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João Pedro Tereso

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE MACRO-RESTOS VEGETAIS


EM SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS

1ª Edição
Maio 2008
Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

ÍNDICE

Introdução 3

I – Enquadramento 5

1.1. Conceitos gerais 5


1.2. Formas de conservação de macro-restos vegetais 7
1.2.1. A combustão 7
1.3. Contextos onde surgem 8
1.4. Potencial científico – Paleoecologia e Paleoetnobotânica 9
1.4.1. Antracologia 9
1.4.2. Carpologia 12

II – Recolha de macro-restos vegetais 14

2.1. Estratégias de amostragem e recolha 14


2.2. Tratamento de amostras 18

III – Trabalho laboratorial 21

IV – Bibliografia 25

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

Introdução

Qual o significado de Arqueobotânica, Carpologia e Antracologia? Como se


recolhem e estudam carvões e sementes em sítios arqueológicos? Qual o potencial e
as limitações dos estudos arqueobotânicos? Que dados nos fornecem? Que dados
devemos fornecer ao especialista em arqueobotânica?
Este guia introdutório tem como objectivo enquadrar os estudantes de
arqueologia, e todos os interessados na temática, nos estudos de materiais de origem
vegetal recolhidos em escavações arqueológicas. Se bem que a recolha – pelo menos
a recolha manual – de material carbonizado de origem vegetal em intervenções
arqueológicas seja hoje em dia algo comum, nem sempre todos os participantes
dessas escavações compreendem verdadeiramente as razões da recolha. E nem
sempre todos percebem o verdadeiro alcance das abordagens paleobotânicas, ou o
porquê de exigirem recolhas sistemáticas e bem controladas. É neste contexto que
surge este guia. Nem todos os seus conteúdos são directamente relacionados com
aspectos concretos do trabalho de campo, mas visam esclarecer dúvidas a montante e
a jusante deste processo, numa perspectiva englobante que enquadra o trabalho de
recolha no campo e a interpretação de resultados.

Os estudos arqueobotânicos são uma fase importante da análise das jazidas


arqueológicas e não devem ser entendidos como estudos separados e
complementares, mas sim integrantes dos trabalhos arqueológicos. Os dados
fornecidos por um estudo desta natureza permitem uma maior compreensão das
jazidas e das comunidades que nelas habitaram, mas ao mesmo tempo são
grandemente tributários dos estudos arqueológicos. Assim, a sua interpretação deve
ser realizada à luz do contexto de recolha, tanto no sentido sedimentar, como no
sentido arqueológico (associação a uma estrutura ou depósito e sua posição na
sequência de ocupação) e histórico (enquadramento num estádio social e cultural).
Os estudos arqueobotânicos, tal como as abordagens de outras arqueociências,
deverão constituir mais do que conjuntos de dados anexados e contribuir sim para a
síntese de conhecimento produzida acerca da realidade estudada.
Uma proposta, entre outras possíveis, de esquematização de um estudo
arqueobotânico seguiria a seguinte sequência:

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

Escavação arqueológica
(incorporando abordagens de várias arqueociências, seguindo estratégias previamente estabelecidas)

Estudo arqueobotânico
(recolha de campo, análise laboratorial, análise de dados)

Estudo paleoetnobotânico e paleoecológico


(estudo ecológico e etnobotânico, em conjunto com contextualização arqueológica)

Análise espacial e eco-territorial


(esboço interpretativo local; proposta de base geográfica, etnográfica e arqueológica)

Análise de dados
(articulação entre os dados de diversas origens - Arqueologia e Arqueociências)

Produção de síntese e divulgação de resultados

Fig. 1 – Esquema de um estudo arqueobotânico

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

I – ENQUADRAMENTO

1.1. Conceitos gerais

Em Paleobotânica vários conceitos são usualmente utilizados, seja como


sinónimos, como designações de diferentes realidades, ou mesmo como
representação de abordagens diferentes a uma mesma realidade. Interessa aqui
apresentar os seguintes conceitos: Paleobotânica, Arqueobotânica, Paleoecologia,
Paleoetnobotânica, Carpologia, Antracologia e Palinologia.
Enquanto que Arqueobotânica é entendido aqui como o estudo de vestígios
botânicos antigos recolhidos em jazidas arqueológicas, Paleobotânica é um conceito
mais aglutinador que representa o estudo de vestígios botânicos antigos,
arqueológicos ou não. Ambos os termos são utilizados independentemente do material
botânico estudado, do tipo de abordagem, ou da posição epistemológica adoptada
(Tereso, 2007).
Paleoecologia é o estudo de evidências – botânicas ou não – no sentido da
percepção e compreensão de paleoambientes e dos processos que lhes são
inerentes, num dado momento ou numa perspectiva diacrónica. Quando é feito a partir
do estudo de vestígios recolhidos em jazidas arqueológicas – ainda que sejam raros
os contextos que potenciam este tipo de estudos – permite enveredar por
aproximações às características e transformações da envolvente dos locais
frequentados pelas comunidades humanas em análise. Vários autores utilizam o termo
Arqueobotânica como sinónimo desta descrição de Paleoecologia (Badal et al., 2003;
Espino, 2004).
Jane Renfrew (1973) definiu Paleoetnobotânica como “the study of the remains
of plants cultivated or utilized by man in ancient times, which have survived in
archaeological contexts”. Este conceito coloca assim a ênfase nas relações entre os
seres humanos e os vestígios de origem vegetal enquanto subprodutos das suas
actividades num determinado local e num dado momento. Assume-se, assim, que a
presença dos mesmos num contexto arqueológico é passível de ser explicada por
aspectos sócio-culturais e funcionais (Espino, 2004).
A Carpologia é o estudo de sementes e frutos. Quando recolhidos em sítios
arqueológicos estes macro-restos vegetais fornecem importantes informações acerca
da economia e hábitos alimentares das comunidades humanas antigas.
A Antracologia é o estudo de madeiras carbonizadas. Quando encontrados em
sítios arqueológicos, os carvões são passíveis de interpretações culturais,
nomeadamente no que respeita às estratégias de obtenção e uso de combustível

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Fig. 2 Género Cistus (esteva, sanganho). Em cima: flor e pólen (eixo polar: 59 μm – Deforce, 2006). Em
baixo: carvão (imagem SEM) e semente (Tereso, 2007).

doméstico; quando recolhidos em séries sedimentares são passíveis de interpretações


ecológicas, referentes à flora local, permitindo ainda o estudo de fogos regionais.
A Palinologia é o estudo de pólen e outros micro-fósseis. O pólen é uma
estrutura muito resistente que facilmente subsiste em condições ambientais muito
específicas, nomeadamente ecossistemas permanentemente alagados, tais como
pântanos, lagos, lagunas e turfeiras. Nestes contextos é possível obter colunas
sedimentares que são autênticas séries temporais, visto a produção, dispersão e
deposição polínica serem fenómenos anuais. A identificação dos pólenes ao nível da
espécie, género ou família e a sua contabilização e análise estatística permitem obter
uma imagem fiável da paisagem ao longo da coluna estratigráfica, ou seja, ao longo
de uma série temporal, possibilitando compreender de que modo evoluiu a paisagem
regional e quais os factores que condicionaram essa evolução (Mateus, et al., 2003). A
integração numa cronologia mais precisa é conseguida com datações de
radiocarbono.
Embora os vestígios paleobotânicos possam ser de diversos tipos, esta obra
introdutória, irá centrar-se unicamente na recolha e estudo de macro-restos vegetais,

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isto é, os vestígios carpológicos e os tecidos lenhosos (antracológicos caso estejam


carbonizados).

1.2. Formas de conservação de macro-restos vegetais

São várias as formas de conservação de tecidos lenhosos e carporrestos em


sítios arqueológicos, das quais salientamos, na bibliografia existente (Buxó, 1997 e
1990; Marinval, 1999; Piqué, 2006), os seguintes:
- Carbonização, ou seja, a substituição dos elementos orgânicos por
carbono (fossilização) e o consequente afastamento dos mesmos dos ciclos de
degradação biológica (não mecânica).
- Existência de condições anaeróbicas, o que acontece em meios
saturados de água, naturais ou artificialmente criados (por vezes dentro dos
locais de ocupação humana, como os poços).
- Existência de condições extremas, de aridez, frio ou gelo.
- Contacto com elementos químicos inibidores da actividade bacteriana,
por exemplo, alguns metais (Piqué, 2006). A título de exemplo, a ferrugem de um
utensílio pode garantir a preservação de parte do cabo de madeira do mesmo.
- Mineralização dos carporestos através da formação de depósitos de
sílica que, após a morte e decomposição da planta, se conservam enquanto
esqueletos de sílica, replicando a morfologia das superfícies vegetais (Buxó,
1997; 1990). Contudo, nem todas as espécies possuem capacidade de
mineralização (Marinval, 1999).
- Impressão de sementes, folhas e ramos em argilas (e.g. de recipientes
ou barro de revestimento).

1.2.1. A combustão

A combustão é uma reacção química que exige a presença de combustível e


oxigénio e pode ocorrer de forma natural ou artificial. Processa-se em quatro principais
fases que se sucedem de acordo com o aumento da temperatura (Chabal, et al., 1999;
Badal et al, 2003; Allué, 2002):

1. Desidratação – até aos170ºC


2. Torrefacção – até aos 270ºC

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3. Carbonização ou pirólise (inicio da fase exotérmica) – até aos 500ºC


4. Combustão completa

Nas duas primeiras fases, o material vegetal seca e dá-se uma perda de 35% do
peso, em forma de vapor de água, gás carbónico e outros componentes orgânicos.
Num sentido estrito, a combustão compreende somente as duas fases finais. A
carbonização (pirólise) é uma reacção térmica que conduz à formação de brasas,
implicando a degradação química da celulose e da lignina, enquanto que a fase
seguinte corresponde a uma reacção oxidante que conduz à formação de cinzas e
poderá acontecer sem a presença de chamas. A interrupção da combustão no final da
terceira fase, seja por cessar a alimentação de oxigénio ou pela perda de temperatura,
conduz à formação de carvões (por calcinação) que, desta forma, mantêm a estrutura
anatómica e a morfologia básica do material vegetal original (Chabal, et al., 1999;
Badal et al, 2003; Allué, 2002).

1.3. Contextos onde surgem

Na maioria das jazidas arqueológicas em locais secos caracterizados por


ambientes sedimentares oxigenados, as únicas evidências paleobotânicas
conservadas e passíveis de identificação encontram-se carbonizadas.
Desta forma, os locais mais susceptíveis de fornecer macro-restos vegetais são
aqueles associados a actividades de combustão (e.g. lareiras, fornalhas, fornos) ou a
momentos de combustão ocasionais (e.g. derrubes com evidências de fogo). Estes
macro-restos recolhidos em associação com determinado contexto arqueológico bem
delimitado são designados de macro-restos “concentrados”.

Fig. 3 – Exemplo de carvões concentrados – estruturas de combustão romanas

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De igual modo, é usual surgirem fragmentos de carvão ou mesmo frutos ou


sementes carbonizadas em depósitos dispersos pelas jazidas arqueológicas. Estes
podem também resultar das actividades e momentos descritos acima, ainda que
tenham sido disseminados por acção humana, na sua vivência diária do local de
habitação, ou por processos pós-deposicionais – erosão e transporte sedimentar.
Estes macro-restos são designados de macro-restos “dispersos”.

1.4. Potencial científico – Paleoecologia e Paleoetnobotânica

1.4.1. Antracologia

No plano teórico-metodológico coexistem abordagens distintas pretendendo


definir as capacidades e limitações dos estudos antracológicos de jazidas
arqueológicas em especial no que concerne ao seu potencial para a realização de
reconstruções paisagísticas.
A posição de índole paleoecológica apoia-se na distinção entre carvões
concentrados e carvões dispersos. Os primeiros devem traduzir um único momento de
selecção de combustível/material de construção, tratando-se assim de uma amostra
não aleatória da vegetação lenhosa, e sendo passível de uma interpretação
eminentemente paleoetnobotânica, para as quais a sincronia dos macro-restos
recolhidos demonstra ser uma valência (Figueiral, 1994).
Por seu turno, os materiais dispersos deveriam fornecer espectros mais
completos da paleovegetação envolvente da jazida arqueológica. Estes
corresponderiam a acumulações de vários momentos singulares, espelhando diversos
momentos de recolha de combustível e limpeza da área de habitação. Segundo alguns
autores a recolha sucessiva de madeira atenuaria o factor selecção aumentando a
possibilidade de, entre os carvões dispersos, se encontrarem representadas todas as
espécies lenhosas da envolvência do habitat e nas proporções directas, ou não – aqui
variam as interpretações – face à composição paisagística (Chabal, et al., 1999;
Figueiral, 1994).
Contudo, em termos estatísticos, uma amostra composta por uma sucessão de
gestos selectivos não passa a ser uma amostra aleatória, por maior que seja a
acumulação de gestos incluídos.
Diversos autores sustentam que a obtenção de combustível lenhoso seguiria o
princípio do mínimo esforço segundo o qual, de forma aleatória e não selectiva, seriam
recolhidos ramos caídos, secos, privilegiando-se os materiais mais próximos do

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povoado, independentemente das suas características específicas. Desta forma, todas


as espécies lenhosas seriam recolhidas na medida da sua abundância (apud Allué,
2002; Espino, 2004 e Piqué, 2006). Do mesmo modo pressupõem que a exploração
da madeira far-se-ia em meios associados a outras actividades como a agricultura e a
pastorícia, o que, mediante uma correcta amostragem e recolha durante a escavação
arqueológica – distinguindo o material disperso – deveria garantir um reflexo fiel do
território de exploração (Chabal, et al, 1999; Figueiral, 1994; Vernet, 1999).
A posição de índole paleoetnobotânica contesta esta visão optimista do potencial
paleoecológico da antracologia arqueológica negando os princípios que a
fundamentam.
Estudos etnográficos demonstram que as comunidades rurais têm sólidos
conhecimentos de base empírica acerca das propriedades das madeiras enquanto
material de construção e combustível. A escolha de materiais lenhosos poderia
depender dessas propriedades, tal como da articulação entre necessidades da
comunidade, disponibilidade no meio e ainda de factores de ordem cultural. Deste
modo, a sua presença na jazida dificilmente seria correlacionável quantitativa e
estruturalmente, de forma directa, com a biomassa existente (Piqué, 2006; Allué, 2002;
Mateus et al., 2003). De igual modo, a ausência de um elemento no registo
antracológico nunca poderá significar a sua inexistência na paisagem envolvente do
povoado.
Por outro lado, o espectro representado pelos fitoclastos dispersos não pode
correctamente ser posicionado num momento bem delimitado, antes num intervalo de
tempo correntemente inquantificável – o tempo de formação do depósito estudado –
durante o qual podem ter-se verificado alterações paisagísticas, homogeneizadas na
leitura das evidências arqueobotânicas como um só momento.
Parece claro que, embora faça sentido a nível metodológico e mesmo
interpretativo a distinção entre carvões dispersos e concentrados, a selecção antrópica
encontra-se inerente a ambos, devendo incluir-se na sua interpretação (Uzquiano,
1997). Dada a natureza dos factores que condicionam o registo antracológico, a
percepção do seu significado passa primordialmente pela compreensão da jazida e da
sua envolvência (Uzquiano, 1997).
Por fim, os processos a que são sujeitas as estruturas vegetais até se tornarem
parte do registo arqueológico poderão igualmente condicionar a sua interpretação,
enviesando a correlação entre a quantidade de material carbonizado e número de
indivíduos representados. O processo de fragmentação depende de factores que não
são controláveis, tais como as propriedades de cada espécie, as condições em que
ocorreu a sua carbonização e ainda diversos processos pós-deposicionais (Allué,

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2002). Acrescente-se que a redução da massa com o fogo poderá não ser
proporcional em todas as espécies, o que deverá afectar de forma muito significativa
os espectros antracológicos (Chabal, et al., 1999).

Fig. 4 – Carvalho de folha caduca: toro queimado e imagem de microscópio de um corte transversal

Os estudos antracológicos nos sítios arqueológicos, no entanto e apesar dos


argumentos acima expostos, são de grande importância e constituem fonte de
informação com muitas possibilidades interpretativas.
Ao nível das interpretações etnográficas são diversas as linhas de investigação.
Partindo do princípio que existe uma selecção humana das madeiras de acordo com
os fins a que se destinam, o que pressupõe um conhecimento profundo das matérias-
primas, torna-se determinante tentar aceder ao processo inerente a essa escolha.
As madeiras seriam escolhidas de acordo com determinadas propriedades, tais
como a rigidez, elasticidade e plasticidade – para a construção e artesanato – e as
propriedades calóricas – quando a madeira se destinava a servir como combustível
(Chabal, et al., 1999).
Não obstante, existe um potencial paleoecológico nas análises antracológicas
que começa pela simples nomeação da sua presença na paisagem ou região
envolvente. É evidente que a escolha de uma determinada matéria-prima lenhosa
estaria condicionada, antes de tudo, pela sua disponibilidade – ou seja, a sua
presença – na envolvência do sítio ou na área directa de acção das comunidades.
Assim, embora seja possível reconhecer componentes de unidades de vegetação não
é linear a interpretação do seu peso na constituição da paisagem.

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1.4.2. Carpologia

As análises carpológicas – que etimologicamente deveriam incidir unicamente


sobre frutos – são aqui entendidas num âmbito alargado, incidindo sobre diferentes
tipos de estruturas vegetais, nomeadamente, frutos e infrutescências, sementes,
tegumentos, pedúnculos, espigas, espiguetas, glumas e segmentos de raquis
(Marinval, 1999; Buxó, 1997).
A carpologia arqueológica é entendida como um estudo paleoetnobotânico por
excelência. Tal acontece porque, por um lado, a detecção desses macro-restos está
intimamente relacionada com os modos de confecção e estratégias de armazenagem
que lhes são inerentes. Por outro, a presença dos indícios carpológicos normalmente
resulta de uma recolha que não se processa de forma aleatória, pressupondo uma
forte selecção e frequentemente implicando o seu cultivo e gestão prévios.
A recolha de frutos e sementes por parte de comunidades antigas cumpria
objectivos específicos: a alimentação, a preparação de fármacos e drogas, a produção
têxtil e artesanal, a obtenção de combustível (e.g. o azeite), a ornamentação, a
realização de rituais e a troca/comércio. Não obstante, é frequente a presença de
sementes de espécies daninhas que acompanham os cultivos, assim como de
espécies existentes na envolvência das habitações ou recolhidas como combustível.
Numa análise mais imediata, é possível estabelecer algumas linhas de
investigação (ver Marinval, 1999 e Buxó, 1997):
- Compreensão da selecção, consumo e modo de preparação de alimentos
vegetais, selvagens e cultivados, e assim deduzir diversos aspectos das paleo-
dietas;
- Aproximação às diferentes fases e gestos relacionados com as
actividades agrícolas, em articulação com as capacidades tecnológicas de cada
comunidade de um determinado espaço e tempo (implicando um conhecimento
arqueológico e histórico de base);
- Conhecimento dos modos de gestão dos territórios e ecossistemas
envolventes de cada paleo-ocupação humana, de acordo com modelos de
organização e hierarquização do território, teóricos e predefinidos (Mateus,
2004), e implicando conhecimentos de base ecológica e etnográfica;
- Estudo de determinados aspectos relacionados com práticas cultuais –
oferendas e depósitos funerários.

Por fim, e apesar de também as interpretações carpológicas serem fortemente


tributárias do contexto arqueológico (Marinval, 1999) não se pode deixar de salientar

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que a carpologia poderá ter um papel relevante ao nível das interpretações


paleoecológicas, sempre como complemento qualitativo (Buxó, 1997), e na estreita
relação com o contexto arqueológico em questão, isto é, o seu território de exploração.
É referente a este espaço, em especial na sua componente mais imediata face ao
povoado, que se obtêm informações relativas à parte da composição florística que
acompanha os campos de cultivo (daninhas de culturas) e estruturas rurais
(comunidades ruderais).

Fig. 5 – Cereais: seara actual e sementes romanas carbonizadas (Triticum aestivum/durum).

É necessário, contudo, prudência no que respeita à interpretação de dados


referentes a estes vestígios botânicos. Contingências de natureza arqueológica
prendem-se com as especificidades de cada contexto escavado e a relatividade da
sua expressão ao nível da compreensão da jazida no seu todo (raramente totalmente
escavada). Outras limitações devem-se à selectividade do processo de conservação
desses mesmos vestígios, a carbonização. Uma conservação diferencial de macro-
restos carbonizados privilegia as sementes maiores e as que dispõem de pericarpos
lenhosos (Buxó, 1997).
Por outro lado, e sendo talvez o aspecto mais relevante, a conservação
dependerá igualmente das distintas manipulações culinárias de cada fruto ou semente,
potenciando desproporcionalidades (e ausências por não conservação) na listagem
carpológica (Buxó, 1997). Outras desproporcionalidades poderão advir de diferenças
biológicas entre espécies. Assim, numa interpretação carpológica é determinante
conhecer a biologia de cada espécie, em especial a sua diasporologia – um indivíduo
de uma determinada espécie pode produzir grandes quantidades de sementes e um
de outra espécie pode produzir uma só semente – e incluir esses dados na análise de
valores numéricos (Badal, et al., 2003).

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

II – RECOLHA DE MACRO-RESTOS VEGETAIS

2.1. Estratégias de amostragem e recolha

Numa escavação arqueológica a recolha de carvões e sementes deve ser


encarada como um processo rotineiro, a par da recolha de outros artefactos. No
entanto, as suas singularidades exigem estratégias distintas (Martínez, et al., 2003).
Estão longamente descritas na bibliografia as correctas metodologias de campo
que visam a recolha de macro-restos vegetais (veja-se, em especial, Martínez, et al.,
2003; Badal et al., 2003; Buxó, 1997 e 1990) Esta recolha deverá constituir uma
amostragem com valor representativo para o tipo de estudo que se almeja realizar.
Como Badal et al. (2003) referem, os vestígios arqueológicos são sempre parciais pois
representam somente uma parte do que foi utilizado. Dessa parte só se conservaram
os mais resistentes ou os que foram depositados num contexto que facilitou a sua
conservação. Da parte conservada nem sempre se escava tudo. Por isso, a parte
recolhida e a porção estudada – caso seja impossível o seu estudo integral – devem
ser representativas do conjunto. Deve-se ter sempre consciência de que os tipos de
amostragem adoptados condicionam directamente o resultado que se irá obter (Buxó,
1997).
Para além da recolha fortuita ou pontual existem diversos métodos sistemáticos,
com várias valência e também alguns problemas. Estes podem ser adoptados
isoladamente ou combinando-se entre si. Salientam-se:
- Recolha integral do depósito. Permite uma fiável caracterização do contexto
mas exige muito tempo e amplos meios.
- Recolha localizada. É utilizada em áreas com grande abundância de macro-
restos, mas poderá truncar a leitura das realidades pelo facto de pressupor uma
escolha das zonas a amostrar. Pode ser eficaz em concentrações de macro-restos em
estruturas bem definidas e de pequenas/médias dimensões (silos, interior de vasos).
- Amostragem intervalada. Pressupõe que haja uma distribuição uniforme dos
macro-restos pelo depósito
- Amostragem em coluna estratigráfica. Para efectuar numa determinada
realidade bem definida, com um significado vertical importante (e.g. fossas de
detritos).
- Amostragem probabilística ou aleatória. Parte do principio, de difícil
demonstração, de que cada amostra reflecte de forma correcta o conjunto total de
macro-restos da realidade a ser amostrada. Pode condicionar a representatividade dos

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

macro-restos, não tendo em conta a heterogeneidade da sua distribuição pelos


contextos.
- Amostras de volumes constantes por estrato. Por implicar um volume de
amostra constante não tem em conta a heterogeneidade, ou a diferença da riqueza em
macro-restos, dos contextos que se encontram numa jazida.
- Amostragem por estimativa. Recolha de um volume constante – amostra
teste – de forma a testar a riqueza de um determinado contexto, permitindo
reequacionar caso a caso a estratégia seguida, aumentando ou diminuindo a
quantidade de amostras.

Fig. 6 – Contextos que devem ser alvo de amostragens arqueobotânicas, independentemente da


estratégia adoptada: estrutura bem delimitada (à esquerda), recipiente com sedimento (ao centro) e
depósito com potenciais vestígios de combustão (à direita).

Aconselha-se a articulação de uma amostragem por estimativa com a recolha


integral do sedimento de alguns contextos. A amostragem por estimativa, como foi já
referido, pressupõe a recolha e flutuação inicial de um volume constante de terra (para
todas as U.E.), como teste, dependendo a continuação da recolha da riqueza em
macro-fosseis verificada. As principais vantagens deste método são a sua flexibilidade,
a adequação a qualquer tipo de realidade, e o facto de tratar cada depósito de forma
individual seguindo princípios comuns (Martínez, et al.,2003).
Contudo, como salientam os autores, a aplicação deste modelo implica a
presença de uma pessoa que se dedique ao tratamento e recolha de amostras, e
ainda infra-estruturas que garantam a execução da tarefa a um ritmo imediato. O
volume de sedimento que deve ser analisado é demasiado elevado e só uma máquina
de flutuação permite o tratamento das amostras em tempo útil do decorrer dos
restantes trabalhos de campo.

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

Na impossibilidade de criar estas condições, o critério mínimo passa pela recolha


de amostras de forma sistemática em todos os estratos que visivelmente apresentem
macro-restos vegetais ou que estejam associados a contextos que propiciem a sua
presença ou cuja eventual presença de ecofactos se revista de particular importância –
áreas na proximidade de estruturas de combustão, interior de recipientes, estruturas
de armazenagem ou de moagem, fossas e silos (Martínez, et al., 2003).
Deste modo, e como resultado das diferentes estratégias que podem ser
adoptadas, distinguem-se quatro tipos de amostras/recolhas passíveis de distintas
interpretações (Martínez, et al., 2003):
a) Amostras de materiais dispersos. As recolhas devem ser distribuídas
horizontal e verticalmente pela camada;
b) Amostras de materiais concentrados em contextos que apresentem uma
concentração pontual de macro-restos;
c) Recolhas pontuais, manuais, de materiais de significativas dimensões visíveis
durante a escavação;
d) Recolhas integrais. Recolha da totalidade do sedimento, normalmente quando
associado a uma estrutura bem delimitada e de pequenas/médias dimensões.

A quantidade de amostras que se recolhe de cada contexto, deverá ser a


adequada a cada contexto e à capacidade logística de tratar essas mesmas amostras,
não havendo um número mínimo ou máximo admitido à partida. Deve ser definido
inicialmente o volume mínimo de uma amostra, que, por hipótese de trabalho, poderá
corresponder a um balde comum, registando-se o volume transportável pelos baldes
utilizados.

CUIDADOS A TER
Durante as recolhas de amostras no campo existem alguns procedimentos a ter em
atenção, para assegurar uma correcta leitura e interpretação de dados, assim como
para facilitar e optimizar os trabalhos laboratoriais ou para simplesmente permitir que
estes se realizem.

Controlo de proveniência:
- Assegurar o controlo contextual da proveniência dos macro-restos ou amostras,
evitando contaminações com realidades sedimentares adjacentes.
- Efectuar sempre uma correcta etiquetagem das amostras sedimentares, das
recolhas manuais e dos elementos resultantes das flutuações, em todas as fases de

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

trabalho, pois o material sem origem não tem qualquer significado. A etiquetagem
deve incluir os seguintes dados de proveniência:
-Nome de jazida;
- Quadrado/quadrante/Ambiente;
- Coordenadas de referência (quando aplicável);
- Camada/Unidade Estratigráfica;
- Número de referência ou inventário.

Significado da amostra:
- Referenciar sempre qual o tipo de amostra/recolha: dispersa, concentrada, pontual
ou integral.
- Os macro-restos de maior dimensão ou quebrados in situ e em conexão devem ser
recolhidos manualmente e individualizados, para contarem como um só, facilitando a
contagem e identificação. Se surgirem durante a recolha de uma amostra sedimentar,
deve-se anotar a sua conexão com essa amostra.
- Registar a percentagem de sedimento analisada, em especial para contextos
fechados, quando não é possível efectuar recolhas integrais. Por vezes o cálculo
poderá ser aproximado (e.g. através da contagem de baldes de terra).
- Registar o volume da amostra (preferencialmente em litros).

Integridade da amostra:
- Em escavação, a recolha de amostras deve ser efectuada de forma cuidadosa para
não aumentar a fragmentação dos macro-restos vegetais (e.g. se o contexto
sedimentar permitir, recolher a terra em torrões, estes irão desagregar-se durante a
flutuação);
- Os macro-restos (recolhas manuais ou produto de amostragens, após a flutuação)
devem ser guardados em recipientes rígidos de forma a diminuir os riscos de
fragmentação dos mesmos.
- Manusear de forma apropriada os sacos de amostras e os recipientes com macro-
restos vegetais para evitar o aumento da fragmentação dos vestígios.

Fig. 7 – Exemplos de
recipientes utilizados em
diversas fases dos estudos
arqueobotânicos
17
Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

2.2. Tratamento de amostras


Há que definir como, após a recolha das amostras, vão ser separados os
vestígios de origem vegetal do sedimento. Embora alguns métodos sejam
evidentemente mais adequados que outros, a verdade é que a escolha dos mesmos
deverá ter em conta a especificidade de cada jazida e as condicionantes logísticas de
cada projecto.
Os métodos de recuperação de macro-restos vegetais mais comuns são (Buxó,
1997):
- Crivagem a seco da totalidade dos sedimentos no campo, durante os
trabalhos, recolhendo-se manualmente os macro-fosseis. Os fragmentos de
menores dimensões não são identificados e não são retidos nas malhas dos
crivos tradicionalmente utilizados em escavações arqueológicas. Acrescente-se
que este método aumenta o grau de fragmentação dos vestígios botânicos
devido à fricção produzida pela crivagem;
- Crivagem com água, em coluna de crivos. É particularmente eficaz pois
permite a recolha diferencial por dimensão da malha de cada crivo e não implica
um manuseamento excessivo da amostra, salvaguardando a fragmentação dos
vestígios em estudo. Contudo, é um procedimento lento que exige grande
quantidade de água e um esforço logístico muito grande.
- Flutuação de sedimentos. Seguindo o principio de que o material
carbonizado é menos denso que a água e por isso flutua, recolhendo-se
posteriormente por decantação numa coluna de crivos de diferentes malhas.

Não há qualquer dúvida de que o tratamento de amostras por flutuação de


sedimentos é o método que melhor combina eficácia e rapidez. De facto, a flutuação
permite recolher de forma sistemática o maior número de macro-restos vegetais em
menor tempo. Entre os métodos de flutuação distinguem-se a flutuação com recurso
a uma máquina própria e a flutuação manual simples. A primeira é ideal para o
tratamento de grandes volumes de sedimento cumprindo o ritmo exigido pelo decorrer
dos trabalhos de escavação. Contudo, nem todas as jazidas são propícias a este tipo
de equipamento que exige uma grande quantidade de água e um maior esforço
logístico. A segunda é eficaz para pequenos volumes de sedimento, ao mesmo tempo
que é mais fácil de instalar nas escavações arqueológicas (Buxo, 1997).

18
Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

Fig. 8 – Flutuação manual simples: ilustração de procedimentos.


procedimentos.

A flutuação manual simples consiste em depositar o sedimento num recipiente


que, de seguida, é lentamente cheio de água. Ao mesmo tempo procede-se à agitação
manual do sedimento, de forma a desagregar torrões de terra e desprender os macro-
fosseis de menor densidade permitindo que surjam à superfície. Decanta-se, então, o
liquido para uma coluna de crivos. Este procedimento repete-se sucessivamente até
não se verificar a deposição de qualquer macro-resto nas malhas das peneiras.
As colunas podem conter 3 ou 4 crivos, com malhas de 5/4mm, 2mm, 1mm,
0,5mm e eventualmente, de 0,25mm. A utilização de diferentes malhas, seguida do
acondicionamento separado do conteúdo de cada malha, não só salvaguarda os
elementos de menores dimensões da pressão exercida pelos maiores como também
separam de forma graduada os macro-restos, optimizando a sua identificação.
A secagem do conteúdo das malhas deve ser lenta, sem contacto directo com o
sol, para garantir que o material não sofre mais fragmentação.

Como nem todos os materiais flutuam da mesma forma, o sedimento que resta
da flutuação deve ser recolhido e alvo de triagem (integral ou por amostragem,

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

dependendo da disponibilidade de tempo e recursos), com vista à recolha de materiais


e à avaliação e validação do método.
Por fim, salienta-se mais uma vez que deve ser efectuada uma escolha correcta
de recipientes onde se depositam os macro-restos vegetais. Estes devem ser rígidos,
para evitar maior fragmentação de material e devem conter sempre a devida
informação de proveniência, com uma etiquetagem que seja facilmente legível e
bastante duradoura. Se possível repetir etiquetagem.

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

III – TRABALHO LABORATORIAL

Pretendendo-se com este guia fazer uma introdução ao trabalho de campo e


também explicar princípios e conceitos inerentes à disciplina. Não se assume como
prioritário a descrição aprofundada da componente laboratorial de um estudo
arqueobotânico. Interessa, contudo, introduzir a temática.
A primeira fase do trabalho laboratorial é a triagem do conteúdo de cada malha
da coluna de crivos. Esta tarefa é executada com recurso a uma lupa binocular e
consiste na recolha de frutos e sementes – material carpológico – entre o conjunto de
material carbonizado.
De seguida procede-se ao diagnóstico, ou seja, a identificação botânica dos
macro-restos recolhidos, existindo procedimentos distintos para carvões e
carporrestos. Ainda assim, de forma comum às duas áreas, a identificação é sempre
individual, faz-se a cada pedaço de carvão ou a cada semente. Pode-se identificar
com diferentes graus de aproximação: desde o grupo (Angiospérmica ou
Gimnospérmica), à espécie. Com alguma frequência não se logra ultrapassar o género
ou mesmo a família, dependendo da dificuldade de distinção anatómica de
determinados conjuntos de espécies (Badal, et al., 2003).

ANTRACOLOGIA
O estudo de madeiras carbonizadas – antracologia – consiste na identificação
botânica dos fragmentos através do reconhecimento das suas características
anatómicas a um nível microscópico.
Os fragmentos de carvão de dimensões superiores a 2mm – recolhidos nas
malhas mais largas da coluna de crivos – são seccionados manualmente segundo três
secções de diagnóstico: transversal, radial e tangencial. A sua observação é depois
realizada com recurso ao microscópio óptico de luz reflectida.
A identificação dos taxa realiza-se com base em comparações com colecções de
referência de material actual, atlas de anatomia (Schweingruber, 1990a, 1990b;
Vernet, et al., 2001) e estudos anatómicos detalhados de grupos taxonómicos
particulares.
Na antracologia o fragmento é a unidade de medida – cada fragmento é uma
unidade, independentemente da sua dimensão. Estudos comparativos têm
demonstrado que o uso da massa, peso ou do nº de fragmentos oferecem resultados
equivalentes (Uzquiano, 1997; Badal et al., 2003). Acrescente-se que o último
apresenta uma maior rapidez de análise, sendo assim mais vantajoso para estudos
desta natureza.

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

Deve-se analisar uma quantidade de carvões que seja representativa da unidade


de amostra. Para avaliar quando é possível parar o estudo de uma determinada
amostra, são realizadas curvas de esforço-rendimento (Badal, et al., 2003). A
quantidade varia consoante a riqueza floral do contexto estudado. Alguns autores
defendem um mínimo que oscila entre os 200 e os 500 carvões por Unidade
Estratigráfica.

Secção
transversal

Secção
radial

Secção
longitudinal

Fig. 9 – Esquema de secções de madeira (adaptado de Schweingruber, 1990).

CARPOLOGIA
A observação de sementes e demais carporrestos é realizada à lupa binocular e
o diagnóstico efectua-se por comparação morfológica com elementos actuais, com
recurso a colecções de referência, atlas da especialidade (Berggren, 1981) e estudos
detalhados de determinados grupos morfológicos.
No que respeita aos carporrestos, a base de medida é a unidade – cada
carporresto equivale a uma unidade. Deve-se ter particular atenção à distinção entre
exemplares intactos e exemplares fragmentados. Por vezes é possível identificar o
número mínimo de sementes com base na identificação de um elemento particular
destas – e.g. o hilo da fava.

ANÁLISE DE DADOS
A análise dos resultados das identificações antracológicas e carpológicas passa
pela articulação de diferentes factores, dos quais salientamos: quantidade (quantidade
total de macro-restos de um contexto e quantidade de cada espécie), contexto de

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

recolha, ecologia das espécies, significado económico das espécies, possível


utilização das espécies, significado cultural das espécies e implicações tecnológicas.
O processamento de alguns destes dados faz-se em virtude das questões que
queremos ver resolvidas, e em virtude daquelas que, de acordo com os pressupostos
teóricos destas disciplinas e tendo em conta os contextos estudados, poderão ser
respondidos.
O recurso a análises estatísticas é particularmente útil, contudo, é necessário ter
em conta as limitações e potencialidades que estas apresentam.
A análise estatística é particularmente útil para a percepção da frequência de
determinadas espécies e a sua distribuição (vertical) na sequência de ocupação e no
espaço (horizontal) da jazida. É, assim, uma preciosa ajuda para a caracterização dos
próprios contextos arqueológicos permitindo também associar determinados contextos
a determinadas espécies ou a conjuntos de espécies com determinadas
características (anatómicas, económicas). Por outro lado, uma boa e bem planeada
análise estatística permite estudar a variabilidade anatómica de determinadas
estruturas vegetais, ajudando inclusive à distinção, por vezes difícil, entre
determinadas espécies (e.g. a distinção entre as cariopses de diferentes espécies de
trigo; distinção entre madeiras de diferentes espécies de carvalho).
No caso da antracologia, e devido a factores já antes explicados, é necessário
ter especiais cautelas. A maior abundância de fragmentos de carvão de uma
determinada espécie e a sua frequência relativa no conjunto poderá não ter uma
correlação directa com a paisagem envolvente. Por outro lado, a existência de
diferentes comportamentos face à carbonização e o facto de desconhecermos as
condições de combustão (e.g. uma espécie poderá ser utilizada principalmente na fase
inicial de combustão e por isso restarem poucos carvões no final) obriga-nos a ter
especiais cautelas até ao interpretar os contextos estruturalmente bem delimitados.
No que respeita aos carporrestos, como já mencionámos antes, é necessário
conhecer a biologia e a diasporologia de cada espécie antes de interpretar
quantitativamente a presença das suas sementes (e.g. uma só planta de Amaranthus
pode conter milhares de sementes). Por outro lado, como a carbonização é o meio
mais comum de preservação/fossilização, há que ter em conta a maior probabilidade
de conservação dos carporrestos mais resistentes ao fogo e das espécies cujos
carporrestos, em alguma fase do seu processamento pelo homem, estejam
associados a actividades que envolvam o fogo. De facto, muitas espécies só são
identificadas em casos de incêndios nas estruturas de armazenagem.

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

1.0
C/E

C/L
L/E

Ts
Tm
Td

L
Ta
Tc
E
E/L*1OO
L/C*100
-1.0

-1.0 1.0

Fig. 10 – Exemplos de análise estatística. PCA com biometria de cariopses diferentes espécies
de trigo (à esquerda) e gráfico circular com quantidade relativa de cereais numa U.E.

DATAÇÃO ABSOLUTA
O trabalho laboratorial, tanto carpológico como antracológico, não impossibilita a
datação radiocarbonica pois no laboratório os fragmentos não recebem qualquer
tratamento químico. Pelo contrário, a identificação da espécie, previamente à datação,
ajuda na interpretação da data obtida.
Deve-se referir que as sementes são os macro-restos mais adequados para as
datações de C14 pois têm a vantagem de corresponder a um ano solar tornando a
datação mais precisa (Badal, et al., 2003). Processando-se um carvão é possível
estar-se a datar mais do que um anel de crescimento anual. Na verdade, 1cm³ de
madeira pode conter 100 anéis, consoante a espécie, correspondendo a 100 anos
solares (Badal, et al., 2003). Entre os carvões deve-se privilegiar os de espécies
arbustivas pois estas têm períodos de vida mais curtos que a generalidade das
espécies arbóreas.

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Introdução ao estudo de macro-restos vegetais em sítios arqueológicos

IV – BIBLIOGRAFIA
A negrito assinalam-se as referências de leitura aconselhada para uma primeira
abordagem a estes temas.

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