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Introdução
Em 1961 Robert Dahl escreveu: “No sistema político da oligarquia aristocrática, recursos
políticos eram marcados por uma acumulação desigual: quando um indivíduo tinha muito
mais um recurso do que outros, tal como patrimônio, ele usualmente tinha mais em qualquer
outro recurso – posição social, legitimidade, controle sobre instituições religiosas e
educacionais, conhecimento, cargos. No sistema político atual [a democracia dos Estados
Unidos em princípios dos anos 1960], desigualdades nos recursos políticos permanecem, mas
elas tendem a ser não-cumulativas” (Dahl, 2005, p. 89)3. Isso quer dizer: ao contrário da
oligarquia aristocrática, num sistema político poliárquico, se um indivíduo fosse mais rico
que a maioria, então provavelmente outro indivíduo estaria melhor situado em termos de
status social, outro teria mais controle sobre o sistema de educação ou as instituições
religiosas, outro seria mais inteligente e um outro ainda seria aquele eleito ou indicado para
um cargo na administração. As desigualdades seriam dispersas e não cumulativas.
Será mesmo? Sem entrar no mérito do ajuste da afirmação de Dahl para o contexto
por ele analisado, podemos perguntar, em sentido mais amplo: as desigualdades eleitorais são, na
democracia brasileira em princípios do século XXI, cumulativas?
Para responder a esta questão é preciso relacionar empiricamente recursos políticos
a atributos sociais de candidatos a uma posição política eletiva. Receita de campanha é um
dos principais ativos eleitorais no Brasil, possuindo uma altíssima correlação com os
resultados finais e com a capacidade de se eleger ou não (Silva & Cervi, 2017; Speck &
Mancuso, 2014). Atributos sociais, como profissões de origem dos candidatos (que pode
funcionar como um indicador de “classe social”), patrimônio acumulado (“riqueza”) ou
1
Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor associado de
Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR), editor da Revista de Sociologia e Política e pesquisador
1D do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Atua no Programa de Pós-Graduação
em Ciência Política e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas na UFPR. Dedica-se ao estudo dos
processos de recrutamento da classe política brasileira e coordena o Observatory of social and political elites of Brazil
(http://observatory-elites.org/). E-mail: adrianocodato@gmail.com
2
Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Ciência Política
pela mesma instituição, com período sanduíche na Université de Montréal (Canadá). Graduado em
comunicação institucional pela UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e bacharel em gestão
pública pela UFPR (Universidade Federal do Paraná). Seus interesses de pesquisas incluem estudos legislativos,
eleições e métodos quantitativos. E-mail: mccarlomagno@gmail.com
3
No original: “In the political system of the patrician oligarchy, political resources were marked by a cumulative
inequality: when one individual was much better off than another in one resource, such as wealth, he was usually
better off in almost every other resource - social standing, legitimacy, control over religious and educational
institutions, knowledge, office. In the political system of today, inequalities in political resources remain, but
they tend to be non-cumulative” (Dahl, 2005, p. 89). Para uma discussão dessa mesma passagem, ver Domhoff
(1978) e Dogan (2003).
Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.
gênero (homem/mulher), são capazes de explicar fenômenos da dinâmica eleitoral, tal como
a capacidade de arrecadação de recursos financeiros e, com isso, as chances políticas dos
competidores?
O objetivo deste capítulo é testar em que medida e de que maneiras esses recursos se
combinam concretamente tendo como parâmetro as receitas financeiras das campanhas
eleitorais. Analisamos uma série histórica de quatro eleições para deputado federal no Brasil
(2002, 2006, 2010 e 2014) em que concorreram mais de 19 mil candidatos. Se indivíduos
detentores de profissões de elite (empresários, profissionais liberais), com alto patrimônio e
de um determinado gênero forem invariavelmente aqueles que conseguem mobilizar mais
dinheiro para investir em suas campanhas políticas e, assim, aumentar grandemente a chance
de conquistarem uma cadeira legislativa, então as desigualdades, para retomar o problema de
Dahl, são cumulativas e isso seria um problema (ou “o” problema) da democracia eleitoral
brasileira hoje.
1. Materiais e métodos
Entre 2002 e 2014, 19.943 indivíduos concorreram ao cargo de deputado federal nos 26
estados brasileiros e no Distrito Federal. Destes, 4.605 não fizeram a prestação de contas
financeira à Justiça Eleitoral (ou a mesma não foi atualizada pelo TSE em seu banco de
dados). Como este é um elemento central da análise, excluímos do universo da pesquisa esses
candidatos, ficando, portanto, com 15.338 concorrentes que compõem a base de dados
utilizados na análise, conforme a Tabela 1.
Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE
Adriano Codato & Márcio Carlomagno, “Poder social e poder político: como ocupação, gênero, patrimônio
e dinheiro...” (versão 1) PREPRINT
3
político: a) tipo de carreira profissional; b) status social da ocupação; c) afinidade da ocupação com a
atividade política. Isso é necessário para determinar os graus de disposição à política que as
diferentes ocupações permitem.
O primeiro critério, tipo de carreira profissional, estima se determinado candidato,
em função da sua ocupação de origem, consegue tempo livre para dedicar-se à militância
política e se ele possui independência financeira e autonomia profissional. Em resumo, se ele
tem uma carreira profissional flexível.
O segundo critério, status social, estima a posição de determinada ocupação frente a
outras de acordo com o reconhecimento e o prestígio atribuído a ela por uma comunidade.
Em resumo, se ele usufrui de um status mais alto ou mais baixo em função do seu ofício.
O terceiro critério, afinidade com a atividade política, estima o grau de conhecimentos
específicos (jurídicos, técnicos, etc.) e/ou o grau de familiaridade com a máquina pública que
determinada profissão propicia, além da possibilidade dos seus titulares estabelecerem redes
de contatos no meio político.
Esses três critérios combinados permitem avaliar, para cada ocupação declarada na
ficha de inscrição dos candidatos nos Tribunais Regionais Eleitorais, se ela produz ou não
disposição para exercer a política institucional. Há então, conforme esse modelo, profissões com
alta disposição para a atividade política (presença dos três critérios: carreira profissional flexível,
status social elevado, ocupação com afinidade política), com média disposição para a atividade
política (presença de dois dos três critérios), com baixa ou com nenhuma disposição para a política
(presença de um ou ausência completa de algum dos critérios).
Pontuamos cada uma das 251 ocupações declaradas pelos 19 mil candidatos de zero
a três, de modo que possuir cada um dos critérios estabelecidos fazia com que se somasse
um ponto por critério em cada ocupação. Indivíduos com nenhuma e com baixa disposição
foram agregados na mesma categoria, “baixa”.
alta disposição 1 1 1 3
média disposição 0 ou 1 0 ou 1 0 ou 1 2
baixa disposição 0 ou 1 0 ou 1 0 ou 1 1
nenhuma
0 0 0 0
disposição
Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.
candidatos mobilizar uma rede de contatos pessoais e recursos financeiros junto aos
investidores privados ou aos dirigentes dos seus partidos4.
A fim de poder testar separadamente o peso de se já estar no cargo de deputado –
federal ou estadual –, separamos aqueles que se autodeclararam “deputado” como uma
quarta categoria, denominada “mandatário”5, classificando os demais políticos profissionais
(os que se declararam vereador, prefeito, governador, ministro, etc.) em “alta” disposição.
A indistinção entre deputados federais e estaduais é uma limitação do banco de dados
do TSE. Para distingui-los, teríamos que verificar, um a um, quem era, na data da eleição,
deputado federal. Isso implicaria em seguir um outro critério de classificação dos candidatos
(investigação da biografia individual de cada concorrente) que não a assunção da
autodeclaração, como adotamos. Se fizéssemos isso (ordenar os dados baseado na biografia),
teríamos, para manter o rigor, que imputar a posição de deputado também àqueles que se
declararam como exercendo outra profissão (advogado, empresário, servidor público etc.).
Mancuso e Figueiredo Filho, ao analisarem as eleições de 2002, 2006 e 2010 para
deputado federal concluem que “os mandatários tendem a ser mais financiados que os
desafiantes; os candidatos de grandes partidos de esquerda tendem a ser menos financiados
que os candidatos de grandes partidos de centro e de direita (o que sugere a importância da
ideologia partidária), mas tendem a ser mais financiados que os candidatos de partidos
pequenos, independentemente do perfil ideológico desses partidos (o que indica a
importância do porte partidário)” (2014, p. 20) 6 . Speck & Mancuso (2013) lançam uma
dúvida. Diante do impacto que exercer um cargo político causa nas chances de eleger-se
prefeito, argumentam que “Não está claro ainda, porém, se esta vantagem competitiva
expressa um talento ou uma característica do candidato, ou se o capital político está vinculado
ao cargo, sendo ativado por diferentes mecanismos durante a disputa eleitoral” (Speck &
Mancuso, 2013, p. 124). Esta dúvida, em fato, só existe se consideramos apenas políticos
exercendo mandatos. O modelo de disposição à política (que inclui todos políticos
profissionais, tanto no cargo ou não) testado neste artigo dialoga diretamente com tal
questionamento, propondo uma resposta.
4
Sobre a importância da instituição partidária, Horochovski e seus colaboradores (2015), usando análise de
redes, demonstram a localização do partido como ator central, mediando a alocação de recursos entre
candidatos e doadores.
5
No ano de 2002 as ocupações “senador, deputado e vereador” pertenciam à mesma categoria. Diante disto
haveria duas opções: classificar tal ocupação como “mandatário”, mesmo certamente colocando outros
indivíduos, não-mandatários, junto a estes, ou não ter o dado de “mandatário” para 2002, classificado como
“alta” disposição, com os demais políticos profissionais. Optamos pela segunda solução.
6
Cervi, Codato, Costa e Perissinotto chegaram às mesmas conclusões em outro trabalho (2015). Sobre a relação
entre financiamento privado de campanhas eleitorais e tipo de partido político, ver Mancuso, Figueiredo Filho,
Speck, Silva, & Rocha (2016). Heiler, Viana & Santos (2016) incoporaram o cálculo da disposição à política em
seu mapeamento dos gastos eleitorais efetuados na eleição de 2010 por candidatos a deputado federal.
Adriano Codato & Márcio Carlomagno, “Poder social e poder político: como ocupação, gênero, patrimônio
e dinheiro...” (versão 1) PREPRINT
5
Neste índice, a média do grupo é sempre igual a 1 e as análise não são sobre os valores
absolutos, mas em termos de distâncias da média. Assim podemos verificar a posição dos
candidatos diante dos seus adversários em termos contextuais.
2. Resultados
2.1. Diferenças de médias das receitas de campanha
O teste de análise de variância (ANOVA) que mede a associação entre a variável
contínua (índice de sucesso de receitas) e a categórica (disposição à política + mandatário) é mostrado
na Tabela 2.
TABELA 2. TESTE ANOVA PARA ASSOCIAÇÃO ENTRE DISPOSIÇÃO À POLÍTICA E RECEITAS DE CAMPANHA*
Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE
7
Evidentemente, não é a única coisa que importa. Speck e Cervi (2016) combinaram receitas de campanha
juntamente com “memória eleitoral” (votos na eleição anterior) e tempo de televisão e encontraram que, na
eleição de prefeitos em 2012, o peso do dinheiro na explicação do voto caiu substancialmente em municípios
com mais de 200 mil habitantes (embora fosse significativo), ao passo que cresceu a importância do tempo no
horário de propaganda eleitoral.
Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.
Entre 2002 e 2014 há uma tendência de crescimento de nosso fator explicativo
(indicado pela estatística F ou F-ratio). O F indica o quanto as médias desses grupos não são
iguais. Destacamos uma tendência de aumento das diferenças entre as categorias no universo
analisado. O valor do Sig. indica que podemos rejeitar a hipótese nula de que não haveria
associação entre os grupos da variável explicativa e as tendências do índice (ou de que as
diferenças tenham ocorrido por acaso).
No teste ANOVA, contudo, o nível de significância se aplica ao conjunto completo
dos grupos comparados, mas não nos dá detalhes sobre as distâncias entre eles. Por isso,
recorremos aos testes de diferenças de médias, aqui apresentados por meio de gráficos de
nível de confiança da diferença das médias. As informações exibidas com este recurso são
basicamente as mesmas que as dadas por um teste do tipo post-hoc, com a vantagem da melhor
compreensão visual das informações8.
Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE
8
Como informação adicional, o teste de Bonferroni para diferenças de médias pode ser encontrado no Anexo
1.
Adriano Codato & Márcio Carlomagno, “Poder social e poder político: como ocupação, gênero, patrimônio
e dinheiro...” (versão 1) PREPRINT
7
nos anos de 2006 (1,16 contra 1,35) e 2010 (0,95 e 1,12, respectivamente). Uma eventual
explicação para isto poderia residir na presença de “empresários” e “industriais” (profissões
que mais têm chances de mobilizar grandes somas recursos financeiros) na categoria de
média propensão à política. Em todos os demais casos, as distâncias entre os grupos foram
estatisticamente significativas, o que indica que o modelo analítico proposto funciona para
explicar primeiramente as diferenças das receitas dos candidatos.
Apesar disto, as distâncias entre os três grupos sociais foram menores do que as que
esperávamos, sobretudo quando se olha para o comportamento dos dados dos mandatários
(candidatos que detinham cargos de deputados estaduais ou federais). Estes estão muito
distantes dos demais (não há informações para as eleições de 2002, como discutimos na nota
4).
Quando inserimos a variável “sexo do candidato” podemos verificar o desempenho
comparado de homens e mulheres em termos da capacidade de mobilizar dinheiro para a
política combinado com a variável “disposição à política” e mandatário. Os resultados estão
organizados no Gráfico 2. Os valores nas barras indicam, como no Gráfico 1, as médias do
índice de receitas.
Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.
GRÁFICO 2. DISPOSIÇÃO À POLÍTICA APLICADA ÀS DIFERENÇAS DE MÉDIAS DE RECEITAS DE CAMPANHA POR SEXO 2002-2014 PARA CANDIDATOS A DEPUTADO FEDERAL, 2002-2014
Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE
Adriano Codato & Márcio Carlomagno, “Poder social e poder político: como ocupação, gênero, patrimônio e dinheiro...” (versão 1) PREPRINT
9
Sobretudo em 2010, e mais ainda em 2014, o jogo político, para os mandatários, fica
menos desigual entre homens e mulheres (médias do ISR de 6,62 contra 5,53, para 2014,
respectivamente). Há um movimento de crescimento progressivo e constante das médias do
índice de receitas de campanha das mulheres no grupo de políticos profissionais (ISR 3,77;
4,34; 5,53, respectivamente), embora desigualdades persistam. Ser representante e, nesse caso
específico, deter já um mandato legislativo na Câmara dos Deputados ou nas Assembleias
Legislativas é mais determinante do que o gênero dos competidores.
Paras as demais categorias de disposição à política, o fenômeno parece ser inverso.
Não há evidência estatística de que as condições de competição eleitoral melhoraram para as
mulheres de baixa e média disposição no período analisado. Pelo contrário, há evidência de
piora das condições de disputa: para 2014 a diferença do ISR de homens e mulheres no grupo
de média disposição era de 0,7 e em 2010, 0,38. No próximo item, abordaremos esse
movimento com o uso de outro procedimento estatístico.
Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.
TABELA 3. RESÍDUOS PADRONIZADOS PARA DISPOSIÇÃO À POLÍTICA E QUINTIS DE RECEITAS. CANDIDATOS A
DEPUTADO FEDERAL, 2002-2014
Disposição à
Q1 Q2 Q3 Q4 Q5
política
Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE
Receitas de
Q1 Q2 Q3 Q4 Q5
campanha
Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE
Adriano Codato & Márcio Carlomagno, “Poder social e poder político: como ocupação, gênero, patrimônio
e dinheiro...” (versão 1) PREPRINT
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Sacchet & Speck (2012, p. 424), comparando as eleições de 2006 e 2010, mostraram
que já então havia ocorrido uma queda no sucesso das mulheres na arrecadação da primeira
para a segunda disputa analisada. A Tabela 4 mostra que até 2006 as distribuições entre
homens e mulheres nas categorias são mais próximas, com distâncias estatisticamente pouco
significativas. A partir de 2010, e mais enfaticamente em 2014, estas desigualdades se
acentuam consideravelmente. Homens passam a estar concentrados nos quintis superiores
(resíduos positivos de 6,4 no Q5) e mulheres nos quintis inferiores (resíduos positivos de
12,3 no Q1 em 2014). Uma possível explicação deste fenômeno reside no que poderíamos
chamar de “efeito perverso” da aplicação das cotas de gênero para candidatos. A obrigação
de alistar um percentual maior de candidatas forçou os partidos a encontrar meios artificiais
de cumprir a legislação, lançando mais mulheres, mas sem quaisquer chances eleitorais. Há
um percentual grande de candidatas que recebem muito pouco dinheiro das siglas para suas
campanhas ou sequer têm condições de investirem já que, como se verá na seção seguinte,
elas estão associadas aos estratos mais baixos na hierarquia social.
9
Uma explicação bem didática seria a seguinte: “A Análise de Múltipla Correspondência quantifica dados
nominais (categóricos) designando valores numéricos para os casos (objetos) e categorias, de modo que os
objetos dentro da mesma categoria estão próximos e objetos em diferentes categorias estão distantes. Cada
objeto fica tão perto quanto possível dos pontos de categoria das categorias que são aplicados ao objecto. Dessa
forma, as categorias dividem os objetos em subgrupos homogêneos. As variáveis são consideradas homogêneas
quando classificam os objetos nas mesmas categorias para os mesmos subgrupos” (IBM, 2016, p. 35).
Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.
GRÁFICO 3. ANÁLISE DE CORRESPONDÊNCIA MÚLTIPLAS DOS ATRIBUTOS SÓCIO-POLÍTICOS DOS CANDIDATOS A DEPUTADO FEDERAL, 2002-2014 (PROJEÇÃO DE VARIÁVEIS E DE INDIVÍDUOS)
Fonte: Os autores; Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE
Adriano Codato & Márcio Carlomagno, “Poder social e poder político: como ocupação, gênero, patrimônio e dinheiro...” (versão 1) PREPRINT
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4. Discussão e conclusões
O objetivo deste estudo era demonstrar se, como e quando um conjunto de fatores
sócio-políticos se associavam e se acumulavam, criando ou não desigualdade na competição
política.
Nossos achados podem ser resumidos em cinco pontos:
1. A presença em uma dada categoria de disposição à política (baixa, média ou alta)
implica em clara associação com a presença em categoria análoga de receitas de
campanha (baixa, média ou alta) (Gráfico 1);
2. As distâncias entre homens e mulheres nas receitas de campanha aumentam
conforme aumenta a disposição à política. Isto é, o universo daqueles com alta
disposição à política é tão desigual quanto o universo daqueles com média e baixa
disposição (Gráfico 2);
3. As distâncias de receitas de campanha angariadas, tanto nas categorias de
disposição à política quanto sexo, são crescentes ao longo da série histórica,
indicando não uma diminuição das desigualdades eleitorais no Brasil, mas um
acirramento destas (Tabelas 3 e 4);
4. Mesmo um modelo mais complexo que reúne quatro variáveis (perfil político,
perfil patrimonial, gênero e recursos eleitorais) há a mesma lógica subjacente:
mulheres tendem a estar mais próximas dos níveis mais baixos de disposição,
receitas e patrimônio do que os homens. Há mais mulheres nos quintis de baixa
receita (Q1, Q2), mas porque há mais mulheres titulares de ofícios com baixa
disposição para a política. A variável central para a melhor compreensão do
fenômeno é profissão, não sexo (Gráfico 3);
5. Mandatários – indivíduos que eram, no momento da eleição, deputados federais
ou estaduais – possuem vantagens incomparáveis diante dos demais candidatos:
são mais “ricos” (variável patrimônio no Q5) e mais competitivos (receitas no
Q5). Nesse caso, as distâncias entre homens e mulheres são bem menores e,
portanto, gênero não é um fator de hierarquização desse universo (Gráfico 3).
Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.
não-cumulativas”), as evidências indicam, para o caso do Brasil, uma tendência oposta. Isto
é, as nossas desigualdades tendem sim a ser cumulativas. E isso tem se intensificado ao longo
do tempo. Quem possui maior status social possui mais patrimônio e possui mais receitas de
campanhas. Em termos lógicos, isso faz sentido. Quem possui certo capital financeiro e
capital social tende a possuir também uma rede de contatos que lhe permite angariar recursos
de campanha entre doadores potenciais. Em outras palavras, dinheiro atrai dinheiro e não
há, no sistema político, mecanismos institucionais que compensem essas desigualdades.
A classificação de disposição à política não funcionou perfeitamente no modelo
explicativo, especialmente entre os níveis médio e alto. Isso se deve, provavelmente, ao fato
de a categoria profissional “empresário”, seguindo o modelo proposto, ter sido classificada
como de média propensão à política. Ela, por natureza, tende a possuir uma rede de contatos
ampla, que lhe facilita obter recursos financeiros ou investir os próprios em suas campanhas.
Este é um ponto do modelo que pode ser repensado para a aplicação em futuras análises,
tratando-o como exceção nas pontuações propostas (Quadro 1).
Estudos de séries históricas são uma das abordagens mais profícuas em Ciência
Política. Elas propiciam uma perspectiva das mudanças ocorridas em um dado período. Ao
longo do tempo, como se viu, as distâncias sociais relativas entre as classes de políticos de
carreira e não políticos estão aumentando. Recursos estão cada vez mais concentrados nas
mãos daqueles que já controlam posições de representação. Este é um indicador do processo
mais amplo de profissionalização da política (dos agentes e do próprio campo político). Mas
é também um indicador do fechamento desse universo sobre si mesmo e das dificuldades,
cada vez maiores, de adventícios conseguirem superar barreiras sociais para entrar nele.
Nossos dados indicam, então, duas conclusões. Primeira: o Brasil está bem mais perto
de uma oligarquia aristocrática do que de uma poliarquia com poderes dispersos entre os
cidadãos politicamente ativos. Segunda: o uso combinado das três variáveis – disposição à
política medida através da ocupação profissional, sexo do candidato e receitas de campanha
declaradas –, eventualmente acrescidas de outras, pode funcionar como um forte preditor de
candidatos viáveis e não viáveis nos pleitos e, por extensão, da configuração social da política
brasileira contemporânea.
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Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.
Adriano Codato & Márcio Carlomagno, “Poder social e poder político: como ocupação, gênero, patrimônio
e dinheiro...” (versão 1) PREPRINT
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ANEXO 1:
Fonte: Observatório de elites políticas e sociais do Brasil (UFPR), a partir dos dados do TSE
Fux Luiz; Pereira, Luiz Fernando; e Agra, Walber de Moura (orgs.) Coletânea de Direito Eleitoral . ver 21 jan 18.