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Língua Portuguesa
Patrícia Martins
Origem e Conceito de Literatura
Escolas Literárias e Autores:
da Idade Média ao Modernismo
Trechos e Análises de Obras
pedidas nos Vestibulares
Questões de Vestibulares
Teresinha de Oliveira Ledo
Formação da Literatura Brasileira:
das Origens à Época Contemporânea
Trechos e Análises de Obras
pedidas nos Vestibulares
Questões de Vestibulares
Editor
Raul Maia
Produção Editorial
Departamento Editorial DCL
Produção Gráfica
Nelson Pastor
Capa
Antonio Briano
Diagramação
Thiago Nieri
Revisão
Caio Alexandre Bezarias
Sumaya de Souza Lima
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ledo, Teresinha de Oliveira
Manual de literatura : literatura portuguesa,
literatura brasileira / Teresinha de Oliveira
Ledo, Patrícia Martins. -- São Paulo : DCL,
2001. -- (Guia prático da língua portuguesa)
Bibliografia.
ISBN 85-7338-428-X
1. Literatura brasileira 2. Literatura
portuguesa I. Martins, Patrícia. II. Título.
III. Série
CDD-869.9
01-0290 -869.87
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura brasileira 869.9
2. Literatura portuguesa 869.87
Proibida reprodução total ou parcial
Direitos exclusivos desta publicação:
© Difusão Cultural do Livro Ltda.
Rua Manoel Pinto de Carvalho, 80
CEP: 02712-120 – São Paulo – Brasil
dcl@editoradcl.com.br
Introdução
No mundo atual, escrever é sempre im- estudo das obras literárias, mas também com-
portante, necessário e freqüente. Mostrar que preender e avaliar a evolução da nossa pró-
você sabe comunicar-se (bem), usando a es- pria língua e as diferentes estéticas que dela se
crita, é um dos fundamentos da capacidade de apossaram para, ou permitir a manutenção das
ser e realizar, da cidadania e da competência. normas sociais vigentes, ou sutilmente relatar
A tão propalada era do computador que, muitos suas agruras ou, mais freqüentemente rebater
afirmavam, iria diminuir drasticamente a ne- e revolucionar essas normas a partir da escri-
cessidade de papel e de escrever, fez o inver- ta. Houve e há diferentes “estratégias” de ex-
so: nunca tanta informação e conhecimento pressão da língua, que enriqueceram e inseri-
circularam entre tantas pessoas e de modo tão ram essa cultura literária no contexto mundial,
rápido, nunca as pessoas se comunicaram desde os primórdios da literatura portuguesa
tanto (via e-mails, chats, impressos etc), fa- até finalmente chegarmos a uma literatura de
zendo com que todos escrevamos mais e mais. caráter efetivamente brasileiro.
Apesar de tantas inovações trazidas pela Foi pensando em levar ao seu conheci-
era da modernidade, algo certamente perma- mento toda a trajetória de nossos principais
nece incólume nos dias atuais: a relevância da autores e obras de língua portuguesa que ela-
tradição literária em língua portuguesa. A partir boramos esse prático e indispensável Manual
de dois países, Portugal e Brasil, unificados de Literatura, para auxiliá-lo na análise e com-
pela expansão marítima e econômica iniciada preensão do contexto em que se manifestaram
no século XV, edificou-se uma gama forte e os principais movimentos e escolas literárias,
admirável de obras que revelaram, literaria- no Brasil e em Portugal, e quais suas contribui-
mente, os costumes, as angústias, as con- ções e influências na literatura do século XX.
quistas e derrotas de conjuntos sociais que Através de uma visão concisa, mas sólida e
igualmente ascenderam e decaíram ao longo bem fundamentada, este guia vai ajudá-lo a
da história. enfrentar as questões de vestibulares das prin-
É certo que não apenas esse descompro- cipais faculdades e universidades do país.
missado caráter documental torna relevante o Aproveite o estudo e boa sorte!
Índice
LITERATURA PORTUGUESA
Introdução
A pesquisa realizada sobre Litera- as obras épicas de Homero – a Ilíada e
tura Portuguesa tem como primordial a Odisséia, de origem grega, que servi-
objetivo retratar as estéticas que existi- ram de incentivo a autores portugueses
ram durante um longo período de gran- importantíssimos como é o caso de Ca-
des transformações por todo o mundo e, mões, com sua obra Os Lusíadas, e
em especial, em Portugal. Fernando Pessoa, com Mensagem. Am-
Por todo o livro, poderão ser cons- bas as obras possuem traços idênticos
tatados os principais fatos históricos so- às duas obras citadas de Homero.
fridos pelos estilos literários e suas de- Outros autores sofreram influên-
terminadas conseqüências para a ela- cias de obras francesas e americanas;
boração das mais belas obras portu- nossos saudosos artistas portugueses,
guesas. no entanto, enriqueceram obras que vi-
Esta viagem por todo o universo li- eram a surgir depois destes – refiro-
terário português poderá ser abarcada me à Literatura Brasileira.
por alunos do ensino médio, vestibulan- É claro que muitos estudiosos e
dos e por estudantes de nível superior. professores acreditarão que trabalhar
Preocupei-me, em primeiro plano, somente com esta obra será incompleto
em explicitar o que é Literatura, e citar devido à complexidade do tema, mas
os primeiros registros encontrados no poderá servir de base a estudos mais
mundo a respeito do que viria posterior- aprofundados.
mente a se tornar essencial à vida de Para moldar este livro, dispus-me a
estudantes e literatos. pesquisar literatos importantes de nos-
Segundo Van Loon, a Literatura “é sa história: baseei-me em Salvatore
universal, mas não está ligada em par- D’Onofrio, Massaud Moisés e José An-
ticular a este ou àquele país ou período tônio Saraiva.
histórico. É de fato tão antiga quanto a Por fim, agrupei certas questões
raça humana e é inerente ao homem, apresentadas por faculdades e univer-
como são parte dele os olhos ou os sidades em seus vestibulares e proces-
ouvidos, a fome e a sede”. sos seletivos para fixar os estudos e
Como marco inicial à Literatura Por- preparar estudantes para uma nova eta-
tuguesa, tomei como ponto de partida pa de suas vidas – o ensino superior.
Panorama da Literatura Portuguesa
O que é Literatura?
A Literatura teve sua origem mais Então, o autor cria ficção, ao fugir
ou menos paralela ao surgimento da da realidade, mas não da contextuali-
escrita, há milhares de anos atrás, cria- dade. Em sua obra literária, são encon-
da pelo homem com o objetivo de con- trados os elementos essenciais – con-
servar a sua história através de epopéi- teúdo, que é a mensagem da obra, as
as e lendas, e controlar a natureza, cri- idéias que o autor quer transmitir; e for-
ando-se os mitos e religiões. ma que é como o autor empregou a pala-
vra para elaborar seu texto.
Em recentes pesquisas de estudio-
sos e historiadores, descobriu-se que a Diante destas colocações, é neces-
Literatura é anterior à escrita. Certas len- sário ressaltar que a Literatura se cons-
das e canções eram feitas oralmente e, titui de três gêneros literários, neste ca-
neste caso, não existia um autor espe- pítulo brevemente definidos, mas sem-
cífico – a literatura era oral, anônima e pre retomados ao longo deste trabalho.
coletiva. Somente com o surgimento da
• Gênero lírico – trata-se de uma re-
escrita é que a Literatura tomou forma e
velação subjetiva de uma exposição
ganhou a figura do autor.
dos sentimentos humanos, como a
Literatura nada mais é do que uma alegria, a tristeza, o amor, a inquieta-
combinação de palavras com uma inten- ção, a fatalidade etc. Este gênero
ção estética, cujos gêneros podem ser apresenta-se em versos.
classificados em epopéia, poema e teatro. Exemplo de um texto lírico:
Ao combinarem-se as palavras, al-
cança-se novos significados (metáfo-
Motivo
ras), sobre os quais o escritor acaba Eu canto porque o instante existe
criando sua própria realidade através E a minha vida está completa
da imaginação. Portanto, dizemos que
a Literatura é invenção, e o autor culti- Não sou alegre nem sou triste:
va essa realidade imaginária através Sou poeta.
de situações básicas da vida, sua vi-
são do mundo, seu talento e sua sensi- Irmão das coisas fugidias.
bilidade. Não sinto gozo nem tormento.
É pelo contentamento (ou não) com Atravesso noites e dias
realidade que o autor procura descre- No vento.
ver a vida através de uma linguagem
pessoal, porém se preocupando com a Se desmorono ou se edifico,
compreensão do leitor. Se permaneço ou me desfaço,
— 4 —
– não sei, não sei. Não sei se fico digo. Confiança – o senhor sabe – não
ou passo. se tira das coisas feitas ou perfeitas:
ela rodeia é o quente da pessoa. E
Sei que canto. E a canção é tudo. despaireci meu espírito de ir procurar
Otalícia, pedir em casamento, mandado
Tem sangue eterno e asa ritmada.
de virtude. Fui logo, depois de ser cin-
E um dia sei que estarei mudo: za. Ah, a algum, isto é que é, a gente
– mais nada. tem de vassalar. Olhe: Deus como es-
MEIRELES, Cecília. Antologia Poética. 3ª. ed. Rio de condido, e o diabo sai por toda parte
Janeiro: Ed. Do Autor, 1963, p. 7. lambendo o prato... Mas eu gostava de
Diadorim para poder saber que estes
• Gênero épico – trata do mundo ex- gerais são formosos.
terior e das relações do homem com ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 8ª ed.
este mundo. Este gênero é mais ob- Rio de Janeiro: J. Olimpio, 1972, p. 45.
jetivo e há a predominância de um
narrador que conta um fato, num am- • Gênero dramático – trata-se do gê-
biente dotado de elementos como: nero em que os personagens falam di-
tempo, espaço, personagem e ação. retamente, expondo seus dramas e con-
O personagem, na sua totalidade, é flitos. O texto dramático é feito para a
um herói que exemplifica todo o he- encenação teatral, ou seja, é represen-
roismo e qualidades de um povo. tado por atores, que encarnam os per-
sonagens.
Exemplo de um texto épico:
Exemplo de um texto dramático:
Grande sertão: veredas
(fragmento) A Ceia dos Cardeais
Esbandalhados nós estávamos, (fragmento)
escatimados naquela esfrega. Esmo-
recidos é que não. Nenhum se lastima- Cardeal Rufo, acercando-se também
va, filhos do dia, acho mesmo que nin- do Cardeal Gonzaga
guém se dizia dar por assim. Jagunço é Em que pensa, cardeal?
isso. Jagunço não se escabreia como
perda nem derrota – quase que tudo Cardeal Gonzaga, como quem
para ele é o igual. Nunca vi. Para ele a acorda, os olhos cheios de brilho, a
vida já está assentada: comer, beber, expressão transfigurada
apreciar mulher, brigar, e o fim final. E Em como é diferente o amor de Por-
todo mundo não presume assim? Fa- tugal!
zendeiro, também? Querem é trovão em
outubro e a tulha cheia de arroz. Tudo Nem a frase sutil, nem o duelo san-
que eu mesmo, do que mal houve, me grento...
esquecia. Tornava a ter fé na clareza É o amor coração, é o amor senti-
de Medeiro Vaz, não desfazia mais nele, mento.
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A Ilíada e
Vasco da Gama ora enfrentará a fúria de
deuses e outros seres fantásticos, ora
por outros será protegido e mantido aler-
ta sobre os perigos que estão por vir. a Odisséia
Todos são, por fim, figuras imaginárias
que servem de modelo ao homem, seja
ele antigo ou medieval. Estas duas obras representam os
dois maiores modelos de epopéia e têm
Interessante conhecermos algumas
como principais características a narra-
manisfestações literárias da Grécia An-
tiva em grandes dimensões, que retrata
tiga e, em seguida, entraremos no per-
o tema de modo heróico, na maioria das
curso da Literatura Portuguesa.
vezes, sobrecarregando-o de elemen-
tos fantásticos e sobrenaturais.
Idade Média
Inicia-se no final do século V, com des de Besteiros, Fernando Esguio, João
o avanço do Cristianismo, estendendo- Garcia de Guilhade, João Zorro, Airas
se até o século XV. Neste período há Nunes de Santiago e Nunes Fernandes
uma preocupação com os ideais gregos Torneol.
e judaicos em relação ao Novo Testa-
mento. Surgem a literatura cortesã e as A novela de cavalaria teve como pre-
novelas de cavalaria. Este período da cursor o francês Chréstien de Troyes,
literatura fica conhecido como Trova- autor de Lancelot. Em oposição à primei-
dorismo (1198 – 1434). ra, as novelas de cavalaria desenvol-
veram-se sob a forma de narrativas e
O Trovadorismo foi o primeiro movi- retratavam o amor concreto e mais rea-
mento literário no mundo ocidental e apre- lista. As relações amorosas se davam
sentou a realidade da época. Suas poe- entre nobres. De caráter pagão, os poe-
sias eram acompanhadas por instrumen- tas exaltavam a valentia, a aventura e a
tos musicais como a lira, a harpa, a ra- capacidade de conquista. Surgiram, en-
beca, o alaúde, a flauta, o tamborete, o tão, as narrativas centradas no rei Artur
címbalo e outros. e seus cavaleiros da Távola Redonda.
Aquel dia que vos eu digo, direita- veerem ca por al – deles por vos veerem
mente quando queriam poer as mesas – e deles por averem vossa companha?
esto era ora de noa – aveeo que üa
– Senhor, – disse el – nom vou
donzela chegou i, mui fremosa e mui bem
senam a esta foresta com esta donzela
vestida. E entrou no paaço a pee, como
que me rogou; mais cras, ora de terça,
mandadeira. Ela começou a catar de üa
seerei aqui.
parte e da outra, pelo paaço; e pergun-
tavam-na que demandava. Entom se saío Lançarot do Lago e
sobio em seu cavalo, e a donzela em
– Eu demando – disse ela – por Dom
seu palafrem; e forom com a donzela
Lançarot do Lago. É aqui?
dous cavaleiros e duas donzelas. E quan-
– Si, donzela – disse üu cavaleiro. do ela tornou a eles, disse-lhes:
Veede-lo: stá aaquela freesta, falando
– Sabede que adubei o por que viim:
com Dom Gualvam.
Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele, Entam se filharom andar e entrarom
tanto que a vio, recebeo-a rnui bem e na foresta; e nom andarom muito per ela
abraçou-a, ca aquela era üa das don- que chegarom a casa do ermitam que
zelas que moravam na Insoa da Lediça, soía a falar com Gualaz. E quando el vio
que a filha Amida del-rei Peles amava Lançarot ir é a donzela, logo soube que
mais que donzela da sua companha i. ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou
– Ai, donzela! – disse Lançalot – sua irmida por ir ao mosteiro das donas,
que ventura vos adusse aqui, que bem ca nom queria que se fosse Gualaaz
sei que sem razom nom veestes vós? ante que o el visse, ca bem sabia que,
pois se el partia dali, que nom tornaria i,
– Senhor, verdade é; mais rogo- ca lhe convenria e, tanto que fosse ca-
vos, se vos aprouguer, que vaades co- valeiro, entrar aas venturas do reino de
migo aaquela foresta de Camaalot; e Logres. E por esto lhe semelhava que o
sabede que manhãa, ora de comer, avia perdudo e que o nom veeria a
seeredes aqui. meude, e temia, ca avia em ele mui gran-
– Certas, donzela – disse el – mui- de sabor, porque era santa cousa e san-
to me praz; ca teúdo e soom de vos ta creatura.
fazer serviço em tôdalas cousas que Quando eles cheguarom aa aba-
eu poder. dia, levarom Lançarot pera üa camara,
e desarmarom-no. E vëo a ele a aba-
Entam pedio suas armas. E quando
dessa com quatro donas, e adusse con-
el-rei vio que se fazia armar a tam gram
sigo Gualaaz: tam fremosa cousa era,
coita, foi a el com a raïa e disse-lhe:
que maravilha era; e andava tam bem
– Como leixar-nos queredes a atal vesådo, que nom podia milhor. E a aba-
festa, u cavaleiros de todo o mundo dessa chorava muito com prazer. Tanto
veem aa corte, e mui mais ainda por vos que vio Lançarot, disse-lhe:
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vam muito mais formosos. De tão maravi- percebesse quem o conduzia nem por
lhados que estavam não conseguiam falar. qual porta saíra. Então os cavaleiros reto-
Apenas se olharam. E nesse momento en- maram a voz e começaram a dar Graças a
trou no palácio o Santo Graal, envolto por Nosso Senhor, que tão grande e honra lhes
um veludo branco, sem que ninguém con- dera, confortando-os com a graça do San-
seguisse ver quem o trazia. Tão logo o to Vaso. Mas, mais alegre que todos esta-
Santo Graal penetrou no palácio, este se va o rei Artur, porque maior graça lhe pro-
cobriu de um odor tão agradável como se porcionara Nosso Senhor que a qualquer
os mais finos perfumes aí tivessem sido outro rei que anteriormente houvesse rei-
derramados. E ele percorreu o palácio de nado sobre Logres. E disse aos que com
ponta a ponta, detendo-se ao redor de ele estavam:
cada uma das mesas. E estas, à sua pas-
sagem, cobriam-se dos mais deliciosos — Amigos, devemos nos conside-
manjares, despertando o apetite e o pra- rar imensamente felizes, pois Deus nos
zer de todos. Depois que cada um se ser- mostrou tão grande sinal de amor, ali-
viu, o Santo Graal desapareceu da mesma mentando-nos, nesta festa de Pentecos-
forma como entrara: sem que ninguém tes, de seu santo celeiro.
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Resumo do Trovadorismo
Momento sócio-cultural De escárnio (crítica pessoal e/ou social
indireta, irônica)
• Idade Média De maldizer (crítica pessoal e/ou social
direta)
• Feudalismo: sistema de poder basea-
do na posse da terra • Prosa medieval: novelas de cavala-
ria (o heroísmo de influência religio-
• Supremacia do clero (teocentrismo)
sa e feudal).
e da nobreza (senhores feudais, pa-
triarcalismo)
Autores e obras
Características literárias
• Trovadores (poetas-cantores)
• Predomínio da literatura oral, associa-
Paio Soares de Taveirós, autor
da à música e à dança, as cantigas
da Cantiga da Ribeirinha, cantiga de
• Tipos de cantiga: amor homenageando uma dama da corte
(D. Maria Paes Ribeiro)
De amor (eu-lírico masculino, pres-
tando “vassalagem amoro- D. Dinis: rei-trovador e mecenas
sa” à mulher, à senhora: o (protetor das artes).
amor cortês)
Novelas de cavalaria (criações po-
De amigo (eu-lírico feminino, sensual pulares): O rei Artur e os cavaleiros da
e popular, o lamento pela au- Távola Redonda, Carlos Magno e os
sência do amigo/amante) doze pares da França.
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Humanismo
Período de transição entre a Idade esferas do Paraíso, até que São Bernardo
Média e o Renascimento, marcado por (a Mística) lhe permite desfrutar da pre-
diversas transformações, nas quais po- sença de Deus”.
demos citar a expansão marítima, as in- Resumo elaborado por Help! Sistema de Consulta
venções como a bússola e a pólvora, o Interativa – Técnicas de Redação e Literatura. São
Paulo: O Estado de S. Paulo, 1996. p. 99.
aperfeiçoamento da imprensa, o desen-
volvimento do comércio, o mercantilismo, • Francisco Petrarca – é o criador do
além do desaparecimento do misticismo Humanismo. Escreveu Canzoniere,
medieval, compreendendo-se o homem obra que contém canções, badaladas,
com mais naturalidade. sextinas, estâncias e sonetos que,
posteriormente, vieram a ser imitados
Foi um movimento que tinha por ob-
por toda a lírica européia.
jetivo principal a contestação do teocen-
trismo, dando espaço ao antropocen- • Giovanni Boccaccio – escreveu
trismo. Decameron, obra repleta de lingua-
gem expressiva e rica inventividade.
Num cenário como este, surgiram
vários autores como Dante Alighieri • Fernão Lopes – foi o primeiro cro-
(1265 – 1375), Petrarca (1304 – 1373) e nista-mor de Portugal, responsável
Boccaccio (1313 – 1375). pela tarefa de registrar a História de
seu país. Lopes foi o iniciador da his-
• Dante Alighieri – nascido em Floren- toriografia portuguesa. Utilizava-se
ça, estudou clássicos latinos e dedi- de um estilo elegante e coloquial nas
cou-se à filosofia. Sua obra principal suas narrativas e descrições e acre-
foi A Divina Comédia, que se dividia ditava que o povo era o agente das
em “Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”. transformações sociais.
A Obra: “Perdido numa selva (o Crônica de D. Pedro I
Pecado), Dante é auxiliado pelo poeta
Como foi trelladada Dona Ines
latino Virgílio (a Razão), que o guia atra-
pera o moesteiro Dalcobaça, e da
vés do Inferno: para ele, um grande lo-
morte delRei Dom Pedro
cal afunilado, situado no centro da Terra,
onde os condenados sofrem enormes tor- Por que semelhante amor, qual el-
mentos. Acompanhado de Virgílio, o poe- Rei Dom Pedro ouve a Dona Enes, rara-
ta visita depois o Purgatório, uma monta- mente he achado em alguuma pessoa,
nha de nove estágios, ao final dos quais porem disserom os antiigos quc nenhuum
desaparece Virgílio e aparece Beatriz (a he tam verdadeiramente achado, como
Teologia). Junto desta, Dante avança en- aquel cuja morte nom tira da memoria o
tre os coros dos anjos, ao longo das nove gramde espaço do tempo. E se alguum
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disser que muitos forom ja que tanto e ca ella viinha em huumas andas, muito
mais que el amarom, assi como Adriana bem corregidas pera tal tempo, as
e Dido, e outras que nom nomeamos, quaaes tragiam gramdes cavalleiros,
segumdo se lee em suas epistolas, acompanhadas de gramdes fidalgos, e
respomdesse que nom fallamos em amo- muita outra gente, e donas, e domzellas,
res compostos, os quaaes alguuns au- e muita creelezia. Pelo caminho estavom
tores abastados de eloquemcia, e muitos homeens com çirios nas maãos,
floreçentes em bem ditar, hordenarom de tal guisa hordenados, que sempre o
segumdo lhes prougue, dizemdo em seu corpo foi per todo o caminho per
nome de taaes pessoas, razoões que antre çirios açesos; e assi chegarom
numca nenhuuma dellas cuidou; mas ataa o dito moesteiro, que eram dalli
fallamos daquelles amores que se con- dezassete legoas, omde com muitas mis-
tam e leem nas estorias, que seu sas e gram solenidade foi posto em aquel
fumdamento teem sobre verdade. Este muimento: e foi esta a mais homrrada
verdadeiro amor ouve elRei Dom Pedro trelladaçom, que ataa aquel tempo em
a Dona Enes como se della namorou, Portugal fora vista. Semelhavelmente
seemdo casado e aimda Iffamte, de gui- mandou elRei fazer outro tal muimento e
sa que pero dela no começo perdesse tam bem obrado pera si, e fezeo poer
vista e falla, seemdo alomgado, como açerca do seu della, pera quamdo se
ouvistes, que he o prinçipal aazo de se aqueeçesse de morrer o deitarem em
perder o amor, numca çessava de lhe elle. E estamdo el em Estremoz, adoeçeo
emviar recados, como em seu logar de sua postumeira door, e jazemdo
teemdes ouvido. Quanto depois traba- doemte, nembrousse como depois da
lhou polla aver, e o que fez por sua mor- morte Dalvoro Gomçallvez e Pero Coe-
te, e quaaes justiças naquelles que em lho, el fora çerto, que Diego Lopes
ella forom culpados, himdo contra seu Pachequo nom fora em culpa da morte
juramento, bem he testimunho do que de Dona Enes, e perdohou-lhe todo quei-
nos dizemos. E seemdo nembrado de xume que del avia, e mandou que lhe
homrrar seus ossos, pois lhe ja mais emtregassem todos seus beens; e assi
fazer nom podia, mandou fazer huum o fez depois elRei Dom Fernamdo seu
muimento dalva pedra, todo mui sotillmen- filho, que lhos mandou emtregar todos,
te obrado, poemdo emlevada sobre a e lhe alçou a semtemça que elRei seu
campãa de çima a imagem della com padre comtra elle passara, quamto com
coroa na cabeça, como se fora Rainha; dereito pode. E mandou elRei em seu
e este muimento mandou poer no testamento, que Ihe tevessem em cada
moesteiro Dalcobaça, nom aa emtrada huum ano pera sempre no dito mosteiro
hu jazem os Reis, mas demtro na egreja seis capellaaens, que cantassem por el
ha maão dereita, açerca da capella moor. e lhe dissessem cada dia huuma missa
E fez trazer o seu corpo do mosteiro de oficiada, e sahirem sobrel com cruz e
Samta Clara de Coimbra, hu jazia, ho augua beemta: e elRei Dom Fernamdo
mais homrradamente que se fazer pode, seu filho, por se esto melhor comprir e
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O poeta critica o comportamento hu- Eis que chega a primeira alma para
mano com finalidade moralizadora, em- a viagem. É Dom Henrique, o Fidalgo,
bora de maneira cômica, com o uso de acompanhado por um criado que trans-
prosopopéias (Todo Mundo e Ninguém), porta uma cadeira e carrega um manto
satirizando o comportamento humano. para seu Senhor. Assim como outros
personagens, o Fidalgo argumenta con-
Auto da Barca do Inferno tra sua ida para o Inferno, considera
Publicado em 1517, foi encenada que a barca não é digna de sua nobre
pela primeira vez na câmara da rainha D. pessoa. O Diabo procura ironizar os
Maria de Castela, na presença do rei D. diversos argumentos do nobre, dizendo
Manuel I e de sua irmã D. Leonor, a Rainha que uma vida cheia de prazeres e peca-
Velha. O Auto da Barca do Inferno tem dos só podia resultar em punição.
como cenário fixo duas embarcações, num
porto imaginário para onde vão as almas O Fidalgo reporta-se à barca do
no instante em que morrem. Uma barca é Anjo. Alega direito de embarcar por per-
representada por um Anjo, simbolizando tencer a uma boa linhagem, mas era
o Paraíso e a outra é representada pelo muito tirano e vaidoso. Seu esforço foi
diabo, simbolizando o Inferno. A ação se em vão e, retornando à barca do Infer-
desenrola a partir da chegada dos perso- no, quer demonstrar força moral ao re-
nagens no porto, procurando encontrar a conhecer que vivera erroneamente.
passagem para a vida eterna. Na peça,
Chega o Onzeneiro, carregando
os personagens serão julgados segundo
as obras que realizaram em vida. seus bolsões de dinheiro. Recusa-se a
embarcar quando toma conhecimento do
A obra apresenta-se com versos destino da barca, mas o Diabo, sarcás-
redondilhos, rimas, símbolos e metáfo- tico, se faz de espantado e ironiza o
ras. Os personagens são considerados fato de o dinheiro do Onzeneiro não ter
tipos sociais – a nobreza, o clero e o servido para salvá-lo da morte. Procura
povo. Além da oposição do Bem X Mal,
então a barca do Anjo, pedindo-lhe que
Céu X Inferno, o Anjo e o Diabo assu-
o deixasse entrar, pois queria mesmo
mem posturas também opostas, fazen-
era o Paraíso. Seu pedido é recusado
do com que a simpatia e a ironia do Dia-
quando o Anjo vê seus bolsões, afir-
bo domine toda a peça.
mando que estavam tão cheios de di-
(resumo) nheiro que tomariam todo o espaço do
navio. Desconsolado, o Onzeneiro en-
Num braço de mar, onde estão an- tra na barca infernal, cumprimentando
coradas duas barcas, chegam as almas com respeito o Fidalgo, que lá já estava,
de representantes de várias classes so- aguardando a triste partida.
ciais e profissionais. Uma das barcas di-
rige-se ao Purgatório ou ao Inferno; a Joane, personagem caracterizado
outra, ao Paraíso. A primeira será tripula- como o Parvo, conversa com o Diabo e
da pelo Diabo e seu Companheiro; a ou- começa a praguejá-lo quando descobre
tra, por um Anjo. o destino de sua barca; entra em territó-
— 24 —
rio do Anjo porque - assim lhe haviam quanto representante da Santa Madre
dito - o reino do Céu seria dos pobres. Igreja, mas nada consegue, nem sequer
Para o Anjo, os atos do bobo eram fruto uma resposta do Anjo. Volta à barca do
de uma doença, sendo provas de ino- Diabo ridicularizado pelo Parvo, que lhe
cência e não sua sagacidade. Irá ao pergunta se furtara o facão.
Paraíso, portanto, o Parvo, passageiro
Assim que o Frade e sua amante
do barco que vai à Glória! Mas antes de
são embarcados, chega uma alcovitei-
entrar, mantém-se ao lado do Anjo, para
ra, Brísida Vaz, que se recusa a entrar
ajudar na avaliação dos próximos pas-
na barca. Representa a mais terrível das
sageiros.
almas penadas, passara a vida alician-
Chega ao barco do Inferno um Sa- do meninas para padres.
pateiro, com suas ferramentas de ofí-
A Alcoviteira dirige-se à barca do
cio. Aparentemente, um bom trabalha-
Anjo, que se nega ouvi-la, alegando que
dor. Quando é convidado pelo Diabo a
é uma pessoa inoportuna. Brísida, en-
embarcar, tenta repeli-lo com o argumen-
tão, volta à barca do Diabo, pedindo-lhe
to de que morrera comungado e con-
a prancha e embarcando nela.
fessado. Que bom cristão parece ser!
Mas o Diabo responde que foi excomun- Depois da Alcoviteira, chega o Ju-
gado por omissão de seus pecados, pois deu com um bode às costas. O Diabo
roubava seus fregueses ao cobrar pe- nega-se a embarcar o animal, mas o
los serviços prestados. Não contente, Judeu tenta suborná-lo com alguns tos-
dirige-se à barca do Anjo e é barrado; tões, sem muita discussão, é rebocado
explicação: o lugar de quem rouba na pela barca do Inferno.
praça é no barco que vai ao Demo. De
nada adiantava ter ido à missa se ao Então chega a vez do Corregedor;
mesmo tempo havia roubado, cobrado carregado de processos, aproxima-se
preços extorsivos. Assim, o Sapateiro da barca do Inferno. Recusa-se a rumar
se dirige a outra barca, aceitando seu para destino tão cruel, tentando defen-
destino. der-se, mas é desmascarado pelo Dia-
bo, que expõe o recebimento de propi-
Chega então um Frade, trazendo nas através de sua mulher. Para se de-
uma moça pela mão: sua amante, Flo- fender, o Corregedor culpa sua própria
rença. Com ela, traz um broquel, uma esposa, mas o esforço é em vão.
espada e um capacete, representando
sua paixão pelo esporte. Enquanto o Corregedor conversa
com o Diabo, chega um Procurador cheio
O Frade tenta convencer o Diabo de livros; ambos se recusam a entrar no
de sua inocência, ensinando-lhe a arte barco do Diabo, chamando pelo Anjo e
da esgrima, mas seu esforço é em vão. dirigindo-se até ele. O Anjo roga praga
Não contente, busca a barca do Anjo aos documentos jurídicos que carregam
para tentar defender seus direitos en- e os manda de volta.
— 25 —
Resumo do Humanismo
Momento sócio-cultural • Teatro popular, de influência medie-
val, mas crítico, satírico, polêmico –
• Transição do feudalismo para o mer- Gil Vicente.
cantilismo.
• Crônicas e histórias dos reis e do
• Desenvolvimento de práticas comer- povo português (desenvolvimento da
ciais por uma nova classe social: a prosa) – Fernão Lopes.
burguesia.
• Crise do teocentrismo e ascensão Autores e obras
do racionalismo humanista, com a
laicização da cultura. • Fernão Lopes, criador da historio-
grafia portuguesa: Crônica d’El Rei
Características literárias D. Pedro, Crônica d’El Rei D. Fer-
nando e Crônica d’el Rei D. João I.
• Divulgação doa clássicos da antigui-
• Gil Vicente, criador do teatro por-
dade greco-latina.
tuguês: Auto da visitação ou Monó-
• Poesia palaciana recolhida por Gar- logo do vaqueiro; Farsa de Inês Pe-
cia de Resende no Cancioneiro Ge- reira; Auto da Barca do Inferno, Auto
ral (poesias de amor, sátira e reli- da Barca do Céu; Auto da Barca do
giosa). Purgatório.
— 27 —
Renascimento
Teve seu início no século XV e es- logo. Além do poema épico, Camões fi-
tendeu-se até meados do século XVI e cou conhecido por seus poemas líricos,
é marcado pela supervalorização do ho- em que buscava o amor espiritual e ex-
mem e pelo antropocentrismo, em opo- punha as contradições do coração. Sua
sição ao teocentrismo e misticismo. poesia lírica toma dois sentidos: popular
(redondilhas) e erudita (sonetos).
Há uma retomada das idéias greco-
romanas; o artista não se contenta em
apenas observar a natureza, mas pro- A poesia lírica de Camões
cura estudá-la e imitá-la; valoriza-se a
individualidade do artista, em contraposi- Soneto
ção à coletividade das obras clássicas. Transforma-se o amador na
O Renascimento em Portugal deu- [cousa amada,
se no período de 1527 a 1580, com o Por virtude do muito imaginar;
retorno do poeta Sá de Miranda após seus
Não tenho logo mais que desejar,
estudos na Itália, trazendo inovações de
poetas italianos. Porém, foi com Luís de Pois em mim tenho a parte desejada.
Camões que ocorreu o aprimoramento
Se nela está minha alma
dessas novas técnicas poéticas.
[transformada,
Este período ficou conhecido como
Que mais deseja o corpo de
Classicismo e os escritores introduziram
[alcançar?
em suas obras temas pagãos, além do
ideal do amor platônico, a exaltação do Em si somente pode descansar,
antropocentrismo, a imitação de autores Pois consigo tal alma está liada.
clássicos, a predominância da ciência e
da razão, o uso da mitologia, clareza e Mas esta linda e pura semidéia,
objetividade, uso de linguagem simples e Que, como o acidente em seu sujeito,
precisa, o culto da beleza e da perfeição.
Assim com a minha alma se conforma,
fala sobre D. Henrique de Borgonha, pai vência do ideal das cruzadas, a super-
do fundador de Portugal; menciona al- valorização do homem, a exaltação da
guns episódios da história de Portugal, aventura, a busca de novos horizon-
como o de Egas Moniz, a batalha de tes e a presença da mitologia.
Aljubarrota, a tomada da cidade de Ceuta
“As armas e os barões assinalados
no norte da África e outros.
que da ocidental praia lusitana,
Relembra os fatos que antecede-
por mares nunca dantes navegados
ram sua partida de Lisboa, os preparati-
vos da viagem; a conversa com o velho passaram ainda além da Taprobana.
do Restelo; por último as primeiras aven-
E em perigos e guerras esforçados,
turas à beira-mar: o fogo de Santelmo, a
tromba marinha, a aventura de Veloso, o Mais do que prometia a forca humana,
Gigante Adamastor e, finalmente, a che- Entre gente remota edificaram
gada a Melinde. Novo reino, que tanto sublimaram;
Terminado o relato, Vasco da Gama
prossegue em sua viagem marítima. Baco E também as memórias gloriosas
resolve falar com Éolo, deus dos ventos, Daqueles Reis que foram dilatando
para prejudicar a frota com uma forte A fé, o Império, e as terras viciosas
ventania, no entanto, Vênus novamente
De África e de Ásia andaram
protege os navegadores enviando ninfas
[devastando
amorosas para levar a calmaria.
E aqueles que por obras valerosas
Fim da tormenta. A frota portugue-
Se vão da lei da morte libertando:
sa chega à salvo a Calicute, na Índia, e
são recebidos por Samoriam. A bordo, Cantando espalharei por toda
Paulo da Gama recebe o Catual e deci- [parte,
fra-lhe o significado dos desenhos nas Se a tanto me ajudar o engenho e
bandeiras. [arte”.
Começa a viagem de volta a Portu-
gal. Em caminho, fazem parada na Ilha Cessem do sábio Grego e do
dos Amores e são recebidos amorosa- [Troiano
mente pelas ninfas locais. A deusa As navegações grandes que
Tethys mostra a Vasco da Gama a má- [fizeram;
quina do mundo e o futuro glorioso do
povo português. Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
A obra é dividida em:
Que eu canto o peito ilustre
• Proposição – é a apresentação do [Lusitano,
assunto. Transparecem alguns ele- A quem Neptuno e Marte
mentos fundamentais, como a sobrevi- [obedeceram:
— 31 —
Resumo do Renascimento
Momento sócio-cultural cas – redondilha menor e redondi-
lha maior) pela medida nova, pro-
• Renascimento: revalorização dos veniente da Itália (versos decassíla-
modelos culturais da Antiguidade bos – soneto).
clássica pela burguesia mercantilista
• Poesia lírica e poesia épica.
• Grandes navegações e desenvolvi-
mento do antropocentrismo (huma-
nismo) Autores e obras
• Reforma protestante: crise da Igreja
• Luis Vaz de Camões, poeta-filó-
católica.
sofo:
• Nascimento da ciência moderna.
Poesia lírica de influência medie-
val e clássica, de temática variada e
Características literárias abrangente (os mistérios da condição
humana, a presença do homem no
• Humanismo, antropocentrismo, racio- mundo, os conceitos e contradições
nalismo (decadência dos valores re- amorosas etc).
ligiosos).
Poesia épica: Os Lusíadas, nar-
• A arte como mimese: imitação de
ração da heróica viagem de Vasco
modelos da Antiguidade – harmonia,
da Gama às Índias e a eternização de
equilíbrio, proporção de formas.
um dos momentos mais gloriosos de
• Substituição da medida velha medie- Portugal, a época das grandes nave-
val (versos de 5 e 7 silabas métri- gações.
— 35 —
Barroco
“É um estilo voltado para a alusão (e restaurar um clima de religiosidade, con-
não a cópia) e para a ilusão enquanto trário às idéias da antigüidade clássica.
fuga da realidade convencional. Se par-
Estes fatores fizeram com que o
tirmos da exegese (interpretação) do
homem conciliasse os valores medie-
estilo barroco em termos de crise defen-
vais (teocentrismo) com os valores re-
siva da Europa pré-industrial, aristocráti-
nascentistas (antropocentrismo).
ca e jesuítica (Espanha e Portugal), pe-
rante o avanço do racionalismo burguês Essa situação contraditória provo-
(Inglaterra, Holanda, França), então en- cou o aparecimento de atitudes igual-
tenderemos o quanto de angústia, de mente contraditórias do artista face ao
desejo de fuga e de ilimitado subjetivismo mundo, à vida e a si mesmo.
havia nestas formas. E entenderemos
também a imagem barroca da vida como
um sonho, como uma comédia, como um
labirinto, um jogo de espelhos, uma festa:
A estética barroca
o triunfo da ilusão”.
(Alfredo Bosi) O Barroco opõe-se à estética clás-
sica: superfície X profundidade, forma
Surgiu no final do século XVII e início fechada X forma aberta, multiplicidade
do século XVIII na Espanha e se expandiu X unidade.
por toda a Europa. O movimento barroco
inicia-se, em Portugal, em 1580, com a O homem barroco foge das coisas
morte de Camões e termina com a funda- e sentimentos contraditórios que envol-
ção da Arcádia Lusitana. Está relaciona- vem a natureza humana, exaltando os
do à Contra-Reforma. valores cristãos – o homem volta-se
para Deus.
O século XVII é um período de gran-
des conflitos e contradições. A situação Podemos encontrar dois tipos de es-
de instabilidade política e a decadência tética barroca: a gongórica e a conceptista.
econômica nos países europeus foram
A estética gongórica está preocu-
fatores importantes para o surgimento
pada com a descrição das coisas. É fre-
deste movimento artístico.
qüente o uso de figuras de linguagem
O Barroco é fruto de um período em como a antítese, a metonímia, o parado-
que o conservadorismo da Igreja se inten- xo, o assíndeto, a metáfora, o simbolismo,
sifica, reagindo contra a inovação da épo- a sinestesia, a hipérbole e a catacrese,
ca e os valores burgueses, como o amor, além do uso de neologismos. Preocupa-
o luxo, o dinheiro etc. Procura-se, então, se com uma linguagem bem trabalhada.
— 36 —
Fermoso Tejo meu, quão diferente Se só por ser de mim tão receada,
Te vejo e vi, me vês agora e viste: Com dura execução me tira a vida
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste, Que fará se chegar a ser sabida?
Que fará se passar de suspeitada?
Claro te vi eu já, tu a mim contente.
Porém se já me mata, sendo incerta,
A ti foi-te trocando a Somente imaginá-la e presumi-la,
[grossa enchente Claro está (pois da vida o fio corta)
A quem teu largo campo não resiste;
O que fará depois quando for certa:
A mim trocou-me a vista
– ou tornar a viver, para senti-la,
[em que consiste
ou senti-la também depois de morta.
O meu viver contente ou descontente.
I
Já que somos no mal participantes,
Se apartada do corpo a doce vida,
Sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera
Domina em seu lugar a dura morte,
Que fôramos em tudo semelhantes! De que nasce tardar-me tanto a
[morte
Mas lá virá a fresca primavera;
Se ausente da alma estou, que me
Tu tornarás a ser quem eras de
[dá vida?
[antes,
Eu não sei se serei quem de antes Não quero sem Silvano já ter vida,
[era. Pois tudo sem Silvano é viva morte,
Já que se foi Silvano, venha a
[morte,
Sóror Violante do Céu
Perca-se por Silvano a minha vida.
(1601-1693)
Ah! suspirado ausente, se esta
Produziu poemas marcados pelo [morte
sentido passional, pelas imagens sutis Não te obriga querer vir dar-me vida,
e pela veemência. Depois de entrar para Como não ma vem dar a mesma
o convento, impregna suas poesias de [morte?
cunho religioso. Sua principal obra foi
Rimas Várias. Mas se na alma consiste a própria
[vida,
Amor, se uma mudança imaginada Bem sei que se me tarda tanto a
É já com tal rigor minha homicida, [morte,
Que será de passar de ser temida, Que é porque sinta a morte de tal
A ser, como temida, averiguada? [vida.
— 38 —
II
Frei Luís de Sousa
Se era brando o rigor, firme a
[mudança,
(1555 – 1632)
Humilde a presunção, vária a Historiador rigoroso, escreveu Histó-
[firmeza, ria de São Domingos e Anais de D. João III.
Fraco o valor, cobarde a fortaleza,
Triste o prazer, discreta a
[confiança.
Sóror Mariana Alcoforado
(1640 – 1723)
Terá a ingratidão firme lembrança,
Será rude o saber, sábia a rudeza, Escreveu Cartas Portuguesas em
Lhana a ficção, sofística a 1669, atribuídas a um amor proibido, uma
[lhaneza, paixão violenta, incontrolada e não cor-
respondida por um militar, o capitão Cha-
Áspero o amor, benigna a milly.
[esquivança;
Nestas cinco cartas, a consciên-
Será merecimento a indignidade, cia moral é suplantada pelo sentimento
Defeito a perfeição, culpa a amoroso e pela ânsia de esquecer uma
[defensa, relação pecaminosa, mas que ainda as-
Intrépido o temor, dura a piedade, sim era ardentemente desejada.
são os mortos. Os vivos pó, os mortos pó; acaba. Atreve-se o tempo a colunas de
os vivos pó levantado, os mortos pó caído; mármore, quanto mais a corações de
os vivos pó com vento, e por isso vão; os cera? São as afeições como as vidas,
mortos pó sem vento, e por isso sem vai- que não há mais certo sinal de haverem
dade. Esta é a distinção e não há outra. de durar pouco, que terem durado mui-
to. São as linhas, que partem do centro
Sermões para a circunferência, que quanto mais
continuadas, tanto menos unidas. Por
Há de tomar o pregador uma só
isso os Antigos sabiamente pintaram o
matéria, há de defini-la para que se co-
amor menino; porque não há amor tão
nheça, há de dividi-la para que se
robusto que chegue a ser velho. De to-
distingüa, há de prová-lo com a Escritu-
dos os instrumentos com que o armou a
ra, há de declará-la com a razão, há de
natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-
confirmá-la com o exemplo, há de am-
lhe o arco, com que já não atira; embota-
plificá-la com as causas, com os efei-
lhe as setas, com que já não fere; abre-
tos, com as circunstâncias, com as con-
lhes os olhos, com que vê o que não via;
veniências que se hão de seguir, com os
e faz-lhe crescer as asas, com que voa
inconvenientes que se devam evitar, há
e foge. A razão natural de toda esta dife-
de responder às dúvidas e há de satis-
rença, é porque o tempo tira a novidade
fazer as dificuldades, há de impugnar e
às cousas, descobre-lhe os defeitos, en-
refutar com toda a força da eloqüência
fastia-lhe o gosto, e basta que sejam usa-
os argumentos contrários, e depois dis-
das para não serem as mesmas. Gasta-
so, há de colher, há de apertar, há de
se o ferro com o uso, quanto mais o amor?
concluir, há de persuadir, há de acabar...
O mesmo amar é causa de não amar, e o
Neste sermão, há uma enumeração, ter amado muito, de amar menos.
ou seja, uma lista de elementos que ca- O sermão acima mencionado não
racterizam o ato de pregar, através de se enquadra, em princípio, como sendo
um tom de oratória, de pregação. Atra- um texto literário, por não se tratar de
vés do conceptismo, Vieira se utiliza de uma poesia, romance, conto, ou novela.
três recursos para a elaboração do ser- Entretanto há uma literalidade por se re-
mão: a escritura, a razão e o exemplo. ferir ao tema Amor.
Vieira também utiliza-se de textos Carta
bíblicos como referencial – fazendo ana-
(fragmento)
logias com o cotidiano.
Senhor, os reis são vassalos de
Sermão do Mandato Deus e, se os reis não castigam os seus
(fragmento) vassalos, castiga Deus os seus. A cau-
sa principal de se não perpetuarem as
O primeiro remédio que dizíamos, é coroas nas mesmas nações e famílias é
o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz a injustiça, ou são as injustiças, como
esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo diz a Escritura Sagrada; e entre todas
— 41 —
Resumo do Barroco
Momento sócio-cultural • Predominância de duas tendências,
que se interpenetram: cultismo (re-
• Contra-reforma: reação da Igreja buscamento formal, jogo sensorial
católica. de palavras) e conceptismo (sofisti-
• Os novos valores humanistas, de- cação no plano das idéias e argu-
fendidos pela burguesia, chocam- mentações paradoxais).
se com os valores teocêntricos, re-
presentados pelo clero. Autores e Obras
• Começa em Portugal o domínio es-
panhol, que dura de 1580 a 1640. • Padre Antônio Vieira: maior ora-
dor sacro da língua, escreveu Ser-
Características literárias mões (15 volumes, entre 1679-1718),
História do Futuro (1718) e outras.
• Antítese, dualidade, contradição: o sa-
grado e o profano, a razão e a emoção, • Francisco Manuel de Melo: estu-
o espiritual e o carnal, vida e morte, dou com os jesuítas e seguiu a car-
medievalismo e Renascimento. reira militar. Escreveu Carta de Guia
de Casados (1651), Cartas Famili-
• Literatura baseada em antíteses, pa- ares (1664), Obras Métricas (1665).
radoxos, inversões sintáticas (hi-
pérbatos) e exageros (hipérboles) • Padre Manuel Bernardes: escre-
que expressam a angústia existencial veu Nova Floresta (5 volumes, 1706-
barroca. 1728), Luz e Calor (1696).
— 43 —
Arcadismo
O inicio do século XVIII é marcado ras obras seu estilo satírico e anticle-
pela decadência do pensamento barro- rical, criticando ferozmente a Igreja de
co, cujos fatores básicos são: o exage- sua época. Proclamou ódio pelas mo-
ro da expressão barroca, que havia narquias absolutas e sua admiração
cansado o público; a ascensão da bur- pela monarquia liberal inglesa. Suas
guesia supera o domínio religioso; o sur- principais obras foram: Édipo, A Hen-
gimento das primeiras arcádias, enfati- ríada, Cartas Filosóficas, Cândido ou
zando a pureza e a simplicidade. o Otimismo e o Dicionário Filosófico.
A palavra Arcadismo tem sua origem • Montesquieu – preocupado com a
em Arcádia, uma antiga região da Grécia, renovação, contribuiu com a idéia da
de relevo montanhoso, habitada por pas- divisão de poderes como recurso
tores que conciliavam os seus trabalhos para se evitar o autoritarismo. Em sua
com a poesia, cantando o paraíso rústico obra Do Espírito das Leis, Montes-
em que viviam e simbolizando-o como quieu defendeu a idéia de que cada
uma terra de inocência e felicidade. um dos três poderes (Legislativo,
Executivo e Judiciário), deve estar
O Arcadismo desenvolveu-se ao lon-
em mãos distintas. Em Cartas Persas
go do século XVIII, influenciado pela Revo-
critica os costumes da sociedade.
lução Francesa, movimento revolucionário
de ideologia liberal burguesa, responsável • Rousseau – com sua teoria do bom
pela queda do absolutismo e da economia selvagem, defendeu a natureza vir-
mercantilista e pela extinção do antigo sis- gem e foi admirador do homem sel-
tema feudal. O Arcadismo ficou também co- vagem. Desprezou o otimismo um tan-
nhecido por setecentismo (os anos 1700) to ingênuo dos enciclopedistas. Afir-
e neoclassicismo e refletiu uma época que mou que as artes e as ciências ti-
ficou conhecida como o Século das Luzes nham contribuído para o progresso
ou Iluminismo, movimento filosófico cujo da humanidade, mas também a cor-
objetivo era o de defender a liberdade de romperam. Escreveu Discurso sobre
pensamento e usar a razão como instru- as Ciências e as Artes e Do Contra-
mento de análise e domínio da realidade. to Social. Posteriormente, deu ênfa-
Lutaram contra os excessos do Barroco e se à importância da Educação, com
defenderam uma arte racional e didática. sua obra Emílio.
Dentre os diversos pensadores ilu-
Inspirados nestes pensadores e
ministas, destacam-se:
suas teorias, os árcades voltam-se para
• Voltaire – possuidor de idéias filosófi- a natureza em busca de uma vida sim-
cas e políticas, mostrou em suas primei- ples, bucólica e pastoril, fugindo, assim,
— 44 —
dos centros urbanos. A natureza pas- ras e hipérboles deixadas pela es-
sa a ser, então, um refúgio ao homem tética anterior;
civilizado.
6. utilizam-se da natureza em suas poe-
Sua preocupação prioritária era a sias, tornando-as de aspecto bucó-
de formular uma sociedade mais iguali- lico e ingênuo;
tária. Teve sua fundação no culto das
ciências, da razão e do progresso. 7. dão ênfase à linguagem simples, po-
rém, sem perder a sua nobreza;
De espírito reformista, o Arcadismo
pretende, reformular o ensino, os hábi- 8. possuem uma tendência introspectiva;
tos e as atitudes sociais. Propunha a
restauração da simplicidade na lingua- 9. há o culto excessivo à natureza;
gem, abandonando as figuras de lingua-
gem – antíteses, metáforas, paradoxos 10. a linguagem torna-se melodiosa;
– dando mais ênfase a uma linguagem
11. usam pseudônimos pastoris. Ex: El-
direta.
mano Sadino (Bocage).
Em oposição aos artistas barrocos,
que preferiam a fuga da realidade, o Ar- Este movimento chega a Portugal
cadismo valoriza o tempo presente. em 1756 com a fundação da Arcádia
Lusitana e teve seu término em 1825,
O artista árcade, além de tomar a com a publicação do poema Camões,
vida campestre e suas paisagens como de Almeida Garret.
modelos, incorpora, em suas obras, a
mitologia, usando-se de deuses e he- Com o lema da Arcádia Lusitana de
róis da história grega. cortar as coisas inúteis, os árcades
passam a buscar, então, a simplicidade,
Resumidamente falando, podemos a linguagem mais clara, a metrificação
citar diversas características da arte li- simples e o uso de versos brancos (sem
terária arcadista: rima).
1. volta aos modelos greco-romanos;
Permanece a presença da mitolo-
2. predominam a razão e a ciência, em gia greco-romana e há uma restaura-
oposição à fé e a religião; ção de alguns escritores como Virgílio,
Horácio, Teócrito, Camões e Sá de Mi-
3. há o retorno ao equilíbrio, reagindo randa.
contra os preceitos barrocos quan-
Com o governo de Marquês de Pom-
to ao desequilíbrio;
bal, há em Portugal uma preocupação em
4. buscam a perfeição da forma; modernizar a sociedade portuguesa e ex-
pulsar os jesuítas do sistema educacional
5. procuram um estilo simples de lin- português. Daí o Marquês de Pombal ser
guagem, despojando-o das metáfo- conhecido como déspota esclarecido.
— 45 —
Resumo do Arcadismo
Romantismo
Movimento artístico que teve seu Principais Características
início em meados do século XVIII, esten-
• volta ao passado para fugir dos con-
dendo-se até metade do século XIX. O
flitos do mundo atual;
tema central desta estética foi a “liber-
dade do indivíduo em relação ao poder • o romântico opõe-se ao modelo clássico;
dominante da aristocracia”. Com isto, ex-
• opõe-se à arte de caráter erudito e
terna-se a emoção e o sentimentalismo.
nobre, tornando-se uma arte de cará-
Os românticos buscam uma arte indivi-
ter popular, que valoriza o nacional;
dualista, em que o “eu” torna-se o cen-
tro de tudo. • o indivíduo passa a ser o centro das
atenções, carregado de imaginação e
O nacionalismo, o sentimentalismo, sentimentos;
o subjetivismo e o irracionalismo são
características marcantes no Romantis- • os românticos cultivavam o naciona-
mo inicial. lismo, que se manifestava na exal-
tação da natureza pátria, no retorno
O Romantismo busca explicar o ao passado histórico e na criação do
nacionalismo e a valorização do passa- herói nacional (o belo e valente cava-
do, voltando-se ao amor medieval, que leiro medieval);
passa a ser o tema de grandes roman- • cultuam-se os ideais da Idade Média;
ces e poemas.
• promove uma volta ao catolicismo me-
Em Portugal, Almeida Garret inau- dieval;
gurou o movimento com o poema Ca-
• supervalorização das emoções pes-
mões, em 1825. Os primeiros anos do
soais – subjetivismo;
Romantismo em Portugal coincidem com
as lutas civis entre liberais e conserva- • excessiva valorização do eu, geran-
dores, acirradas por uma guerra que do o egocentrismo;
durou dois anos. • o sentimento passa a predominar so-
Segundo Alfredo Bosi, em História bre a razão;
Concisa da Literatura Brasileira, “o Ro- • a natureza passa a ser o tema poéti-
mantismo expressa o sentimento dos co para o romântico;
descontentes com as novas estruturas:
• a criação é um ato de liberdade;
a nobreza que já caiu, e a pequena bur-
guesia que ainda não subiu: de onde as • fuga à realidade para um mundo ima-
atitudes saudosistas ou reivindicatórias ginário, criado a partir de sonhos e
que pontuam todo o movimento”. emoções;
— 52 —
Madalena Madalena
Deixai, deixai, não importa, eu folgo Como se chama?
de vos ouvir: dir-me-eis vosso recado
quando quiserdes... logo, amanhã... Romeiro
O seu nome, nem o da sua gente
Romeiro nunca o disse a ninguém no cativeiro.
Hoje há de ser. Há três dias que
não durmo nem descanso, nem pousei Madalena
esta cabeça, nem pararam êstes pés Mas, enfim, dizei vós...
dia nem noite, para chegar aqui hoje,
para vos dar meu recado... e morrer Romeiro
depois... ainda que morresse depois; As suas palavras, trago-as escri-
porque jurei... faz hoje um ano... quando tas no coração com as lágrimas de san-
me libertaram, dei juramento sobre a gue que lhe vi chorar, que muitas vêzes
pedra santa do Sepulcro de Cristo... me caíram nestas mãos, que me corre-
ram por estas faces. Ninguém o conso-
Madalena lava senão eu... e Deus! Vêde se me
Pois éreis cativo em Jerusalém? esqueceriam as suas palavras.
Romeiro Jorge
Era: não vos disse que vivi lá vinte Homem, acabai!
anos?
Romeiro
Madalena
Agora acabo; sofrei que êle tam-
Sim, mas... bém sofreu muito. Aqui estão as suas
palavras: “Ide a D. Madalena de Vilhena,
Romeiro e dizei-lhe que um homem que muito bem
Mas o juramento que dei foi que, lhe quis... aqui está vivo... por seu mal...
antes de um ano cumprido, estaria dian- e daqui não pode sair nem mandar-lhe
te de vós e vos diria da parte de quem novas suas de há vinte anos que o trou-
me mandou... xeram cativo”.
— 54 —
de Portugal, pretendia realizar uma his- des, casas, igrejas e conventos. Her-
tória política e social da Idade Média por- mengarda é raptada pelos árabes e
tuguesa, ressaltando o papel da bur- Eurico enfrenta todos os perigos para
guesia. salvá-la.
Herculano nasceu de uma família Em meio às lutas, Eurico e Hermen-
da pequena burguesia, e por falta de garda se reencontram e ela, em sonho,
recursos não pode seguir carreira uni- revela seu amor a ele. Mas a união en-
versitária. Aos 21 anos de idade em- tre os dois se torna ainda mais impossí-
pregou-se como bibliotecário da Biblio- vel, já que ele havia se tornado padre.
teca Pública do Porto. Demitiu-se de
seu cargo público como forma de pro- Após ter participado de uma bem
testo e lançou-se a oposição com o fo- sucedida emboscada contra os árabes,
lheto A Voz do Profeta, que o consa- Eurico permite que seus inimigos o ma-
grou como escritor. Dedicou-se ao jor- tem, pondo fim aos seus sentimentos
nalismo e dirigiu O Panorama. Em 1840, amorosos e ao conflito religioso. Her-
foi eleito deputado e defendeu um pro- mengarda, ao saber de sua morte, en-
jeto de reforma geral e popularização louquece.
do ensino. Participou do golpe de Esta-
do da Regeneração em 1850. em 1867, A religião é o agente complicador
decidiu dedicar-se à lavoura, abran- do conflito sentimental de Eurico. A épo-
dando suas atividades de escritor e ho- ca histórica é a do domínio árabe. O
mem público. narrador é onisciente. O autor ocupa
sempre o primeiro plano, mesmo no di-
Eurico, o Presbítero álogo, onde exprime as suas idéias, co-
O romance relata a invasão árabe mentários misturados com uma certa
na península Ibérica no século VIII e a ironia quase agressiva. A obra apresen-
história de um amor impossível entre ta três partes distintas: a primeira apre-
Eurico e Hermengarda. senta o caos da época; a segunda in-
troduz e caracteriza as personagens na
Eurico é um padre que se refugia ação que, na terceira parte, surge cla-
na vida religiosa para tentar esquecer, ra e em seu pleno desenvolvimento, até
seu grande amor, cuja mão lhe foi ne- a conclusão. A linguagem ritmada, rica
gada pelo pai, o duque de Cantábria, de lirismo e de comparações sugesti-
devido às condições financeiras de vas, permitiria a classificação como poe-
Eurico. ma em prosa. Trata-se de um romance
No momento em que ocorre a in- grandioso, com lances violentos e a uni-
vasão árabe, Eurico torna-se o temido dade de ação e o desenrolar dos acon-
“cavaleiro negro”, que aterroriza os tecimentos fazem de Eurico, o presbíte-
árabes com sua ousadia e valentia. En- ro, um texto aparentado da tragédia.
tretanto, os árabes acabam vencendo MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. Roteiro
a guerra e, com isso, invadem cida- das Grandes Literaturas. São Paulo: Cultrix, 1960.
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Resumo do Romantismo
Realismo
“É de todos os tempos o realismo É nesse ambiente que os artistas
como o é a arte. Ele existiu sempre, passam a observar e a externar a verda-
porque a imaginação tem necessa- de possível da realidade, colocando-se
riamente por base a observação e a contra o tradicionalismo romântico e pro-
experiência, e porque a arte tem curando incorporar os descobrimentos
sempre por objeto as realidades da científicos de seu tempo. As principais
vida. Na observação da vida, com o teorias realistas são:
propósito de fazer arte, há duas ati- • Teoria determinista: Hipolite Taine
tudes extremas: a da franca subjeti- (1825-1893), doutrina filosófica que
vidade e a dum ardente desejo de afirma que todo evento, mental ou fí-
impassível objetividade. Estas duas sico, tem uma causa, e que, a causa
atitudes de espírito do artista coexis- que é determinada, o evento invaria-
tem, mas como que se doseiam, ten- velmente a segue. Conseqüência de
do o predomínio ora uma ora outra. uma herança, de um meio ou de uma
O artista, que observa, altera, corri- circunstância (momento)
ge a realidade, porque não só re-
produz um fragmento da vida, esco- • Filosofia positivista: Auguste Comte
lhido já de acordo com as suas incli- (1798-1857), sistema de filosofia ba-
nações pessoais, mas também o re- seada em experiência e conhecimen-
produz tal como o viu, isto é, desfi- to empírico dos fenômenos naturais no
gurado. qual metafísica e teologia são consi-
deradas como sistemas de conheci-
E assim, através da concepção artís- mento inadequados e defeituosos.
tica, a verdade real deforma-se para
se tornar em verdade artística”. • Socialismo utópico: Pierre-Joseph
FIGUEIREDO, Fidelino de. História da Literatura
Proudhon (1809-1865), sociedade na
Realista. 3. ed. São Paulo: Anchieta, 1946, p.13. qual as pessoas seriam de natureza
ética e senso de responsabilidade
Movimento que se inicia na segun- moral tão altamente desenvolvidas,
da metade do século XIX com a retoma- que um governo seria desnecessá-
da do racionalismo e se estende até o rio para regular e proteger essa so-
início do século XX. Sua principal carac- ciedade. Seu idealizador rejeitou o
terística é a tentativa de traduzir a reali- uso de força para impor qualquer sis-
dade. O Realismo, portanto, é o reflexo tema a um povo. Num estado ideal de
da desilusão do homem frente à socie- sociedade, o que ele chamou de “or-
dade: miséria das cidades, crise da pro- dem em anarquia”, pessoas agiriam
dução no campo e péssimas condições de uma maneira responsável, ética,
de vida. de livre arbítrio.
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Os Maias (fragmentos)
Os Maias é voltado para a alta so- “A casa que os Maias vieram habi-
ciedade com suas jogatinas, corridas tar em Lisboa, no outono de 1875, era
de cavalo, festas noturnas, adultérios e conhecida na vizinhança da rua de S.
incestos. Francisco de Paula, e em todo o bairro
das Janelas Verdes, pela casa do Ra-
Os Maias tem como sub-título “Epi- malhete ou simplesmente o Ramalhete.
sódios da vida romântica”. Através da Apesar deste fresco nome de vivenda
história incestuosa do jovem médico Car- campestre, o Ramalhete, sombrio casa-
los de Maia e sua irmã Maria Eduarda, rão de paredes severas, com um renque
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de estreitas varandas de ferro no pri- dade das ramagens silvestres. Além dis-
meiro andar, e por cima uma tímida fila so, a renda que pediu o velho Vilaça,
de janelinhas abrigadas à beira do te- procurador dos Maias, pareceu tão exa-
lhado, tinha o aspecto tristonho de Resi- gerada a Monsenhor, que lhe perguntou
dência Eclesiástica que competia a uma sorrindo se ainda julgava a Igreja nos
edificação do reinado de D. Maria I: com tempos de Leão X. Vilaça respondeu
uma sineta e com uma cruz no topo, que também a nobreza não estava nos
assimilhar-se-ia a um Colégio de Jesuí- tempos do senhor D. João V. E o Rama-
tas. O nome de Ramalhete provinha de lhete, continuou desabitado.
certo de um revestimento quadrado de
Este inútil pardieiro (como lhe cha-
azulejos, fazendo painel no lugar herál-
mava Vilaça Júnior, agora por morte de
dico do Escudo d’Armas, que nunca
seu pai administrador dos Maias) só veio
chegara a ser colocado, e representan-
a servir, nos fins de 1870, para lá se
do um grande ramo de girassóis atado
arrecadarem as mobílias e as louças
por uma fita onde se distinguiam letras e
provenientes do palacete de família em
números duma data.
Bemfica, morada quase histórica, que,
Longos anos o Ramalhete perma- depois de andar anos em praça, fora
necera desabitado, com teias de ara- então comprada por um comendador
nha pelas grades dos postigos térreos, brasileiro. Nessa ocasião vendera-se
e cobrindo-se de tons de ruína. Em 1858 outra propriedade dos Maias, a Tojeira;
Monsenhor Buccarini, Núncio de S. San- e algumas raras pessoas que em Lis-
tidade, visitara-o com idéia de instalar lá boa ainda se lembravam dos Maias, e
a Nunciatura, seduzido pela gravidade sabiam que desde a Regeneração eles
clerical do edifício e pela paz dormente viviam retirados na sua quinta de Santa
do bairro; e o interior do casarão agra- Olavia, nas margens do Douro, tinham
dara-lhe também, com a sua disposição perguntado a Vilaça se essa gente es-
apalaçada, os tectos apainelados, as tava atrapalhada.
paredes cobertas de frescos onde já
- Ainda tem um pedaço de pão, dis-
desmaiavam as rosas das grinaldas e
se Vilaça sorrindo, e a manteiga para
as faces dos Cupidinhos. Mas Monse-
lhe barrar por cima.
nhor, com os seus hábitos de rico prela-
do romano, necessitava na sua vivenda Os Maias eram uma antiga família
os arvoredos e as águas de um jardim da Beira, sempre pouco numerosa, sem
de luxo: e o Ramalhete possuía apenas, linhas colaterais, sem parentelas - e
ao fundo dum terraço de tijolo, um pobre agora reduzida a dois varões, o senhor
quintal inculto, abandonado às ervas da casa, Afonso da Maia, um velho já,
bravas, com um cipreste, um cedro, uma quase um antepassado, mais idoso que
cascatasinha seca, um tanque entulha- o século, e seu neto Carlos que estuda-
do, e uma estátua de mármore (onde Mon- va medicina em Coimbra. Quando Afon-
senhor reconheceu logo Vênus Citherêa) so se retirara definitivamente para San-
enegrecendo a um canto na lenta umi- ta Olavia, o rendimento da casa excedia
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já cinqüenta mil cruzados mas desde Afonso riu muito da frase, e res-
então tinham-se acumulado as econo- pondeu que aquelas razões eram exce-
mias de vinte anos de aldeã; viera tam- lentes - mas ele desejava habitar sob
bém a herança de um último parente, tectos tradicionalmente seus; se eram
Sebastião da Maia, que desde 1830 vi- necessárias obras, que se fizessem e
via em Nápoles, só, ocupando-se de largamente; e enquanto a lendas e
numismática e o procurador podia cer- agoiros, bastaria abrir de par em par as
tamente sorrir com segurança quando janelas e deixar entrar o sol.
falava dos Maias e da sua fatia de pão.
S.ex.ª mandava: - e, como esse in-
A venda da Tojeira fora realmente verno ia seco, as obras começaram logo,
aconselhada por Vilaça mas nunca ele sob a direção de um Estevas, arquiteto,
aprovara que Afonso se desfizesse de político, e compadre de Vilaça. Este ar-
Bemfica - só pela razão daqueles mu- tista entusiasmara o procurador com um
ros terem visto tantos desgostos do- projeto de escada aparatosa, flanqueada
mésticos. Isso, como dizia Vilaça, acon- por duas figuras simbolizando as con-
tecia a todos os muros. O resultado era quistas da Guiné e da Índia. E estava
que os Maias, com o Ramalhete inabitá- ideando também uma cascata de louça
vel, não possuíam agora uma casa em na sala de jantar - quando, inesperada-
Lisboa; e se Afonso naquela idade ama- mente, Carlos apareceu em Lisboa com
va o sossego de Santa Olavia, seu neto, um arquiteto decorador de Londres, e,
rapaz de gosto e de luxo que passava depois de estudar com ele à pressa al-
as férias em Paris e Londres, não que- gumas ornamentações e alguns tons de
reria, depois de formado, ir sepultar-se estofos, entregou-lhe as quatro pare-
nos penhascos do Douro. E, com efeito, des do Ramalhete, para ele ali criar, exer-
meses antes de ele deixar Coimbra, cendo o seu gosto, um interior confortá-
Afonso assombrou Vilaça anunciando- vel, de luxo inteligente e sóbrio.
lhe que decidira vir habitar o Ramalhete!
O procurador compôs logo um relatório A Capital
a enumerar os inconvenientes do casa-
A Capital possui uma estrutura de
rão: o maior era necessitar tantas obras
novela e retrata a sociedade, os costu-
e tantas despesas; depois, a falta de
mes, através de sátiras e caricaturas.
um jardim devia ser muito sensível a
quem saia dos arvoredos de Santa Artur Corvello, 23 anos, pertence a
Olavia; e por fim, aludia mesmo a uma uma família burguesa, originaria de Lis-
lenda, segundo a qual eram sempre fa- boa. Seu pai, Manuel Corvello, tinha o
tais aos Maias as paredes do Ramalhe- sonho de ver seu filho estudando em
te, «ainda que (acrescentava ele numa Coimbra e tornando-se um homem ilus-
frase meditada) até me envergonho de tre. Sob este severo regime, o rapaz não
mencionar tais frioleiras neste século se desenvolveu. Era pálido, sensível,
de Voltaire, Guisot e outros filósofos li- chorava por qualquer coisa, era triste e
berais ... » pensava muito no amor e na morte. Nas
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férias da Universidade, sua mãe vem a muito adjetivada, fazendo com que o
falecer e, logo depois, seu pai, tendo de leitor perceba claramente estas carac-
voltar para sua cidade natal a fim de ven- terísticas.
der em leilão sua mobília e alguns perten-
3ª fase (1888 – 1900): é a fase
ces da casa. Com a idéia de liberdade,
pós-realista, marcada pela desilusão e
gastou toda a sua herança e teve que
o abandono aos ideais realistas; defen-
pedir ajuda de suas tias. Foi morar em
de a política colonialista, o nacionalismo
Oliveira e passou a trabalhar numa far-
e a vida pura do campo, com as obras A
mácia, sem deixar de lado o seu amor
Ilustre Casa de Ramires, A Cidade e as
por literatura. Nesta época escreveu
Serras e A Relíquia.
“Amores de Poeta”, mas não obteve su-
cesso algum. Tentou fundar um jornal,
mas também foi um fracasso. Fez várias A Ilustre Casa de Ramires
tentativas de se enturmar na sociedade (comentários)
literária, mas só foi cada vez mais ridicu-
A Ilustre Casa de Ramires retrata
larizado. A obra não possui um desfe-
a expansão de Portugal na África. O
cho feliz, pois Artur volta à cidadezinha
personagem Ramires representa Por-
de Oliveira para trabalhar na farmácia,
tugal.
no entanto, sempre sonhando com a ven-
da de seu livro e tornar-se ilustre na vida. O contexto em que decorre a ação
da obra retrata um país decadente, que
Nesta obra, Eça utiliza-se de re-
tenta achar saídas no sentido de recu-
tratos caricaturais de seus amigos ínti-
perar as glórias do passado. Gonçalo
mos e de seu auto-retrato psicológico,
Mendes Ramires é o personagem prin-
encontrado no personagem Artur
cipal, fora da realidade, já que a fidalguia
Corvello. Mostra o lado real e crítico de
e os ideais de honra não faziam parte
uma sociedade portuguesa: o meio po-
lítico e literário de Lisboa – sociedade do mundo moderno.
burguesa totalmente corrompida, sem O termo “casa” no título refere-se
valores morais. Toda a ação gira em a família, ascendência. O passado apa-
torno de uma idéia principal – a busca rece se contrapondo à situação vivida
da fama e de seu reconhecimento na por Ramires. O resultado é irônico, pois
capital portuguesa. O tempo da história a honra e o heroísmo do antepassado
é cronológico, mas aparece também o contrastam com a fraqueza e a dege-
uso de flashback. O ambiente social é
neração moral do protagonista.
caracterizado pela sociedade burgue-
sa de Portugal do século XIX. O foco A Ilustre Casa de Ramires apre-
narrativo encontra-se em terceira pes- senta uma narrativa dentro de outra nar-
soa – narrador onisciente. A narração rativa para contar a história da família
é descritiva, em que o autor consegue Ramires, na casa da Torre de Santa
caracterizar as personagens, espaço Irinéia. A obra é estruturada da seguinte
e ambiente, a partir de uma linguagem forma:
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horrenda delícia, num forno rubro e rugi- O sobrinho, ao saber disso, pas-
dor; ora me parecia ser uma faminta sou a fazer de tudo para agradá-la, e
fogueria onde flamejava, estalava e se passa, então, a se fingir de beato, mas,
consumia um molho de galhos secos. ao mesmo tempo, não consegue abrir
Desses dias de sublime sordidez só mão dos prazeres da vida e acaba se
conservo a impressão de uma alcova envolvendo com mulheres sem sua tia
forrada de cretones sujos, de uma bata saber.
de lã cor de lilás com sutaches negros,
de vagas garrafas de cerveja no már- Através de um falso comportamen-
more de um lavatório, e de um corpos to beato, consegue conquistar a confi-
tisnado que rangia e tinha cabelos no ança da tia, e esta lhe proporciona uma
peito. E também me resta a sensação de viagem a Terra Santa e pede para que
incessantemente e com arroubado de- Teodorico traga de lá uma relíquia que
leite me despojar, arremessar para um fosse capaz de curá-la de todos os
regaço, que se cavava entre um ventre seus males.
sumido e uns joelhos agudos, o meu re-
Nessa viagem, conhece várias
lógio, os meus berloques, os meus anéis,
pessoas como o historiador Topsius e
os meus botões de punho de safira, e
Mary, que se tornou sua amante. Mary,
as cento e noventa e sete libras que eu
ao se despedir dele, deu uma lembran-
trouxera de Guiães numa cinta de ca-
ça sua, uma camisola com uma dedi-
murça. Do sólido, decoroso, bem forne-
catória dentro: “Ao meu Teodorico, meu
cido Zé Fernandes, só restava uma car-
portuguesinho passante; em lembran-
caça errando através de um sonho, com
ça do muito que gozamos”. A camisola
as gâmbias moles e a baba a escorrer.
foi embrulhada em um papel pardo.
Resumo do Realismo-Naturalismo
Simbolismo
O Simbolismo representa, por um porém, não apenas a evasão a dar
lado, o resultado final da evolução um nome diretamente, mas a ex-
iniciada pelo Romantismo, isto é, pressão indireta de um significado
pela descoberta da metáfora, célu- que é impossível dar diretamente,
la germinal da poesia e que condu- que é essencialmente indefinível e
ziu à riqueza da imaginária impres- inesgotável.
sionista; mas não só repudia o
HAUSER, Arnold. História social da literatura e a arte.
impressionismo pelo seu ponto de São Paulo: Mestre Jou, s.d., t. II, p. 1076-8.
vista materialista e o Parnaso pelo
seu formalismo e racionalismo, Movimento literário que se iniciou
como também repudia o romantis- no final do século XIX e se estendeu até
mo pelo seu emocionalismo e o o início do século XX, o Simbolismo se
convencionalismo da sua lingua- destacou na poesia, inteiramente volta-
gem metafórica. Na realidade, o sim- da para a subjetividade (eu interior do
bolismo pode considerar-se a rea- poeta), opõe-se às propostas do Rea-
ção contra toda a poesia anterior; lismo. Segundo Alfredo Bosi, “Do âma-
descobre qualquer coisa que ou go da inteligência européia surge uma
nunca se conhecera ou a que nun- oposição vigorosa do triunfo da coisa e
ca até aí se dera relevo: a pura do fato sobre o sujeito – aquele sujeito a
poesia – a poesia que surge do quem o otimismo do século prometera,
espírito irracionalista, não concep- mas não dera senão um purgatório de
tual, da linguagem, que é contrária contrastes e frustrações”.
a toda interpretação lógica. Para o
simbolismo, a poesia é apenas a O Simbolismo reflete um movimento
expressão daquelas relações e histórico complexo. As correntes mate-
correspondências que a linguagem, rialistas e racionalistas não evoluíram
deixada a si própria, cria entre o com a nova realidade – industrialismo
concreto e o abstrato, o material e burguês e Segunda Revolução Industri-
o ideal, e entre as diferentes esfe- al. Quando não se consegue explicar o
ras dos sentidos. Mallarmé pensa mundo exterior, os artistas apelam para
que a poesia é a anunciação de a negação deste, voltando-se para uma
imagens suspensas, oscilantes, e realidade subjetiva, interior.
constantemente evanescentes; afir-
ma que nomear um objeto é destruir Representa um movimento de atitu-
três quartos do prazer que reside de pura e subjetiva; importa ao simbolis-
no adivinhar gradual de sua verda- ta o seu estado de alma, a emoção in-
deira natureza. O símbolo implica, terior.
— 86 —
Resumo do Simbolismo
Modernismo
“Os primeiros anos do século XX, • Cubismo – surgiu em 1907 na pin-
em Portugal, são marcados pelo entrecho- tura, com Pablo Picasso e George
que de correntes literárias que vinham Braque e valorizava as formas geo-
agitando os espíritos desde algum tempo: métricas (cubos, cones e cilindros).
Decadentismo, Simbolismo, Impressionis-
mo etc., eram denominações da mesma • Futurismo – movimento cujo obje-
tendência geral que impunha o domínio da tivo principal era o de abolir o pas-
Metafísica e do Mistério no terreno em que sado, adotando novos temas e téc-
as ciências se julgavam exclusivas e to- nicas da arte. O principal represen-
do-poderosas. tante foi Filippo Tommaso Marinetti.
O ideal republicano, engrossado por
sucessivas manifestações de instabilida- • Dadaísmo – movimento que enfa-
de, vai-se concretizar em 1910, com a tiza a destruição e a anarquia de
proclamação da República, depois dos valores e formas. Seu principal re-
sangrentos acontecimentos de 1908, presentante foi Tristan Tzara. Esta
quando o rei D. Carlos perde a vida nas arte pretendia provocar escândalo e
mãos de um homem do povo, alucinada- surpresa, destruir o bom senso, além
mente antimonárquico. de romper qualquer tipo de equilíbrio.
Principais características
Fernando Antônio
• atitude irreverente aos padrões esta-
belecidos; Nogueira Pessoa
• reação ao passado clássico e estático;
(1888 – 1935)
• temática particular e individual; Nasceu em Lisboa em 1888, porém,
• preferência pelo dinamismo; passou parte de sua infância e de sua
mocidade na África do Sul, em Durban.
• busca do imprevisível; Retornou a Portugal e iniciou o curso
superior de Letras, em Lisboa, mas aban-
• desaparece o sentimentalismo;
donou a Universidade. Ao morrer, em
• comunicação direta das idéias: lingua- 1935, com apenas 47 anos de idade, o
gem cotidiana; poeta ainda era desconhecido na soci-
edade portuguesa, porém, pouco antes
• originalidade e autenticidade; de sua morte, chegou a receber um prê-
mio do Secretariado de Propaganda Na-
• interesse pela vida interior (estado de
cional, pela publicação de sua obra Men-
espírito, psíquico e subconsciente);
sagem.
• expressão indireta e sugestiva;
Pessoa foi o introdutor das vanguar-
• valorização do bom humor; das modernistas em Portugal. Em 1915,
com Almada Negreiros e Mário de Sá Car-
• liberdade nos versos e ritmos. neiro, funda a revista Orpheu – marco
Em Portugal, o Modernismo se divi- inicial do Modernismo em Portugal. Aos
de em três gerações: seis anos de idade, criou o seu primeiro
heterônimo: Chevalier de Pás. Posterior-
mente, vieram Alexander Search, Álvaro
Veio pela encosta de um monte Não era mulher: era uma mala
Tornado outra vez menino, Em que ele tinha vindo do céu.
A correr e a rolar-se pela erva E queriam que ele, que só nascera
E a arrancar flores para as deitar [da mãe,
[fora E nunca tivera pai para amar com
E a rir de modo a ouvir-se de longe. [respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Tinha fugido do céu. Um dia que Deus estava a dormir
Era nosso demais para fingir E o Espírito santo andava a voar,
Da segunda pessoa da Trindade. Ele foi à caixa dos milagres e
No céu era tudo falso, tudo em [roubou três,
[desacordo Com o primeiro fez que ninguém
Com flores e árvores e pedras. [soubesse que ele tinha fugido.
No céu tinha que estar sempre sério Com o segundo criou-se
E de vez em quando de se tornar [eternamente humano e menino.
outra vez homem Com o terceiro criou um Cristo
E subir para a cruz, e estar sempre [eternamente na sua cruz
[a morrer E deixou-o pregado na cruz que há
Com uma coroa toda à roda de [no céu
[espinhos E serve de modelo às outras.
E os pés espetados por prego com Depois fugiu para o sol
[cabeça,
E desceu pelo primeiro raio que
E até com um trapo à roda da cintura [apanhou.
Como os pretos nas ilustrações.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
Nem sequer o deixaram ter pai e
[mãe É uma criança bonita de riso e
Como as outras crianças. [natural.
E, porque sabe que elas não gostam Podemos observar nestes trechos
E que toda a gente acha graça, de O guardador de rebanhos a lingua-
gem coloquial de Alberto Caeiro, muitas
Corre atrás das raparigas
vezes próxima da prosa, algumas ve-
Que vão em ranchos pelas estradas zes muito rítmica. Observamos, também,
Com as bilhas às cabeças que o poeta faz diversas negações das
metafísicas, das transcendências, op-
E levanta-lhes as saias.
tando pela natureza, ou seja, pelo que é
A mim ensinou-me tudo. natural. No primeiro texto, a criança é
divina porque é humana e natural e, as-
Ensinou-me o olhar para as cousas,
sim, é muito mais verdadeira. No segun-
Aponta-me todas as cousas que do texto, observamos a identificação do
[há nas flores. ato de pensar com as sensações físi-
Mostra-me como as pedras são cas, com relação corpo-a-corpo com o
[engraçadas mundo.
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas. Ricardo Reis
(1887 - ?)
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos. Representa o mundo clássico. Mo-
E os meus pensamentos são todos narquista, educado em colégio de jesuí-
[sensações. tas, valoriza a vida campestre e a simplici-
dade das coisas. Deixa de lado a emoção,
Penso com os olhos e com os ouvidos
por desconfiar da felicidade extrema.
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca. Obra Poética
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la Só o ter flores pela vista fora
Sem que um sonho, no erguer de asa, Valeu a pena? Tudo vale a pena
Faça até mais rubra a brasa Se a alma não é pequena.
Da lareira a abandonar! Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Triste de quem é feliz!
Deus ao mar o perigo e o abismo
Vive porque a vida dura. [deu.
Nada na alma lhe diz Mas nele é que espelhou o céu”.
Mais que a lição da raiz
Ter por vida a sepultura. D. Sebastião, Rei de Portugal
Eras sobre eras se somem “Louco, sim, louco, porque quis
No tempo em que as eras vêm. [grandeza
Ricardo atingido pelo tiro que deu. Lú- através de flash-back, daí para frente
cio é acusado pelo crime e vai preso. seguindo linearmente. O personagem
Após cumprir a pena, retira-se para o Ricardo de Loureiro é um desdobramen-
interior e escreve a sua confissão, a to do personagem Lúcio, que, por sua
sua narrativa. vez, é desdobramento do autor. Nesta
obra, a trama consiste na integração das
Em A Confissão de Lúcio, encon-
duas personagens masculinas através
tramos uma linguagem metafórica. Para
da figura feminina – Marta.
o próprio autor, esta obra pode ser vista
como um registro de sua vida pessoal.
Aparece diversas vezes a problemática
do corpo e da beleza física, com Ricardo Segunda Geração
desejando até ser mulher para ser belo.
Em vida, um dos problemas do autor era
o seu corpo obeso, que o fazia sentir-se
(1927 – 1940)
ridículo e desprezível às mulheres. Dota-
do de uma sensibilidade aguçada, que é Presencismo – artistas que partici-
levada ao delírio, capta as sensações param da revista Presença. No Presen-
inusitadas e as coloca em um estilo bri- cismo, a literatura é viva, ou seja, há
lhante e luminoso, sugestivo e rico de sinceridade. Há a desmistificação do real
ambigüidade. Abusa de reticências para e da realidade aparente das coisas, eli-
criar sensação de insegurança, indeci- minação da objetividade da ação, pois
são e impressão. A obra pode ser en- se mistura com o lado psicológico. Des-
quadrada no gênero fantástico, pois os tacam-se José Régio e Branquinho da
acontecimentos narrados pelo persona- Fonseca.
gem principal Lúcio não podem ser expli-
cados pelas leis naturais. Às vezes su-
gere que tudo é uma loucura, outras, afir- José Régio
ma que está lúcido e que tudo é verdade,
mesmo que pareça absurdo. Podemos
(1901-1969)
destacar algumas características da obra
abarcando a estética simbolista: obses- Suas obras são de estruturas aber-
são da morte e do suicídio como únicas tas, que retratam o mundo psicológico
soluções; traz a marca da frustração; dos personagens. Abrange a poesia, o
obsessão pelo amor pervertido ou sexu- romance, o conto, o teatro e a crítica lite-
alidade ambígua, sempre balançando en- rária. Seu romance Jogo da Cabra Cega
tre a hetero e a homossexualidade (fictí- é considerado o marco da prosa con-
cia); busca da identidade. Narrado em temporânea. Aborda em suas obras a
primeira pessoa, a linguagem caracteri- introspecção e sondagem dos conflitos
za uma narração subjetiva e de estado do homem em relação com o mundo. Re-
de inconsciência do eu-lírico. A narrativa trata também o tema religioso com as opo-
começa pelo fim, quando o personagem- sições entre o bem X mal, espírito X ma-
narrador decide escrever sua confissão téria, Deus X diabo.
— 110 —
Eu reparava que Clarisse era agora de simples companheiros de acaso não ti-
um dos alvos preferidos dessa intriga me- vesse uma condescendência lamuriosa a
líflua e subterrânea. E ela também o sabia. justificá-la, para que essa vida fosse autên-
No modo como observava as companhei- tica, verídica, e não o fruste delírio de um mo-
ras, acirradas, estou certo, por um instinto ribundo. Era tão urgente o amor dos outros!
de desagravo social (pois não era Claris- Por isso os cortejavam, subornando-os,
se, entre elas, uma burguesinha a quem a atiçando-lhes capciosamente o interesse,
doença e o desespero iam amachucando a presença, o diálogo ou um arremedo des-
a soberba de classe?), via-se que procu- se amor. A simulação, por último, bastava,
rava todo o indício que pudesse dizer-lhe como a ternura das meretrizes. Lembro-me,
quanto as outras a achavam já diferente, por exemplo, daquela velhota ricaça que eu
quanto lhe notavam o emagrecimento ou a internara numa clínica. No último Natal ofe-
palidez. Mas era sobre mim que incidia recera centenas de presentes. Escrevia
mais vezes a sua alertada acuidade: em montes de cartas, todos os dias, mesmo a
todos os estremecimentos da minha face desconhecidos. O importante era que vies-
entediada de médico, ela descobria, ou jul- sem agradecer-lhe, vê-la, que, durante al-
gava descobrir, os agouros da sua ruína. guns minutos, ao pensarem nela, a fizes-
sem viva. Tinha um casal de criados já ido-
Era inútil, aliás, prolongar o Ludíbrio.
sos; obrigava-os a ficarem horas, de pé, ao
Ainda que baralhássemos na mesma en-
fundo da cama - dois macacos decrépitos,
fermaria doentes com moléstias e prognós-
testemunhas de sua existência.
ticos diferentes, e zelássemos por que ne-
nhum deles pudesse averiguar a natureza Quando esses doentes voltavam - e
da sua doença, a verdade escorria não se voltavam sempre -, tinham lido livros, con-
sabia donde, um fio de água sub-reptício sultado outros médicos, e discutiam já as
que, de súbito, encharcava o ambiente. notícias sobre novas e milagrosas drogas
Qualquer deles, ao fim de algum tempo, per- para o seu caso, com que as gazetas lhes
cebia que, sendo apontado pelos outros sacudiam a febre de persistir. Investigavam-
como meu doente, essa identificação equi- se a si próprios, procurando os ardis sob
valia a um ferrete. O rebanho marcado. Re-
que a morte se escondia e, lá no íntimo, es-
agiam, então, de muitos modos: violência,
peravam ser os primeiros a conseguir
pânico, misticismo, náusea, raramente com
dominá-la. Os ardis não eram apenas da
heroísmo e nunca com resignação. Muitos
doença. Eles também os teciam. Apercebi-
saíam do hospital ou desapareciam da con-
sulta e, durante semanas, meses, mistura- am-se da vizinhança da morte, sentiam-lhe
vam-se freneticamente no convívio dos ou- a voracidade e o cheiro, mas, inexorável,
tros, os de lá de fora, os que continuavam a só nos outros. A pérfida ameaça, presença
viver, para lhes enfiar pelos olhos dentro obcecante na vida de todos eles, como um
que estavam vivos também. Era preciso punhal enquistado, e que, na sua injusta e
que os outros não os distinguissem pelo medonha objetividade, se assimilava atra-
horror ou pela compaixão, não os distin- vés da experiência em redor, não lhes dizia,
guissem fosse pelo que fosse, que não os porém, individualmente respeito. No último
diferenciassem de ninguém. Era preciso instante, cada um, de per si, conseguiria li-
que a estima dos familiares, dos amigos ou bertar-se. Velada ou abertamente, falavam-
— 114 —
me então dos tais fabulosos tratamentos - ses seres humanos se faz presente quan-
até mos exigirem, e era-me mais cômodo do eles dividem entre si a comida, num jantar
falsear-lhes as análises do que, como dan- de comemoração pelo nascimento da crian-
tes, evitar que lhes caíssem sob os olhos. ça. Dentre os personagens, todos com difi-
(NAMORA, Fernando. Domingo à Tarde. Porto Alegre:
culdade em se ajustar à sociedade.
Globo,1963) (fragmento)
... era uma espécie de saguão, colado
Casa da Malta
à forja do ferreiro. Em tempos servira de abri-
(resumo) go às manadas de porcos da Granja; mas o
A narrativa inicia-se com o persona- patrão fora-se para a cidade, o portão de
gem Abílio contando sobre suas andanças castanho velho abrira feridas ao sol e às
com o circo e o fim da companhia circense chuvas das bandas do montado, e agora os
ao amigo Ricocas e este o leva à casa da que vinham de longe para roubar, pedir, emi-
malta, lugar onde pessoas que não tinham grar, sabiam que era ali a sua casa. Um resto
para onde ir se estabelecem por lá. Outros de palha da malhada forrava o chão térreo e
personagens são introduzidos na narrati- cada ambulante acamara mais um molho de
va e cada um com um passado trágico que feno, de urze, ou de trapos velhos. Ainda no
os levaram a morar na casa da malta. To- domínio do saguão, em dois metros quadra-
dos vão relembrando o passado até o mo- dos de terreno roubados ao adro, os ciga-
mento do nascimento do bebê da cigana, nos arrumavam carroças e animais e expu-
onde todos se confraternizam como se nham sedas vermelhas ao pessoal da vila.
fosse uma grande família.
A narrativa descreve as ações das Manuel da Fonseca
personagens socialmente desprivilegiadas
e perdidas num mundo de injustiças e misé-
(1911 – )
ria. Podemos perceber claramente nesta Escreveu Seara de Vento.
obra a busca pela interioridade das perso-
nagens, através de suas lembranças, re- Seara de Vento
velando suas angústias, dúvidas, numa (comentários)
analise profunda de sentimentos e rala- A narrativa se inicia com a descri-
ções humanas. Assim sendo, ao passo ção do vento, anúncio de desgraças. Duas
que traduz a individualidade do homem não personagens, Júlia e Amanda Carrusca,
deixa de enquadrá-lo no seu meio social. A dialogam com certa agressividade sobre
ação se divide entre o tempo presente da a situação precária em que vivem: estão
narrativa (casa da malta) e os acontecimen- morrendo de fome. Amanda exige que sua
tos passados na vida de cada um dos per- filha Júlia convença o marido Antônio Val-
sonagens, possibilitando a compreensão murado, o Palma, a permitir que ambas
de como chegaram até aquele casebre. A peçam esmola. Amanda, habilmente, diz
grande metáfora encontrada nesta obra é o que é para curar Bento, um dos filhos do
humanismo, ou seja, há uma grande preo- casal, que é excepcional.
cupação com os valores representativos O romance começa, pois, a partir de
do ser humano. A solidariedade unindo es- uma situação trágica.
— 115 —
Resumo do Modernismo
A Narrativa do Pós-Guerra
A cultura sofreu uma revolução em 1998 ganhou o Prêmio Nobel de Lite-
após 1940. Encontramos, então, a lite- ratura.
ratura comercial dos best-sellers, opon-
De Saramago destacamos as se-
do-se às narrativas pós 2ª Guerra Mun-
guintes obras: Terra do Pecado, Os
dial.
Poemas Possíveis, Provavelmente Ale-
Destacam-se José Saramago com gria, Deste Mundo e do Outro, A Baga-
Memorial do Convento, José Cardoso gem do Viajante, As Opiniões que o DL
Pires com Hóspede de Jô e Adolfo Cor- teve, O Ano de 1993, Os Apontamen-
reia da Rocha com A Criação do Mundo. tos, Manual de Pintura e Caligrafia,
Objecto Quase, Poética dos Cinco Sen-
tidos, A Noite, Levantado do Chão; Que
José Saramago Farei dom este Livro?, Viagem a Portu-
gal, Memorial do Convento, O Ano da
(1922 – ) Morte de Ricardo Reis, A Jangada de
Pedra, A Segunda Vida de Francisco
José Saramago nasceu em Azinha- de Assis, História do Cerco de Lisboa,
ga, no ano de 1922. Trabalhou como O Evangelho Segundo Jesus Cristo, In
jornalista em vários jornais, entre eles o Nomine Dei, Cadernos de Lanzarote,
Diário de Lisboa, de que foi diretor, até Ensaio sobre a Cegueira, Todos os No-
partir e fixar-se definitivamente na ilha mes, e A Caverna.
de Lanzarote, arquipélago das Canárias.
A partir de 1975 passou a dedicar-se O Evangelho Segundo Jesus
integralmente à literatura, mas foi após Cristo
a publicação de Levantado do Chão (comentários)
(1980) que passou a ser considerado
um grande nome da literatura em língua Publicado pela primeira vez em no-
portuguesa contemporânea. vembro de 1991, O Evangelho Segun-
Declaradamente comunista e ateu, do Jesus Cristo causou muita polêmi-
suas convicções fizeram-no deixar Por- ca. Saramago foi acusado de investir
tugal. contra o cristianismo, de pretender des-
sacralizar Jesus Cristo, e, principalmen-
É considerado um dos escritores te, de interpretar o Novo Testamento de
portugueses mais lidos e traduzidos no forma abusiva.
estrangeiro. Em 1991, ganhou o Grande
Prêmio APE, com o romance O Evange- A opinião da crítica, que não levou
lho Segundo Jesus Cristo; o Prêmio em conta essa pretensa tentativa de
Camões em 1996 por toda sua obra; e Saramago de desvirtuar os Evangelhos,
— 117 —
é que, ao ler-se essa obra, devemos Podemos observar que, assim co-
considerar que tudo não passa de ar- mo o poeta Fernando Pessoa (na pers-
tifício literário, de invenção. pectiva fictícia) tem os seus contornos
físicos dissipados ao longo do romance
O Vaticano criticou duramente a
pelo decorrer dos nove meses de fale-
obra, que não foi inscrita pelo governo
cimento, tecendo um paralelo com o
português em um importante prêmio li-
embrião humano que leva nove meses
terário europeu, fato que precipitou a
para ser gerado, o seu heterônimo reto-
saída de Saramago do país, passando
mado vai também dissipando a sua per-
a residir nas Ilhas Canárias.
sonalidade ao longo desse período: “Al-
O ano da morte de Ricardo Reis guma latinação clássica de que já não
fazia leitura regular” (p. 22) “formara,
A obra O Ano da Morte de Ricardo
de enfiada, três versos de sete sílabas,
Reis, de José Saramago, tem como ca-
redondilha maior, ele, Ricardo Reis, au-
racterística marcante a intertextualidade.
tor de odes ditas sáficas ou arcaicas,
No título do livro, que resume o conteúdo
básico e conduz o fio narrativo, podemos afinal saiu-nos poeta popular.” (p. 47).
perceber a retomada de um dos heterôni- O Reis de Saramago deixa-se con-
mos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, tagiar pelas coisas mundanas, já não é
que, na obra, revela-se como narrador tão coerente e objetivo. Surge Lídia, ca-
onisciente, presente em todas as situa- mareira do Hotel Bragança com quem
ções, revendo o passado, prevendo o
ele mantém relações. Sua musa se
futuro e, principalmente, tomando conhe-
corporifica e ele deixa de “fruir o mo-
cimento dos pensamentos e sentimentos
mento que passa” como espectador,
passados no “eu” de cada personagem.
para realizá-lo carnalmente. Aparece
Na retomada de sua personalidade também a personagem Marcenda, por
por Saramago, o personagem perde al- quem Ricardo Reis se apaixona, pas-
gumas características básicas, motivo sando a espectador - aguarda a sua
de cobrança para Fernando Pessoa, que presença de todos os meses, as car-
ressurge do mundo dos mortos: “você tas, e por fim uma decisão de unir-se a
afinal desilude-me, amador de criadas, ele, o que não se concretiza.
cortejador de donzelas, estimava-o mais
quando você via a vida à distância que Ao final do romance, Reis se deixa
está” (p. 183). contagiar totalmente pelos acontecimen-
“gestos que parecem querer re- tos do mundo, quando chora a morte de
compor umas feições, restituí-las aos Daniel, irmão de Lídia: “E entra em casa,
seus lugares de nascença, refazer o atira-se para cima da cama desfeita,
desenho, mas o artista tomou a borra- escondeu os olhos com o antebraço pa-
cha em vez do lápis, onde passou apa- ra poder chorar à vontade, lágrimas ab-
gou, um lado da cara perdeu o contor- surdas que esta revolta não foi sua,
no, é natural, vai para seis meses que sábio é o que se contenta com o espe-
Fernando Pessoa morreu.” (p. 330) táculo do mundo.” (p. 411).
— 118 —
teres descido aqui na Nazaré para vires vidado, Agora não sei se estás a falar
deixar-me nesta dúvida, aliás, se que- comigo, ou com o teu filho, Com ele, con-
res que te fale com franqueza, um filho tigo, com ambos, que posso eu fazer
do Senhor, mesmo tendo-me a mim como para emendar o mal feito, Que é que te
mãe, dávamos por ele logo ao nascer, e aconselharia o teu coração de mãe, Que
quando crescesse teria, do mesmo Se- fosse procurá-lo, dizer-lhe que creio
nhor, o porte, a figura e a palavra, ora, nele, pedir que me perdoe e volte para
ainda que se diga que o amor de mãe é casa, aonde o Senhor o virá chamar, em
cego, o meu filho Jesus não satisfaz as chegando a hora, Francamente, não sei
condições, Maria, o teu primeiro grande se vais a tempo, não há nada mais sen-
engano é julgares que eu vim cá apenas sível do que um adolescente, arriscas-
para te falar desse antigo episódio da te a ouvir más palavras e a levar com a
vida sexual do Senhor, o teu segundo porta na cara, Se tal acontecer, a culpa
grande engano é pensares que a bele- tem-na aquele demónio que o embruxou
za e a facúndia dos homens existem à e perdeu, nem sei como o Senhor, sen-
imagem e semelhança do Senhor, quan- do pai, lhe consentiu tais liberdades, tan-
do o sistema do Senhor, digo-to eu que ta rédea solta, De que demónio falas, Do
sou da casa, é ele ser sempre o contrá- pastor com quem o meu filho andou du-
rio de como os homens o imaginam, e, rante quatro anos, a governar um reba-
aqui muito em confidência, eu até acho nho que ninguém sabe para que serve,
que o Senhor não saberia viver doutra Ah, o pastor, Conhece-lo, Andámos na
maneira, a palavra que mais vezes lhe mesma escola, E o Senhor permite que
sai da boca não é o sim, mas o não, um demónio como ele perdure e prospe-
Sempre ouvi eu dizer que o Diabo é que re, Assim o exige a boa ordem do mun-
é o espírito que nega, se no teu coração do, mas a última palavra será sempre a
não deres pela diferença, nunca sabe- do Senhor, só não sabemos é quando a
rás a quem pertences, Pertenço ao Se- proferirá, mas vais ver que uma manhã
nhor, Pois é, dizes que pertences ao destas acordamos e descobrimos que
Senhor e caíste no terceiro e maior dos não há mal no mundo, e agora devo ir-
enganos, que foi o de não teres acredi- me, se tens mais algumas perguntas a
tado no teu filho, Em Jesus, Sim, em Je- fazer, aproveita, Só uma, Óptimo, Para
sus, nenhum dos outros viu Deus, ou que quer o Senhor o meu filho, Teu filho
alguma vez o verá, Diz-me, anjo do Se- é uma maneira de dizer, Aos olhos do
nhor, é mesmo verdade que meu filho mundo Jesus é meu filho, Para que o
Jesus viu Deus, Sim, e, como uma crian- quer, perguntas tu, pois olha que é uma
ça que encontrou o seu primeiro ninho, boa pergunta, sim senhor, o pior é que
veio a correr mostrar-to, e tu, céptica, e não sei responder-te, a questão no es-
tu, desconfiada, disseste que não podia tado actual, é toda entre eles dois, e
ser verdade, que se ninho havia estava Jesus não creio que saiba mais do que
vazio, que se ovos tinha, eram goros, e a ti te terá dito, Disse-me que terá poder
que se os não tinha, comera-os a ser- e glória depois de morrer, Dessa parte
pente, Perdoa-me, meu anjo, por ter du- também estou informado, Mas que irá
— 121 —
ele ter de fazer em vida para merecer superior, que parecia mordido de beijos.
as maravilhas que o Senhor lhe prome- Se não fosse a certeza de ter estado ali
teu, Ora, ora, tu crês, ignorante mulher, apenas um anjo conversador, os sinais
que essa palavra exista aos olhos do mostrados por Lísia fariam gritar e cla-
Senhor, que possa ter algum valor e sig- mar que um demónio íncubo, desses que
nificado o que presunçosamente cha- acometem maliciosamente as mulheres
mais merecimentos, em verdade não sei adormecidas, andara a fazer das suas
que é que vos julgais, quando não pas- no desprevenido corpo da donzela, en-
sais de míseros escravos da vontade quanto a mãe se deixava distrair com a
absoluta de Deus, Nada mais direi, sou conversa, provavelmente foi sempre
realmente a escrava do Senhor, cum- assim e nós que não o sabíamos, anda-
pra-se em sim segundo a sua palavra, rem estes anjos aos pares para onde
diz-me só, depois de todos estes me- quer que vão, e enquanto um, para en-
ses passados, onde poderei encontrar treter e fazer costas, se põe a contar
o meu filho, Procura-o, que é a tua obri- histórias da Carochinha, o outro, cala-
gação, ele também foi à procura da ove- do, opera o actus nefandus, maneira de
lha perdida, Para matá-la, Sossega, que dizer, que nefando em rigor não é, tudo
a ti não te matará, mas tu, sim, o matarás indicando que na vez seguinte se troca-
a ele, não estando presente na hora da rão as funções e as posições para que
sua morte, Como sabes que não morre- não se perca, nem no sonhador nem no
rei eu primeiro, Estou bastante próximo sonhado, o beneficioso sentido da duali-
dos centros de decisão para sabê-lo, e dade da carne e do espírito. Maria co-
agora adeus, fizeste as perguntas que briu a filha como pôde, puxando-lhe a
querias, talvez não tenhas feito alguma túnica até à altura do que é impróprio
que devias, mas isso é assunto que já estando descoberto, e, quando a teve
não me diz respeito, Explica-me, Expli- decente, acordou-a e perguntou-lhe em
ca-te tu a ti própria. Com a última pala- voz baixa, por assim dizer à queima-
vra, o anjo desapareceu e Maria abriu roupa, Que estavas a sonhar. Apanha-
os olhos. Todos os filhos dormiam, os da de surpresa, Lísia não podia mentir,
rapazes em dois grupos de três, Tiago, respondeu que sonhara com um anjo,
José e Judas, os mais velhos, a um can- mas que o anjo nada lhe dissera, ape-
to, noutro canto os mais novos, Simão, nas olhara para ela, e era um olhar tão
Justo e Samuel, e com ela, uma de cada meigo e tão doce que melhores não po-
lado, como de costume Lísia e Lídia, mas derão ser os olhares no paraíso. Não te
os olhos de Maria, perturbados ainda tocou, perguntou Maria, e Lísia respon-
pelos anúncios do anjo, arregalaram-se- deu, Ó minha mãe, os olhos não servem
lhe de repente, estarrecidos, ao ver que para isso. Sem bem saber se devia tran-
Lísia estava toda descomposta, prati- quilizar-se ou preocupar-se com o que
camente nua, a túnica arregaçada por se passara a seu lado, Maria, em voz
cima dos seios, e dormia profundamen- ainda mais baixa, disse, Eu também so-
te, e suspirava sorrindo, com o brilho de nhei com um anjo, E o teu, falou, ou tam-
um leve suor na testa e sobre o lábio bém esteve calado, perguntou Lísia, ino-
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centemente, Falou para me dizer que lha, nós não estávamos lá, para o Se-
teu irmão Jesus dissera a verdade quan- nhor não há pais nem filhos, lembra-te
do nos anunciou que tinha visto Deus, de Abraão, lembra-te de Isaac, Ai, mãe,
Ai, minha mãe, que mal fizemos então, que aflição, O mais prudente, filha, é
não acreditamos na palavra de Jesus, e guardarmos estas coisas nos nossos
ele tão bom, que, de zangado, até podia corações e falarmos delas o menos pos-
ter levado o dinheiro do meu dote, e não sível, Então, que faremos, Amanhã man-
o fez, Agora temos de ver como o reme- darei Tiago e José a procurar Jesus,
diaremos, Não sabemos onde está, no- Mas onde, se a Galileia é imensa, e a
tícias não deu, o anjo é que bem podia Samaria, se para lá foi, oua Judeia, ou a
ter ajudado, sabem tudo, os anjos, Pois Idumeia, que essa está no cabo do mun-
não, não ajudou, só me disse que pro- do, O mais provável é teu irmão ter ido
curássemos o teu irmão, que era esse o para o mar, recorda-te do que ele nos
nosso dever, Mas, ó minha mãe, se afi- disse quando veio, que tinha andado com
nal foi verdade que o mano Jesus este- uns pescadores, E não teria antes vol-
ve com o Senhor, então a nossa vida, tado para o rebanho, Esse tempo aca-
daqui por diante, vai ser diferente, Dife- bou, Como sabes, Dorme, que a manhã
rente, talvez, mas para pior, Porquê, Se ainda vem longe, Pode ser que torne-
nós não acreditámos em Jesus nem na mos a sonhar com os nossos anjos,
sua palavra, como esperas que os ou- Pode ser. Se o anjo de Lísia, acaso ten-
tros acreditem, com certeza não quere- do fugido à companhia do parceiro, veio
rás que vamos aí pelas ruas e praças habitar-lhe outra vez o sono, não se
de Nazaré a apregoar Jesus viu o Se- chegou a perceber, mas o anjo do anún-
nhor Jesus viu o Senhor, seríamos cor- cio, mesmo se se esqueceu de algum
ridas à pedrada, Mas o Senhor, visto pormenor, não pôde voltar, porque Ma-
que o escolheu, nos defenderia, que ria esteve sempre de olhos abertos na
somos a família, Não estejas tão certa meia escuridão dacasa, o que sabia
disso, quando o Senhor fez a sua esco- sobrava-lhe, o que adivinhava temia”.
A Poesia do Pós-Guerra
O período pós-Segunda Guerra Mun- criam uma poesia intimista, mas simulta-
dial foi de tristeza e desencanto; o conti- neamente preocupada com o destino pes-
nente europeu ficou profundamente mar- soal e coletivo, adotando um tom de pro-
cado pelo conflito mundial. Foi a época da testo contra as injustiças e arbitrarieda-
Guerra Fria e da ameaça de Guerra Nu- des do mundo. O número de autores e
clear. Mediante esses fatos, os poetas correntes tornou-se muito grande.