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Revista Galileu Ed.

117 Abril/2001
Por Maurício Tuffani

A invenção do Cristianismo
O que aconteceu depois da Páscoa
Para criar uma religião mundial, o Jesus libertador do povo judeu foi transformado no
Filho de Deus e ganhou o nome de Cristo

A religião cristã não começou com Jesus. Segundo estudos recentes feitos por historiadores e
teólogos cristãos, a imagem desse homem como Filho de Deus surgiu alguns anos após sua morte
em Jerusalém por volta do ano 30 do que hoje chamamos Era Cristã. Mais ainda: a versão de que
Jesus teria sido condenado pelo povo judeu passou a ser construída muito depois de sua morte, com
a elaboração dos evangelhos. Diante de um mundo dominado pelos romanos, o cristianismo evitou
complicações políticas e se distanciou de sua origem: uma seita judaica formada por homens
contrários à dominação estrangeira. Liderada por Tiago, irmão de Jesus, a seita praticamente
desapareceu no massacre de Jerusalém pelos romanos na revolta que terminou no ano 70. Para seus
integrantes, Jesus era o Messias, descendente do rei Davi que nascera para libertar o povo judeu da
opressão e fora morto sob acusação de rebelião. Fora da Palestina o trabalho iniciado pelo apóstolo
Paulo prosseguiu, com a mensagem de um Cristo divino e descomprometido com a política.
Até cerca de 50 anos atrás, nas missas católicas da Sexta-Feira Santa, os padres diziam aos fiéis
para orar pelos "pérfidos judeus", para que Deus tivesse piedade deles. Essa expressão
discriminatória, que foi retirada da liturgia católica durante o papado de João 23 (1958-1963), se
originou da versão sobre a Paixão de Cristo consagrada pelos evangelhos. Estudos críticos da
Bíblia, mais freqüentes nas últimas décadas – por parte de estudiosos ateus, judeus e até cristãos –
rejeitam a versão que mostra Pôncio Pilatos comovido com Jesus e inconformado com a suposta
multidão que teria pedido sua morte.
Baseados em diversos relatos, como os de Flávio Josefo (35-100 d.C.), autor de A Guerra
Judaica, e nos princípios do Direito Romano, esses historiadores estão convencidos de que a
condenação de Jesus foi apenas mais uma entre as milhares realizadas pelos romanos na Palestina.
"Foi basicamente um ato oficial de terrorismo. Roma não tolerava rebeliões em seus domínios",
afirma o teólogo Fernando Altemeyer Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC)
de São Paulo. A morte na cruz era a pena imposta pelos romanos para os delitos contra o império.

A cidade da execução
Jerusalém, onde hoje vivem israelenses e palestinos, teve seu antigo Templo destruído e, no Gólgota
(local do suposto sepultamento de Jesus), está hoje a Igreja do Santo Sepulcro

Ameaça ao grupo
A acusação contra Jesus por parte dos judeus se restringiu aos saduceus, a facção que apoiava a
dominação romana e controlava a nomeação dos sumos sacerdotes. Jesus teria sido uma ameaça
para eles, segundo o teólogo Hermínio Andrés Torices, professor da PUC de Campinas e do
Instituto Teológico de São Paulo. "Tudo indica que houve um complô desse grupo restrito, mas não
uma vontade coletiva dos judeus de Jerusalém", diz Torices. O judaísmo na época de Jesus era
muito diversificado, mas apesar das muitas facções, o sentimento contra a dominação estrangeira
era geral e muito forte na população local.
Um outro tema tratado nos evangelhos, a libertação de Barrabás, serviu para temperar essa
suposta vontade coletiva dos judeus de condenar Jesus à morte. O privilégio de os judeus poderem
pedir durante a Páscoa a libertação de um condenado não passa de uma lenda, segundo diversos
estudiosos, como Paul Winter (1904-1969), em seu livro póstumo Sobre O Processo de Jesus, de
1974.
Acredita-se que, escritos a partir da grande revolta dos judeus contra Roma (66-70 d.C.), os
evangelhos evitaram acusar o Império pela morte de Cristo. "Há uma nítida tendência para
amenizar as tensões entre romanos e cristãos, até mesmo nos séculos seguintes", afirma Torices.
Essa tendência só termina no ano 313, quando o imperador Constantino decreta o Edito de Milão,
estabelecendo uma política de liberdade religiosa. Por pouco, segundo Winter, Pilatos não foi
canonizado, assim como aconteceu com sua mulher pela Igreja Grega por ter sido advertida em um
sonho que Jesus era inocente (Mateus, 27,19).
As pesquisas das últimas décadas mostram como a pequena seita judaica criada por Jesus
conseguiu sobreviver de maneira surpreendente à guerra de 66-70 d.C., em que os romanos
praticamente massacraram os judeus. Isso ocorreu por obra de um homem que havia sido um
implacável perseguidor desse povo convertido: o apóstolo Paulo, nascido em uma família israelita
de Tarso, na atual Turquia, com o nome de Saulo. Segundo os Atos dos Apóstolos, após presenciar
de forma cúmplice o apedrejamento de Estevão em Jerusalém, Saulo "devastou a Igreja: entrando
pelas casas arrancava homens e mulheres e metia-os na prisão".
Isso ocorreu até que, em uma viagem a Damasco, Jesus teria aparecido após uma luz intensa
vinda do céu tê-lo cegado, fazendo-o cair no chão. Depois da visão, ele deixa de lado o nome
judaico e passa a se chamar Paulo, da língua do Império Romano, o latim. E começa sua missão
com os gentios (não-judeus) em viagens a Chipre, à Ásia Menor e à Grécia.

Ruptura entre facções

No ano 48 d.C. , realiza-se o Concílio de Jerusalém. Nessa reunião, Paulo conseguiu convencer
Tiago, irmão de Jesus e líder da seita que continuou na Palestina após a crucificação, a permitir que
pagãos convertidos fossem dispensados de seguir a Lei judaica, que estabelecia, entre outras
obrigações, a circuncisão e os princípios de seleção e preparação de alimentos. Paulo prossegue
com sua missão, mas a doutrina pregada por ele já não era a mesma da Igreja de Jerusalém.
Para Tiago e seus seguidores, Jesus era o Messias, que teria vindo ao mundo para livrar o povo
judeu da opressão. Era o escolhido para implantar o Reino de Deus, isto é, governar Israel
conforme a Lei. Paulo, porém, apresentava Jesus sob o nome grego Cristo, cujo significado era o
mesmo de Messias em hebraico: "Ungido". O Cristo anunciado por ele era o Filho de Deus. Tiago
e os outros apóstolos o tinham conhecido em vida, mas Paulo alegava ter visto o Cristo celestial.
Em sua Primeira Epístola aos Coríntios (15,8), ele se declara como o último dos que viram o Filho
de Deus ressuscitado. Paulo ensina que o cristão é livre do pecado pelo seu amor a Cristo e que a
Lei era obsoleta. "Vamos pecar porque não estamos mais debaixo da Lei mas sob a graça? De
modo algum!" (Romanos, 6,15).
As desconfianças se agravam. Paulo faz uma violenta acusação na Epístola aos Gálatas (2,4)
aos "falsos irmãos que se infiltraram para espiar a liberdade que temos em Cristo Jesus, a fim de
nos reduzir à escravidão". Ele segue para um encontro com Tiago em Jerusalém, possivelmente no
ano 58. Reconhecido no Templo como aquele que pregava o abandono da Lei, é ameaçado de
morte, apela para sua cidadania romana e escapa do linchamento ao ser preso pelos soldados. Tiago
é morto por apedrejamento quatro anos depois. Paulo é decapitado em Roma depois por ordem de
Nero. Mas o mundo conhecerá somente o Cristo de Paulo.
Segundo o que se conhece sobre aqueles tempos turbulentos, a Igreja cristã de Jerusalém
praticamente morreu com o massacre comandado por Tito no ano 70. Tiago e seus seguidores
teriam sido judeus de origem humilde, talvez com modesta formação intelectual, afirma Robert
Eisenman, diretor do Instituto de Estudos das Origens Judaico-Cristãs, da Universidade do Sul da
Califórnia, em Long Beach, nos EUA. O sofisticado Paulo, ao contrário, tivera sólida formação na
cultura greco-romana e preparou o caminho para que a expansão cristã pudesse prosseguir após sua
morte. "Além de fazer uma peregrinação missionária original, criando vínculos em cidades
importantes, ele soube escolher pessoas para multiplicar seu trabalho", afirma o teólogo Fernando
Altemeyer Júnior. "Se fosse nos dias de hoje, ele usaria a internet." Paulo permaneceu 18 meses em
Corinto, na Grécia, pregando aos trabalhadores do porto e marinheiros, que passaram a difundir sua
mensagem. "Paulo enxergava a direção que tomava o mundo e agiu para fazer o cristianismo
crescer no futuro", diz o teólogo Hermínio Andrés Torices.
A intuição do apóstolo faz com que ele apresente a fé cristã com uma dramatização comovente
e arrebatadora para os homens de um mundo sob domínio político opressivo. Paulo, que conhecera
os filósofos estóicos, como o romano Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.), cria uma doutrina semelhante em
alguns aspectos ao pensamento deles. O estoicismo, que esvaziava da filosofia o conteúdo político
em favor da moral e da realização subjetiva, surgira a partir da perda da liberdade política das
cidades-estado gregas para os conquistadores macedônios no século 4 a.C. A liberdade do cristão,
diz Paulo, é a salvação obtida somente por meio da fé e do amor em Cristo.

Traição aos judeus

Para os judeus seguidores de Jesus, no entanto, política e religião eram uma coisa só. Diante da
ameaça de serem massacrados pelos romanos, eles consideravam o cristianismo de Paulo como
uma traição. Entre os círculos judaicos mais radicais a Roma, ele chegou a ser apontado em sua
época como um herodiano, segundo Robert Eisenman em seu artigo "Paul as a Herodian",
publicado em 1996 no Journal of Higher Critical Studies. Eram assim chamados, em alusão a
Herodes e sua família, todos aqueles considerados cúmplices da dominação romana e de seus
governantes fantoches por usufruírem benefícios ou simplesmente por não adotarem uma atitude
contrária, de acordo com Eisenman.
Além de não se opor aos dominadores, o cristianismo teria desvirtuado a imagem de facções
judaicas, como o farisaísmo, que apregoava a rigorosa observação da Lei, e criticava tanto os
saduceus, cúmplices dos romanos, como os zelotas, que pegavam em armas contra eles. "Na
tradição cristã, a palavra ‘fariseu’ tornou-se sinônimo de ‘hipócrita’, ou se aplica àqueles que se
atêm a minúcias sem atender ao que importa", diz Winter.
Outros pesquisadores, como Geza Vermes, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, vão mais
além na crítica às origens cristãs. "No relato de João da vida de Jesus, eles (os judeus) são um
bando sedento de sangue que desde o início procurou matá-lo e não desistiu até ter sucesso em seus
planos nefandos", diz Vermes no livro A Religião de Jesus, o Judeu. "Eis a origem da tendência
cristã de demonizar os judeus, a origem do antijudaísmo religioso, tanto moderno quanto medieval,
que direta ou indiretamente conduz ao Holocausto."

Exageros nas críticas

Embora não discordem dessas afirmações, muitos estudiosos esclarecem que é preciso cautela
para evitar uma injusta redução da obra de Paulo. Alguns historiadores, como Hyam Maccoby, da
Universidade de Leeds, na Inglaterra, afirmam em várias obras que ele fez um trabalho sistemático
de construir uma religião conveniente para o momento, e o responsabiliza pelos evangelhos
oficiais. "Isso é um exagero. Paulo é quem mais fala da cruz romana como uma garantia histórica
do personagem que foi o filho de José", diz Altemeyer. "Em cada uma de suas cartas ele tratou de
assuntos específicos, sendo sempre muito enfático com o tema central", afirma Ana Flora
Anderson, professora da Escola Dominicana de Teologia, em São Paulo. "Por isso, não é justo
fazer conclusões gerais e sintéticas da obra paulina."
Apesar de todas essas críticas, o Novo Testamento continua sendo a fonte mais rica e mais
detalhada das origens cristãs. Mas, felizmente, o cristianismo passou nos últimos 50 anos, a partir
de João 23, a rever seus procedimentos no dia-a-dia. "As barreiras de desconfiança mútua se
dissolveram. Nunca houve tantos encontros oficiais de católicos com a comunidade judaica
visando caminhar para uma verdadeira fraternidade", diz o rabino Henry Sobel, presidente do
Rabinato da Congregação Israelita Paulista, em São Paulo. "Esse é um caminho para valer, sem
volta."

A cristianização de Jesus
O Jesus humano e judeu (acima, em A Crucificação Amarela, de Chagal) sai de
cena para dar espaço ao Cristo celestial (à dir., em Ressurreição, de Grunewald)

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