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O Yoga Clássico

e a sua importância no período moderno


Paulo Hayes
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O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

Resumo

O presente trabalho salienta o valor das práticas tradicionais do yoga clássico, compilado pelo sábio
Patañjali, para a época pós-moderna. Os três capítulos que compõem a parte textual mostram-nos
a tradição filosófica do yoga clássico, no contexto das filosofias da Índia, a forma como as práticas
podem ser integradas nas modernas sociedades ocidentais.

Palavras-chave:
Yoga Clássico, Patañjali, Yoga Sūtra, Yoga

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Paulo Hayes

O yoga é a diminuição das flutuações da consciência.


Patañjali, Yoga Sūtra 1.2

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O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

Índice

Introdução ........................................................................................................................... 6

1. As filosofias da Índia ................................................................................................... 7


1.1. Introdução às filosofias da Índia .......................................................................... 7

1.2. A tradição filosófica do Purva Mīmāṃsā ............................................................... 8

1.3. A tradição filosófica do Vaiśeṣika ......................................................................... 8

1.4. A tradição filosófica do Vedānta ........................................................................... 9

1.5. A tradição filosófica do Sāṃkhya ....................................................................... 11

2. O yoga clássico como filosofia prática de vida ........................................................... 13


2.1. Dados históricos sobre Patañjali e estrutura do Yoga Sūtra ................................. 13

2.2. O primeiro capítulo do Yoga Sūtra ..................................................................... 14

2.3. O segundo capítulo do Yoga Sūtra .................................................................... 15

2.4. O terceiro capítulo do Yoga Sūtra ...................................................................... 16

2.5. O quarto capítulo do Yoga Sūtra ........................................................................ 16

3. Integração do yoga clássico nas práticas pós-modernas ............................................ 17

Conclusão ......................................................................................................................... 20

Bibliografia ....................................................................................................................... 22

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Paulo Hayes

Introdução

O yoga é um fenómeno cultural transnacional. As técnicas que o compõem foram difundidas no país
de origem do yoga, a Índia, mas também um pouco por todo o mundo ocidental. Se o yoga é uma
prática espiritual, filosofia prática de vida e quiçá religiosa não hierarquizada, torna-se necessário
trazer o tema à academia e incidir a investigação numa perspetiva antropológica e social, não
apenas numa perspetiva técnica e metafísica. Um trabalho desta envergadura não cabe numa
sucinta introdução ao tema. Seria, antes, digno de uma tese ou dissertação de mestrado.

Face às novas correntes espirituais, provenientes do Oriente, importa saber de que forma pode a
filosofia milenar do yoga ser adaptada ao estilo de vida moderno das sociedades ocidentais. Parece
que o yoga poderá preencher um espaço de espiritualidade, agora sem hierarquias e excessos de
dogmática, onde outras espiritualidades e religiões parecem vir a perder terreno, com praticantes e
fiéis cada vez mais desmotivados. Interessa-nos perceber de que forma prática é possível aplicar
técnicas do yoga clássico, para uma vida mais saudável, harmoniosa e menos stressante. O
presente trabalho, como veremos mais abaixo, aborda as oito disciplinas do yoga clássico e
explica-as sucintamente, sem as complicações da interpretação do sânscrito, tanto quanto possível
de uma forma organizada e sistemática para o leitor. A linguagem do yoga reveste-se de alguma
tecnicidade e muitos dos conceitos subjacentes são polissémicos, o que poderá despertar num
publico não praticante algumas dúvidas quanto ao significado exato das palavras. O processo de
aculturação do yoga ás sociedade ocidentais trouxe, a reboque, misticismos encapsulados e
tentativas de explicação de um universo energético e psíquico, o qual não costuma caber no
imaginário popular Português. Os primeiros registos de ensinamentos de yoga em Portugal são
relativamente recentes, não anteriores aos anos 50 do século passado. São sabidos, desde a
década de 40 do século passado, os efeitos terapêuticos destas práticas Indianas. O yoga pode
funcionar também como um processo terapêutico, extremamente barato e eficaz. Os praticantes,
por via de diversos estudos, reportam melhorias significativas nos seus estilos de vida.

O presente texto destina-se à avaliação do autor na disciplina de metodologias do trabalho


científico, no âmbito do seu mestrado em ciências das religiões. O autor é praticante e investigador
de yoga e escolheu o método APA para estruturar o seu trabalho científico. O trabalho está dividido
em três capítulos: uma introdução ás filosofias da Índia, os princípios estruturantes do yoga clássico
de Patañjali e o yoga como filosofia de vida praticado por milhões de pessoas na atualidade.

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O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

1. As filosofias da Índia

1.1. Introdução às filosofias da Índia o Budismo, Jainismo ou a escola materialista


Cārvāka, não aceitam a autoridade dos Vedas
O sânscrito, língua da Índia e provavelmente e têm os seus próprios códigos éticos e de reta
das mais antigas do mundo, não tem uma conduta. As seis filosofias ortodoxas da Índia
palavra que designe religião. A terminologia ou darśhanam são o Nyaya, Vaiśeṣika, Yoga,
mais aproximada é sanātana dharma que, Sāṁkhya, Purva Mīmāṃsā e
entre diversos significados, pode querer Uttara-Mīmāṃsā. Vejamos, de seguida, os
significar lei universal. O termo hinduísmo elementos estruturantes e transversais das
poderá ser uma construção relativamente escolas filosóficas ortodoxas. Por um lado,
recente para designar os costumes dos povos elas revestem-se de carácter pragmático: o
que habitavam o vale do rio Sindhū ou Indus adepto deve efetuar uma verificação prática
(Pennington, 2007: 111-18). O Hinduísmo dos conceitos propostos. Por outro, a disciplina
poderá ser um estilo de vida encontrado no ou tapas é o motor que eleva o indivíduo para
Nepal e na Índia (Flood, 2008: 36). Por outro além do seu próprio sofrimento. Sucede que a
lado, a Índia comporta quatro famílias vida em si mesma não é apenas sofrimento,
linguísticas: indo-europeia, dravídica, mas torna-se necessário entender a sua
tibeto-birmanesa e austro-asiática. Existem 17 finalidade soteriológica. O autoconhecimento é
línguas oficiais, com inúmeros dialetos e premissa maior pois sem este o indivíduo
línguas menores e não oficiais (Shattuck, permaneceria na escuridão intelectual e no
1999: 23). esquecimento da sua natureza transcendental
Das terminologias existentes no sânscrito, as ou Self. São possíveis diversas interpretações
mais próximas da palavra religião são dharma hermenêuticas dos textos, tendo em vista uma
e darśhana. Entre os diversos significados da verificação subjetiva da verdade individual
palavra dharma, os mais comuns são missão coincidente de alguma forma com as verdades
de vida, objetivo, lei justa, correta ação. Já a harmoniosas do próprio cosmos organizado. A
palavra darśhana ou darśhanam, também ênfase na tolerância e na ética fraterna são
polissémica e com raiz verbal em dṛś do valores universais e aplicáveis em qualquer
sânscrito, poderá significar visão, aparição, eixo espácio-temporal, em qualquer
ponto de vista. Do ponto de vista estrutural, a sociedade. Por último, as escolas filosóficas da
academia ocidental agrupou as diferentes Índia têm em comum o facto de aceitarem e
tradições filosóficas da Índia como ortodoxas e explicarem os conceitos de karma e dharma,
não ortodoxas. As filosofias Indianas são reencarnação, desapego e libertação.
pontos de vista, cosmovisões, deixadas por
sábios e videntes da Índia antiga e que
propõem uma explicação da construção do
cosmos e do papel do Homem na terra. São
seis as escolas filosóficas ortodoxas, não se
opõem á autoridade dos textos védicos. Já as
tradições filosóficas não ortodoxas, tais como

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1.2. A tradição filosófica do Mīmāṃsā não existe mente nessa altura. Mais tarde, os
Mīmāṃsākas aceitariam as ideias vedânticas
A escola Mīmāṃsā é ativista por natureza. O de Ātman.
texto principal é o Mīmāṃsā-sūtra de Jaimini,
com data provável no ano 400 ac. Existem dois
tipos de ativismo: o dos niruktas e o dos 1.3. A tradição filosófica do Vaiśeṣika
mīmāṃsākas. Os niruktas afirmam que Ātman
é pura atividade, contínua e ininterrupta. A A tradição filosófica do Vaiśeṣika foi fundada
língua védica é a única que corresponde à por Kaṇāda em 400 bc. Trata-se de uma
natureza da realidade e recomendam uma vida tradição teísta, realista e pluralista. Vaiśeṣika
ativa para que o Homem realize o Self, ou significa particularista e em certa medida
Ātman. Para os Mīmāṃsākas, a atividade é a adotou as teorias lógicas e epistemológicas da
força controladora do universo, mas não é tradição Nyāya, razão pela qual optamos neste
criadora. Ātman não é atividade em Si mesmo, texto não verter nenhuns comentários sobe a
mas o agente da atividade. Esta escola filosofia Nyāya. Kaṇāda enfatiza as
defende o questionamento crítico. A tradição características dos objetos cognoscíveis.
filosófica do mīmāṃsā divide-se depois em Existem sete categorias das coisas; a
duas grandes tradições: o purva mīmāṃsā ou substância ou dravya, a qualidade ou guṇa, o
o primeiro mīmāṃsā, com ênfase nas duas universal ou sāmānya, o particular ou viśeṣa, a
primeiras partes dos Vedas. O Uttara inerência ou samavāya e a negação ou
Mīmāṃsā, o posterior ou vedānta, que dá abhāva. Outra particularidade desta escola é a
maior relevância ás duas últimas partes dos afirmação de Kaṇāda da existência de nove
Vedas, especialmente o estudo dos upani ads. tipos de substâncias, a saber: terra, água,
A escola mīmāṃsā tem duas sub-escolas: a de fogo, ar, éter, tempo, espaço e mente. O
Kumārila e a de Prabhākara. A epistemologia é tempo e o espaço são independentes, eternos,
baseada em seis fontes de conhecimento; a indivisíveis e elementos presentes em tudo. O
perceção (pratyakṣa), a inferência (anumanā), tempo é a causa do conhecimento das
a comparação (upamāna), o testemunho distinções ou diferenças: passado, presente,
verbal (śabdapramāṇa), a postulação futuro. O mesmo acontece com o espaço, que
(arthāpatti) e a não-cognição (anupalabdhi). A é dividido nas posições de este, oeste, norte,
principal problemática epistemológica desta sul, cima, baixo. O tempo tem ainda a
tradição filosófica é o erro percetual, a característica de ser o criador de tudo o que
diferenciação entre ilusão e verdade. nasce. É o sustentáculo de todos os mundos.
Defendiam que viver é ser ativo e que se deve Quanto a Ātman ou espírito, este é eterno, há
que desfrutar das ações mundanas. Troçavam vários e são infinitos, é o substrato da
dos celibatários e dos renunciados. Para os qualidade. Ātman só pode ser consciência
Mīmāṃsākas, a ação e o seu fruto são quando está em contacto com a mente. À
intermináveis. A salvação não é semelhança do yoga clássico, para esta
necessariamente sinónimo de felicidade pois tradição filosófica deus é um dos Ātmans.

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O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

Porém, em deus a consciência não é 1.4. A tradição filosófica do vedānta


transiente, mas sim uma qualidade inata. Deus
não é a causa material do mundo, apenas a O uttara mīmāṃsā ou vedānta confunde-se
sua causa eficiente. Os Ātmans obtêm a frequentemente com jñāna que significa
libertação depois de cultivarem o desapego conhecimento, intuição ou sabedoria e num
completo dos produtos da consciência. A contexto filosófico significa especificamente
Mente é uma substância, atómica no aquilo que os Gregos chamavam de gnosis,
tamanho.Pode estar presente em dois lugares um tipo especial de conhecimento ou intuição
diferentes e não depende da sucessão do libertadora. O jñāna yoga praticamente não se
tempo. A mente produz consciência quando distingue do caminho espiritual do vedānta, a
está em contacto com Ātman. Acreditam que o tradição Indiana do não-dualismo. É o caminho
karma é movimento e ação. Existem cinco de realização do Si Mesmo através do
tipos de ação: para cima, para baixo, exercício da compreensão gnóstica, é a
contração, expansão e locomoção. O ideal de sabedoria associada ao discernimento entre
vida desta escola é obter a salvação e o aquilo que é real e aquilo que é ilusório. O
dharma ou ação justa. As ações devem estar tripura-rahāsya classifica os aspirantes a
de acordo com as injunções védicas. A jñanis em três tipos. O primeiro sofre do
salvação é obtida através de um esforço ativo defeito do orgulho, que impede a perfeita
para realização da natureza original ou Ātman compreensão da doutrina da não dualidade. O
(Raju, 2009: 40-79). segundo tipo sofre da atividade, isto é, da
ilusão de ser um sujeito agente, uma
personalidade egóica que age no mundo, o
que lhe impede de ter a equanimidade e
lucidez que constituem o fundamento da
verdadeira sabedoria. O terceiro tipo sofre do
monstro dos desejos, das motivações que se
opõem à aspiração pela libertação. Outra obra
que faz parte da escola filosófica do Vedanta, o
vedanta-sūtra de Sādananda, refere quatro
meios principais para a emancipação na via do
Jñāna yoga, a saber: o discernimento entre o
permanente e o transitório, o desapego ao
gozo dos frutos das ações e prática das seis
perfeições. As seis perfeições são a
tranquilidade ou a arte de permanecer calmo
mesmo diante das adversidades. O Controle
dos sentidos, que estão sempre à procura de
novos estímulos. A interrupção, isto é,
abster-se de ações que não dizem respeito

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nem à conservação do corpo nem à busca da consciência e bem-aventurança ou


iluminação. A resignação ou a capacidade Satcitānanda. De salientar que brahman é um
estóica de não se deixar abalar pelo jogo dos absoluto impessoal e deus não é o absoluto, é
opostos na natureza. A concentração mental, antes pessoal. O brahman vedantino não
representada pela disciplina de manter a corresponde ao conceito budista de shúnia,
mente voltada para um só objeto em todas as aquilo que não é nem ser nem não ser. Os
situações. A fé ou uma aceitação seres só podem vir do Ser, os seres do mundo
profundamente inspirada, da realidade têm origem no brahman e portanto brahman é
sagrada e transcendente. A fé, que é elemento o Ser. O brahman da tradição do vedanta, cria
fundamental de todas as formas de de si mesmo as almas do mundo e toda a
espiritualidade, não deve ser confundida com a matéria. Depois, o brahman distingue-se do
simples crença, que só opera ao nível da mundo e torna-se deus ou īśvara. Há aqui uma
mente (Feuerstein, 2006: 120-140). clara distinção entre saguna brahman e
Existem pelo menos 10 escolas dentro da nirguna brahman. O primeiro representa o
tradição filosófica do Vedanta. No entanto, as absoluto mediado através do conhecimento
principais são as de Śaṅkara, Rāmānuja, convencional ou īśvara em que é manifestado
Madhva e Nimbārka. Os principais textos por todas as divindades objeto de devoção. No
estudados são os upaniṣads, o Brahmasūtra e segundo caso, o brahman é experienciado
a Bhagavad-gītā. Os upaniṣads contêm como não-dualidade e transcendente a todas
grandes afirmações ou mahāvākhyas que são as categorias da razão, assume-se fora do
máximas de sabedoria vedantina. Eis alguns processo cognitivo comum.
exemplos:

Aham brahma āsmi - eu sou brahman.

Ayam ātmā brahma - ātman e brahman


são o mesmo.

Tat tvam asi - tu és isso.

Prajnanam brahman - brahman é


conhecimento supremo.

Quanto às relações entre ātman e brahman,


Śaṅkara admite que não existem dois espíritos
diferentes. Tudo é um. A tradição não dual
fundada por Śaṅkara designa-se por advaita
vedānta. Śaṅkara viveu no séc.VIII e parece
que viveu apenas 30 anos. Escreveu
comentários aos upaniṣads, brahmasūtra e a
bhagavad-gītā, assim como hinos e outras
obras. Para Śaṅkara, brahman é existência,

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O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

1.5. A tradição filosófica do sāṃkhya deus enquanto que as reflexões filosóficas da


segunda não se referem explicitamente à
Kapila foi o fundador do sāṁkhya, outro dos existência de uma hierarquia de espíritos ou de
darśhana ou sistemas filosóficos da Índia. Sam almas e de um deus. A dicotomia desta escola
pode significar correto, próprio ou filosófica gira em torno de uma polarização
discriminativo e khya pode significar espírito-natureza ou purusha e prak ti. A
conhecimento. O sāṁkhya encoraja os seus palavra prakṛti contém kriti que significa ação.
adeptos a efetuarem uma análise Portanto a prakṛti contém a ação em potência,
discriminativa da criação e assim realizar a é a base de toda a manifestação. No entanto,
natureza do Si Mesmo. O sāṁkhya clássico é ela própria é sem causa. A prakṛti é pradhana,
muitas vezes chamado de dualista e ateísta, a causa principal. Todos os efeitos da
no entanto as versões de sāṁkhya na manifestação dependem da prakṛti, no entanto
bhagavad-gītā e na bhavagad purana são a prakṛti é independente de todos os efeitos. A
teístas. O sāṁkhya é conhecido por filosofia prakṛti é equiparável ao brahmā ou aspeto
dualista pois postula duas realidades eternas; criador da escola vedānta. A prakṛti evolui de
puruṣa, a consciência testemunha, e prakṛti, a uma massa inerte e estática – a do momento
causa raiz da criação, composta pelos três zero ou do equilíbrio inicial - para diferentes
guṇas. Diferentes versões de sāṁkhya formas e objetos. A prakṛti manifesta-se,
existem em textos como o tratado de medicina cresce e evolui na natureza. Ela é a própria
Indiana ayurveda Charaka Saṁhitā ou no natureza. Já o espírito, puruṣa, é eterno,
Śvetāśvataropaniṣad. Quanto a prakṛti, esta é intemporal, aquele que conhece. Um conceito
considerada o útero da criação. Purusha é a importante desta escola, que é posteriormente
consciência, o espírito, o que usufrui. O incorporado tanto no yoga como na medicina
sāṁkhya dá-nos uma descrição exaustiva dos Indiana ayurveda, é a ideia dos guṇas
três guṇas, o material da criação. Tudo o que enquanto elementos criadores do universo
existe no mundo é caracterizado por três manifesto e do próprio homem. Sattva, Rajas e
propriedades: prazer, sofrimento, indiferença. Tamas são forças, polos energéticos, que se
O mesmo objeto pode criar reações diferentes interligam perpetuamente para gerarem
em pessoas diferentes. A cosmovisão do transformação. Sattva é simbolizado por
sāṁkhya afirma que os instrumentos internos prakasha ou iluminação, sukha ou felicidade,
– buddhi ou intelecto, ahaṃkāra ou ego, preeti ou atração. O modo rajas é
manas ou função pensamento – são representado pelas características kriyā ou
chamados de antahkaraṇa. O sāṁkhya e o movimento, dukha ou sofrimento e apreeti ou
yoga parecem ser duas partes de um mesmo rejeição. Tamas tem atributos de nishkriyata ou
sistema antigo de pensamento: o primeiro é passividade, udasinata ou indiferença. Com
metafísico e o segundo de teor prático. No relação ao sofrimento humano, o sāṁkhya
sāṁkhya existem duas correntes de afirma que existem três formas de sofrimento,
pensamento: Seshvaravada e Nirishvaravada. devido ás quais surge em certas alturas a ideia
A primeira aceita a existência de īśvara ou de que o espírito ou puruṣa está preso na

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matéria. Adhibhautika implica sofrimento A tradição filosófica do sāṁkhya é a que mais


devido a causas materiais. Adhyatmika importa para o nosso estudo sobre o yoga. No
representa o sofrimento devido a causas próximo capítulo, o autor do presente trabalho,
internas ou pessoais e adhidaivika significa propõe-se explicar de forma sucinta as
sofrimento com origem em influências relações entre o sāṁkhya e o yoga. Veremos
sobrenaturais. Os principais comentadores como os princípios estruturantes do yoga
Indianos e obras desta tradição filosófica são clássico de Patañjali se baseiam na filosofia
Gauḍapāda com a obra Bhāṣya, Māṭhara com sāṁkhyana, nomeadamente na polaridade
Vṛtti, Śaṅkarācārya com Jaya-Maṅgalā, Rājāna espírito-matéria ou self e mundos. O indivíduo
com a Yuktidīpikā e Vācaspati Miśra com o é visto como um espírito – purusha – vestido
Sāṅkhya-Tattva-Kaumudī. com roupagens transitórias – a prakṛti. Por
causa do esquecimento do Si eterno, que ele
próprio é, esquecimento temporário desde que
se assume uma forma física, os seres sofrem
porque não se conhecem a si próprios.
Segundo o yoga, este desconhecimento é uma
forma de ignorância. Não se trata aqui de uma
ignorância académica ou intelectual, mas de
uma incapacidade autorreflexiva e de natureza
ontológica. O jogo é esse mesmo: aos poucos
os adeptos vão deixando cair o véu e
Os principais académicos que estudaram esta aprendem a ver além da grelha da formatação
escola filosófica são Richard Garbe, Joseph mental. Parece que, do ponto de vista da
Dahlmann, Paul Oltramare, Hermann tradição da filosofia clássica do yoga, não há
Oldenberg, A.B.Keith, S. Dasgupta, Erich nada de novo a aprender. Se o espírito é
Frauwallner, J.W. Hauer, Mircea Elíade, K.C. eterno e intemporal, encerra todo o
Bhattacharya e Gerald Larson. As principais conhecimento em si mesmo e não há nada que
referências ao sāṁkhya estão vertidas no desconheça: a novidade passa apenas pelo
kaṭha upaniṣad, de forma mínima, no ato de desaprender. Livrar-se das formatações
śvetāśvatara upaniṣad e maitrī ou maitrāyaṇi autoimpostas, isto é, livrar-se das crenças
upaniṣad, mahābhārata, dharmaśāstra, caraka sociais e questionar o sentido da realidade
saṁhitā, bhagavad-gītā e o yoga sūtra. O última não é tarefa fácil para o adepto. Por
desenvolvimento do sāṁkhya clássico pode isso, os textos advertem que só uma prática
ser divido em quatro grandes períodos: As ancorada no desapego permite alcançar um
especulações antigas, entre 1000 e 400ac., o olhar desformatado e revelador da essência
proto-sāṃkhya, entre 400ac a 100dc, o das coisas: há que aprender a ver para além
sāṃkhya clássico, de 100 a 900 e o período da daquilo que os olhos nos mostram!
renascença ou sāṃkhya tardio, entre 1400 a
1600 (Larson, 2011: 75-95).

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O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

2. O yoga clássico como filosofia prática de vida

2.1. Dados históricos sobre Patañjali e que carecem de mais evidências e provas
estrutura do yoga sūtra concretas e não são apoiadas pela maior parte
dos investigadores. O nome Patañjali era
Das seis escolas filosóficas, o yoga é a única comum e provavelmente existiriam vários
que envolve uma prática simultaneamente indivíduos com o mesmo nome. Quando
física e mental. A palavra yoga poderá falamos de Yoga, em sentido lato, entendemos
significar união, nos sistemas de yoga pré e qualquer tipo de yoga, qualquer método
pós-clássico, mas também se pode entender essencialmente pratico que conduz ao
como separação no sistema de yoga clássico. samādhi. No sentido restrito, quando falamos
Yoga é uma palavra polissémica, com mais de de yoga referimo-nos ao raja yoga, ou aṣṭāṅga
cem significados1. Para efeitos de yoga de Patañjali e aos yoga sūtras. O termo
sistematização, convencionou-se chamar raja yoga, na verdade, não deriva de Patañjali
clássico ao período a que corresponde a (Birch, 2014: 401-44). Ao longo dos séculos
datação dos aforismos do sábio Patañjali. O vários comentadores escreveram comentários
mesmo terá compilado, reunido pela primeira ao Yoga Sūtra de Patañjali. Os mais
vez, numa obra designada por yoga sūtra, as importantes comentários são os de Vyasa,
principais técnicas praticadas naquela altura. Vijñānabhikṣu e de Swami Vivekananda, O
Trata-se, portanto, do primeiro e mais texto clássico, os yoga sūtra, são compostos
completo tratado antigo sobre yoga. Através do por 4 capítulos e 196 sūtras, 195 para a escola
estudo do tipo de sânscrito vertido na obra, é de kaivalyadhama de Lonavla. Para o
possível chegar a alguma conclusão quanto à darśhana yoga o conhecimento da mente e
data original da compilação. A academia seus mecanismos de transcendência só pode
costuma situar a obra entre dois séculos antes ser obtido através da experiência direta e da
e dois séculos depois da era comum. No prática reiterada. Podemos perceber os
entanto, tanto a datação como o facto de o conceitos e trabalhar na esfera intelectual das
texto ter sido modificado ao longo dos séculos, ideias e arquétipos, mas Patañjali deixou-nos
não nos permite ter uma opinião única. Todas injunções precisas e claras para um caminho
as práticas anteriores a esta data são prático que pode ser trilhado se queremos
consideradas como período pré-clássico e as ultrapassar o ego, obter sabedoria, e alcançar
posteriores são enquadradas como sendo a libertação do sofrimento e da roda dos
período pós-clássico. O autor dos yoga sūtras renascimentos.
terá, segundo poucos comentadores, escrito
O sistema de yoga clássico reflete a corrente
outros textos. Como médico, Patañjali poderá
teísta seshvarawada, com īśvara, da filosofia
ter sido Charaka e escrito o Charaka Saṁhitā,
sāṁkhya. Este sistema de dualidade cósmica
tratado de medicina ayurveda. Como
preconiza dois princípios – purusha e prakṛti –
gramático poderá ter sido Pāṇini e terá escrito
em que no jogo cósmico encetado pelo
a obra Aṣṭādhyāyī. São, no entanto, teorias
espírito, envolto na matéria, este
frequentemente se engana sobre a sua própria
1
http://www.sanskrit-lexicon.uni-koeln.de/monier/ natureza essencial, o Self. O yoga, para

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alguns, pode ser visto como a parte prática do 2.2. O primeiro capítulo do Yoga Sūtra
sāṁkhya, propõe ferramentas para o retorno à
essência primordial do ser humano. No yoga O primeiro capítulo do yoga sūtra de Patañjali
não se aprende nada de novo, pelo contrário, começa com uma introdução e definição do
desaprende-se e desconstrói-se os yoga nos aforismos 1 e 2. Segue-se uma
condicionamentos adquiridos ou impostos ao discussão sobre estados possíveis da
indivíduo. Ao ultrapassar as três forças consciência nos versos 3 e 4. A descrição dos
operativas do universo – tamas, rajas e sattva vṛttis ou flutuações da consciência é depois
– o yogui alcança o estado perfeito de referida nos aforismos 5 até 10. Pode-se
conhecimento do si mesmo transcendental. alcançar o controle destes vṛttis através da
Conhecendo-se a si próprio, ele conhece o prática continuada e do desapego conforme
universo. previsto nos versos 12 a 16. Vários tipos de
samādhi são descritos, há uma divisão em
samprajñāta e asamprajñāta, nos versos 17 e
18 e nos versos 20 a 22 como alcançar estes
estados de consciência. O subsistema
Īśvarapraṇidhana surge nos versos 23 a 29
como um possível método para alcançar o
objetivo do yoga. Alguns autores discorrem
sobre a natureza da inserção de um processo
devocional, mais ligado à bhakti yoga, no
sistema clássico de yoga que é
essencialmente racional. A vocalização do
mantra om, seus benefícios, vem prevista nos
versos 27 a 29. O capítulo primeiro continua
com uma exposição das distrações da mente e
seus efeitos na meditação, nos versos 30 e 31.
Prescrevem-se várias técnicas meditativas,
mas não só. O cultivo de virtudes, para
combater as distrações da mente, surge nos
versos 32 até 40. Os versos 41 a 46
introduzem o tema do samāpatti, os seus frutos
nos versos 46 a 48. O capítulo conclui com
uma discussão sobre o samprajñāta samādhi
que antecede o estágio final, asamprajñāta
samādhi ou enstatis sem suporte.

A palavra em enstasis é formada por en +


stasis, significa estar dentro, foi utilizada pela
primeira vez por Mírcea Elíade para designar

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O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

um dos estágios da consciência. Estar dentro é Yama – regras éticas.


diferente de estar fora. Por exemplo, no
Niyama – observâncias e comportamentos
Xamanismo a proposta da viagem ao mundo
individuais.
dos espíritos ancestrais, para alcançar
conhecimento e poder, é uma viagem externa Āsana – posturas.
no sentido em que é necessário algum Prāṇāyāma – gestão da energia vital
movimento ou deslocação, ir a algum lado através da respiração.
obter conhecimento. Pelo contrario, a saída Pratyahara – recolhimento dos sentidos.
preconizada pelo yoga é para dentro de si
Dhāraṇā – concentração.
mesmo.
Dhyāna – meditação.

Samādhi – absorção ou super consciência.


2.3. O segundo capítulo do Yoga Sūtra

O segundo capítulo do yoga sūtra – sādhana


pada – começa com a exposição do tema kriyā
yoga e seus efeitos, nos aforismos 1 e 2.
Seguem-se os kleśas – várias formas de
sofrimento ou obstáculos durante o processo
meditativo – e as ferramentas prescritas para
os remover, nos versos 3 até 11. A lei do karma
e suas consequências vem prevista nos versos
12 a 14 e o sofrimento no 15 e 16. Observador
e suas características, o objeto da meditação e
relação entre ambos são abordados nos
versos 23 a 27. Seguem-se, nos versos 28 e
29, as oito camadas do yoga, o aṣṭāṅga yoga,
como um conjunto de ferramentas para o yogui
se libertar do jugo da prakṛti – natureza ou
matéria. Dos versos 30 até 45 são referidos
yamas e niyamas, éticas do yoga e seus
benefícios, sua aplicação universal no tempo e
espaço. As características, a forma de praticar
e resultado da prática do āsana surgem nos
versos 46 a 48. O prāṇāyāma é referido nos
versos 49 até 53 e pratyahara surge nos
aforismos 54 e 55. As oito disciplinas do
aṣṭāṅga yoga são:

15
O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

2.4. O terceiro capítulo do Yoga Sūtra 2.5. O quarto capítulo do Yoga Sūtra

O terceiro capítulo – vibhūti pada – inicia com O primeiro verso do último capítulo do yoga
a enumeração, nos três primeiros versos, das sūtra começa por enumerar diversas formas
últimas camadas do aṣṭāṅga yoga – o yoga de alcançar os poderes psíquicos ou siddhi.
interno ou antaranga yoga – constituídas por Tecem-se comentários sobre a matéria ou
dhāraṇā, dhyāna e samādhi. Patañjali designa prakṛti, nos versos 2 e 3. A formação da mente
a prática contínua destas três disciplinas por surge nos versos 4 e 5 e uma discussão sobre
saṃyama e está prevista nos versos 4 até 8. O o karma, nos aforismos 6 e 7. Os ativadores
estado de nirodha, a relação entre o substrato subliminares ou saṃskāra vêm previstos nos
e característica, vêm previstos nos aforismos 9 versos 8 até 11. Existem referências aos três
até 15. Dos versos 16 a 48 expõem-se vários guṇas e ao tempo nos aforismos 12 a 14.
poderes psíquicos decorrentes da prática de Parece haver uma espécie de crítica ao
saṃyama em relação a diversos objetos. O Budismo, nomeadamente quanto à mente e à
estado de omnisciência e libertação final – consciência, nos versos 22 a 26 e novamente
kaivalya – finalizam o terceiro capítulo, versos distrações da mente durante o processo
49 até 55. meditativo surgem previstas nos versos 27 e
28. Patañjali introduz o termo dharmamega e
os efeitos provenientes dessa prática nos
aforismos 29 a 33 e a libertação final, kaivalya,
encerra o capítulo e a obra com o verso 34.

16
Paulo Hayes

3 - Integração do yoga clássico nas práticas modernas

encontradas no website da International


Association of Yoga Therapists2. O yoga
moderno é essencialmente praticado em
escolas ou estúdios de yoga, ginásios e
academias. Não é uma questão a debate, por
agora, saber quando inicia o período da
modernidade e do pós-moderno. A nossa
observação da correlação das práticas de
yoga situa-se temporalmente após a década
de cinquenta do século passado. Parece que
uma pequena minoria, nos dias de hoje, se
interessa verdadeiramente pelo estilo de vida
yoguico. Outros praticantes parecem não dar a
Parece que o yoga contemporâneo está mais importância devida aos yamas e os niyamas,
relacionado com a tradição do haṭhayoga e as éticas que são nucleares ao yoga clássico.
suas variantes. O haṭha é um tipo de yoga As escrituras clássicas, do raja ou aṣṭāṅga
mais físico, embora envolva também práticas yoga, possuem um referencial ortonormado de
energéticas e meditativas. Podemos afirmar, conduta que se aplica a quaisquer sociedades,
sem margem para dúvidas, que na raiz deste inclusive ás modernas. Se a prática moderna
tipo de yoga está a filosofia Indiana do tantra. do yoga postural só acontece uma hora por dia
O tantra é também uma filosofia prática de vida nas salas de prática, ou uma vez por semana
bastante antiga. Este curto trabalho não para alguns adeptos, podemos afirmar que se
aborda essa matéria. As práticas posturais são trata de uma prática incompleta? ou será antes
a maioria nas aulas, nas escolas e estúdios de ainda a fase inicial de um caminho prático?
yoga no ocidente e na própria Índia moderna. Independentemente da resposta, as práticas
No moderno yoga postural, talvez mais popular posturais têm um objetivo claro, previsto nos
a partir de 1920, a maior parte dos praticantes textos tradicionais Indianos. As posturas,
procura flexibilidade, alívio das dores, firmes e confortáveis, devem permitir aos seus
bem-estar físico e mental. O stress é um dos praticantes um avanço para outras técnicas
grandes males das sociedades modernas e o mais subtis e refinadas do yoga interno,
yoga tem um papel importante, uma concentração, meditação e transcendência da
ferramenta barata e eficaz, para a diminuição mente ou samādhi. Ponto assente na tradição
dos níveis do cortisol. As práticas de yoga filosófica do yoga é a necessidade basilar de
funcionam como regulador dos principais equilibrar técnica com ética, fazer equilibrar os
sistemas orgânicos, existem inúmeros dois pratos da mesma balança. O sistema de
benefícios terapêuticos para o praticante. Os valores que o yoga clássico de Patañjali
benefícios do yoga estendem-se propõe aplica-se a todos os povos, de todos os
comprovadamente a diversas patologias.
Algumas das pesquisas científicas podem ser 2
www.iayt.org

17
O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

tempos. Esta intemporalidade das injunções textos de haṭha yoga descrevem as mesmas
éticas e morais formam a estrutura basilar das práticas, mas com nome diferentes, o que
regras de conduta que permitem ao adepto complica ainda mais o trabalho do intérprete. A
alcançar um estado transcendental, não questão dos alinhamentos nas práticas
mediado pelos sentidos, - kaivalya – ou a posturais de yoga é algo muito recente. Quem
separação final entre o espírito e a natureza. inventou o alinhamento das posturas e qual o
Essa separação opera na realidade seu propósito, se as posturas servem para
soteriológica, permitindo aos adeptos alcançar preparar corpo e mente para práticas mais
estados modificados da consciência, que de refinadas e subtis de yoga? Segundo, nós
alguma forma são inatos em todos os seres vivemos no ocidente com um clima,
humanos. Ao contrário do maya vedântico, alimentação e estilos de vida completamente
onde tudo é ilusão, a filosofia clássica do yoga diferentes dos do subcontinente Indiano.
não nega a realidade visível. Afirma antes que Nenhum ocidental, ao que se saiba, pratica
ela é temporária e perene, não é o degrau yoga na floresta e veste tanga ou uma pele de
último, faz parte de cada indivíduo em cada tigre como indumentária. Nos dias de hoje os
momento evolutivo. O yoga foi incorporado em acessórios são os tapetes, as almofadas, os
diversas culturas ao longo dos séculos. Essas cintos, incensos e quiçá música. Nos dias de
culturas e sociedades ocidentais, anfitriãs do hoje encontram-se várias escolas de
yoga, têm os seus próprios conceitos e valores diferentes tradições: o yoga vedanta, o tantra
normativos. Quando o yoga indiano entrou nas yoga, o kuṇḍalinī yoga, o yin yoga, etc. Estes
culturas ocidentais foi obviamente adaptado estilos de yoga socorrem-se essencialmente
aos modos de vida dos modernos praticantes. da prática de posturas, respirações,
O processo de aculturação é irreversível e há relaxamentos, meditação e mantras. A
que entender de que forma as práticas meditação, a meu ver, é o coração do yoga.
modificam a perceção dos praticantes e Mesmo nos yogas com características mais
impregnam uma nova visão da realidade. O devocionais – bhakti yoga – meditar na
processo transformador, ao qual divindade pessoal ou Iṣṭa-devatā e suas
voluntariamente os adeptos se sujeitam, características, fundir-se com essa mesma
traz-lhes uma cosmovisão pacífica e divindade de eleição, representa uma das
harmoniosa da vida. É impossível, nos dias de formas meditativas existentes na tradição
hoje, praticar-se yoga tal qual ele era praticado transnacional do yoga.
há dois ou três mil anos atrás. Primeiro, os
ambientes culturais e sociais eram outros e
não sabemos os detalhes dessas práticas. A
maioria dos textos dá-nos uma descrição
sumária, com ínfimas possibilidades de
interpretação por parte do leitor. Por exemplo,
o texto haṭhayōgapradīpikā não detalha
pormenores anatómicos das posturas. Alguns

18
Paulo Hayes

Na atualidade ocidental é recorrente a consciência pura. As nossas ações contam, o


discussão sobre a questão das escolas de que dizemos ou o que pensamos dos outros. O
yoga ancorarem a sua autoridade numa espírito ou purusha, nos estágios finais da
pretensa tradição e pureza original dos textos. tradição clássica do yoga, liberta-se do jugo da
A canonização do yoga, a qualquer custo, a matéria e do sofrimento. A realidade última
ideia de que as modernas práticas posturais pode não ser necessariamente qualquer
dinâmicas têm raízes em textos antigos e felicidade suprema, mas sim a ausência de
sagrados de yoga é absurda e já foi rebatida todo e qualquer sofrimento. Até porque se a
pela moderna academia (Singleton, 2010: felicidade é um conceito subjetivo e admite
163-210). Por outro lado, poderá ser viável sentimentos opostos, pode não caber numa
uma aposta de continuidade essencial de ética última experiência não-dual, situada além do
e de funcionalidade das próprias práticas de intelecto e sem polaridades. Pode não existir a
yoga. Se o moderno yoga segue a filosofia felicidade e não existir a infelicidade. Quem
Patañjaliana, de perto ou de longe, poderá não sabe se, para lá da consciência manifesta, não
ser tão relevante e tratar-se mesmo de uma existe o ser nem existe o não ser? Essa á a
discussão inútil. O que importa a muitos derradeira experiência libertadora do
adeptos são talvez os efeitos que as práticas sofrimento humano. Seja com práticas antigas
lhes proporcionam e não um qualquer estado de yoga ou com práticas modernas, o que
metafísico descrito nos textos e alcançado por realmente importa é a erradicação da pobreza
meia dúzia de eleitos. Recitar escrituras em e do sofrimento de todos os seres sencientes.
sânscrito, embora sinal de erudição, não é O yoga sempre foi apenas uma proposta, uma
garantia suficiente para transformar um adepto boa proposta!
num indivíduo sábio. Na certeza, porém, que
dessa funcionalização moderna do yoga não
se podem omitir valores basilares e
transversais à própria ética que a cultura
yoguica contém, como a verdade, a
não-violência e outros valores éticos. Seja um
estilo mais vedântico, devocional, budista,
jainista ou tântrico de yoga, as prescrições
éticas e regras de convivência e respeito social
são essenciais à espiritualidade proposta pelo
yoga indiano. O objetivo último de qualquer
dos yogas continua a ser o encontro do
indivíduo com o melhor de si mesmo, a ligação
do espírito individual com a consciência
suprema ou paramātmān. O yoga clássico
explica essa mesma conexão através da ideia
de separação ou isolamento, de um retorno à

19
O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

Conclusão

O yoga assume nas sociedades ocidentais uma forma poderosa de espiritualidade. Não é
hierarquizada nem sujeita a dogmáticas. Não é uma religião stricto sensu. Não existe um único local
divino: a sacralização está no próprio corpo que é um templo do espírito. O sentimento de
empoderamento3 dos adeptos manifesta-se através do aumento da confiança e autoestima,
criatividade e insights, de uma vida melhor. Os praticantes correm o risco de se tornarem naquilo
que um dia julgaram poderem vir a ser.

A tradição do yoga clássico, redescoberta por Colebrook na altura da colonização da Índia, entra
inicialmente no ocidente como uma escola filosófica de pensamento. A sociedade teosófica e a
própria Blavatsky são os principais motores da divulgação do yoga no ocidente. A partir da década
de vinte do século XIX, autores como Hegel, Max Müller e Vivekananda desprezam as práticas
corporais do yoga, considerando-as próprias de pedintes, debochados e aldrabões que
deambulavam pela Índia à procura, aqui e ali, de esmolas (White, 2012: 53-142). Antes do final do
séc.XIX, uma nova teoria foi proposta para justificar o desaparecimento da filosofia do yoga do
território Indiano: os verdadeiros yoguis que não se afastaram dos ensinamentos de Patañjali, em
favor das práticas fanáticas associadas ao tantra, poderiam ainda ser encontrados em solidão nos
Himalayas (Oman, 1908: 22-25). No início do sé culo XX,
novos atores colocam em cena um processo de medicalização
do yoga. Kuvalyananda,Yogendra e Krishnamachárya foram
os principais impulsionadores da tradição do hatha yoga e da
ginástica Indiana no mundo moderno. Sivananda e o seu
discípulo Vishnu-Devananda formam os centros internacionais
de yoga vedanta onde a cultura da Índia, nomeadamente as
tradições filosóficas do vedanta e do yoga, são disseminadas
de forma massiva. Há medida que o yoga se torna cada
vez mais popular, vai perdendo o seu caracter filosófico
e mental. As experiências dos Beatles na Índia, os
movimentos new-age e flower power, o nacionalismo
Hindu aderem massivamente ao yoga postural como
ferramenta de combate ao status quo. Abrem-se
as portas a um
afastamento cada vez
maior dos princípios éticos do
yoga clássico, da conceptualização
e da autorreflexão crítica.

3
Empowerment na língua Inglesa.

20
Paulo Hayes

A partir da década de quarenta, do século passado, professores mundialmente famosos como


Iyengar eJois espalham no ocidente a mensagem do yoga dinâmico e sequenciado. O ensino do
yoga começa a ser considerado como uma profissão emergente. Milhares de Europeus e
Americanos viajam para a Índia em busca de conhecimento e formação em yoga. A partir de 1960
surge a figura do instrutor de yoga. O yoga moderno postural torna-se objeto comercial, através da
indústria dos acessórios, dos retiros e das formações, das viagens e workshops com yoga, entre
outras atividades. Por outro lado, o yoga é estudado em departamentos de filosofia e de ciências
das religiões das universidades. Atualmente as práticas de yoga fazem parte de programas de
saúde em hospitais e centros de saúde.

Os adeptos, as escolas e associações de profissionais, são responsáveis pela construção de um


imaginário popular yoguico. Essa construção deve, inequivocamente, ter em conta as raízes éticas
do yoga clássico Indiano sob pena de se esvaziarem de qualquer espiritualidade. Os aforismos de
Patañjali, os yoga sūtra, continuam a ser uma fonte milenar de sabedoria com aplicação prática
regular.

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O Yoga Clássico e a sua importância no período moderno

Bibliografia

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Flood, Gavin (2008). The Blackwell Companion to Hinduism, John Wiley & Sons.

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Shattuck, Cybelle (1999). Hinduísmo. Lisboa: Edições 70.

Singleton, M. (2010). Yoga Body: The Origins of Modern Posture Practice. New York: Oxford
University Press.

Raju, PT (2009). The philosophical traditions of India. Delhi: Motilal Barnasidass.

White, D. (2012). The Yoga Sutra of Patanjali. New Jersey: Princeton University Press.

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Paulo Hayes

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