Sei sulla pagina 1di 10

A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO ESPAÇO UNIVERSITÁRIO

Autores

Adriana Doyle Portugal

João Carlos Bernardo Machado

Luiz Dias do Nascimento Filho

Tânia Cristina da Conceição Gregório

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

1. Palavras iniciais: o que se entende por currículo

Este trabalho surgiu de reflexões que se inspiraram nos debates do grupo de pesquisa,
Educação, Filosofia e Conhecimento – que se reúne todas as quartas-feiras na UERJ
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro) –, em relação ao modelo curricular universitário
que materializa, de forma conjugada, um conjunto de problemas que se delineiam em relação
à construção do conhecimento na história da educação, no mundo e, em especial, na América
Latina. Problemas estes que se estabeleceram a partir do processo gerenciador de uma lógica
que submete o indivíduo a estratégias de conhecimento ratificadas pela eficácia do
desempenho e pela produção sob a hegemonia capitalista.

A organização curricular é elemento decisivo na formação universitária, pois representa a


composição do conteúdo da formação acadêmica. É importante, porém, que esta organização
tenha como pressuposto a formação do pensamento científico que vise formar o aluno, de
quem se espera “competência questionadora reconstrutiva” (Demo, 2005: 55) e não a simples
reprodução de saberes transmitidos durante a formação acadêmica. É, pois, imprescindível,
que o currículo universitário tenha como meta, como desafio, educar pela pesquisa, a partir de
bases epistemológicas que assegurem não somente a formação do profissional, mas,
sobretudo, a formação de pesquisadores para a produção de conhecimento científico.

Quando se fala em competência tem-se em mente o desafio da qualidade (a partir da inovação


pelo conhecimento) e da política (a partir da intervenção social) necessárias no âmbito da
formação universitária. Pretende-se que a competência implique processo de formação do
sujeito histórico, capaz de construir e desconstruir, capaz de romper com as evidências e acima
de tudo inovar a própria formação.

É neste sentido, que este artigo pretende responder a seguinte questão: como resgatar a
formação do sujeito-pesquisador a partir de um movimento de problematização e ruptura da
organização curricular universitária?

2. Notas sobre a formação universitária: o currículo hoje

Nestes tempos, que alguns batizaram de pós-modernos, predomina em certos ambientes


acadêmicos uma visão da história – bem como das demais ciências sociais – que as vê como
meras construções ou representações, sob diversos signos de um poder (entendido à maneira
de Nietzsche) evacuador de saberes alternativos. Tais disciplinas são entendidas como algo a
abordar só hermeneuticamente. Em outras palavras, não haveria história e, sim, histórias de e
para determinados grupos definidos por dadas posições – constituindo estes lugares de onde
se fala -, o que significa que, ao escrever, um historiador se dirige a um destes grupos, aquele
que partilhe com ele as premissas que constróem o seu discurso. Existiria, então, uma história
das mulheres, uma histórias de negros, uma história dos homossexuais, em relação a Chipre
uma história grega e outra turca etc. (Ciro Flamarion Cardoso, 2006: 89).

Para melhor discorrer sobre esse tema, faz-se necessário perceber que o conhecimento ganha
referência e qualificação, no contexto histórico, quando essa nova lógica científica leva a
objetividade a ser entendida como a isenção e neutralidade do sujeito cognoscente, e a
racionalidade passa a ser entendida como a capacidade do sujeito ter essa isenção (Frigotto,
2001). O que se percebe é que o currículo acadêmico se inspira nas ideologias educacionais
positivistas, que constitui uma teoria formada e organizada por um arcabouço de análises
atemporais, ou seja, saber como e onde ela possa ser aplicada de forma útil para que haja
produção e sucesso. Assim, a pedagogia se mostra como um novo mediador que é demandado
e que, especificamente, tem uma forma especial de tratar as teorias como uma imposição
histórica na atual lógica social por conta do argumento desenvolvimentista. Este, no entanto,
salvaguardado pelo sistema capitalista no seu conjunto ideológico.

O que se percebe é que a pedagogia que rege a educação se submete como elemento central
ao mecanismo imperialista. Seus tratados supostamente requerem uma engrenagem que mova
os segmentos da sociedade à consciência de valorização do indivíduo mediante uma nova
pedagogia que promova o fazer de forma prazerosa. Essa pedagogia carrega uma pretensão de
desenvolver competências e assegurar, quer por discursos ou projetos, um perfil que se
manifeste no sujeito por modalidades de aprendizagem, que se estendam desde o fazer, como
espécie de interação circunscrita entre a teoria e a prática, até ao perfil do sujeito do consumo.
Frigotto (2001) nos aclara, ainda, que tal pedagogia, com mais ou menos destaque acadêmico,
deve conduzir o sujeito aos critérios das políticas de formação educacional, a uma consciência
das circunstâncias ambientais, a uma prática esportiva e, sobretudo, à construção de um
currículo profissional cujos parâmetros, que o autenticam, devem versar pela experiência – o
saber-fazer – efetivado pelo relato e consensualidade.

Diante de todo esse processo de formação, em que o sujeito percorre o caminho acadêmico
inspirado no pragmatismo para construir o conhecimento, a reflexão sofre um agravo: limitar-
se à experiência prática.

Neste sentido, ressalva Frigoto (2001), se configura um conceito que pode ser compreendido
por duas vertentes: a primeira é o que se constitui no processo de formação do sujeito, ou seja,
o desempenho autentica e valoriza a experiência adquirida pelo ciclo de atividades; a segunda
valoriza a observação da prática para realização de uma outra prática. Percebe-se que nos dois
casos, por mais que se force um fomento à reflexão sobre o real, prioriza-se a experiência a
partir da prática e esta, pelo seu movimento, fortalece o processo educacional pela articulação
dos conteúdos.

Esta nova lógica educacional contemporânea, ativa por algumas décadas, tem argumentado,
através de um enunciado científico, uma perspectiva de conhecimento que tem como
pressuposto a eficienciabilidade na construção do conhecimento, que se destaca pelo ideário
psicológico, – observa-se nesse ideário, que o ser tem prioridades ontológicas1 em relação à
consciência – e age como instrumento de ajustamentos social,político e econômico buscando,
por um materialismo não dialético, uma prática social que estabelece o sensorial como uma
racionalidade. Todavia, é sabido que o papel da atividade humana na elaboração do
conhecimento perde o sentido original. Isto porque, se tomarmos o exemplo da Literatura
como uma expressão da realidade, a consciência se torna passiva, pois será capaz de ressaltar
apenas, pelo tempo e visão, parte dessa realidade.

Esse materialismo não dialético, na aparência daquilo que é detectado para dar conta de uma
construção qualquer sobre a realidade, sugere a sensibilidade do ser como uma prioridade que
organiza o conhecimento, mas que utiliza o desempenho e a prática como método para ajustar
à produtividade a ação. Como intenção madura, o esforço que é feito tende a proporcionar
uma ética individualista, que, no espaço acadêmico, agrava a idéia de se construir o
conhecimento financiado pela competência, competitividade e habilidade e que estabelece a
empregabilidade como equivalência constitutiva de uma sociedade capaz de enfrentar e
superar a miserabilidade por ela.

Um outro segmento dessa cultura educacional se estabelece pelo princípio da padronização e


neste ponto, comenta Frigotto (2001), as considerações em relação ao indivíduo sofrem
inquietações não só pelo arcabouço pragmático, bem como, pela moral ideologizada que
celebra o senso comum como uma categoria de conexões e disjunções para o bem–estar
coletivo. Todavia, esse caminho, segundo as observações de Gramsci (Frigotto, 2001),
proporcionaria um estado de letargia capaz de poluir as relações entre o ser e a realidade. Por
conta disto, as velhas relações sociais não cederiam às novas oportunidades de
empreendimentos pedagógicos que pudessem propor ao sujeito a reflexão. Os riscos, nessas
circunstâncias, continuam, supõem, com essa visão pós-moderna de mundo, que o paradigma
não passa de uma crença e que se apresenta apenas como referência circunstancial.

Neste sentido, mencionamos que a expectativa gerada pelo pragmatismo, na


contemporaneidade, produz uma nítida desvalorização do conhecimento construído. Isto
porque, a observação que se faz dessa inserção social prende-se ao fato de estabelecer a
prática como referência de saber. Por conta disto, o referencial teórico que caracteriza a
racionalidade como veio utilizado para construir o conhecimento, fica exilado nos porões da
memória e esta se ocupa, apenas, em pontuar e agendar práticas. A teoria está desprestigiada
porque se prioriza o detalhe – aquele que se tornou imprescindível no processo entre a ação, o
desempenho e o resultado. Por conta dessa realidade, compreende-se, com clareza, que o
ditado, as regras, o desempenho e o fazer assumiram um papel preponderante na conjectura
ideológica na educação na contemporaneidade.

Assim, não há dúvida que esse modelo de transmissão de conhecimentos consagrou-se


centralmente pelas práticas de transmissão de saberes, negando ao discente o direito ao
ajuizamento e à produção do conhecimento em si. Portanto, conhecer a realidade pela razão.
Isto denuncia que o modelo educacional vem se organizando com base na crença de que a
verdade, elaborada a partir da lógica científica, é dogma de fé, absolutamente consagrado pelo
agente da cultura científica e, conseqüentemente, fechado em si mesmo, protegido e alienado
do juízo do outro. Pode-se dizer, então, que essa concepção de verdade contribuiu, de forma
expressiva, para o desenvolvimento do conceito de aprendizagem, entendido, não como
construção de conhecimentos, mas sim, como definição e imposição de um juízo preconcebido
numa esfera distante do espaço acadêmico e sobre ele prevalece. Assim se estabelecendo, a
universidade assume, então, o papel de formar muito mais o indivíduo cultural do que o sujeito
da ciência. Aquele que ocupa lugar na sociedade e a ela e dela provê saberes para seu
desenvolvimento.
As práticas de ensinar, em detrimento do ajuizamento e do conhecimento que lhes deu corpo,
imputariam à aprendizagem um caráter passivo, no interior da qual a única atividade cognitiva
possível é a interpretação da realidade, a produtividade, a produção e a busca pela significância
que revela uma verdade legitimada do conhecimento e que se mostra preponderante sobre
outros juízos possíveis dessa realidade. Isto porque, os fatos, o poder, o acontecer se
estabelecem pela capacidade que é transferida por treinamentos e não pela capacidade
desenvolvida pelo ser epistemológico.

*1 Neologismo criado no século XVII para descrever a metafísica geral da cosmologia,


psicologia e teologia – Dicionário Kant – Howard Caygill – Zahar. 1995.

*2 Nota do autor: a este respeito, ler Triviños (1987:97).

*3. Problemas teórico-metodológicos da formação universitária: a não polemização do


currículo.

Na atual conjuntura da sociedade é de fundamental importância que se efetive um debate


sobre a formação que se implementa no espaço universitário. Não se torna propósito neste
trabalho nos atermos a discussões com base na crítica à legislação vigente e à realidade
constatada nas instituições formadoras. Assim, nos ateremos àquilo que entendemos
constituir-se como problema dentro desses espaços: as bases epistemológicas em que se
assenta o currículo universitário.

Nas palavras de Bachelard (1996:10), “uma cabeça bem feita é infelizmente uma cabeça
fechada”, e uma cabeça fechada “é produto da escola”. Entendendo a universidade como uma
escola de formação superior que visa o fomento ao mercado de trabalho e ao desenvolvimento
da sociedade, perguntamo-nos até que ponto e em que medida ela não tem sido um espaço de
formação de cabeças fechadas? Ou, formulado de outra forma, tem sido o currículo um
diferencial para a formação do pensamento crítico e do pensamento científico?

Passemos, pois, a argumentos que possam nos fornecer pistas sobre os problemas
epistemológicos que possam ainda ser parte dos bastidores do cenário universitário e que se
escondem por detrás das cortinas; cortinas essas que podem ser matizadas pelas diferentes
cores do empirismo (manifestado de forma mais influente pelo ideal positivista), pela descrição
da fenomenologia, pelo simples racionalismo ou mesmo pela ideologia que se esconde no
“tudo vale” (Feyerabend, 1989:09). A essas cortinas chamaremos, por analogia, de “obstáculos
epistemológicos”, entendidos a partir da epistemologia bachelardiana.

Bachelard enfatiza em suas obras que o conhecimento comum é nefasto à formação do


conhecimento científico. Considerando que o currículo é essencial para a formação do
cientista, do pesquisador, toda e qualquer forma de conhecimento baseado no espontaneismo
do senso comum impede a formação científica e, consequentemente, a objetividade do
conhecimento e de sua produção. Assim, um currículo cujas bases se assentem no empirismo
tem nas experiências imediatas, na leitura do cotidiano e na imposição da subjetividade sobre
o objeto, seu paradigma de formação. O ato de ensinar e de aprender, dentro deste currículo,
pretensamente dá-se em função de um real concreto, apreensível, observável, constante,
sempre ao alcance do pensamento aberto às primeiras imagens. Não raramente, centra-se no
professor a ação explicadora do conhecimento; ao discente cabe o papel de espectador ou
relator. Contrapondo-se a essa formação curricular, Bachelard nos diria que o princípio
pedagógico fundamental é: quem é ensinado deve ensinar. Quem recebe instrução e não a
transmite terá um espírito formado sem dinamismo nem autocrítica; (...) esse tipo de instrução
cristaliza no dogmatismo o conhecimento que deveria ser um impulso para a descoberta [e]
não propicia a experiência psicológica do erro humano. (1996:300).

O ensino dos resultados da observação imediata nunca é um ensino científico. Se “a linha de


produção que levou ao resultado” não for explicada e problematizada, “pode-se ter certeza de
que o aluno vai associar o resultado a suas imagens mais conhecidas. É preciso que ele
compreenda. Só se consegue guardar o que se compreende” (1996:289) e só se consegue
compreender quando se produz sobre aquilo que se compreende. E essa produção é sempre
retificação dos erros, é sempre ruptura com os conhecimentos imediatos, com aquilo que se
tem diante do que se espera ter.

Semelhantemente, quando o currículo se assenta somente nas bases expressas pela


fenomenologia, ainda há, segundo Bachelard, uma forma de empirismo, apoiado no realismo,
pois nesta corrente de pensamento, embora diferentemente do positivismo, o que se busca no
objeto dado é o que não é visto, ou seja, a sua essência; para tanto o sujeito é fundamental,
pois é sua intencionalidade que constrói o objeto na consciência, ou seja, o objeto dado é
intencionado pela consciência. Assim, todo conhecimento assenta-se na consciência
intencional do sujeito que descreve a realidade numa tentativa de compreendê-la em sua
essência. A esse obstáculo fenomenológico Bachelard chama de “psicologismo”, cuja
superação, no seu entender, não é fácil, pois “desde que se queiram descrever coisas simples,
vê-se complicar a filosofia da descrição” (Bachelard, 1977:23-24), que não consegue dialetizar
o claro e o confuso na descrição da realidade.

O positivismo e a fenomenologia têm sido muito observados nos currículos de formação


universitária. Não raramente se percebe esta influência em muitos trabalhos de conclusão de
curso – monografia, dissertações e teses –, o que denota a presença destas correntes ao longo
da formação do universitário. A primeira – o positivismo – apoiando-se no método da
observação com o propósito de constatar, de entender, de relacionar e estabelecer
contigüidades para por fim generalizar é notoriamente visível nos discursos isolados em que os
dados estatísticos falam por si, sem maior profundidade e separados do contexto em que deve
se inserir a formação universitária. Nesse sentido, a formação universitária deu espaço a uma
prática perniciosa: “o pesquisador de uma só pesquisa” (Triviños, 1987:31), amarrado ao dado,
que defrontado com a realidade fotografada, mas desconhecida teoricamente, manteve
empobrecida a dimensão que se observa ainda no campo da investigação científica,
especialmente no campo da educação. Quanto à adoção da fenomenologia, observam-se duas
vertentes: a primeira diz respeito à dificuldade de descrição da realidade. Um currículo
elaborado nesta perspectiva não leva em consideração a historicidade e a dinamicidade da
realidade que pretender descrever, daí surgirem investigações baseadas no sujeito ou no
fenômeno estudado, sem se buscar as causas que a elas se remetem.

Em educação, por exemplo, não são raras as pesquisas sobre o fracasso escolar, mas baseadas
nesse enfoque, não levam em consideração o contexto sócio-econômico-cultural que pode
estar associado a esse fenômeno2. A outra vertente da fenomenologia que se observa com o
advento deste enfoque, são as pesquisas de cunho antropológico com forte presença do
interacionismo (Triviños, 1987:48).

Ainda sobre a influência da fenomenologia, destacamos seu papel nas faculdades de formação
do educador – os cursos de pedagogia –, com o surgimento das tendências sócio-
interacionistas (fortemente influenciadas pela psicologia e pela sociologia), que chegaram a
propor o chamado currículo construído pelos atores do conhecimento. Essa visão de currículo
surgiu em oposição à forma como o positivismo trabalhava o conhecimento. Os positivistas
reificaram o conhecimento, transformando-o num mundo objetivo, de ‘coisas'; essa reificação
teve conseqüências para a elaboração do currículo escolar em todos os segmentos da
educação. Este transformou-se numa “soma de informações que era transmitida e devia ser
assimilada pelos alunos” (Triviños, 1987:47); ele era essencialmente construído, elaborado,
terminado por equipe de especialistas e fundamentalmente alheio aos sujeitos do ensinar e do
aprender. O enfoque fenomenológico trouxe uma outra perspectiva para o currículo, pois
“baseada na interpretação dos fenômenos, na intencionalidade da consciência e na experiência
do sujeito, falou do currículo construído, do currículo vivido pelo estudante” (idem, idem).
Embora esta novidade na elaboração curricular tenha sido bem recebida em função do
momento por que passava a educação – a centralidade do conhecimento configura-se na
relação dialética professor e aluno. É importante ressaltar que esta formação curricular não
levará a uma produção do conhecimento, não encaminhará pesquisas, que busquem identificar
nas entrelinhas da formação curricular, seja em que segmento for, a presença das diferentes
faces da ideologia, por não ser esta a proposta da fenomenologia, que na busca da essência do
fenômeno, através da experiência pura, “elimina toda possibilidade de que ele se apresente
além da máscara que a ideologia pode oferecer” (idem:48).

Quanto ao racionalismo, apresenta-se no currículo universitário sob as diferentes abordagens


que pode ter o cartesianismo. A esse respeito Bachelard (1977:21) nos alerta que “o hábito da
razão pode converter-se em obstáculo da razão”, pois esta prática pode resultar em diferentes
formas de ordenação do saber e de fragmentação doconhecimento, assim como pode tornar-
se problemática a universalidade e a generalidade do conhecimento científico, pois o
formalismo, por exemplo, pode degenerar-se num automatismo do racional e a razão tornar-se
ausente de sua própria organização. É preciso, então, polemizar a razão, polemizar o
racionalismo cartesiano utilizado no espaço universitário. A sugestão de Bachelard, neste caso,
é uma revisão metódica do aspecto pedagógico do desmembramento dos conhecimentos
aconselhada por Descartes:

Essa revisão metódica tem ressonâncias filosóficas que deveremos ter em conta. Ela só tem
sentido se nos força a tomar consciência de nossa identidade racional através da diversidade
dos conhecimentos adquiridos. A ordem deles ordena-nos. E estamos, então, no centro de uma
dialética incessante. Só existe consciência de um desmembramento tão perfeito quanto
possível se existir consciência de certa arrumação dos pensamentos desmembrados. (...) o
desmembramento cartesiano tem duas funções: conservar os conhecimentos e mantê-los em
ordem, até que a consciência dessa ordem seja bastante clara para que a ordem dos
conhecimentos seja a maneira de lembrá-los. (Bachelard, 1977:21-22)

Esta revisão é, para Bachelard, um “ato puro do sujeito”, ao qual ele denomina de racionalismo
aplicado, configurando o ato racional de um espírito que se aplica a si mesmo; é a consciência
racional que se opõe à consciência empírica e que determina o caminho do conhecimento:
“não existe conhecimento por justaposição” (Bachelard, 1977:78), este se realiza por
descontinuidades, por rupturas, pela dialética entre a razão e a experiência (Bachelard: 79) que
se efetiva por um pensamento refletido. É preciso ter em conta, na organização curricular, que
o saber não é uma posse encerrada em um cofrezinho de três dimensões fechado de todos os
lados (idem: 74). É preciso, expô-lo, partilhá-lo e discuti-lo, no plano de um racionalismo crítico
que se volte para a construção e a produção do conhecimento. Pois precisamente, uma das
funções do ensino científico deve ser suscitar polêmicas; deve ser perturbar a racionalidade do
discípulo em benefício de uma racionalidade de mais ampla aplicação do mestre (Bachelard,
1977:29).
A necessidade da dialética do racionalismo é, para Bachelard, a forma de impedir a hegemonia
do pensamento racional cartesiano dentro do espaço universitário, pois “a identidade do eu
penso é tão clara que a ciência desta consciência clara é imediatamente a consciência de uma
ciência, a certeza de fundar uma filosofia do saber (...) garantido por um método, permanente,
fundamental e definitivo” (Bachelard, 1991:12). Segundo ele, esse “sucesso” pode colocar em
xeque as metodologias que pretendam ir em busca de novos conhecimentos que contradigam
conhecimentos anteriores.

Por fim, terminemos com o problema teórico-metodológico que julgamos ser da ordem
ideológica do ‘tudo vale’ (Feyerabend, 1989:34)3. Trata-se da influência das perspectivas
pragmatistas que imprimem um critério de valor ao conhecimento universitário. Ensinar e
aprender estão na lógica do utilitarismo e da lei do mercado. O currículo universitário adapta-
se às exigências do poder instituído e o legitima, inclusive na prática da produção do
conhecimento, em que diferentes pedagogias do fazer sobrepõem-se à pedagogia do conhecer.
Nas palavras de Bachelard, somente uma “filosofia do não” (Bachelard, 1991:129) pode ser
capaz de reverter a ordem dessa prática. A não ser que o currículo universitário tenha o
propósito de um uso empírico do conhecimento.

4. Palavras finais: pela formação universitária

Sabemos que a atual fase imperialista do capitalismo mundial tem exigido mudanças
significativas para as diversas dimensões da educação (tanto escolar quanto acadêmica), em
todos os países do mundo, trazendo, em especial, sérias conseqüências para a formação
universitária e para a construção dos novos currículos a ela correspondentes. A recente
reorganização da educação superior, oriunda, sobretudo, das recomendações de organismos
internacionais (como o Banco Mundial, FMI, OMC, OCDE, UNESCO e União Européia)4, tem
sido conseqüência de um movimento recente pela universalização de um modelo específico de
ensino superior, voltado para os interesses e necessidades do capitalismo contemporâneo e
para as demandas da organização e desenvolvimento da produção e do mercado capitalista.
Algumas importantes pesquisasacerca das mudanças na organização da educação têm
demonstrado que o suporte destas tem sido o pressuposto “de que o mercado é portador de
racionalidade sócio-política universal e, por isso, lhe devem ser subalternos os propósitos para
o ensino superior” (Moraes, 2006: 192). O processo de Bolonha, como efetivação deste
modelo de reorganização do ensino superior na Europa, revela, não somente o modo como a
educação tem-se adequado às exigências econômicas do capitalismo nas potências
imperialistas, como indica em que medida esta reorganização se articula com as mudanças no
ensino superior na América Latina (Moraes, 2006). Proclamadas por documentos oficiais do
FMI, BID, BIRD, CEPAL e OERLAC5 (os dois últimos organismos como representantes regionais
dos primeiros), as novas demandas para a educação têm sido uma exigência da então
reestruturação do capitalismo na América Latina, cujo objetivo central consiste em adequar o
ensino superior às exigências do neoliberalismo (Frigotto, 2003)6.

No Brasil, sobretudo a partir dos anos 90, a implementação de diretrizes, dispositivos legais e
emendas constitucionais tem servido como estratégia de adequação do ensino superior aos
interesses do imperialismo, através, também, das recomendações dos mesmos organismos
internacionais. De acordo com Moraes, estas exigências para a educação superior podem ser
resumidas assim:
. retração e descompromisso do Estado na manutenção – mas não no controle – da educação
superior, deixando esse nível, preferencialmente, nas mãos da iniciativa privada;

. empresariamento do ensino, com a gestão e a organização das instituições de educação


superior efetivadas à semelhança de empresas econômicas;

. processo de avaliação da excelência acadêmica inspirados em critérios de qualidade nos


moldes administrativo-empresariais (produto, custo/benefício);. privatização das universidades
públicas que devem diversificar suas fontes de recursos via cobrança de mensalidades,
contratos de pesquisa com empresas, venda de serviços e consultorias e, ainda, doações da
iniciativa privada... (Moraes, 2006:190)7

Este modelo de universidade operacional induz os programas de pós-graduação à lógica


corporativo-empresarial e reorganiza a pesquisa acadêmica dentro de uma orientação voltada
para a resolução de problemas práticos, em substituição à pesquisa voltada para a produção de
conhecimento científico. Neste modelo, os currículos passam a valorizar o senso comum em
detrimento da teoria, procurando orientar a formação curricular para a construção de saberes
voltados para a prática – o pragmatismo – , conforme já discutido neste trabalho. Aqui, tanto o
relativismo quanto o ceticismo epistemológico concorrem, junto às epistemologias neoliberais
(e pós-modernas) para a desvalorização da teoria e da produção do conhecimento científico na
formação universitária (Duarte, 2003)8.

É, portanto, dentro desta perspectiva – e diante das considerações teórico-metodológicas


apresentadas no decorrer deste trabalho – que a indagação acerca do currículo e da formação
acadêmica deverá ganhar um sentido mais amplo. A questão central que deve orientar uma
reflexão como esta, consiste em indagar sobre que tipo de formação pensamos ser necessária
frente a esta conjuntura? Que tipo de intelectual pensamos ser importante e necessário diante
desta realidade histórica?

A principal reivindicação que consideramos necessária frente à conjuntura atual refere-se à


formação teórica e crítica. Para elucidar esta perspectiva, será necessário apontar, em primeiro
lugar, o sentido que atribuímos à 'crítica' e, em segundo lugar, os elementos necessários para a
construção de um currículo voltado para ela.

Uma das importantes contribuições de Gramsci acerca do trabalho intelectual (e, portanto,
acerca também do trabalho de produção de conhecimento) consiste em defini-lo em relação
ao lugar que essa atividade ocupa na totalidade das relações sociais de produção (Duarte,
2006: 92), ou seja, o intelectual ocupa certo lugar nas relações de classe e assume
determinadas tarefas na sociedade da qual faz parte. Considerando a importância da produção
científica e tecnológica para o desenvolvimento do capitalismo e, também, das ideologias
dominantes para a sua estruturação e aperfeiçoamento, o intelectual crítico seria aquele que,
ao produzir conhecimento, estaria comprometido com a luta pela superação do próprio
capitalismo. Por isso diz Duarte: “a formação do intelectual crítico não dispensa o auxílio de
uma teoria crítica. Não existe nenhum tipo de pensamento crítico em abstrato, isto é,
desprovido de conteúdo” (Duarte, 2006: 94), ou seja, uma perspectiva crítica tem relação
intrínseca com a concepção teórica assumida, através da qual a crítica torna-se concreta. Por
isso, Duarte define como teorias críticas em educação “aquelas que, partindo da visão de que a
sociedade atual se estrutura sobre relações de dominação de uma classe social sobre outra e
de determinados grupos sociais sobre outros, preconizam a necessidade de superação desta
sociedade” (Duarte, 2006: 94)9.
Existem, neste sentido, dois importantes caminhos que devem orientar o trabalho do
intelectual crítico: a produção de conhecimento crítico (quando o trabalho volta-se para a
pesquisa acadêmica) e o trabalho de formação teórica e crítica (quando o trabalho volta-se
para a atividade docente). No primeiro caso, a produção de conhecimento crítico refere-se à
análise científica da realidade capitalista, bem como a crítica das relações que se estabelecem
entre a dinâmica do capital e a produção de conhecimento científico, ambos sob a luz do
materialismo histórico e dialético (Limoeiro, 1990). No segundo caso, o trabalho docente volta-
se para uma formação em que os discentes tenham acesso ao conhecimento teórico
historicamente acumulado. Para tal, torna-se fundamental um currículo acadêmico que
privilegie a formação teórica e crítica e o acesso ao conhecimento historicamente acumulado
pela humanidade, tanto para a formação universitária quando para a pesquisa científica. Estas
são condições para o processo de resistência e de ruptura com a atual e hegemônica tendência
de organização do ensino superior no Brasil e no mundo, sem as quais a superação do capital
permanecerá apenas utopia.

*5 Nota do autor: FMI (Fundo Monetário Internacional), BID (Banco Interamericano de


Desenvolvimento), BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), CEALC
(Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) e OREALC (Oficina Regional de Educación
para América Latina y Caribe).

*6 O autor aponta a “dominância das políticas neoliberais ou neoconservadoras” (2003:20)


como elemento decisivo desta nova fase do capitalismo na América Latina e no mundo. As
mudanças na Educação estariam baseadas em categorias como “sociedade do conhecimento,
qualidade total, educação para a competitividade, formação abstrata e polivalente” (2003, p.
19), redefinindo a “teoria do capital humano” (p. 19) sob novas bases.

*7 Grifos do autor.

*8 Newton Duarte tem demonstrado, em diversos trabalhos, o movimento de desvalorização


da teoria na formação acadêmica, revelando que as novas pedagogias e epistemologias pós-
modernas, na defesa do conhecimento tácito – afirmadas como os saberes do cotidiano – têm
proposto um currículo em que estes saberes cotidianos sejam valorizados, voltando a pesquisa
acadêmica para a resolução dos problemas cotidianos.

BIBLIOGRAFIA

Bachelard, Gaston. A formação do espírito científico. Tradução: Estela dos Santos Abreu. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1996

Bachelard, Gaston. A filosofia do não. Tradução: Joaquim José M. Ramos. Presença, Lisboa.
1991

Bachelard, Gaston. O racionalismo aplicado. Tradução Nathanael C. Caixeiro. Zahar, Rio de


Janeiro. 1977

Cardoso, Miriam Limoeiro. Para uma leitura do método em Karl Marx: anotações sobre a
“Introdução” de 1857. Ed. da UFF, Cadernos do ICHF, n. 30, setembro, Rio de Janeiro. 1990

Demo, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados. 2005
Duarte, Newton. Conhecimento tácito e conhecimento escolar na formação do professor em
Educação e Sociedade. Volume 24, n. 83, agosto, Campinas. 2003

Duarte, Newton. A pesquisa e a formação de intelectuais críticos na Pós-graduação em


Educação. Perspectiva, volume 24, n.1, janeiro/junho, Florianópolis, pp. 089-110. 2006

Frigotto, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. Cortez, São Paulo. 2003

Frigotto, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. Cortez, São Paulo. 2001

Gramsci, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Civilização Brasileira, Rio de


Janeiro. 1982

Moraes, Maria Célia Marcondes de. O processo de Bolonha vis a vis a globalização de um
modelo de ensino superior. Em Perspectiva, volume 24, n.1, janeiro-junho, Florianópolis, pp.
187-204. 2006

Triviños, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. Atlas, São Paulo. 1987

Potrebbero piacerti anche