – Situação Rural ou vila – Situação Urbana ou com respectivo crescimento da área urbanizada 12, 13, 16, 17, 18, 19 - Expansão da área urbanizada contígua a
cidade ou vila
8- Zona rural, exclusive aglomerado 2- Área não urbanizada de cidade Aumento da área urbana legal, porém ainda não urbanizada. Representa 3, 6, 10, 11, 9, 12 - Expansão do perímetro urbano
rural –- Situação Rural ou vila – Situação Urbana. aumento no estoque de terra vazia e passível de urbanização no interior do 15 e 16
município
8- Zona rural, exclusive aglomerado 3- Área urbana isolada -- Crescimento da área urbana de forma fragmentada. Expansão de perímetro 2, 4, 8, 9, 10, 12, 13 - Expansão do perímetro urbano
rural –- Situação Rural Situação Urbana urbano com respectiva urbanização de uma área antes rural, de forma 14, 15, 19, 17 - Expansão ou implantação de uma área
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fragmentada urbanizada, fragmentada da cidade ou vila
8- Zona rural, exclusive aglomerado 4- Aglomerado rural de extensão Implantação de um aglomerado rural de extensão urbana com menos de l km 2, 3, 4, 9 - Expansão ou implantação de um
rural – Situação Rural urbana – Situação Rural de distância da área urbanizada de uma cidade ou vila ou de um Aglomerado 11 e 20 aglomerado de caráter urbano em área
Rural já definido como de Extensão Urbana. Constitui um crescimento da legalmente rural e fragmentada da cidade
extensão da área urbanizada com loteamentos já habitados, conjuntos ou vila
habitacionais, aglomerados de moradias ditas subnormais ou núcleos
desenvolvidos em torno de estabelecimentos industriais, comerciais ou de
serviços
8- Zona rural, exclusive aglomerado 5, 6, e 7- Aglomerados rurais Implantação de um aglomerado rural isolado em área legalmente rural 1, 2, 3, 5, 9 - Expansão ou implantação de um
rural – Situação Rural isolados –Situação Rural 11, 16 e 19 aglomerado rural fisicamente fragmentado
8- Zona rural, exclusive aglomerado 8- Zona rural, exclusive aglomerado Áreas legalmente rurais mantidas como rurais Todos –
rural – Situação Rural rural – Situação Rural
2- Área não urbanizada de cidade 1- Área urbanizada de cidade Áreas legalmente urbanas, vazias em 2000, mas que se urbanizaram em 2010 03, 07, 09, 14, 15 - Expansão da área urbanizada contígua a
ou vila – Situação Urbana ou vila – Situação Urbana 18, 19 e 20 cidade ou vila
2- Área não urbanizada de cidade 2- Área não urbanizada de cidade Áreas legalmente urbanas não urbanizadas em 2000 e mantidas como vazias 03, 05, 07, 09, 14 –
ou vila – Situação Urbana ou vila – Situação Urbana até 2010 15, 18, 19 e 20
2- Área não urbanizada de cidade 3- Área urbana isolada – Áreas legalmente urbanas e não urbanizadas até 2000, mas que foram – - Expansão ou implantação de uma área
ou vila – Situação Urbana Situação Urbana urbanizadas de forma fragmentada à cidade ou vila urbanizada, fragmentada da cidade ou vila
3- Área urbana isolada – 1- Área urbanizada de cidade Área urbana isolada até 2000, mas que, ao se expandir, passou a ser contígua 9, 10, 11 e 13 - Expansão da área urbanizada contígua a
Situação Urbana ou vila – Situação Urbana. a cidade ou vila cidade ou vila
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Situação do Setor Censitário Situação do Setor Censitário Característica da transformação espacial ocorrida no período estudado: Município onde O que pode representar esse padrão
em 2000 em 2010 2000/2010 ocorre (ver Mapa 3) de expansão urbana?
3- Área urbana isolada – Situação 3- Área urbana isolada – Situação Áreas urbanas isoladas em 2000 e que se mantiveram isoladas da cidade ou 4, 6, 11, 12, 13, 16, –
Urbana Urbana vila até 2010 17, 18, 19
4- Aglomerado rural de extensão 2- Área urbanizada de cidade Aglomerados rurais de extensão urbana que passaram a fazer parte do – - Expansão do perímetro urbano
urbana – Situação Rural ou vila – Situação Urbana perímetro urbano e da área urbanizada da cidade ou vila - Expansão da área urbanizada contígua a
cidade ou vila
4- Aglomerado rural de extensão 3- Área urbana isolada – Aglomerados rurais de extensão urbana que passaram a fazer parte do 14 - Expansão do perímetro urbano
urbana – Situação Rural Situação Urbana perímetro urbano e da área urbanizada, porém fragmentada, da cidade ou vila - Expansão ou implantação de área
urbanizada, fragmentada da cidade ou vila
4- Aglomerado rural de extensão 4- Aglomerado rural de extensão Aglomerados rurais de extensão urbana em 2000 e mantidos como tais até 3, 9 e 18 –
urbana – Situação Rural urbana – Situação Rural 2010.
5, 6, e 7- Aglomerados rurais 1- Área urbanizada de cidade ou vila Aglomerados rurais isolados que passaram a fazer parte do perímetro urbano e – - Expansão do perímetro urbano
isolados – Situação Rural. – Situação Urbana da área urbanizada - Expansão da área urbanizada contígua a
cidade ou vila
Caroline Krobath Luz Pera, Laura Machado de Mello Bueno
5, 6, e 7- Aglomerados rurais 3- Área urbana isolada – Situação Aglomerados rurais isolados que passaram a fazer parte do perímetro urbano e – - Expansão do perímetro urbano
isolados – Situação Rural Urbana da área urbanizada, porém fragmentada, da cidade ou vila. - Expansão ou implantação de área
urbanizada, fragmentada da cidade ou vila
5, 6, e 7- Aglomerados rurais 4- Aglomerado rural de extensão Aglomerados rurais isolados que se tornaram aglomerados rurais de extensão 9 - Expansão ou implantação de aglomerado
isolados – Situação Rural urbana –Situação Rural urbana, pois expandiram-se até ficarem a l km de distância da área urbanizada de caráter urbano em área legalmente rural
de uma cidade, ou vila, ou de um Aglomerado Rural já definido como de e fragmentada da cidade ou vila
Extensão Urbana. Constituem crescimento da extensão da área urbanizada com
loteamentos já habitados, conjuntos habitacionais, aglomerados de moradias
ditas subnormais ou núcleos desenvolvidos em torno de estabelecimentos
industriais, comerciais ou de serviços.
5, 6, e 7- Aglomerados rurais 5, 6, e 7- Aglomerados rurais Aglomerados rurais isolados que se mantiveram como tais. 5, 9 e 19 –
isolados- Situação Rural isolados – Situação Rural.
1- Área urbanizada de cidade ou 1- Área urbanizada de cidade ou vila Área urbanizada de cidade e vila que se manteve como tal. Todos –
vila- Situação Urbana – Situação Urbana
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Espacialização de dados do Censo 2010 na área urbana, não contam com grau de urba-
para compreensão de desigualdades nização completo, representadas no mapa por
no espaço intraurbano
meio de pontos.17
A partir da sobreposição de dados refe-
A cidade brasileira apresenta fortes diferenças rentes às redes de infraestrutura e reagrupa-
no padrão de urbanização, refletindo o histó- mento dos setores, é possível chegar a uma
rico dos investimentos públicos, dos processos leitura mais precisa do território, rompendo
informais de urbanização e do perfil socioe- o padrão de território bipartido em urbano e
conômico da população. O Mapa 4 represen- rural. Salienta-se, contudo, que, como só fo-
ta uma leitura da região estudada a partir do ram coletados pelo IBGE dados do entorno
reagrupamento das oito categorias de setores de domicílios localizados em situação urbana,
censitários, como discutido nos itens anteriores, não foram coletadas informações da categoria
em três grupos: urbano, rural e além da dicoto- 4 por estar fora da área urbana legal, apesar
mia urbano-rural. de abrigar regiões notórias por alto índice de
O espaço urbano é representado apenas áreas com urbanização incompleta, tais como
pela classificação 1 – setores urbanos de cida- loteamentos já habitados e localizados em
de e vila; o espaço rural é representado pelo áreas rurais, conjuntos habitacionais e núcleos
agrupamento das categorias 5, 6, 7, 8; o espaço desenvolvidos em torno de estabelecimentos
com dinâmicas híbridas, relacionadas a novas industriais, comerciais ou de serviços.
espacialidades além do urbano ou rural, é com- Sabe-se que o IBGE faz a classificação
posto pelas categorias 2, 3, 4, respectivamente: dos setores censitários para 5.565 municípios
área não urbanizada de vila ou cidade, área ur- antes da coleta dos dados. Esta análise aqui
bana isolada e área rural de extensão urbana. desenvolvida com os resultados das informa-
Para incorporar a problemática da desi- ções sobre as características do entorno não
gualdade ao acesso às redes de infraestrutura caminha no sentindo de demandar do IBGE
urbana no espaço intraurbano, agregaram- uma reclassificação dos dados a posteriori da
-se nessa cartografia informações sobre as coleta. Apenas intenciona-se caminhar por
características urbanísticas do entorno dos meio de uma análise que estrutura o território
16
domicílios urbanos, mapeando a presença além da dicotomia urbano-rural, utilizando-
de pelo menos duas redes de infraestrutura -se do acesso a redes de infraestrutura urbana
implantadas, como abastecimento de água via como um indicador que demonstra a inserção
rede geral e presença de esgoto a céu aberto de uma dinâmica urbana, o acesso a redes de
e abastecimento de água via rede geral e ilu- infraestrutura, em situações tidas conceitual-
minação pública. Na cartografia 4, portanto, mente como rurais, demonstrando a comple-
cada ponto representa 25 domicílios. Pode-se xificação do espaço, como referida por Spósito
assim detectar áreas que, apesar de inseridas (2013), sendo necessário superar a dicotomia.
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rurais; e a expansão de aglomerados de cará- como urbana, mesmo quando não contemplada
ter urbano em área rural. Frisa-se, contudo, que por redes de infraestrutura, caracterizando uma
este é um estudo complementar, realizado com forma de urbanização incompleta.
o intuito de caracterizar, demograficamente ou A respeito das fragilidades, pode-se elen-
a partir de aspectos socioeconômicos, as áreas car algumas indicações de como superá-las,
de expansão urbana. Caso o intuito da pesqui- tais como:
sa seja caracterizar o processo de expansão ur- ● o IBGE poderia passar a disponibilizar, em
bana, o mais indicado é pautar-se por imagens seu banco de dados, informações quanto à fon-
de satélite, para estudo do crescimento das te do perímetro urbano utilizada para fins cen-
áreas urbanizadas, e pela legislação urbanística sitários em cada município brasileiro, se legal
quando o objetivo for mapear a expansão das ou se baseado na realidade instaurada, para os
áreas legalmente urbanas. municípios que não possuem lei municipal de
● A utilização das características do entorno perímetro urbano.
urbanístico dos domicílios fornece informações ● Faltam informações nas publicações do
espacializadas a respeito da qualidade das re- IBGE a respeito dos critérios utilizados para
des de infraestrutura nas áreas urbanas, possi- definição do que o órgão chama de “perímetro
bilitando o cruzamento de variáveis do entorno utilizado para fins de coleta censitária”, neces-
urbanístico com características socioeconômi- sário quando a municipalidade não conta com
cas e demográficas da população e do domi- legislação referente ao perímetro urbano.
cílio, podendo contribuir para a elaboração de ● De acordo com a forma definida pelo Ins-
políticas públicas municipais e metropolitanas. tituto, mesmo que a administração municipal
● A variável “situação do setor” pode tam- constate que a lei de perímetro não reflete a
bém ser utilizada a partir do reagrupamento realidade municipal, enquanto este não apro-
de suas oito categorias de setores censitários, var alterações em sua legislação municipal, o
estruturando o território além da dicotomia ur- IBGE continuará praticando os limites definidos
bano-rural. O espaço urbano pode ser represen- em lei. Seria necessário estabelecer parâmetros
tado pela classificação 1 – setores urbanos de quanto à participação da administração muni-
cidade e vila; o espaço rural, pelo agrupamento cipal na delimitação das áreas urbanas e rurais,
das categorias 5, 6, 7, 8; e o espaço além di- mas fica claro que, pautar-se apenas em aspec-
cotomia, pelas categorias 2, 3, e 4, respectiva- tos legais, deixando de lado demandas admi-
mente: área não urbanizada de vila ou cidade; nistrativas municipais, torna a coleta censitária
área urbana isolada e área rural de extensão aquém das reais possibilidades de utilização
urbana. Apesar de esse tipo de mapeamento dos dados pelo planejamento municipal.
proporcionar uma leitura que rompe com o pa- ● Frisa-se que um território, mesmo dividido
drão de território bipartido entre urbano e ru- em oito categorias – muitas vezes abrangen-
ral, essa estruturação não deve ser utilizada de tes em sua caracterização, como a catego-
forma isolada, pois, igualmente, possui dados ria 1, área urbana de cidade ou vila –, acaba
mascarados por trás de algumas das oito situa- tendo informações mascaradas. Citam-se, por
ções, como a categoria 1, que define uma área exemplo, as informações quanto à presença
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Caroline Krobath Luz Pera, Laura Machado de Mello Bueno
de vazios urbanos, pois, apesar de a categoria como de situação rural – afinal, são espaços
2 (área urbana não urbanizada) ter como obje- que também dialogam com a realidade urba-
tivo mapear as áreas vazias inseridas em área na, sendo, portanto, áreas além da dicotomia
urbana legal, as áreas não urbanizadas são urbano-rural.
constituídas apenas pelas áreas ocupadas por Ao longo deste artigo foram pontuadas
atividades agropastoris (lavouras, pecuária, ati- tanto as potencialidades quanto as fragilida-
vidades extrativas) e pelas terras ociosas (sem des decorrentes do uso de dados oriundos do
qualquer uso) quando não contíguas às áreas IBGE. Cabe relativizar que os limites dos dados
urbanas de cidade ou vila intensamente ocupa- muitas vezes se devem à impossibilidade de
das com edificações, ruas e praças, etc. uma análise mais detalhada antes da coleta
● Quanto aos dados do entorno urbanístico por parte do IBGE para os mais de 5 mil mu-
dos domicílios, salienta-se que só foram cole- nicípios brasileiros, bem como à incapacidade
tados pelo IBGE dados do entorno de domi- técnico-operacional de muitas gestões muni-
cílios localizados na área urbana. É necessá- cipais e pesquisadores de utilizá-los. Não se
rio incluir na coleta a categoria 4, que possui pretendeu com este trabalho desqualificar as
caráter urbano mesmo estando inserida em informações censitárias, mas sim pontuar a ne-
situação rural. Essa categoria, apesar de estar cessidade de os usuários das informações cen-
fora da área urbana legal, possui muitas vezes sitárias entrarem em contato com os limites e
regiões notórias por alto índice de áreas com as potencialidades dos dados para sua utiliza-
urbanização incompleta, tais como loteamen- ção em pesquisas e para o planejamento terri-
tos já habitados e localizados em áreas rurais, torial, sendo fundamental, para isso, conhecer
conjuntos habitacionais, assentamentos pre- igualmente o método utilizado pelo Instituto
cários e núcleos desenvolvidos em torno de para coleta dos dados.
estabelecimentos industriais, comerciais ou de Ao serem apontadas potencialidades,
serviços. Assim, o uso desses dados será mais caminha-se para a construção de indicadores
efetivo para construção e avaliação de políticas mais complexos. E, ao serem apontadas fragi-
públicas municipais e metropolitanas com a in- lidades, pretende-se apenas pontuar questões
clusão dessa categoria na coleta. que podem, em algum momento, serem supe-
● Mostra-se frágil, igualmente, a inclusão radas, possibilitando um uso ainda mais inten-
das áreas de extensão urbana, categoria 4, so dos dados censitários em nosso País.
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Caroline Krobath Luz Pera, Laura Machado de Mello Bueno
Notas
(1) Uma versão deste artigo foi apresentada durante o III Seminário Nacional do GT População,
Espaço e Ambiente, da Abep, realizado na sede do IBGE no Rio de Janeiro. As autoras agradecem
as contribuições dos par cipantes e do corpo técnico do IBGE, além da Capes e do CNPq pelo
apoio a esta pesquisa.
(2) Conforme IBGE (2013, pp. 354-355), para os casos em que a administração local considere que
a lei não reflete a realidade e enquanto não houver alteração da legislação, o IBGE con nuará
pra cando os limites definidos em lei. Nos casos em que o perímetro urbano ultrapassa o limite
municipal, o IBGE privilegia a legislação estadual sobre a legislação municipal. E, na ausência
de lei definidora de perímetro urbano, o IBGE estabelece um perímetro urbano para fins
esta s cos, como forma de definir as áreas urbanas e as rurais do município.
(3) U lizou-se como estudo de caso a Região Metropolitana de Campinas (RMC), ins tucionalizada
pela lei estadual n. 870/2000. A região apresenta hoje, após a recente inclusão de Morungaba,
vinte membros: Americana, Artur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho,
Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Ita ba, Jaguariúna, Monte Mor, Morungaba, Nova Odessa,
Paulínia, Pedreira, Santa Bárbara d’Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo.
(4) As áreas de apuração são “áreas geográficas delimitadas nos mapas e cadastradas para servir de
unidade especial de apuração de dados censitários”, como, por exemplo: os aglomerados rurais
(os quatro pos), as áreas urbanizadas, as áreas não urbanizadas, os aglomerados subnormais,
as aldeias indígenas, etc. A iden ficação das áreas de apuração é um dos elementos que auxilia
a elaboração do traçado dos setores censitários, havendo ainda outros elementos (IBGE, s/d).
Na ausência de outras informações quanto ao método u lizado pelo IBGE, o conhecimento da
informação a respeito da definição das áreas de apuração ajuda, em partes, a compreender
a par r de quais critérios o IBGE trabalha. Mas vale frisar que seria fundamental que o IBGE
passasse a detalhar tal informação em seus manuais e textos metodológicos.
(5) Essa classificação passou a ser aplicada pelo IBGE a par r do Censo de 1991. Antes, a variável
“situação de setor” era dividida em apenas quatro situações: 1) cidade ou vila; 2) área urbana
isolada; 3) aglomerado rural; e 4) zona rural.
(6) Para o Censo 2010, o tamanho es pulado para cada setor em áreas urbanas urbanizadas prevê
de 250 a 400 domicílios; para os setores urbanos não urbanizados, o critério prevê de 150 a
250 domicílios ou de 100 a 200 estabelecimentos agropecuários. Quanto aos setores rurais,
categorias 4, 5, 6, 7 e 8, o tamanho é, em média, de 200 domicílios ou 150 estabelecimentos
agropecuários, admitindo-se faixa de variação de 150 a 250 domicílios e de 100 a 200
estabelecimentos agropecuários. Além disso: “[...] em área rural, o critério de tamanho está
associado também à extensão territorial, além do quantitativo de estabelecimentos ou
domicílios par culares, não sendo admi dos setores rurais cujas extensões territoriais fossem
maiores que 500 km2 além do limite máximo de tempo de coleta ser de 60 dias” (IBGE, 2013).
(8) Critério de tamanho e densidade, conforme citado na nota 6, comum a todos os tipos de
aglomerados rurais.
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Revendo o uso de dados do IBGE...
(9) “Definem-se, como aglomerado rural isolado, os assentamentos situados em área legalmente
definida como rural, que atendam aos critérios de tamanho e densidade anteriormente
es pulados e que se encontrem separados do perímetro urbano legal de uma cidade ou vila,
ou de um aglomerado do po “extensão urbana” por uma distância igual ou superior a 1 km
[...]. Os aglomerados isolados de natureza rural correspondem a formas de hábitat concentrado
de população rural e, geralmente, reúnem um número mínimo de serviços que servem como
elementos básicos de interação social.” (IBGE, s/d-a, p. 14).
(10) Critério de tamanho e densidade, conforme citado na nota 6, comum a todos os tipos de
aglomerados rurais.
(12) Critério de tamanho e densidade, conforme citado na nota 6, comum a todos os tipos de
aglomerados rurais.
(14) Critério de tamanho e densidade, conforme citado na nota 6, comum a todos os tipos de
aglomerados rurais.
(15) Foram inseridas, no Quadro 2, todas as possibilidades de cruzamento, mesmo quando não
encontradas no estudo de caso proposto, pois, além de caracterizar a Região Metropolitana
de Campinas, pretende-se averiguar quais informações espaciais podem ser extraídas da
espacialização da variável “situação do setor”.
(16) O Censo 2010 apresentou, pela primeira vez, um perfil das características dos logradouros
onde se localizam os domicílios urbanos do País, em nível municipal, abrangendo informações
sobre presença de iluminação pública, pavimentação, arborização, bueiro/boca de lobo, lixo
acumulado, esgoto a céu aberto, meio-fio ou guia, calçada e rampa para cadeirante no entorno
dos domicílios considerados. Tais informações foram levantadas, em sua quase totalidade,
durante a pré-coleta, etapa preparatória do Censo Demográfico 2010, e refletem a observação
direta do agente censitário sobre o contexto urbanís co no que diz respeito a duas importantes
dimensões de infraestrutura: a circulação e o meio ambiente. Disponível em: <h p://biblioteca.
ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/96/cd_2010_entorno_domicilios.pdf>. Acesso em: set
2015.
(17) Cada ponto preto representa 25 domicílios, cujo entorno urbanís co não possui ambas as redes
de infraestrutura. Cada ponto em cinza claro, ou em cinza escuro, representa 25 domicílios com
pelo menos uma das redes de infraestrutura instalada. Os pontos em cinza médio representam
25 domicílios com ambas as redes de infraestrutura instauradas em seu entorno urbanís co,
ou seja, situações que representam formas de urbanização completa. Há necessidade de
transparência de informações sobre a desigualdade, de forma a que as políticas púbicas se
voltem para enfrentar a equalização do acesso da população aos serviços urbanos. O IBGE tem
um rico sistema de dados e suas ferramentas de georreferenciamento, além dos escolhidos, por
serem relacionados a saúde pública e saneamento.
(18) Alguns dos municípios que aprovaram abairramento no estado de São Paulo são: Vinhedo,
Barueri, Cubatão, Cajamar e Mongaguá.
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Caroline Krobath Luz Pera, Laura Machado de Mello Bueno
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VEIGA. J. E. (2003). Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula. São Paulo, Autores
Associados.
742 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 721-742, set/dez 2016
Planeamiento territorial sostenible:
un reto para el futuro de nuestras
sociedades; criterios aplicados
Sustainable spatial planning: a challenge
for the future of our societies; applied criteria
Resumen Abstract
En buena parte de los 17 objetivos de desarrollo In a large part of the 17 sustainable development
sostenible marcados como metas de la humanidad objectives set as goals for humanity by the UN,
por la ONU se deja entrever la sostenibilidad. sustainability can be glimpsed. As a result of the
Debido al modelo socioproductivo dominante, dominant socio-productive model, the only way
el único modo de avanzar hacia territorios más to head towards more sustainable territories that
sostenibles que permitan alcanzar y mantener allow achieving and maintaining the well-being
el bienestar de la población mundial, es tener of the world’s population is to bear in mind the
presente la necesidad de planificar adecuadamente need to properly plan territorial development.
el desarrollo territorial. Este trabajo reflexiona sobre This work refl ects on this need and takes a step
esta necesidad y avanza en la definición de los forward in the definition of the main criteria to
principales criterios para alcanzar la sostenibilidad achieve territorial sustainability at regional and
territorial en las escalas regionales y locales. local scales.
Palabras clave: criterios de sostenibilidad; Keywords: sustainability criteria; spatial planning;
planeamiento territorial; desarrollo sostenible; sustainable development; sustainable societies and
sociedades sostenibles y planificación urbana. urban planning.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 743-763, set/dez 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3706
Adrián Ferrandis Martínez, Joan Noguera Tur
744 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 743-763, set/dez 2016
Planeamiento territorial sostenible
trasmite un mensaje prescriptivo de que algo Al final del proceso, las diferentes
hay que hacer, y que de hecho puede hacerse cuestiones acordadas se plasmaron en una
(Redclift, 2000). serie de principios legales generales en pro
Por su parte, el término desarrollo de la protección del medio ambiente y el DS.
está vinculado al hecho de acrecentar o dar Desde el punto de vista del interés que suscitan
incremento a algo de orden físico, intelectual por la temática de este artículo, se considera
o moral, así como también al concepto importante destacar los siguientes:
de progresar o crecer económica, social o • Los derechos de todos los seres humanos
culturalmente (RAE, 2014). a tener un medio ambiente adecuado para su
En el año 1987, como resultado de los salud y bienestar.
trabajos realizados por la Comisión Mundial • La conservación y utilización del medio
del Medio Ambiente y del Desarrollo, presidida ambiente y los recursos naturales para el
por la entonces ministra de medio ambiente beneficio de las generaciones presentes y
noruega Gro Harlem Brundtland, se elaboró el futuras.
informe denominado Nuestro Futuro Común, • El mantenimiento de los ecosistemas y los
más conocido como Informe Brundtland. procesos ecológicos indispensables para el
Sin duda alguna, este es el documento de funcionamiento de la biosfera y la conservación
referencia a la hora de hablar y profundizar en de la diversidad biológica.
el conocimiento y definición del DS, y el que • La incorporación del concepto de "óptimo
le otorgó su acuñación oficial. En una de las rendimiento sostenible" en la utilización
partes del informe se desmenuza el concepto de los recursos naturales vivos y de los
de DS, y se indican todas y cada una de las ecosistemas.
connotaciones y campos a los que afecta, • El requerimiento de evaluaciones previas
definiéndolo en suma de la siguiente forma: de las actividades que se propongan y puedan
afectar considerablemente el medio ambiente
El DS es el proceso de cambio en el
o a la utilización de recursos naturales.
cual la explotación de los recursos, la
orientación de la evolución tecnológica y • La pretensión de asegurar la conservación
la modificación de las instituciones, están como parte integrante de la planificación y
acordes y acrecientan el potencial actual ejecución de las actividades de desarrollo.
y futuro para satisfacer las necesidades • La proporción de asistencia especial a los
y aspiraciones humanas.( Informe
países en desarrollo en apoyo a la protección
Brundtland, 1987, p. 19)
del medio ambiente y el DS.
Otra definición más sintética, es aquella • La utilización de los recursos naturales
que lo define como: transfronterizos de manera razonable y
equitativa.
La posibilidad de satisfacer las
• El requerimiento de una evaluación
necesidades del presente sin
comprometer la capacidad de las futuras ambiental de las actividades proyectadas
generaciones para satisfacer las suyas. que pudieran tener importantes efectos
(Informe Brundtland, 1987, p. 21) transfronterizos.
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Ecológicamente
viable
Solución
desarrollo
sostenible
Socialmente Económicamente
viable viable
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Planeamiento territorial sostenible
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Planeamiento territorial sostenible
interés particulares de los grandes poderes afectasen a los territorios y a las sociedades
económicos del Mundo y del capitalismo en que se asientan en ellos.
general (entendido este como aquella parte Sin embargo, un siglo después, la OT
del engranaje del sistema capitalista que sólo no se encuentra completamente consolidada,
prima la vertiente económica, menospreciando y todavía se discute el contenido específico
la social y la ambiental). En definitiva, bajo de la planificación territorial, cuáles son los
1 instrumentos propios de la OT y la escala o
estos “nuevos” enfoques, lo que se intenta es
hacer valer la incapacidad de la clase política ámbito de aplicación (Cruz Villalón, 2006).
actual para liderar ese cambio tan necesario, L a Planif ic ació n Te r r ito r ial ( P T ) ,
que sucumbe bajo el interés de unos pocos, los entendida como un instrumento de acción
acumuladores de capital. de la OT, se justifica porque la conflictividad
inherente a cualquier sistema territorial,
dejado a su evolución espontánea, se resuelve
en beneficio del interés privado del más
La Planificación Territorial; fuerte, con objetivos a corto plazo, lo que
un instrumento político conduce a un sistema territorial insatisfecho.
de acción necesario para Este hecho es el que justifica la intervención
planificada sobre el denominado sistema
alcanzar el desarrollo
(Gómez Orea, 2007).
sostenible El territorio es el resultado de la
construcción sociológica que los humanos
Durante el siglo XIX, como consecuencia han levantado sobre la matriz biofísica
de la revolución industrial y del crecimiento p r e e x is t e n t e , c r e a n d o u n e s p a c i o d e
demográfico, en los países occidentales, se artificialidades oportunas, en ocasiones, y no
produjeron unas décadas de convulsión urbana, tanto en otras (Folch, 2003). Este territorio
que pusieron de manifiesto la necesidad debe ser entendido como algo más que
de ordenar el crecimiento de las ciudades un mero escenario, ya que cuenta con una
mediante políticas, normativas, instrumentos naturaleza sistémica y compleja que se resiste
y competencias públicas (Cruz Villalón, 2006). a toda percepción reduccionista. El territorio
Evolucionado dicho proceso urbano, ya a está compuesto por la ocurrencia de elementos
principios del siglo XX, se constató, que ni los y fenómenos interrelacionados que configuran
problemas urbanísticos, ni los derivados de su realidad, es decir, la realidad territorial de
la expansión urbana, podían ser resueltos, ni cada una de las sociedades.
abordados, exclusivamente desde la escala Otro elemento importante, que también
local. Correspondería entonces a lo que ha se debe considerar, es que el territorio tiene un
venido a denominarse Ordenación del Territorio carácter limitado, y por tanto es un bien escaso
(OT), la responsabilidad de afrontar en la escala y finito, por lo que resulta de gran relevancia
supralocal, la resolución de los problemas su adecuada planificación y ordenación,
urbanísticos y de cualquiera otros que de tal forma que se maximicen los efectos
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potenciales de su buena gestión (Pujadas abajo), implica una especie de justicia social,
y Font, 1998; Farinós, 2006; Esteban, 2006; que concilia los intereses conflictivos de los
Gómez Orea, 2007). diferentes agentes socioeconómicos y hace
La PT se debe aplicar a todos los niveles prevalecer el interés de la comunidad sobre
territoriales: nacional, regional y local, mediante los intereses privados. A su vez el elemento de
un conjunto de planes, cuyas determinaciones funcionalidad, vinculado con la optimización
tienen que corresponder con las estructuras de las relaciones entre las actividades a través
territoriales atribuibles a cada nivel. Estas de los flujos de relación que se producen entre
estructuras se desarrollan en cascada, según ellas, implica una organización espacial, un
un proceso de arriba abajo, en el que el nivel control del uso del suelo, una accesibilidad de
superior, y ámbito más extenso, se adopta la población a la explotación de los recursos
como referencia para los niveles inferiores territoriales, a los lugares de trabajo y a los
(Pujadas y Font, 1998; Gómez Orea, 2007; equipamientos y servicios públicos (Gómez
Noguera, 2009). Tal desarrollo en cascada no Orea, 2001).
implica la imposición de los niveles superiores Según Gómez Orea (2007), se identifican
sobre los inferiores, sino una correlación entre 3 conceptos clave para la aplicación de la
las estructuras territoriales asociadas a cada sostenibilidad en la acción y el cometido de las
nivel y el tipo de plan correspondiente. De políticas de PT. En primer lugar la utilización
acuerdo a ello, toda población participa en la racional del territorio y gestión responsable
elaboración de todo plan. de los recursos naturales, implicando como
El objetivo final de la PT es el desarrollo principio general la conservación de los
global de los sistemas territoriales a los que se procesos ecológicos esenciales, de tal forma
aplica, entendido éste en términos de calidad que se consiga mantener a largo plazo el
de vida. El desarrollo integral implica equilibrio, potencial de utilización del suelo y los recursos
integración, funcionalidad, uso racional de que contiene. En segundo lugar la calidad
los recursos, calidad ambiental, calidad de la ambiental, vinculada al objetivo de mejorar la
gestión pública y coordinación administrativa. calidad de los vectores ambientales (aire, agua y
Cuando se habla de equilibrio territorial, suelo), y la conservación de los ecosistemas y de
lo que se pretende es prevenir y corregir los los procesos ecológicos esenciales, del paisaje,
desequilibrios territoriales, ya que el equilibrio del patrimonio cultural... etc. Finalmente, en
entre las diferentes unidades territoriales es tercer lugar, la calidad de la gestión pública y
garantía de progreso y estabilidad. Por tanto, la coordinación administrativa, tomando como
la PT debe controlar el crecimiento de las punto de partida la planificación integrada y
regiones demasiado dinámicas y estimular la coordinación intersectorial e interterritorial
el de las retrasadas o las que entren en entre los diferentes entes administrativos,
decadencia (Carta Europea de Ordenación del destacando los que se deben producir
Territorio, 1983). entre entes del mismo nivel competencial
Por su parte la idea de la integración (intercambio de información y cooperación
(territorial y sectorial, hacia arriba y hacia activa).
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Estos son los siguientes: 1) caminar hacia una Esta realidad se genera por las características
estructura territorial articulada a través de que ofrece este tipo de suelo, es decir, mayor
una red policéntrica de sistemas urbanos que calidad (tejidos de baja densidad, entornos
se reproduzca a distintas escalas; 2) articular espacialmente amplios, ajardinados, incluso
un modelo urbanístico-territorial que evite la con interés paisajístico), menor coste del suelo,
dispersión y la fragmentación urbana; 3) una exigencias dimensionales, posibilidades de
nueva cultura de la movilidad; 4) una gestión implantación de instalaciones que requieran
prudente de los recursos ambientales, que de amplias zonas, equipamientos deportivos,
reduzca el impacto ecológico y la gestión de centros comerciales y recreativos, exigencias
la matriz de espacios abiertos y del paisaje; funcionales (alojamiento de actividades
5) la integración de las políticas de equidad y especialmente molestas o peligrosas), acciones
cohesión social en el modelo territorial; 6) la de tipo cultural o de estatus social, mayores
potenciación de los factores de competitividad expectativas de nivel de vida, o de políticas de
del territorio, como son el capital humano, el tipo fiscal.
social y el territorial; y 7) el establecimiento Para poder evitar la demanda de
de redes de gobernabilidad de las políticas suelo disperso no vale únicamente con
territoriales, basadas en la formulación establecer medidas restrictivas o limitativas
participativa, el diálogo y la gestión concertada. en el planeamiento. Es necesario partir de un
Por otra parte, si se consideran consenso social amplio, cosa que se puede
elementos más específicos de la PT, se puede conseguir cuando el planeamiento contribuya
indicar como por ejemplo Esteban (2006), a facilitar otras opciones espaciales que
destaca la necesidad de que los procesos pueden satisfacer algunos componentes de
de PT inicien dinámicas de contención de la esa demanda. Entre estos, se puede destacar la
dispersión urbana. En esta línea, resalta que el calificación de suficiente cantidad de suelo de
desarrollo urbanístico sostenible, dado que el desarrollo urbano con buenas condiciones de
suelo es un recurso limitado, comporta también conectividad con las áreas urbanas existentes,
la configuración de modelos que eviten la el asegurar buenos estándares de calidad
dispersión en el territorio. Las razones por las ambiental (refuerzo de espacios con vegetación
que la dispersión es un fenómeno negativo, y establecimiento de densidades medias), la
se centran en: 1) el incremento del consumo potenciación de la accesibilidad en transporte
de suelo; 2) la degradación del paisaje; 3) público para esos nuevos crecimientos urbanos,
el impacto sobre los ecosistemas naturales; y el propiciar la construcción de viviendas, en
4) la potencialización del uso del vehículo especial asequibles, en las áreas donde haya
privado; y 5) el encarecimiento de la dotación y o se prevea mayor proporción de puestos de
prestación de servicios. Resulta evidente pensar trabajo, y viceversa (Esteban, 2006).
que la dispersión se produce porque existe Desde este punto de vista de base
una demanda para acceder a ese tipo de suelo territorial, como nos apuntan Elorrieta et al.
más aislado o más periférico respecto de las (2016), la sostenibilidad está estrechamente
zonas puramente urbanas (centros urbanos). relacionada con la capacidad de carga del
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Planeamiento territorial sostenible
propio territorio, y puede entenderse como “el necesidades de crecimiento, sólo pueden
desarrollo acorde con los rasgos ambientales hacerse desde un enfoque territorial amplio.
del medio donde se plantean cambios en el También es imprescindible este enfoque para
uso del suelo. Esos rasgos ambientales incluyen valorar las mejores opciones de implantación
cuestiones del medio físico, pero también urbana en función de las condiciones físicas del
aspectos socioeconómicos y culturales” suelo disponible. El criterio de que cada plan
(Elorrieta et al., 2016, p. 152). municipal debe dar respuesta a la demanda
Si se tienen en cuenta todas estas interna de crecimiento del municipio, que
consideraciones planteadas en este apartado, se desprende de la legislación urbanística
el Plan se convierte un elemento fundamental actual, únicamente tiene sentido en casos
para procesos importantes como; la de municipios con disponibilidad de suelo y
participación y la concertación de los agentes al margen de fenómenos metropolitanos. El
socioeconómicos; la coordinación entre todos grado de continuidad del crecimiento urbano
los agentes, de forma particular entre los con las áreas existentes y las densidades del
numerosos organismos de la compartimentada mismo, sí son materia específica de los planes
administración pública; el establecimiento de la municipales, aunque dada la transcendencia
cultura de la previsión frente a la improvisación, territorial de estas decisiones cabe exigir
en una forma de hacer operativo el principio criterios coherentes en todo el ámbito
relativo a la función social de la propiedad; y territorial significativo, los cuales sólo pueden
finalmente, en un objetivo que permite orientar ser aportados por un planeamiento con la
los esfuerzos de todos en una misma dirección, suficiente amplitud (Esteban, 2006).
cuyos resultados sólo se manifiestan y perciben Desde una visión más práctica, si se
a medio plazo (Gómez Orea, 2007). toma en consideración las implicaciones de
En lo que respecta a la posición frente a los principios de la sostenibilidad en la PT,
las distintas modalidades de dispersión urbana, según el Libro Blanco de la Sostenibilidad
una de las cuestiones clave es conocer si a en el Planeamiento Urbanístico Español
través de los planes urbanísticos municipales (2010), el planeamiento urbanístico define un
se puede actuar eficazmente o se necesitan modelo y una estructura de ciudad sobre la
instrumentos de mayor ámbito territorial. En que posteriormente se instalan y desarrollan
relación con la dispersión y el crecimiento, los distintos usos urbanos. En este modelo,
además de las tres variables básicas, como son aspectos, como las tipologías edificatorias y
la localización, la morfología y la intensidad, su relación con los espacios abiertos como
resulta muy importante también identificar viario, espacios de convivencia, zonas verdes,
las necesidades de suelo y la aptitud de ese etc., la distribución de los distintos usos y
suelo en disposición de ser ocupado. Resulta su convivencia o separación de viviendas,
bastante claro que las consideraciones equipamientos públicos y privados, usos
sobre cuáles son los municipios con mejores terciarios e industriales). Así como su mayor
condiciones, por su población, usos urbanos o menor concentración en el espacio, pueden
y conectividad, para dar respuesta a las apoyar, e igualmente dificultar, determinados
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estilos de vida más o menos sostenibles. Por del presente artículo, la ambigüedad que rodea
supuesto, en las sociedades democráticas al concepto del DS, complica en gran medida
la decisión última debería corresponder a su aplicación práctica, en especial a la hora de
los ciudadanos particulares, pero es labor implementarlo en las políticas de actuación
de las administraciones públicas, tanto territorial. Por este motivo, resulta fundamental
desde el planeamiento como desde otros avanzar en la definición de criterios para poner
ámbitos de su competencia, fomentar los en marcha este tipo de políticas territoriales, tan
hábitos individuales más beneficiosos para la necesarias para alcanzar los ya mencionados
colectividad, y que se ofrezcan los incentivos objetivos del DS, haciendo especial referencia a
y desincentivos más apropiados para cada las escalas regionales y locales.
caso. Así pues, se ponen en juego una serie En los siguientes subapartados, tras
de elementos interrelacionados, como son: una minuciosa revisión bibliográfica, y con el
el territorio o soporte físico sobre el que objetivo de aportar una base teórica amplia que
funciona la ciudad, que ofrece un abanico de facilite la aplicación práctica de la Planificación
posibilidades de uso; la sociedad que hace un Territorial Sostenible, se definen de forma
uso específico del soporte del que dispone, y concreta los criterios que deben considerar. En
que incluye su modificación; y el metabolismo el primero de estos subapartados, los criterios
urbano, con su correspondiente consumo de se describen desde un punto de vista general,
recursos y producción de residuos. Por tanto, mientras que en el segundo, se realiza una
el planeamiento urbanístico está encargado aproximación más específica, dividida por
de conformar el soporte físico de la ciudad, ámbitos funcionales de actuación, con una
pero al hacerlo influye necesariamente en las mirada más localista.
otras dos esferas. Desde la conciencia de esta
capacidad de influencia pueden integrarse en
el planeamiento estrategias de sostenibilidad. Criterios generales
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Planeamiento territorial sostenible
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Adrián Ferrandis Martínez, Joan Noguera Tur
Este puede ser el caso de la asignación de específicos de aplicación. Este objetivo resulta
usos del suelo concretos y diferenciados en fundamental para la aplicación sostenible
función de las actividades desarrolladas por de la PT. Para que dicha aproximación pueda
el hombre y sus necesidades (Pujadas y Font, ser entendida con mayor detalle, en este
1998). La armonización de la ordenación apartado los criterios se clasifican por ámbitos
de los diferentes usos del suelo, a partir de funcionales. Estos ámbitos son los que se
un enfoque territorial amplio, en el que la consideran como los más relevantes para
escala local encaje con el conjunto de usos la implantación de actuaciones territoriales
establecidos en el área territorial superior en arraigadas en la escala local. A continuación, se
la que se integra (Esteban, 2006). Del mismo van describiendo los criterios específicos que se
modo, se debe intentar evitar la dispersión y la consideran más importantes.
fragmentación urbana (Tarroja, 2006; Esteban,
2006; Rojas et al., 2011), mejorar la calidad Suelo urbano y suelo urbanizable
de los entornos urbanos existentes y de las Para poder hacer frente a la dispersión
nuevas zonas urbanas anexas a esos mismos urbana y propiciar procesos de contención,
entornos urbanos ya existentes, con el objetivo resulta necesario evaluar las variables básicas
de equiparar sus condiciones de calidad, en asociadas a la planificación urbana. Estas son
comparación con las urbanizaciones aisladas la localización, la morfología y la intensidad
(dispersas) y de baja densidad (Esteban, 2006), de las propuestas urbanas, las necesidades
y, por último, disminuir la movilidad urbana de suelo y la aptitud de los suelos (Esteban,
obligada que esté necesariamente vinculada 2006; Utz et al., 2008; Rojas et al., 2011). En
a la utilización de medios de trasporte relación con lo anterior, también se considera
particulares (Folch, 2003). muy importante analizar las tipologías
Finalmente, desde esta aproximación edificatorias propuestas y su relación con
más general, destacar de nuevo la necesidad de los espacios abiertos planificados (viarios,
alcanzar el consenso del conjunto de agentes zonas verdes, corredores ecológicos) (OSE,
sociales en la toma de decisiones, mediante la 2009; Libro Blanco de la Sostenibilidad de la
consideración como punto de partida de los Planificación Urbanística Española, 2010). Por
procesos de participación ciudadana, en los que su parte, es igualmente necesario analizar la
la población pueda expresar sus necesidades, distribución (mezcla) de los usos del suelo, y su
siempre en beneficio del bien común (Gómez necesaria convivencia o separación, en función
Orea, 2007; Libro Blanco de la Sostenibilidad de sus características. Se considera como muy
de la Planificación Urbanística Española, 2010). relevante la coexistencia espacial de usos, en
especial de la mezcla de usos residenciales
Criterios específicos con usos funcionales o no residenciales útiles
por ámbitos funcionales (servicios públicos, comercio y otros), con el
objetivo de facilitar su integración espacial
La puesta en práctica de los criterios generales (Díaz et al., 2007; Utz et al., 2008; Salado et
indicados pasa por la definición de criterios al., 2008; Libro Blanco de la Sostenibilidad de
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Planeamiento territorial sostenible
la Planificación Urbanística Española, 2010; patrimonio cultural, entendido éste como los
Rojas et al., 2011). bienes de interés general que deben estar
Otro criterio fundamental, es el vinculado reconocidos con figuras de protección legal, es
a la valoración del grado de concentración otra de las claves a tener en cuenta para una
urbana propuesto, para garantizar un nivel sociedad sostenible y con arraigo cultural (Utz
mínimo de calidad ambiental urbana. Este et al., 2008; Salado et al., 2008).
elemento está directamente relacionado con la En lo que respecta a los nuevos espacios
intensidad de las propuestas y la planificación propuestos para el crecimiento de los entornos
de los espacios abiertos. Las densidades urbanos, por las necesidades de la población,
edificatorias son muy importantes, en el deben permitir un crecimiento permeable,
sentido que establecen los límites edificativos, que evite la formación de barreras y genere
y por tanto las capacidades máximas de un sistema de espacios abiertos continuos
albergar viviendas y en definitiva de población. (corredores verdes o infraestructura verde)
En este sentido resulta también importante el (Díaz et al., 2007; y Utz et al., 2008; CITMA,
grado de consolidación realmente aplicado, 2012). Evitar la ocupación de los nuevos
por cuanto marcará la densidad de ocupación crecimientos en zonas consideradas de riesgo
o de habitantes por sectores o zonas. Los (naturales y posibles riesgos tecnológicos),
niveles de masificación de la población urbana así como respetar las tierras de uso agrícola y
guardan una relación directa con el grado de forestal de interés o gran fertilidad, a efectos
cumplimiento de los parámetros de calidad de mantener los valores paisajísticos sin
ambiental urbana ya mencionados (Parrado, degradarlos y que se propicie espacios de
2001; Díaz et al., 2007; OSE, 2009; Libro transición entre el tejido urbano y los espacios
Blanco de la Sostenibilidad de la Planificación rurales, son otros criterios significativos (Utz et
Urbanística Española, 2010; Rojas et al., 2011). al., 2008; Rojas et al., 2011).
La optimización del suelo urbano
consolidado, la reutilización y renovación Suelo protegido
urbana, así como la recuperación de zonas En este ámbito, resulta importante mantener
degradadas y abandonadas, son otras claves los niveles de protección y la superficie de los
importantes. En esta línea también resulta espacios que previamente ya contaban con
significativo conocer la proporción de espacios algún nivel de protección espacial. De forma
urbanos destinados a equipamientos y a zonas singular se deben respetar las afecciones
verdes urbanas (espacios abiertos) de estos identificadas en los estamentos territoriales
espacios consolidados. Un criterio a seguir superiores, ya sean desde las instancias
sería tener una zona verde accesible en un Supranacionales (Unión Europea), de las
radio de 500 metros (Salado et al., 2008; Utz nacionales o de las regionales (Pujadas y Font,
et al., 2008; Libro Blanco de la Sostenibilidad 1998; Folch, 2003; OSG, 2007; Salado et al.,
de la Planificación Urbanística Española, 2010). 2008; Utz. et al., 2008; y OSE, 2009). Del mismo
Dentro del ámbito de actuación de los espacios modo, intentar identificar espacios merecedores
urbanos ya consolidados, la conservación del de protección de un interés especial en la escala
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Nota
(1) En realidad la mayoría de estos nuevos planteamientos parte de viejas propuestas que han sido
retomadas y reformuladas, como las teorías clásicas del estado estacionario o crecimiento cero,
entre otras.
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O fim das favelas? Planejamento,
participação e remoção de famílias
em Belo Horizonte
The end of slums? Planning, participation
and removal of families in Belo Horizonte
Clarice de Assis Libânio
Resumo Abstract
Ao contrário do observado em várias partes do Unlike what has been observed in various parts
mundo, Belo Horizonte apresentou decréscimo no of the world, the city of Belo Horizonte has
número de favelas e de seus moradores, indicando presented a decrease in the number of slums and
intenso processo de remoção de famílias e desfave- their residents, which indicates an intense process
lização, levado a cabo pelo próprio Estado. Este ar- of removal of families, conducted by the State
tigo foca as políticas públicas e o planejamento pa- itself. The article focuses on public policies and
ra as favelas em Belo Horizonte nos últimos anos, planning for slums in Belo Horizonte in recent
apontando inflexão nas práticas governamentais years, showing that the governmental practices in
nas favelas, no sentido inverso das lutas dos movi- slums have moved in the opposite direction of the
mentos sociais e das conquistas históricas de suas social movements’ struggles and of the historical
populações: de um lado, na garantia do direito de achievements of their populations: first, regarding
permanência das famílias no local e, de outro, no the guarantee of the families’ right to remain at the
direito de participação cidadã. Se houve avanços place and, second, concerning the right of citizen
na consolidação urbanística das favelas e nos ser- participation. If progress has been made in the
viços públicos, a apropriação e o uso do espaço urban consolidation of slums and public services,
urbano como direito avançaram pouco, apesar da what least advanced was the appropriation and
Constituição Federal e do Estatuto da Cidade ga- use of urban space as a right, although the Federal
rantirem o direito à moradia como um dos direitos Constitution and the City Statute guarantee the
fundamentais, buscando-se a efetivação da função right to housing as a fundamental right, in an
social da terra urbana. attempt to fulfil the social function of urban land.
Palavras-chave: Belo Horizonte; favelas; remo- Keywords : Belo Horizonte; slums, removals;
ções; Vila Viva; gentrificação; direito à moradia; Vila Viva; gentrification; housing rights; citizen
participação cidadã. participation.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 765-784, set/dez 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3707
Clarice de Assis Libânio
A segregação urbana não é um status quo inalterável, mas sim uma guerra social incessante,
na qual o Estado intervém regularmente em nome do “progresso”’, do “embelezamento”
e até da “justiça social para os pobres”, para redesenhar as fronteiras espaciais em prol
de proprietários de terrenos, investidores estrangeiros, a elite com suas casas próprias e
trabalhadores de classe média. (Davis, 2006, p. 105)
766 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 765-784, set/dez 2016
O fim das favelas?
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Clarice de Assis Libânio
de favelados, para que as favelas fossem reco- de particulares ou mesmo terras devolutas de
nhecidas. A partir desse momento, é possível propriedade da União e do Estado.
afirmar que a “era da remoção” foi substituída Durante os anos de 1990 e 2000, viu-
(temporariamente) pela “era da urbanização”, -se o processo participativo se fortalecer com
com a implantação do Programa de Desen- a Constituição Federal, o Estatuto das Cidades
volvimento de Comunidades – Prodecom, em e os novos instrumentos de planejamento ur-
1981 (GTZ/Seplan); da Lei do Programa Muni- bano. Aprofundaram-se as ações em favelas,
cipal de Regularização de Favelas – Profavela, em direção a uma visão do direito à cidade e
8
em 1983, e na criação da Companhia Urbani- da necessidade de se trabalhar de maneira in-
9
zadora de Belo Horizonte – Urbel em 1986. tegrada as intervenções no território, casando
A visão dominante, bem como a orienta- urbanização, regularização fundiária, serviços
ção dentro do poder público, passa a ser a da públicos, programas de acesso a trabalho e
necessidade de se reconhecer esses territórios renda e fortalecimento da organização e da
como parte integrante da cidade e que deve- participação comunitária em todo o processo.
riam ser consolidados do ponto de vista tanto Essa visão “estrutural” teve seu marco inicial
urbanístico quanto jurídico. De fato, é possível com o Programa Alvorada (PBH/Urbel/AVSI)11
afirmar que houve avanços significativos nes- e culminou na obrigatoriedade de elaboração
se período, com a mudança de paradigmas nas dos Planos Globais Específicos – PGE antes da
políticas públicas para favelas. Ao contrário das realização de qualquer intervenção em áreas
visões remocionistas, higienistas e civilizatórias decretadas como Zonas de Especial Interesse
até então em voga, construiu-se, com o apoio Social – Zeis 1.
da Igreja e mobilização dos movimentos so- Apesar de seus avanços, a chamada in-
ciais, uma visão da importância de se manter tervenção estrutural foi atropelada por uma sé-
as famílias em seu local de moradia, garan- rie de fatores que ainda merecem maior apro-
tindo o direito de permanência (regularização fundamento e análise. Entre estes se pode citar:
fundiária) e melhorando as condições de vida falta de agilidade na implementação das ações,
nesses locais (urbanização). especialmente considerando que cada uma
A partir do início da década de 1990,10 das obras precisava ser aprovada no orçamen-
a Urbel concentrou sua ação apenas na urba- to participativo, em anos sucessivos; pequena
nização de favelas, diminuindo drasticamen- escala para atendimento ao grande número de
te sua atuação na legalização de terras, uma favelas existentes na cidade; falta de recursos
vez que não restavam mais terrenos públicos ou de vontade política das diversas administra-
municipais para regularizar. Assim sendo, no ções que se sucederam à frente da Prefeitura e
cômputo geral, é possível afirmar que, em Be- da Urbel nesse período. Como resultado, pode-
lo Horizonte, avançou-se mais na urbanização -se perceber a fragmentação das intervenções,
do que na regularização fundiária, visto que o descompasso entre o que foi previsto e o que
havia poucas áreas de domínio da Prefeitura foi realizado, o desvio progressivo das concep-
de Belo Horizonte, não se implantando um ins- ções originais dos PGEs e, em alguns casos,
trumento eficaz para a regularização de áreas até mesmo a completa desconsideração das
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Clarice de Assis Libânio
Horizonte, que lança por terra as lutas de déca- (direito) de permanência em seus locais de
das, as conquistas e os avanços dos movimen- moradia e a garantia (direito) de participação
tos sociais, ou, simplesmente, se a Lei do Pro- na tomada de decisões que lhes afetam dire-
favela e as intervenções estruturais não foram, tamente. A seguir cada uma dessas inflexões
ao contrário, um pequeno hiato temporal na será discutida.
prática remocionista e higienista que se man-
tém na cidade.
Direito à moradia e garantia
de permanência
As duas inflexões no caso
Em primeiro lugar, faz-se necessário refletir
de Belo Horizonte: garantia
que, de fato, tanto no Brasil quanto em escala
de permanência e garantia mundial, as práticas remocionistas não foram
de participação totalmente eliminadas, em nome de uma su-
posta tendência urbanizadora das comunida-
Não será possível, no âmbito deste artigo, des periféricas. O que se vê é que ambas as
concluir se afinal o que está havendo é um posturas são conviventes no tempo e mesmo
retrocesso ou apenas a retomada das tradi- no espaço e se alternam, de acordo com os in-
cionais práticas remocionistas e higienistas na teresses da hora e da vez.
cidade, informadas e sustentadas por novos Ao que tudo indica, a situação vivida
discursos. O fato é que houve uma inflexão atualmente em Belo Horizonte não é um caso
nas políticas públicas para as favelas, que de- isolado. Ao contrário, desde o anúncio de que
ve ser apontada. o País seria sede da Copa do Mundo de 2014
Ao final, entende-se que tem sido perdi- e das Olimpíadas de 2016, várias cidades bra-
do o direito à cidade, nos termos de Lefebvre sileiras assistiram a uma escalada de remoções
(2001), entendido não apenas como o direito em virtude de grandes obras. É importante
de acesso à infraestrutura e aos serviços urba- destacar que tais obras apenas intensificaram
nos, mas antes, e principalmente, como o direi- um movimento que já vinha sendo sentido an-
to à vida urbana, à centralidade renovada, aos teriormente, não podendo, portanto, ser-lhes
locais de encontro e trocas, à festa, ao poder, à atribuída responsabilidade exclusiva.
riqueza, ao uso pleno e inteiro do espaço urba- Na declaração “O que é a Favela Afi-
no e à tomada de decisões. Nessa perspectiva, nal?”, fruto de seminário conduzido pelo Ob-
percebe-se um significativo hiato entre o con- servatório de Favelas do Rio de Janeiro (2009),
ceito de direito à cidade e sua efetivação. a fragilidade das favelas e de seus moradores
A inflexão percebida em Belo Horizon- na garantia de seus direitos aparece em mais
te – e que também é sentida em outras par- de uma passagem; é vista como território onde
tes do País – parece ter dois elementos cen- as políticas e as ações do Estado são incom-
trais. Os moradores das favelas têm perdido pletas, a soberania da população é baixa e os
duas garantias ao mesmo tempo: a garantia direitos sociais não são efetivados.
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A regularização fundiária tem sido vista tanto social quanto urbano e mesmo eco-
apontada por diversos autores como um dos nômico. Entre diversos outros, citam-se como
elementos mais importantes na garantia do impactos da remoção de famílias:
direito de permanência das famílias morado- ● do ponto de vista social: desagregação das
ras de favelas. Em seu oposto, a falta de ga- relações de parentesco e vizinhança e, conse-
rantia legal da propriedade tem facilitado a quentemente, dos mecanismos de proteção
violação dos direitos dos moradores e aumen- social contra as principais vulnerabilidades das
tado sua vulnerabilidade quando sob ameaça famílias (inclusive a segurança);
de remoção. ● do ponto de vista urbano: sobrecarga das
Conforme bem apontam Fernandes e redes de abastecimento de água, esgotamento
Pereira (2010), no caso de Belo Horizonte tem sanitário, drenagem e energia elétrica nos lo-
havido dois graves movimentos. De um lado, a cais de destino; impactos sobre o atendimento
precariedade dos processos de regularização já precário dos serviços de transporte e mobili-
fundiária, que até o momento atingiram núme- dade urbana, saúde e educação, entre outros;
ro pequeno de famílias beneficiadas, agravan- ● do ponto de vista econômico: desestru-
do a insegurança com relação à posse da terra turação das alternativas de empregabilidade
e à permanência no local. E, de outro, a visão das famílias, notadamente a proximidade com
arcaica, restritiva e arbitrária da Prefeitura de os locais de emprego; aumento dos custos de
Belo Horizonte, agravada pela utilização de deslocamento e, consequentemente, redução
recursos do Programa de Aceleração do Cres- das chances de empregabilidade e aumento
cimento – PAC para a urbanização de favelas, do desemprego.
com uma visão remocionista, impactando gra- Em suma, tem-se, como resultado, a am-
vemente as comunidades (notadamente da zo- pliação da segregação social no espaço urbano,
na sul e áreas centrais) e contribuindo para os uma vez que são adotados como padrão de im-
processos de expulsão velada e gentrificação plantação os grandes conjuntos habitacionais
na cidade. distantes das áreas centrais, modelo este que já
De fato, a expulsão dos pobres das áreas mostrou sua precariedade em outras experiên-
“nobres”, até então desconsideradas pelo ca- cias (por exemplo: Cidade de Deus – Rio de Ja-
pital imobiliário, tem sido processo constante neiro; Cingapura – São Paulo).
e que vem se intensificando no Brasil, apoiada No caso das favelas de Belo Horizonte, o
17
pela ação dos poderes públicos. Os principais mesmo processo tem sido levado a cabo pelo
argumentos para a remoção das favelas têm Programa Vila Viva, afetando negativamente as
sido para implantação de melhorias urbanas, famílias removidas, tanto as que recebem inde-
integração viária, favorecimento da convivên- nizações e vão cada vez mais para longe quan-
cia na cidade com a implantação de parques to as que ficam nos prédios construídos na
lineares e áreas de lazer, benefício coletivo, o própria comunidade. À expulsão pelo mercado
bem comum, etc. soma-se a expulsão pelo Estado. Os moradores
Nesse processo, grandes impactos vêm têm perdido seus direitos diante de uma inter-
sendo gerados e desconsiderados, do ponto de pretação da lei que os considera “ocupantes
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Clarice de Assis Libânio
de má-fé” (ver Fernandes, 2008 e Fernandes e aumento no número de favelas e áreas ocupa-
Pereira, 2010). das, bem como, e principalmente, de adensa-
De acordo com Davis (2006), em todo o mento das áreas já existentes, aumentando-se
mundo há processos em andamento de remo- o número de famílias e de pessoas residentes
ção dos “entraves humanos”, e as práticas re- nesses locais.
mocionistas continuam acontecendo em escala Entre 2000 e 2010, por outro lado, rela-
global e ampliadas em todo o Terceiro Mundo. tório da ONU-Habitat (2010) aponta que hou-
“Em consequência, os pobres urbanos são nô- ve mudanças relevantes, no sentido de melho-
mades, ‘moradores transitórios num estado ria das condições de vida nas favelas em todo
perpétuo de realocação’” (ibid., p. 106). Em pa- o mundo, o que indicaria que “os governos
ralelo, vem sendo registrado o crescimento das conseguiram superar de forma coletiva a Meta
áreas de pobreza urbana em todo o mundo, le- 7 do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio
vando a perspectivas de um futuro preocupan- em pelo menos 2,2 vezes e 10 anos antes de
te para as megacidades: 2020, o prazo final estabelecido” (p. 6). Tal
melhoria, entretanto, não foi suficiente para
[...] em vez de feitas de vidro e aço, como
conter o avanço demográfico em tais territó-
fora previsto por gerações anteriores de
rios informais, que tiveram sua população am-
urbanistas, serão construídas em grande
parte de tijolo aparente, palha, plástico pliada de 776,7 milhões em 2000 para 827,6
reciclado, blocos de cimento e restos de milhões em 2010. Conforme o citado relatório,
madeira. Em vez das cidades de luz arro- “os esforços para reduzir o número de morado-
jando-se aos céus, boa parte do mundo
res de favelas não são nem satisfatórios nem
urbano do século XXI instala-se na mi-
adequados” (p. 10).
séria, cercada de poluição, excrementos
e deterioração. Na verdade, o bilhão de Apesar de os estudos indicarem a ten-
habitantes urbanos que moram nas fave- dência de crescimento do número absoluto de
las pós-modernas pode mesmo olhar com moradores em favelas no mundo,18 no caso
inveja as ruínas das robustas casas de
brasileiro foi registrado decréscimo na popula-
barro de Çatal Huyuk, na Anatólia, cons-
ção favelada na última década, em termos tan-
truída no alvorecer da vida urbana há 9
mil anos. (Ibid., pp. 28-29) to percentuais (10,38% em relação à popula-
ção total) quanto absolutos (cerca de 3 milhões
Ainda que a situação das favelas brasi- de pessoas a menos morando em favelas). Tal
leiras não seja tão alarmante, em sua maioria, mudança é atribuída à implantação de políticas
como as estudadas pelo autor na África, Ásia sociais, econômicas, urbanas e habitacionais
e partes da América Latina, por exemplo, tam- nos governos Lula (PT – 2002-2010) e Dilma
bém vem apresentando crescimento desorde- (PT – 2011-2016), em paralelo à redução das
nado e, em consequência, perda da qualidade taxas de natalidade e migração rural-urbano.
de vida em alguns locais, conquistada a du- Também em Belo Horizonte os dados da
ras penas. No caso brasileiro, estudos do final PBH apontam um decréscimo no número de fa-
da década de 1990 (ver, por exemplo, PBH/ velas e de seus moradores. Entretanto, a hipó-
Ceurb/UFMG, 1999) indicaram processo de tese aqui é que tal redução está condicionada
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não apenas pelos motivos acima apontados no de um lado, o legalismo liberal, hegemônico,
caso brasileiro, mas também, e principalmente, individualista, mercantilista e patrimonialista;
por um contínuo e intenso processo de remo- e, de outro, movimentos que afirmam o direi-
ção de famílias e de políticas de desfavelização. to à cidade e a função social da propriedade.
Segundo dados oficiais da Urbel/PBH, No presente momento do pêndulo das políticas
em 2002 a cidade tinha 232 vilas, favelas e públicas na cidade, a visão legalista e patrimo-
conjuntos habitacionais implantados pela PBH nialista tem triunfado.
(incluindo Zeis 1 e Zeis 3), com 498.656 pes-
soas residentes em 121.132 domicílios, o que
correspondia a 22% dos habitantes da Capi- Direito à tomada de decisões
tal. Já os dados para 2012 apontam que são e participação cidadã
215 áreas (17 a menos), 451 mil habitantes
(47 mil a menos) e apenas 19% do total da Quanto à segunda inflexão percebida em Belo
cidade. Em que possam pesar diferenças de Horizonte, relacionada ao direito à participação
metodologia para apurar o número total de dos moradores nas decisões que lhes afetam
habitantes nas favelas, não é possível mais diretamente, o que se tem visto, segundo apon-
negar que o desfavelamento causou impacto e tado pelo movimento popular, é a completa fal-
tem sido usado como instrumento da política ta de diálogo e de respeito às demandas dos
pública na Capital. moradores. Muitas vezes a população é somen-
Se, por um lado, houve avanços, no res- te chamada para validar decisões que já foram
tante do País e em Belo Horizonte, no que se tomadas, sem consulta prévia ou consideração
refere à consolidação urbanística das áreas de de suas prioridades ou sugestões.
favelas, ao provimento de infraestrutura ur- Alguns autores avaliam que as próprias
bana, ao saneamento e aos serviços públicos; regras da democracia representativa contri-
por outro, “[...] o item no qual menos se avan- buem muitas vezes para inibir a participação
çou foi justamente o que coloca em questão real dos cidadãos nos governos e nas políticas
a presença da favela nas cidades, a apropria- públicas.19 Seja pela apropriação do Estado
ção e uso do espaço urbano em seu conjunto pelo poder econômico e/ou pelas elites, seja
como direito social” (Observatório de Favelas, pelo esvaziamento do próprio sentido da coisa
2009, p. 16). pública, vê-se muitas vezes o afastamento de
Finalizando esta discussão, é fundamen- indivíduos e grupos sociais das esferas de de-
tal lembrar que tanto a Constituição Federal de cisão e de poder coletivo. Para Daniel (1988),
1988 quanto o Estatuto da Cidade, aprovado no Brasil o esvaziamento da participação na
em 2001, incluem o direito à moradia como tomada de decisões não é recente, ao contrá-
um dos direitos fundamentais, buscando-se, rio, visto que os governos militares, através das
ademais, a garantia da efetivação da função restrições à liberdade de expressão e de asso-
social da terra urbana. Nesse sentido, Fernan- ciação, levaram à despolitização da sociedade
des (2008) aponta que há um embate de déca- e transformaram o próprio Estado em instância
das no Brasil entre dois paradigmas jurídicos: puramente administrativa.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 765-784, set/dez 2016 773
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Clarice de Assis Libânio
"questão social" e, portanto, dependente da prática política que é possível realizar essa
da discricionariedade e, na maior parte transformação rumo à emancipação social dos
dos casos, do não equacionamento des-
indivíduos. Para tanto, além das condições es-
se direito através da implementação de
truturais e legais para o exercício do jogo de-
alternativas sustentáveis à remoção. (Rol-
nik, 2012, p. 92) mocrático, é necessário que os diversos atores
em convivência na cidade tenham ativos, ca-
Por outro lado, Santos Júnior (2008) é pitais de diversas ordens que lhes permitam
otimista ao constatar que parte importante das participar e influir nesse jogo, para além dos
lideranças que participam nos conselhos e de simulacros de participação vazia e que já não
outras instâncias formalizadas também integra mais convencem ninguém.
os movimentos sociais, em suas diversas mo-
dalidades de luta e ativismo. Nessa perspecti-
va, resta uma esperança de que a participação Empreendedorismo urbano
também se construa nas cidades através da
ação cotidiana dos cidadãos, para além das
e a “Nova Belo Horizonte”:
instâncias formalizadas e do aparato burocrá- estado e mercado juntos
tico e administrativo que acabam por impedir, contra a população
mais do que favorecer, a inclusão dos pobres e os direitos de cidadania?
na política urbana.
Em Belo Horizonte, tem-se avançado Nesse contexto, é possível afirmar que plane-
para novas formas de ativismo, através dos re- jamento urbano no Brasil já nasceu sob a égi-
centes movimentos de rua (Jornadas de Junho, de do embelezamento e do melhoramento das
2013), que recolocam no centro das discussões cidades, sob inspiração do urbanismo europeu
o direito à cidade, à participação e à tomada de (leia-se francês) (Maricato, 2000). Apesar de
decisões. Trazem como estratégia, entre outras, não ser novidade na vida das cidades o plane-
a ocupação dos espaços públicos e o uso da jamento estruturado sobre os desejos de em-
cultura como mote para a retomada da cida- belezamento e de civilização das elites, novas
dania e da sociabilidade nos espaços urbanos tendências vêm se impondo no contexto das
(Libânio, 2015). cidades mundiais.
Finalizando com Harvey (2013, p. 1), “o Castells e Borja (1996) apontam o prota-
direito à cidade é [...] um direito de mudar a gonismo econômico como uma das principais
nós mesmos, mudando a cidade. Além disso, é ferramentas para a sobrevivência das cidades
um direito coletivo, e não individual [...]”.Ao na sociedade globalizada. Para eles, o governo
final, espera-se que o direito à cidade signifi- municipal deve ser empreendedor, tomando co-
que, de fato, a capacidade de os indivíduos e de mo norteadores seu planejamento estratégico
grupos sociais incidirem nas políticas, a efetiva e o “plano de futuro” para a cidade. Reforçam
participação nas decisões que lhes afetam dire- a tese de que os governos (principalmente em
tamente na gestão pública do território. Se o ci- âmbito local) podem (e devem) agir na cidade
dadão não nasce, faz-se; é através do exercício por conta própria, fazendo eles mesmos – ou
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O fim das favelas?
através de concessão ou associação com a ini- uma visão administrativista das cidades para
ciativa privada – grandes obras, empresas mis- outra empreendedora.
tas, investimentos tecnológicos, etc. Para ele, o empreendedorismo urbano
O protagonismo urbano – a cidade em- tem como pano de fundo as crises econômi-
preendedora – teria principalmente dois ob- cas mundiais, bem como a alta mobilidade do
jetivos: a) seu posicionamento no mercado capital multinacional, liberto das barreiras es-
mundial, atratividade, competitividade; e b) o paciais para as decisões locacionais. Nesse pa-
bem-estar dos cidadãos, gerando maior qua- norama, cidades passam a disputar entre si os
lidade de vida. De acordo com os autores, as capitais, empresas e consumidores individuais,
grandes cidades devem responder a cinco tipos oferecendo, cada qual, diferenciais competiti-
de objetivos: nova base econômica, melhoria vos, inicialmente relacionados a infraestrutura
da infraestrutura urbana, qualidade de vida, in- e serviços urbanos, além de benefícios econô-
tegração social e governabilidade. Somente ge- micos, fiscais e outros subsídios aos empreen-
rando uma capacidade de resposta a esses pro- dimentos produtivos.
pósitos, elas poderão, por um lado, ser compe- Diferentemente da visão apresentada por
titivas para o exterior e inserir-se nos espaços Castells e Borja, Harvey afirma que a ênfase no
econômicos globais; e, por outro, dar garantias empreendedorismo tem trazido graves conse-
a sua população de um mínimo de bem-estar quências (tanto em âmbito macroeconômico
para que a convivência democrática possa se quanto territorial e social, por exemplo), entre
consolidar (ibid.). outras: o desenvolvimento desigual do terri-
Os principais desafios seriam no sentido tório; o empobrecimento da população local
da modernização da infraestrutura urbana, da (criação de uma “subclasse”); a oneração das
criação de centralidades e de espaços públi- administrações (poder público assume os riscos
cos qualificados e da geração de competiti- e ônus do investimento); e, por fim, a própria
vidade econômica. Nesse sentido, os autores instabilidade do sistema urbano.
apontam a necessidade de mais autonomia Em suma, o empreendedorismo urbano
municipal; implantação de novas formas de traria uma solução temporária e perversa para
gestão; ação baseada na inovação; reforma o crescimento das cidades, em especial porque
política e administrativa. o próprio processo de competição interurbana
Em contraponto, Harvey (2006) correla- acabaria por eliminar seus diferenciais, todas
ciona empreendedorismo urbano e empobre- estariam submetidas à mesma lógica da espe-
cimento. O autor discute como o capitalismo, tacularização e dos fluxos econômicos no capi-
com seus processos econômicos, produz o talismo mundial.
espaço urbano. A urbanização como processo Belo Horizonte não foge a essa lógica do
social produz artefatos (formas construídas, es- empreendedorismo urbano, ao contrário. Da
paços produzidos, etc.), arranjos institucionais, mesma forma que verificado em outras partes
sistemas políticos, formas legais, etc. Aponta do Brasil e do mundo, a cidade vem perse-
uma mudança de postura dos governos, de guindo o embelezamento, a competitividade e
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Notas
(1) O conceito de favela tem sido alvo de grandes discussões no Brasil nos últimos anos, visto a
significa va mul plicidade e diversidade de territórios urbanos que apresentam caracterís cas
diferenciadas da chamada “cidade formal”, seja por sua conformação sico-espacial e pelas
formas de ocupação do espaço, seja pela situação fundiária dos terrenos e mesmo pelo perfil
socioeconômico de sua população. Para acompanhar tal debate, ver Observatório de Favelas
do Rio de Janeiro (2009). No presente ar go, optou-se por u lizar ora o termo favela, ora vila
(mais comumente adotado pelos técnicos da administração municipal em Belo Horizonte)
para designar aqueles locais que o IBGE classifica como aglomerados subnormais, com suas
picidades na conformação do território. No caso de Belo Horizonte, tais áreas são distribuídas
entre as Zeis – Zonas de especial interesse social – 1 e a Zeis 3, como se verá a seguir.
(2) Tais números incluem as chamadas Zeis – Zonas de Especial Interesse Social, sendo a Zeis 1
rela va às áreas de favelas ou ocupação ilegal e a Zeis 3 rela va às habitações de baixa renda
construídas pela municipalidade, seja para suprir o déficit habitacional de Belo Horizonte, seja
para realocar famílias removidas de projetos e grandes obras urbanas. No presente trabalho,
está-se tratando de ambos os pos de territórios, ainda que a vulnerabilidade na Zeis 1 seja
maior, pela insegurança da posse da terra.
(4) Sobre o surgimento das primeiras favelas e polí cas públicas no Rio de Janeiro, ver Silva (2005) e
Zaluar (2004).
(5) Sobre o déficit habitacional no Brasil, ver Fundação João Pinheiro (2015). A nova metodologia
adotada inclui o déficit habitacional stricto sensu (habitação precária – domicílios rústicos
e domicílios improvisados –, coabitação familiar – famílias conviventes ou cômodos –, ônus
excessivo com aluguel urbano e adensamento excessivo de domicílios alugados) e o déficit
habitacional relativo (domicílios com carência de infraestrutura – energia elétrica, água,
esgotamento sanitário, banheiro exclusivo –, adensamento excessivo de domicílios próprios,
ausência de banheiro exclusivo, cobertura inadequada ou inadequação fundiária). Em Belo
Horizonte, o déficit, em 2012, era de 136.641 moradias, das quais 8,2% de déficit rela vo. A
grande maioria delas está situada na faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos (76,1%). Por outro
lado, há no município cerca de 132.284 domicílios vagos em condições de serem ocupados, um
estoque de moradias muitas vezes des nado à especulação imobiliária ou inadequado para as
faixas de renda em que o déficit habitacional é maior.
(7) Administração Oswaldo Pierucce , prefeito designado por Magalhães Pinto, 1971-1975.
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O fim das favelas?
(8) A lei do Profavela reconhecia as favelas instaladas no município até 1980 como áreas especiais
de zoneamento – Setor Especial 4 (SE-4), que deveriam 1) ter legislação específica; 2) ser
urbanizadas respeitando a picidade da ocupação local e 3) receber processos de regularização
fundiária, cabendo ao Estado transferir para os moradores a propriedade da terra.
(9) Entre 1983 e dezembro de 1985, três prefeitos sucederam-se à frente da administração municipal:
Hélio Garcia, Antônio Carlos Carone e Rui Lage. Em 1986 foi eleito Sérgio Mário Ferrara – PMDB,
1986-1988.
(10) Gestões Pimenta da Veiga – PSDB, 1989-1990 e Eduardo Azeredo – PSDB, 1990-1992.
(11) Administrações Patrus Ananias - PT, 1993-1996 e Célio de Castro – PSB, 1997-2002.
(12) Período que inclui parte da administração Fernando Pimentel – PT, 2002/2004; 2005-2008 e toda
a gestão de Márcio Lacerda – PSB, 2009-2016.
(13) Um exemplo recente é a Linha Verde, que liga o centro de Belo Horizonte ao aeroporto de
Confins. Levada a cabo em convênio entre DER, Codemig / Governo do Estado e Prefeitura
de Belo Horizonte, a Linha Verde foi responsável por remover do mapa da cidade as vilas São
Paulo/Modelo, Carioca, Real, Maria Virgínia e São Miguel/Vietnã, além de grande parte da vila
Suzana I, situadas na confluência das regionais Nordeste e Pampulha, Belo Horizonte.
(14) Apenas a obra da Linha Verde, sozinha, foi responsável pela remoção de cerca de 1.000 famílias
entre 2006 e 2007.
(17) Ainda que os dados sobre a valorização imobiliária em Belo Horizonte sejam de difícil
mensuração, pela precariedade e limitação de acesso às fontes – o próprio capital imobiliário e
seus agentes –, pesquisas informais e consulta a publicações em jornais locais apontam que a
proximidade com uma favela pode depreciar um imóvel da zona sul de Belo Horizonte em cerca
de 30%. Nessa perspec va, não seria de se estranhar o fato de que as maiores intervenções
do Vila Viva estão justamente localizadas na zona sul da Capital, onde bairros “nobres” fazem
fronteira com as favelas.
(19) Ver, por exemplo, Santos (2002), Souza (2010) e Daniel (1988).
(20) Exemplo recente foi a não aprovação, no Congresso Nacional, da Polí ca Nacional de Par cipação
Social e do Sistema Nacional de Par cipação Social – decreto 8.243, de 23/5/2014, que propunha
ampliar e fortalecer os mecanismos e instâncias de par cipação direta da população no Estado,
nos mesmos moldes ins tucionalizados que já ocorrem.
(21) Nas eleições presidenciais de 2014, a abstenção média foi de 20% entre os dois turnos, cerca de
30 milhões de eleitores.
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Clarice de Assis Libânio
(23) “Belo Horizonte é a cidade das organizações comunitárias, dos movimentos de base e de
anistia, dos movimentos de moradia e de saúde, das diversas expressões culturais e das
novas tecnologias, enfim, é também a cidade de territorialidades solidárias, sociais e polí cas.
São referências que orientam a prática de gestão social, urbana e econômica da cidade, a
par cipação popular, a democra zação das relações de poder, a descentralização dos serviços,
a inversão de prioridade na alocação de recursos públicos, o investimento na qualidade do
espaço urbano, com suas dimensões sociais e ambientais, e o fomento, apoio e legi mação das
prá cas de organização popular e controle social” (PBH, 2013, p. 10).
(25) São eles: “I) Mul plicar oportunidades de trabalho e promover ambiente favorável à criação
e ao desenvolvimento de negócios, impulsionados por serviços de valor agregado, capital
humano qualificado e inserção compe va nas redes nacional e mundial de cidades; II) buscar
qualidade de vida para todos, sustentada na eficiente organização do espaço urbano e em
redes colaborativas de serviços que se estendem pela região metropolitana; III) promover
a sustentabilidade ambiental, resultante da universalização do saneamento básico, da
preservação de áreas verdes, da recuperação de áreas degradadas, da redução das emissões de
poluentes, da eficiência energé ca e da boa capacidade de prevenção, mi gação e adaptação
diante de ocorrências adversas de grande escala; IV) assegurar as melhores condições de
mobilidade, acessibilidade e conec vidade em todo o espaço urbano e contribuir para a sua
melhoria em âmbito metropolitano; V) consolidar ambiente polí co-ins tucional de qualidade,
baseado na integração metropolitana e em gestão pública democrá ca e par cipa va; e VI)
propiciar ambiente social que es mule a convivência alegre e saudável entre as pessoas”. (PBH,
2013, p.11).
(27) Para o período 2014-2017, a es ma va é de 6.000 novas remoções nas favelas em virtude de tais
programas, excluídas as 8.000 famílias que ocuparam a região da Isidora e estão sob ameaça
constante de re rada por força policial.
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Planejamento urbano empresarialista
em complexos imobiliários,
residenciais e de serviços:
a Reserva do Paiva em análise
Entrepreneurial urban planning in real estate, residential
and service complexes: Reserva do Paiva under analysis
Adauto Gomes Barbosa
Resumo Abstract
Os Complexos Imobiliários, Residenciais e de Ser- The Real Estate, Residential and Service Complexes
viços (Cirs) são empreendimentos plurifuncionais (CIRS) are plurifunctional enterprises that require
que demandam longo lapso temporal para serem a long period of time to be completed and whose
concluídos, e sua produção envolve um processo production involves inter-scaled actions. They
de interescalaridade das ações. São concebidos sob are designed under a global-local logic in which
uma lógica global-local em que o lugar se ajusta the place adjusts itself to monetary requirements
aos ditames do capital como condição para se mol- as a condition to fit new modernizing standards.
dar aos novos padrões modernizantes. A governan- Governance evidences the leading role of private
ça evidencia o protagonismo privado, ainda que o capital, although the State is a fundamental agent
Estado seja fundamental como agente regulador e that regulates and ensures the viability of the
viabilizador do negócio. Com base nisso, este arti- business. Based on this, this article analyzes the
go analisa a governança urbana desse planejamen- urban governance of this entrepreneurial type of
to urbano empresarialista que resultou na concep- urban planning that resulted in the design of the
ção do Cirs Reserva do Paiva, na Região Metropo- CIRS Reserva do Paiva, in the Metropolitan Region
litana do Recife. A principal crítica que se coloca é of Recife. The main criticism that arises is that these
que esses complexos imobiliários são uma resposta real estate complexes are a conservative response
conservadora do planejamento urbano aos proble- of urban planning to current urban problems and,
mas urbanos atuais e, ao serem concebidos e pro- when they are designed and produced under the
duzidos sob a tônica do exclusivismo socioespacial, keynote of socio-spatial exclusiveness, they deny
negam a cidade como totalidade e não contribuem the city as a whole and do not contribute to the
para a superação de seus problemas. overcoming of its problems.
Palavras-chave: complexos imobiliários, residen- Keywords: real state; residential and service
ciais e de serviços; planejamento urbano empresa- complexes; entrepreneurial urban planning ;
rialista; governança urbana; interescalaridade das urban governance; inter-scaled actions; Reserva
ações; Reserva do Paiva. do Paiva.
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h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3708
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pessoas e uma população flutuante de 50 mil Por sua vez, a localização em área li-
pessoas, o equivalente a uma cidade de porte torânea sul, no município metropolitano do
médio. Até o presente, a Reserva do Paiva conta Cabo de Santo Agostinho, e ao mesmo tempo
com quase duas dezenas de empreendimentos relativamente próxima do Recife, dá uma boa
lançados, tendo sido concluídos o complexo medida da localização estratégica desse Cirs
viário construído por meio de parceria público- (Mapa 1), como parte do processo de valori-
-privada, um hotel da rede Sheraton, um centro zação imobiliária que ocorre nessa periferia
de gastronomia e conveniências e um comple- de amenidades.
xo empresarial. Três de oito condomínios resi- Faz-se um esforço aqui para demonstrar
denciais lançados também já foram concluídos. que esse planejamento empresarialista se dá
Os empreendimentos-âncora servem de base de forma associada a uma concepção de gover-
para atrair investidores e propiciar a valoriza- nança urbana que dá salvaguarda ao Cirs como
ção do megaprojeto como um todo, oferecendo se fosse uma cidade à parte, com suas próprias
atividades de comércio e serviços para quem lá regras e códigos. Um pressuposto aqui defendi-
morar ou trabalhar. do é que o planejamento urbano condicionado
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Adauto Gomes Barbosa
e promovido pelo mercado constitui expres- e por vezes exaltar apenas a atuação do pla-
são do protagonismo privado, mas, ao mesmo nejamento privado e suas supostas vantagens
tempo, está intrinsecamente articulado e de- comparativas. Porém, é igualmente necessário
pendente do Estado e é fruto de um proces- constatar que, devido às implicações dos Cirs
so de interescalaridade das ações, em que se em termos temporais e espaciais, os investi-
articulam a ordem próxima e a ordem distante. mentos públicos e certas ações do Estado se
Mostra-se ainda como são espaços assépticos, tornam peça fundamental para a viabilização
nos quais a dimensão ambiental é parte do jo- do negócio.
go de interesses mercadológicos. Não se trata de um planejamento urba-
no sob a perspectiva estado-centrista. Vale di-
zer que numa sociedade capitalista a ação do
Estado é, via de regra, direcionada para a re-
O planejamento urbano produção da ordem vigente e, nesse contexto,
empresarialista num contexto mesmo o planejamento urbano empresarialista
prático é permeado pela ação do Estado. Em outras
palavras, o Estado constitui uma relação de
Como já salientado, o planejamento dos Cirs condensação de forças (Poulantzas, 1980), e o
conta, não só com a ação do grande capital capital é forte o suficiente para fazer valer seus
privado, mas também com a ação do Estado, interesses. Nesse quadro de referência, Souza
por vezes com a benevolência das prefeituras (2002) adverte que o planejamento se subor-
municipais em aprovar instrumentos urbanísti- dina às tendências do mercado, e o papel es-
cos que lhes dão tratamento específico ante sencial do Estado é o de facilitação do próprio
os demais fragmentos da cidade. Como advoga mercado, oferecendo-lhe vantagens e regalias
Reis (2006, p. 146), “Esses empreendimentos que vão de isenções tributárias a suspensão ou
complexos apresentam em geral uma diversifi- imposição de restrições de uso por meio do zo-
cação de tratamento urbanístico que os desta- neamento, como forma de privilegiar incorpo-
ca do tecido urbano próximo”, o que, a nosso radoras em áreas específicas.
ver, por si só não é razoável para justificativa Isso posto, vale tomar a implantação da
de tal fato. Reserva do Paiva como um caso deveras re-
Nesse processo, o Estado legitima e dá velador desse planejamento empresarialista.
total permissividade às ações do capital priva- Nesse sentido, política e institucionalmente é
do, colocando-se como agente direto na provi- criado um ambiente de amplo favorecimento
são de infraestruturas e na criação do ordena- dos investidores privados. De forma prática, o
mento legal. A despeito da recorrente apologia Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e
aos benefícios gerados pela ação da iniciativa Ambiental do Cabo de Santo Agostinho, mu-
privada substituindo o Estado, nesses comple- nicípio metropolitano onde se localiza esse
xos imobiliários, onde termina um e começa o complexo imobiliário, prevê a criação de novas
outro é, à primeira vista, pura ilusão de ótica. zonas especiais sempre que algum empreendi-
Um olhar apressado até tenderia a enxergar mento econômico precise de ajuste no marco
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Planejamento urbano empresarialista em complexos imobiliários...
urbanístico para ser implantado no território mais restritiva, quando se trata de agre-
municipal. Isto está previsto no art. 46, § 2º, que gar fatores ambientais na melhoria da
qualidade de vida para moradias de alto
textualmente prescreve: “Fica autorizado o Po-
padrão, e, portanto, moradores especiais
der Executivo a declarar outras áreas, como es-
de Zonas Especiais.
peciais, sempre que a dinâmica territorial assim
o exigir ou para atender a diretrizes de planos Em meio a essas contradições, desde o
específicos” (Cabo de Santo Agostinho, 2006). início da vigência do Plano Diretor, em dezem-
Para Vainer (2013), ao invés da regulação esta- bro de 2006, até o ano de 2013, já haviam si-
tal, prevalece a negociação caso a caso, projeto do criadas 6 zonas especiais e 11 leis, algumas
a projeto, na concretização do que o urbanista delas feitas para atender a interesses das cor-
francês François Ascher (2001) nomeou com a porações empresariais, voltados para a implan-
feliz expressão de urbanismo ad hoc. tação de complexos residenciais, industriais e
Como na prática são os próprios lotea- logísticos. Nesse contexto, foi criada a Zona Es-
dores que propõem a criação das novas zonas pecial de Turismo, Lazer e Moradia Reserva do
especiais, cabe ao Executivo Municipal apenas Paiva, a partir da lei municipal nº 2.387/2007,
referendar e passar para o Legislativo subscre- e, tão logo tal projeto foi redimensionado para
vê-la. Com isto, cada um desses novos recortes se adaptar a uma nova demanda do mercado
territoriais tende a conter parâmetros urba- imobiliário, o marco jurídico foi alterado, em
nísticos que atendam às especificidades e aos 2012, para permitir o aumento do gabarito das
interesses bem localistas dos empreendedores edificações e da taxa de ocupação do solo. Pa-
privados, sem expressar a cidade em sua tota- ralela a essa postura do Estado, a iniciativa pri-
lidade. Aliás, como bem afirma Padua (2015), vada pauta suas ações no imediatismo respal-
vista sob a perspectiva unicamente de negócio, dado na obtenção célere de retorno financeiro.
a cidade deixa de ser totalidade e se torna to- Essa crítica se estende ainda à implan-
talitária. Dessa forma, as zonas especiais en- tação de empreendimentos logísticos e indus-
quanto tais parecem não “dialogar” com a ci- triais, cujos projetos de loteamento têm sido
dade como um todo, pois são concebidas para elaborados e aprovados pelas incorporadoras,
dentro dos empreendimentos imobiliários. Para referendados pelo Executivo e subscritos pela
Amorim (2013, p. 95), Câmara de Vereadores, valendo-se dessa per-
missão contida no Plano Diretor e, claro, da fra-
As Zonas Especiais não são apenas cria-
gilidade institucional. Os discursos dos gestores
das, mas realmente implementadas e revi-
sadas de acordo com as necessidades dos públicos sempre deixam implícito o imperativo
empreendedores. O tratamento diferente de que o município tem que prover todas as
que recebe vale-lhe o nome de “espe- condições que julgam vitais na atração de in-
cial”, pois se trata de áreas destacadas do vestimentos privados, em nome do tão propa-
restante do território pelo planejamento
lado crescimento econômico local. Fica muito
municipal, incluindo aí uma política am-
biental mais permissiva quando se trata claro “[...] um contexto de subordinação da po-
do lançamento de matéria ou energia em lítica dos governantes aos interesses econômi-
desacordo com os padrões ambientais, ou cos e o engendramento manipulado da técnica
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Adauto Gomes Barbosa
como redenção, nos moldes atuais em que ela Na verdade, há uma decisão política de
se encontra gestada” (Gomes, 2006, p. 73). esvaziar o planejamento dessas agências, nu-
Nisso tudo, o papel exercido pela Câma- ma clara opção da administração pública pe-
ra de Vereadores é de total subserviência ao lo favorecimento dos grandes investimentos
Executivo e este, por seu turno, às corpora- econômicos, sem maiores entraves para sua
ções privadas. No final, é instituído o que os instalação no território. Por sua vez, a falta de
agentes privados decidem desde o início. Isto articulação com as prefeituras e os atores so-
significa que a Prefeitura já recebe o “pacote ciais resulta num quadro em que as anuências
pronto”, e os servidores do quadro técnico- são meras peças burocráticas e não têm qual-
-administrativo ficam com a difícil missão de quer sentido prático de fiscalização. Conforme
apenas referendar, por meio de argumentos afirmou a Coordenadora Técnica do Programa
técnicos e jurídicos, o que já foi decidido pelo Especial de Controle Urbano-Ambiental do
empreendedor privado. Território Estratégico de Suape, da Condepe-
Se, no âmbito municipal, há tal submis- -Fidem, não há o momento “[...] pós, ou seja, o
são, no nível estadual o poder público também monitoramento e o acompanhamento de tudo
se faz presente, mas igualmente para favorecer o que foi anuenciado e [...] acompanhar isso
os interesses hegemônicos dos grupos econô- de perto com as prefeituras, para saber se está
micos e, desse modo, sem qualquer participa- realmente sendo implantado aquilo” (Entre-
ção efetiva da sociedade civil organizada. A vista em ago/2013). Isto é uma demonstração
Agência Condepe-Fidem, órgão metropolitano cabal da crise do sistema de planejamento ur-
de planejamento, chega até a sugerir altera- bano metropolitano, justamente num momento
ções na fase de análise do projeto para conce- em que os grupos econômicos cada vez mais
der a anuência aos empreendimentos imobiliá- tomam a frente e fazem valer seus interesses
rios, para verificar se estão ou não em confor- no planejamento urbano, dando-lhe um caráter
midade com a legislação vigente, porém só vai essencialmente empresarialista.
até esse ponto. As alterações que ela sugere Assim, nessas Zonas Especiais do Cabo
não são fiscalizadas em campo, nem por ela, de Santo Agostinho, os próprios investidores
que não tem equipe e estrutura operacional su- teriam que fazer a implantação da infraestru-
ficiente, nem pelas prefeituras, que não querem tura urbana. Mas, isso sempre vai depender
afugentar os investidores. Aliás, diga-se de pas- da negociação direta com o Poder Executivo,
sagem, há um claro esvaziamento dessa agên- sem qualquer interlocução da sociedade civil
cia, que está cada vez mais sendo substituída organizada, sem falar da tradicional debilida-
pela Secretaria de Estado de Governo (Segov) de do Legislativo municipal, que se limita a
e pela Secretaria de Desenvolvimento Econômi- aprovar os projetos do Executivo e quase não
co (Sdec), pastas do governo estadual que não se atém ao seu papel de legislar e tampou-
têm o papel de fiscalização e controle, mas tão co de fiscalizar. Por isso que, estranhamente
somente o objetivo de pactuar e promover a apenas cumprindo decisão superior, gestada
atração de grandes investimentos para alavan- nos escritórios de consultorias nacionais e es-
car o crescimento econômico do estado. trangeiras, muda-se o zoneamento do uso do
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solo, permitindo-se o aumento do gabarito da vista as tendências globais. Se, como diz San-
Reserva do Paiva, e isto logo vira lei, num pro- tos (1997, p. 37), “é pelo lugar que revemos
cesso em que o Legislativo Municipal apenas o Mundo e ajustamos nossa interpretação
cumpre uma formalidade legal. [...]”, também é, por meio do mundo, possí-
Conquanto não seja parâmetro para vel entender a realidade local. Aliás, procurar
analisar a realidade de qualquer recorte urba- ser global com ares locais e ser local com ares
no, o fato é que, no contexto do espaço me- globais se constituem em mais um traço da
tropolitano do Recife, o planejamento urbano produção desses megaprojetos imobiliários.
empresarialista ocorre pari passu com um qua- Isso atesta o papel do setor imobiliário
dro de clara fragilidade institucional. Isso se no aporte de capitais de outros segmentos
torna ainda mais grave, pois o poder público econômicos, ao mesmo tempo que atua não
assume de fato a condição de mero facilitador mais restritamente à escala local e à nacional.
do capital privado, sem qualquer disposição de É mais uma função do imobiliário associado ao
apontar outras possibilidades de ação. Parafra- capital financeiro no contexto de produção es-
seando Vainer (2013), trata-se da clara expres- pacial por meio de megaprojetos em distintos
são da democracia direta do capital, em que a espaços, estejam eles situados no interior das
cidade é colocada como um formidável campo cidades, nas suas bordas, ou ainda em áreas
de investimento imobiliário, sem maiores preo- descontínuas conectadas às metrópoles por
cupações sobre que cidade se quer para as ge- modernos eixos viários, assim como ocorre no
rações futuras. interior do estado de São Paulo, cujas implica-
ções urbanísticas e espaciais foram diligente-
mente estudadas por Reis (2006).
Incorporado aos estudos urbanos, o ter-
Escalas e agentes mo governança está relacionado com as mu-
da governança urbana danças em curso no mundo atual e com seus
nos complexos imobiliários rebatimentos na produção e na gestão das
cidades, em vista da atuação de distintos ato-
Outra clara acepção do planejamento urba- res sociais, políticos e econômicos que passam
no empresarialista está relacionada com a a participar cada vez mais do planejamento
concepção e a governança dos Cirs. Elas tra- urbano. A governança urbana envolve a coor-
duzem um processo de interescalaridade das denação de interesses e a tomada de decisões
ações, num movimento global e local, sendo de agentes públicos e privados afetas à produ-
também permeado por níveis intermediários. ção espacial e à gestão urbana. Desse modo,
Em outras palavras, o planejamento desses governança tem a ver com a coordenação de
megaprojetos envolve consultorias estrangei- atores, de grupos sociais e de instituições, com
ras em parceria com renomados escritórios vistas a atingir objetivos comuns coletivamen-
nacionais que fazem adaptações para a rea- te (Le Galés, 1995). Como já destacado, gran-
lidade local, combinando ingredientes locais des empreendimentos imobiliários do tipo Cirs
de arquitetura e urbanismo, sem perder de tornam-se expressão desse contexto de uma
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Planejamento urbano empresarialista em complexos imobiliários...
que muitos serviços continuem a ser assegura- assinatura. Nesse caso, vale dizer que a concre-
dos pelo Estado, no interior dos Cirs eles estão tização da governança se dá no entrelaçamen-
sob a coordenação da associação geral (ou o to dessas duas ordens da ação.
equivalente) e a gestão de consultores privados Nesse quadro de referência, na concep-
com vistas a garantir a eficácia e a excelência ção e planejamento urbanos da Reserva do
na qualidade dos serviços prestados. Na verda- Paiva, diversos escritórios extralocais estão
de, a governança entra como mais um item do encarregados de conceber o espaço. Eles têm
pacote do negócio. sede em outros países: Estados Unidos, Reino
No fundo, está em jogo um novo dife- Unido, Dinamarca, Austrália e Argentina. Al-
rencial para o processo de valorização que guns atores são consultorias nacionais, com
objetiva, em último caso, assegurar a pere- escritórios-sede localizados nas metrópoles
nidade do negócio. Este é um elemento ab- do Rio de Janeiro e São Paulo. Há, ainda, as
solutamente essencial para que os agentes consultorias sediadas no Recife, e parte delas
capitalistas invistam elevadas somas de re- tem atuação nacional, por isso, essas consul-
cursos financeiros em empreendimentos cuja torias, ainda que sejam vistas como agentes
implantação compreende diversas etapas e locais, dependendo do caso, também podem
que, por essa razão, leva algumas décadas pa- ser consideradas agentes nacionais, pois as-
ra a sua conclusão. Não ter essa preocupação sinam projetos e estudos técnicos de empre-
de longo prazo pode significar dar um tiro no endimentos de grande envergadura em vários
escuro, em relação ao capital investido. Em estados do país.
outras palavras, os Cirs são capitalisticamente Agentes de considerável importância são
concebidos como complexos plurifuncionais ainda as instituições financeiras e os investido-
de empreendimentos de alto padrão, sendo, res, que, em certa medida, também expressam
por isso, expressão do que se coloca como o par dialético ordem próxima e distante. De
mainstream no setor imobiliário. um lado, há bancos públicos federais que se
A concepção de um Cirs compreende inserem como financiadores da implantação
tanto o plano da ordem próxima, quanto da da infraestrutura, como o BNDES e o Banco do
ordem distante, permitindo concluir que o cam- Nordeste; e, de outro, estão megainvestido-
po do planejamento urbano empresarialista res privados, como a Promovalor Investimen-
está cada vez mais sob a responsabilidade de tos, de Portugal; a Starwood Hotels & Resorts
agentes locais e extralocais e envolve atores Worldwide, dos Estados Unidos, proprietária
e processos que se manifestam em diferentes da bandeira Sheraton; e a Four Seasons Ho-
escalas e correspondem a consultorias especia- tels and Resorts, do Canadá. Em parceria com
lizadas no segmento de paisagismo, arquitetu- esses agentes estrangeiros e em coalizão com
ra, urbanismo, assessoria jurídica e ambiental. os proprietários fundiários, a Odebrecht Rea-
Elas são tanto nacionais quanto estrangeiras lizações Imobiliárias (OR) é a timoneira do
e, além de deterem um instrumental técnico Cirs, assumindo, assim, o papel de master
especializado, constituem grifes que agregam developer. A Figura 2 constitui uma síntese da
valor aos produtos cujos projetos recebem sua inserção desses esses agentes.
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Planejamento urbano empresarialista em complexos imobiliários...
Em parceria com a OR estão os dois gru- Ressalta, ainda, dentre os seus objetivos, apro-
pos empresariais proprietários fundiários (au- var previamente os pedidos de licença para
todenominados terrenistas), além da AGRP, que exercício de atividades de comércio e de pres-
na prática é a responsável pela gestão condo- tação de serviços, mesmo as que funcionem
minial e o controle urbano e ambiental do Cirs, apenas temporariamente na área ocupada por
com total permissividade da gestão pública esse complexo imobiliário e a faixa de praia.
municipal e estadual para sua atuação. Esse ca- Considerando as diversas de ações to-
so pontual é uma evidência de que a interesca- madas na gestão desses espaços, Reis (2006,
laridade das ações constitui uma realidade bas- p. 147) defende que “Condomínios com siste-
tante presente no planejamento de fragmentos mas de serviços complexos exigem sistemas de
dos espaços metropolitanos, o que só reforça gestão complexos”. Porém, isso também acaba
as reflexões sobre o caráter empresarialista do por servir de apanágio para muitas vezes se co-
planejamento urbano. locar o interesse privado acima do público ou,
em outros casos, cobrar do poder público uma
atenção especial. No caso da Reserva do Paiva,
ao mesmo tempo que a AGRP se responsabi-
Alguns alcances liza pela coordenação dos serviços nas áreas
da governança urbana de interesse comum, cláusulas do seu estatuto
da Reserva do Paiva deixam em aberto a possibilidade de ação do
poder público, mostrando que o Estado é sem-
Ante o que foi exposto até aqui, vê-se clara- pre chamado a contribuir quando isso for con-
mente que a Reserva do Paiva se posiciona co- veniente aos investidores privados. Na prática,
mo o mainstream da produção imobiliária do o Estado compartilha com a AGRP a condição
espaço metropolitano do Recife. Para melhor de agente regulador do uso do solo e, ao fazer
compreender isso, aprofunda-se a apreciação isso, fragmenta a gestão pública e, muitas ve-
da atuação da AGRP, como forma de corrobo- zes, limita-se a dar legalidade ao que é definido
rar com os pressupostos já explicitados sobre previamente pelos promotores imobiliários.
o planejamento empresarialista e a governança De certa maneira, tem-se uma autono-
urbana da Reserva do Paiva. mização que não pode e não deve prescindir
Um marco da ação da AGRP é o vasto do poder público, mas tomá-lo como parceiro
conjunto de atribuições que exerce na gestão no processo, até como estratégia para adquirir
da Reserva do Paiva. Desse modo, o estatuto legalidade e maior legitimidade perante a pró-
social estabelece como de sua incumbência pria sociedade e, sobretudo, para garantir a re-
aprovar projetos para a execução de obras produção do capital. Ademais, seguindo a tradi-
de construção, acréscimo e/ou modificação, ção americana, por meio desse perfil de gestão
previamente à obtenção de alvará na Prefei- condominial, as normas para o controle do di-
tura Municipal, devendo também observar as reito de construir e para a conservação do meio
normas urbanísticas convencionais que foram ambiente são muito mais garantias do direito
estabelecidas no âmbito da Reserva do Paiva. privado que propriamente do direito público
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Adauto Gomes Barbosa
(ibid.). Desse modo, a lei é criada notoriamen- ano, identificando pontos fortes, fraquezas e
te para atender aos propósitos dos promotores oportunidades. O PA torna-se, assim, um ins-
imobiliários e se põe como um instrumento, ora trumento da gestão condominial. A estrutura-
de legalização (se se permite a redundância), ção de cada PA começa com o item “cenário”,
ora de coerção de práticas indesejadas nesses fazendo-se menção à situação do empreendi-
espaços exclusivistas. mento em sua totalidade; depois vem a iden-
É importante frisar que também há ações tificação de quais etapas serão concluídas e os
desenvolvidas pela AGRP junto a populações próximos lançamentos; e a citação, ainda, do
pobres do entorno da Reserva do Paiva, sob provável quantitativo de famílias que devem
a argumentação de serem instrumentos para passar a residir no complexo para o devido re-
a promoção do desenvolvimento local. Essas dimensionamento dos serviços ofertados con-
ações são parte do Programa de Desenvolvi- forme o aumento da demanda.
mento Local Sustentável da Reserva do Paiva e Por sua vez, pelo alto custo de instalação
seu entorno, o qual foi habilmente construído da infraestrutura e por não darem elevado re-
por uma consultoria contratada. Serve de base torno econômico, os serviços de abastecimento
para a incubação de projetos, a oferta de cursos d’água, coleta e tratamento de esgoto ficam a
de capacitação e a orientação de ações do po- cargo do poder público ou das respectivas em-
der público na provisão de infraestrutura nos presas concessionárias. Longe do propalado
bairros vizinhos, dentre outras atividades junto discurso de “quanto menos Estado melhor”,
aos moradores pobres do entorno da Reserva esse fato mostra quão presente é esse agente
do Paiva. Uma questão de fundo é que, para para a viabilização dos projetos privados, por
além dessa retórica, visa-se estabelecer uma meio de suas políticas e ações que possibili-
relação mínima de confiança e, na medida do tam a implantação dessa infraestrutura, além
possível, gerar alguns benefícios ou compensa- de ser, ao mesmo tempo, peça fundamental na
ções para tais vizinhos. Isso pode até ser vis- valorização do espaço.
to como uma forma de buscar evitar possíveis Vale destacar a incorporação do campo
externalidades negativas para o Cirs em longo ambiental como uma pretensa ou por vezes
prazo, como um eventual risco de aumento da real preocupação com os problemas relaciona-
criminalidade ou a sensação de insegurança no dos com o meio ambiente urbano, mesmo que
interior do Cirs. quase sempre restrito ao perímetro e entorno
No que toca à questão urbano-ambien- imediato desses espaços. É válido frisar que,
tal, há um trabalho meticuloso da AGRP. Pa- diante do recrudescimento das contradições
ra o devido planejamento e encaminhamento socioespaciais envolvendo a produção e repro-
das ações nesse campo, sempre no fim do dução do espaço da cidade na atual fase do
segundo semestre, é feito o alinhamento com processo de acumulação capitalista, evocar tal
a definição dos itens do Plano de Ação (PA) preocupação é parte da retórica das grandes
para o ano fiscal seguinte. A AGRP trabalha corporações, e isso logo se converte em ação
com o planejamento estratégico e estabelece da governança urbana. A propósito, segundo
metas e objetivos a serem atingidos a cada (Campos, 2009 apud Rabelo, 2012, p. 9),
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Planejamento urbano empresarialista em complexos imobiliários...
[...] o discurso oficial para conservação e gera resultados benéficos para a imagem das
preservação ambiental nas cidades passa corporações patrocinadoras. Há ainda o bene-
a ser símbolo de uma ordem ambiental
fício gerado do ponto de vista da percepção
imposta pelo mercado capitalista, visan-
positiva da sociedade em geral, sendo isso um
do seduzir e incorporar uma consciência
ambiental na sociedade para neutralizar importante produto do marketing, não raro dili-
opções da luta política contra a desigual- gentemente veiculado pela mídia mais segmen-
dade de classes provenientes da hegemo- tada para seus investidores e clientela-alvo.
nia de grupos dominantes, principalmente
Outro elemento crucial nessa questão
oriundas do setor imobiliário nas grandes
da incorporação da dimensão ambiental se
metrópoles brasileiras. As campanhas
alternativas de consumo da natureza refere à obtenção de selos verdes. Esse é um
representam também uma nova forma segmento ainda bastante distante da realidade
empreendedora de capitalizar a consciên- do negócio imobiliário de muitas cidades, devi-
cia ambiental de indivíduos através de
do ao alto custo envolvido. Esses selos custam
símbolos ambientais.
caro e, ao menos para o setor residencial, mes-
Desse modo, não é de hoje que a natu- mo se tratando de clientela de alto padrão,
reza e seus elementos são apropriados simbó- quem arcaria com o investimento não seria o
lica e materialmente na cidade para evocar sua cliente, e sim a construtora. Em um contexto
crescente escassez no espaço urbano (Lefebvre, “de periferia da periferia” do capitalismo (essa
2001 e 2007). Na esteira de intervenções urba- é a inserção da RMR), até mesmo o mercado
nas comandadas pelo capital, elementos como imobiliário voltado para residências de mais
a segurança, o contato com uma natureza su- alto padrão construtivo ainda não incorporou
postamente conservada e a homogeneidade essas práticas. Por outro lado, quando se trata
social interna são vendidos como raridades. A de empreendimento não residencial de gran-
todo tempo, os promotores imobiliários anun- de porte, como é o caso do hotel Sheraton na
ciam seus produtos como se fossem uma es- Reserva do Paiva, é compensador investir num
pécie de contraponto da realidade em que se selo ambiental. Portanto, enquanto os benefí-
inserem, fazendo uso da lógica de morte para cios ficarem para o cliente final e os custos ar-
matar outros fragmentos da cidade e, para de cados pelo construtor, não vale o raciocínio da
forma contraditória, dar vida ao que é propala- modernização ecológica (Escobar, 1996), que,
do como o novo. a despeito da sensibilização para com a ques-
Além da inserção do discurso ambien- tão ambiental, age em função de obter algum
tal, a governança amplia os horizontes para ganho financeiro.
a questão social que, correlacionada com a O que está em jogo é até onde o selo
questão ambiental, resulta em uma propositu- proporciona ao capital algum ganho financei-
ra de cunho socioambiental, com intervenções ro efetivo. Em certos imóveis corporativos, o
de empoderamento de moradores por meio custo do selo se paga pelo próprio negócio.
de ações de investimento social ou de respon- Logo, como quem arca com os custos com
sabilidade socioambiental, sobretudo se isso consumo de água e energia elétrica é o seu
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Adauto Gomes Barbosa
investidor, para ele compensa buscar a certi- interescalaridade das ações, os Cirs resultam
ficação. Essa é mais uma face da governan- da ação de distintos agentes e de luma eficien-
ça que tem claro apelo empresarialista, pois, te articulação com o poder público. De forma
apesar dos propalados discursos de suposta contraditória, quanto mais esses complexos
preocupação com a conservação dos recur- são habilmente concebidos e gerenciados e
sos naturais, o ambiental ainda está muito com algumas melhorias pontuais no seu en-
condicionado pelas possibilidades de retorno torno imediato, mais a cidade como direito de
financeiro. Nesse caso, o que à primeira vista todos é negada.
parece se colocar como algo de vanguarda, na Assim, sob a tônica do exclusivismo, as
prática falta muito a se avançar, mesmo nes- articulações do grande capital privado com o
ses espaços exclusivistas. Estado são feitas para converter certos frag-
Fica bastante claro, ao longo da exposi- mentos da metrópole em “ilhas” de seguran-
ção aqui desenvolvida, o quanto a produção ça, bem-estar, beleza cênica, e, justamente por
do espaço sob a lógica capitalista configura isso, esses complexos imobiliários são anun-
um processo nada inocente, tal como aponta ciados como detentores de rara beleza, segu-
Lefebvre (2007 e 2008), uma vez que a Re- rança, limpeza e conservação ambiental, que
serva do Paiva contribui para a segregação se repetem em poucos fragmentos urbanos.
socioespacial e, de certo modo, induz a um Na verdade, nesses empreendimentos de alto
descolamento da frente à vizinhança pobre. A padrão, a iniciativa privada busca oferecer ser-
despeito da tônica do discurso do desenvolvi- viços que são reclamados pela população em
mento local sustentável para os vizinhos po- geral, por isso justificaria a quem pode pagá-
bres, fica evidente que promover a separação -los ter o “direito de ser exclusivo”. Contudo,
e a segregação ainda é a prática dominante, tanto mais se imponha o exclusivismo para
sendo isso habilmente feito sem os muros. Ve- alguns, mais ficam expostas as carências e os
rifica-se que as transformações que marcam a problemas da cidade real.
atual produção desse espaço são reveladoras Por fim, é preciso reconhecer que o ca-
de novas faces do processo de desigualdade pital age dessa maneira com a plena anuência
socioespacial, o qual, sob o manto do empre- e participação do poder público e, pior ainda,
sarialismo, é concebido e planejado em bases com o apoio de grande parte da opinião pú-
ainda mais complexas. blica, de segmentos importantes da mídia e,
sobretudo, daqueles que se tornam seus clien-
tes. As ações dos agentes capitalistas não se
Considerações finais realizam no vazio ou sem nenhum sentido ou
respaldo social. No fundo, sem querer aqui jus-
Como discutido aqui, o planejamento urbano tificar suas estratégias, tais contradições per-
empresarialista se traduz num instrumento pa- passam a sociedade como um todo, sendo o es-
ra o exclusivismo socioespacial. Frutos de uma paço, pela via da ação dos agentes capitalistas,
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O espaço na geografia
e o espaço da arquitetura:
reflexões epistemológicas
Space in geography and the space
of architecture: epistemological reflections
Lucia Leitão
Norma Lacerda
Resumo Abstract
A geografia e a arquitetura constituem duas áreas Geography and architecture are two areas of
do conhecimento, cujos respectivos corpos discipli- knowledge whose respective subject corpora
nares se debruçam, aparentemente, sobre o mesmo apparently focus on the same object – space. This
objeto – o espaço. Esse é o ponto de partida destas is the starting point of these theoretical notes, the
notas teóricas, cujo objetivo é chamar a atenção objective of which is to draw attention to certain
para certas distinções epistemológicas nas aludi- epistemological distinctions between the above-
das áreas. Para tanto, na primeira parte, ressalta-se mentioned areas. Therefore, in the first part, it is
que, apenas a partir da década de 1970, o conceito noted that it was only in the 1970s that the concept
de espaço se tornou alvo de análise crítica explícita of space became a key concept of geography.
por parte dos geógrafos, e anunciam-se possíveis Moreover, possible differentiations of this concept
diferenciações desse conceito, em confronto com a are announced in comparison with the theoretical
formulação teórica do espaço arquitetônico. Na se- formulation of architectonic space. In the
gunda parte, indicam-se as especificidades teórico- second part, the theoretical and methodological
-metodológicas que definem o espaço arquitetural. specificities that define architectural space are
Espera-se que as reflexões ora apresentadas contri- indicated. It is hoped that the reflections presented
buam para a minimização de possíveis confusões in this article will contribute to minimize possible
epistemológicas. instances of epistemological confusion.
Palavras-chave: espaço; teoria; geografia; Key words : space ; theor y; geography;
arquitetura. architecture.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 803-822, set/dez 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3709
Lucia Leitão, Norma Lacerda
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O espaço na geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas
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do espaço ao tempo, uma subordinação que presente e, por extensão, relegavam a segun-
tolda as interpretações geográficas da mutabi- do plano as transformações, as contradições e
lidade do mundo e se intromete, segundo o ele, os conflitos. A geografia restringia-se, assim,
em “todos os níveis do discurso teórico, desde ao campo do mensurável, “morto, não dialé-
os mais abstratos conceitos ontológicos do ser tico, imóvel”, nas palavras do filósofo francês
até as explicações mais detalhadas dos acon- Michel Foucault (1976, p. 159). Conformava,
tecimentos empíricos” (ibid., p. 23). Em suas desse modo, um conhecimento aplicado a ser-
linhas essenciais, Soja questiona a hegemonia viço do Estado, ou seja, uma forma coadjuvante
do historicismo no pensamento crítico e não a da ciência da administração e do planejamento
importância da história, naturalmente. estatais e das empresas privadas. Dessa forma,
O segundo período abrange as décadas isolou-se da história, das ciências sociais e do
de 1950 e 1960. Corresponde ao surgimento “marxismo ocidental”.5
da geografia teorético-quantitativa. É quando Por “marxismo ocidental”, entenda-se
ela passa a ser considerada uma ciência social uma corrente de pensamento que se afastou
3
e a ser vista como uma ciência espacial. “O das ortodoxias centrais do marxismo-leninis-
espaço aparece, pela primeira vez na história ta.6 Segundo Soja (1993), muito embora es-
do pensamento geográfico, como o conceito- se marxismo abordasse o espaço como um
-chave da disciplina” (Corrêa, 2001, p. 20). Da receptáculo e um espelho da sociedade, foi a
geografia tradicional – praticamente ateórica – partir dessa corrente que o espaço e a crítica
despontava uma nova versão, crescentemente ao historicismo acabaram por firmar-se, ao
técnica e matematizada, da descrição geográ- inaugurarem o terceiro período da geografia –
fica. Fundamentada primordialmente “na física o da geografia crítica, de 1970 em diante.
social, nas ecologias estatísticas e em apelos Fundamentada no materialismo históri-
acanhados à onipresente fricção de distância” co e na dialética, essa nova corrente do pen-
(Soja, 1993, p. 67), as análises geográficas de samento geográfico rompeu com a geografia
então consideravam a distância – e não o espa- tradicional e com a teorético-quantitativa. O
ço – como a variável mais importante. Apesar espaço (re)apareceu como conceito-chave.
da introdução da variável localização, a reali- A partir do pensamento de Henri
dade continuava a ser explicada por fatores Lefebvre, passou o espaço a ser abordado co-
físicos. Tal sistema de pensamento se tornou mo o lócus da reprodução das relações sociais
conhecido como determinismo geográfico, há e, portanto, da sociedade. Filósofo e sociólogo
muito abandonado. por formação, a concepção de “produção do
Como fruto desse pensamento, surgi- espaço” de Lefebvre derivou do “jogo de for-
ram a noção de centro-periferia – nas escalas ças”, econômica, política e socialmente defini-
intraurbana, nacional e internacional – e a de do. Consoante o autor:
espaço relativo, apontada por Harvey (1969,
Quando o espaço social deixa de se
apud Corrêa, 2001).4 Não sem razão, foram de- confundir com o espaço mental (defi-
senvolvidos, nesse período, inúmeros modelos nido pelos filósofos e pelos matemáti-
de organização espacial, que privilegiavam o cos), com o espaço físico (definido pelo
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[ideia] e a [ação] que faz surgir, [pela vez Nessa perspectiva, o ambiente natural
primeira] algo que não existia [...]” (2001a, que dá suporte ao fazer arquitetônico é um
9
p. 161). Tektôn , por sua vez, indica, em espaço “[...] que se dá como espaço para o
grego, o construtor, o “mestre carpinteiro”, homem” (Salingon, 1997, p. 92). Um espaço
aquele que, no exercício do seu ofício, com- existente antes de qualquer gesto originário –
põe e, como consequência dessa ação com- arkhê – humano, e não um espaço que surge
positiva, ergue a edificação, donde se tem, em decorrência desse gesto. Nesse sentido,
em português, a palavra tectônica, a arte de continua o autor, a criação do espaço da ar-
construir edifícios, como ensina o Houaiss. quitetura “[...] é negação do espaço [natural]
Arquitetar é, pois, nesse sentido, uma e afirmação [proposição, criação] de lugar”
ação humana criadora, “[...] que faz aparecer (1997, p. 93) projetualmente humano.
o que não existia em nenhuma parte”, escre- Edificar, ou arquitetar,10 é, portanto, nes-
ve Hannah Arendt, conforme registra ainda se sentido, a expressão de uma habilidade hu-
Salignon (2001b, p. 83), como resultado de mana, análoga à da linguagem, manifesta num
uma atividade projetiva a um só tempo pessoal ato fundador próprio da condição humana,
e coletiva. Uma ação que faz surgir, no contex- como bem assinala Choay (2006). Uma ação
to destas notas, o ambiente construído, inexis- que realiza “[...] o imperativo de passar entre
tente até o momento em que se deu justamen- o que há [o espaço que se dá como espaço pa-
te essa ação projetual originária. ra o homem] e o que não há ainda [o espaço
Assim, perseguindo-se o sentido etimo- composto, edificado pelo homem]” (Salignon,
lógico do vocábulo architektôn, tem-se anun- 1997, p. 96).
ciada uma primeira indicação da natureza do Talvez se tenha aqui – nesse impera-
espaço arquitetural. O espaço da arquitetura se tivo – uma resposta plausível a uma questão
constitui em consequência de uma proposição importante para a Teoria da Arquitetura, em
humana (arkhê) compositiva (tektôn) que o faz especial para aqueles que se dedicam a inves-
surgir, proposição esta teórica e metodologica- tigar as razões da construção d’A casa de Adão
mente definida, conforme se verá adiante. no paraíso (Rykwert, 1997), isto é, as motiva-
O espaço arquitetural não se confunde, ções primeiras presentes na edificação do es-
portanto, com o espaço natural preexistente à paço humano.
ação humana criadora, propositiva, ainda que Olivier Marc formula essa questão nos
o espaço preexistente se modifique pela pre- seguintes termos: “Por que o homem primiti-
sença humana. Em outras palavras, embora vo foi levado a construir sua casa, rejeitando o
fundamental à composição do vazio, o espaço abrigo que a natureza lhe oferecia sob a forma
natural não se confunde, teoricamente, com o de uma gruta ou caverna?” (1972, p. 19). A
espaço da arquitetura, uma vez que o espaço resposta parece surgir desse imperativo huma-
natural é um espaço modificado, mas não ori- no de afirmar um lugar como criação. Afinal,
ginado, menos ainda composto, por uma ação a caverna não é algo originário de nenhuma
humana propositiva. ação humana propositiva. Não é, portanto,
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O espaço na geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas
uma composição humana nem se destina ao Importa, pois, chamar a atenção do leitor
uso humano. Menos ainda realiza o imperati- para o fato de que esse ato fundador originá-
vo humano de passar do estado de natureza rio – arkhê –, começo de todos os começos da
ao estado de cultura (Lévi-Strauss, 2009, e história humana, embora manifesto no fazer
Argan, 1966). arquitetônico em sua expressão tectônica, é
Nesse ponto, tem-se, precisamente, a pri- irredutível ao objeto arquitetural em sua ma-
meira distinção epistemológica do espaço da terialidade. É possível que resida, nesse ponto,
arquitetura. O espaço arquitetural é um espaço parte da “confusão” que se vê em alguns auto-
criado, originado – e não apenas modificado ou res quando eles se debruçam sobre a questão
transformado – pela e para a ação humana, an- do espaço edificado. Ao não perceberem essa
te um ambiente natural que se dá como espaço distinção teórica fundamental entre o evento
para o homem, preexistente, portanto, a qual- criador do ambiente construído e os elemen-
quer ação humana. tos arquitetônicos que lhe dão materialidade,
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Lucia Leitão, Norma Lacerda
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O espaço na geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas
grupos humanos num determinado ambiente, diferente das demais artes visuais, apesar do
agora construído. Consequentemente, possi- que as assemelha. Anota Zevi:
bilitou a instituição da vida social, incipiente
àquela altura. A pintura realiza as quatro dimensões do
espaço representando-se na superfície
Mas, para além dessa dimensão an-
[...]. A escultura não só representa as
tropológica, cuja abordagem extrapola, evi- quatro dimensões no plano e no volume,
dentemente, os objetivos deste texto, qual é mas valoriza o movimento do observador
a natureza desse vazio originário, próprio de que anda à sua volta [...]. Mas o fenôme-
uma composição projetual, ante outros possí- no interno é substancialmente original:
as cavidades, os vazios arquitetônicos,
veis vazios igualmente compostos pela ativi-
são indefiníveis no âmbito das quatro
dade humana? dimensões da pintura e da escultura.
A composição do espaço interior que (1979, p. 56)
acolhe o humano, definido por Bruno Zevi co-
mo sendo o fator distintivo da arquitetura dian- Assim, se a arquitetura compartilha, com
te das outras artes, indica uma segunda especi- a pintura, a habilidade de lidar com as dimen-
ficidade epistemológica do espaço da arquite- sões geométricas e, com a escultura, a produ-
tura. Em outras palavras, em termos edilícios, o ção de um vazio presente num vaso ou taça
que surge a partir da ação originária, arkhê, é, qualquer, somente da arquitetura se espera a
precisamente, o espaço “[...] interior [no qual] produção do espaço interno que inclui o hu-
o homem entra e caminha”, como escreve Zevi mano, indefinível e inexistente no âmbito das
(1977, p. 17). dimensões presentes na pintura e na escultura.
No entanto, se, a um olhar apressado do É nessa perspectiva, ou sob esse modo
leigo, a ideia de espaço interior como resultan- de ver, que Zevi define a criação do espaço in-
te da composição do vazio próprio da arquite- terior – composto, projetado, criado pela ação
tura pode ser vista como óbvia, essa ideia ain- humana de arquitetar, ressalte-se uma vez
da não é suficiente para a compreensão precisa ainda – como sendo o protagonista da arqui-
do que é o espaço da arquitetura. Afinal, a es- tetura, como aquilo que a distingue em relação
cultura também produz espaços internos, que, às outras artes, às artes visuais, notadamente.
no entanto, não se confundem com o espaço Assim, diz Zevi categoricamente: “Tudo o que
da arquitetura, uma vez que o espaço escultó- não tem espaço interno não é arquitetura”
rico não se destina ao acolhimento humano em (1977, p. 24).
sua experiência cotidiana. Entender a arquitetura como a criação
Desse modo, a inclusão do humano é do espaço interior que inclui o humano impli-
condição inescapável para a demarcação con- ca rever a noção de interno (dentro) e externo
ceitual do espaço da arquitetura. Por isso, Zevi, (fora) tal como a apreende o senso comum. Do
amparado em Kant e Hegel, assinala que o es- ponto de vista estritamente arquitetônico, há
paço interno que acolhe o humano se apresen- que se distinguir o espaço interno (o dentro),
ta como fator distintivo da arquitetura, isto é, composto pelo arquitetar, onde os homens en-
como aquilo que faz da arte de arquitetar algo tram e vivem, especificidade epistemológica do
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Lucia Leitão, Norma Lacerda
fazer arquitetônico, do espaço externo (o fora), Afinal, “Assim como as paredes, as co-
alheio à arquitetura, uma vez que esse espaço lunas, etc. são elementos de que se compõem
externo é o espaço que se dá como espaço pa- os edifícios, os edifícios são os elementos de
ra o homem, e não o espaço criado, composto, que se compõem as cidades”, escreveu Rossi
pelo homem. (1995, p. 24), citando Durand.13 Desse modo,
Assim, se a composição do vazio cons- o espaço da rua, exterior em relação a um
tituinte do espaço interno, das cavidades, edifício em particular, conforma, ele próprio,
como escreve Zevi, distingue a arquitetura em em composição com cada uma das outras edi-
relação às demais artes visuais, a destinação ficações da rua, um outro espaço interno, e
desse espaço – a inclusão do humano – distin- assim sucessivamente.
gue igualmente o espaço da arquitetura dian- Do ponto de vista metodológico, igual-
te de outros possíveis espaços existentes na mente, tanto na construção do edifício quanto
natureza e dos quais se ocupam outros cam- na construção da cidade estão presentes os
pos disciplinares. atributos próprios e específicos do espacejar
Em outras palavras, em termos epistemo- (Argan, 2000), a saber: a questão das propor-
lógicos, o espaço da arquitetura é necessaria- ções – o vocabulário tridimensional de que
mente interno, interior. Ao discutir justamente se vale o tektôn em seu ofício projetual –, da
esse ponto, o autor citado anota: escala – inescapável na construção do espa-
ço humano14 –, da forma plástica – expressão
[...] a “distinção” entre o “espaço inter-
material do ato de espacejar15 –, dentre outros
no” próprio da arquitetura e o “espaço
exterior” que define a urbanística é justifi- atributos projetuais próprios da arquitetura.
cada só num ponto de vista didático, pois Destarte, ambas, a casa e a cidade, re-
o vazio de uma praça ou de uma estrada, sultam da criação humana (arkhê ); ambas são
exterior em relação aos edifícios que o espaços construídos a partir de uma ação pro-
ladeiam, é interior em relação à cidade.
jetiva; ambas, ainda, compõem vazios, espa-
[E mais:] Os métodos que caracterizam
[o projeto de] uma praça ou uma rua não ços internos que incluem o humano. A sequên-
são diferentes daqueles que se usam para cia de fotos a seguir ajuda a entender melhor
definir as salas, as galerias, os pórticos ou essa ideia.
os pátios de um salão. (1979, pp. 72-73; Por fim, a composição do vazio constitui
grifos meus)
a terceira especificidade do espaço da arqui-
Zevi ratifica, portanto, o que escreveu Al- tetura. É essa a palavra-chave para a última,
berti quatro séculos antes dele. Não há distin- dados os limites deste texto, distinção episte-
ção, no que diz respeito à concepção do espaço mológica a ser assinalada no que diz respeito
arquitetônico, entre a construção da casa e a ao espaço da arquitetura.
edificação da cidade,12 razão pela qual, na ar- Compor, convém lembrar, é criar um to-
quitetura, podemos falar de espaços abertos e do juntando, associando, diferentes partes –
de espaços fechados, mas o espaço externo é precisamente esse o ofício do tektôn. Assim
alheio à arquitetura, quer teórica, quer meto- como o poeta compõe o poema ligando pa-
dologicamente falando. lavras distintas de uma língua, assim como
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O espaço na geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas
Fontes: Acervo da Fundação Joaquim Nabuco (Figura 4); Norberg-Schulz (1998, p. 200, Figura 5) e Murillo Marx (1980, p. 56,
Figura 6).
o músico compõe sua melodia associando quer na gleba. O espaço arquitetônico resulta
acordes diversos entre si, o tektôn lança mão de uma ação projetiva que necessariamente li-
de um vocabulário tridimensional, próprio do mita e, nessa ação de limitar, constitui e define
fazer arquitetônico, para compor o espaço da o espaço da arquitetura. Sem essa delimitação
arquitetura. espacial, ter-se-ia ainda, tanto vertical quanto
Como composição, o principal ponto a horizontalmente, o espaço natural, o espaço
destacar ante a especificidade do espaço da que se dá como espaço para o homem, vasto
arquitetura é a ideia de limite, quer no lote, e indefinido.
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Lucia Leitão, Norma Lacerda
É essa ação de limitar, de demarcar o es- Essa ideia de composição espacial como
paço preexistente para então criar o espaço da consequência da habilidade do tektôn no ma-
arquitetura, o ponto de partida – e de chega- nuseio do vocabulário tridimensional próprio
da – na composição do espaço arquitetônico. do fazer arquitetônico, como especificidade,
Nessa ação de limitar, explicitam-se alguns dos portanto, da criação do espaço da arquitetura,
principais elementos compositivos do fazer ar- aparece, por exemplo, claramente, na proposi-
quitetônico, isto é, o vocabulário do qual lança ção e na construção da Ringstrasse, a famosa
mão o tektôn em seu ofício cotidiano. rua em anel vienense do fim do século XIX.
Larguras, alturas e profundidades, por Comentando a construção dessa rua célebre
exemplo, são definidas nessa atividade projetiva da arquitetura europeia, Schorske anota preci-
de estabelecer limites. Com isso, são igualmente samente esse ponto ao assinalar “[...] o poder
definidas a proporção, a simetria – que indica linear da rua” [largura e profundidade], um
harmonia, equilíbrio entre os elementos com- espaço onde “a massa vertical [altura] está
positivos da edificação, e não necessariamente subordinada ao movimento plano, horizontal,
repetição –, a escala, dentre outros elementos a da rua” (1988, p. 54; grifos meus).
partir dos quais se obtém a composição de um A demarcação do limite físico – quer
vazio onde os homens entram e vivem. horizontal, quer vertical – é, pois, um ponto
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O espaço na geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas
essencial para a composição do espaço interno cotidianamente pratica, que provém o espaço
que acolhe o humano, para a criação e para a interno, o vazio que acolhe o humano. A com-
especificidade do espaço da arquitetura. Ele- posição do espaço, isto é, de um vazio resultan-
mentos fundamentais do fazer arquitetônico, a te de uma associação de elementos próprios e
exemplo da plástica – a forma regular, irregular, específicos da arte de edificar, constitui-se, pois,
geométrica, orgânica, retilínea, curvilínea, etc. na terceira e última distinção epistemológica a
que esses limites assumem –, isto é, da expres- anotar neste texto.
são volumétrica do espaço da arquitetura, deri- Diante do exposto, tem-se que o espaço
vam precisamente desses limites compositivos da arquitetura, a exemplo do nó borromeu,
(Tedeschi, 1976). De igual modo, a escala, cuja constitui-se necessariamente a partir de uma
referência na arquitetura é o corpo humano – inter-relação de três nós, ou três eixos, que
e não o território –, deriva do estabelecimento atuam de modo associado. Em outras palavras,
desses limites projetuais, bem como da forma a definição do espaço da arquitetura exige, de
que eles adquirem. modo simultâneo, a criação de um espaço in-
Enfim, é justamente do conjunto des- terno destinado a acolher o humano, compos-
ses atributos, da demarcação volumétrica, to, necessariamente, a partir de um vocabulário
da explicitação do vocabulário do qual lança projetual específico, indispensável à construção
mão o tektôn no exercício compositivo que do teto e do muro.
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Lucia Leitão, Norma Lacerda
O primeiro desses três eixos, mais perto para os três eixos anotados – étimo-filosófico,
da filosofia, diz respeito à edificação de um teórico -metodológico e compositivo (tectôni-
espaço cuja origem, concepção e apropriação co) –, de modo a possibilitar àqueles menos
se assentam na condição humana. Assim, o familiarizados com a Teoria da Arquitetura
que a arquitetura principia, origina – arkhê uma aproximação conceitual das especificida-
–, com a composição do vazio é a própria des epistemológicas próprias do espaço que
construção do espaço humano. Em outras se constitui, e assim se define, como sendo a
palavras, essa construção espacial é a um só composição do vazio.
tempo expressão e condição da aventura hu-
mana em sua experiência errante na face da
Terra. Em outras palavras, ainda, esse espaço Anotações finais
composto é a morada humana no sentido hei-
deggeriano do termo, irredutível, portanto, à
É inquestionável que a interdisciplinaridade foi
construção (tectônica) do edifício, conforme
imprescindível para o processo de construção
se anotou antes.
teórica da geografia, o que gerou, inclusive,
O segundo eixo, de natureza teórico-me-
duas grandes divisões (geografia física e geo-
todológica, aponta para o fato de que, como
grafia humana) e inúmeras subdivisões: geo-
morada humana, o espaço da arquitetura tem
morfologia, geopolítica, geoeconomia, biogeo-
concepção, destinação e função específicas –
grafia, geo-história, etc. De forma semelhante,
incluir, e nisso acolher, o humano. Para isso,
a arquitetura e o urbanismo vêm buscando
tem especificidade teórica também especí-
aportes complementares nas ciências sociais e
fica – a construção do espaço interno –, cuja
humanas (geografia, sociologia, história, antro-
implicação mais evidente em termos epistemo-
pologia, psicanálise, dentre outras), de modo a
lógicos é fazer do espaço externo algo alheio à
ampliar possíveis interações conceituais entre
arquitetura enquanto campo disciplinar.
elas. Com isso, possibilita a ampliação do de-
O terceiro eixo, mais próximo da arte,
bate conceitual no âmbito dessas ciências. No
aponta para a composição do vazio como sen-
entanto, muito há ainda por se fazer nessas
do, a um só tempo, objeto e objetivo da arte de
aproximações disciplinares.
edificar o ambiente construído. Assim, diferen-
A esse respeito, cabe registrar o que diz o
temente de outros campos disciplinares, nota-
geógrafo Marcelo Lopes de Souza: “O aprendi-
damente nas ciências sociais, o arquitetar não
zado mútuo entre cientistas sociais e arquitetos
tem como objeto, tampouco como objetivo,
precisa ser aprofundado” (2006, p. 58). E Souza
quantificar, avaliar ou analisar o espaço edifica-
vai mais além ao afirmar:
do, ou seja, o espaço da arquitetura é necessa-
riamente projetual. Os cientistas sociais envolvidos com pes-
quisa urbana precisam superar sua usual
É evidente que não se esgota aqui a
ignorância em matéria de arquitetura. A
questão da natureza do espaço da arquitetu- consciência da necessidade de maior in-
ra. Não é esse o objetivo destas notas sumá- timidade com a dimensão estética e de
rias. O que se pretendeu foi chamar a atenção funcionalidade dos objetos geográficos
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O espaço na geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas
deve disseminar-se entre eles, que vão suficientes para entender, planejar e controlar
desde estilos arquitetônicos até a histó- a paisagem urbana”.
ria do urbanismo, passando por análises
Como se vê, muito há ainda por fazer
morfológicas e visual. (Ibid.)
com vista à construção de referências teó-
No campo da arquitetura, Lootsma ricas e de método que nos permitam, de um
(2000, p. 471) sublinha que “os arquitetos, lado, explicitar as distinções epistemológicas
com sua fixação em sua própria disciplina e quanto à noção de espaço na geografia e na
suas soluções físicas, tendem a pôr o carro arquitetura e, de outro, estabelecer as premis-
na frente dos bois [...]. [Desconhecem, assim, sas conceituais que emergem do diálogo entre
que] a arquitetura e o urbanismo já não são essas disciplinas.
Lucia Leitão
Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Desenvolvimento Urbano
leitaolu@gmail.com
Norma Lacerda
Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Desenvolvimento Urbano
norma_lac@yahoo.com.br
Notas
(1) Segundo Santos, “essa é a razão pela qual especialistas de outras disciplinas, não sabendo
claramente o que fazem os geógrafos, renunciam a incluí-los nos seus próprios debates” (2006).
(3) Curiosamente, é nessa década que o espaço se torna o elemento protagonista da arquitetura a
par r da contribuição notável de Bruno Zevi (1977).
(4) O espaço rela vo é entendido por Harvey a par r de relações entre os objetos – o que implica
custos, energia e tempo –, para vencer a fricção imposta pela distância.
(5) Para Soja, “o historiador, como crítico e observador social, e a história, como perspectiva
interpreta va privilegiada, tornaram-se conhecidos nos círculos acadêmicos. Em contraste, a
geografia e os geógrafos foram deixados com pouco mais do que descrição pormenorizada dos
resultados, aquilo que passou a ser chamado pelos cronistas da disciplina de ‘diferenciação de
área dos fenômenos” (1993, p. 48).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 803-822, set/dez 2016 819
Lucia Leitão, Norma Lacerda
(6) O marxismo dos fins de século XIX caracterizava-se por sua forte vinculação ao historicismo e,
desse modo, o espaço era aniquilado pelo tempo.
(7) Para Santos (2006, p. 67), “a palavra paisagem é frequentemente u lizada em vez da expressão
configuração territorial. Esta é o conjunto de elementos naturais e ar ficiais que fisicamente
caracterizam uma área. A rigor, a paisagem é apenas a porção da configuração territorial que
é possível abarcar com a visão. Assim, quando se fala em paisagem, há, também, referência à
configuração territorial e, em muitos idiomas, o uso das duas expressões é indiferente”.
(8) Ver, a propósito, A composição do vazio (2001), documentário de Marcos Enrique Lopes sobre a
vida e a obra de Evaldo Cou nho.
(9) “Si dans le mot architecture, commence avec le commencement ce qui détermine l´œuvre, nous
devons comprendre arkhê à la fois comme príncipe originaire et comme ce qui ent en main le
devenir de la réalisa on du projet [...]”. Tradução livre.
(10) Françoise Choay, a par r da leitura que faz do texto de Alber , dis ngue, muito apropriadamente,
o termo arquitetar do ato de edificar, atribuindo a este úl mo um sen do antropológico. Neste
texto, considerando os seus obje vos, os dois vocábulos são usados como sinônimos.
(11) “Houve quem dissesse que a água ou o fogo proporcionaram os princípios que fizeram com
que se formassem as comunidades humanas. Nós, todavia, se considerarmos a u lidade e a
necessidade de uma cobertura e de uma parede [um teto e muro] para reunir e manter em
grupo os seres humanos, ficaremos convencidos de que foram certamente estes [o teto e o
muro] os fatores mais importantes [para a formação das comunidades humanas]” (Alberti
[1485], 2011, p. 138).
(12) Em pelo menos três momentos em De re aedificatoria, Alber assinala que não há dis nção
teórico-metodológica na edificação do espaço humano. A saber, (i) “[…] a cidade é, na opinião
dos filósofos, uma casa em ponto grande e, inversamente, a casa é uma cidade em ponto
pequeno” (Livro I, cap. IX, p. 170); (ii) e, assim como na cidade há fórum e praças, assim nas
casas haverá átrio, salão e outras divisões do mesmo gênero [...]” (Livro V, cap. II p. 321); e (iii):
“Dissemos que a casa é uma pequena cidade. Por isso é necessário, na sua construção, ter em
conta quase tudo aquilo que se aplica à construção da cidade” (Livro V, cap. XIV, p. 352), na
edição consultada.
(13) DURAND, Jean-Nicolas-Louis (1802-5). Précis des leçons d´architecture données à l´École
Polytechnique. Paris.
(14) “Enquanto o homem ver duas mãos para usar e dois pés para caminhar, a escala humana é
inescapável na arquitetura”, escreveu Krier (1975).
(15) A habilidade de espacejar é aqui entendida como sendo a habilidade humana para construir sua
habitação. Uma habilidade presente em todas as culturas e em todos os tempos.
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O espaço na geografia e o espaço da arquitetura: reflexões epistemológicas
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822 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 803-822, set/dez 2016
Quando o projeto disfarça o plano:
concepções de planejamento
e suas metamorfoses em Belém (PA)
When the project disguises the plan: conceptions of planning
and its metamorphoses in the city of Belém, state of Pará
Abstract
Resumo The recent initiative of the municipal government of
Uma recente iniciativa da Prefeitura Municipal de Belém to renovate the Ver-o-Peso open market, the
Belém de reformar a feira do Ver-o-Peso, principal main symbol of the capital’s historic downtown, is
símbolo do centro histórico da capital é tomada, taken, in this paper, as a starting point to discuss
neste artigo, como referência para discussão sobre conceptions of city and interventions conducted
as concepções de cidade e intervenções, conduzi- by local political groups based on coalitions
das por grupos políticos locais, a partir de coalizões with the private sector and the local media. The
com o setor privado e a mídia local. Abordam-se, paper approaches, particularly, the contradictions
particularmente, as contradições presentes na ten- observed in the attempt to internationalize
tativa de internacionalização da cidade e o caráter Belém and the selective nature that strategic
seletivo que o planejamento estratégico oferece, planning offers when the political sphere does
quando a esfera política não considera o ambiente not consider the complexity of the Amazonian
urbano amazônico em sua complexidade. O texto urban environment. The text argues that it would
alerta que seria possível criar mediações para as be possible to create mediations for exogenous
concepções exógenas de planejamento para propor conceptions of planning in order to propose a
uma base filosófica para a modernização de Belém philosophical basis for the modernization of Belém
atenta à participação popular, à festa inclusiva e à that takes into account popular participation, the
sociobiodiversidade local. inclusive party and the local socio-biodiversity.
Palavras-chave: Belém; políticas públicas; cidade Keywords: Belém; public policies; creative city;
criativa; gentrificação; sociobiodiversidade. gentrification; socio-biodiversity.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 823-844, set/dez 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3710
Ana Cláudia Duarte Cardoso et al.
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Quando o projeto disfarça o plano
entre níveis do setor público, a área histórica contradições entre as estratégias de invisibili-
foi prioritariamente tratada pelo viés da preser- zar segmentos da população que vivem ou tra-
vação de suas estruturas físicas e da restaura- balham nas áreas-alvo da espetacularização da
ção de edifícios históricos, representativos da cidade e da necessidade de explorar cultura e
memória coletiva e de forte apelo simbólico e tradição e mesmo marcas e símbolos, construí-
estético, mas ainda alienados do acúmulo de dos através de séculos de trabalho pelas pes-
práticas sociais e culturais do lugar e dos pro- soas que agora representam o ambiente hostil
cessos globais a que as cidades estão sujeitas e, e selvagem, a decadência urbana, o perigo e
particularmente, do modo como Belém assimi- a desordem, identificados e ainda não contro-
lou as transformações ocorridas na Amazônia lados, com forte risco de “jogar a água com a
desde os anos 1960. Em que pese a motivação criança junto”.
econômica de alavancar o turismo, na escala Em 29 de agosto de 2015, uma série de
local, o debate sobre possíveis antídotos para reportagens foi veiculada na mídia impressa,
processos de gentrificação, alienação social e televisiva e digital local, sobre a orla da cida-
museificação foi deixado em segundo plano. de, com a manchete “Favelização toma conta
Após um intervalo de 4 anos, em 2011 da orla de Belém” (ver Figura 1), destacando
a mesma equipe retorna ao Governo Estadual, o quanto portos clandestinos e cemitérios de
dessa vez com total alinhamento político com a barcos degradam a orla e estimulam constru-
equipe da Prefeitura de Belém a partir de 2013, ções ilegais, bloqueando o contato da cidade
o que favoreceu a retomada da antiga propos- com o rio, na contramão das providências, em
ta de projetar Belém no cenário internacional, curso no País, de desocupação de áreas de
agora não mais baseada na revitalização de preservação permanente, citando o exemplo
estruturas históricas, mas no potencial de bio- das demolições ocorridas na orla do Lago Pa-
diversidade, sustentabilidade e turismo, este ranoá, em Brasília.
último fortemente apoiado na cultura, gastro- O maior destaque foi dado para a área
nomia, música e saberes populares e ancorado do Porto do Sal – repleta de estivas, palafitas,
em Belém, demonstrando inspiração no ideá- oficinas, estaleiros e inúmeras embarcações,
rio da sociedade criativa, difundido nas últimas com usos e formas de apropriação orientados
décadas, por economistas norte-americanos e por uma população ribeirinha, que historica-
canadenses (Florida, 2010 e Glaser, 2011). mente reconhece a orla e o rio como espaços
Uma mistura dessas duas “escolas” fun- de produção e reprodução da vida – completa-
damenta as propostas para a capital – planeja- mente diversa da ocupação recente (e crimino-
mento estratégico catalão e sociedades criati- sa) de Área de Preservação Permanente da orla
vas –, viabilizadas pela euforia do alinhamento do Paranoá.
político dos dois níveis da administração públi- A localização desse porto popular pode
ca e pela simpatia de setores privados pelos te- explicar a atenção especial para essa fração da
mas, reeditou os antigos projetos de interven- orla de Belém. O Porto do Sal foi construído nu-
ção tendo em vista o aumento do volume de ma época em que o Ver-o-Peso era dominado
turistas internacionais, acentuando, contudo, pela elite comercial da cidade, na divisa entre
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Ana Cláudia Duarte Cardoso et al.
Fonte: http://www.ormnews.com.br/oliberal.
a orla urbanizada e repleta de monumentos completa conexão entre o Conjunto Feliz Lusi-
históricos da Baía do Guajará e a orla do rio tânia e o Mangal das Garças (já apoiado por
Guamá ocupada por usos industriais regionais, hotéis de charme) e o Portal da Amazônia.
pequenos portos e palafitas, mais precisamen- Em outubro de 2015, o Pavilhão do Brasil
te entre o complexo Feliz Lusitânia, o Mangal na ExpoMilão, realizada na Itália sob o tema
das Garças e o Portal da Amazônia. O Portal “Alimentado o mundo com soluções”, contou
consiste em aterro realizado pela Prefeitura com a culinária paraense como estrela da festa.
Municipal de Belém para implantação de uma Foram 20 milhões de visitas e auditórios lota-
via beira-rio que, associada a uma ação de ma- dos com audiência interessada em frutas, ervas
crodrenagem na bacia da Estrada Nova, conec- e pratos típicos do Pará. Como desdobramento
tará a área histórica à cidade universitária da desse evento, o Governo do Pará e a Prefeitura
Universidade Federal do Pará, a partir de onde Municipal de Belém promoveram os “Diálogos
seria possível sair da cidade por eixos que há Gastronômicos”, com a presença de chefs de
vinte anos estão em processo de duplicação e/ renome internacional e, no decorrer do evento,
ou extensão. O Porto do Sal é um espaço po- foi apresentado o projeto do Centro Global de
pular, com usos genuínos, mas de população Gastronomia e Biodiversidade da Amazônia.
não controlada o suficiente para viabilizar a Essa notícia1 foi veiculada pela mídia nacional,
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Quando o projeto disfarça o plano
informando que o complexo Feliz Lusitânia (on- cada comerciante era disposta permitia a am-
de são localizados o Forte do Castelo, a Cate- pla visibilidade do espaço de comercialização
dral da cidade e o conjunto jesuítico composto e, com isso, favorecia o controle visual de ven-
pelo arcebispado e pela Igreja de Santo Alexan- dedores e consumidores, dificultando a prática
dre) abrigaria o centro de gastronomia, a esco- de atividades ilícitas no local (tráfico de dro-
la de gastronomia, o laboratório de alimentos, gas, furtos, etc.) e permitindo que os feirantes
o barco cozinha, o museu e restaurantes. negociassem produtos rapidamente para aten-
Em 11 de dezembro de 2015, Belém rece- der a um freguês. Esse arranjo espacial vem
beu título de Cidade Criativa da Gastronomia, mudando e, na nova proposta, seria completa-
2 mente eliminado.
concedido pela Unesco, conquista de uma
articulação entre Governo Estadual, Prefeitu- Por outro lado, as novas propostas in-
ra e instituições que promovem e divulgam a corporam estruturas próximas, algumas já re-
gastronomia paraense, defensores de gastro- cuperadas como o Palacete Pinho que, após a
nomia sustentável e entidades envolvidas com restauração, em 2011, não teve destinação de
empreendedorismo regional. Nesse mesmo uso, e também reclamam a revisão dos espaços
ano, foram abertos os boxes gourmet no Mer- tradicionalmente ocupados por práticas popu-
cado de Carne, edifício histórico restaurado e lares, como a Feira do Açaí, o Porto do Sal, os
entregue à população em 2011, que marcam a galpões abandonados do Porto (ampliação da
tendência de mudança de uso desses equipa- Estação das Docas)3 e os edifícios históricos da
mentos (mercados de carne, mercado de peixe Avenida Boulevard Castilhos França, que dá
e feira do Ver-o-Peso) manifesta na concepção acesso a muitos desses equipamentos. De um
do projeto da feira, apresentado em janeiro de modo geral, observa-se que alguns setores da
2016, e nas novas regulamentações sobre a sociedade contam com acesso privilegiado à
criação do “Espaço Gastronômico Cultural da informação, o que tem viabilizado a aquisição
Amazônia” (decreto municipal n. 84.986/2016) de imóveis que necessitam de obras de res-
e sobre operação de feiras e mercados em Be- tauração por grupos seletos de empresários,
lém (decreto municipal n. 84.927/2016). Estas visando a sua adaptação para acomodação de
últimas alteram as formas de concessão e jus- visitantes (pousadas e albergues), restaurantes
tificam a mudança das estruturas físicas dos e bares, que, do ponto de vista físico, tendem a
boxes com base nas exigências de condiciona- não realizar o restauro, mas a criar cenários e,
mento dos alimentos estabelecidas pela Anvi- do ponto de vista social, tendem a promover a
sa. Vale ressaltar que, além de dificultar a ade- gentrificação da área, caindo na contradição de
quação dos antigos feirantes, as novas regula- remover os elementos que compuseram a pai-
mentações rompem com o modus operandi já sagem sociocultural responsável pela ascensão
estabelecido em feiras e mercados da cidade, de Belém como um destino turístico. As Figuras
de exploração dos boxes por famílias há gera- 2 e 3 mostram algumas das áreas/estruturas
ções. Espacialmente, novas soluções tecnológi- citadas para melhor compreensão do entrela-
cas induzem mudanças no modo de operação çamento existente entre espaços monumentais
na feira. Por exemplo, a forma como o box de e de valor históricos e espaços populares na
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Ana Cláudia Duarte Cardoso et al.
Fonte: Figura elaborada por Luna Bilbas, a partir de imagem do Google Earth, 2016.
Terminal hidroviário
Casario (especulação)
Ver-o-Peso corredor gastronômico
Mercado de carnes-quiosques
Portal da Amazônia
Continuação
até a Universidade
Federal do Pará
Fonte: Figura elaborada por Luna Bilbas, a partir de imagem do Google Earth, 2016.
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Quando o projeto disfarça o plano
orla do centro histórico de Belém, e que agora Diante do acervo arquitetônico e da so-
extrapola para a orla do Rio Guamá, tradicio- ciobiodiversidade existente em Belém, são ine-
nalmente ocupada por população de baixa ren- gáveis a vocação e a pertinência da proposta
da e por usos produtivos.4 de torná-la um destino turístico, sob a perspec-
tiva da busca de fortalecimento da competiti-
vidade das cidades no cenário internacional e,
sobretudo, como possibilidade de valorização e
Revelando as distorções sofisticação do saber tradicional e dos recursos
das fórmulas externas da floresta (Silva, 2015). Contudo aspectos re-
lacionados com o exercício da liderança políti-
Vinte anos após a conferência da ONU Habitat, ca promotora do projeto estratégico (o prefeito
em 1996, quando Borja e Castells prepararam carismático)5 ou com as possíveis inovações
um documento sobre como construir o pro- administrativas e práticas de governança com-
tagonismo político de cidades, com base em prometidas com a diversidade e cooperação
exemplos de cidades europeias, norte-ameri- social são fundamentais para a discussão de
canas, asiáticas e sul-americanas consideradas uma concepção do gênero para Belém, para a
bem-sucedidas no enfrentamento da crise eco- construção de mediações necessárias entre as
nômica iniciada nos anos 1970, seus princípios recomendações dos autores catalães e a sua
fundamentam a concepção de cidade que gru- assimilação no contexto paraense, conforme
pos da elite política e econômica local esperam exposto a seguir.
tornar hegemônica em Belém. A localização Borja e Castells (1996) abordam contex-
do mercado em área histórica, constituída por tos metropolitanos, nos quais há concorrência
conjuntos de praças, palácios, igrejas monu- de diversas cores políticas (prefeituras dos
mentais, parque botânico, museus e espaços de municípios constituintes) e necessidade de
consumo adaptados em estruturas históricas ação em diversas áreas de política pública pelo
(antigos galpões portuários), tem contribuído governo local (gestão urbanística, economia,
para a terceira colocação da cidade no ranking segurança, seguridade social), que no caso de
dos destinos turísticos nacionais. Até a primeira Belém estão longe de serem equacionadas. A
metade do século XIX, o atual centro histórico expectativa de melhorar a atuação do governo
abrangia toda a cidade e abrigava espaços po- local através do fomento de parcerias público-
pulares na orla do Guamá e as elites na orla da -privadas em situações de disputa com gover-
Baía do Guajará. A Figura 4 ilustra a distribui- nos nacional e regional, também é relativizada
ção de monumentos (palácios, equipamentos no caso de Belém, metrópole terciária que sem-
públicos, igrejas, conventos, um conjunto de pre sofreu forte impacto das ações federais.
praças monumentais, algumas viabilizadas por Outra inovação política proposta foi
aterros de várzeas e sobre a Baía do Guajará) e a construção de uma identidade coletiva,
destaca os símbolos do poder histórico da elite que Vainer (1999) traduz como patriotismo,
sobre esse território. manifesta em termos concretos na adoção
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Ana Cláudia Duarte Cardoso et al.
Fonte: http://noticias.orm.com.br/praçadarepublica
LEGENDA
Praças
Palácios e palacetes
Igrejas e capelas
Malha urbana
simbólica de zonas de investimentos como re- populações de risco, combate de diversas for-
presentativas do conjunto da cidade e do uso mas de racismo, discriminação social, étnica
de publicidade turística para a atração de in- ou religiosa, xenofobia, etc. (Borja e Castells,
vestidores estrangeiros e parceiros privados. 1996), de sucesso discutível mesmo nos países
Na concepção catalã, admite-se o destaque do Norte, e que, no caso brasileiro, gerou toda
de áreas a serem tratadas de modo excep- uma literatura sobre a espetacularização de ci-
cionalizado, merecedoras de patamares mais dades que sediaram os eventos internacionais
elevados de segurança e qualidade de pro- recentes no País, abordando o impacto sobre
jeto, com áreas objeto de operações urbanas a população local das intervenções públicas e
coordenadas pelo setor público, que articulem privadas realizadas de modo seletivo para ala-
transformação física e ação de reintegração de vancar o turismo.
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Quando o projeto disfarça o plano
O Centro Histórico de Belém passou por inúmeros aterros e intervenções relacionadas aos rios
e várzeas internas. O primeiro aterro aconteceu na metade do século XIX, e deu origem à praça
em frente ao Palácio da Prefeitura e à Doca do Ver-o-Peso. Na virada do século XX o igarapé do
Reduto foi canalizado e a doca do Reduto construída, esta última fechada poucos anos depois com a
construção do Porto de Belém. Nos anos 1970 uma grande macrodrenagem realizada pelo governo
federal viabilizou a construção da Av. Visconde de Souza Franco, que delimita a área protegida como
entorno do centro histórico. Nos anos 1980 a Prefeitura Municipal de Belém e o Governo do Estado
do Pará tomaram empréstimo no Banco Mundial para realizar grande ação de macrodrenagem na
Bacia do Una, distante do Centro Histórico, mas cuja experiência manteve a visão setorial histórica do
saneamento e não previu controle de transformação de uso e ocupação do solo nas áreas afetadas.
Novo contrato com o Banco Mundial foi assinado em 2007, e operado nos mesmos termos, para a
macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova, adjacente ao Centro Histórico, ação que ainda está em
andamento e é casada com a construção do aterro do Portal da Amazônia, entregue em 2012. Cada
ação foi implementada de forma desarticulada em relação à política de gestão do Centro Histórico,
que é tratada como uma zona especial pela Lei Complementar n. 2/1999 que incorporou a regulação
estabelecida por lei específica (Lei n. 7.709/1994), que tombou o Centro Histórico, delimitou sua área
de entorno e estabeleceu incentivos fiscais para a preservação de seus bens imóveis. O Plano Diretor
de Transporte Urbano prevê articulações globais mas não detalha soluções específicas para o Centro
Histórico. Da mesma forma os Planos de Saneamento e Habitação não contam com escalas de atuação
que contemplem o Centro Histórico. Assim foram constituídas lacunas que facilitam a atuação a partir
de projetos, que independem das premissas das políticas urbanas ou instrumentos de gestão em vigor
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Ana Cláudia Duarte Cardoso et al.
municipal na última década procuraram abor- que houve acúmulo de investimentos no de-
dar as orlas da cidade de forma sistêmica, mas correr de décadas e em que muito das provi-
não foram consolidadas como um instrumento sões para suporte à vida já tinham sido garan-
de gestão (Belém, 2004). Apesar disso, a vita- tidos, e a administração pública está prepara-
lidade da região sempre foi mantida, dada a da para atuar de forma inteligente em prol do
localização estratégica para os segmentos po- interesse coletivo.
pulares e ribeirinhos, pouco exigentes quanto O discurso da “cidade criativa” também
à modernização de infraestrutura de portos, foi assumido como slogan publicitário de le-
feiras e espaços em geral. gitimação das intervenções estratégicas em
A continuidade de gestão (reeleição, ex- andamento no centro histórico de Belém. É
tensão de mandato) não tem sido um proble- interessante recuperar que o conceito de cida-
ma, nem o alinhamento político de diferentes des criativas, popularizado por Richard Florida
níveis de governo, e talvez por isso pouco es- (2010), sugere três pilares básicos (3 T’s) para
forço seja feito para potencializar o diálogo construção de uma economia urbana dinâmica:
com a população e construir processos de mo- tecnologia, talento e tolerância. Para o autor,
do coletivo. A gestão local não inova ou apro- estes são conceitos-chave para promover o de-
veita novas tecnologias para potencializar os senvolvimento criativo e inovador, apoiado nu-
canais de comunicação interna, na mesma pro- ma sociedade culturalmente tolerante e diver-
porção que investe nas negociações técnicas e sa. Essa abordagem enxerga o ambiente urba-
comerciais voltadas para a articulação com re- no como nó gerador de energia criativa e pro-
des internacionais (eventos e voos regulares in- dutiva e suas especificidades como elementos
ternacionais). Existem assimetrias de poder na potenciais para dinamização da economia local
sociedade que inviabilizam a ampla discussão e regional. Segundo Furtado e Alves (2012), a
democrática e a construção de um plano estra- combinação entre cidades e criatividade repre-
tégico efetivo e viável, que considere e poten- senta uma estratégia poderosa para a reutiliza-
cialize o potencial do mercado interno. ção dos ativos urbanos (sociais, culturais, natu-
Por vezes, ações de recuperação são rais) em benefício da sua população.
fundamentadas no valor histórico da edifica- No entanto, apesar dos fundamentos po-
ção e não contam com uma proposta firme líticos e da perspectiva progressista do concei-
de uso que articule a intervenção urbanística; to, alguns autores têm questionado as tensões
noutros casos a sofisticação excessiva cria es- presentes entre a forma como as cidades criati-
paços de consumo que tendem a gerar exclu- vas são concebidas nos países do Norte e o que
são social e “disneyficação” (espaços contro- elas realmente se tornam quando o discurso é
lados para turistas). colocado em prática, especialmente no hemis-
As recomendações do documento elabo- fério Sul (Pratt, 2010 e Mendes, 2012). Em mui-
rado pelos catalães, em 1996, são compreen- tos casos, a implantação de planos estratégicos
síveis a partir do contexto que o gerou. Inicia- com esse enfoque resultou em verdadeiros
tivas de flexibilização de práticas clássicas de retrocessos sociais e impactou negativamente
planejamento são plausíveis em contextos em os espaços de intervenção e seus entornos, na
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medida em que renovou estruturas e implantou populares e tradicionais (feira, porto, estivas)
usos que diferenciam áreas urbanas sob a pers- que hoje dão sentido à originalidade do lugar.
pectiva do setor imobiliário. É digno de nota que a crise que motivou a for-
A cidade criativa emerge como possi- mulação da cidade criativa nos países do Norte
bilidade de recomeço para as cidades, após a também transformou a própria cidade em ob-
flexibilização produtiva e a desindustrialização jeto de acumulação, de tal modo que as áreas
generalizada de grandes centros urbanos do requalificadas são facilmente incorporadas co-
mundo capitalista, na década de 1970 (Harvey, mo fronteira de expansão do capital pelo setor
2011). Num contexto de acirramento da com- imobiliário, ampliando as desigualdades socio-
petição interurbana e de ascensão do plane- espaciais históricas.
jamento estratégico e empresarial, as cidades Além das críticas lançadas à ideia de cida-
passaram a buscar novas alternativas para de criativa, há outras nuances em questão quan-
atração e reprodução do capital. No entanto, do se trata de transpor para a cidade periférica
se, de um lado, a abordagem de Richard Flori- abordagens hegemônicas do Norte global.
da enfatiza a relação entre cidade, criatividade Os novos usos e empreendimentos as-
e inovação como estratégia para promover o sociados ao fortalecimento da identidade de
crescimento econômico e a vitalidade urbana e cidade criativa, como os museus e os espaços
a elevação do bem-estar da vida de seus habi- culturais e gastronômicos, são traduzidos como
tantes; de outro, existe também nessa vertente uma intervenção estratégica em uma determi-
a expectativa de tornar a cidade objeto de es- nada área, que acaba se tornando representati-
peculação e de orientar as ações de renovação va do todo em termos simbólicos, para efeito do
urbana em favor do mercado. Essa dinâmica processo de internacionalização. Isso converge
se reproduz de forma mais perversa em paí- para o caráter seletivo que o planejamento es-
ses periféricos, pois nesses contextos os espa- tratégico oferece. Nessa via, o potencial criativo
ços interessantes para o setor imobiliário são genuinamente popular, como é o caso das prá-
mais restritos, criando a necessidade de aber- ticas sociais que se manifestam no Ver-o-Peso,
tura de novas fronteiras. No caso de Belém, o tende a ser apropriado pelas elites locais e usa-
centro histórico surge como uma fronteira de do para intensificar as assimetrias sociais.
acumulação, na medida em que os novos in- Quando observados com mais detalhe,
vestimentos são capturados rapidamente pelo os desdobramentos desse processo nos países
setor imobiliário. Embora essa resposta pos- do Sul global são bastante diferentes dos seus
sa combinar temporariamente os novos usos congêneres, manifestos nos centros irradiado-
(hotéis, bares, restaurantes, museus) à diversi- res do Norte. Na raiz do conceito, há um pres-
dade e à vitalidade da dinâmica sociocultural suposto da existência de um grande potencial
já existente, é muito provável que o resultado de mercado consumidor, que não se aplica ao
final redunde num processo de gentrificação contexto de Belém. Há a exclusão deliberada
e homogeneização do espaço, assim como é de uma parcela significativa da população, que
sintomática a destruição criativa (fenômeno opera no âmbito da economia popular e que
explicado por Shumpeter, 1988) das estruturas domina os saberes, ofícios e modos de fazer
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Fonte:https://www.tripadvisor.com/Boteco_Arsenal.html Fonte:https://imagesapt.apontador-assets.com/fit-
-in/640x480//bar-do-rubao.jpg
836 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 823-844, set/dez 2016
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LEGENDA
01 - Mercado de Peixe
02 - Solar da Beira 06 - Área de estacionamento
03 - Feira do Ver-o-Peso 07 - Docas
04 - Mercado de Carne 08 - Feira do Açaí Complexo Ver-o-Peso
05 - Praça do Pescador 09 - Praça do Relógio Elementos constituintes do Ver-o-Peso
LEGENDA
Complexo Ver-o-Peso
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Quando o projeto disfarça o plano
concorrência por segmentos de economia cria- (CGEE, 2009), novamente, recorrendo, quan-
tiva ou de busca do bem viver, fomentada por do muito, à adaptação seletiva de espaços
investimentos públicos e oferta de qualidade para melhorar a oferta de condições de vida
de vida (Hall, 2014). desse público-alvo, na esteira do processo
Durante a maior parte desse mesmo de produção de novas áreas pelo setor imo-
período (meados dos anos 1970 e anos 1980), biliário, que na última década assumiu tais
houve outro movimento nas cidades dos paí- cidades como locais privilegiados para inves-
ses do Sul, o da concorrência para receber timentos, em face das maiores oportunidade
indústrias clássicas ou para assumir uma po- de acumulação primitiva que estas oferecem,
sição na rede mundial a partir do potencial quando comparadas às metrópoles e cidades
turístico (de lazer, negócios ou eventos) (Hall brasileiras de outras regiões, onde há maior
e Pfeiffer, 2000). No caso de Belém, em um incidência de um espaço intraurbano, e ele é
primeiro momento, observou-se ligeira ação mais organizado (Brasil, 2007).
de industrialização no município vizinho de Nos países do Norte, a redução de es-
Barcarena, criação de distritos industriais que truturas de planejamento, a flexibilização de
não deslancharam em Belém e Ananindeua e normas e a negociação entre setores público
um fortalecimento das atividades de comércio e privado ocorreram em uma correlação de
e serviço decorrentes das ações do grande ca- forças equilibrada pelas formas de organiza-
pital e do Governo Federal, pulverizadas pe- ção social estabelecidas desde a fase indus-
lo interior do estado (Cardoso e Lima, 2015). trial, pelo acúmulo de serviços e infraestru-
Recentemente, as cidades amazônicas têm tura decorrentes de décadas de existência de
pleiteado a instalação de parques de ciência e um estado de bem-estar social (Hall, 1998).
tecnologia, na expectativa de atração de insti- No contexto amazônico, a chegada de novas
tuições e pesquisadores interessados na pes- possibilidades produtivas ou da referência à
quisa de ativos amazônicos (biodiversidade) simplificação da ação de planejamento chega
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sem nenhuma dessas credenciais. Ainda não isso, há de se ter cuidado com a explicitação de
houve mínima estruturação técnica para que seus posicionamentos filosóficos e as formas
a administração pública desenvolvesse as pro- de operação.
postas e se apropriasse dos instrumentos de Diante do exposto, é evidente que exis-
planejamento disponibilizados pela legislação te uma lógica ou um “projeto” para Belém,
federal, passíveis de serem utilizados quando baseada(o) em concepções importadas, que
houvesse interesse de ação coordenada entre não são necessariamente boas ou ruins, mas
os setores público e privado. que, nesse caso particular, conta com a inten-
Observa-se em outras orlas de Belém e ção de distanciamento e ruptura em relação
Ananindeua (orla do Rio Arari, por exemplo; ver às matrizes populares. Contudo, ainda há
Figuras 19 e 20), nas quais o setor imobiliário tempo de reexaminar essa plataforma à luz
vem atuando de modo semelhante ao combati- das recomendações de Santos (1979) sobre as
do no Lago Paranoá (em Brasília), sem que haja necessidades de articulação entre os circuitos
nenhuma atenção ou reclamação. A discussão superior e inferior da economia, para que ha-
colocada de forma muito sedutora para tornar ja desenvolvimento em contextos periféricos,
o centro histórico de Belém um espaço turístico sujeitos às modernizações seletivas, de modo
de apelo internacional afetará todo o perímetro que a internacionalização possível não seja
de orla do município de Belém, para suas mais predatória e ocorra em favor do que é genuí-
de quarenta ilhas, e as tantas orlas das cidades no do urbano amazônico, especialmente da
do interior do Pará, em um efeito dominó. Por sociobiodiversidade.
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Quando o projeto disfarça o plano
Nessa via, é importante destacar um mo- são as iniciativas intensivas em pessoas, tais
vimento constituído por artistas, artesãos, pro- como o Projeto Circular (ver Figura 21), que,
fissionais liberais e estudantes, que busca se ao partir de uma agenda de eventos, constitui
articular à matriz popular através do fomento oportunidade efetiva de aproximação dos cir-
de uma rede de economia solidária e criativa e cuitos superior e inferior da economia urbana,
da valorização da identidade local, com o res- ao dar sentido para aquele que talvez seja o ei-
gate de manifestações tradicionais e culturais. xo central da proposta de cidade criativa para o
É criado um ambiente de “festa”, mas também contexto urbano amazônico: o espaço de tole-
de resistência à “disneyficação” ou transforma- rância, de valorização da diversidade, de parti-
ção do espaço para fins exclusivamente turísti- cipação coletiva, da festa (e não do espetáculo)
cos. Tão importantes quanto as intervenções fí- e da cidade vivida, como lócus de emancipação
sicas, que alimentam a especulação imobiliária, e cidadania.
Fonte: www.projetocircular.com.br
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Ana Cláudia Duarte Cardoso et al.
Espera-se, com esse documento, ter mais defensável, do ponto de vista coletivo:
lançado elementos para aprofundamento do o fortalecimento das formas de apropria-
debate com foco em prioridades, sinergias e ção da paisagem e dos espaços públicos ou
parcerias. O que mais importa, no caso do a mercadificação das orlas e dos espaços
conjunto arquitetônico do Ver-o-Peso, são verdes? Em última análise, para que inves-
as obras físicas ou as estruturas sociais? Ou timentos públicos devem acontecer? Para a
como adicionar camadas técnicas que melho- melhoria da vida cotidiana das pessoas do lu-
rem os usos historicamente bem-sucedidos gar ou para a produção do espaço artificial e
na área em discussão, aproveitando quem espetacularizado de deleite do visitante, sob
já vive e trabalha no lugar, suas experiências o preço da alienação e subordinação de gru-
e capacidade criativa? Além disso, o que é pos sociais locais?
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Quando o projeto disfarça o plano
Notas
(1) Sobre a reportagem alusiva à criação do Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade da
Amazônia, acessar o link h p://www.agenciapara.com.br/no cia.asp?id_ver=118484.
(2) Sobre o título de Cidade Criativa da Gastronomia recebido por Belém, acessar o link http://
g1.globo.com/pa/para/no cia/2015/12/belem-e-eleita-cidade-cria va-da-gastronomia-pela-
unesco.html.
(3) Sobre a revitalização de novos galpões do Porto de Belém com sua integração a equipamentos já
existentes e transformação de uso de prédios históricos próximos, acessar o link h p://www.
diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-365192-helder-lanca-projeto-de-revitalizacao-do-
porto.html.
(4) Todo esse debate também é de interesse para a área existente entre o Portal da Amazônia e
a Cidade Universitária, visto que está em curso, na região, uma ação de macrodrenagem que
duplicará a Avenida. Bernardo Sayão, que conta com uma faixa de áreas da União ocupada com
grandes usos entre a avenida e o rio Guamá, que tenderão a ser subs tuídos por usos mais
nobres silenciosamente se não houver debate público sobre o projeto estratégico subjacente
para toda essa área.
(5) Borja e Castells usam como exemplo de líder empreendedor carismático Pasqual Maragall,
responsável pela modernização de Barcelona para os jogos Olímpicos de 1992, figura polí ca
que ocupou outras comissões importantes na Comunidade Europeia e na Rede Internacional de
Gestores de Regiões e Prefeitos.
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Habitação em centros históricos:
um desafio à integração
das políticas públicas
Housing in historic downtowns: a challenge
to the integration of public policies
Resumo Abstract
O artigo parte do suposto de que a habitação, en- The paper assumes that housing, understood as
tendida como política pública integrada, constitui an integrated public policy, is a key component
um componente central nos processos de reabili- in the rehabilitation process of the central areas
tação das áreas centrais das cidades e, principal- of cities, including their historic downtown. It
mente, de seus centros históricos. Propõe estudar, proposes to study, through the examples of
por meio dos exemplos das cidades de Salvador, no the cities of Salvador, in Brazil, and Porto, in
Brasil, e do Porto, em Portugal, os condicionantes Portugal, the sets of conditions that have enabled
que permitiram estruturar programas ou políticas to structure ongoing public programs or policies,
públicas continuadas, com significativos resulta- with significant results in rehabilitation and
dos nos processos de reabilitação e preservação. preservation processes. Furthermore, the paper
Pretende, ainda, contextualizar as formulações aims to contextualize programmatic formulations
programáticas e os fundamentos conceituais a elas and conceptual foundations associated with them
associados, de forma a compreender a relevância in order to understand the relevance of the urban
das práticas de planejamento urbano que integram planning practices that make up the housing
a questão habitacional, suas formas de articulação issue, their forms of articulation, and impacts on
e impactos nos processos de sociabilidade e de re- processes of sociability and functional revitalization
vitalização funcional dos centros históricos. of historic downtowns.
Palavras-chave: centro histórico; habitação; polí- Keywords: historic downtown; housing; urban
ticas urbanas; revitalização funcional. policies; functional revitalization.
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h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3711
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Habitação em centros históricos
reabilitação, ou revitalização, das áreas cen- que os agentes são efêmeros –, as políticas
trais das cidades. urbanas que se estruturam em ações articula-
Entretanto, outras, e mais raras, experiên- das assumem a política habitacional – ou seja,
cias entendem como determinante o papel das a necessidade de manutenção de uma massa
populações estabelecidas nas áreas centrais, de residentes em situação estável – como um
bem como o fomento de ações de ocupação elemento fundamental para sustentação dos
de espaços residenciais abandonados, nos pro- mecanismos de reabilitação urbana. Assume-se
gramas de reabilitação urbana. Essas práticas, aí a importância da preservação das estruturas
ainda que sob mecanismos operacionais e mé- identitárias, bem como da construção de repre-
todos diversos, assumiram, como estruturante, sentações simbólicas reconhecidas e assimila-
a questão habitacional no âmbito das ações das por um conjunto bem determinado de gru-
programadas de política urbana. A questão ha- pos sociais que possam legitimar, por exemplo,
bitacional, nessas experiências, não se resume as ações de preservação patrimonial e/ou as
apenas à residência, ao morar, mas ao conjunto manifestações culturais coletivas.
de atividades que lhe estão associadas, como Assim, o presente artigo entende que
o trabalho, a produção, o comércio e o lazer – a habitação, como política pública integrada,
enfim, o viver. constitui um componente determinante para os
Entre umas e outras experiências, mais processos de reabilitação das áreas centrais das
do que as diferenças nos detalhes operativos, cidades, especialmente dos centros históricos.
observa-se significativa compreensão de “po- Pretende, assim, analisar, tomando co-
lítica urbana” e até de entendimento do que é mo exemplos dois casos emblemáticos de in-
a “cidade”. tervenção em centros históricos, notadamente,
Por um lado, torna-se explícito o argu- as cidades de Salvador, no Brasil, e do Porto,
mento da “mudança” como fator determinan- em Portugal, os conjuntos de condicionantes
te – mudança que, mesmo não sendo explícita, que, em diversas experiências, permitiram es-
intui-se nos instrumentos de intervenção e que truturar programas ou políticas públicas con-
implica, não raramente, o deslocamento dos tinuadas, com significativos resultados nos
habitantes em determinados locais da cidade. processos de reabilitação e preservação dos
Por outro lado, é relevante a preocupa- centros históricos.
ção de preservação e qualificação de vivências Importa, ainda, contextualizar não ape-
urbanas instaladas, como fator estruturante do nas as formulações programáticas, mas, tam-
processo de reabilitação funcional e espacial bém, os fundamentos conceituais que lhes
das áreas centrais. estão associados, de modo a compreender, em
Entre umas e outras experiências decor- um sentido mais amplo, a relevância das prá-
rem, também, as diferenças, em longo prazo, ticas de planejamento urbano que integram a
do impacto das distintas estratégias. Ao con- questão habitacional e a verificar as formas de
trário das operações de reabilitação urbana articulação e os respectivos resultados nos pro-
pontuais e esporádicas – instituídas de acordo cessos de sociabilidade e revitalização funcio-
com programas de intervenção localizados, em nal dos centros históricos.
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Desse modo, pela análise e avaliação do- a produção do espaço urbano agrega dimen-
cumental e pela verificação local de um conjun- sões estruturantes que não se resumem ao do-
to de experiências inovadoras que precederam mínio espacial, do qual a arquitetura e o urba-
a configuração de políticas de habitação para nismo se apropriaram, muitas vezes, enquanto
os centros históricos nas duas cidades conside- monopólio de conhecimento, nem apenas ao
radas, pretende-se apontar as transformações domínio econômico, como muitas teorias asso-
ou os desenvolvimentos conceituais dos quais ciadas ao “desenvolvimento” e ao “progresso”
resultaram significativas contribuições para a têm enfatizado.
formulação de políticas urbanas que enfrenta- A abordagem dialética dos fenômenos
ram as carências habitacionais, sintomáticas urbanos, no caminho iniciado por Hegel e Marx
das áreas centrais. para a explicação da natureza contraditória das
Além disso, como evidência do oposto, relações sociais e da relação entre indivíduo,
importa também verificar as circunstâncias natureza e sociedade, foi largamente desen-
em que não têm ocorrido as referidas práticas volvida por Quijano, Castells, Lefebvre, Lojkine,
e onde o processo histórico evidencia o desa- Gottdiener e Harvey, entre outros que trouxe-
juste ou a não concretização dos pressupos- ram, para compreensão e explicação das ques-
tos programáticos. tões urbanas, uma complexidade metodológi-
Ainda que se baseando em informações ca e de referenciais analíticos que permitiram
empíricas pouco mensuradas, pretende-se sus- alargar e diversificar o olhar sobre a cidade.
tentar essa proposta analítica com base no A noção de “produção social do espa-
conhecimento dos diversos instrumentos, pro- ço”, na acepção desenvolvida por Lefebvre,
jetos e análises oriundos de várias áreas do co- por exemplo, agrega ao “espaço concebido” –
nhecimento, como a sociologia, a antropologia aquele que o planejamento urbanístico prima
e a geografia, de forma a configurar um qua- por se apropriar – o “espaço vivido” e o “espa-
dro de referência operativo que contribua para ço percebido”. Essa recolocação metodológica,
uma eventual construção de programas de in- fruto de uma aproximação analítica ao processo
tervenção em centros históricos. histórico de “fazer cidade”, induz à noção de
Mesmo não sendo o objetivo da dis- que o espaço contém e está contido, nas rela-
cussão a proposição de políticas de habitação ções sociais, e, por inerência, a sua produção
para os centos históricos, importa estabelecer, associa-se aos mecanismos da reprodução so-
com base na análise das experiências, alguns cial, que, em si, contêm estruturas de múltipla
caminhos de formulação metodológica que per- dependência e influência que incluem as dimen-
mitam, de algum modo, configurar processos sões econômica, política e cultural.
de análise dos impactos das ações implemen- No âmbito dessa abordagem dialética da
tadas e que integrem, pelo menos como com- produção do espaço, este não se constitui como
ponente de avaliação, a questão habitacional. um produto dessas relações, e inter-relações,
Os questionamentos determinantes que mas antes como um processo – de apropriação
envolvem a questão que se pretende sustentar e construção, individual e coletiva – que não se
se relacionam, especialmente, com ideia de que esgota em momentos determinados como uma
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Habitação em centros históricos
construção, mas que se constitui, no cotidiano, criativa e estética, às cidades que se desenha-
como um direito que se conquista – o “direito ram e produziram, sob o manto do capitalismo
à cidade”– nas palavras de Lefebvre. tardio: homogêneas, diferentes, indiferentes,
É no contexto dessa estrutura metodo- sem identidade.
lógica, de análise dos fenômenos e dos fatos Perante essas cidades, brotam as figu-
urbanos, que nos propomos entender a relação ras de cidades outras: que se reclamam nô-
“habitação” e “centros históricos”, não ape- mades, ambíguas, ambivalentes, com espaços
nas no sentido da incorporação de mais uma heterogêneos, mutantes e fraturados, rompi-
dimensão analítica ou programática que se dos e esgarçados.
soma de forma avulsa, mas como uma circuns- Existe uma oscilação de imagens, de
tância unitária enquanto processo de produção conteúdo, ou de substância, entre o legado
do espaço – a produção social do espaço. visível e invisível, expressa na tensão entre a
cidade experimentada fisicamente e a cidade
imaginada em narrativas ficcionadas: aque-
las descritas em Yoknapatawpha, de William
Da produção e reprodução Faulkner; Comala, de Juan Rulfo; Santa Maria,
da cidade; a sociedade de Juan Carlos Onetti; ou Macondo, de Gabriel
urbana e o urbanismo García Márquez.
As cidades contemporâneas contêm, e
Quantas vezes se afirmou, e se escreveu, que geram, os signos da falência da modernidade e
muitas são as cidades que se pode encontrar do capitalismo industrial – fragmentos das an-
em uma cidade? tigas fábricas, pedaços de comércio decadente,
Essa paradoxal justaposição de tempos complexos habitacionais operários e de classe
e espaços, de vivências em diferentes tempo- média degradados, escolas e hospitais públicos
ralidades no mesmo lugar e de distintos espa- dilapidados –, ocultos pela presença e domínio
ços num mesmo momento é motivo para que do pós-moderno sofisticado e pelo asséptico
se questione: como nos posicionarmos para aço, vidro espelhado e viadutos estaiados, que
viver, ao mesmo tempo, a cidade real e a ci- renovam outra nova promessa, sem discursos
dade imaginada? Ainda que todas as cidades, eloquentes, mas com imagens irresistíveis no
historicamente, apresentem uma tensão entre apelo ao imaginário, ao novo.
o visível e o invisível, entre o que se sabe e o Considerando, na acepção de Lefebvre
que se suspeita ou conjectura, o que mudou (2001), que o indivíduo usa o espaço para
com a cidade contemporânea é a complexida- viver de acordo com as condições naturais e
de das experiências que permitem responder históricas específicas, tal circunstância exige
àquela pergunta. definições mais exatas dos níveis de análise, os
Diversas formas de imaginar as cida- quais não devem separar-se nem confundir-se,
des – desde a literatura até o cinema e a mú- mas agregar-se à reflexão. Segundo o autor, é
sica – permitem, mesmo, transgredir os este- possível seguir dois procedimentos, tanto do
reótipos e as narrativas e responder, de forma geral para o específico, quanto partindo do
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Habitação em centros históricos
vulgariza na ideia de que os centros históricos histórico”, abre-se espaço para o surgimento
são, essencialmente, patrimônio, vê-se frequen- de equívocos conceituais que redundam em
temente destituído da dimensão social con- contradições na prática cotidiana.
creta, do cotidiano, relacionando-se com ele, Por um lado, o termo “centro históri-
muitas vezes, de forma conflituosa. Não rara- co” aparece codificado por vários campos
mente, atribui-se a certo uso social da cidade do conhecimento – arquitetura, urbanismo,
o desvirtuamento do patrimônio, acusando-se história, geografia, sociologia, antropologia,
os moradores de não respeitar, não preservar e etnografia –, que tendem a conotá-lo, de for-
não conservar aqueles símbolos da memória e ma abrangente, com o termo patrimônio. Por
da identidade coletiva. Entretanto, são aqueles outro lado, essa generalização conduz mais à
poucos moradores, senão os agentes de sus- representação de alguma coisa do que à coisa,
tentação daqueles modos de vida de que se fa- pois nem sempre esses “centros” são centros
la, pelo menos os resistentes sobreviventes dos históricos enquanto lugares simbólicos.
processos de desestruturação e transformação Se o discurso preponderante é o “retor-
dos centros. no ao centro”, como também já existiu o “re-
Assim, aparentemente, é entre imaginá- torno à cidade” no passado recente, os meca-
rios e representações que se formula grande nismos de construção da narrativa permane-
parte dos discursos, estejam eles orientados cem idênticos: a necessidade de realimentar o
para uma perspectiva mais social, que se re- apelo à cidade, formando marcos referenciais,
fere a hábitos, usos, costumes, tradições e ilusórios ou não, fortalecendo os processos de
modos de vida, ou mais espacial, enaltecendo dominação pela manipulação dos símbolos e
qualidades estéticas, paisagísticas, morfoló- dos valores em torno de interesses econômi-
gicas, construtivas e históricas dos edifícios e cos e políticos concretos. Se, há poucos anos,
dos tecidos urbanos. a imagem da tecnologia, da inovação, da es-
Nessa perspectiva, o retorno aos centros pecialização de serviços compunha a compe-
das cidades comporta uma dimensão alienan- tição entre as cidades globais, atraindo e fa-
te da questão urbana. Por um lado, introduz zendo movimentar o capital global, os centros
uma fratura territorial, muitas vezes geográfi- históricos configuram hoje um nicho, ora com-
ca, isolando o centro e separando-o da cidade; plementar, ora concorrente, nesse renovado
e, por outro lado, faz esquecer a cidade, a sua combate pela hegemonia dos negócios, que
construção, retendo um tempo, passado, ainda sempre se referencia às cidades. O turismo en-
que se desconheça a sua verdadeira dimensão, contra, nesse espaço urbano, especificidades
resumindo-a “àquela” cidade e transformando que só as cidades “tradicionais” – ditas histó-
a “outra” em espaço amorfo do ponto de vista ricas – conservam e que já não se restringem
da geração de valores e significados. aos monumentos, formatando um ambiente,
Com efeito, misturando-se na narrati- ou uma vivência, que agrega atributos histó-
va a cidade e o patrimônio, não que isso seja ricos, gastronômicos, tradições, usos e costu-
uma impossibilidade, mas formulando-se uma mes pitorescos, além de outros eventos desig-
figura retórica de síntese denominada “centro nados como “culturais”.
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Instituir uma dinâmica de produção e re- dinâmica e interdisciplinar dos processos socio-
produção do espaço urbano em um tecido que espaciais, mas, também, a inclusão da “cidade”
já não reunia condições para acolher as ativi- na cidade, em face da fragmentação e da se-
dades econômicas e produtivas dominantes (e, gregação que esta apresentava.
por isso, tinha sido paulatinamente abandona- Poucas experiências em grandes inter-
do) constituía o grande desafio para a susten- venções urbanas foram além de abordagens
tabilidade dos centros históricos. Enquanto o temáticas, embora afetassem áreas extensas
restante da cidade é movido por mecanismos das cidades e com repercussões estruturais re-
de reprodução do capital, e as relações sociais levantes. O patrimônio histórico, ou os centros
orientam-se em torno da satisfação das neces- históricos, constituíram, nesse contexto, tam-
sidades materiais baseadas no valor de troca, bém um tema isolado, ou, de forma perversa,
uma parte da cidade parece querer persistir em o pretexto, ou a imagem de propaganda, para
sobreviver em função do valor de uso fundado abrigar, no seu entorno, outras intervenções
em suposto quadro socioespacial. Essa oposi- que se mostraram inconsequentes no processo
ção de tendências gera desequilíbrios entre a de qualificação do urbano. Ao ponto de os im-
cidade dita autossustentável, de acordo com as pactos mais visíveis se verificarem em um pro-
regras e dinâmicas dos “mercados”, e a cidade cesso de reprodução de modelos formais, e até
que ainda, ou já, não possui os atributos ne- econômicos, por diversas cidades do mundo,
cessários para participar da mesma lógica da em vez de gerarem, localmente, experiências
produção urbana. de extensão de programas ou de renovação
Parece, assim, mais compreensível falar dos modos de fazer cidade.
de patrimônio histórico suportado pelas expe- Um dos elementos-chave para a com-
riências que ocorrem no campo simbólico e das preensão da inconsistência dessas intervenções
representações sociais, amplamente reconheci- de reabilitação urbana em áreas centrais é, pre-
das pelo grupo social, às quais se adere de for- cisamente, a habitação.
ma qualificada, com conhecimento e apropria- Não se trata de ausência do tema na
ção dos valores, identificando as possibilidades equação da estratégia nem, tampouco, de ca-
de construção da memória e da identidade. rência de estudos estatísticos, de dados socioe-
Embora se vislumbrem diversos caminhos conômicos da população, de caracterização da
para a revisão conceitual do patrimônio histó- situação habitacional desses lugares. Entende-
rico, sobretudo no desenho da política do patri- mos que se trata de ausência de entendimento
mônio, a sua discussão fundada em outras pos- sobre o que significa o “habitar”. Em muitos
sibilidades de gestão pode ser identificada no dos posicionamentos sobre a preservação dos
âmbito das experiências urbanísticas dos anos centros históricos, mesmo os mais recentes, a
de 1970 e 1980. Os modelos de “reabilitação participação social, como fator decisivo no fo-
urbana”, então também denominados “requa- mento e consolidação dos valores simbólicos e
lificação urbana”, traziam como proposta, não de uso, é entendida como relação externa aos
apenas a releitura do urbano a partir dos inte- objetos, considerando apenas a dimensão pú-
resses e conflitos instalados e da compreensão blica como campo das práticas de sustentação
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Habitação em centros históricos
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Habitação em centros históricos
urbana, pretendemos explicitar algumas in- como o tecido mais degradado da cidade,
congruências que podem decorrer da imprecisa mas que possuía uma elevada densidade de
leitura do processo histórico. Frequentemente, ocupação dos imóveis que poderiam ser ain-
as propostas e os projetos apoiam-se em “so- da habitados, onde se amontoavam famílias
luções” prontas e dadas, como “coisas” facili- inteiras de baixa renda e de desempregados.
tadoras ou dinamizadoras de práticas coletivas, Tal circunstância decorria de prolongado enfra-
considerando a faceta da vida pública dos indi- quecimento da estrutura produtiva que susten-
víduos. O “envolvimento” social, uma espécie tou a cidade desde o final do século XIX – a
de apelo à participação da sociedade, dá-se pe- indústria – e que se acentuou nas últimas duas
la oferta, ainda que se reconheça a existência décadas da ditadura.
de potencial procura, e, raramente, pela produ- O slogan popular dos primeiros dias da
ção, pela criação, gerada pelos sujeitos. revolução – “casas sim, barracas não” – re-
As experiências de restabelecimento do trata com clareza a situação do alojamento na
uso do espaço público com atividades qualifi- cidade do Porto. Não se tratava de carência
cadas não têm implicado, necessariamente, a de unidades, mas de carência de “dignidade”
reconstituição de práticas, de códigos, de con- nas condições das habitações. A cidade anti-
dutas, que se pressupõem naturais aos sujeitos, ga, ainda não denominada histórica, denota-
como se a “tradição” e a “memória” se perpe- va aquelas características contraditórias: um
tuassem sem a experiência concreta. parque habitacional que, pelo seu estado de
Nem nas casas dos centros históricos das conservação e paulatino abandono, já não
cidades se realiza um viver antigo, aristocrata, correspondia a requisitos de habitabilidade
burguês ou das classes dos mestres de ofícios condigna, e uma população residente, que
e comerciantes; nem nas unidades residenciais sem alternativas se mantinha refém daquela
modernistas se cumpre o padrão funcionalista; condição. Inicialmente o Saal – Serviço Ambu-
em ambas, persistem tentativas de concretizar latório de Apoio Local – e, posteriormente, o
um imaginário, por vezes contraditório com as Cruarb – Comissariado de Renovação Urbana
características daqueles espaços concebidos, da Área da Ribeira/Barredo – estabeleceram
mas buscando, apesar dos conflitos, estabili- uma abordagem, em conjunto com as associa-
zar as referências que determinam certa cen- ções de moradores formadas para esse fim e
tralidade daqueles lugares: o ponto de onde com os proprietários dos imóveis, a qual bus-
se parte e, em algum momento da rotina, se cava a conservação do patrimônio e dos bens
retorna, e, em alguns casos, o lugar de onde culturais, a renovação do ambiente urbano da
já não se sai. área, a reinserção da população residente, a
Aquele poderia ser o retrato do deno- consolidação e desenvolvimento do turismo, a
minado centro histórico da cidade do Porto expansão e renovação da atividade comercial
em 1974, momento em que ocorre a Revolu- e a implementação de uma rede de parcerias
ção dos Cravos. A Ribeira, o Barredo e a Sé, de agentes sociais. A sustentação do realoja-
os bairros que formam o núcleo de formação mento das populações nos imóveis reabilitados
da cidade, apresentavam-se naquele momento dava-se em regime de aluguel apoiado pelo
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município e previdência social, buscando fixar conservação, alguns deles incapazes de aco-
o maior número de famílias nas antigas áreas lher qualquer uso, levando a gestão municipal
de residência, ao mesmo tempo que permitia a reconhecer o fracasso dos mecanismos de
garantir aos proprietários as rendas adequadas mercado na produção e sustentação do espaço
à manutenção daquele patrimônio. urbano. Em 2003, foi criada pelo município a
Se aquele processo se estabeleceu sob Sociedade de Reabilitação Urbana de capitais
a influência dos programas socialistas, que públicos – Porto Vivo – que visava instituir me-
formaram a maior parte dos executivos muni- canismos de financiamento com a participação
cipais desde a revolução de 1974, com a che- de fundos privados de investimento no senti-
gada da gestão municipal neoliberal de 2001 do de configurar atuação em larga escala e,
a 2013, assistiu-se ao desmantelamento da ao mesmo tempo, formatar abordagens mais
política habitacional, não só para o centro his- integradas à questão da reabilitação urbana,
tórico como para a restante da cidade do Porto. considerando os problemas de propriedade,
O argumento assentava no fato de não existir de reinserção de populações, de instalação de
retorno dos investimentos públicos, e, portanto, serviços públicos, sociais e educacionais, de fo-
o “mercado” deveria encontrar os mecanismos mento ao comércio local e de diversificação de
adequados à sustentabilidade, tendo como usos e de utilizadores.
mecanismo de fomento os investimentos em Não sendo perceptível, hoje, o “repovoa-
equipamentos e no espaço público como moto- mento” expressivo do centro, é notória a rever-
res para a geração de incentivos às atividades são do quadro do estado de conservação dos
relacionadas à exploração dos negócios do tu- imóveis em setores específicos, anunciando-se
rismo – lojas de artesanato e de recordações, que só menos de 50% destes se encontram
restaurantes, bares, salas de exposições. em mau estado de conservação, sendo cons-
Apesar do progressivo abandono das po- tatável a reformulação de mecanismos de so-
pulações residentes – porque deixaram de ter ciabilidade entre os diversos sujeitos sociais –
apoio no aluguel social e porque o estado de individuais e coletivos – que permitem mediar
conservação dos imóveis piorava com a ausên- interesses e potenciais conflitos. Reconhece-se
cia de manutenção pelos proprietários e pelo também, ainda que esporadicamente, a rea-
município –, os poucos que permaneceram não propriação pela população da cidade, bem
dificultaram a possibilidade de intervenção em como pelos residentes, do seu centro histórico.
larga escala pelos agentes imobiliários a ponto Entende-se que a mudança está sendo opera-
de inviabilizar a atuação pontual, edifício a edi- da, precisamente, pela reintrodução do tema
fício, que pudesse gerar um cenário de mudan- da habitação nas estratégias de intervenção,
ça apelativo à reocupação do centro histórico embora não sejam ainda claros os mecanismos
por outro “tipo” de moradores. da política pública que irão compensar os dese-
Mas o impasse e a desmobilização do quilíbrios da capacidade financeira dos poten-
setor imobiliário e também o baixo investi- ciais moradores, nem garantir, em médio prazo,
mento público conduziram a um cenário de a viabilidade de conservação dos imóveis hoje
cerca de 75% dos imóveis em mau estado de restaurados. Entretanto, o debate instalado traz
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a questão habitacional como desafio à recons- novos usos – viu-se claramente definida quan-
tituição da política habitacional, estimulando a do apresentou aos moradores as alternativas
realização de estudos que contemplem diver- de serem indenizados e realojados provisoria-
sificadas modalidades de ação, tendo em vis- mente em outro local ou realocados em imóvel
ta integrar mecanismos de financiamento com recuperado, mediante novo contrato de alu-
programas sociais complementares, levando guel. A aparente sedução da indenização para
em conta a estruturação das práticas culturais indivíduos de baixa renda e a forma autoritária
da cidade. como o poder público lidou com as desocupa-
Se é possível identificar nos processos de ções resultaram no abandono do local, por par-
intervenção no centro histórico da cidade do te de residentes, e o residual retorno de alguns
Porto um ciclo, que se inicia com a efetiva par- após as intervenções. A questão habitacional
ticipação da população do centro histórico na não fazia parte da equação do Programa de
formulação dos programas e projetos de inter- Reabilitação do Centro, e as unidades residen-
venção que agregavam a questão da habitação ciais disponíveis após a intervenção entraram
à reabilitação dos imóveis, para além do mode- no circuito do mercado imobiliário, proceden-
lo da cidade turística monofuncional, típico das do-se, assim, à renovação do tecido social do
cidades históricas globais – retoma-se , hoje, a centro histórico. Nesse contexto, a maioria dos
questão da habitação como fator decisivo de novos moradores, comerciantes e outros resi-
sustentabilidade não só do centro, mas de todo dentes não possuía com aquele espaço qual-
o tecido urbano. quer vínculo em relação a vivências anteriores,
Na cidade de Salvador, por contraste, nem participou de forma ativa no processo.
registra-se o ciclo oposto, com impactos tam- O Programa de Recuperação do Centro
bém diversos. A intervenção mais estrutura- Histórico de Salvador não sofreu, ao longo das
da no centro histórico de Salvador, no Brasil, suas seis primeiras etapas, mudanças significa-
inicia-se em 1992, tendo como foco das ações tivas na estratégia de atuação e só em 2002,
a área do Pelourinho e tendo como gestores já na vigência do Programa Monumenta, do
a Conder – Companhia de Desenvolvimento Ministério da Cultura, estabeleceu-se, na deno-
Urbano do Estado da Bahia – e a Sedur – Se- minada sétima etapa, a reavaliação dos proces-
cretaria de Desenvolvimento Urbano do muni- sos e instrumentos de atuação, fruto da consti-
cípio de Salvador. Tratava-se de um Programa tuição de movimento de moradores e da ação
que visava fundamentalmente à criação de do Ministério Público que, entretanto, acusava
um polo de atividade turística, do qual decor- o governo do Estado da Bahia de promover a
ria ampla e sistemática intervenção no edifica- “assepsia social” fomentando a expulsão das
do existente que se encontrava, à época, em famílias residentes.
mau estado de conservação, alojando grupos Assim, a sétima etapa, por meio da
sociais de baixa renda. criação de um Comitê Gestor, revestia-se da
A estratégia adotada – que passava pela intenção de mediar interesses, reverter mé-
desocupação integral dos imóveis por setores todos de intervenção urbana e, fundamental-
e por etapas, sua restauração e adequação a mente, propiciar condições de permanência às
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Em busca do sentimento
da paisagem
In search of landscape feeling
Margareth Afeche Pimenta
Resumo Abstract
Entre aproximações e distanciamentos, o senti- B e t w e e n p r ox i m i t i e s a n d d is t a n c e s , t h e
mento da paisagem ( stimmung ) resulta de um landscape feeling (stimmung) is the result of
longo debate que coloca em questão a racionalida- a long debate about the fi nal rationality of the
de definitiva do mundo. A conflitualidade latente world. The latent conflict between reason and
entre razão e emoção leva Kant a admitir a possi- emotion leads Kant to admit the possibility
bilidade da apreensão suprassensível da natureza. of apprehending nature beyond the sensitive.
Sulzer e Herder alinham-se com ressalvas nessa di- Sulzer and Herder align with caveats in this
reção, reconhecendo a existência de prazer ou ex- direction, recognizing the existence of pleasure
citação, provocados a partir da interação exterior. or excitement caused by external interaction.
Carus, a partir de então, refere-se diretamente ao Carus, from there, refers directly to the landscape
sentimento da paisagem, apoiado em influências feeling, supported by cross-influences of Goethe
cruzadas de Goethe e Humboldt. Este artigo pre- and Humboldt. This article intends to follow this
tende acompanhar essa trajetória de elaboração path of conceptual elaboration, recognizing that
conceitual, reconhecendo à pintura a capacidade painting has the ability to arouse, in Carus, the
de suscitar, em Carus, o estímulo para a apreensão stimulus for the sensitive apprehension of the
sensível do mundo. world.
Palavras-chave: paisagem; sentimento; natureza; Keywords: landscape; feeling; nature; Humboldt;
Humboldt; Carus. Carus.
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h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3712
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um lado como extensão ou pedaço de terra objetividade seria questionada pela capacida-
e, por outro, como representação pictórica de de estupefação da obra pictural, de onde
(FR, 1694,1762,1798,1832-5, 1932-5, 1992; decorre a elaboração do sentimento da paisa-
Féraud, 1788). gem ( stimmung ).
O sufixo age, acrescido então a pays, que Entre aproximações e distanciamentos,
conforma paisagem (paysage), designa, quan- o sentimento da paisagem (stimmung) resulta
do vem depois de um verbo, uma ação; quando desse longo processo histórico que coloca em
colocado depois de um nome de pessoa, um es- questão essa dualidade conflituosa na apreen-
tado; e, depois de um nome de coisa inanima- são do real. Elabora-se a partir das reflexões de
da, uma coleção (Filleron, 2005). Parece haver, Carus sobre a evocação sensível da obra pic-
atualmente, uma inclinação pela última acep- tural. Contemporâneo de Goethe e Humboldt,
ção e a generalização da noção de paisagem pôde ser mandatário de influências cruzadas,
como coletânea de objetos naturais e culturais. mas, contrariamente aos demais, direciona o
Numa época em constante intervenção foco diretamente à paisagem cuja reflexão se
do homem sobre a natureza, em que as técni- desenvolve a partir da obra pictural. A vida
cas se desenvolvem rapidamente, a compreen- mais uma vez imitaria a arte. Dessa associação,
são do mundo estaria associada à objetividade depreende-se a capacidade de fascínio do be-
da observação racionalista. Assim, a paisagem lo, que poderia ser capaz de suscitar interações
como conjunto de objetos seria analisada com emocionais. Stimmung não pode se restringir,
o distanciamento do investigador, em sua ex- no entanto, a algo similar a alguma alteração
terioridade. Ela apareceria, dessa forma, sob e de humor (Oxford Research Encyclopedias,
para o olhar inquisitivo. Não haveria lugar, por- 2015). Seu debate circula entre os diversos sig-
tanto, para um relacionamento variável entre o nificados de “vocação, ressonância, tonalidade,
sujeito e o objeto a ser analisado. Somente no ambiência, acordo afetivo subjetivo ou objeti-
âmbito artístico haveria a permissão à contem- vo” (Richir, 2015). Resulta, no entanto, de um
plação evasiva. embate conceitual que tem por objetivo colo-
O conflito entre conhecimento e intuição car em dúvida a racionalização do mundo. A
perpassaria grande parte da história da filoso- tessitura dessas reflexões modernas apoia-se,
fia, sobretudo alemã, como se pudesse haver, historicamente, sobre a relação que se estabe-
até mesmo, o risco de uma certa perversão lece entre razão e sentimento.
da razão, provocada pela emoção. Uma longa Este artigo pretende acompanhar essa
trajetória de reações e argumentações promo- trajetória de elaboração conceitual, colocan-
ve a diluição de algumas barreiras e mesmo, do em destaque os debates realizados a partir
em alguns momentos, um convívio entre os do século XVII que culminariam, aqui, na ela-
dois termos que pareciam historicamente an- boração do sentimento da paisagem. Numa
tagônicos. A apreensão do real pelo conheci- época em que as contextualizações parecem
mento traz à luz o questionamento do próprio perder ressonância, talvez se tornem ainda
objeto “externo”, então natureza e, com ela, mais necessárias para a construção de um de-
a natureza transformada (Lefebvre, 1974). Sua bate intelectual profícuo, quando se pretende
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humana , que todas as obras e impulsões e literário, mas foi um importante precursor do
todos os membros mecânicos servem volunta- Romanticismo em seu experimentalismo for-
riamente”. Enquanto presença, “essa unidade mal, seu entusiasmo pela cultura popular e o
convergente e animada em nós se chama ima- primitivo, sua aceitação do poder do incons-
ginação”, quando se lhe atribui seu próprio ciente, forças irracionais e, acima de tudo, sua
alcance. “No contexto das forças intelectuais, relação com a experiência individual (ibid.).
espaço e tempo, que parecem existir somente Enquanto Herder erige Sulzer no verdadeiro
para o mundo robusto dos corpos, desapare- mentor de uma verdadeira ciência do sentir,
cem” (Herder, 2013, p. 39). Goethe o considera gestor de uma concepção
Herder exerceu uma enorme influên- moralizadora e insensível da arte (Décultot,
cia sobre a antropologia, geografia, filosofia 2006, p. 106). O debate seguia, portanto, entre
da história, tal qual sua obra Ideen que junta convergências e dissonâncias, elaborando de
muitos assuntos – história natural, história da forma cada vez mais complexa a relação entre
humanidade, literatura, filosofia – sem seguir ideia e sensações.
uma classificação enciclopédica, mas segundo A apreensão do real pela sensação, ela-
o duplo processo de progressão e de antologia borada pela razão, demonstra-se insuficiente
(Pénisson, 1996, p. 63). para responder à elaboração artística. Em uma
Herder, assim como Rousseau, acreditava carta endereçada a Goethe, em 1794, Schiller
que a evolução da civilização tinha alienado a desenvolve a ideia da interação entre intuição
humanidade da natureza – ou seja, da própria e abstração como via de mão dupla (Schiller e
natureza inerente à humanidade e do meio am- Goethe, 1923). Assinala que existe uma tarefa
biente. Ele advogava que as diferentes formas a mais, porque, depois de ter passado da intui-
de arte tiravam sua energia da experiência di- ção concreta à abstração, ter-se-ia que tomar
reta e não da correção das normas impostas, o caminho inverso, “traduzir de novo as ideias
recusando os modelos universais do classicis- abstratas em intuição” e transformar pensa-
mo francês (Hill, 2013, p. 1101). Atribui, como mentos em sentimentos, já que somente “as
os mais importantes autores alemães da época, intuições concretas fornecem a matéria prima à
a primazia à experimentação e ao sensível no produção criadora do gênio” (Herr, 1923, p. 7).
processo de elaboração artística. Entre sentimento, arte e razão vão se
Herder foi o pai intelectual do movimen- desenvolver as primeiras impressões que per-
to romântico Sturm und Drang (Tempestade e mitem posteriores reflexões sobre a paisagem
Paixão) que teve em Goethe sua figura central. como percepção e sensações. Elaboram-se,
O encontro com Herder em Estrasburgo, em portanto, as primeiras ideias da apreensão da
1770, permitiu a Goethe descobrir seu próprio paisagem como preocupação primordial, pole-
potencial como escritor original. O Sturm und mizando entre as expectativas de compreensão
Drang teve curta duração como movimento e os sentimentos suscitados.
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p. 70). De novo, a natureza se manifesta esti- A arte aparece, então, como apogeu da
mulando emoções, por uma relação afetuosa ciência. Torna-se mítica “no verdadeiro sentido
estabelecida com o observador. do termo, ou órfica, como Goethe a qualificou
Carus aceita o romantismo de Schelling, igualmente” (Carus e Friedrich, 1983, p. 103).
Schlegel e Friedrich, visando, no entanto, uma A poesia, que surge anteriormente à pintura
restituição exata do real, pouco compatível da paisagem e que a ultrapassa em termos
com a abordagem subjetiva e mística do uni- de espiritualidade, daria os exemplos “mais
verso. Seria Goethe quem teria alcançado o nobres” às tarefas dos tempos modernos. Nin-
encontro harmonioso entre arte e ciência, ou guém seria, assim, melhor que Goethe para ser
seja, a ”visão poética da natureza com as exi- seguido, já que “através de suas descrições [...]
gências do saber cientifico” (Décultot, 2015). se sente [...] que o poeta tem da natureza des-
Reportando-se aos estudos sobre as nuvens ses fenômenos um conhecimento íntimo e uni-
(longos estudos sobre as leis da atmosfera) versa” (ibid., p. 108). Universalidade esta que
no Terceiro Caderno da Naturwissenschaft poderia ser compreendida em relação tanto à
(Ciências Naturais) e aos seus belos poemas abrangência quanto à generalização a outros
Howard’s Ehrengedächtnis ( Memória de Hon- campos do conhecimento.
ra de Howard ) de Gothe, Carus destaca que a Em sua visão, Goethe teria aberto a via
pureza da vida existe somente em duas situa- à regeneração da paisagem pictórica, o que
ções: 1) no ingênuo estado original, onde o se fundamentava em dois processos de co-
divino indica o que é verdadeiro e justo, sem nhecimento: 1) a decomposição científica dos
necessidade de reflexão; e 2) num estágio fenômenos naturais em conformidade, princi-
mais adiantado da vida quando se descobre palmente, com as leis da geologia e da meteo-
“claramente quais são as relações com Deus rologia; e 2) recomposição da unidade estética
e com o mundo”. Nesse momento, essa “pu- pelo olhar poético do artista (Décultot, 2015).
reza interior, inconsciente dela mesma, recebe Assim, a paisagem deveria representar a “vi-
na vida seu carimbo de clareza e consciência” da da terra”, em sua “diversidade de figuras e
(Carus e Friedrich, 1983, p. 102). Tal dualidade fenômenos variados” (Carus e Friedrich, 1983,
na perfeição interior pode ser imaginada igual- p. 63). A realidade seria, portanto, determi-
mente na arte. nada pelos mecanismos físicos que regem o
Os estudos sobre a formação das nuvens, globo terrestre, sendo insuflada de vida pelas
tal como são oferecidas pela simples intuição formas artísticas. A paisagem torna-se, assim,
sensível, requisitam a inteligência que é fruto geognose, conceito que se desenvolve a partir
exclusivo da pesquisa científica. As passagens do contato com Humboldt, complementando
das nuvens “não são desprovidas de lei”. A os aportes efetuados por Goethe.
visão romântica da paisagem pictural conduz, A natureza considerada racionalmente,
assim, a uma abordagem científica da natu- ou seja, submetida ao pensamento, seria “a
reza, “o que não nega, entretanto, sua matriz unidade na diversidade dos fenômenos, a
subjetiva e poética” (Décultot, 2015). harmonia entre as coisas criadas”, que diferem
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pelas formas, pelas suas constituições e pelas de outra forma, “tudo aquilo onde a natureza
forças que as animam (Humboldt, 1855a, p. 4). se revela conforme sua essência mais íntima”
A natureza não perderia “seu charme e o pres- (ibid. p. 123). O “todo penetrado pelo sopro
tígio de seu poder mágico” na medida em que de vida” (Humboldt, 1855a, p. 4). Por isso, os
se “penetre em seus segredos” (ibid., p. 20). desenhos dos geognosistas são animados de
Descobri-la, portanto, seria a revelação de sua vida interior. O mesmo aconteceria com os tra-
magia, a “influência do mundo exterior” se balhos dos intelectuais, já que a apreciação da
exercendo “sobre a imaginação e o sentimen- beleza depende da formação e do aprendizado
to” (ibid., p. 50). do gosto.
Humboldt desvenda um sentimento de O estudo dos objetos naturais deveria,
natureza, “desenha com palavras, para os também, ensejar um aspecto exterior e um as-
olhos de nossa alma”, inspirando, para Ca- pecto interior; o primeiro daria uma ideia intui-
rus, o “ideal da paisagem artística moderna” tiva do todo, enquanto o segundo apresentaria
(Carus e Friedrich, 1983, p.108). Seria neces- as suas partes. Somente os dois aspectos reuni-
sário, então, precisar o termo paisagem como dos poderiam dar a “ideia completa da essên-
“a representação da vida da terra, a arte da cia geral do objeto natural”. Da mesma forma,
representação da vida da terra (Erdlebenbild, a compreensão do “verdadeiro caráter” de um
Erdlebenbildkunst)”, o que evocaria mais preci- animal não supõe somente “a reprodução iner-
samente seu pensamento (ibid., p. 109). te de seus contornos, mas a apreensão viva do
Todo o objeto na terra, por mais simples, olho do artista”. Também parece impossível
seria um “digno e belo objeto de arte”, desde detectar a verdadeira particularidade de uma
que fosse apreendido com a “alma”, desvelan- montanha, a não ser pela figuração artísti-
do, exatamente, “todo o seu sentido próprio ca, ou seja, “uma paisagem verdadeiramente
e a ideia divina que se esconde nele mesmo” geognósica” (Carus e Friedrich, 1983, p. 136).
(ibid., p. 109). A imagem da vida na terra de- Apreende-se o mundo sensível em seu
veria acolher, não somente a paisagem natural, conjunto, similar ao prazer da contemplação
mas também a vida humana, já que o homem é que se tem, avistando-se a paisagem a partir
o seu “mais belo produto” (ibid., p. 110). de uma montanha. Carus ressalta essa exulta-
Os artistas de “corações puros e leais” ção, quando se intensifica a impressão de con-
deveriam reconhecer o caráter “sagrado” de junto dessa apreciação. Todo estudo verdadei-
tudo o que devem representar (ibid., p. 122). ro da natureza conduziria o homem ao limite
Seria necessário, então, a formação do senti- dos “mistérios superiores” que lhe preenche-
do do artista pela “bela forma”, assim como riam de “um horror o mais sagrado” (Carus e
a formação do gosto no povo. Aproxima-se de Friedrich, 1983, p. 59). Habituando-se a ver nas
seus antecessores, sobretudo de Sulzer, quanto características das montanhas e das nuvens
à necessidade de um processo de elaboração e os estados diversos da totalidade orgânica da
desenvolvimento do gosto. O belo estaria em terra e de sua atmosfera, Carus afirma ter de-
“tudo aquilo que exprime puramente uma es- senvolvido um profundo “respeito pela parti-
sência divina nas coisas naturais”, ou seja, dito cularidade da natureza”, o que lhe conduziria
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para uma pesquisa rigorosa da verdade (ibid., Trazida ao primeiro plano por Carus, a
p. 135). Considera, portanto, como Humboldt, função do gênero paisagístico seria de repre-
que as atividades artísticas e a ciências intera- sentar, então, uma certa tonalidade (stimmung)
gem de forma benéfica. da vida interior, em correspondência com a vida
Os amplos painéis geográficos descritos natural, uma formulação próxima de Schlegel
em Viagem às regiões equinociais do novo em Leçons sur l'art (Décultot, 2015). Schlegel
continente (1845-1862), de Humboldt, pre- segue a visão total da obra que ultrapassa a
tendem o maravilhamento com as particulari- soma dos elementos que a compõem. Detectar
dades naturais, assimilando o olhar inquisidor uma verdadeira característica implica essa pe-
do cientista ao campo artístico (Humboldt e netração da ideia geral que permite à literatura
Bonpland, 1814). Torna-se clara sua intencio- e ao quadro “viver organicamente”. A ideia so-
nalidade em Tableau de la Nature, quando se mente valeria “dentro do espírito de sua épo-
propõe a “contemplar a natureza do alto, colo- ca” (Korinman, 2015). Carus, herdeiro de forte
car em evidência a ação combinada das forças tradição conceitual e afinado com seu tempo,
físicas”, oferecendo, ao “homem sensível”, os destaca a paisagem como objeto de reflexão
prazeres sempre renovados pela “pintura fiel das sensações no processo de conhecimento
das regiões tropicais”(Humboldt, 1850, p. 2; e percepção da realidade que o circunda, mas
grifos nossos). também a própria capacidade da natureza de
Para Humboldt, um estudo da natureza suscitar emoções. A pintura da paisagem, repe-
não seria completo quando não fosse consi- tindo o real, deveria envolver os mesmos senti-
derado o reflexo do mundo exterior no pensa- mentos de uma apreensão imergente. Somente
mento e na imaginação das impressões poéti- um homem alerta, que desenvolveu suas capa-
cas, ou seja, a revelação de um mundo interior cidades, aproximando-se do belo, seria capaz
(Humboldt, 1855b). A pintura da paisagem de captar a interioridade do campo externo.
seria uma descrição animada do mundo, que Um estado poético requereria, portanto, todas
propagaria o estudo da natureza. Ela mostra- as potências da alma para a apreensão da rea-
ria o mundo exterior, mas poderia relacionar o lidade exterior. Ratifica, assim, “a afinidade do
mundo visível ao mundo invisível, dependendo homem com o espírito do mundo” (Carus e
de sua qualidade. Friedrich, 1983, p. 59).
Para compreender a natureza em sua
totalidade, não se poderia reter no fenômeno
exterior, mas seria necessário “fazer entrever Paisagem e arte: identidade
algumas dessas analogias misteriosas e harmo-
nias morais” que o vinculam ao mundo exte-
na busca do sublime
rior, mostrando como a natureza pode envol-
Que ninguém é o igual ao outro, que seja
ver num “véu simbólico que deixava entrever de preferência igual ao Supremo; E de que
imagens graciosas”, como faz eclodir o “nobre maneira? Sendo perfeito em si mesmo.
germe das artes” (Humboldt, 1855b, p. 3). (Ibid., p. 103; grifos nossos)
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Margareth Afeche Pimenta
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Em busca do sentimento da paisagem
da paisagem teria sido o mote de incitação da entanto, são longínquos. De quando em quan-
observação do belo que se interioriza, a partir do, precisa-se negligenciar o presentismo, lem-
da aproximação com a natureza. O eu entraria brando que a elaboração teórica é resultado de
em contato consciente com as sensações, de um longo processo reflexivo. Os conceitos se
onde se depreenderia o sentimento de beleza. reelaboram constantemente. De Kant a Carus,
Carus, entremeando as visões mais passou-se das dúvidas propositivas entre razão
científicas e as mais naturalistas de Goethe e e emoção na apreensão do mundo exterior, até
Humboldt, desenvolve uma percepção original o desenvolvimento da interação entre senti-
de paisagem, que aparece associada direta- mento e ambiente.
mente à alma e ao sentimento. Esse foi um pri- A natureza não existe somente em ex-
meiro passo que seria seguido, posteriormente, terioridade. Interage com o olhar inquisidor. A
por diversas versões controversas e criativas, postura contempladora se responsabiliza pela
o que não é objetivo deste texto desenvolver. indução de diversas sensações. Se os homens
Cabe somente destacar a importância do de- são diferentes, revelam, contudo, uma identi-
bate contraditório como método de formação dade comum na busca daquilo que possuem
conceitual. As novas tecnologias fizeram obli- de divino. Perseguir a perfeição torna-se pos-
terar a duração como elemento fundamental sível no reconhecimento do belo. E daí deriva
da compreensão da realidade. Os conceitos, no a paisagem.
Notas
(1) “Tuit li omne de ciel païs, trestuit apresdrent a venir; Et sancz Lethgiers lis predïat”, extraído de La
Vie de Saint Léger, escrito por volta de 980, publicado por J. Linskill (Paris, 1937). Disponível em:
www.hs-augsburg.de/~harsch/gallica/Chronologie/10siecle/Leger/leg_text.html. Acesso em: 13
fev 2014.
(2) Benedei, monge que teria vivido na Corte de Henrique I, no início do século XII, é autor da
vulgarização da Viagem do Santo Brendan, um poema edificante em octossílabas, traduzido por
Ian Short (Guidot, 2015).
(3) A polêmica com Kant explicita-se em sua obra Kalligone (contre la cri que du jugement de Kant),
publicada em 1800.
(4) Preferiu-se, aqui, o texto em italiano, porque explicita os termos empregados em alemão.
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Margareth Afeche Pimenta
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Artistas de rua:
trabalhadores ou pedintes?
Street performers: workers or beggars?
Bruno Buscariolli
Adele de Toledo Carneiro
Eliane Santos
Resumo Abstract
O presente trabalho apresenta as principais ca- This paper presents the main features of the
racterísticas da interação entre artistas de rua interaction between street performers and the
e o público em diferentes horários, localizações audience at different times, locations, and types
e tipos de arte, utilizando-se do método da ob- of art, using the observation method. The results
servação. Com os resultados, foi possível verifi - enabled us to note relationships among the
car relações entre os códigos observados, como observed codes, such as the spectators’ social
o perfil social dos espectadores e o tipo de arte profile and the kind of art they appreciate and to
que apreciam e a contribuição financeira. Outros which they contribute financially. Other aspects
aspectos que influenciam na interação com o ar- that influence the interaction with the artist are the
tista são a faixa etária do público e a localização age group of the audience and the geographical
geográfica da atuação. A pesquisa evidenciou location of the performance. The research showed
que a performance dos artistas de rua é um fe- that these artists’ performance is a democratic
nômeno democrático, porém de modo geral es- phenomenon but, generally speaking, these
ses profissionais são ainda vistos pela população professionals are still seen by the population as
como pedintes, e não como pessoas de carreira beggars, not as people whose artistic career is
artística em construção. under construction.
Palavras-chave: artistas de rua; performance ar- Keywords: street performers; urban artistic
tística urbana; etnografia urbana. performance; urban ethnography.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 879-898, set/dez 2016
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3713
Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro, Eliane Santos
880 Cad. Metrop., São Paulo, v. 18, n. 37, pp. 879-898, set/dez2016
Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?
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Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro, Eliane Santos
Esse esquema é importante para organizar as apoio de grande diversidade de técnicas para
informações coletadas e contribuir para a cons- levantamento de dados. Entre as mais utiliza-
trução “de um todo coerente”. das, estão entrevistas estruturadas, entrevistas
Para Czarniawska (2007), o método et- com informantes-chave e questionários. Uma
nográfico possibilita compreensões mais am- definição bastante adequada a esse trabalho
plas quanto às atividades realizadas pelos in- é a de Hammersley e Atkinson (1995) sobre o
divíduos no ambiente em que atuam e intera- termo etnografia como método específico, ou
gem. Requer, no entanto, o estabelecimento de grupo de métodos, que requer a presença de
relações entre o pesquisador e o pesquisado, um pesquisador participante no cotidiano dos
palco em que as diferenças e as similaridades observados por um longo período, registrando
de cada um vêm à tona. tudo o que acontece no local e o que é dito pe-
Nesse aspecto, o método contribui na las pessoas próximas.
construção de análises e, também, na compre- Para Godoi, Bandeira-de-Mello e Silva
ensão do fenômeno observado, principalmente (2006), a pesquisa etnográfica é composta por
com base em questionamentos pertinentes ao três momentos fundamentais. O primeiro mo-
meio investigado e da lente teórica do pesqui- mento refere-se à “concepção do campo temá-
sador. Assim, as diferenças e as similaridades tico de estudo”, em que o pesquisador deve co-
encontradas em campo tornam a etnografia nhecer os estudos teóricos já realizados sobre o
uma experiência única ao pesquisador, não po- objeto que será estudado. O segundo momento
dendo ser transferida para um assistente/auxi- é o da “realização do trabalho em campo”.
liar de pesquisa, pois as inferências mais signi- Nesse momento, os autores apontam a impor-
ficativas emergem a partir dessa aproximação tância da observação atenta, tanto aos eventos
entre o pesquisador e o objeto pesquisado. facilmente identificáveis, quanto àqueles que
A importância da convivência entre requerem maior atenção do pesquisador para
o pesquisador e o nativo é justificada por identificação. Por fim, a fase de “elaboração
Malinowski como oportunidade de aproxi- do texto etnográfico”, que tem como objetivo
mação da cultura do outro. Dessa forma, o narrar de forma minuciosa as percepções do
pesquisador deixa de ser visto como um estra- pesquisador quanto ao objeto pesquisado, bem
nho e como elemento perturbador diante do como suas reflexões e análises dos resultados à
grupo pesquisado, tornando possível captar luz de um referencial teórico.
percepções, memórias, crenças, experiências Esse método de pesquisa também apre-
e costumes. senta dificuldades, muitas vezes intranspo-
Um dos meios mais utilizados para a níveis. Como discute Van Maanen (1979), as
realização das etnografias é a observação par- observações em campo podem apresentar in-
ticipante, porém outras abordagens, como a formações empíricas bastante variadas, cujas
observação não participante, também são utili- causas são difíceis de identificar e podem gerar
zadas. Sobre a teoria dos estudos etnográficos, barreiras para os pesquisadores, no que se re-
Sanday (1979) aponta que a observação parti- fere tanto às informações levantadas empirica-
cipante em estudos etnográficos conta com o mente quanto à utilização do método teórico
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Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?
mais adequado para analisar essas observa- importante sobre esse tipo de trabalho é como
ções. Além dos aspectos conceituais, existem garantir que os aspectos textuais entre diferen-
aspectos práticos que podem dificultar a rea- tes pesquisas etnográficas seja o mesmo. Essa
lização de uma etnografia, como o acesso ao questão é fundamental para a textualidade e
fenômeno que se busca estudar, o acesso ao lo- veracidade dos fatos e dos textos etnográficos.
cal, o contato ou a falta de confiança dos infor-
mantes e o tempo necessário para a ocorrência
do fenômeno a ser estudado. Metodologia
A elaboração de um estudo etnográfico
exige que o pesquisador considere a oralidade O método de pesquisa utilizado neste traba-
das pessoas observadas ou entrevistadas, por lho é a etnografia. Trata-se de uma abordagem
meio da descrição das falas dos indivíduos en- bastante adequada à investigação sobre os ar-
trevistados, sem intervir ou realizar julgamen- tistas de rua e à interação deles com o público,
tos no que se está observando. Esse procedi- apesar de não ser a única possível. A coleta de
mento de registro do discurso oral dos indiví- informações ocorreu entre os meses de março
duos estudados deve sofrer o mínimo possível e maio de 2015. Nela, quatro pesquisadores
de influência do pesquisador, pois os detalhes e utilizaram técnicas de observação e elabora-
as peculiaridades das diferentes formas de co- ram notas de campo e o posterior arquivo das
municação também apresentam características principais informações coletadas. Para a análise
que podem ser relevantes para a análise poste- dos dados, foram utilizados o processo de codi-
rior. Segundo Flores-Pereira e Cavedon (2009), ficação e a categorização, tendo como base as
em uma pesquisa etnográfica, o pesquisador técnicas da teoria fundamentada.
deve considerar o significado das narrativas É possível encontrar artistas de rua em
dos indivíduos observados, uma vez que, du- praticamente todos os dias da semana em ci-
rante a realização desse tipo de pesquisa, exis- dades grandes, não somente em performance,
te um relativo conflito entre a cultura própria mas também divulgando o próprio trabalho. No
e a cultura investigada, e as diferentes pers- caso de São Paulo, a lei municipal n. 15.776 de
pectivas não devem se misturar. A observação 2013 regulou a apresentação desses artistas,
deve ser livre de julgamentos ou de conclusões permitindo, inclusive, a venda de produtos de
antecipadas sobre o fenômeno observado. sua autoria nas ruas. Além disso, desde 2012
Como afirma Van Maanen (2006), as evi- está disponível o site “Artistas na Rua”3 que,
dências que resultam da pesquisa etnográfica, com o auxílio da empresa de turismo de São
assim como o estilo e a interpretação delas, Paulo (SpTuris), divulga o horário, os locais de
apresentaram mudanças ao longo do tempo, apresentação e outras informações sobre cada
mas as descobertas e a abordagem de qual- artista cadastrado.
quer trabalho ainda continuam relacionadas Foi, a partir desse site, que o grupo de
diretamente com os argumentos presentes em pesquisa selecionou a maior parte dos artistas
algum texto e referenciados a aspectos narra- observados. Em um primeiro momento, as ob-
tivos específicos e não gerais. Uma discussão servações se concentraram na avenida Paulista,
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Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro, Eliane Santos
no bairro Cerqueira César em São Paulo, em de uma vez, por diferentes pesquisadores. Es-
função da facilidade de acesso. Entretanto, ao sa prática é considerada válida pela pesquisa,
perceber pouca variedade nos relatos, os pes- porque, ainda que seja o mesmo profissional, a
quisadores decidiram realizar as observações performance poderia ser diferente, em função
em outros locais, abrangendo não apenas a re- de fatores internos e externos.
gião central de São Paulo, mas também regiões Foram observadas, ao todo, 44 artistas,
populosas das cidades de Belo Horizonte e Em- totalizando 37 artistas solo e 7 artistas em
bu das Artes. Com esse aumento de abrangên- conjunto, tanto em dupla como em grupos nu-
cia, o grupo conseguiu maior diversidade de in- merosos. A maioria das performances observa-
formações sobre os artistas e sobre a interação das era de musical (ao todo, 28 observações),
deles com o público. mas também foram realizadas observações
Foram realizadas 102 horas de obser- sobre pinturas (3 observações), dança (4 ob-
vação de performances de artistas de rua ao servações), artes cênicas, como estátuas vivas
vivo. Nas três cidades, procurou-se realizar as (5 observações), e outras designações, como
observações de pesquisa em locais movimen- malabarismos, mágicos e entretenimentos ao
tados e, na maioria das vezes, já previamente vivo (8 observações). Sobre estes últimos, hou-
mapeados por meio da internet. Houve, entre- ve dúvida quanto à consideração deles como
tanto, observações realizadas sem planejamen- artistas, isto é, como profissionais de arte. En-
to, iniciadas quando algum dos pesquisadores tretanto, foram incluídos no conjunto de dados
encontrou, por casualidade, um artista de rua para a pesquisa não só por estarem na rua,
exercendo a arte. mas por apresentarem também características
As observações não seguiram roteiro peculiares de artistas desses locais: improvisos
preestabelecido, o que possibilitou uma aná- e um nível mínimo de preparo ao oferecerem
lise primária geral e abrangente de diversos entretenimento ao público transeunte.
aspectos. A forma de elaboração das notas de As observações, de forma mais direta ou
campo ficou a critério de cada pesquisador, indireta, contribuíram para uma mudança da
sendo utilizadas anotações diretas à mão ou atitude de grande parte dos artistas: em vários
narração com gravadores. O conteúdo dos rela- casos, os artistas modificavam a maneira de
tórios também não seguiu um ritual específico, atuar quando notavam a presença constante
contendo, assim, tudo o que os observadores do observador, possivelmente para impressio-
tiveram alcance no momento da observação e, nar ou arrecadar mais dinheiro. Dessa manei-
por isso, foram redigidos em caráter confessio- ra, ainda que seja um limite de pesquisa, essa
nal. Ao todo, foram escritos 39 diários, cada um influência foi considerada metodologicamente
associado a um exercício de observação junto a aceitável durante a descrição dos acontecimen-
artistas de rua, atuando sozinhos ou acompa- tos e na redação dos diários de campo.
nhados. Cada relatório correspondeu em média Após a condução de aproximadamen-
a 3 horas de observação em campo. te vinte observações, foi feito o exercício de
No total, foram observadas 48 apresen- codificação dos relatórios produzidos. A co-
tações, sendo alguns artistas observados mais dificação representou uma releitura dessas
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Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?
observações, buscando encontrar, a partir de interação dos artistas com o público caracteri-
fatos relevantes e em comum, palavras-chave zado no ambiente.
que definissem os fenômenos observados. Dessa forma, os relatórios especificavam
Trata-se de um amplo processo de reanálise: o público presente no ambiente, ou seja, des-
primeiramente selecionando temas primários crevia as pessoas que estavam passando pelo
em comum para, em seguida, elencar grandes local no momento da apresentação e aquelas
temas, que seriam associados aos trechos dos que, além disso, interagiam de alguma forma
relatórios de pesquisa. com o artista. A forma de interação poderia ser
Ao observar as anotações obtidas após negativa, demonstrando reprovação, indiferen-
as primeiras observações, foram percebidos al- te (maioria absoluta dos casos) ou amistosa
guns elementos frequentes e comuns a todos e simpática. Esta última foi a mais detalhada,
os relatórios. A partir dessas recorrências, o pois frequentemente implicava a contribuição
grupo formou códigos de análise para a gene- financeira do espectador. Nem toda relação po-
ralização dos dados, fundamentais para a aná- sitiva era acompanhada de contribuição em di-
lise do fenômeno como um todo. Durante a co- nheiro para o artista como “pagamento” pela
dificação, notou-se a preocupação inicialmente apreciação da sua arte.
em percepções sobre o artista e na descrição Assim, de maneira geral, a partir dos re-
da arte. Foram relatadas características físicas, latórios de campo foram extraídos os códigos
como idade, gênero e vestuário. Foram também principais que direcionaram a análise da pes-
descritos a maneira como o artista conduzia a quisa: “Artista”, “Arte”, “Ambiente”, “Público”
arte, o tipo de arte executada, a infraestrutura e “Interação”. Junto às dimensões de cada có-
(ou a falta dela) para a apresentação, o nível de digo, foi possível estabelecer as relações entre
profissionalização ou experiência com a condu- as variáveis da pesquisa.
ção da performance, entre outros. O grupo teve como base as categorias
Houve ainda uma preocupação em rela- expostas no Quadro 1, que orientaram as co-
tar o ambiente da apresentação observada, ou dificações mais frequentes nas observações dos
seja, quais os locais escolhidos, se eram movi- artistas em campo. Conforme exposto no qua-
mentados e propícios para a arte em execução dro, os relatórios foram divididos em grandes
e, até mesmo, detalhes, como horário, clima e categorias e subcategorias para especificar as
fluxos de pessoas. Outro elemento muito re- dimensões e os níveis de variação.
corrente nos relatórios diz respeito as pessoas A partir da formação dos códigos, foi es-
que passavam próximo ao artista durante a tabelecido, sempre com base na frequência dos
apresentação, além da descrição desse público: acontecimentos, relações entre essas variáveis,
idade, gênero, vestuário, se estavam em horário para elaboração de uma teoria sobre as apre-
de trabalho ou não. A partir dessas considera- sentações dos artistas de rua e suas respectivas
ções, foram percebidas notas de campo sobre a interações com o público.
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Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro, Eliane Santos
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Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro, Eliane Santos
exposição ao ambiente. Uma inferência possí- Art. 2º: Compreendem-se como ativida-
vel é que os artistas do gênero masculino são des culturais de artistas de rua, dentre
menos suscetíveis a violência física ou abusos, outras, o teatro, a dança individual ou
em grupo, a capoeira, a mímica, as ar-
e essa é uma possível razão para a grande desi-
tes plásticas, o malabarismo ou outra
gualdade de gênero observada. Nos relatos, as atividade circense, a música, o folclore,
mulheres observadas demonstraram um com- a literatura e a poesia declamada ou em
portamento mais tímido do que os homens. exposição física das obras.
A única exceção foi a cantora Rocio, que se
apresenta na avenida Paulista, e foi observada Embora os pesquisadores tenham rea-
em duas ocasiões diferentes, porém em compa- lizado esforços para explorar todas as formas
nhia de um saxofonista. A artista mostrou-se de arte disponíveis nas ruas, a maioria absolu-
bastante experiente e comunicativa, procuran- ta de observações foi de apresentações musi-
do constantemente o contato com público, ao cais. Foram observados tanto artistas atuando
contrário das demais mulheres observadas, que sozinhos quanto em conjunto. Essa forma de
se apresentavam de maneira coadjuvante no arte não é realizada apenas por cantores, mas
acompanhamento de artistas homens. também por instrumentistas como relatado na
Em relação ao vestuário, o caso que mais dupla de percussionistas na avenida Paulista.
chamou a atenção dos pesquisadores foi o de Uma possível explicação para o grande número
um menino malabarista em faróis da cidade de artistas de rua dedicados à música é a me-
de Belo Horizonte. Diferentemente de outros lhor aceitação pelo público dessa forma de arte
profissionais que trocavam de roupa e vestiam como atração gratuita.
algum tipo de fantasia ou roupa estilizada, o Uma das grandes questões levantadas
malabarista mirim transformou-se, para a sua pela pesquisa é a importância do nível de
performance, em um “morador de rua”, pos- profissionalização dos artistas. Essa questão
sivelmente um meio de aumentar a arrecada- foi suscitada pelo contraste entre a qualida-
ção dos motoristas que passavam pela rua. de das apresentações dos artistas. Em várias
Ao acompanhá-lo até o fim da apresentação, observações, os artistas demonstravam bas-
foi possível notar que as roupas puídas eram tante experiência e habilidade nas tarefas que
a “fantasia”, pois, ao finalizar as atividades, desempenhavam. Muitos são relativamente
ele dirigiu-se a uma rua próxima para vestir famosos em redes sociais e reconhecidos pelo
roupas casuais e em bom estado que trazia em público, como por exemplo o cantor e guitar-
uma mochila. rista William Lee. No entanto, em alguns ca-
sos curiosos, os protagonistas desempenha-
Arte vam performances teatrais que atraíam uma
grande quantidade de pessoas e demoravam
O artigo segundo da lei municipal n. 15.776, bastante até atingirem o ápice da exibição, ou
que legaliza o trabalho dos artistas nas ruas de seja, o momento em que o artista realmente
São Paulo, define esse fenômeno de forma rela- realiza alguma tarefa que mereça a atenção
tivamente abrangente: do público.
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Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?
A atuação de um artista que realiza sal- que segura o círculo de facas aumenta os
tos acrobáticos na Praça da Sé, em São Paulo, gritos de desafio, e o homem finalmente
pula pelo círculo de facas, aterrissando
é um bom exemplo desse tipo de apresentação.
com uma cambalhota do outro lado. A
O protagonista atuava inicialmente sozinho,
conclusão da performance traz euforia
porém, ao longo de sua apresentação, uma mu- a muitos que o observam, muitos gritos
lher passou a ajudá-lo, e tinha uma aparência e aplausos se seguem à apresentação. O
pitoresca. Ele se apresentava com roupas apa- homem abre os braços e agradece ao pú-
blico. Alguns se aproximam para abraçá-
rentemente sujas, sem camisa nem sapatos e
-lo e tocá-lo. Ele tira algumas facas do
com o cabelo despenteado. Faltavam-lhe diver-
círculo de facas e introduz novamente
sos dentes. À sua frente, havia um arco de me- no nariz. Nesse momento, a mulher que
tal apoiado na vertical sobre um pedestal com o acompanha pega uma sacolinha de
facas de cozinha apontadas para o centro. Ele pano e passa no meio dos observadores
pedindo dinheiro, e a grande maioria das
chamava as pessoas ao seu redor anunciando o
pessoas deposita alguma coisa para o ho-
tempo todo que, a qualquer momento, ele iria
mem, moedas e notas de pequeno valor.
pular e atravessar o obstáculo. Entretanto, o ar-
tista demorava muito mais tempo para entreter Outro exemplo desse estilo de apresenta-
o público e atiçá-lo pela curiosidade sobre qual ção é o do grupo de mágicos no centro de São
seria o final da sua apresentação. Conforme o Paulo. Nesse caso, três homens se revezavam
diário de campo, pode-se perceber a demora para atrair o máximo possível de pessoas ao
em concluir uma apresentação aparentemente redor do palco improvisado, executando tru-
simples, mas o quanto isto atrai e causa euforia ques de ilusionismo. Somente um deles parecia
no público espectador: realmente ser experiente com as performances,
cuja apresentação era o clímax do grupo e res-
Os gritos dos observadores começam a ponsável pela grande concentração do público.
aumentar, mais pessoas gritam para in- A apresentação do grupo era cíclica; o artista
centivar o artista, alguns gritam para de-
habilidoso se revezava com os outros dois me-
safiá-lo, outros gritam para que ele com-
plete logo o espetáculo por já estarem nos experientes para atrair a massa durante
cansados de esperar. O homem pede mais a “troca” de plateia, já que, passado algum
espaço, pede para os observadores darem tempo, o grupo repetiria os mesmos truques
um passo atrás. Ele pega novamente uma de mágica. Assim como o artista que pulava as
faca e introduz no nariz, fazendo caretas
facas, os mágicos demoravam bastante tempo
e movimentos amplos e espalhafatosos.
Tira a faca do nariz e se posiciona como nas suas performances, aproveitando ao máxi-
se fosse saltar. O homem já está a 10 mi- mo a curiosidade do público para o desfecho
nutos posicionado como se fosse saltar, e da apresentação.
o público demonstra impaciência. Alguns Assim, ainda que esses artistas “sensa-
vão embora, e outros que estão passando
cionalistas” apresentem uma profissionaliza-
se aproximam. Nesse momento, atinge-
-se o número máximo de espectadores
ção adaptada, principalmente se comparada
desde o início do relato, aproximadamen- aos artistas mais experientes, eles conseguiam
te 25 pessoas cercam o artista. A mulher atrair uma enorme quantidade de espectadores.
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Muitas vezes, os artistas mais populares conse- Ao voltar às atividades, o imitador de El-
guiam públicos significativamente maiores que vis deixou de lado as músicas clássicas do
Rei do Rock e passou a tocar algumas mú-
os músicos de alto nível de profissionalização
sicas populares, que tocam com frequên-
e grande qualidade de execução técnica. Des-
cia nas rádios e que têm grande apelo
sa maneira, pode-se inferir que, no fenômeno popular. As músicas sertanejas passaram
dos artistas de rua, o nível de profissionaliza- a dominar o repertório do artista. Junta-
ção não interfere necessariamente no aumento mente com as letras, o artista incorporava
as danças típicas. Aparentemente, com
da audiência e, consequentemente, na maior
essas músicas populares as pessoas fica-
arrecadação financeira. Essas evidências tam-
ram mais interessadas na apresentação
bém trazem dúvidas sobre a definição do que ou mesmo dedicavam maior atenção ao
é ser um artista profissional. Se, por definição, a artista. Percebe-se que algumas pessoas
profissionalização implica a habilidade, na ex- até dançavam as músicas cantadas por
ele, alguns de maneira mais tímida e ou-
periência e na arte como meio de subsistência
tros de maneira mais ousada, geralmente
do indivíduo, esses artistas podem ser conside-
garotas jovens em grupo.
rados profissionais, embora a sua arte não seja
compreendida dessa forma pelo público. Essas Apesar de a maioria dos artistas observa-
performances não somente são consideradas dos utilizar essa estratégia de chamar a aten-
amadoras, como os artistas são popularmente ção, foram relatados alguns que não realiza-
definidos como “loucos”, conforme os comen- vam nenhum esforço para se comunicar com o
tários de algumas pessoas do público anotados público. Eles tinham orientação exclusiva para
nos diários de campo. a própria performance e execução e, mesmo
A última consideração sobre a catego- assim, muitos conseguiam arrecadar tanto di-
ria “Arte” envolve a tendência de os artistas nheiro quanto os artistas de comportamento
de rua dirigir sua atenção para o público, in- proativo. Em resumo, esse fenômeno evidencia
teragindo constantemente com as pessoas no uma das observações mais relevantes deste
intuito de ter maior audiência. Em uma leitura trabalho: a comunicação verbal direta com o
preliminar, pareceu óbvio encontrar a causali- público utilizada por vários artistas tem uma
dade para esses aspectos: interagir com o má- contrapartida negativa. O ato de pedir uma
ximo de carisma para arrecadar o máximo pos- contribuição em dinheiro reforça uma percep-
sível de dinheiro. Um exemplo dessa atuação ção comum nos relatos de que esses trabalha-
foi o imitador de Elvis Presley que se apresenta dores são pedintes e não artistas de fato.
na avenida Paulista. Em um certo momento da
apresentação, ele modifica o repertório exclu- Ambiente
sivo de músicas do Rei do Rock para cantar
músicas mais populares, como a música Cama- Todos os ambientes das apresentações obser-
ro Amarelo da dupla Munhoz e Mariano, para vadas eram locais bastante movimentados, so-
chamar a atenção das pessoas que passavam bretudo as regiões centrais das cidades. Muitas
no local. Conforme descrito no relatório: das vias, como por exemplo a avenida Paulista,
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Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?
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Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?
onde as pessoas tinham dificuldade de se afas- Além do público mais jovem, as opiniões
tar do som dos artistas e eram obrigadas a ou- e os gestos mais amistosos foram observados
vir a apresentação contra a própria vontade. nos horários noturnos, conforme já menciona-
Para identificar a opinião do público com do no tema ambiente. Na apresentação de uma
relação aos artistas, era muito mais fácil para dupla musical na avenida Paulista por volta
os pesquisadores avaliar as pessoas e os tran- das 19h, os artistas pareciam apresentar-se em
seuntes que estavam acompanhados, pois eles um show aberto, algo semelhante a um happy
expressavam, aos seus pares, suas opiniões a hour, já que grande parte dos espectadores es-
respeito da arte, verbal e gestualmente. Esses tava conversando em rodas de amigos e como
casos foram fundamentais para a identifi- se estivesse em um bar. Eram também nessas
cação de interações muito amistosas e muito ocasiões que os artistas mais aproveitavam
negativas do público em relação aos artistas. para divulgar o seu trabalho, geralmente ven-
As reações das pessoas mais idosas, em sua dendo produtos da sua arte. Esta é uma prática
maioria de reprovação, foram percebidas dessa recentemente regularizada pela lei dos artistas
maneira, ao afirmarem umas para as outras de rua, conforme o artigo terceiro:
sobre a hipótese de que os artistas tinham
demasiado tempo ocioso ou mesmo que eles Art. 3º Durante a atividade ou evento,
fica permitida a comercialização de bens
deveriam procurar algum outro tipo de traba-
culturais duráveis como CDs, DVDs, li-
lho ou ocupação mais útil. Conforme descrito vros, quadros e peças artesanais, desde
no Relatório 18: que sejam de autoria do artista ou do
grupo de artistas de rua em apresenta-
No meio da observação, entrei na droga- ção e que sejam observadas as normas
ria bem na frente da apresentação dos que regem a matéria. 4
artistas para comprar um medicamento.
A atendente me disse boa tarde e me A venda desses produtos era, na maioria
perguntou o que eu desejava. Mostrei a
dos casos, a maior fonte de renda nas apresen-
receita, e ela pediu licença para ir buscar
o medicamento. Enquanto ela anotava tações dos artistas de rua, não somente com
os códigos dos remédios que eu ia com- produtos físicos como CD´s e pinturas, mas
prar, ela comentou com a farmacêutica também na divulgação de cartões para even-
do lugar: tos. Constatou-se que, embora muitos artistas
– Aí, trabalhar com esse barulho tá di-
pedissem contribuições financeiras ao públi-
fícil hein... Esses caras não têm o que
fazer não? co durante a sua performance com uma caixa
A farmacêutica parecendo concordar com ou um chapéu destinado para a arrecadação,
a atendente, somente comenta: grande parte da renda deles era originada da
– “Batucada, né?” venda de produtos. O fenômeno dos artistas na
Na fila para o pagamento, percebo que as
rua mostrou-se como uma “amostra grátis” ou
pessoas que esperam junto a mim tam-
bém ficam observando os artistas, mas propaganda de seus trabalhos, que poderiam
não mostram nenhuma reação. ser contratados futuramente.
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Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro, Eliane Santos
Um último ponto observado pelos pes- questões envolvendo a “Arte” e /ou o “Ambien-
quisadores no que se refere à categoria “Pú- te” também estão presentes.
blico” tem relação com aparente classe econô- Ao final das observações e das análises,
mica e social. É importante relatar a existência constatou-se que a maioria do público tem uma
de uma relação de identidade entre o público reação indiferente quanto às performances dos
que aparenta ter menor renda e o artista que artistas de rua. É possível supor que isso se de-
expõe as histórias pessoais de vida e de difi- va, em parte, ao fato de os artistas de rua se
culdades. É bastante relevante o fato de que apresentarem regularmente nos mesmos locais,
é o público com perfil mais simples que mais ambientes em que o público também frequenta
contribui financeiramente com o fenômeno diariamente. A partir dessa constatação, as ob-
“artistas de rua”, isto é, dá contribuições pe- servações dos pesquisadores concentraram-se
las performances ao vivo desses profissionais. nas pessoas que tinham alguma reação obser-
Foi observada, inclusive, a participação ativa vável, fosse ela positiva ou negativa, sobre as
de moradores de rua, que pareciam desfrutar apresentações dos artistas.
das apresentações, por se tratar de uns dos A interação entre artista e público ocor-
poucos entretenimentos disponíveis gratuita- ria de diversas maneiras, algumas mais explí-
mente na cidade. Os artistas de rua, por sua citas, como no caso da dupla de cantores da
vez, pareciam bastante familiares com esse avenida Paulista, que saía de seus locais de
tipo de público, até mesmo mantendo conver- performance e ia falar pessoalmente com pes-
sas com eles. soas que a assistiam, ou na movimentação e no
Em contrapartida, além dos mais idosos, oferecimento de flores de uma estátua viva ao
o público que teve mais atitudes de reprovação receber alguma contribuição em dinheiro. En-
foi o as pessoas que aparentava ter maiores tretanto, ao final das análises, foram relatadas
níveis de renda, considerando, dentre outros, várias ocasiões em que o comportamento ativo
seu vestuário. Além de não contribuírem fi- por parte do artista não resultou em maior ar-
nanceiramente, muitos mostravam desaprovar, recadação de dinheiro. Foi possível observar ar-
verbal ou gestualmente, a atitude de se apre- tistas bastante introvertidos, inclusive músicos,
sentar nas ruas, gratuitamente e em horário que recebiam muitas contribuições financeiras
comercial. Dessa maneira, além de possuir uma do público devido à admiração pela performan-
relação direta com o local de performance do ce. As reações tímidas dos artistas eram nítidas
artista, a renda do público também possui uma até nos agradecimentos pelas “gorjetas” re-
relação com o tipo de arte apresentada pelos cebidas. Em alguns momentos, a falta de uma
artistas na rua. expressão mais clara era compreendida como
ingratidão por parte do público que contribuía.
Interação A passagem a seguir exemplifica essas reações:
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Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?
alguns espectadores, o artista não esbo- divulgação de fotos e vídeos realizados durante
çava nenhum gesto ou palavra de agra- as apresentações. Dessa maneira, a interação
decimento. Muitas vezes, as gorjetas eram
virtual demonstrou ser uma estratégia bastante
depositadas com bastante frequência e
utilizada para a divulgação dos trabalhos dos
rapidez, e o artista nem tinha tempo de
olhar para todos que contribuíam. Isso artistas de rua.
não aparentava ser desconsideração, mas Em relação à percepção do público sobre
uma característica da performance, pois as dificuldades enfrentadas pelos artistas de
em alguns momentos tocava de olhos
rua, as pessoas aparentemente mais humildes
fechados ou concentrado na execução da
música. Ainda assim, era possível perce- eram as que mais contribuíam financeiramente
ber um leve sinal de desaprovação ou de pela performance a que assistiam. Entretanto,
desapontamento daqueles que não rece- foi possível identificar outros perfis de público
beram um agradecimento claro por parte que demonstraram maior propensão a dar gor-
do músico.
jetas para os artistas. Primeiramente, os turis-
Ainda sobre a contribuição financei- tas, sobretudo em grande concentração na ave-
ra, foi possível perceber um certo ritual das nida Paulista, surpreendiam-se facilmente com
pessoas ao assistirem à apresentação de um os artistas de rua, talvez pela novidade ou pelo
artista de rua. A maioria dos contribuintes pa- caráter exótico de alguns deles. A maioria pa-
rava de caminhar ao notar a performance do rava para prestar atenção nas apresentações e
artista, prestava atenção na arte e somente contribuía com dinheiro. Outro perfil muito co-
deixava a gorjeta na hora de ir embora. Foram mum de interação amistosa e com dinheiro foi
raríssimas as pessoas que deram dinheiro logo de outras pessoas que aparentavam também
no início de sua observação ou que deixaram praticarem alguma forma de arte. Essa suposi-
o dinheiro no local destinado sem parar para ção foi baseada nas roupas, nas longas conver-
assistir à apresentação. sas que tinham com os artistas ou no fato de
Outro ponto importante na interação carregarem consigo um instrumento musical.
entre artista e público foi o uso de celula- Foi o que aconteceu com a dupla de percussio-
res smartphones por parte dos espectadores nistas que tocava na avenida Paulista e foi in-
para gravar, por meio de fotos ou vídeos, as terrompida por um saxofonista que, ao passar
performances dos artistas. Os artistas reagiram diante da apresentação, abriu a mochila e co-
de maneira bastante natural a esse comporta- meçou a tocar músicas juntos. Por fim, o último
mento. Muitos dos artistas faziam poses para perfil de pessoas que mais contribuíam era o
o público nessas circunstâncias. Alguns deles das que aparentavam estar fora do horário de
chegaram a manifestar diretamente a recepti- trabalho ou em horário de intervalo. Os fuman-
vidade a esse tipo de interação, informando as tes eram um público relativamente frequente,
hashtags para encontrá-los nas redes sociais: pois são obrigados a sair dos prédios em que
Twitter, Facebook e Instagram, para estimular a trabalham e ficar na calçada para fumar.
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Artistas de rua: trabalhadores ou pedintes?
Bruno Buscariolli
Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Departamento de
Administração de Empresas. São Paulo, SP/Brasil.
bruno.buscariolli@gmail.com
Eliane Santos
Fundação Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Departamento de
Administração de Empresas. São Paulo, SP/Brasil.
efseliane@yahoo.com.br
Notas
(1) Disponível em: http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/
cadlem/integra.asp?alt=30052013L+157760000. Acesso em: 31 de jul 2015.
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Bruno Buscariolli, Adele de Toledo Carneiro, Eliane Santos
Referências
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Caosgrafias cidade*
Chaosgraphies city
Frederico de Araujo
Resumo Abstract
Caosgrafias nomeia um modo de construção cole- Chaosgraphies refers to a means of collective
tiva de discursos que navega entre ciência, arte e construction of discourses that navigates among
filosofia. Aciona a prática cartográfica enquanto science, art and philosophy. It uses cartographic
trama de afectos, associada à noção de caos co- practice as affective plotting, associated with the
mo possibilidade do devir. Pode ser dita, então, notion of chaos as a possibility of “becoming”.
como modo “caótico” de composição de grafias It can be understood as a “chaotic” means of
enquanto potência a criação de discursos; como graphical composition towards the creation of
uma aventura corpóreo-palavreira, que busca ins- discourses, or as a corporeal/word-based adventure
taurar tensionamentos no processo de instituição e that seeks to establish tensions in the process of
narrativa do objeto experienciado. As caosgrafias instituting and narrating experiences of objects.
são, assim, inventadas como “acontecimentos des- Chaosgraphies, therefore, are “deconstructed
construção”, não no sentido de “terra arrasada”, happenings:” rather than being “scorched earth”
mas sinalizando o intuito de que o experienciar practices, they signal an intention in which
problematize o dizer logocêntrico, em termos tanto experience problematizes logocentric speech by
de derrubamento de absolutos, quanto de trans- overturning absolutes and also through poietic
gressão poiética. Este trabalho – Caosgrafias cida- transgression. Chaosgraphies city exercises this
de – exercita esse modo caosgráfico de construção chaosgraphical means of constructing discourses
de discursos com o tema “cidade”. whose theme is “the city.”
Palavras-chave: experiência; narrativa; cidade; Keywords: experience; narrative; city; discourse;
discurso; escritura. written word.
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h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3714
Frederico de Araujo
A cidade com seus olhos enormes, onde tudo pode acontecer, aberta ao aleatório,
carrega, no vão aberto entre a noite e o dia, a fuga imaginada para as estrelas.
Ninguém conhece seu começo ou fim, nem as placas que anunciam a chegada nem
o rio que corta sua silhueta. Dizem que o caminho para Pasárgada passa por entre
seus becos e vielas e arcos e chuvas finas e tascas e avenidas.1
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Caosgrafias cidade
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Frederico de Araujo
disputas é, para nós, relevante, pois permite nem como crítica (em sentido geral, ou mesmo
fazer emergir concepções de cidade que irão nos termos kantiano ou marxiano), nem, ain-
substanciar desde grandes ações estatais (pla- da, como meios para alguma coisa (uma fala,
nos, políticas, normatizações, ações policiais, um gesto, um escrito, uma fotografia), mas
etc.) até as mais aparentemente desimportan- como o que denominamos “acontecimentos
tes práticas cotidianas. desconstrução”. 8 O atributo “desconstrução”
Instituindo esse campo da maneira deli- sinaliza, ao modo de Derrida (1975), o intuito
neada e desviando de qualquer intuito de juízo de que o experienciar/acontecer se realize pro-
sobre o que seria, aí, a formulação correta, jus- blematizando o dizer ontológico, logocêntrico,
ta ou científica, interessa-nos problematizar a em termos tanto de derrubamento – de estru-
própria linguagem como modo de pensamento turas, absolutos, totalidades, origens, desti-
que permite a construção dos diversos tipos de nos, relações causa-efeito, funcionalidades –,
discursos cidade. Não com a pretensão de que quanto, no mesmo movimento, de transgres-
inventaríamos uma outra linguagem, um outro são poiética.
campo e, portanto, outros, agora sim “verdadei-
ros”, dizeres-cidade. Mas com a perspectiva de
nos apropriarmos dos dizeres predominantes
rasurando-os e expondo esse rasurar, através
e trajetórias e percursos
de narrativasexperiência coletivas construídas
e caosgrafias e
como jogo (caosgrafias) com escrituras ditas
dizendo cidade.6 Experiências que se instituem A trajetória que chega às práticas caosgráficas
enquanto poiéticos dizeres-cidade no ensejo de é traçada com linhas tortas, intermitentemen-
traspassar seu tradicional traço empirista ou te de fuga e de territorialização, num zigue-
transcendental.7 -zague rasurante, sobre um dito percurso de
O caráter de jogo, predicado como modo pesquisas no qual a problematização da lin-
às narrativasexperiência, expressa nossa apos- guagem e a dos discursos presentes no campo
ta processual à possibilidade de explicitação de do planejamento urbano e regional e, de ma-
nossa interferência enquanto agentes provoca- neira mais ampla, da produção de cidades e
dores ou narrantesjogadores, ao mesmo tempo territórios sedimentavam-se como elementos
que essa interferência fica posta à prova pela centrais. O jogo de linguagem, que é indisso-
imprevisibilidade e pelo caráter errático do jogo. ciavelmente produtor e produto dos processos
Tal jogo se configura, então, como um adentrar de produção de cidade, mobilizava-nos a per-
com “passo” próprio – operando em desvio – guntar: quais agentes, sujeitos, instituições,
uma discursividade cidade constituída como tomam parte desse processo e quais os efeitos
movimento interdiscursivo de dizeres-cidade, gerados por modos e formas como cada di-
sendo interpelado por ele e interpelando-o. zer cidade particular e determinado conjunto
Propomos, então, essas narráticas expe- agenciado – em aliança ou em disputa con-
riências cidade não como processos analíticos, flitiva – é produzido. Mas também, em sinal
etimológicos, semiológicos ou hermenêuticos, invertido: tais dizeres não produzem também
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Caosgrafias cidade
seus próprios enunciadores, contextos, inter- urbano. Utilizamos “dita” e não “descrita”,
locutores e objetos? pois constitui questão central das caosgrafias
Nos percursos trilhados lá pelos idos de pensar (a/ uma/ um projeto de) cidade enquan-
um incerto 2013, as caosgrafias se produziam to produção discursiva, posição que problema-
diretamente em tensão aos dizeres-cidade que tiza a ideia de que os discursos sejam “sobre a
se afirmam absolutos, postulando-se como cidade”, ou seja, representações de uma cida-
discurso verdadeiro, e tentam solapar a possi- de “real” que já está aí e restaria dela falar. A
bilidade de uma política. Naquele, então, 2013, cidade seria, nessa perspectiva, produção con-
referíamo-nos, sobretudo, àqueles que funda- tinuada a partir do que dela se fala (recorren-
mentam e são explicitados pelo denominado do a diferentes formas de linguagem), em que
“Planejamento Estratégico”, discurso que vem uma disputa política eminentemente discursiva
sendo assumido por diversas administrações emerge do encontro conflituoso de diferentes
municipais, principalmente a partir da década modos de dizer, de ver, de pensar, de instituir
de 1990, cujos postulados básicos concebem a seus processos cotidianos. Evidentemente não
cidade como algo a ser gerenciado em moldes se trata de movimento de mão única, pois os
empresariais, apontando para a necessidade supostos sujeitos do discurso não estariam
de definir sua “vocação” e seu “diferencial”. separados de um suposto objeto cidade, mas
Subjaz a isso um pressuposto que despolitiza da construção de agenciamentos complexos,
as dinâmicas de planejamento e gestão urba- situados num espaço-tempo atual do qual par-
na, em nome da construção de consensos e ticipam fluxos transescalares, de geografias das
de um projeto de cidade cuja meta é torná-la mais locais às mais globais.
mais atrativa para empresas, investidores, mão Esses agenciamentos vão constituindo
de obra qualificada e turistas. Como hegemonia “resultados parciais”, rastros de rastros nos
que se faz, desqualifica vozes ou discursos dis- termos propostos por Derrida (2004), a partir
sonantes ao seu dizer-cidade. Não os reconhece de eventos cotidianos, de práticas ordinárias,
enquanto dizeres outros que podem disputar de políticas públicas, de investimentos e es-
qualquer possibilidade de dizer-cidade porque peculações privados, de interações sociais no
não há, nesse dizer, a disputa mesma. Diante espaço público, de transformação das arqui-
desse problema, o viés motivador das caosgra- teturas e dos espaços abertos, que compõem
fias, afectando-se por um certo modo combati- – individualmente e em suas relações – escri-
vo de multidões que narramexperienciam rua, turas, sobre as quais novas escrituras se pro-
territorializa-se no dizer que essa disputa existe. duzem: escrituras-cidade, ou dizeres-cidade.
Nesse sentido, deixa rastros nas caosgra- Esse processo, é preciso ressaltar, será sempre
fias uma cidade do Rio de Janeiro dita como entrecruzado pelas tramas de dizeres que orga-
arena de disputas discursivas diretamente arti- nizam o social, onde os diferentes sujeitos que
culadas aos processos recentes – autoritários/ colocam, ou não, uma disputa certamente não
espetaculares – de transformação do território fazem em posição de igualdade.
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Frederico de Araujo
fragmento caosgráfico 19
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Caosgrafias cidade
Ilustração 1 – Corpo-caosgráfico
Quando uma minoria cria para si modelos, esses dizeres-cidade descontínuos e minori-
é porque quer tornar-se majoritária, e sem tários sob uma aura de pureza que os mante-
dúvida isso é inevitável para sua sobrevi-
ria imunes à feitiçaria capitalista (Pignarre e
vência ou salvação (por exemplo, ter um
Stengers, 2011). A produção de subjetividade
Estado, ser reconhecido, impor seus direi-
tos). Mas sua potência provém do que ela urbana ocorre em meio a fluxos em disputa,
soube criar, e que passará mais ou menos instaurando-se em processos de atualização
para o modelo, sem dele depender. O po- incessante. Nesse movimento, uns e outros,
vo é sempre uma minoria criadora, e que agentes em agenciamentos, são atravessados
permanece tal, mesmo quando conquista
por novos acontecimentos que produzem para-
uma maioria: as duas coisas podem coe-
xistir porque não são vividas no mesmo doxos e exigem um contínuo redizer(-se). Dian-
plano. (Deleuze, 1992, p. 214) te disso, faz-se necessário desconfiar de nossos
dizeres e ter precaução no âmbito da produção
Importa, assim, construir dizeres arrasta- discursiva, ou seja, problematizar a própria
dos por devires de resistência, mas igualmente linguagem enquanto campo de conflitos a ser
tomar cuidado contra a sedução em envelopar permanentemente tensionado.
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Ilustração 2 – Disputas
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Esse movente caos palavrório, não obstante, Caosgrafias são também concebidas na trama
tem a potência de individuar por afectação, não imbricada dos termos experenciar-agenciar-
aquela supostamente determinada por alguma -narrar, na qual a experiência não é conside-
essência imaginada, mas a afectação possibili- rada fora do processo narrativo. Experiência e
tada pelos planos de intensidades que fazem o narrativa se instituem, assim, na própria rela-
jogo. Essa individuação – como aqui assumida, ção, como agenciamento coletivo de enuncia-
uma ecceidade rasurada, se tivermos em conta ção. Experienciar como agenciarnarrar.
os termos em que Deleuze e Guattari (1997a) a
formulam.12 No acontecimento constituído pe-
lo presente indefinido da escrita, instituo e me
afecto por outro acontecimento, aquele de um
fragmento caosgráfico 413
fluxo de ecceidades – que designo como sons
e formas e durações e odores e texturas e vo- ● “Isaura experiencia”. Tomar essa escritura
lumes e cores e temperaturas e distâncias – a ao modo diabólico enunciado, no intuito de
se mover aceleradamente, desenhando e desfa- dizer um sentido a ela, por efêmero que pos-
zendo figuras doces ou ameaçadoras e outras sa ser o que possa ser dito, enquanto também
nem tanto. um (outro) experienciar, quer dizer considerar
Interpelado e definitivamente arrebatado que o nome Isaura não indica um sujeito ex-
por essa afectação, jogador desejante que me perienciador (uma presença), nem que o verbo
faço, desdobro-a em jogo movente de outras experienciar significa previamente qualquer
ecceidades [...] cujas intensidades se agenciam coisa, especialmente o confrontar sensorial /
por e como errância e reverberação e frequên- racional / subjetivo de uma suposta presença
cia e insistência e contração e curto-circuito e com alguma alteridade, também presença em
amplificação e multiplicidade e aceleração e si e por si. Quer dizer, como rasura a esse ex-
adensamento e agregação e simultaneidade e perienciar como relação de presenças, que a
intercalação e acréscimo e eliminação e violên- escritura “Isaura experiencia”, entendida como
cia e difusibilidade e superposição e, a consti- narrativa a (n-1), não dizendo então de coisas
tuir “plano de consistência”, é agenciamento, ou estados de coisas autônomas e independen-
redobra explodida em multiplicidade de pala- tes a esse dizer, ainda que assustada por esses
vras, elas também redobras de redobras, eccei- fantasmas e por vezes incorporando-os conci-
dades de ecceidades de outras palavras na infi- liadoramente, sugere um agenciar múltiplo de
nitude do jogo enquanto potência de negação palavras que constitui como trama de intensi-
do mesmo. dades ao mesmo tempo um si mesmo, outros
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desse si, os modos de tecedura ou jogo entre possibilitam que muitas delas concordem que
eles (a-regras do jogo) e o devir desse jogo. esta foi a versão mais “dura” das caosgrafias.
● Narraragenciarexperienciar Isaura é como Apesar de muitos fatores estarem relacionados
narraragenciarexperienciar deserto, ou como a essa questão, o principal deles é que, naquele
desertar ou deserdar. Abandono. Solidão de momento, estávamos caosgrafando para atin-
abismo. Nenhuma referência pra frente ou pra gir um objetivo.
trás, ainda que se siga ao mesmo tempo pra Porém, não precisou muito para que ti-
frente e pra trás, nenhum norte identificável a véssemos a sensação que o modo caosgráfico
priori, nenhum dia, nenhuma noite a pontuar era muito mais potente do que sua capacidade
de saída os dizeres. Dizeres escrituras, agencia- de gerar um produto. Ainda assim (porque é
mentos comerfalarcomerfalar. complicado descer das árvores para as raízes),
● Experienciar como territorializar. Nem sempre, pensamos que o que tínhamos criado era real-
mas algumas vezes capitais. Territorializar co- mente uma “metodologia”, capaz de ajudar
mo experienciar, como um incorporal acontecer a fazer um filme com tais características.14 Já
experienciaragenciarnarrar. naquela narrativaexperiência havia surgido o
incômodo do contraste no momento em que
passávamos da etapa denominada “cartografia
relato 1 … narrativasexperiência de afetos” para a montagem dos fragmentos
caosgráficas em uma timeline, que comumente enseja certa
linearidade no tempo.
Pode-se dizer que o que chamamos caosgra- Esse incômodo vinha da sensação de que
fias se constitui tanto ou mais no campo das submeter a caosgrafia à função de organizar
práticas e das técnicas que dos conceitos e uma montagem em linha era por demais disso-
mesmo da metodologia. O mais profundo é a nante com a abertura provocada pelo proces-
pele. No entanto, a primeira narrativaexperiên- so. Não pela montagem do filme em si mesmo,
cia caosgráfica (que só pode existir como tal mas porque este nos parecia acabar sempre,
no presente incerto desta escrita) distingue-se mesmo com todas as advertências, tomando o
das demais por ter sido concebida a partir do caráter de resultado, de produto e mesmo de
propósito de dar conta da montagem de um objetivo, ao qual todo o processo anterior pare-
filme, cuja principal pretensão era a completa cia subordinado.
horizontalidade na sua produção. Uma criação Tal desconforto se tornou mais intenso
coletiva e horizontal, ao menos quanto às “re- em outra ocasião, na qual o método tomou o
gras” do jogo, foi o que motivou o desenvolvi- formato de oficina e, assim, evidenciava fissu-
mento de caosgrafias. Assim, o processo tinha ras que deslocariam o núcleo do trabalho para
um caráter mais instrumental. Até então, pode- o processo, muito mais do que para sua finali-
-se dizer que as pessoas implicadas buscavam zação. Ainda assim mantivemos a produção de
uma ferramenta capaz de garantir a abertura e um filme como etapa final do processo.15
a simetria na criação e na montagem do filme. Foram dois dias povoados de encontros
Hoje, as virtudes de uma mirada retrospectiva intensos. Pessoas de diferentes partes do País,
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reunidos em modo-jogo para dizer da situação espaço-tempo. Seria errado, por isso, dizer de
como caosgráfica. A caosgrafia deixava de uma troca do racional pelo afetivo, pois as duas
ser dita como metodologia para desenvolver formas podem ser ao mesmo tempo percep-
produtos e passava a ser dita como processo ções e afectações e costumam mesmo ocorrer
movente, podendo acontecer nas mais diversas simultaneamente. Além disso, talvez se possa
formatações e contextos e instaurar-se entre dizer que é preciso prestar mais atenção aos
nós (porque um entre e um nós são pré-re- afectos e levá-los a sério, ao passo que pode
quisitos fundamentais) sem planejamento, de ser libertador não conferir um protagonismo
surpresa. O modo-jogo não precisava ser acio- permanente ao racional. Não achamos que in-
nado, mas ele acionava-nos a jogar a partir de ventamos algo novo ou descobrimos algo que
algo que se instaurava entre nós. não existia, mesmo porque não nos parece
Aos poucos, começamos a ver caosgrafia possível dar conta de alguma totalidade que
em muitas situações, algumas bem comuns. seja essência ou aparência de que tentamos
Músicos improvisando uma música juntos sem falar. Apenas escolhemos um nome para dizer
terem ensaiado, uma jogada perfeita em uma algo que acontece. Esse nome, entretanto, mo-
pelada de futebol, a coreografia astuciosamen- biliza-nos, gera desentendimentos entre nós,
te funcional, ainda que lenta, de uma sarjeta convoca-nos a jogar e estimula um contínuo
ocupada em movimento ao mesmo tempo por redizer de certezas e exploração dos limites da
gente, carros, motos, bicicletas, carroceiros, li- linguagem. Por isso tudo, e por muito menos,
xos, buracos, poças d’água e exus. E por que as caosgrafias são atualmente plurais no plural.
não capoeira angola, o jogo de olhares do
flerte, embriagar-se e pular carnaval? Há algo Entrando por uma porta,
comum a essas narrativasexperiência da ordem saindo por outra,
de uma desracionalização ou desatenção; não quem quiser que vá
completas, mas rasuradas pelos circuitos de narrandoagenciandoexperienciando
afectos que cruzam a narrativaexperiência de outra.17
Frederico de Araujo
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional,
Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
fredaraujo@uol.com.br
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Frederico de Araujo
Notas
(*) Texto elaborado pelo Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenado por
Frederico Guilherme Bandeira de Araujo, com agenciamento de Amanda Rose da Silveira,
Ana Cabral Rodrigues, Flávia de Sousa Araújo, Frederico Guilherme Bandeira de Araujo, Gabriel
Schvarsberg, Heitor Levy Ferreira Praça, Iaci D´Assunção Santos, Laura Souza Rêdes, Letícia
Cas lhos Coelho, Natalia Velloso Santos, Priscila Medeiros de Oliveira, Raphael Soifer, Ricardo
José de Moura, Ronieri Gomes da Silva Aguiar e Samuel Thomas Jaenisch.
(2) Caos enquanto lugar da criação de todas as formas e que desconhece, também, os diferentes
níveis de enfrentamentos que com ele mantêm as três formas de pensar e criar: filosofia, ciência
e arte (Magnavita, 2012, p. 210).
(3) O termo poiésis está aqui relacionado aos conceitos de heterogênese ou multiplicidade, no
sentido das construções conceituais de Deleuze e Guattari (2004), os quais afirmam que a
realização de uma poié ca (ou poé ca – originária da palavra grega poiésis) significa fabricar,
criar, confeccionar.
(4) Rasura assumida aqui em termos derridianos, como borrar fronteiras, tachar palavras, abalar
estruturas, desdobrar e riscar essências, reescrever naturezas, devir sem fim, instaurar errâncias,
esvanecer origens, tornar des nos brumosos, arguir verdades, mul plicar interpelações, desviar
de rota, fazer espaço do tempo, fazer tempo do espaço, etc. “A rasura instaura uma economia
vocabular. O entre-aspas, o po gráfico da impressão, as letras riscadas e as expressões irônicas
devem ser entendidas como manifestações da estratégia desconstrutora em Derrida. Usando
termos de uma linguagem que quer desconstruir, Derrida abala essa linguagem e inscreve
um sen do outro além dela [...]. Sendo a rasura uma modalidade de solicitação e estratégia,
funciona como elemento regulador da polissemia e estabelece uma lógica de suplementaridade
na própria sintaxe em que se inscreve” (San ago, 1976, p. 71).
(5) O termo “opaco”, neste projeto, usado no sen do usual na literatura teórica sobre cinema, de
desnudar o caráter fílmico do filme, em oposição ao termo “transparente” que, ao inverso,
corresponderia ao sentido de ocultamento desse fato. Com essa perspectiva, então, a
expressão “agenciar opaco” indica um modo reflexivo/exposi vo marcado pela preocupação
em explicitar que se trata de um processo operado a par r de específicas questões, estratégias
e procedimentos.
(6) “Escritura”, em perspectiva derridiana, enquanto jogo (Derrida, 2008), como modo, e
enquanto marca (notação e conteúdo respectivamente diferidos) como forma, de qualquer
tipo ou natureza: orto-gráfica, imagética, geo-gráfica, arquitetural, urbanística, gestual,
comportamental, sonora.
(7) Só é possível usar aqui essa noção sob rasura, na medida em que pertence à história da meta sica.
Como afirma Derrida, “‘Experiência’ sempre designou a relação a uma presença, tenha ou
não esta relação a forma da consciência. Devemos, todavia, de acordo com essa espécie de
contorção e de contenção à qual o discurso é aqui obrigado a esgotar os recursos do conceito
de experiência antes e com o fim de alcançá-la, por desconstrução, em sua úl ma profundeza”
(2004, p. 74).
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(9) Trecho do trabalho “e remoinhos e cidades de leva e traz y Dolores e” (GPMC, 2013).
(10) Trecho do trabalho “Manifestações ou sete atos e um desa no” (GPMC, 2014a), autoria própria.
(11) Trecho do trabalho “Manifestações ou sete atos e um desa no” (2013), autoria própria.
(12) “Uma ecceidade não tem nem começo nem fim, nem origem nem des nação; está sempre no
meio. Não é feita de pontos, mas apenas de linhas. Ela é rizoma” (Deleuze e Guatarri, 1997, p. 50).
(13) Trechos do trabalho “Rastros do sem-nome que o diga” (GPMC, 2014b), autoria própria.
(14) O filme “Perlenga Cangaço” foi realizado com apoio do Ministério da Cultura – Secretaria do
Audiovisual – Edital de concurso n. 1, de 29 de janeiro de 2010: Concurso de Apoio à Produção
de Obras Cinematográficas Inéditas, de curta metragem, de ficção ou documentário.
(15) O trabalho cole vo realizado pelos par cipantes da referida oficina foi o filme “Talvez Salvador”
(2011).
(16) Livre tradução a par r do original: “Comment présenter une proposi on dont l’enjeu n’est pas
de dire ce qui est, pas non plus de dire ce qui doit être, mais de faire penser, et qui ne demande
pas d’autre vérifica on que cela: la manière dont elle aura «ralen » les raisonnements, créé
l’occasion d’une sensibilité un peu différente par rapport aux problèmes et aux situa ons qui
nous mobilisent?”.
(17) Trechos do trabalho “Rastros do sem-nome que o diga” (GPMC, 2014b), autoria própria.
Referências
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[Documentário/Entrevista]. Direção de André Butang. França. Duração 8h aprox.
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