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Os agentes agroflorestais

indígenas do Acre
Fabricio Bianchini e
Paola Cortez Bianchini

Os povos indígenas no Acre Atualmente, o Acre abriga uma das maiores


sociobiodiversidades do planeta: possui 14 diferentes povos
A partir do século XIX, o território hoje compre- indígenas, falantes de três famílias lingüísticas: Pano, Aruak
endido como o estado do Acre foi invadido por frentes de e Arawá (ver Quadro). Eles habitam 34 terras indígenas,
ocupação brasileiras e peruanas, que chegaram para a extra- ocupando uma área de aproximadamente 2,4 milhões de
ção do látex da seringueira (Hevea brasiliensis) e do caucho hectares, o que corresponde a 14% do território do estado.
(Castilloa ellastica), ambos comercializados como matéria- A população indígena no Acre é estimada em 13,3 mil pes-
prima para a produção de pneumáticos, elemento básico da soas e o povo mais numeroso é o Kaxinawá (cerca de seis mil
indústria automobilística. pessoas). Ainda podem ser encontrados índios isolados, com
Estima-se que, no período anterior à chegada pouco ou nenhum contato com a sociedade não-indígena,
dos seringalistas, existiam cerca de 50 povos indígenas na nas áreas de fronteira com o Peru.
região. O contato entre esses povos e os exploradores resul- Entretanto, a conquista do território demarcado
tou nas correrias, termo que representa a fuga dos índios rio trouxe novos desafios para as populações indígenas. Além
acima visando escapar do massacre físico e cultural promovi- da vigilância e fiscalização de suas terras, a gestão territorial
do pelos seringalistas, e no cativeiro, ou seja, a captura e e ambiental e as relações sociais e econômicas com as comu-
escravização dos indígenas para o trabalho nos seringais. nidades do entorno passaram a figurar entre as preocupa-
Com a crise nos preços da borracha, no final da déca- ções desses povos.
da de 1970, muitos seringais foram desconstituídos. Foi tam-
bém nesse período que lideranças indígenas iniciaram as lutas O surgimento dos agentes
pelos seus direitos1. As décadas seguintes (1980 e 1990) foram agroflorestais indígenas como novos
marcadas pela consolidação da identificação e demarcação dos
territórios tradicionais e configuram o Tempo dos Direitos, pos- atores no processo organizativo
teriormente chamado de o Tempo do Governo dos Índios no
Acre, quando as comunidades indígenas se organizaram para A Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/Acre) é uma
estabelecer seus próprios projetos de vida, assumindo o proces-organização não-governamental criada em 1979 com o ob-
so de autogestão de seus territórios. jetivo de prestar assessoria às populações indígenas em suas
lutas pela conquista e o exercício de seus direitos coletivos.
Quadro. Famílias lingüísticas e etnias indígenas no Acre Assessora também iniciativas inovadoras voltadas à formu-
lação, execução e acompanhamen-
Família to de políticas públicas nas esferas
Pano Aruak Arawá
Linguística federal, estadual e municipal.
Apolima-Arara; Visando superar os
Jaminawa; novos desafios relacionados à
Jaminawa-Arara; qualidade de vida das populações
Katukina; indígenas, a CPI/Acre deu início,
Kaxinawá; Ashaninka; em 1983, a atividades educacio-
Etnias Kulina
Naua; Manchineri nais junto a professores indíge-
Nukuni; nas. Essas ações são voltadas
Poyanawa;
1
Shanenawa; Essas lutas foram apoiadas pela Fundação Naci-
onal do Índio (Funai), assim como por outras en-
Shawãdawa; tidades , como o Conselho Indigenista Missioná-
Yawanawá rio (Cimi), criado em 1972 pela Igreja Católica, e
a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/Acre), fun-
Fonte: Comissão Pró-Índio do Acre. dada em 1979

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Fotos: Arquivo CPI/AC
para a formação básica e tradicionais de reprodução e domesticação de plantas de-
profissionalizante de jo- monstram quão valiosos são esses conhecimentos, que po-
vens e adultos por meio de dem ser facilmente identificados ao observarmos a imensa
um processo de formação diversidade de espécies e variedades existentes em seus ro-
continuada nas áreas de çados e SAFs tradicionais. As intervenções realizadas pelos
educação, saúde, agricul- povos indígenas nos ecossistemas, como a prática de aber-
tura e meio ambiente. tura ou enriquecimento de roçados e clareiras, são orienta-
Dessa forma, das no sentido de incrementar a diversidade das espécies,
agentes de saúde indíge- por meio da seleção e reprodução das plantas de interesse.
nas também passaram a Exemplo disso são os sistemas agroflorestais inovadores que
ser formados em progra- vêm sendo implantados nas terras indígenas. Ao introduzi-
mas permanentes nos rem espécies exóticas e nativas, como palmeiras, plantas
quais desenvolvem-se prá- medicinais, frutíferas e plantas de ciclo anual para atração de
ticas de promoção da saú- caça, os indígenas procuram estabelecer uma analogia eco-
de integradas às ações nos lógica entre os SAFs e os ecossistemas naturais.
campos do manejo agríco- A proposta pedagógica utilizada na formação dos
la e florestal e de sanea- AAFIs articula quatro diferentes modalidades: os cursos in-
mento básico das aldeias. tensivos presenciais, que ocorrem em Rio Branco; as ofici-
Temas como segurança nas itinerantes e as assessorias, que ocorrem nas terras indí-
alimentar e plantas medici- genas; e os intercâmbios, que são visitas para troca de expe-
nais fazem parte do conteú- riência entre os grupos. Todas as ações são conduzidas se-
do dessa formação, permi- gundo processos de comunicação bilíngüe e intercultural,
tindo o relacionamento en- metodologia esta que se tornou referência nas políticas
tre os debates sobre alimen- indigenistas contemporâneas no Brasil2. Por meio do con-
tação, saúde e meio ambi- ceito de autoria, aplicado nas práticas de ensino e aprendi-
ente. zagem, os agentes agroflorestais são incentivados a identifi-
car, analisar e sistematizar conhecimentos sobre os ambien-
Em 1996, como
tes naturais e sociais em que vivem, bem como formular
resultado da formação dos
proposições para as questões relacionadas ao desenvolvi-
professores indígenas e dos
mento local. Ao mesmo tempo, repassam tais conhecimen-
agentes indígenas de saú-
tos organizados a outros (Nietta, 2007).
de, percebeu-se a necessi-
Os cursos intensivos ocorrem uma vez ao ano,
dade de um novo processo
no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF),
educacional que contemplasse a questão da gestão
um sítio de 31 hectares onde, durante os cursos de for-
territorial e ambiental, articulando-a ao tema da seguran-
mação, são implantados modelos demonstrativos de sis-
ça alimentar. Surgiu assim a proposta de formação dos
temas agroflorestais, horta ecológica e criatórios de
agentes agroflorestais indígenas (AAFIs), novos atores
quelônios, peixes, animais domésticos de pequeno porte
sociais responsáveis por realizar um trabalho educativo e
e abelhas nativas. Os eventos envolvem turmas de 20 a
participativo junto às comunidades indígenas e seu en-
40 indígenas de diversas etnias e regiões do estado do
torno para garantir que a gestão dos territórios proporci-
Acre e possuem carga horária aproximada de 300 horas/
one mais qualidade de vida para as populações que neles
aula, distribuídas em 30 a 45 dias. Os conteúdos aborda-
vivem. Os AAFIs atuam na implementação e experimen-
dos nos cursos são organizados em duas áreas distintas:
tação de tecnologias inovadoras voltadas para a promo-
nos domínios do saber da formação profissionalizante que
ção de maiores níveis de segurança alimentar e nutricional.
incluem os temas do manejo agroflorestal e de recursos
Essas inovações abrangem práticas em sistemas agroflorestais
naturais, e os domínios do saber da formação básica que
(SAFs), de criação racional de animais domésticos e silves-
englobam, entre outras disciplinas, as línguas indígenas e
tres, monitoramento ambiental e manejo agroextrativista.
portuguesa, química e biologia, todas abordadas tendo o
Atualmente o Setor de Agricultura e Meio Ambiente da
tema do meio ambiente como eixo gerador.
CPI/Acre trabalha com a formação profissionalizante de 126
As oficinas itinerantes possibilitam a formação
jovens e adultos indígenas, de dez povos, em 21 territórios
dos AAFIs e demais comunitários das aldeias. As assessorias
no estado do Acre e sudeste do Amazonas.
são os momentos de formação em que os assessores da CPI/

A proposta pedagógica e técnica 2


O trabalho educativo de autoria inspirou as diretrizes de políticas federais no Minis-
tério de Educação. O Referencial Curricular Nacional de Escolas Indígenas e o
Os povos indígenas detêm um amplo e comple- Referencial Para a Formação de Professores Indígenas foram elaborados sob a coor-
xo conhecimento sobre como utilizar recursos naturais para denação de Nietta Lindenberg Monte, que contou com uma equipe da qual partici-
atender as demandas de suas comunidades. As estratégias param muitos dos assessores e consultores da CPI/Acre.

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Fotos: Arquivo CPI/AC
Acre realizam visitas às terras indígenas com o objetivo de ciliares. Essa diversidade de ambientes onde os SAFs são implan-
acompanhar os trabalhos dos AAFIs em seus contextos tados associa-se também a diferentes composições florísticas
socioculturais, ambientais e políticos específicos. Já os in- dos mesmos, aspecto esse que favorece tanto os processos eco-
tercâmbios proporcionam a aprendizagem por meio da tro- lógicos quanto a segurança alimentar das comunidades indíge-
ca de experiência e da observação e contato com outras realida- nas. Com o enriquecimento de áreas de mata e de capoeira, as
des (geográficas, ambientais, culturais, políticas e econômicas). queimadas para implantação de novos roçados ou para abertura
Atualmente a Comissão Pró-índio do Acre bus- de áreas de pastagem deixam de ser praticadas. Esse fato tem
ca o reconhecimento da formação dos AAFIs como curso possibilitado que as atividades de coleta de frutas e de ma-
técnico profissionalizante. Em 2002, foi fundada a Asso- deira para a construção de casas, bem como a caça, possam
ciação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indíge- ser realizadas a distâncias menores das aldeias.
nas do Acre (Amaaic), responsável por realizar parcerias e O trabalho de implantação e manejo dos SAFs é
articulações com as instituições governamentais e da so- basicamente realizado pela família, envolvendo homens,
ciedade civil, em defesa da categoria social dos agentes mulheres e crianças. Em geral ele se inicia com o cultivo das
agroflorestais e populações indígenas de maneira geral. culturas anuais consorciadas com diferentes espécies frutí-
feras (exóticas e nativas) e florestais de uso múltiplo, que
Os conceitos e as práticas em ação são introduzidas por meio do plantio direto das sementes ou
por mudas produzidas em viveiros. Associa-se também aos
Em conjunto com suas comunidades, compe- SAFs a criação de animais silvestres e domésticos, como
te aos AAFIs a produção de alimentos para todos os seres peixes, aves, suínos, abelhas indígenas e quelônios. Dessa
da floresta, a manutenção e reprodução das práticas agrí- forma, procura-se desenvolver modelos sustentáveis de ma-
colas milenares de seus povos e a reflexão crítica sobre as nejo e criação desses animais.
práticas interculturais. Nesse sentido, o trabalho de pro- O reconhecimento e a valorização dos AAFIs nas
moção dos sistemas agroflorestais e as atividades de ma- comunidades ocorrem à medida que os resultados positivos
nejo da fauna tornam-se espaços privilegiados para o de seus trabalhos vão sendo percebidos. O incremento da
enfrentamento conjunto desses desafios: produção de ali- segurança e da diversidade alimentar nas aldeias, a
mentos, recuperação e preservação ambiental e integração regionalização da merenda escolar, a recuperação de áreas
de saberes tradicionais com novos saberes. degradadas, o fortalecimento das economias familiares por
Como já foi mencionado, o AAFI planeja suas intermédio da comercialização da produção excedente e o
ações juntamente com a comunidade da qual faz parte. A enriquecimento dos conhecimentos são alguns dos efeitos
participação e cooperação dos demais atores, como o pro- diretos desses trabalhos.
fessor indígena, o agente de saúde e as lideranças, são essen- Nesse sentido, o trabalho de formação de AAFIs
ciais para que a comunidade indígena crie melhores condi- tem permitido que agentes locais tenham acesso a novos
ções para superar os desafios relacionados à manutenção e à conhecimentos e atuem no fortalecimento das organiza-
reprodução de sua cultura. As lideranças tradicionais perce- ções locais e na coesão comunitária a partir da construção
bem os AAFIs como mensageiros, que trazem novidades de ambientes propícios ao diálogo e à experimentação de
para dentro das terras indígenas. Suas mensagens são discu- inovações em suas comunidades e entornos.
tidas, experimentadas e em geral são incorporadas e adapta-
das localmente. Esse diálogo efetivo com as lideranças mais
antigas garante que o exercício da interculturalidade Fabricio Bianchini
vivenciado nos processos de formação fortaleça a coesão engenheiro agrônomo, assessor do Setor de Agricultura
social dos grupos indígenas. e Meio Ambiente da CPI/Acre
Os SAFs podem ser observados em várias unidades fabricio@cpiacre.org.br
da paisagem das terras indígenas: nas capoeiras enriquecidas,
nos roçados antigos, nas trilhas, nos varadouros e nas matas Paola Cortez Bianchini
mestre em Agroecossistemas, coordenadora da área
3
O centro é reconhecido como escola de formação de professores pelo Conselho técnica agroflorestal da Escola da Floresta (IDM/AC)
Estadual de Educação do Acre. cortez_12@yahoo.com

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