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Entrevista ral (MDP/CDE), foi deputado à Assembleia Constituin-

te em 1975-1976 e eleito para a Assembleia da República


O Estado Novo em nas quatro primeiras legislaturas até 1987.
No diálogo mantido, retomamos um dos temas
Portugal, o controle mais relevantes na investigação de José Tengarrinha – a
imprensa e o controlo exercido pelo aparelho ideológico
da imprensa e a do Estado, a actividade censória e a política de propa-
ganda levada a cabo pelo regime de Salazar, restringindo
Guerra Colonial a nossa abordagem ao início da década de 1960. A ob-
sessão do Estado Novo com a mística imperial, a sua re-
José Tengarrinha acção aos confrontos armados entre os grupos de nacio-
nalistas angolanos e as forças militares portuguesas, e a
Entrevista concedida a Tânia Alves1 postura da sociedade portuguesa em geral e das camadas
oposicionistas em particular face a estes acontecimentos
José Manuel Tengarrinha é autor de um conjun- foram alguns dos tópicos que nortearam esta conversa.
to vasto de obras no domínio da História e das Ciên- José Tengarrinha partilhou algumas memórias da sua
cias Sociais, destacando-se nomeadamente pelos estudos própria vivência e participação nesses acontecimentos
pioneiros sobre a história da imprensa em Portugal. A e teceu considerações relevantes acerca da concepção do
este respeito, podemos salientar a primeira História da regime sobre os media, em especial sobre a imprensa, e
Imprensa Periódica Portuguesa, (1965; 1989); Da Liber- sobre o conturbado início do fim do Império Colonial
dade Mitificada à Liberdade Subvertida; Uma Explora- Português em África.
ção no Interior da Repressão à Imprensa Periódica de
1820 a 1828. Movimentos Populares Agrários em Por- Uma questão de grande relevo para compre-
tugal – 1750-1825 (1994); Imprensa e Opinião Pública ender a informação publicada durante o Esta-
em Portugal (2006); e a mais recente Nova História da do Novo, em Portugal, e que será o eixo desta
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Imprensa Portuguesa das Origens a 1865 (2013). Pro- conversa, prende-se com a visão que Salazar
fessor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da tinha dos media. Centremo-nos aqui no caso
Universidade de Lisboa, lecionou nas áreas da História particular da imprensa. A perspectiva corrente
Contemporânea, História Moderna, História do Brasil, remete para uma ideia de controlo da impren-
História Regional e Local e História da Imprensa Peri- sa, de o regime a usar para manter o poder. O
ódica. que nos pode dizer da visão de Salazar sobre a
Durante o Estado Novo, destacou-se na luta imprensa e da relação que o seu regime estabe-
política de oposição ao regime. Foi membro da Comis- leceu com ela?
são Central do Movimento de Unidade Democrática JT) No início, um dos principais objectivos do
(MUD), e participou em várias campanhas políticas Estado Novo foi tentar criar uma corrente de opinião
da Oposição Democrática desenvolvidas entre 1958 e pública que lhe fosse favorável. Ao menos uma maioria
1974. Enquanto jornalista, trabalhou no diário de opo- silenciosa, passiva, já que se antevia muito difícil conse-
sição República, e fez parte do núcleo redactorial das guir um amplo apoio activo, como em alguns governos
revistas  Vértice e Seara Nova, integrando ainda o gru- fascistas europeus que tiveram considerável suporte das
po fundador do Diário Ilustrado, de que foi chefe da massas. Com essa finalidade, criam-se jornais que lhe
redação até 1962. A Censura ditou então a cessação da são totalmente servis, como o Diário da Manhã (órgão
sua actividade jornalística, após a prisão pela polícia po- oficial do Governo), além de contar com outros, oficio-
lítica. Esteve preso na Cadeia do Aljube e no Forte de sos, como o Diário de Notícias (quando dirigido por
Caxias, de onde foi libertado nos dias que se seguiram Augusto de Castro), O Século (sob a direcção de João
ao derrube do Estado Novo. Após o 25 de abril de 1974, Pereira da Rosa), o Novidades (órgão oficioso da Igreja,
participou na fundação e na liderança do Movimento muito conservador) ou A Voz (católico e monárquico),
Democrático Português/Comissão Democrática Eleito- bem como, no Norte, o Comércio do Porto, também
apoiante oficioso. Podemos considerar terem sido estes,
1 Doutoranda em Sociologia no Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa). E-mail: mailto:taniaa_a@
então, os principais diários que, mais ou menos entu-
hotmail.com siasticamente, foram suportes do Estado Novo.

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Mas a visão seria muito incompleta se não hou- nacional” e “regular as relações da Imprensa com os po-
vesse em conta a ampla rede de jornais da província, com deres do Estado”, exercendo uma vigilância permanente
posições muito diversas: uns, declaradamente apoiantes sobre os jornais. É a viragem fundamental em que a
do regime, outros, aparentemente neutrais, ocultando Informação (em sentido lato) passa a estar ao serviço da
o seu pendor político, e outros, ainda, onde se vislum- Propaganda. A articulação entre essas vertentes é feita
brava um tímido distanciamento. No capítulo de um pelo Gabinete de Coordenação dos Serviços de Propa-
livro que escrevi sobre a imprensa e a opinião pública ganda e Informação criado em 19 de Março de 1940
em Portugal, analisei os jornais que então circulavam na que integra o SPN, o director dos Serviços de Censura e
província2. Aqueles que eram favoráveis e aqueles que o presidente da Comissão Administrativa da Emissora
eram menos favoráveis a Salazar. A análise teve por base Nacional. Pretendia-se, assim, “assegurar a coordenação
os relatórios da censura, fazendo uma abordagem geral dos serviços públicos em matéria de propaganda e infor-
não apenas daqueles grandes jornais mais conhecidos e mação, atendendo a que as novas condições derivadas
cuja posição ideológica era facilmente detectada, mas da guerra na Europa impõem o estabelecimento, através
também de todas aquelas dezenas de pequenos periódi- da Presidência do Conselho, do mais estreito contacto
cos da província que estavam amordaçados ou “compra- entre os organismos existentes e aqueles fins”. Assim, a
dos” por Salazar, ao lado dos que eram voluntariamente intervenção dos diversos serviços encarregados da pro-
órgãos de propaganda do Estado Novo. Uma informa- paganda e controlo da informação passavam a estar sob
ção minuciosa que abrangeu todo o País. a supervisão directa de Salazar, deixando a censura de
As tentativas de Salazar de criar uma opinião estar tão estritamente subordinada ao Ministério do In-
pública favorável através dos jornais exigiam meios le- terior e passando mais a depender, na prática, do Presi-
gais e instrumentos de intervenção adequados, que só dente do Conselho, que dirigia as reuniões do Gabinete.
foram criados em 11 de Abril de 1933 com a entrada em Até princípios da década de 1950 decorre o perí-
vigor da Constituição e a reorganização da censura pré- odo mais pujante de afirmação do regime, que consegue
via (instituída informalmente durante a ditadura militar algum êxito na criação de uma opinião pública favorá-
que se seguiu à revolução do 28 de Maio de 1926). Nos vel entre as classes superiores e médias. Por iniciativa do
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próprios termos da Constituição de 1933 considerava-se SPN, sobretudo, são promovidas múltiplas actividades
a opinião pública “elemento fundamental da política em que participam algumas figuras destacadas da in-
da administração do País” (Tt. VI, Art. 22º). Mas esta telectualidade portuguesa. É a fase mais bem-sucedida
“opinião pública” concebida pelo Estado Novo nada da doutrinação do regime. Nesse sentido, foi habilmen-
tinha a ver com a formação complexa de um “espaço de te desenvolvida, através de diversos meios, a defesa e
opinião” onde livremente se confrontassem ideias. Era propagação de valores conservadores e nacionalistas que
tão-somente a tentativa de constituir um “bloco de opi- procuravam moldar a mentalidade pública, identifican-
nião nacional” ao serviço dos interesses dos governantes do-a com a essência ideológica do regime. Mas, global-
com o objectivo último de forjar o “espírito nacional”. mente, os resultados são escassos e pouco duradouros.
É ao serviço deste objectivo que se cria o Se-
cretariado de Propaganda Nacional (SPN), directamente Que elementos principais caracterizam a fase
vinculado à Presidência do Conselho, com a expressa seguinte?
função de “integrar os portugueses no pensamento mo- JT) Em face destas reconhecidas limitações, ini-
ral que deve dirigir a Nação” ou, ainda mais explicita- cia-se uma nova fase: a “propaganda” deixa de figurar
mente, de divulgar o “espírito de unidade que preside à como objectivo central expresso, ao serviço da qual ti-
obra realizada e a realizar pelo Estado Novo”, visando nha estado a “informação”3. Para tal, institui-se (23 de
assim “o consenso da sociedade portuguesa em torno Fevereiro de 1944) o Secretariado Nacional da Informa-
do ideário do regime “ e a “defesa da opinião pública ção, Cultura Popular e Turismo (vulgarmente designado
contra tudo que possa desviá-la do sentido da verdade,
da justiça e do bem comum”. Com esse fim, o SPN, 3 Mais tarde, Marcelo Caetano esclareceria a razão desta mudança:
“Houve um momento em que esteve na voga a ‘propaganda’, em
sob a direcção de António Ferro, aponta em duas di- breve desacreditada por tudo o que a palavra sugere de intencional e
recções: “combater por todos os meios quaisquer ideias tendencioso. Mais equilibrados, os Ministérios ou serviços de infor-
perturbadoras e dissolventes da unidade e do interesse mação destinam-se a pôr à disposição do público os factos da vida
do Estado e a manter os contactos permanentes entre os governantes
2 José Manuel Tengarrinha, Imprensa e Opinião Pública em Portu- e os órgãos noticiosos” (Marcello Caetano, A Opinião Pública no
gal, Coimbra, MinervaCoimbra, 2006, pp. 183-195. Estado Moderno, Associação de Jornalistas do Porto, 1965, p. 56).

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por S.N.I.) que reforça a direcção de Salazar sobre os que Goebbels era para Hitler, António Ferro era para Sa-
serviços de censura. Com isto, para além da intenção lazar, a respeito da Imprensa e da Informação em geral.
de combater as opiniões contrárias, pretendia-se que a Era já perceptível, porém, que aquela conten-
informação visasse apresentar o regime como o único ção, aquele maior estrangulamento que ele impunha
espaço de identificação com o “espírito nacional”. Mas aos jornais e à divulgação do pensamento em geral não
tentar captar os favores da Imprensa para esta tarefa “pa- podia subsistir por muito tempo. Criava-se, cada vez
triótica” e ao mesmo tempo reprimi-la era, obviamente, mais, a consciência de que este era, de certo modo, o
inconciliável. declive final do regime. O pequeno êxito conseguido
Com o início da II Grande Guerra (1939) a desde os meados dos anos 30 até os meados dos anos
censura é ainda mais apertada com a justificação de 50, conseguindo alguma captação nas camadas médias
haver informações militares que deviam ser ocultadas, urbanas e até de alguns intelectuais, inverteu-se. A inte-
como aliás acontecera durante a I. República aquando lectualidade - e sobretudo as novas camadas (escritores,
da guerra de 1914-18. Chega-se ao fim da guerra com o pintores, músicos…) – com as suas obras perseguidas,
mundo dividido, a Europa e o mundo confrontando-se abafadas, apreendidas, e muitos deles presos, levantou-se
numa agressiva Guerra Fria entre dois grandes blocos: a massivamente contra a ditadura.
União Soviética (com os seus satélites) e as democracias É evidente que isto implica da parte de Salazar
Ocidentais. o reforço dos meios persecutórios (com destaque para
Neste quadro convulsionado era preciso, acima a polícia política) e também censórios. Nas províncias,
de tudo, impedir a propagação de ataques aos grandes era nos governos civis que estavam localizados os gabi-
valores formativos da identidade nacional: Pátria, Reli- netes de censura distritais. Mas não dispunham, para
gião, Família. Pretendia-se que estes valores ideológicos isso, de meios humanos em número e qualificação sufi-
em que assentava de uma forma profundamente reac- cientes para suster toda aquela crescente onda oposito-
cionária e conservadora o Estado Novo fossem transmi- ra. Assim eram considerados depreciativamente mesmo
tidos pela Imprensa, como principal instrumento desta por Salazar, por António Ferro, pelos serviços do Se-
estratégia. Mas, para isso, nem os métodos coercivos per- cretariado Nacional de Informação (SNI). Em alguns
mitiram atingir satisfatoriamente esse objectivo. relatórios António Ferro queixava-se expressamente da 187
Desfeita a ilusão de Salazar de que era possível capacidade dos serviços de censura levarem a cabo essa
construir a unidade nacional em torno do Estado Novo, tarefa tão necessária, tão estritamente necessária que era
a Guerra Fria permite reforçar os argumentos para que a de impedir a divulgação daquilo que ele denominava
ele persiga os opositores com a justificação de serem co- “ideias subversivas”. Em grande parte devido à incultu-
munistas, o que também agradaria ao Ocidente, e aperte ra dos censores. Os censores, desde a ditadura militar,
ainda mais duramente as malhas da censura. Assim se portanto, desde o 28 de Maio, eram normalmente mili-
vai caminhando desde meados da década de Quarenta tares de patentes médias (capitães e majores) sem cultura
aos princípios da década de Cinquenta, ao mesmo tem- suficiente para poder desempenhar satisfatoriamente as
po que no País cresce o mal-estar social e político. Mal- recomendações que vinham do SNI e os desejos que o
-estar que rebenta, primeiro, na campanha eleitoral para próprio Salazar tinha de limitar a divulgação das ideias
a presidência da República do opositor general Nor- “dissolventes”. As histórias que se contam sobre isto são
ton de Matos, em 1948, que levanta uma mobilização inúmeras e até em tal excesso que o estudo e a análise
popular de grande dimensão. Mas, sobretudo, com as dos conteúdos e das orientações centrais das censuras
eleições, em 1958, do general Humberto Delgado (que no tempo de Salazar ficaram em grande parte submer-
seria assassinado pela polícia política), com o levanta- sos sob o abundante anedotário acerca do trabalho dos
mento nas ruas das cidades de todo o País de dezenas censores. Por exemplo: na revista Seara Nova frequen-
de milhares de populares exigindo o fim da ditadura. temente comentávamos e transcrevíamos alguns textos
Estreitava-se o caminho de Salazar e do Estado Novo. assinados por “Carlos Marques” ou “Ulianov” sem que
E sublinho Salazar porque, na verdade, em termos de eles se apercebessem de que se tratava de Karl Marx e
informação, como aliás em tudo o resto, era ele quem de Lénine. Aliás, quando faziam buscas em bibliotecas
mandava. Através do exame do seu arquivo (no IAN/ particulares era frequente levarem livros de Lenine, de
TT) verificámos que tudo lhe passava pelas mãos. Não Staline e de … Racine. Num assalto que fizeram à minha
todos os artigos publicados na Imprensa, obviamente. biblioteca apreenderam A Paz de Aristófanes, autor que
António Ferro era o homem do regime que era disso constava dos ficheiros da polícia como muito suspeito.
encarregado, uma espécie de Goebbels em Portugal. O

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Alteraram-se as circunstâncias com o início da nista, o que era um facto notável pelo seu ineditismo.
guerra em Angola a partir de 1961? Nessas “eleições” de 1961 um outro facto merece desta-
JT) Com efeito, as circunstâncias mudam radi- que: pela primeira vez em campanha política a Oposi-
calmente quando começa a desmoronar-se o Império. ção abordou publicamente a questão colonial, embora
Primeiro, foi a ocupação pela União Indiana dos encla- com alguma prudência. Foi num comício, num teatro
ves de Dadrá e Nagar-Aveli, depois a eclosão da guerra de Lisboa, em que um dos oradores se referiu à guer-
independentista em Angola em princípios de 1961 e, em ra colonial como uma questão que devia ser resolvida
Dezembro desse mesmo ano, a invasão de Goa, Damão politicamente, através de conversações políticas e não
e Diu pela União Indiana, a que se seguem os levanta- por meios militares. Nas campanhas eleitorais seguintes
mentos dos movimentos de libertação em Moçambique os oradores oposicionistas nas reuniões públicas foram
e na Guiné. Crescia a consciência de que, embora lutas- absolutamente proibidos de abordar a questão colonial,
se desesperadamente, com grandes sofrimentos para o sob pena de prisão. O que aconteceu comigo.
povo português, eram insuficientes os meios de que o A guerra colonial era então a dificuldade cru-
regime dispunha para enfrentar as guerras coloniais. Ve- cial que o regime enfrentava. Desde 1954, quando foi
rifica-se também, por outro lado, a falta de solidarieda- evidente o início da decadência do domínio imperial,
de das democracias ocidentais e, mesmo, o apoio activo a atenção do regime orientou-se prioritariamente para
de algumas delas, e até do Vaticano, aos movimentos de a defesa do “Império Português”. Desencadeou um in-
libertação. tenso debate ideológico, com base na “inquestionável”
Entretanto, enfrentando dificuldades de tal preservação da “Pátria una e indivisível”, na glorifica-
monta, vinham a acentuar-se as clivagens no seio do ção dos navegadores portugueses e dos exploradores das
próprio regime, pelo que Salazar se vê na necessidade terras africanas, na acção proselitista dos portugueses
de proceder a mudanças cosméticas no governo. Mas expandindo a religião cristã através dos missionários
os acontecimentos precipitam-se e não permitem gran- (que recebeu activo apoio da Igreja), na tentativa mistifi-
de margem de manobra. Dois dos casos que então tive- cadora de fazer crer que o pequeno território continen-
ram maior repercussão foi o assalto pelas forças oposi- tal português não poderia sobreviver sem as colónias.
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cionistas ao paquete “Santa Maria”, em navegação no Foi uma intensa campanha ideológica que teve como
Atlântico até à chegada ao Brasil, e a tomada de um seus instrumentos mais eficazes os manuais escolares,
avião da TAP que sobrevoou Lisboa lançando milhares os púlpitos das igrejas, a doutrinação por múltiplos
de panfletos contra o regime. Tanto um como o outro meios, além da Imprensa, procurando levantar a opi-
caso foram tão espectaculares e tiveram tal repercussão nião pública a favor da “defesa da integridade do ter-
internacional que não podiam ser silenciados pela Im- ritório nacional”. No princípio da guerra colonial, a
prensa portuguesa. Então, a censura enviou para os jor- campanha conseguiu captar algumas franjas da opinião
nais “notas oficiosas” sobre estes acontecimentos com a pública, sobretudo urbanas. Mas à medida que aumen-
obrigatoriedade de serem publicadas na primeira pági- tavam os mortos na guerra (cujos corpos chegavam às
na e exigindo que os seus autores fossem apelidados de aldeias com grandes manifestações de revolta popular)
“piratas” e “terroristas”. Eu era então chefe da redação e os avultados investimentos militares provocavam um
do Diário Ilustrado e, sem autorização, publiquei na insuportável agravamento do custo de vida, o regime
primeira página o texto integral do panfleto não acom- entrou numa desesperada atitude defensiva, que contras-
panhado das “notas oficiosas” (edição disputadíssima), tava com alguma inicial euforia e optimismo que, anos
o que nos custou uma pesada multa, ameaça de suspen- antes, tivera a sua maior expressão na Grande Exposição
são do jornal e de prisão do chefe da redacção. Não fui do Mundo Português (Junho de 1940), no quadro das
preso nessa altura, mas pouco depois, em Dezembro, e comemorações centenárias da fundação da nacionalida-
sujeito a torturas. de e da Restauração.
Registemos, ainda, dois acontecimentos rele- Nestas circunstâncias, o governo tentava, sem
vantes e muito significativos. Nas “eleições” de 1961, a êxito, o apoio da Imprensa, amordaçando-a, endurecen-
Oposição apresenta-se concertada em Lisboa, com lista do a pressão censória, obrigando os jornais a publicar
única, que reunia pessoas afetas ao Centro Democrático nas primeiras páginas as “notas oficiosas” laudatórias
Social, a que pertenciam os que vinham da I Repúbli- dos “êxitos” do regime e das suas vitórias sobre os mo-
ca, os republicanos chamados “históricos”, e também vimentos de libertação. Em que ninguém acreditava. E
alguns católicos e pessoas próximas do Partido Comu- esse descrédito significava o fracasso total do sonho de

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formar um “bloco de opinião” como expressão do “es- dado o seu estatuto social, mostrava que as classes mé-
pírito nacional”. dias, além dos trabalhadores (que se manifestavam em
greves cada vez mais frequentes), durante algum tempo
Há pouco referiu-se a um orador que abordou parecendo adormecidas, engrossavam a vaga oposicio-
publicamente pela primeira vez a Guerra Co- nista. Embora dispersas, as forças democráticas reac-
lonial como questão que deveria ser resolvida tivavam-se num ambiente tão global que até levava a
politicamente. Quem era esse orador? Que sig- pensar encontrarmo-nos numa fase pré- insurrecional.
nificado lhe atribui? E digo pré-insurrecional, porque admitíamos estar a en-
JT) Foi um advogado pertencente à corrente trar numa fase nova em que para derrubar a ditadura
socialista (ainda não havia Partido Socialista) chamado era preciso empregar novos meios, novos instrumentos.
Olindo Figueiredo. Isso está descrito num ensaio meu Que as gritarias e os panfletos não chegavam. Há até
intitulado “Os Caminhos da Unidade Democrática dentro do próprio Partido Comunista um duro debate
contra o Estado Novo” publicado na Revista de Histó- sobre isso, que leva a cisões dentro do Comité Central,
ria das Ideias da Universidade de Coimbra. Aí, analiso porque alguns queriam que se entrasse numa luta de
o enquadramento político do Estado Novo e as dinâmi- acção directa, não apenas com ideias e discursos, mas
cas da Oposição nesse período. com armas.
Era cada vez mais visível a incapacidade do go-
verno de controlar o avanço da Oposição democrática. Quem é que no Partido Comunista advogava
Tratava-se de uma verdadeira vaga de fundo, que por essa posição?
vezes parecia anunciar um período pré-insurreccional. JT) O Francisco Martins Rodrigues4 liderou
Multiplicavam-se as conspirações militares e civis, algu- essa estratégia que defendeu no congresso do PCP que
mas delas, detectadas pela Pide, resultando em prisões. então se realizou clandestinamente, pelo que foi expul-
E, no final de 1961, ocorre o assalto ao quartel de Beja, so.
que pretendia ser o início de um levantamento militar
nacional encabeçado pelo general Humberto Delgado, Esse é um período crucial, se o regime não
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que entretanto havia entrado clandestinamente em Por- se tivesse mantido, teriam existido outras mar-
tugal. Fracassado, provoca uma forte vaga repressiva. gens para a resolução do problema colonial …
São presas dezenas de pessoas, entre as quais me incluí. JT) Certamente. Mas a verdade é que não se
Estive metido mais de dois meses na tenebrosa cadeia derrubou. E depois, a frio, chegou-se à conclusão de
do Aljube, numa das celas de dimensões mínimas de- que não havia condições objectivas para seguir a estra-
nominadas “curros”, sem luz, chamado frequentemen- tégia da luta armada, algo aventureira, que culminaria,
te para interrogatório e torturado com diversos meios, inevitavelmente, numa sangrenta derrota. O governo
normalmente muito violentos. agravava os seus meios repressivos através da polícia po-
Essa violenta vaga repressiva causou considerá- lítica, da censura, de prisões, de perseguições pessoais,
vel perturbação nas forças oposicionistas, que perderam obrigando os patrões a despedir os oposicionistas (a que
muitos dos seus dirigentes, presos ou até assassinados, muitos patrões resistiram) e de outros variados meios.
como foi o caso do escultor José Dias Coelho. Mas isso
não impediu que logo em Maio seguinte, em 1962, tives- 4 Francisco Martins Rodrigues iniciou o seu percurso político em
1949, no MUD, e aderiu ao Partido Comunista Português (PCP) em
se havido um grande levantamento popular em Lisboa e 1953. Na sequência da sua actividade política nas fileiras da opo-
também no Porto, mas sobretudo em Lisboa. sição ao regime, é detido pela polícia política, sendo na prisão de
Peniche que conhece dirigentes como Álvaro Cunhal. Em Janeiro
de 1960, é um dos protagonistas do conhecido episódio de fuga da
E pouco depois irrompe o movimento de pro- cadeia de Peniche de vários membros comunistas. A sua ruptura
testo dos estudantes… com o PCP, firmada em 1963, já depois de ter posto em causa a
JT) Sim, exatamente. O forte e muito amplo orientação do PCUS, após o XX Congresso, concretiza uma dissidên-
movimento protestativo dos estudantes tinha um im- cia com a linha do partido no que concerne a guerra colonial. Fran-
cisco Martins apoiava então a insurreição popular armada como
portante duplo significado: por um lado, evidenciava forma de oposição à política colonial do Estado Novo. Já em Paris,
que os jovens se levantavam muito energicamente con- participa na criação do Comité Marxista-Leninista Português e da
tra todas as opressões da ditadura e a guerra colonial Frente de Ação Popular, em 1964, no mesmo ano em que visita a
China Maoísta e a Albânia. Após o 25 de Abril de 1974, faz parte do
(eram os primeiros a ser mobilizados) e, por outro lado, processo de fundação do Partido Comunista Reconstruído (PCR) e
da União Democrática Popular (UDP).

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Mas havia, ainda assim, tentativas de os jorna- rava e, quando a sua decisão chegava, já estava o molde
listas contornarem a censura, digamos assim… em chumbo pronto a entrar na impressora e nós não
No momento em que se inicia a Guerra em podíamos refazer tudo de início. Portanto, destruíamos
Angola, com o assalto às cadeias de Luanda, a aquelas linhas que tinham sido censuradas. A isso cha-
4 de Fevereiro de 1961, nos jornais verifica-se mava-se escarear. E claro que era, como dissemos, sujeito
que praticamente só aparecem os comunicados a penalizações porque o leitor entendia ter havido inter-
muito curtos do Governo e as declarações do venção da censura.
governador-geral de Angola. Mas quando se lê Outras vezes púnhamos em grande relevo no-
no Diário de Lisboa esse primeiro comunica- tícias do estrangeiro sobre acontecimentos idênticos
do do governo de Angola está colocado jus- aos nacionais que estávamos proibidos de noticiar. Por
tamente no centro da primeira página, como exemplo, quando da crise dos estudantes em Portugal
se chamasse a atenção para algo especialmente publiquei na primeira página com grandes caracteres
relevante. Um quadradinho no centro é certa- cobrindo grande parte da página, durante vários dias,
mente a tentativa de os jornalistas salientarem os tumultos dos estudantes na China...
um problema muito sério… A paginação era, também, uma das formas
JT) Claro, claro. Há vários livros sobre a censu- utilizadas para iludir a censura, colocando em maior
ra salazarista em que se vê mesmo os artigos que foram destaque as notícias que mostravam aspectos desfavo-
censurados. O Notícias da Amadora, publicou vários…. ráveis do regime, como antes referi no caso do Diário
Bem, isto processava-se da seguinte maneira. Nessa altu- de Lisboa. Porque, em princípio, apenas os textos eram
ra não havia computadores e muito raras máquinas de enviados aos censores. Mas, quando estes tinham des-
escrever nas redações dos jornais, era tudo escrito à mão confiança, obrigavam-nos a enviar-lhes provas de pági-
e depois seguia para a tipografia. As provas tipográficas na, o que atrasava a saída do jornal. São inumeráveis
é que eram enviadas para a censura. Os censores liam- os subterfúgios que utilizávamos para iludir a censura,
-nas, riscavam com lápis azul o que achavam contrário embora nem sempre com êxito.
ao regime. Depois reenviavam-nas para as redacções.
190 Enquanto não viesse de novo o artigo censurado, nada A censura intervinha na escrita do texto pro-
podia ser publicado. Era uma dupla forma de controlo priamente dita, para além da operação de corte
porque, por um lado, eles tinham, de facto, o poder de – que por si só é já, claro, uma intervenção…
riscar aquilo que queriam e, por outro lado, podiam de- - mas, por exemplo, ela sugeria substituições
morar as provas o tempo suficiente para que se perdes- de palavras?
sem as ligações com as províncias. No caso por exemplo JT) Com frequência sugeria sim, mas nós, em
do República, que tinha uma expansão bastante razo- geral, procurávamos não respeitar as “sugestões” da cen-
ável na província, através de correspondentes em todo sura, era uma espécie de jogo do gato e do rato…
o País, precisávamos de apanhar camionetas, comboios
que levassem os jornais para outros locais, mas muitas O governo de Salazar tinha alguma estrutura
vezes eles retinham as provas o tempo suficiente para que obrigasse a colocar certos conteúdos nos
garantir que o jornal já tinha perdido as comunicações. jornais?
O que causava, como é óbvio, grandes prejuízos para o JT) Tinha um gabinete, precisamente no Secre-
jornal. tariado Nacional de Informação, encarregado de distri-
buir comunicados, artigos e textos vários aos jornais da
Como é que o mecanismo de censura procu- província que mostravam não serem frontalmente con-
rava ocultar as marcas dos cortes nos artigos? trários ao regime. Isso também convinha a alguns desses
JT) No jornal República, onde trabalhei vários jornais, independentemente das suas ideologias, quando
anos, fazíamos o seguinte: enviávamos as provas para a tinham falta de recursos para contratar redactores em
censura, a censura riscava aquilo que queria e, quando número suficiente.
entendia, mandavam-nas. Nós tínhamos que ter sem-
pre material preparado para preencher os cortes, porque Terão as redações sofrido mudanças na sua
também era objecto de multa se deixássemos espaços composição?
em branco. Ou se nós, e utilizando aqui um termo tipo- JT) Sim. Camadas mais jovens, desde meados
gráfico, escareássemos, o que acontecia às vezes. Sabe o da década de 1950, entraram em vários diários. Já a
que é escarear? Por vezes acontecia que a censura demo- campanha de Humberto Delgado, em 1958, é coberta

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com estas redacções renovadas. Entram o Jacinto Bap- cume da Guerra Fria (após o fim da guerra até meados
tista, Baptista Bastos, Carlos Veiga Pereira, Alfredo No- dos anos 1950), as democracias ocidentais admitiam e
ales Rodrigues, António Borges Coelho, Nuno Vieira, até apoiavam o regime ditatorial de Salazar, porque ele
eu próprio, além de outros. Substituíamo-nos à geração se apresentava como estrénuo defensor da civilização
anterior, rotineira, sem imaginação, em geral louvami- ocidental contra o perigo comunista. Daí, a existência
nheira do regime, salvo muito raras excepções. então de alguma, digamos, “simpatia”, ou melhor, de
uma não hostilização do Ocidente contra a ditadura de
Depois há os correspondentes que são enviados Salazar. Simplesmente as coisas alteraram-se, sobretudo,
para Angola para fazer a cobertura da guerra. a partir do XX Congresso do PCUS com o relatório
Quem são eles? Como são escolhidos? de Khrushchev que foi publicado em todos os jornais
JT) É muito difícil perceber a posição ideoló- sem censura. Claro, o relatório era uma denúncia dos
gica deles quando nada se podia escrever livremente. O crimes de Estaline, o que convinha à propaganda anti-
que escreviam sobre as guerras e a situação nas colónias comunista. E então verificou-se uma alteração na cena
era dominado pelo imperativo da defesa da integridade internacional, pois Khrushchev no seu relatório e no
do território nacional imposto pelo governo. Além de pensamento que imprimiu à política externa da União
que os jornalistas enviados eram já escolhidos de acordo Soviética admitia a relação pacífica entre sistemas so-
com a sua manifesta afeição ao regime. Por exemplo, os ciais opostos. Admitia que eram conciliáveis, que era
correspondentes do Diário de Notícias foram sempre possível a coexistência entre o sistema capitalista e o
escolhidos entre os mais fervorosos apoiantes do regi- sistema socialista.
me, sendo este jornal de uma linha muito conservadora. Portanto, a partir daí, Salazar fica entalado,
O mesmo se passou com O Diário Popular, sobretu- porque uma das grandes justificações que tinha para
do quando foi dirigido por Francisco da Cunha Leão reprimir tão furiosamente a oposição era denunciando-
e o embaixador Martinho Nobre de Melo. Portanto, os -a como comunista. Ficava do outro lado da barreira.
enviados desses jornais, convictamente ou não, mostra- Ora a partir da altura em que se admitia a coexistência
vam-se incondicionais salazaristas. Quanto aos jornais pacífica entre os dois sistemas perdia-se uma parte da
não comprometidos como o Diário Ilustrado ou o Re- justificação para que Salazar continuasse a desencadear 191
pública de Lisboa, ou o Jornal de Notícias do Porto en- uma ofensiva tão furiosa contra o Comunismo Inter-
tre outros, nunca enviaram correspondentes às colónias. nacional. E, a partir daí, começa a acentuar-se um certo
Para quê? Nem valia a pena... Além disso, havia os cor- isolamento de Salazar mesmo em relação às democra-
respondentes de lá que enviavam para as redacções em cias Ocidentais. Então, inclusive nas Nações Unidas,
Lisboa notícias que não nos mereciam qualquer crédito. foram feitas algumas fortes acusações contra as guerras
coloniais conduzidas por Portugal; no mesmo sentido
Como o correspondente de Angola Ferreira da se pronunciou o presidente dos EUA, John Kennedy,
Costa... o Papa recebeu os representantes dos movimentos de
JT) Esse Ferreira da Costa era execrável… Ti- libertação, isto é, por parte das democracias ocidentais,
nha um programa na rádio contra o Comunismo, em um afastamento cada vez maior relativamente à política
que usava os argumentos mais primários e soezes. Ele colonial de Salazar.
e outros usavam este tipo de propaganda contra o co-
munismo por considerarem ser a forma mais eficaz de Um jornalista português nessa altura recebia
tentar unir forças em torno do regime, ameaçado pelos certamente jornais do estrangeiro. Alguns de-
que punham em causa os valores essenciais da tradição les já reportavam as situações que se passavam
portuguesa. A verdade é que esse tipo de propaganda em Angola com um sentido e um enquadra-
primária anticomunista ficou de tal modo incrustado mento bem diferentes do que era difundido
na mentalidade popular que ainda hoje é usado com pela imprensa portuguesa. Que papel terão jo-
algum êxito pelos políticos conservadores. gado os media estrangeiros para a imprensa – e
também para o regime – em Portugal?
Como evoluíram as relações do regime do Es- JT) Sim, claro, embora muito frequentemente
tado Novo com as mudanças do cenário inter- fosse impedida a sua entrada e a distribuição no País.
nacional? Por isso, muitas vezes esses jornais entravam clandesti-
JT) O regime tinha de ganhar a simpatia dos namente, sobretudo quando tinham notícias mais sa-
políticos ocidentais. Aqui, distinguem-se duas fases. No lientes contra as guerras coloniais. Os próprios correios

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estavam avisados de que era preciso apreender certos sidera a manutenção do sistema colonial um
jornais estrangeiros. Isso não impedia que muitos con- facto absolutamente fulcral. Como vê este pro-
seguissem entrar, como Le Monde, que era o mais lido cesso?
aqui pela Oposição, publicando frequentemente não só JT) O slogan do “Portugal uno e indivisível”
notícias sobre a guerra colonial como também as ma- era constantemente repetido para justificar a manuten-
nifestações e protestos internos contra o regime, bem ção das colónias. Como dissemos atrás, insistia-se na
como prisões e assassinatos pela polícia política portu- ideia de que Portugal dificilmente sobreviveria sem as
guesa. Muitas das notícias que recebíamos sobre a situ- colónias. Além das já referidas ocupações dos enclaves
ação colonial chegavam-nos por esse jornal. Também, indianos de Dadrá e Nagar-Aveli, até então sob ocupa-
com muita frequência, alguns jornais estrangeiros, que ção portuguesa, o que mais abalou Salazar (após o iní-
conseguiam escapar ao crivo dos correios, eram apreen- cio da guerra em Angola) foi, em Dezembro de 1961,
didos nas bancas de venda. a invasão de Goa, Damão e Diu, o que significava o
fim da “India portuguesa”, a que estavam ligados alguns
Salazar teria uma orientação para a imprensa dos feitos mais célebres da expansão portuguesa, como
internacional? a descoberta do caminho marítimo para a Índia por
JT) Sim... E desde os anos 1950 não foram Vasco da Gama. Salazar ficou tão abalado que sofreu
poucos os correspondentes estrangeiros perseguidos, um AVC, de que depois recuperou. A ordem de Salazar
vigiados, ameaçados, até obrigados a sair do País. Ape- era que as forças militares portuguesas resistissem até ao
sar disso, alguns mantinham-se, gozando por vezes da último homem. Mas o governador da India, nessa altura
tolerância da polícia, por também publicarem nos seus o general Vassalo e Silva, teve o bom senso de avaliar o
jornais despachos favoráveis. Entre estes, por exem- desastroso resultado de um confronto com um exército
plo, contava-se a correspondente do New York Times, indiano composto por dezenas de milhares de homens
Marvin, que frequentava normalmente os círculos da bem armados, perante um pequeno grupo de militares
Oposição. Quanto aos jornais que publicavam por ve- portugueses. Salazar não queria que eles se rendessem,
zes notícias desfavoráveis à ditadura, como Le Monde mas o general Vassalo e Silva teve o bom senso de orde-
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e L’Humanité, entravam com muitas precauções e os nar que o fizessem. Caso contrário seria um massacre.
seus contactos com a Oposição eram muito reservados. E por isso expulsaram-no do Exército e quando chegou
Durante o governo de Salazar foi sempre assim. A excep- a Lisboa foi agredido por alguns “patriotas”, entre os
ção foi as conferências de Imprensa que frequentemente quais se contaram jornalistas, pela sua atitude conside-
eram promovidas pelo governo no Secretariado Nacio- rada de traição. Era uma situação que Salazar não queria
nal da Informação para os correspondentes estrangeiros admitir, mas a verdade é que, para além da desigualdade
credenciados em Portugal. O objectivo principal, diria de forças, sofria o desgaste da pressão internacional que
quase exclusivo, era tentar justificar a guerra colonial. era cada vez maior.
Não se pode negar terem tido algum efeito, sobretudo
quando essas conferências passaram a ser dirigidas pelo A circunstância de se ter mantido a informa-
hábil ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco No- ção sob censura e sempre muito condicionada
gueira, desde meados da década de 1960. pode ser um dos fatores que ajudam a explicar
Quanto ao sucessor de Salazar, Marcelo Caeta- que o regime tenha durado tanto tempo?
no, teve uma política de informação muito diferente, JT) Sim, foi sem dúvida um dos factores mais
como já tive ocasião de analisar5. Caetano tinha a cons- importantes. A censura fazia parte do conjunto do apa-
ciência mais clara do valor dos meios de comunicação relho repressivo de Salazar, de que também constava
nas sociedades modernas, sabia manejar mais habilmen- a PIDE, a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa,
te a Informação e, sobretudo, percebeu a importância da além da organização corporativa, do controlo dos sin-
Televisão (o que nunca aconteceu com Salazar) sobretu- dicatos, dos ensinamentos mais conservadores nas esco-
do quando iniciou a série das “Conversas em Família”. las e nos manuais escolares e outros variados órgãos e
instrumentos coercivos utilizados por Salazar, entre os
A questão da guerra colonial adquire uma im- quais a amplíssima rede de informadores policiais que
portância muito grande porque o regime con- estava presente em todos os recantos da vida portugue-
5 José Manuel Tengarrinha, Imprensa e Opinião Pública em Portu- sa. Salazar controlava tudo. Era ele próprio que recebia
gal, Coimbra, MinervaCoimbra, 2006, pp.197-204. os relatórios da censura e que tinha contactos directos

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com a PIDE. Por vezes se disse que Salazar desconhecia o “espírito nacional” com que se identificassem todos
isto, tentando desculpabilizá-lo, e que eram os minis- os portugueses sob a autoridade incontestada do chefe
tros os “culpados”... Não, ele sabia de tudo, estava a par supremo. Nas raras manifestações públicas que promo-
de tudo. Como esteve a par do assassinato do general veu, apregoava-se o slogan de “Deus, Pátria e Família”,
Humberto Delgado, por exemplo. A brigada da PIDE a que se juntava “Salazar! Salazar! Salazar!”. Na ausência
que o assassinou estava bem instruída e quem a coman- de um partido único (União Nacional) mobilizador e
dou foi Rosa Casaco, que era íntimo de Salazar e seu suficientemente influente para ser a base formativa e
único fotógrafo pessoal. dinamizadora desse “espírito nacional”, o instrumento
Mas toda essa fortíssima repressão não impediu mais eficaz que se antevia era a utilização da Imprensa
que a Oposição engrossasse e que fosse cada vez mais como seu principal suporte comunicacional, através de
ameaçadora em face de um regime incapaz de dar res- uma dissuasão controlada que não deixaria de tomar
posta às grandes questões nacionais e que internamente frequentemente a natureza de uma imposição autoritá-
perdia alguns dos seus antigos apoios do pós- guerra, ria, excedendo os limites do legalismo e da temperança
nomeadamente nas camadas médias e intelectuais. Des- cuja face procurava preservar.
de a década de 1950, Salazar não conseguia conquistar a É nesse contexto que, como vimos, se criou o
intelectualidade, os grandes nomes da cultura em todos Secretariado de Propaganda Nacional com a expressa
os campos opunham-se-lhe frontalmente. As bases ide- função de “integrar os portugueses no pensamento mo-
ológicas do regime eram frágeis e nunca conseguiram ral que deve dirigir a Nação” ou, ainda mais explicita-
construí-las sólida e duradouramente. Assentavam, so- mente, de divulgar o “espírito de unidade que preside à
bretudo, em apenas alguns valores tradicionais e regres- obra realizada e a realizar pelo Estado Novo”, visando
sivos da sociedade portuguesa, que tinham maior efeito assim “o consenso da sociedade portuguesa em torno
nas massas rurais, submetidas mais de perto à influência do ideário do regime”. É nesse sentido que aflora o que,
da igreja tradicional e reaccionária. prudentemente e com reservas, se pode denominar a
tentativa de criação de um Estado totalitário. Embora
E de que forma o estudo da relação de Salazar este nunca tenha sido alcançado e seja, até, como tal,
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com os media e o estudo do controlo dos pro- formalmente não defendido institucionalmente, há a es-
cessos informacionais nesse período poderão perança de que a cultura, a escola, os meios de comuni-
contribuir para uma ponderação sobre a natu- cação pudessem servir o objectivo da ideia de defender
reza do regime? uma pátria una e indivisível construída com base no
JT) Embora Estado fortemente autoritário e, frágil ideário do Estado Novo.
quanto possível, centralista, o Estado Novo nunca con- Como dissemos atrás, até princípios da década
seguiu conformar-se numa unicidade necessária para de 1950 decorre o período mais pujante de afirmação
poder ser verdadeiramente considerado totalitário na do regime, que consegue algum êxito na criação, entre
sua natureza, o que, aliás, foi expressamente rejeitado as classes superiores e médias, de uma opinião pública
em alguns textos e afirmações públicas do próprio regi- favorável a esse desiderato. É a fase mais bem-sucedida
me. Foram variados os factores que para isso contribu- da doutrinação do regime, mas globalmente os resulta-
íram, tanto de natureza externa como auto-limitativos, dos são pouco duradouros e não resistem às correntes
de natureza ideológica. O direito e a moral foram para contrárias.
Salazar princípios fundadores e orientadores do Esta- O relativo fracasso desta política é reconhecido
do Novo, pretendendo assim, em princípio, afastar-se pelo governo que faz uma viragem com a criação, em
do uso de um poder puramente arbitrário e sem regras. Fevereiro de 1944, do Secretariado Nacional da Infor-
Porém, na prática, como se sabe, transgrediu esses prin- mação (SNI), deixando a “propaganda” de ser o objecto
cípios, usando imoderadamente o poder sem limites, central ao serviço da qual tinha estado a informação,
justificado pela imperiosa necessidade de defesa dos passando esta à função primacial de apresentar o regi-
superiores interesses da “Pátria una e indivisível”, da me como o único espaço de identificação com o “espí-
Religião Cristã, dos valores intemporais da família tra- rito nacional”. Para tal, tentou-se captar os favores da
dicional. Em torno destes princípios e dos órgãos que Imprensa para esta missão considerada patriótica e, ao
constituiu, Salazar buscou debalde a unicidade, a afirma- mesmo tempo, reprimi-la, o que era obviamente incon-
ção do pensamento único, a generalizada afirmação de ciliável. Foi aqui que o Estado Novo perdeu a batalha
uma doutrina que visava, em última instância, formar da Informação. Tentando manter-se precariamente em

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limites legais, como se disse, Salazar não suprimiu os
jornais que não lhe fossem favoráveis, bastando-lhe
controlá-los com uma censura mais ou menos dura. As
guerras coloniais acabaram por pôr ainda mais em che-
que essa política dúbia, esse precário equilíbrio meio
legalista que Salazar sempre tentou manter, com a apa-
rência “democrática” de legitimar-se com a realização de
eleições que nunca dariam resultados desfavoráveis pois
estavam inteiramente controladas.
Como balanço ou ideia final, defendemos que,
verdadeiramente, não se poderá classificar a natureza do
Estado Novo como totalitária nem sequer “meio-tota-
litária”, pois de facto fracassaram as suas intenções, a
maior parte delas tímidas ou ambíguas, para conseguir
esse desiderato que nem sequer era apresentado expres-
samente como objectivo central do seu projecto. Creio
que melhor o deveremos classificar, no essencial, como
uma violenta ditadura pessoal, que procurou, em vão,
manter-se nos limites do direito e da moral. Julgo que
as considerações que deixámos atrás sobre as relações
entre a Imprensa e o Estado Novo corroboram esta con-
clusão.

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