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15.2.

2016 Insurgente Coletivo: Algumas reflexões sobre o Acordo de Paris

terça­feira, 15 de dezembro de 2015

Algumas reflexões sobre o Acordo de Paris
Michael F. Schmidlehner

Enquanto  os  governantes  dos  196  países  signatários  comemoram  o  Acordo  de  Paris[1],
organizações  da  sociedade  civil  que  acompanharam  a  COP  21  veem  o  resultado  desta
conferência como grande fracasso. O representante de Amigos da Terra Internacional, Asad
Rehman  descreve  a  situação  assim[2]:  “O  navio  colidiu  com  o  iceberg  e  está  afundando.  A
banda toca e ainda recebe calorosos aplausos de nosso lideres políticos. Para os pobres, os
lugares nos botes salva­vida estão negados.”  
Quais são realmente os principais retrocessos neste novo acordo climático? Em primeiro lugar,
a ideia inicial para construção de um regime  global de redução de emissões – de partir das
medidas necessárias para mitigar a crise climática para depois definir as contribuições de cada
país  –  foi  descartada.  Ao  invés  desta  abordagem  de  cima  para  baixo,  foi  adotado  uma
abordagem  de  baixo  para  cima:  cada  parte  apresentou  suas  Contribuições  Nacionalmente
Determinadas Pretendidas (INDCs, na sua sigla em inglês) para fundamentar o acordo. Esta
abordagem, originalmente proposta pelos Estados Unidos facilitou a adesão de muitos países,
uma  vez  que  não  tinham  que  assumir  compromissos  fortes,  mas  apenas  formular  e  assinar
suas  próprias  pretensões.  Os  países  industrializadas  consequentemente  não  se
comprometeram  com  cortes  de  emissões  substanciais.  A  União  Europeia  por  exemplo,
promete  a  redução  de    20%  até  2020  em  comparação  com  os  níveis  de  1990.  De  fato  a
Europa hoje já atingiu esta meta, ou seja, se comprometeu com nada até 2020 em termos de
reduções.  O  acordo  fala  em  manter  o  aquecimento  abaixo  de  2°C  ou  possivelmente  1,5°C.
Entretanto,  as  medidas  prometidas  pelos  196  países  –  se  cumpridas  ­    conduzem  a  um
aquecimento de 3°C até 2100.
Em termos de financiamento, os países pretendem mobilizar 100 bilhões de dólares por ano a
partir  de  2020  para  mitigação  e  adaptação  nos  países  em  desenvolvimento.  Este  montante,
que  em  primeiro  momento  pode  aparecer  muito,  certamente  não  será  suficiente  para  obter
resultados  significativos.  Comparando  estes  100  bilhões  com  as  29  trilhões  que  foram
mobilizados para o resgate da crise financeira em 2008 causada pelos bancos, fica evidente
que os governos não possuem a real ambição para confrontar a crise climática.
Os grandes prejudicados da COP­21 são os povos do sul global. Estes povos não causaram a
crise, mas levarão a maior parte de seus impactos. Por isso os países do sul haviam proposto
nas últimas COPs um mecanismo para lidar com perdas e danos causados pela mudança do
clima,  tais  como  eventos  climáticos  extremos  ou  subida  do  nível  do  mar.  Esta  proposta,
amplamente  discutida  desde  2013  foi  completamente  retirado  do  texto,  sob  pressão  dos
Estados Unidos e da União Europeia.
Os  povos  das  florestas  ainda  serão  fortemente  atingidos  pelo  mecanismo  de  Redução  de
Emissões  por  Desmatamento  e  Degradação  Florestal  (REDD),  que  será  implementado  em
conformidade  com    artigo  quinto  do    Acordo  de  Paris.  O  REDD,  por  ser  extremamente
questionável,  tanto  em  seus  aspectos  técnicos  quanto  éticos,  não  havia  sido  adotado  no
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anterior Protocolo de Kyoto. Mesmo assim, em nível sub­nacional, o REDD já começou a ser
implementado na Amazônia sem ter respaldo legal e político do Governo Federal. O Governo
do Acre destacou­se neste contexto, após ter adotado em 2010 uma lei especifica (Lei 2.308
do  SISA)  para  facilitar  REDD,  e  por  ter  assinado  um  acordo  com  o  Governo  da  Califórnia,
visando a comercialização de créditos de carbono para indústrias californianas que desejam
compensar  suas  excessivas  emissões,  ao  invés  de  reduzi­las.  Poucos  dias  antes  da
conferência em Paris, o Governo Federal publicou o Decrteto 8.576 que praticamente veta a
comercialização direta de créditos de carbono para fora do país a partir de estados ou sub­
regiões.  Com  isso,  o  Governo  Brasileiro  põe  limites  à  privatização  da  Amazônia  através  do
comércio  de  carbono,  e  aos  interesses  do  Governo  Estados  Unidos  sobre  esta  região.  Não
obstante,  o  REDD  –  sendo  agora  uma  estratégia  nacional[3]  e  um  mecanismo  reconhecido
pela  convenção  climática  –  causará  severas  consequências  para  os  povos  da  floresta.  A
tendencia  de  criminalização  dos  povos  da  floresta  pelos  órgãos  federais  ambientais  como
ICMBio deve aumentar neste novo contexto, e com isso insegurança alimentar e êxodo rural. 
O Brasil, tanto quanto a maioria dos outros países continuarão extraindo combustíveis fosseis,
inclusive desenvolvendo e implementando tecnologias cada vez mais agressivas e perigosas,
como perfuração de petróleo em águas profundas, fracking (gas de xisto) ou exploração de de
petróleo  a  partir  dos  chamadas  areias  betuminosas.  A  queima  dos  combustíveis  poderá  ser
em grande parte “compensada” pelos países por meio do REDD, transformando as florestas
em vigiados sumidouros de carbono.
Enquanto  alguns  poucos  lucram  com  este  grande  faz  de  conta,  as  temperaturas  em  nosso
planeta continuarão subindo. Resta a questão: qual será o próximo roteiro da ONU, quando –
talvez  daqui  há  alguns  anos  –  o  fracasso  do  Acordo  de  Paris  se  tornará  evidente  para  a
população?  A  nova  estratégia  será  provavelmente  definida  pelo  grande  “vencedor”  da
conferência  de  Paris,  os  Estados  Unidos.  Apos  terem  primeiramente  boicotado  a  ONU­
Convenção  do  Clima  e  em  seguida  esvaziado­a  de  conteúdo,  os  EUA  agora  começam    a
liderar  o processo por dentro da convenção.  No seu discurso para o povo americano após a
COP 21, presidente Obama enfatiza[4] o novo papel dos Estados unidos como líder global em
combater a mudança climática. Bem alinhado com os interesses corporativos do seu país, o
Secretário  de  Estado  John  Kerry,  deixou  claro  durante  a  conferência  sua  posição,
dizendo[5]que a redução de emissões nos Estados Unidos não salvará o planeta, mas que a
maior responsabilidade em termos de redução seria dos países em desenvolvimento. Mas o
que ainda mais chama a atenção são suas considerações finais após fechamento do Acordo
de Paris. Nesta fala, Kerry diz[6]: “Estamos literalmente enviando uma mensagem crucial para
o mercado mundial. Muitos de nos aqui sabem que as decisões não serão dos governos, que
não serão eles que vão descobrir o produto, a graça salvadora para este desafio. Será o gênio
do espírito americano, serão negócios desencadeados , porque 196 países dizem em única
voz para o negocio mundial, que devemos ir nesta direção. E o próximo grande produto virá
,que vai mudar nossas vidas. “
O que vem nos sendo anunciado aqui neste tom sinistro e profético?  De que “próximo grande
produto” Kerry está falando?  Sabemos, que desde alguns décadas, uma serie de tecnologias
denominados  Geoengenharia  vem  sendo  desenvolvidos,  principalmente  nos  EUA. 

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Geoengenharia significa intervenções intencionais em larga escala para manipular o clima.  As
principais delas se baseiam no Gerenciamento de Radiação Solar (SRM, na sigla em inglês) e
na  Remoção  de  Dióxido  de  Carbono  (CDR,  na  sigla  em  inglês).  O  SRM  visa  refletir  raios
solares, por exemplo por inserção de grandes quantidades de aerossol ou nanopartículas na
atmosfera.  Uma  tecnologia  CDR,  por  exemplo,  arrasta  carbono  para  o  fundo  do  oceano  por
meio  de  micro­algas.  Estas  intervenções  são  extremamente  perigosas  tendo  efeitos
imprevisíveis  e  possivelmente  catastróficas,  e  é  provavelmente  por  isso,  que  ainda  não  vem
sendo  discutidas  publicamente.  Entretanto,  sua    implementação  se  torna  mais  provável  na
medida em que a redução de emissões por parte dos países industrializados não ocorre.  A
alusão  de  Kerry  à  uma  solução  da  crise  por  uma  grande  inovação  tecnológica  expressa  o 
tecno  fundamentalismo  como  atitude  característica  do  governo  estadunidense.  Assim  como
terminaram  a  segunda  guerra  mundial  com  a  bomba  atômica,  agora  a  crise    climática  deve
encontrar  sua  solução  numa  outra  grande  invenção  do  “gênio  do  espirito  americano”.    Além
dos riscos para a vida na terra, a implementação de algum tipo de geoengenharia significaria
uma concentração de poder sem precedentes na mão dos proprietários desta tecnologia.
O que ainda pode nos salvar destes cenários horrorosos é unicamente a ampla mobilização
da  sociedade,  a  resistência  contra  as  falsas  soluções  do  clima  e  a  rejeição  do  paradigma
tecnocrático  capitalista.  Precisamos  uma  revolução,  que  não  visa  mudar  o  clima,  mas  o
sistema como todo. Em seu recente livro[7] , a jornalista canadense Naomi Klein propõe que
enxergamos  a  crise  climática  como  um  toque  de  alerta,  uma  poderosa  mensagem  na
linguagem  de  incêndios,  inundações,  tempestades  e  secas.  Confrontando  esta  crise  já  não
significa  trocar  as  lâmpadas  para  economizar  energia,  diz  ela.  Trata­se  de  mudar  o  mundo,
antes que o mundo muda tão drasticamente que ninguém está a salvo. Ou damos este salto,
ou afundamos.

[1]    http://unfccc.int/resource/docs/2015/cop21/eng/l09r01.pdf
[2]    http://unfccc6.meta­fusion.com/cop21/events/2015­12­12­14­30­friends­of­the­earth­
international­friend­for­the­earth­international­where­we­stand­and­way­forward/friends­of­the­
earth­international­friend­for­the­earth­international­where­we­stand­and­way­forward
[3]    http://redd.mma.gov.br/index.php/pt/enredd/documento­da­enredd
[4]    https://www.youtube.com/watch?v=zgj5MW3PsGM
[5]    https://www.youtube.com/watch?v=aAtiygrbTSg
[6]    https://www.youtube.com/watch?v=n7nrwhcRaxI a partir de min 01:44, tradução nossa.
[7]    KLEIN, Naomi, This Changes Everything ­capitalism vs. climate, New York: Simon &
Schuster 2015

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