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TEXTO 01
A DESCOBERTA DA INFÂNCIA
A descoberta da infância começou, sem dúvida, no século XIII e sua evolução pode ser
acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de
seu desenvolvimento tornaram-se numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e
durante o século XVII.
Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava
representá-la, o que nos leva a pensar que não houvesse lugar para a infância nesse mundo.
Esse desinteresse é mostrado nas pinturas dessa época, pois essas pinturas sempre que
mostravam figuras de crianças, o que acontecia em raríssimos casos, mostravam imagens de
uma nudez de crianças com musculatura abdominal e peitoral de um adulto, ou seja, eram
apenas figuras de pessoas pequenas com corpo de adultos.
O século XIII continuou fiel a esse procedimento, de modo que, na Bíblia as crianças são
representadas com maior frequência, mas nem sempre caracterizadas por algo além de seu
tamanho. Vemos, assim, que no mundo das fórmulas românicas, e até o fim do século XIII,
não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho
reduzido. Isso pode ser explicado pelo fato de que a infância era um período de transição
que passava rápido e cuja lembrança era logo perdida.
As crianças não tinham grande importância naquela época pois não se pensava que elas já
tivessem personalidade de um homem e morreriam facilmente e em grande número,
pensando-se, assim, que mal elas entravam na vida e já estavam muito susceptíveis à morte.
Desconfia-se que a criança era tão insignificante que quando morria não se temia que ela
voltasse para importunar os vivos.
Nossa Senhora menina com seu pai Joaquim e sua mãe Ana.
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No século XIII surgiram alguns tipos de imagens de crianças um pouco mais próximas do
sentimento moderno.
Isso ocorreu com a aparição da imagem de anjos e logo depois, no século XIV, apareceram
os modelos ancestrais de todas as crianças pequenas da história da arte: o menino Jesus, ou
Nossa Senhora menina, pois a infância se ligava ao mistério da maternidade da Virgem e ao
culto de Maria.
Um terceiro tipo de criança apareceu na fase gótica, com a criança nua (o menino Jesus
quase nunca era representado despido), isso porque na arte medieval francesa, a alma era
representada por uma criancinha nua e em geral assexuada.
A virgem amamentando o menino Jesus, atribuída a Robert Campin ( séculos XIV e XV)
Durante o século XIV e, sobretudo no século XV, esses tipos medievais evoluíram e o tema
da infância sagrada, a partir desse século, não deixaria mais de se ampliar e
de se diversificar.
Nos séculos XV e XVI a criança se tornou uma das personagens mais frequentes das
pinturas anedóticas, mostrando a criança com sua família, com seus companheiros de jogos,
na multidão (mas ressaltada no colo de sua mãe, ou brincando) e em várias outras situações
cotidianas daquela época. Essas novas aparições nas pinturas podem ser explicadas pelo fato
de as crianças sempre estarem no meio dos adultos, pois toda reunião para o trabalho, o
passeio ou o jogo reunia crianças e adultos e também pelo fato de que os pintores gostavam
de representar a criança por sua graça.
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A INVENÇÃO DA INFÂNCIA
A alma da criança é reconhecida antes que seu corpo e associada com as novas práticas de
higiene, as primeiras vacinas e ao controle da natalidade cada vez mais difundido surge um
cuidado com os filhos vivos. Juntamente com isso, família torna-se o lugar de uma afeição
necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que ela não era antes.
A criança sai de seu antigo anonimato, ganhando uma crescente importância no meio
familiar, incrementando-se os cuidados cada vez mais exigentes pela preservação de sua
vida. Esse sentimento de família fortalece os laços entre mãe e criança e põe em destaque a
construção de um novo lugar social da mulher, que será definido pela maternidade.
No final do século XVII culmina o processo de algumas mudanças consideráveis, no que se
refere às crianças, às famílias e aos costumes. A escola começa a representar o lugar da
educação, em detrimento da aprendizagem no convívio direto com os adultos, de quem
especialmente as crianças mais abastadas vão sendo paulatinamente separadas. Tem início
seu enclausuramento, disciplinarização e vigilância constantes, por meio da escolarização e
em decorrência do surgimento de um 2º sentimento vinculado à infância: o de
fragilidade e inocência.
Em contraposição à infância ignorada, ganha força o conceito da debilidade e da fragilidade
da criança. Os costumes vigentes passam a prestigiar o recato do comportamento, o pudor
com o próprio corpo, a reserva na linguagem e o controle sobre a convivência, as diversões e
até sobre a leitura adequada a crianças e adultos. O apego à infância deixa de se exprimir
pela brincadeira e passa a ser veiculado por meio da preocupação moral.
O 1º sentimento de infância nasceu na informalidade do convívio social e familiar. O 2º
sentimento de infância surgiu fora da família, entre os eclesiásticos, os homens da lei e o
moralistas, preocupados com a racionalidade dos costumes e com a disciplina. Essa nova
doutrina moral influenciou fortemente o papel da família e o modelo educacional vigentes
até os dias de hoje.Determinou também o deslocamento da vida social do espaço público
para o espaço privado. É a partir dessa época que o castigo corporal se generaliza, tornando-
se uma característica da nova atitude diante da infância.
Concomitantemente, na sociedade, uma concepção autoritária,hierarquizada e absolutista
ganha hegemonia. Cabe destacar que essas mudanças nas representações sociais sobre a
família e sobre a infância não ocorreram da mesma maneira entre ricos e pobres ou com
relação a meninos e meninas.A intimidade da vida privada, em oposição à convivência
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A educação das crianças ocorria na convivência com pessoas mais velhas já que eram
inseridas muito cedo na vida adulta.
Nessa época, era muito comum o convívio com muitos. Vida coletiva era bem retratada até
mesmo nos espaços físicos. As casas tinham grandes salões onde a “multidão” convivia em
uma “quente sociabilidade”.
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A IMPORTÂNCIA DA INFÂNCIA
Como vimos o sentimento de infância presente na sociedade moderna, nem sempre recebeu
muita importância, de modo que durante a idade média, inexistia um sentimento de infância
e ainda menos de adolescência.
Até o século XVIII a adolescência foi confundida com infância. A criança era vista como
adulto em miniatura e logo que apresentava algum desenvolvimento misturava-se ao mundo
dos adultos, participando das mesmas atividades como festas, jogos e brincadeiras.
Nessa época a família não tinha função afetiva, sendo que na Idade Média ''era muito mais
uma realidade moral e social que sentimental". Assim, como dito antes, as crianças não
tinham valor, pois a infância era desconhecida, sendo só um período de transição, tanto queo
número elevado de óbitos de crianças acontecia sem muito lamento pela perda, já que o
índice de natalidade também era elevado. Era presente o sentimento de que a reprodução era
para que se tivesse várias crianças, de modo que algumas delas pudessem ser conservadas,
preservando-se, assim, a ideia da procriação (reforçando a inexistência de um sentimento
pela infância na época).
A evolução do sentimento da infância também pode ser percebida na análise dos trajes,
jogos brincadeiras, noções de sexualidade e escolaridade. Na Idade Média, o traje da época
denunciava o quanto à infância era então pouco particularizada na família, pois o traje nada
separava a criança do mundo do adulto. Segundo Ariès "assim que a criança deixava os
cueiros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno do seu corpo, ela era vestida
como os outros homens e mulheres de sua condição". Tal fato torna-se compreensível frente
à inexistência de um sentimento de infância. Diante da concepção de criança que se tinha na
época não havia porque existir preocupação relativa ao conforto e ao próprio mundo
infantil. As análises de Ariès para justificar sua tese da ausência do conceito de infância
basearam-se, também, nos apanhados do diário de um francês chamado Heroard, médico do
rei Henrique IV, e este último, pai do príncipe Luis XIII (1610-1643). Este príncipe foi alvo
de detalhados relatos no diário do médico, onde descrevia minimamente os fatos cotidianos
da vida do chamado pequeno infante. Um leitor moderno do diário em que Heroard anotava
os fatos corriqueiros da vida do jovem Luis XIII pode ficar confuso diante da liberdade com
que se tratavam as crianças, da grosseria das brincadeiras e da indecência dos gestos cuja
publicidade não chocava a ninguém e que, ao contrário, pareciam perfeitamente naturais.
Nenhum outro documento poderia dar-nos uma idéia mais nítida da total ausência do
sentimento moderno da infância nos últimos anos do século XVI e início do XVII.
De acordo com o medievalista James A. Schultz, citado por Heywood, por cerca de dois mil
anos, desde a Antiguidade até o século XVIII, as crianças no Ocidente, eram consideradas
como sendo adultos imperfeitos, sendo e totalmente subordinadas aos adultos. Desse
modo, a idéia da infância estava ligada essencialmente à idéia da dependência. Se saía da
infância quando se atingia os mais baixos graus de dependência. Esse período era tão breve e
insignificante que a criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato, que pode ser
explicado pelo alto índice de mortalidade infantil, que tornava a infância demasiado frágil
para ganhar um lugar significante.
Essa etapa da vida provavelmente seria de pouco interesse, para os escritores medievais e,
assim, somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as
crianças são especiais, sendo dignas de serem estudadas.
Para Heywood, essa generalização com relação a períodos e lugares não é capaz de resistir a
uma análise mais rigorosa. No entanto, ele considera que a comparação entre criança
“imperfeita” (concepção medieval) e criança mística (concepção dos românticos do século
XIX) é uma ação bastante instrutiva. (...) Aristóteles acreditava que apenas os homens no
vigor dos anos seriam capazes de julgar corretamente a outros, dado que os jovens exibiam
demasiadamente confiança, e os velhos, confiança de menos. Sendo assim, o conceito
aristotélico de criança via esse menino (pois eram meninos que geralmente se tinham em
mente) como sendo “importante não por si mesmo, mas por seu potencial”.
Em 1998 esses autores, juntamente com Chris Jenks, defenderam abordagens sociológicas,
das quais três são consideradas relevantes para os historiadores:
A infância deve ser compreendida como uma construção social, de modo que os
termos “criança” e “infância” serão compreendidos de formas distintas por sociedades
diferentes, afinal a imaturidade das crianças é um fato biológico, mas a forma como ela é
compreendida e como atribuem significados é um fato cultural.
A criança é uma variável da análise social, a ser analisada em conjunto com outras,
como a famosa tríade classe, gênero e etnicidade. Uma categoria relacionada à idade, como
a infância, não pode ser investigada sem que se faça referência a outras formas de
diferenciação social que a intersectam. Uma infância de classe média será diferente daquela
vivida no seio da classe trabalhadora, os meninos provavelmente não serão criados da
mesma forma que as meninas etc.
As crianças devem ser consideradas como partes ativas na determinação de suas
vidas e das vidas daqueles que estão a seu redor, afinal, as relações entre adultos e crianças
podem ser descritas como uma forma de interação, na qual os pequenos têm cultura própria
ou sucessão delas (as crianças não são receptáculos passivos dos ensinamentos dos adultos,
como pensavam os neobehavioristas; pesquisas sociais recentes indicam ser um engano
atribuir aos pais o papel de modelo e às crianças o de seguidoras).
Esse novo paradigma das ciências sociais influenciou e foi influenciado pela historiografia
sobre a infância, tanto que os historiadores contribuíram para um reconhecimento da
construção social da infância no qual as comparações no decorrer do tempo foram
instrutivas quanto as de caráter intercultural.
O livro "História social da criança e da família" adequado aos cientistas sociais nos anos
1970 por afirmar que na sociedade medieval o sentimento da infância não existia
desencadeou uma série de debates estritamente históricos, sendo discutido se o período
medieval tinha realmente uma consciência da infância, os períodos fundamentais na
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“descoberta da infância”, a natureza das relações entre pais e filhos nos diversos períodos e
o papel das escolas etc.