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O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que o Uberé uma empresa de

transporte e não uma plataforma digital de intermediação entre passageiros, e por isso é
obrigada a trabalhar com licença — semelhante a de um motorista de táxi no Brasil — e
não poderá ser operada por motoristas particulares.

Trata-se de uma sentença crucial, porque descarta o modelo original do Uber, que
consiste em que motoristas privados operem o serviço de transporte urbano com seus
próprios veículos por meio de um aplicativo, no âmbito da chamada economia
colaborativa, na qual uma empresa atua fazendo a intermediação digital. A sentença
abre a possibilidade de se aplicar o mesmo critério a outras plataformas da economia
colaborativa, como Deliveroo (entrega de comida em domicílio) e Airbnb (hospedagem
turística), apesar de a Comissão Europeia ter avisado que será preciso estudar caso a
caso.

A sentença não muda a situação atual na Espanha, onde o Uber opera sob a licença de
veículos de aluguel com condutor (VTC), assim como outras empresas como Cabify,
mas representa um apoio à tese dos taxistas que conseguiram exatamente a proibição
cautelar do serviço UberPop em 2014.

Postura do Uber e dos taxistas

O Uber recebeu a sentença afirmando que “não muda nada a operação na maioria dos
países da UE”, onde já operam com licença, escondendo que, como no caso espanhol, a
plataforma só lançou seu serviço com licença VTC quando os tribunais paralisaram seu
serviço UberPop.

“No entanto, ainda há milhões de europeus que não podem usar apps como o nosso.
Como disse recentemente nosso novo presidente, convém regulamentar serviços como o
Uber e por isso continuaremos o diálogo com países e cidades em toda a Europa”,
afirmou um porta-voz da empresa.

Os taxistas, por sua vez, receberam a decisão do TSJE como uma vitória. Para a
Federação Espanhola do Táxi (Fedetaxi), a principal associação do setor, a sentença
demonstra que a atividade do Uber era concorrência desleal, e pediu às autoridades das
comunidades autônomas que abram procedimentos sancionadores por sua atividade
desde a entrada da plataforma na Espanha até a atualidade.

A decisão do TSJE é categórica ao determinar que o Uber “está indissociavelmente


vinculado a um serviço de transporte e, portanto, deve se qualificar de serviço no âmbito
dos transportes”. “Um serviço desse tipo está excluído do âmbito da aplicação da livre
prestação de serviços em geral, assim como do âmbito de aplicação das normas relativas
aos serviços no mercado interno e das normas sobre o comércio eletrônico”, afirma o
Tribunal de Luxemburgo.

Em seguida, estabelece que os Estados membros que, “no estado atual do Direito da
União”, regulamentem “as condições de prestação desses serviços, sempre que se
repetem as normas gerais do Tratado de Funcionamento da União Europeia”.

A sentença desmonta um a um os argumentos do Uber ao destacar que o serviço


prestado pela empresa não se limita a, mediante um aplicativo para smartphones,
colocar em contato um condutor não profissional que utiliza seu próprio veículo com
uma pessoa que deseja realizar um deslocamento urbano, “mas sim cria ao mesmo
tempo uma oferta de serviços de transporte urbano, que torna acessível concretamente
mediante ferramentas tecnológicas e cujo funcionamento geral organiza a favor de
pessoas que desejem recorrer a essa oferta para realizar um deslocamento urbano”.

A decisão judicial ressalta que o aplicativo do Uber é indispensável tanto para os


condutores como para os passageiros particulares e que o Uber exerce uma influência
decisiva sobre as condições de prestação de serviços efetuada por esses condutores. Por
conseguinte, estima que deve se considerar que esse serviço de intermediação faz parte
de um serviço global cujo elemento principal é o transporte e, por isso, não responde à
classificação de “serviço da sociedade da informação”, mas sim à de “serviço no âmbito
dos transportes”.

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Muitos transtornos de humor, ansiedade e trauma compartilham sintomas entre si. Por
exemplo: muitas pessoas sofrendo de transtorno de estresse pós-traumático têm
pensamentos assustadores e dificuldade de dormir, assim como muitos daqueles que
sofrem de depressão. Mas pessoas sofrendo do mesmo transtorno podem apresentar
sintomas bastante diferentes. Com isso em mente, pesquisadores da Universidade de
Stanford e parceiros de outras instituições dos Estados Unidos e da Austrália
analisaram, com a ajuda de um computador, os dados de 420 pessoas com depressão
grave, estresse pós-traumático e síndrome do pânico. Os três transtornos têm uma série
de sintomas em comum, como sentimento de desesperança, baixa autoestima e
irritabilidade. Os pesquisadores identificaram a existência de ao menos cinco grupos de
pessoas com características similares de comportamento, problemas cotidianos e
alterações cerebrais, mesmo em casos em que elas sofriam de doenças diferentes. Esses
subgrupos receberam nomes de acordo com o estado emocional geral que
apresentavam: tensão, excitação ansiosa, anedonia (apatia generalizada), ansiedade
generalizada e melancolia. Os resultados foram publicados em dezembro de 2017, no
periódico científico Journal of the American Association of Psychiatry, em um artigo
intitulado “Agrupamentos de sintomas transdiagnósticos e associações com cérebro,
comportamento, e função cotidiana em transtornos de humor, ansiedade e trauma”. O
estudo destaca que ansiedade e depressão são as duas doenças que mais impossibilitam
pessoas de levar suas vidas normalmente, e as que mais levam à perda de produtividade
no trabalho no mundo. Os pesquisadores afirmam que as subdivisões que apresentaram
podem ser úteis para intervir de forma mais precisa sobre os pacientes. “Nós estamos
tentando desfazer o emaranhado de sintomas que se sobrepõem nos diagnósticos
atualmente, o que pode vir a ajudar a criar opções de tratamento feitas para cada
indivíduo” Trabalho ‘Agrupamentos de sintomas transdiagnósticos e associações’,
publicado em dezembro de 2017 no Journal of the American Association of Psychiatry
Como a pesquisa foi feita Os 420 pacientes com depressão grave, estresse pós-
traumático e síndrome do pânico, além de pessoas sem nenhum transtorno, foram
recrutados por meio de propagandas em áreas próximas das universidades de Sydney e
Adelaide, na Austrália. Eles preencheram um formulário informando quais sintomas
apresentavam, e um outro sobre como lidavam com suas atividades do dia a dia, o que
inclui suas habilidades de interação social e poder de adaptação a situações estressantes.
Em seguida, realizaram testes para medir sua capacidade cognitiva em quesitos como
memória, habilidade motora, capacidade de alternar a atenção de um problema para
outro, e de pensar em palavras começando com determinadas letras. Testes de
eletroencefalograma colheram informações sobre quais áreas do cérebro eram ativadas
quando os participantes olhavam para imagens de rostos com expressões de raiva, medo
e felicidade. Os mesmos testes e questionários foram realizados em um segundo grupo,
de 381 pessoas. Os mesmos cinco subgrupos foram identificados, o que a pesquisa
encarou como uma confirmação de que eles identificam de forma consistente traços de
comportamento e alterações cerebrais que se relacionam entre si.
TENSÃO (19% DO TOTAL) Muitas das pessoas que não se enquadram em nenhum
diagnóstico das doenças pesquisadas se encaixaram nessa categoria. Ela é caracterizada
por irritabilidade e sensibilidade. Apesar disso, a capacidade de interação social e
resiliência a situações estressantes eram próximas do normal. O grupo apresentou
controle cognitivo um pouco abaixo do normal - ele é medido pela capacidade de
alternar a atenção entre uma atividade e outra e realizar testes de labirinto, entre outros
pontos.
EXCITAÇÃO ANSIOSA (13% DO TOTAL) Foi, ao lado dos melancólicos, o grupo
com o maior número de alterações comportamentais. É aquele com a capacidade de
interação social mais abaixo do normal, além de pouca resiliência a situações
estressantes. A memória de trabalho e o controle cognitivo também foram prejudicados,
o que inclui dificuldade de se concentrar e controlar os próprios pensamentos.
ANEDONIA (7% DO TOTAL) É um tipo de depressão caracterizada pela incapacidade
de sentir prazer, e que frequentemente não é detectada. Esse grupo apresentou controle
cognitivo e memória de trabalho próximos ao normal, mas perda de capacidade de
interação social e perda de resiliência a situações estressantes prejudicadas. Em
entrevista ao setor de divulgação científica da própria Universidade de Stanford, uma
das autoras do estudo, Leanne Williams, afirmou que as vítimas fazem grande esforço
para contornar essa depressão, “mas em dado momento ficam bastante anestesiadas”.
ANSIEDADE GENERALIZADA (9% DO TOTAL) Os pacientes são caracterizados
por preocupação e ansiedade. Eles eram capazes de manter as atividades cotidianas
intactas, mas tendiam a ter a chamada “memória de trabalho” prejudicada. Não é o tipo
de memória acessada para se lembrar de histórias antigas, por exemplo, mas sim para
efetuar tarefas cotidianas, como compreender a linguagem e realizar operações
matemáticas.
MELANCOLIA (9% DO TOTAL) Ao lado de excitação ansiosa, foi a categoria com a
maior dificuldade de lidar com atividades cotidianas, em especial interações sociais, o
que está em linha com pesquisas anteriores. Foi o grupo que apresentou a menor
resiliência a situações estressantes, além de controle cognitivo e memória de trabalho
prejudicados.
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Eu não vou entrar na ~polêmica~ se o clipe da Anitta é bom ou não, mas quero dar
alguns pitacos sobre o fla flu ou "sou mais militudo que você" "que medo de pós
moderno" que essa discussão virou.
Dizer que o clipe é só mais um produto do capitalismo, não é um argumento válido.
Minha vontade é responder: jura, fera? Se você não dissesse... No capitalismo, o que
não é produto do capitalismo? Sua banda de rock favorita que faz show em grandes
festivais, é. O tênis que você usa e não sabe a procedência, também. Inclusive, o livro
de seu autor revolucionário publicado por uma grande editora e que custa mais de 50
reais, também. E é óbvio que isso é um problema e precisamos enfrentar.
Porém, vamos superar esse disco riscado. Mais profundo e melhor para o debate seria
dizer o quanto a indústria cultural vem historicamente se apropriando de símbolos e
culturas periféricas. E isso vai significar também discutir a apropriação do axé music,
do samba. De termos a coragem de enfrentar o debate sobre a bossa nova, do quanto há
apropriação. De debatermos porque Jovelina Pérola Negra, Candeia, Cartola morreram
pobres mesmo sendo geniais. Do porquê somente mulheres como Anitta, com o perfil
dela, conseguem estourar enquanto as negras retintas, gordas, seguem sem
oportunidades para além de dizer que Anitta venceu por "mérito".
Tinhorão vem há anos denunciando o quanto a história da música brasileira é uma
história de violência. Mas quando ousamos criticar aqueles que foram considerados os
grandes da música brasileira, somos chamadas de exageradas.
Outro ponto é parar de tratar a periferia como homogênea, existem periferias, não é uma
entidade homogênea. Funk nasce de pretos pobres, assim como o rap, o samba, o axé
music, o reggae, o jazz. Isso também significa dizer que nem todas as pessoas de
periferia vão gostar desses gêneros musicais; isso significa dizer que, por mais que
existam pessoas que vão curtir funk nas periferias, outras não vão. Logo, não é
argumento dizer "na periferia, as pessoas gostam de funk, por isso o clipe de Anitta é
válido". O clipe de Anitta tenta vender uma ideia de periferia.
Vejam o que aconteceu com o jazz. Eu amo jazz, mas quase não consigo ir a shows de
jazz no Brasil porque são muito caros. Os cantores negros vem fazer shows onde a
maioria da população nao pode pagar, pois existiu uma apropriação. E o engraçado é ver
surpresa de pessoas brancas quando eu digo que gosto de jazz, pois eles acham que é
um ritmo de bom gosto. Sim, existem ótimas músicas de jazz, o problema é vocês
julgarem que inventaram o ritmo e se apropriarem a ponto dos sujeitos que criaram não
conseguirem apreciar.
Não vou fazer uma discussão sobre bom gosto, só questionar: é possível falar em bom
gosto em uma sociedade de massa? Gosto não é autodeterminação, é imposto em
sociedades como a nossa. É patético se julgar superior por não curtir funk como se
aquilo que você ouvisse estivesse descolado da estrutura. Seu gosto musical não surgiu
do nada, desculpe informar. Eu não curto pop, mas o mundo não é o meu umbigo.
Dito tudo isso: não considero empoderador o clipe, inclusive precisamos resgatar o
conceito de empoderamento. Este deve ser analisado nesse contexto de apropriação,
assim como todos da indústria cultural, para quem de fato julgar que isso é importante.
É realmente engraçado só tirar esse magic card quando o que está em debate é o funk e
o pop.
Para quem não julgar, que dance e rebole até o chão sem culpa. Quem colocou Anitta
nesse lugar de "milituda" não foi ela e por trás dela existem burocratas da indústria
lucrando e muito. Superem a necessidade de criar heróis e heroínas.
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“Todo mundo tem direito às suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. A
frase, do político e intelectual americano Daniel Patrick Moynihan (1927-2003), foi
apresentada ao público numa edição da revista Newsweek de agosto de 1986. Em
circulação há pouco mais de 31 anos, a máxima de Moynihan é desafiada, todos os dias,
por milhares de usuários da internet. Embora o ambiente online seja especialmente
propício a esse tipo de desafio, o fenômeno não é novo.

“A tendência das pessoas é acreditar no que querem acreditar”, já escrevia, em 1991, o


psicólogo Thomas Gilovich em seu livro seminal sobre a fragilidade da razão humana,
“How We Know What Isn’t So” (“Como Sabemos O Que Não É Assim”, em tradução
literal). E, explica ele, as coisas em que as pessoas mais querem acreditar são alegações
lisonjeiras sobre si mesmas – nas palavras do autor, a relativização da verdade em nome
do amor-próprio constitui “uma das descobertas mais bem documentadas da psicologia”
– e afirmações que reforçam suas visões de mundo.

Assim, se uma pessoa vê a si mesma como rebelde, mais inteligente que a plebe iludida
e encara o mundo como um lugar onde as autoridades constituídas – sejam elas políticas
ou científicas – mentem e agem movidas por motivos escusos, ela talvez esteja
predisposta a ouvir com simpatia teorias como, por exemplo, a de que as vacinas
causam autismoe de que a Terra é plana.

“Cognições e motivações conspiram para permitir que nossas preferências influenciem


aquilo em que acreditamos”, resume Gilovich. E essa influência opera em diversos
níveis, afetando, por exemplo, o modo como coletamos, validamos, escolhemos,
organizamos e interpretamos a evidência ao nosso redor, incluindo aí “quais as opiniões
que consultamos”.

Pós-Verdade

Hoje em dia, as redes sociais potencializam isso: pessoas predispostas a acatar uma
crença qualquer não têm de procurar muito para encontrar, online, toda a evidência de
que necessitam para se sentirem autorizadas a defendê-la. E essa evidência muitas vezes
já vem pré-selecionada, interpretada (ou distorcida) com todas as ênfases necessárias, e
apresentada num formato agradável, por fontes que se apresentam como confiáveis.

Essa parceria entre tecnologia e vontade de acreditar no que satisfaz a vaidade e


confirma preconcepções pode gerar efeitos inesperados. Fundada em 1956, a Sociedade
da Terra Plana de Londres, por exemplo, esteve inativa entre 2001 e 2010, ano em que
ressurgiu com um novo presidente e um grupo de cerca de 60 “recrutas”, segundo o
jornal britânico The Guardian. Hoje, o grupo conta com mais de 117 mil seguidores no
Facebook e 16 mil no Twitter.

Além disso, o modo como a internet atual funciona e se financia também ajuda a pôr em
destaque as opiniões menos ortodoxas. Numa economia baseada em atenção, conteúdo
barato e chamativo – e negar um fato científico estabelecido há mais de dois milênios
certamente chama a atenção – leva vantagem. Como escreve o jornalista britânico
James Ball em seu livro “Post-Truth” (“Pós-Verdade”), “este não é um modelo de
negócios pensado para combater as besteiras, mas sim para espalhá-las pelo mundo”.

Identidade

A conexão entre o desejo de acreditar e o senso de identidade pessoal faz com que seja
muito difícil mudar as crenças de alguém com um simples apelo aos fatos. Às vezes,
fatos que contradizem diretamente certas crenças podem ter o efeito de reforçá-las, na
mente de quem as considera peças fundamentais da própria personalidade.

Em 1956, o livro “When Prophecy Fails” (Quando a Profecia Falha, em tradução


literal), dos psicólogos Leon Festinger, Henry Riecken e Stanley Schachter, descrevia
como uma seita baseada em óvnis – que acreditava que o mundo acabaria em breve, e
que os escolhidos seriam resgatados por discos voadores – deixou de ser um grupo
fechado e quase secreto, passando a uma fase de fervor e intenso proselitismo,
imediatamente depois de a data marcada para o apocalipse passar sem que nada
excepcional acontecesse.
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Festinger e os demais autores propuseram cinco condições para que esse fenômeno, do
aumento de fervor diante de evidência contrária, se manifestasse: a crença deve ser
mantida com forte convicção e ser relevante para ação – em outras palavras, deve afetar
o comportamento do crente; o crente deve ter feito algo importante ou irreversível em
nome de seu compromisso para com a crença; a crença deve ser específica o suficiente
para que a refutação pelos fatos seja clara e inegável; a refutação deve ser do
conhecimento do crente; e, por fim, o crente deve ter apoio social: é preciso haver uma
rede de pessoas comprometidas com a mesma crença, e dispostas a sustentá-la.

Referindo-se à resistência de um dos membros do grupo a aceitar o verdadeiro


significado da falha da profecia, Festinger usou expressões como “fé infinita” e
“sublime”.

Conspiração

Pessoas com pontos de vista diversos escolhem fatos, ou alegações de fato, diversos
para enfatizar e levar a sério. Num artigo clássico de 1979, Charles Lord e colegas da
Universidade Stanford apresentaram uma série de informações sobre o impacto da pena
de morte na taxa de criminalidade a pessoas que eram contra ou a favor da punição
capital. Parte da informação suportava a ideia de que execuções de criminosos reduziam
a violência; parte da informação negava isso. O conjunto era propositalmente ambíguo.

O efeito foi um aumento na polarização das opiniões: os que eram a favor da pena de
morte viram mais qualidade na parte da informação que apoiava sua ideia, e
consideraram a informação contraditória falha; os que eram contra tiveram a impressão
oposta.

Descobertas como a de Festinger, Lord e as descritas por Gilovich foram refinadas e


ampliadas nas últimas décadas. Em 2012, por exemplo, um estudo publicado em Social
Psychological and Personality Sciencemostrou que seguidores de teorias da conspiração
são capazes de manter crenças contraditórias entre si – por exemplo, a de que é
altamente provável de que Osama Bin Laden já estava morto quando tropas americanas
invadiram sua fortaleza no Paquistão, e a de que é extremamente provável que Osama
Bin Laden ainda está vivo – desde que elas sejam consistentes com uma crença
subjacente mais fundamental: no caso, a de que o governo de Barack Obama mentiu
sobre o destino de Bin Laden.
E, no ano passado, um trabalho publicado na Science valeu-se de técnicas matemáticas
análogas às usadas para analisar redes para entender como crenças se organizam na
mente humana e se propagam numa população.

Os autores propuseram que crenças, mantidas com diferentes níveis de convicção,


formam estruturas lógicas que podem ser descritas como redes – por exemplo, se estou
convicto de X e X implica Y, então também estou convicto de Y. Mas se não quero
acreditar em Y, a conexão me obriga a rever meu grau de convicção em X.
“Genericamente, o nível de certeza de um indivíduo sobre uma afirmação é uma mistura
das certezas de suas crenças sobre outras afirmações”, escrevem os autores.

“Suponhamos que a certeza sobre cada afirmação seja passível de perturbação (...) a
perturbação causará uma mudança dentro do indivíduo que recalibra suas certezas, em
busca de consistência”, prosseguem.

O artigo adverte que a existência de uma estrutura lógica consensual na população pode
agravar, e não reduzir, a polarização em torno de questões de fato. Se todos concordam,
em princípio, que o aquecimento global antropogênico requer ações para reduzir o
consumo de combustíveis fósseis, pessoas contra e a favor dessa redução tenderão a
divergir radicalmente em suas opiniões sobre a realidade do aquecimento.

Mudando de ideia

A despeito disso tudo, no entanto, pessoas mudam de idéia o tempo todo, e existe
alguma literatura científica sugerindo como os vícios cognitivos que dificultam a
assimilação e aceitação de fatos inconvenientes podem ser contornados. Um trabalho
publicado em 2000 sugere que pessoas podem ser mais suscetíveis a analisar, de modo
racional, fatos que abalam seu senso de identidade se eles forem apresentados junto de
opções alternativas de autoafirmação.

“Como o senso global de valor próprio deriva de diversas fontes, as pessoas têm uma
grande flexibilidade em como lidar com uma ameaça ao ego”, apontam os autores.
“Elas podem reafirmar seu senso de amor-próprio diretamente”, descontando a
evidência apresentada, “ou indiretamente, afirmando diferentes domínios valorizados de
amor-próprio”.

Outro trabalho, este publicado em 2016 e tratando de persuasão num ambiente online,
mostrou que o uso da linguagem é muito importante: um tom sereno e equilibrado, sem
ofensas ou arrogância, tende a ser mais persuasivo. Manifestações de incerteza (“talvez
seja...”), embora às vezes sejam vistas como sinais de fraqueza argumentativa,
funcionam bem. Citações de fontes externas também ajudam.
Paciência, boas maneiras e boa evidência, enfim, parecem ser ingredientes importantes
numa estratégia de persuasão bem-sucedida. Como escrevem os autores do estudo de
2000, “de certa forma, nossa pesquisa demonstra que os dois lados da natureza humana
– emocional e racional – estão entremeados. As pessoas são mais racionais quando seu
estado emocional é bom”.
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Até pensou-se que a Lava Jato ia passar e o mistério do velho metrô de Salvador não
seria desnudado. O acordo de leniência da Camargo Corrêa, que revela um cartel
incluindo a Andrade Gutierrez, as duas parceiras na capital baiana, anima os
interessados em saber o que houve de fato.
Recapitulando: quem ganhou a licitação foi a italiana Impregilo, que desistiu de forma
suspeita, para a entrada do Consórcio Metrosal (leia-se Camargo Corrêa e Andrade
Gutierrez, além da Siemens).
Resulta que o metrô, da Lapa até Pirajá, deveria custar R$ 280 milhões, passou para R$
400 milhões, subiu para R$ 600 milhões, R$ 800 milhões, custou R$ 1 bilhão e 180
milhões, e o pior: parou no Bonocô, com alguns pilares nas cercanias de Pirajá.
Seria um blefe, se não fosse um escândalo, em parte revelado pela Operação Castelo de
Areia, em 2009, nos escritórios da Camargo, para investigar a formação de um cartel
que atuava em obras da Petrobras.
O metrô de Salvador entrou na história como um derivado. O Ministério Público
Federal abriu outro processo e chegou a denunciar cinco executivos, um da Impregilo,
dois da Camargo e dois da Andrade.
O jurista Thomaz Bastos conseguiu no STJ derrubar a Operação Castelo de Areia, que
por sua vez invalidou o processo de Salvador. Enfim, a chance de se desvendar o
mistério do metrô.
Só empresários — A parte que o MPF investigou no metrô de Salvador, com base na
Operação Castelo de Areia, envolveu apenas a banda empresarial. Quando ia entrar na
banda política, parou. O metrô começou na gestão do ex-prefeito Antonio Imbassahy e
complicou na de João Henrique.
O procurador Wladimir Aras, baiano, hoje trabalhando na Lava Jato, operou no caso.
Jogo difícil
O projeto que regulamenta os jogos no Brasil, inclusive o jogo do bicho, e abre o leque
de permissões para a instalação de cassinos, está todo prontinho para ir à votação no
Congresso, mas vai ficar para 2018.
O deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), que foi o relator, diz acreditar que no
Senado deve ser votado ainda este ano, mas na Câmara a coisa complicou, até porque o
recesso começa oficialmente na sexta desta semana. Ou seja, não dá tempo.
Azar do azar — Melhor explicando: há mais de um ano que ele tramita, mas em um
primeiro momento foi atropelado pela Lava Jato (com Temer e Joesley Batista no olho
do furacão) e agora pela reforma da Previdência.
Ironia do destino: os jogos de azar estão fazendo jus ao nome. Aqui no Brasil, estão
dando dando azar de verdade.
O mais pobre
Por que Novo Triunfo, município do semi-árido baiano, foi apontado pelo IBGE como o
mais pobre da Bahia?
Falta de água, segundo Severiano Alves, ex-deputado, filho da terra.
— Antigamente, quando as chuvas eram regulares, plantava-se muito fumo. Em escala
bem menor, mandioca, milho, feijão, e criava-se muito bode. O rio mais perto é o Vaza
Barris, que fica a 50 quilômetros, a seca bate forte e grande parte da população vive do
Bolsa Família, aposentadorias e afins.
Ou seja, sofrimento é a palavra de ordem.
Guloso — Novo Triunfo tem origem no povoado de Guloso, assim chamado porque um
dos primeiros a lá se assentar, Antonio Guerra, tinha fama de comer muito.
Pertencia a Cícero Dantas, depois passou para Antas, com o nome de Triunfo de Antas,
e quando se emancipou, em 1989, ganhou o nome atual, Novo Triunfo.
Até hoje os mais velhos contam histórias da passagem de Lampião por lá.
POUCAS & BOAS
O BNDES fez ontem a última visita de inspeção das obras de restauração da Igreja de
Sant'Anna, em Nazaré. Construído em 1747, o prédio foi reformado graças aos esforços
do padre Abel Monteiro. O fato coincidiu com a entrega da última obra restaurada, a
imagem de Sant'Anna Mestra com Nossa Senhora Menina.
A Companhia Bahiana de Pesquisas Minerais (CBPM) festejou ontem 45 anos de
criação. Ao longo da história, a empresa atraiu para a Bahia investimentos da ordem de
US$ 1,5 bilhão da iniciativa privada, alguns deles, novos, ainda em implantação. O
presidente, Alexandre Brust, diz ter a sensação 'do dever cumprido'.
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Peter Godfrey-Smith (Sydney, Austrália, 1965) narra com certa melancolia o momento
em que soube que cefalópodes como os polvos e as sépias não vivem muito mais de
dois anos. Depois de muito tempo mergulhando perto deles para estudar seu
comportamento havia descoberto que possuem mentes complexas, com curiosidade em
relação ao mundo que os circunda e muita engenhosidade para se adaptar às
circunstâncias. Parece que a evolução favoreceu uma vida curta e intensa, na qual esses
animais se reproduzem logo e vivem rápido, para deixar tudo pronto antes de ser
devorados por outros predadores. Esse filósofo da ciência da Universidade de Sydney
considera um desperdício que não tenham existências mais prolongadas, como costuma
acontecer com os vertebrados, a outra linha evolutiva em que surgiram as mentes.

Godfrey-Smith acaba de publicar em espanhol Otras Mentes (outras mentes), livro em


que explora as origens da consciência através de seres que são “o que de mais parecido
com uma inteligência extraterrestre podemos encontrar na Terra”. Os polvos, as lulas e
as sépias, descendentes de moluscos que perderam suas conchas, são uma demonstração
de que a evolução pode favorecer o surgimento de cérebros em circunstâncias muito
diferentes e em animais completamente distintos. Nessas mentes estranhas o filósofo
tenta encontrar vestígios do caminho que seguimos até nos tornar o que somos.

Pergunta. Depois de todo esse tempo estudando os polvos, consegue nos dizer o que se
sentiria sendo um deles?
Resposta. Não creio que haja nenhum animal familiar, como um cachorro ou um gato,
que possa ser uma comparação natural. São muito diferentes. Para tentar entender o que
significa ser como eles, teríamos que começar a imaginar modificações do nosso
próprio caso e aceitar que se trata de uma aproximação imperfeita. Podemos começar
pelos sentidos. Se você for um polvo, terá olhos muito bons. São animais muito visuais.
Têm um olho câmera, como nós. Só que, embora não consigam ver com todo seu corpo,
toda sua pele tem algum tipo de sensibilidade à luz.

Se tomar o caso do sentido do paladar, os polvos são muito sensíveis quimicamente e


têm isso em comum conosco, que podemos ter paladar e olfato muito sensíveis. Só que
além disso o polvo também é capaz de provar tudo que toca com seus tentáculos. Por
eles entra uma quantidade espantosa de informação sensorial.

Acho que uma das coisas que tornam essa comparação entre eles e nós especialmente
difícil são as perguntas sobre a existência de um centro unificado da experiência, que
nós temos e é difícil saber se ocorre no caso deles.

P. A evolução criou mentes em diferentes momentos da história do planeta. Acredita


que haja alguma lei que leve inexoravelmente ao surgimento de mentes e que isso
poderia acontecer também em outros planetas?

R. Pense que de todos os animais da Terra há apenas uma linhagem, a dos vertebrados,
em que há mais complexidade. Em todos os outros há uma simplicidade extrema. Isso
pode corroborar a ideia de que a evolução de sistemas nervosos complexos e de algo
parecido com a experiência seja algo muito raro e irreproduzível. Mas no mundo temos
pelos menos uma linha separada que também tem algo parecido com uma mente. Então
há estes dois casos, e acho que cada vez mais se considera mais provável que alguns
artrópodes, inclusive de uma forma diferente caranguejos e abelhas, também tenham
desenvolvido de forma independente alguns desses traços. Menos complexos que nos
polvos ou em nós, mas com algumas das propriedades que podem dar lugar a uma
mente simples. Se considerarmos isso, faz sentido pensar que a evolução da mente não
seja coisa acidental.

Acho que a palavra lei é forte demais, mas poderíamos, sim, falar de uma tendência.
Você pode se imaginar chegando a um planeta que abrigue vida e começar a olhar ao
seu redor e a se perguntar o que pode esperar encontrar. Creio que pelo que vimos na
Terra é possível que haja algo parecido com a vida animal, formas multicelulares em
que o corpo esteja unificado por algo como um sistema nervoso. Acho que isso é algo
que parece natural que surja. E além disso, a existência de um comportamento de
sentidos complexos e, junto com esses traços, algo como uma vida mental. Não há uma
inevitabilidade, mas sim algo parecido.

P. No livro você fala de Octópolis, uma espécie de comunidade de polvos na qual esses
animais, normalmente solitários, convivem com muitos outros numa espécie de
sociedade. Normalmente, os animais sociais têm cérebros mais complexos. Lugares
como Octópolis poderiam ser a base de uma mudança na evolução da mente dos polvos
rumo a uma maior complexidade?

R. A natureza particular de Octópolis é tal que não espero que represente o surgimento
de algo demasiadamente importante. E isso se dá pela natureza da reprodução dos
polvos. Quando um polvo põe ovos, e eles eclodem, as larvas partem de lá e se
convertem em plâncton. Embora tenha havido várias gerações de polvos vivendo em
Octópolis não há motivo para achar que os que estão lá agora sejam os filhos ou netos
de outros polvos que também viveram ali. É mais provável que tenham vindo de outro
lugar, porque no momento em que se integram ao plâncton as larvas ficam à deriva
aleatoriamente.

O interessante do lugar, mesmo que isso não vá ter consequências em grande escala, é
que sugere que em algumas circunstâncias é possível que os polvos passem muito
tempo se relacionando entre eles e tendo que aprender a conviver. Acho que se isso
acontecesse muito, tornaria possível uma evolução posterior, que demandaria muito
tempo, bilhões de anos. Não é algo que ocorresse numa escala temporal visível, mas
sim, acho que seja possível.

Há duas coisas que teriam que evoluir. Uma é a extensão de suas vidas, que são curtas
demais, um ou dois anos. E outro traço importante, tanto em mamíferos quanto em aves,
e que lhes falta, é algum tipo de relação de ensino pai-filho, no qual os pais
proporcionam cuidados não somente aos ovos, mas sim à nova geração, que aprende
como consequência de estar em volta de seus pais. Nos polvos não há isso. Quando o
ovo se rompe, a larva não volta a ver sua mãe, que morre logo depois.

P. Há o costume de pensar que a complexidade de uma mente depende da complexidade


da vida social do animal. Seria possível que um animal que não tenha uma vida social
tão complexa se torne um ser tão inteligente como um animal social?

R. Sobre esse assunto, é interessante o caso dos orangotangos. São primatas com
grandes cérebros, muito complexos, mas são pouco sociais. Seriam o exemplo de
primata com uma vida social limitada e um grande cérebro e um comportamento
complexo. Há pessoas que acham que os orangotangos costumavam ser sociais e
abandonaram essa vida recentemente, então não contaria, mas creio que ninguém esteja
seguro disso. Seria um caso interessante para estudar essa questão.

--

Um dos grandes pensadores da Antiguidade, o cientista e filósofo grego Aristóteles,


estava convencido de que o coração segurava as rédeas das sensações e dos movimentos
do corpo humano. O cérebro, defendia o sábio, era pouco mais do que um órgão frio
que refrigerava o sangue. Mais de dois milênios depois de sua morte, o órgão de um
quilo e meio que todos temos dentro do crânio continua sendo um grande desconhecido.

Óscar Marín, nascido em Madri em 1971, está na linha de frente da luta contra essa
ignorância. Há três meses, dirige o novo Centro de Transtornos de
Neurodesenvolvimento no King’s College de Londres, com 150 pessoas sob sua
responsabilidade. Sua equipe estuda cérebros de rato, mas também cria neurônios
humanos a partir de células-troncoembrionárias e gera uma espécie de minicérebros em
laboratório. Há alguns dias, passou por Madri para participar como jurado do
prêmio Fronteras, da Fundação BBVA.

Pergunta. O neurologista britânico Oliver Sacks contou em seu livro Alucinações


musicais o caso de um cirurgião que é atingido por um raio e, a partir desse momento,
se torna um grande pianista. Outro caso célebre é o de Nadia Chomyn, uma menina
inglesa com autismo do tipo savant que, desde os três anos, desenhava cavalos como
uma artista adulta. Esses fenômenos

Resposta. Não sei se realmente temos uma explicação científica para eles, mas ilustram
um pouco quão complexo é nosso cérebro e, talvez, as capacidades que ele tem, às
vezes mal exploradas. O segundo caso é mais simples, encaixa um pouco melhor na
ideia de que 80% de nós construímos nosso cérebro de forma mais ou menos parecida,
mas há extremos que fogem um pouco dessa normalidade. Essas configurações são às
vezes patológicas e às vezes geniais. Gosto dessa ideia de relacionar genialidade e
loucura. É um pouco simplista, mas acho que o que aconteceu a essas pessoas que têm
certas capacidades um pouco especiais é que seu cérebro se desenvolveu de uma forma
ligeiramente diferente, o que lhes dá mais oportunidades para desenvolver certas
habilidades e não outras.

P. No site de seu laboratório você diz que, entendendo o desenvolvimento do córtex


cerebral, será possível inclusive prevenir transtornos psiquiátricos. Prevenir?

R. Acredito que sim, se conhecermos bem a genética. Com informações suficientes,


acho que seríamos capazes de predizer essas trajetórias [do desenvolvimento cerebral].
Atualmente a informação genética está começando a ser muito facilmente acessível.
Nos próximos anos será possível saber de forma imediata quais das 200 ou 300
mutações que todos temos —diferentes das de nossos pais— são potencialmente
patológicas. Uma vez que se tem essas informações, é possível entender bem como se
desenvolve o cérebro e saber como cada uma dessas mutações vai afetar sua trajetória e
assim, desde muito cedo, poderíamos predizer para onde seu cérebro vai se dirigir. E
poderíamos tomar uma decisão muito cedo em relação a se isso vai conduzir você a uma
patologia psiquiátrica ou não. Se for assim, ao chegar a esse ponto, com toda essa
informação, seríamos capazes de modificá-lo.

P. A neurocientista israelense Illana Gozes ressalta o enfoque de gênero: que há mais


mulheres com Alzheimer e mais homens com autismo. A que se deve isso?

R. Conheço menos o tópico das doenças degenerativas, mas em relação às doenças do


desenvolvimento acredito que começamos a entender um pouco o que acontece. Acho
que há facetas do desenvolvimento do cérebro que são dismórficas. Há células que
durante o desenvolvimento do cérebro respondem de uma maneira diferente, por
exemplo, a hormônios ou a outro tipo de influências externas. É muito provável que não
seja simplesmente porque respondemos de maneira diferente, mas porque na verdade o
momento em que ocorrem essas respostas é diferente. É possível que isso, no caso do
desenvolvimento do cérebro, abra uma janela de vulnerabilidade maior para os meninos
do que para as meninas, em função dessas diferenças.

P. Como?

"As diferenças que existem entre homens e mulheres não são exclusivamente
culturais"
R. Em uma etapa na qual o cérebro é muito sensível, talvez as mulheresestejam
protegidas por algum hormônio ou moléculas que se expressam apenas em seu cérebro e
não no dos homens. Acredito que devem ser mudanças relacionadas a isso:
vulnerabilidade em relação a períodos que são especialmente críticos no
desenvolvimento do cérebro, que fazem com que de alguma maneira o cérebro dos
meninos esteja exposto a mais influências. E seguramente essas janelas de
vulnerabilidade acontecem também no caso das mulheres, mas talvez aconteçam em
épocas nas quais seu efeito sobre o desenvolvimento do cérebro seja menor e talvez por
isso haja uma menor incidência de casos. Está claro que não é por termos composição
genética diferente. As mutações, exceto em casos muito especiais ligados ao sexo,
acontecem por igual em homens e mulheres, mas certamente afetam um período de
desenvolvimento no qual talvez o cérebro dos meninos seja mais vulnerável durante
esse período. Certamente seremos capazes de modificar isso, se entendermos bem.

P. Os cérebros de homens e mulheres são diferentes?

R. Sem dúvida. Há certas estruturas que são maiores no cérebro de uma mulher do que
no de um homem. No hipotálamo, por exemplo, há núcleos que controlam alguns de
nossos comportamentos primários que são diferentes. Nas amígdalas cerebrais também
há certas diferenças. Há muitos exemplos de circuitos dismórficos em muitas espécies
de mamíferos, o que não é nem melhor nem pior. É simplesmente como é, assim como
homens e mulheres têm mamas, mas as desenvolvemos de forma diferente. Com nosso
cérebro acontece mais ou menos o mesmo. Acredito que não tem nada a ver com nossas
capacidades, mas com a maneira que a estrutura de nosso cérebro se desenvolve. Em
modelos animais, na drosófila [as moscas da fruta], por exemplo, sabemos que há
circuitos neuronais que estão presentes apenas em um dos gêneros. É apenas questão de
tempo até encontrarmos o mesmo em mamíferos. Já temos algumas boas pistas.

P. Ter um hipotálamos maior não confere, digamos, superpoderes para um homem?

R. Não acredito que seja uma questão de superpoderes. Acho que explica, em certa
medida, por que nos comportamos de uma maneira ou de outra.

P. É possível explicar que os cérebros de mulheres e homens são diferentes, mas por
que os presidiários, por exemplo, são quase todos homens?

R. As diferenças que existem entre homens e mulheres não são exclusivamente


culturais. Há uma base biológica subjacente a algumas de nossas diferenças. Ainda não
entendemos profundamente como se manifestam, mas as diferenças que existem
entre gêneros não são única e exclusivamente culturais.

P. A que diferenças você se refere?

R. Por exemplo, a capacidade de reagir de maneira diferente à violência:


a agressividade inata dos machos, que não ocorre apenas na nossa espécie. Isso não quer
dizer, obviamente, que as mulheres não possam ser agressivas. Uma parte muito
importante de nosso comportamento tem suas raízes em nossa cultura, nossa educação
etc. Somos uma espécie social. Mas tudo que fazemos, fazemos porque temos um
cérebro dentro de nossa cabeça que determina de alguma maneira como nos
comportamos.
P. No novo Centro de Transtornos do Neurodesenvolvimento que você dirige
em Londres serão priorizados temas como autismo, esquizofrenia e epilepsia. Por quê?

R. Não escolhemos as doenças ao acaso. Há cada vez mais evidências que sugerem que
quase todas essas doenças surgem como produto de um desvio do desenvolvimento
típico do cérebro, do ponto de vista absolutamente biológico. Os cérebros acabam
construindo isso de uma maneira ou de outra. Em 90% dos casos constroem de acordo
com um padrão que chamamos de normal. Nos extremos há formas ligeiramente
alternativas de construir nosso cérebro, relacionadas a variações genéticas etc. E
algumas dessas formas acabam produzindo uma patologia que reconhecemos. Mas a
sensação que temos é a de que esse desvio do neurodesenvolvimento é algo mais
contínuo e não tanto entidades clínicas muito diferentes. Digamos que o cérebro pode se
desenvolver em um número relativamente finito de configurações. Na configuração que
chamamos de normal, portanto nós de alguma forma nos viramos. E em outras, há
tarefas com as quais nosso cérebro se vira pior.

P. Algo contínuo?

R. Certamente todas essas doenças têm uma base relativamente similar. Talvez sejam
casos mais ou menos extremos. Ou talvez esse desvio do plano ocorra antes ou depois
no desenvolvimento. Se ocorrer muito cedo, então talvez acabe sendo autismo. Se
ocorrer um pouquinho mais tarde e tiver mais influência na adolescência, quando seu
cérebro ainda está se desenvolvendo, talvez esteja mais relacionado com a
esquizofrenia. De qualquer forma, o que achamos é que precisamos chegar ao princípio
de tudo isto. Quanto antes formos capazes de identificar essa separação do plano e
quanto antes agirmos, mais facilmente poderemos corrigir essa trajetória, muito
provavelmente.

P. E o que acontecerá com pacientes que já são adultos?

R. Acho que nessa idade já fica mais complicado agir. Não acredito que venhamos a ter
um fármaco mágico que repentinamente faça você se comportar de outra forma, porque
o hardware nesse momento já está condicionado para fazer uma série de coisas. Se você
não fez exercício físico a vida toda, talvez possa conseguir algo se começar aos 60 anos,
mas há certas coisas que você não vai mais atingir. Acho que com nosso cérebro
acontece mais ou menos o mesmo. Por isso a ênfase precisa ser em encontrar o quanto
antes esses desvios, e talvez se agirmos muito precocemente possamos evitar que os
pacientes cheguem a esse estado.

P. Há pouquíssimos medicamentos, e os que existem nem sempre funcionam.

R. Acho que não há no mercado nenhum medicamento para transtornos cerebrais que
tenha sido originado de uma forma totalmente racional. Quase todos foram identificados
por acaso e tiveram uma aplicação encontrada. E, na maior parte dos casos, nem sequer
funcionam para a maioria dos pacientes. Além disso, os que funcionam são puramente
sintomáticos. Tratam os sintomas, mas na verdade não estão corrigindo o problema de
origem. Esses tratamentos são necessários em pessoas que já são adultas, nas quais é
preciso tratar os sintomas de algum jeito. Mesmo assim, continuamos sem tratar a
esquizofrenia, por exemplo. Tratamos mais ou menos a psicose, com certos problemas.
Os surtos psicóticos são esporádicos e normalmente, salvo os três que saem na imprensa
a cada ano, costumam ser controlados de forma relativamente fácil. Mas não temos nada
para a causa da doença, que é um transtorno cognitivo muito importante, que torna as
pessoas incapazes de terem uma vida social mais ou menos normal. Não temos nenhum
tratamento que as ajude a manter a cabeça um pouco mais em ordem, simplesmente
porque ainda não sabemos muito bem o que acontece com essas pessoas.

P. Quando forem compreendidos os problemas no desenvolvimento cerebral que


conduzem ao autismo, à esquizofrenia e à epilepsia, como você imagina que será um
medicamento que possa alterar esse desenvolvimento?

R. Parte do que achamos que ocorre no cérebro é que um conjunto de conexões se


desenvolve de forma excessiva ou insuficiente. Há muita homeostase [autorregulação]
em todo o nosso organismo, mas onde ela provavelmente é mais espetacular é no
cérebro. Durante o desenvolvimento, ele se vira não só para construir a si mesmo como
também para tapar buracos, por assim dizer. Quando há algum tipo de falha, o cérebro
não deixa um buraco, ele tenta compensá-lo de algum jeito. Por isso antes eu falava em
trajetórias. Não são bem buracos que vão ficando no nosso cérebro, e sim desvios na
maneira como as coisas vão se formando, porque o próprio cérebro tenta consertá-las ao
longo do caminho. Acho que muito em breve poderemos utilizar fármacos que nos
permitam compensar um desacoplamento inicial antes que o cérebro tente arrumá-lo de
outra forma e acabe gerando um circuito que em longo prazo não vai funcionar bem.

P. Você antevê dilemas éticos.

R. O problema mais importante que será discutido no futuro é com que precocidade
seremos capazes de identificar que um problema irá surgir e até que ponto, sob o
aspecto ético, estaremos capacitados para intervir. Atualmente, por exemplo, há muitas
pesquisas sobre os chamados pacientes com alto risco de psicose. Geralmente são
garotos de entre 14 e 16 anos que vão ao médico porque se sentem estranhos. Sentem
que há algo que não funciona bem, que em alguma situação se comportaram de uma
forma um pouco estranha. Há métodos de diagnóstico bastante bons para caracterizar
essa população de pacientes, entre os quais sabemos que um terço terminará
desenvolvendo uma psicose. Mas só um terço deles, ao passo que os outros dois terços
ou não desenvolvem a esquizofrenia ou acabam tendo um problema psiquiátrico menor.
Mesmo que soubéssemos atualmente o que está acontecendo de errado no cérebro
desses pacientes e tivéssemos um fármaco que nos permitisse adiar ou compensar ou
mesmo interromper essa trajetória rumo a uma patologia, o que faríamos? Damos [o
medicamento] a todos, sabendo que talvez só um terço vá precisar dele? Não temos nem
ideia do que esta droga fará com os outros dois terços que não precisam dela. Talvez os
leve a uma trajetória patológica. Imagine transferir esse problema a uma criança de
cinco ou seis anos, que tem sintomas iniciais de autismo. Acredito que haverá uma
época na qual, mesmo tendo certo conhecimento de possíveis atuações terapêuticas,
certamente teremos que começar por casos extremamente claros, de diagnóstico
cristalino, nos quais não haja nenhuma dúvida, para começar a aplicar alguns destes
tratamentos que não temos hoje em dia, mas, acho eu, teremos em dez anos.

P. Por exemplo?

R. Muito provavelmente começaremos com pacientes que são muito claros, de autismo
sindrômico, nos quais sabemos que, quando têm uma determinada mutação, há 90% de
chance de desenvolverem uma doença. O progresso no tratamento precisa ser paralelo
ao progresso na identificação precoce da doença. É um pouco o que aconteceu com o
câncer: se há marcadores um pouco elevados no sangue, as chances de isso indicar um
tumor primário em algum lugar são muito altas. No cérebro temos que chegar a esse
ponto.

P. O tratamento do câncer há alguns anos era como lançar uma bomba atômica. Agora
se parece mais com um franco-atirador de precisão. Você acha que isso vai acontecer
com o cérebro?

R. Sem dúvida. Agora continuamos falando de grandes grupos de doenças cerebrais,


embora estejamos convencidos de que o que enfiamos nesse saco são enfermidades
muito diferentes. Não existe um só autismo, e sim muitos autismos. E não existe uma só
esquizofrenia, e sim muitas esquizofrenias, da mesma maneira que há muitos cânceres.
Inclusive há cânceres primários que afetam o mesmo órgão onde se originam, mas por
causas muito diferentes. Acredito que o paralelismo com o câncer seja muito grande.
Talvez a principal diferença esteja na capacidade do cérebro de se modificar de forma
mais ou menos contínua, o que torna o problema mais dinâmico, talvez muito mais
complicado. A mesma doença ao longo dos anos vai mudando, simplesmente pelo fato
de que nosso cérebro vai mudando também.

P. Parece que o conceito da plasticidade cerebral não impregnou o imaginário coletivo.

R. Sem dúvida. Uma das minhas palestras de divulgação científica começa comparando
o cérebro a um computador. Passo 10 minutos falando sobre essa analogia, e todo
mundo assente, parecem estar entendendo muito bem, mas chega um momento em que
digo: “Bom, pois tudo isto que contei a vocês é mentira. Nosso cérebro não funciona
como um computador. Na verdade, não se parece em nada com um computador”.
Nossos circuitos não são fixos. Acho que essa imagem errônea do cérebro, como uma
máquina em que os cabos estão conectados e não há nada a fazer, tem consequências
também na educação. A importância da plasticidade do cérebro é subestimada.

P. Há sete anos, o CSIC, principal órgão de pesquisa científica da Espanha, divulgou


uma nota de imprensa gabando-se de que dois pesquisadores seus, o biólogo Jordi
Bascompte e você, haviam sido admitidos no conselho editorial da revista Science. Os
dois únicos espanhóis. Nenhum dos dois trabalha mais no CSIC. Nem mesmo na
Espanha, porque Bascompte também foi embora, para a Universidade de Zurique. O
que aconteceu com a ciência espanhola nestes sete anos?

R. Há uma mistura de duas coisas. Houve uma crise econômica muito forte na Espanha,
que afetou todos os setores, inclusive a ciência. A ciência, talvez, com especialmente
dureza, porque continuamos a entendê-la como uma espécie de luxo na nossa sociedade.
O que mudou também é que talvez tenhamos perdido um pouco a ilusão de transformar
o país, também do ponto de vista da ciência. Acho que houve alguns anos, na década de
1980, em que as mudanças na política científica colocaram a Espanha no mapa.
Transformaram completamente a maneira como se fazia ciência neste país e a levaram à
modernidade. Houve uma espécie de novo impulso nos anos noventa, com algumas
ideias mais ou menos acertadas e coisas interessantes, fundamentalmente na Catalunha,
em torno do político e economista Andreu Mas-Colell e o Instituto Catalão de Pesquisa
e Estudos Avançados (ICREA, na sigla em catalão). O de sempre: copiar e tentar
adaptar o que funciona em outros países. Acho que esse segundo impulso foi truncado
pela crise e talvez um pouco pela falta de iniciativas para fazer mudanças relevantes.

--

Leio de um crítico de música que Anitta precisa diminuir a performance corporal e se


concentrar na qualidade musical das suas composições para se consolidar como artista
no longo prazo (ela vai envelhecer, afinal).

O mesmo crítico considera que a música sertaneja de hoje é pior que a de algum tempo
atrás, porque desapareceram de vez os traços autorais das canções. Qualquer dupla
sertaneja atual pode cantar qualquer música atual, que não conseguimos saber
facilmente quem são os autores. Tudo soa praticamente igual.

Acho as duas leituras equivocadas, ou melhor, elas levantam falsas questões. A


performance corporal é essencial para a música da Anitta, assim como certo
apagamento da autoria é uma realização natural do gênero sertanejo, que sempre foi o
mais simples e padronizado da indústria cultural brasileira. Nos dois casos, a música de
massa mostra ser uma experiência sensitiva, não necessariamente artística (embora
estética), que não depende principalmente dos sons e das melodias para se constituir.

Eu não quero dizer que a música de massa pode abrir mão dos sons e melodias, mas sim
que os componentes especificamente musicais são apenas uma parte daquilo que
importa, e essa parte nem sempre será a mais relevante. Como avaliar o desempenho
dos músicos de sucesso sem levar isso em conta?

Sequer existiria Anitta sem a sua performance corporal, e é por isso que ela ganha mais
holofotes quando lança um clipe. Também a música sertaneja é um ritual, como são o
baile funk, o show de rock pesado e todos os outros. Em primeiro lugar está a adesão a
uma forma de comportamento social, e em segundo, se vier, está a apreciação das
qualidades artísticas específicas.

Então você escuta Bruno e Marrone porque está caindo de paixão e se identifica com
aquilo. Você chora de "sofrência" no show sertanejo porque essa ocasião te permite
ajustar seus sentimentos e a sua própria subjetividade nas relações sociais em que está
envolvido.

Não é por acaso que todo gênero da música de massa deve ser apreciado coletivamente.
Não faz sentido ouvi-los sozinho, porque ouvir não é o mais importante. Que o diga
quem gosta de ligar o som do carro no volume máximo enquanto dirige.

--

Não é absurdo afirmar que 2017 foi o ano em que o Brasil viveu o que os americanos
chamam de “guerras culturais”. Até muito recentemente, muito pouca gente – aqueles
que acompanham de perto o debate político e intelectual do mundo anglo-americano –
conhecia a coisa pelo nome. E, de fato, mesmo esses conheciam mais o nome do que a
coisa: no Brasil, à exceção de alguns episódios (a proibição a Je vous salue Marie, do
cineasta Jean-Luc Goddard nos anos 80; o encerramento da exposição “Erótica” no
CCBB do Rio de Janeiro em 2006), não se pode dizer que havia algo semelhante às
guerras culturais americanas pela simples razão de que não havia mais do que um lado
nos debates culturais do país. Esse lado atendeu, desde meados dos anos sessenta, pelo
nome de “esquerda”.

É certo que “esquerda”, ao longo dessas mais de cinco décadas, é termo que comporta
um variegado de significados: a velha tradição marxista; variedades de nacionalismos e
irredentismos; os sarampões pós-estruturalistas e pós-modernistas que teimam em não
nos deixar; e, é claro, mais recentemente, um conjunto algo incompreensível de coisas a
que se chama de “estudos culturais” ou “multiculturalismo”. Ainda assim, dificilmente
se poderia dizer que, no período que se estende de meados dos anos de 1960 até o início
da década de 2010, houve qualquer coisa remotamente similar a uma cultura ou a uma
forma organizada de vida intelectual expressiva que fosse liberal ou conservadora –
exceções são, ora, exceções; a hegemonia nos campos da cultura e das ideias foi da
esquerda.

Breve esboço de arqueologia

Se estamos falando de “guerras culturais”, é porque agora há mais de um lado nesse

conflito. E essa é a primeira novidade: há aproximadamente uma década, começou a se

gestar, sob a forma de uma resposta à hegemonia da esquerda, um difuso interesse em

temas, escritores, pensadores, economistas e artistas que, em um sentido ou outro,

poderiam ser identificados como liberais ou conservadores. Para quem cresceu e foi

educado nesses últimos vinte e cinco anos, a identificação automática entre “vida

cultural/intelectual” e “esquerda” foi naturalizada, mas as coisas nem sempre foram

assim.

Quando publicações, colunistas, professores e editoras surgiram no Brasil trazendo o

pensamento e as obras de autores como Edmund Burke, Ludwig von Mises e Eric

Voegelin (além de contemporâneos), bem como analisando a cultura, a política e a

sociedade por lentes outras que as da esquerda – valendo-se do pensamento trágico ou

do antirracionalismo político de Michael Oakeshott, por exemplo –, ficou sinalizado

com alguma clareza que o jogo cultural e intelectual mudaria. Era o caso da

revista Dicta & Contradicta, formada por jovens intelectuais que ainda escrevem muito

e em diversas frentes por aí, como Martim Vasquez da Cunha e Joel Pinheiro da

Fonseca, e da qual fizemos parte meus colegas de Estado da Arte Marcelo Consentino,

Leandro Oliveira e eu; era o caso de colunistas então despontando no cenário nacional,

como João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Reinaldo Azevedo (reunidos por

Marcelo Coelho, em artigo na Folha de São Paulo de 21 de janeiro de 2009, sob a


rubrica “doutores do pessimismo”); e era o caso, ainda, das publicações do Edson Filho,

à frente da É Realizações, divulgando obras como as de Russell Kirk, Roger Scruton e

Roger Kimball.[1]

Nunca saberemos exatamente como teria sido a mudança na vida mental brasileira

tivesse essa transformação ocorrido uma década antes, quando a internet engatinhava

por aqui e o senso comum supunha, com razão, que o lugar natural desse debate de

ideias, desse confronto de visões, fosse a Universidade ou os espaços concedidos à

época ao alto jornalismo. Nunca saberemos, pois essas alterações ocorreram

concomitantemente a outras tantas na sociedade brasileira, uma delas, justamente, a

popularização da internet e, na sua esteira, das redes sociais. E eis a segunda novidade:

pouco a pouco, formou-se um novo tipo de público que, dispensando os filtros

tradicionais oferecidos pelos esquemas institucionais da Academia e do jornalismo

convencional, engajava-se na leitura desses autores, no consumo desses livros, no

acompanhamento do trabalho desses colunistas e, com isso, ao mesmo tempo, incidiam

sobre os conteúdos do debate cultural e político brasileiro, ampliando o alcance de

pautas e autores liberais e conservadores, e transformavam, como atores ou

espectadores do processo, a forma pela qual esses conteúdos eram difundidos e o modo

como se dava, de fato, o debate.[2]

Quer dizer, foi no mundo sem mediações da internet e das redes sociais – sem a

regulação do circuito tradicional de editores dos grandes jornais e revistas, sem as

seleções que essa tarefa de edição impõe, sem os regramentos institucionais que a

academia e seus processos acabam empregando – que o retorno de autores e temas

conservadores e liberais, consagrados ou recentes, efetivamente ganhou público e teve

vida continuada no Brasil. Em pouco tempo, surgiram diversos sites e blogs com o

mesmo espírito, algumas outras revistas fora do star system dos intelectuais da esquerda

paulista passaram a existir (ainda que brevemente) e outras tantas editoras que passaram

a publicar autores identificados como mentores dessa “onda conservadora”, expressão

que, em virtude da hegemonia da esquerda, incluía tudo o que dissesse respeito a

“liberalismo”. Blogs, sites, leitores nas redes sociais a repercutir, novos comunicadores
em canais de Youtube e mídias assemelhadas: eis o meio em que se propagou em

grande escala a mensagem dessa virada de referenciais e de mentalidade na cultura e na

política.

O meio, como diz o adágio, é a mensagem. Já nos primeiros anos da década de 2010,

para uma grande parcela do público, as análises de um youtuber passaram a contar tanto

quanto, se é que não mais que, um estudo acadêmico ou um relatório de uma instituição

de referência; textões em uma rede social como o Facebook assumiram, para esse

público, a grandeza dos grandes panfletos escritos pelos antigos hommes de lettres e

intelectuais públicos, intervindo em matérias de interesse de grandes segmentos da

população; o Twitter se tornou o cenário preferido de intensas guerras de opiniões que,

ali como no Facebook, eram abertas à manifestação de uma massa de pessoas que antes

teria como opção de participação no debate público apenas a seção de Cartas à

redação dos jornais e revistas. O potencial de alcance, a velocidade da propagação e o

caráter democratizador dessa mudança do meio só poderia ter consequências

significativas para a mensagem.

Uma comparação

Se a análise acima estiver correta, então os mecanismos de difusão das ideias

conservadoras e liberais no Brasil desses últimos anos influenciaram o seu modo de

assimilação. Ler os caudalosos volumes de escritos políticos de John Adams ou as

análises em história econômica do Nobel Friederich Hayek é uma coisa; ler textos nas

redes sociais ou acompanhar youtubers fazendo propaganda dessas ideias é outra.

Ingressar no circuito acadêmico e jornalístico tem certas consequências que já

conhecemos – um autor, um conjunto de autores ou uma determinada abordagem torna-

se objeto de interesse, passa a ser estudado, multiplicam-se os estudos e as reflexões a

seu respeito, diferentes abordagens vão emergir desse processo e, em algum tempo,

mais de uma geração já se apropriou daquele universo intelectual, tomando-o como seu,

encontrando-o com facilidade nas livrarias e nos suplementos literários e culturais e

mantendo-o vivo na circulação corrente das ideias do tempo. Há, em uma palavra – e a
despeito de todos os defeitos que se possa apontar a esse circuito –, um adensamento

mediado da recepção das ideias em questão. Difundir-se primordialmente por meio das

redes sociais e de outras mídias digitais, com as especificidades desse meio e desse

público, tem efeitos muito distintos, ainda agora não de todo conhecidos por nós, sejam
os positivos, sejam os negativos.

Permito-me uma comparação. Em seu “Literatura e Cultura de 1900 a 1945”, o crítico

Antonio Candido observou um fenômeno semelhante ao que creio estar analisando. Ao

descrever o período a partir de 1930, em que verificava um aumento considerável de

potenciais leitores (o analfabetismo cairia de 84% para 57% da população, por

exemplo), de editoras e de escritores, Candido constata que esse público, no entanto, “ia

sendo rapidamente conquistado pelo grande desenvolvimento dos novos meios de

comunicação”. Em conclusão que não oculta certa melancolia, o autor de Literatura e

Sociedade afirma:

“Antes que a consolidação da instrução permitisse consolidar a difusão da literatura

literária (por assim dizer), estes veículos [rádio, cinema, quadrinhos] possibilitaram,

graças à palavra oral, à imagem, ao som (que superam aquilo que no texto escrito são

limitações para quem não se enquadrou numa certa tradição, que um número sempre

maior de pessoas participassem de maneira mais fácil dessa quota de sonho e de emoção

que garantia o prestígio tradicional do livro. E para quem não se enquadrou numa certa

tradição, o livro apresenta limitações que aquelas vias superam, diminuindo a exigência
de concentração espiritual.”

Creio que vivemos algo análogo a essa situação com o fenômeno da internet,[3] das

redes sociais e das novas mídias digitais. Em um momento em que o mundo das ideias

se alarga, com a reintrodução de clássicos do pensamento liberal e conservador desde há

muito esquecidos, além de novos autores, o público – potencialmente imenso – vê-se

seduzido e conquistado por um suporte que em nada parece favorecer, para quem não

se enquadrou numa certa tradição, a leitura, a reflexão e a análise tal qual a supunham
esses mesmos clássicos e novos autores. Triunfam, em seu lugar, a irritação fácil, a

violência anônima e a verborragia pseudo-doutrinária que se disseminam muito mais

rapidamente pelas redes sociais, angariando mais seguidores e alimentando o ciclo.

Foi nesse meio que uma nova leva (mais do que uma geração) de atores no novo debate

público brasileiro passou a ler os debates sobre a vida política, cultural e social no

Brasil através de uma chave interpretativa completamente nova por aqui. De fato, foi

em blogs, sites independentes e sobretudo nas redes sociais que começou a ganhar

corpo no cenário brasileiro a ideia de que o que vivemos, em verdade, é o capítulo

tropical das guerras culturais que os americanos já vinham lutando há algumas

décadas. [CONTINUA].

[1] Este é apenas um breve ensaio apresentando um primeiro apanhado de informações

sobre o tema das “guerras culturais” e não tem pretensão de ser exaustivo. Outros

muitos indivíduos (Olavo de Carvalho sendo o mais destacado), institutos e publicações

poderiam ser invocados para complementar o quadro. Contudo, o propósito aqui é

apenas um esboço da mudança no clima cultural da época e seus efeitos até agora.

[2] Foi nesse cenário, portanto, que antigos think tanks e novos institutos de orientação

liberal ou bem ampliaram seu alcance, ou bem foram surgindo. O mesmo se deu com o

surgimento, cada vez mais forte desde 2013, do jovem movimento liberal brasileiro em

suas diversas roupagens.

[3] Essa analogia, creio, não se restringe de modo algum ao público interessado em

temas e autores conservadores. O fenômeno, assim parece-me, é mais amplo, e ocorre

igualmente com novos consumidores de ideias à esquerda no espectro ideológico – para

não falar da validade da análise para o universo literário, aquele que tinha em mente

Antonio Candido.

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