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CAPÍTULO
O Atendimento Inicial do Paciente Traumatizado
15
Valdir Zamboni

OBJETIVOS
■ Para começar a avaliação e o tratamento do paciente
traumatizado grave, não é essencial que se disponha de
■ Conhecer e aplicar os princípios do exame primário e secundário uma história detalhada (a história é muito importante e
às vítimas de trauma. deve ser obtida logo que possível, mas frequentemente
■ Identificar as prioridades no tratamento inicial. isso só pode ser feito mais tarde, depois que o atendi-
■ Fazer a reanimação e monitoração adequadas. mento já está em curso e as lesões com risco de morte
■ Reconhecer o valor da história do paciente e do mecanismo de foram diagnosticadas e tratadas).
trauma.
■ Identificar e antecipar-se às “ciladas”. São importantes ainda três outros princípios básicos:

■ Não causar mais lesão.


■ Não perder tempo (o tempo é fundamental).
INTRODUÇÃO ■ Trabalho em equipe.

O trauma é uma doença frequente, que atinge princi- O desenvolvimento dos conceitos acima, com a percep-
palmente a população jovem, embora incida em todas as ção de que as lesões traumáticas matam numa sequência
faixas etárias. É a segunda ou terceira causa de morte na temporal previsível, isto é, a obstrução de vias aéreas mata
população em geral (em algumas regiões é a segunda cau- mais rapidamente do que os problemas de respiração, que,
sa, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares, e em por sua vez, matam antes da hemorragia, que também mata
outras é a terceira, vindo atrás também das neoplasias), mais rapidamente do que os problemas neurológicos, leva ao
sendo, contudo, a principal causa de morte entre 1 e 44 estabelecimento dos ABCDEs. Eles definem, de forma mne-
anos de idade. Responde por cerca de 80% das mortes que mônica, a sequência de avaliação e intervenção que deve ser
ocorrem na adolescência. observada no atendimento do paciente traumatizado:
No atendimento ao paciente traumatizado, o tempo é
fundamental, não sendo possível, muitas vezes, proceder a ■ A (Airway): vias aéreas com proteção da coluna cervical.
investigação propedêutica antes de tratar algumas lesões ■ B (Breathing): respiração e ventilação.
que comportam risco de morte imediato. A abordagem sis- ■ C (Circulation): circulação com controle da hemorragia.
tematizada do paciente traumatizado permite não perder ■ D (Disability): incapacidade, estado neurológico.
tempo, não deixar passar despercebidas lesões graves e, em ■ E (Exposure/Environmental control): exposição (despir
última análise, melhorar o prognóstico do paciente, dimi- totalmente o paciente) com controle do ambiente (pro-
nuindo a incidência das chamadas mortes evitáveis e do teger da hipotermia).
“segundo trauma”, que corresponde ao agravamento das
lesões já existentes ou ao surgimento de novas lesões, em Frente a um paciente traumatizado grave, é fundamen-
decorrência do atendimento inadequado. tal que quem atende seja capaz de:
O atendimento inicial do paciente traumatizado ba-
seia-se em três conceitos simples: ■ Avaliar rapidamente e de forma correta a condição do
paciente.
■ Tratar primeiro a lesão com maior risco de morte (risco ■ Fazer a reanimação e a estabilização com base em prio-
mais imediato); esse é o conceito mais importante. ridades.
■ A falta de confirmação definitiva de determinado diag- ■ Determinar a necessidade de transferir o paciente.
nóstico não deve impedir que se aplique o tratamento in- ■ Providenciar a transferência de forma segura e sem per-
dicado (exemplo: o pneumotórax hipertensivo deve ser da de tempo.
suspeitado e diagnosticado clinicamente e tratado por ■ Garantir que, em cada momento, até o tratamento defini-
descompressão antes de se fazer a radiografia que docu- tivo, os cuidados prestados ao paciente sejam os melhores
mentaria o diagnóstico). possíveis.
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192 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

VISÃO GLOBAL Algoritmo 1. Atendimento inicial do paciente traumatizado

Chamamos de atendimento inicial a abordagem siste-


matizada do paciente traumatizado, que permite que suas Trauma
lesões sejam rapidamente diagnosticadas e a terapêutica
correta instituída, de modo a não se perder tempo frente a Preparação Pré-hospitalar
lesões que possam pôr em risco a vida. Por ser sistematiza- Triagem Hospitalar
da, essa abordagem pode ser facilmente aplicada e revisada.
O atendimento inicial inclui: Exame primário (ABCDEs)

Medidas auxiliares
■ Preparação/triagem.
■ Exame primário (ABCDEs)/reanimação.
Reanimação
■ Exame secundário.
■ Monitoração e reavaliação contínuas.
■ Encaminhamento para tratamento definitivo.
Exame secundário
A sequência é apresentada de forma linear, para permi- (da cabeça aos pés)
tir melhor entendimento e revisão mental das diversas eta-
pas durante o atendimento. Na realidade, muitas atividades Medidas auxiliares
e intervenções acontecem em paralelo, ou simultaneamen-
Reavaliação
te, quando o paciente é atendido por uma equipe. É funda-
mental também reavaliar continuamente o paciente, tanto
durante o exame primário quanto durante o secundário,
para descobrir alterações na sua condição logo que elas Estabilização (a melhor possível)
acontecem e intervir prontamente para corrigir qualquer
piora. A reavaliação contínua serve ainda para detectar le-
sões que podem não ter sido diagnosticadas antes e avaliar
o resultado das medidas terapêuticas instituídas. Transferência para
tratamento definitivo
A sequência de avaliação e reanimação deve servir
como guia no atendimento do paciente traumatizado. Não
substitui o bom senso de quem atende, que deve decidir
quais intervenções devem ser feitas em qual paciente e em
que momento, já que nem todos os procedimentos são ne- A preparação intra-hospitalar inclui, além de equipe
cessários para todos os pacientes. multidisciplinar treinada e disponível para o atendimento
ao paciente traumatizado, área adequada de atendimento,
PREPARAÇÃO materiais apropriados facilmente disponíveis (equipamen-
to para vias aéreas e ventilação, acesso venoso e reposição
A preparação é fundamental para o atendimento ade- volêmica, imobilização, monitoração e mesmo intervenção
quado do paciente traumatizado. Não é possível improvisar. cirúrgica na área de reanimação, se necessário) e facilidade
Na fase pré-hospitalar, o serviço deve estar organizado de de acesso a serviço de radiologia, laboratório e banco de
tal modo que o paciente possa ser avaliado rapidamente, ter as sangue. Deve haver ainda possibilidade de transferir os pa-
intervenções indispensáveis no local (permeabilização de vias cientes cujas necessidades não possam ser plenamente aten-
aéreas, controle de sangramento externo e imobilização) feitas didas naquele hospital. É recomendado que haja acordos de
rapidamente e ser encaminhado de forma segura e sem perda transferência plenamente acertados, de modo que não se fi-
de tempo para o hospital apropriado mais próximo. A coorde- que, na hora da urgência, tentando achar um lugar que
nação deve ser tal que o hospital de destino seja informado das aceite receber o paciente. Isso pode significar perda de tem-
condições do paciente ainda antes de iniciado o transporte, po precioso. Pertence à organização do serviço de atendi-
mesmo que as informações sejam inicialmente incompletas. mento ao paciente traumatizado o estabelecimento de hie-
Durante o transporte, as informações devem ser completadas, rarquia (níveis de atendimento formando um verdadeiro
sendo comunicadas também eventuais alterações na condição sistema), de modo que, quando necessário, o paciente possa
do paciente. Com a comunicação direta entre o serviço pré- ser rapidamente transferido, bastando, para tal, a comunica-
hospitalar e o hospital que vai receber o paciente, por um lado, ção pessoal entre o médico que está atendendo o paciente e
poderão ser dadas orientações que melhorem o atendimento o médico que irá recebê-lo para tratamento definitivo.
pré-hospitalar, e por outro, o hospital pode ir se preparando e Toda a equipe que trata do paciente traumatizado, tanto
mobilizando os recursos de que precisará para atender ade- no serviço pré-hospitalar quanto dentro do hospital, deve to-
quadamente o paciente que vai chegar. Isso pode significar, por mar precauções para se proteger de doenças contagiosas, par-
exemplo, chamar especialistas que podem não estar no pron- ticularmente das hepatites e da síndrome da imunodeficiên-
to-socorro todo o tempo, como radiologistas, neurocirurgiões cia adquirida (SIDA ou AIDS). É recomendado o uso de
e cirurgiões plásticos, entre outros. máscara facial, proteção ocular, avental e luvas sempre que
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15 ■ O ATENDIMENTO INICIAL DO PACIENTE TRAUMATIZADO 193

possa haver contato com sangue ou secreções orgânicas. No ■ Situação (situation) – o que aconteceu realmente? Qual a
nosso meio, geralmente usam-se apenas luvas. Contudo, a uti- provável causa? Número de pessoas envolvidas e suas
lização de todos os outros dispositivos de proteção individual condições (numa primeira avaliação superficial e rápida,
é considerada pelo CDC (Center for Diseases Control and não detalhada).
Prevention) como o mínimo necessário.
Embora seja importante atender logo as vítimas, a pri-
TRIAGEM meira preocupação deve ser a segurança, seguida de uma
avaliação rápida da situação, inclusive para avaliar a neces-
Triagem é uma palavra bem conhecida de todos os que sidade de recursos que devem ser solicitados: há vítimas
trabalham em emergências. Pode ser entendida como classi- graves? Há múltiplas vítimas (desastre ou catástrofe)?
ficação dos pacientes quanto à sua necessidade de tratamen- Para quem não é o socorrista, o próximo passo deve ser
to e aos recursos disponíveis. No trauma, deve ser entendida solicitar socorro, ativando o sistema de resgate (no nosso
como encaminhar, no momento certo, o paciente certo para meio, discar 193, Corpo de Bombeiros da Polícia Militar, ou
o hospital apropriado. Encaminhar todos os pacientes para 192, Atendimento Pré-hospitalar da Prefeitura Municipal
um centro de referência (hospital terciário, no nosso meio) de São Paulo). Mesmo os socorristas, nesse momento, com
pode ser errado, na medida em que sobrecarrega sem neces- uma ideia rápida do que aconteceu, fazem contato com a
sidade um serviço com recursos especializados, podendo, Central, relatando os dados já obtidos e solicitando, se for o
assim, atrapalhar o atendimento de pacientes mais graves caso, auxílio de outras unidades e recursos.
que realmente precisem desses recursos. Por outro lado, en- O atendimento propriamente dito do paciente começa
caminhar um paciente grave ou com necessidade de atendi- nesse momento. Inicialmente, é feita uma avaliação global,
mento especializado para hospital onde não poderá ser aten- muito rápida, que deve ser completada em 15 segundos e
dido de forma definitiva pode retardar o tratamento e piorar permite ter uma impressão geral da condição do paciente,
a evolução do paciente. A triagem deve basear-se na gravi- determinando se se trata de paciente grave ou não. É o iní-
dade do paciente (prioridades, segundo os ABCDEs). cio do exame primário.
A triagem assume papel fundamental quando houver
múltiplas vítimas e em situações de catástrofe. Se houver re- EXAME PRIMÁRIO (ABCDEs)
cursos disponíveis para atender adequadamente todos os
pacientes, estes devem ser classificados pela gravidade das Consiste na avaliação rápida e no tratamento do pa-
lesões e os mais graves, atendidos antes. Se o número de pa- ciente (reanimação), segundo prioridades, com base nas le-
cientes e sua gravidade for tal que seja impossível (frente sões, nos sinais vitais e no mecanismo de trauma. Durante
aos recursos disponíveis) atender todos a tempo, devem ser o exame primário, avaliação e reanimação são simultâneas,
atendidos primeiro os pacientes com maior probabilidade isto é, na medida em que vão sendo identificadas (avalia-
de sobreviver com menor gasto de tempo e de recursos (hu- ção), as lesões com risco de morte são corrigidas (reanima-
manos e materiais). Essa situação é rara, ocorrendo apenas ção). Avaliação e reanimação são feitas segundo as priori-
em grandes desastres. dades expressas nos ABCDEs.
As prioridades são as mesmas para todos os pacientes.
ATENDIMENTO NO LOCAL Graças a particularidades anatômicas e fisiológicas, contu-
do, crianças, idosos e gestantes têm diferenças na resposta
Antes de iniciar o atendimento propriamente dito no ao trauma, que podem alterar tanto a avaliação quanto a in-
local do “acidente”, deve-se fazer uma avaliação rápida do tervenção que se faz necessária. Para o tratamento adequa-
local, que consta de 3 componentes (em inglês, são 3 S: sa- do, essas diferenças devem ser reconhecidas e consideradas.
fety, scene, situation):
Airway: vias aéreas com proteção da coluna
■ Segurança (safety) – deve ser feita uma avaliação de pos- cervical
síveis riscos, tanto para o socorrista quanto para o pa-
ciente: nova colisão, atropelamento, explosão, desabamen- A manutenção da permeabilidade das vias aéreas é a
to, incêndio, choque elétrico ou outros. A primeira maior prioridade ao avaliar e tratar do paciente traumatiza-
preocupação de quem presta atendimento à vítima de do. Deve-se procurar por sinais de obstrução de vias aéreas,
trauma deve ser a sua própria segurança e a segurança do que incluem a presença de corpos estranhos (prótese dentá-
local. Se o local apresentar riscos significativos, o socor- ria, dentes, sangue, vômitos) ou fraturas de face, laringe ou
rista, antes se expor, deve solicitar auxílio de pessoal espe- traqueia. A simples observação do paciente pode dar infor-
cializado e só intervir com a segurança garantida. Se o so- mações definitivas sobre a permeabilidade das vias aéreas. O
corrista também se tornar uma vítima, faltará gente para paciente que fala sem dificuldade e sem disfonia não tem
atender e aumentará o número de vítimas. Da mesma for- problema de vias aéreas; o paciente que tem estridor ou qual-
ma, logo que possível, a vítima deve ser removida para lo- quer ruído respiratório anormal ou rouquidão ou que respi-
cal sem riscos (retirada do meio de rodovia, ou de ambi- ra com dificuldade pode ter as vias aéreas obstruídas. O pa-
ente úmido ou frio, por exemplo, isolamento da área etc.). ciente inconsciente, em decúbito dorsal, pode ter obstrução
■ Cena (scene) – avaliação rápida do local, estudando as forças de vias aéreas por queda da língua. Igualmente, pode ter obs-
envolvidas no trauma (cinemática) e as possíveis lesões. trução por vômitos, que podem ser seguidos de aspiração.
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194 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

As manobras para garantir a permeabilidade das vias Todo paciente traumatizado deve receber oxigênio, que
aéreas vão desde a simples aspiração de sangue ou secreções poderá ser administrado por máscara (suficiente na maio-
até a obtenção de via aérea definitiva, que pode ser feita por ria dos casos) ou mesmo por ventilação mecânica, se hou-
intubação orotraqueal ou nasotraqueal ou por cricotireoi- ver necessidade de suporte ventilatório.
dostomia cirúrgica. A obtenção de via aérea definitiva só
pode ser feita por médico. Circulation: circulação com controle da
O paciente com comprometimento grave do nível de hemorragia
consciência (coma, ou seja, escore de 8 ou menos na escala
de Glasgow) necessita de via aérea definitiva, mesmo que es- A hemorragia é a principal causa de morte evitável no
teja, aparentemente, respirando muito bem. Nesse paciente, paciente traumatizado. No trauma, o choque, até prova em
a via aérea está sempre em risco de obstrução, devendo-se contrário, é devido a perda de sangue. Pesquisar a presença
providenciar, logo que possível, uma via aérea definitiva. de sangramento ativo e estancá-lo passa a ser a próxima
Em muitos pacientes, a aspiração das vias aéreas, asso- prioridade.
ciada a manobras manuais simples de elevação do mento Hemorragia significa perda aguda sanguínea, de natureza
(“chin lift”) ou tração da mandíbula (“jaw thrust”), permi- traumática ou não traumática que pode levar à anemia aguda
te a permeabilização das vias aéreas. Pacientes inconscientes e ao óbito. Na vigência de sangramento, em condições fisioló-
podem beneficiar-se do uso da cânula orofaríngea (Gue- gicas, ocorrem mecanismos compensatórios à perda de volu-
del), que não pode ser usada no paciente consciente, por in- me sanguíneo tentando preservar o fluxo do mesmo, para ter-
duzir o vômito, devendo, nessa situação, ser substituída pela ritórios considerados nobres como o cérebro e o coração,
cânula nasofaríngea. “sacrificando” de modo geral territórios como pele, rim e cir-
Durante as manobras para manter a permeabilidade das culação intestinal. Caso o sangramento persista e não seja
vias aéreas e, na realidade, durante todo o atendimento, é ne- controlado, tais mecanismos se esgotam, ocorrendo isquemia
cessário lembrar que o paciente pode ter lesão de coluna cer- cerebral e coronária e choque irreversível com óbito.
vical, que pode ser agravada pela manipulação. Assim, até Em termos práticos, o reconhecimento e a estimativa
que seja descartada lesão de coluna cervical, o paciente não do volume perdido são fundamentais para medidas de con-
pode ter seu pescoço submetido a qualquer movimento, quer trole imediato, inclusive no cenário pré-hospitalar, lem-
seja de extensão, flexão, rotação ou lateralização. Se for ne- brando que além da perda de hemácias há perda de plasma
cessário remover os dispositivos de imobilização, alguém da com formação de edema traumático em focos de fratura e
equipe deve manter a cabeça e o pescoço alinhados e imobi- outras lesões de partes moles. Quando a hemorragia é ex-
lizados. Muitas vezes, é impossível descartar lesão de coluna terna e evidente seu reconhecimento torna-se óbvio e rela-
cervical pelo exame físico, mesmo pelo exame neurológico tivamente fácil, porém o sangramento pode não ser óbvio e
completo. É o que acontece, por exemplo, no paciente in- estar confinado a cavidades (torácica ou abdominal), bacia
consciente. Assim, é fundamental proteger a coluna cervical. ou membros com fraturas fechadas. Após o controle da via
O diagnóstico da lesão não é prioritário; a proteção, sim. A aérea e ventilação, a administração de volume se faz conco-
proteção deve ser mantida até ser descartada lesão. Devemos mitante ao controle da hemorragia.
assumir que há lesão de coluna cervical em todo paciente com
trauma multissistêmico, particularmente se tiver alteração do Reconhecimento do problema
nível de consciência ou trauma fechado acima das clavículas.
Quando se chega ao cenário do acidente, o problema
Breathing: respiração e ventilação pode ser reconhecido prontamente, devido à perda sanguí-
nea evidente. Entretanto, apesar da situação chamar bastan-
Avaliados e tratados os problemas de vias aéreas e man- te a atenção, lembramos que é prioritário o controle das vias
tida a proteção da coluna cervical, devemos avaliar a respi- aéreas e ventilação. Apesar de dramática, a situação é relati-
ração e a ventilação do paciente. Isso é feito observando-se o vamente controlada com tamponamento compressivo local.
tórax, analisando a simetria da expansibilidade e a profun- O controle eficiente por compressão, com enfaixamento e
didade e frequência das incursões respiratórias. A inspeção e ataduras estéreis, pode ser difícil no caso de feridas traumá-
a palpação podem também mostrar lesões de parede (esco- ticas abdominais com evisceração ou hemorragias oriundas
riações, contusões, solução de continuidade da parede torá- do cérebro por traumatismo de crânio penetrante. Nesses
cica e fraturas), que podem dificultar a ventilação adequada casos, o encaminhamento à sala de operação pode oferecer
e sugerir ainda lesões subjacentes. A ausculta permite avaliar controle mais eficaz. Por outro lado, frequentemente a he-
a entrada de ar nos pulmões e, junto com a percussão, levar morragia não é evidente e está confinada a um foco de fra-
ao diagnóstico de pneumotórax ou hemotórax. tura, ou em cavidades. No caso de suspeita de sangramento
Pneumotórax hipertensivo, tórax instável com contu- na cavidade abdominal, além do mecanismo de trauma e si-
são pulmonar, hemotórax volumoso e pneumotórax aberto nais de trauma abdominal, a utilização de exame ultrasso-
devem ser diagnosticados durante o exame primário. Ou- nografico focado (FAST) na sala de emergência pode ser
tras lesões que comprometem menos a ventilação, como o uma ferramenta útil para tal diagnóstico. Seu reconheci-
pneumotórax simples, o hemotórax, as fraturas de arcos mento, quando oriunda de um foco de fratura em extremi-
costais e a contusão pulmonar geralmente são diagnostica- dade fechada, é relativamente simples e controlável, com
das no exame secundário. imobilização adequada. No entanto, quando confinada à ba-
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cia, o volume perdido pode chegar a vários litros sem que se oxigênio no sangue, permitindo inferir a pressão parcial de
visualize tal perda, sendo necessário lançar mão de medidas oxigênio) auxilia sobremaneira a avaliação do estado venti-
para coibir a perda (rotação interna das coxas e fixação pro- latório e circulatório, orientando manobras críticas ou
visória da bacia com lençol, em forma de torniquete, objeti- agressivas no tratamento do traumatizado, tanto na fase pré
vando diminuir o diâmetro interno da pelve). quanto na intra-hospitalar.
Atualmente discute-se a reutilização da calça pneumá-
tica nessa situação, pois seu uso, devido a complicações e Repercussões clínicas
contraindicações, havia sido praticamente abandonado. Na
prática, quando a hemorragia não é evidente, nos resta a “Choque não deve ser necessariamente considerado sinô-
observação clínica: dados vitais como pulso e suas caracte- nimo de pressão baixa.”
rísticas, pressão arterial, estado de consciência e enchimen-
to capilar para o diagnóstico, de preferência precoce. O choque é definido como um distúrbio circulatório
com alterações na microcirculação e na perfusão tecidual
Estimativa da perda volêmica que culmina com hipóxia celular e morte.
Como a hemorragia é o fator preponderante no pa-
O volume de sangue circulante no indivíduo adulto ciente traumatizado, o tipo mais comumente encontrado é
pode ser estimado em cerca de 7% de seu peso corpóreo e o choque hipovolêmico ou hemorrágico. Outros tipos de
em crianças, em 8%. O conhecimento desse dado permite, choque podem ser encontrados no paciente traumatizado,
frente a uma estimativa de volume sangrado, classificar o como o cardiogênico, por um tamponamento do coração,
paciente em “classes de hemorragia”, ou seja, por exemplo: ou o neurogênico, por um traumatismo raquimedular ou
perda volêmica de 15% da volemia representa classe I de mesmo associados a hemorragia.
hemorragia e assim por diante, conforme a Tabela 1 abaixo. Um denominador comum fisiopatológico nos estados
Como já foi comentado, a estimativa da perda sanguínea de choque por hemorragia são a hipóxia e a hipovolemia,
pode levar a erros de interpretação, considerando que o san- razão pela qual todo paciente traumatizado deve receber
gue é absorvido por roupas, calçados e até pelo tipo de local oxigênio suplementar, reposição volêmica adequada e con-
onde a vítima se encontra (areia, grama, interior de veículos). trole da hemorragia imediato.
No cenário pré-hospitalar, a administração de líquidos Os sinais clínicos de choque hipovolêmico podem va-
de forma agressiva é dificultada pela obtenção de acesso ve- riar conforme perda sanguínea, idade, condição clínica
noso adequado, de forma que tal conduta vem sendo ques- preexistente, status fisiológico prévio (atletas, grávidas).
tionada em função do tempo requerido e dos benefícios Não devemos esperar que o paciente tenha queda de pres-
causados. Soluções chamadas “hipertônicas”, pois contêm são para diagnosticar condição clínica de choque. Podemos
cloreto de sódio em concentração bem mais elevada que a citar atletas e grávidas (com hipervolemia relativa à condi-
solução dita fisiológica (0,9%), ou seja, 7,5%, teriam a van- ção de gestante) que apresentam hipotensão somente com
tagem de requerer volume reduzido para sua administração grandes perdas de volume sanguíneo, assim como crianças,
(em torno de 200 a 250 mL, por veia periférica), mas têm o que normalmente têm bastante reserva fisiológica, ou não
inconveniente de não poderem ser reutilizadas e terem efei- ocorrência de taquicardia em pacientes idosos que tomam
to transitório. Em geral, não têm sido utilizadas pelos servi- betabloqueadores. Hipotensão é, portanto, sinal tardio de
ços de atendimento pré-hospitalar. Via de regra, a reposição choque (Tabela 1), ocorrendo quando já se tem perdas sig-
volêmica inicial é realizada no cenário hospitalar. nificativas de volume. Os sinais mais precoces de hipovole-
Lembramos que a utilização de um equipamento de mia são a frequência de pulso e a pressão de pulso, que de-
oximetria (aparelho digital conectado ao polegar, que utili- vem ser suficientes para uma monitorização mais estreita, e
zando princípios físicos é capaz de medir a saturação de deve-se iniciar a reposição de volume de imediato.

Tabela 1. Perda estimada de líquido e sangue (baseada no estado clínico geral)

Classe I Classe II Classe III Classe IV


Perda sanguínea Até 15% 15-30 % 30-40% > 40%
Frequência de pulso < 100 > 100 > 120 > 140
Pressão arterial Normal Normal Diminuída Diminuída
Pressão de pulso (mmHg) NL ou aumentada Diminuída Diminuída Diminuída
Frequência respiratoria (i.p.m.) 14-20 20-30 30-40 > 35
Diurese (mL/h) > 30 20-30 5-15 Anúria
Estado mensal/SNC Ansioso Agitado Confuso Letárgico
Enchimento capilar < 2 seg ~ 2 seg > 2 seg Ausente
Reposição volêmica Cristaloides Cristaloides Cristaloides e sangue Cristaloides e sangue
Regra de 3:1
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196 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Observe-se que não é necessário qualquer teste sofisti- de lateralização e de lesão medular. O nível de consciência é
cado para diagnosticar o estado de choque, sendo util para mais bem avaliado pelo escore na escala de coma de Glas-
sua monitorização a obtenção de oximetria de pulso, de ga- gow (GCS, Tabela 2).
sometria arterial, além da diurese para avaliar perfusão te- A alteração do nível de consciência pode ser devida a
cidual ou mesmo a dosagem de lactato sérico sequencial. oxigenação e perfusão cerebral inadequadas ou a lesão cere-
Quando surgem alterações do estado de consciência e bral. Sempre que presente, deve levar-nos a reavaliar os
anúria, com hipotensão severa e ausência de pulsos ditos ABCs (vias aéreas, respiração e circulação). Intoxicação (ál-
centrais (carotídeo ou femorais), estamos diante de um cool ou outras drogas) e hipoglicemia podem também alte-
evento pré-terminal, que levará o paciente a óbito em pou- rar o nível de consciência. No paciente traumatizado, con-
cos minutos, a menos que providências terapêuticas sejam tudo, deve-se assumir que a alteração da consciência é
tomadas. Um fator complicador do estado hipovolêmico é devida ao trauma, até que se prove o contrário. Outro as-
a hipotermia, que interfere diretamente na homeostase cir- pecto que deve ser lembrado é que o nível de consciência
culatória (resposta a catecolaminas, equilíbrio ácido-básico pode alterar-se muito rapidamente no paciente com trau-
e hidroeletrolítico) e na coagulação. Esse é o principal mo- ma fechado de crânio. Daí a importância de reavaliar fre-
tivo pelo qual o paciente deve ser aquecido com cobertores quentemente o paciente, princípio que é válido, aliás, para
e receber soluções a 39°C. todos os aspectos do paciente traumatizado.
Importante: até prova em contrário, no paciente trau-
matizado, existe hipovolemia e perda sanguínea, e o pacien- Exposure/environmental control: exposição, com
te deve ser tratado com administração criteriosa de volume controle do ambiente
e ser reavaliado continuamente.
A avaliação do nível de consciência, da coloração e da Deve-se tirar toda a roupa do paciente, para que ele
temperatura da pele e das características do pulso dá uma possa ser completamente examinado. Logo a seguir, o pa-
ideia muito rápida da situação hemodinâmica do paciente. ciente deve ser coberto com roupa aquecida. A temperatu-
O paciente que perdeu sangue, por diminuição da perfusão ra ambiente deve também ser controlada, para evitar que o
cerebral, pode ter alteração do nível de consciência. Sua pele paciente tenha hipotermia. A reposição volêmica é também
fica fria e pálida e o pulso, rápido e fino ou mesmo não pal- causa de hipotermia. Por isso, além de usar soluções aque-
pável. Os pulsos mais facilmente acessíveis são o femoral e cidas, deve ser feito um esforço para controlar o mais pre-
o carotídeo. As alterações de pulso, particularmente sua cocemente possível a hemorragia, para minimizar a neces-
aceleração, precedem a hipotensão, que aparece apenas sidade de reposição de fluidos. A hipotermia é uma
quando há redução de pelo menos 30% da volemia. complicação potencialmente fatal e sua prevenção deve me-
O sangramento externo deve ser controlado por com- recer tantos cuidados quanto qualquer outro componente
pressão local ou por dispositivos pneumáticos de imobiliza- da reanimação do paciente traumatizado.
ção, que devem ser transparentes, para que se possa avaliar
sua eficiência na promoção da hemostasia. Os torniquetes
devem ser evitados, pois maceram o tecido e provocam is-
Tabela 2. Escala de coma de Glasgow (GCS)
quemia distal, aumentando a lesão. Eventualmente podem
ser usados, em caráter excepcional, em amputações trau- Área avaliada Resposta Escore
máticas de extremidades, quando não se conseguir conter o Abertura ocular (O)
sangramento de outra forma. Mesmo assim, devem ser usa-
Espontânea 4
dos por pouco tempo e sabendo-se que podem causar lesão.
A estímulo verbal 3
Igualmente, se deve evitar controlar sangramento externo
na emergência através do uso de pinças hemostáticas, já que A estímulo doloroso 2
é um procedimento demorado e pode levar a lesão de es- Sem resposta 1
truturas adjacentes (nervos e vasos). Resposta motora (M)
As cavidades torácica e abdominal e as fraturas de gran- Obedece a comandos 6
des estruturas ósseas (ossos longos e bacia) são locais em Localiza a dor 5
que pode ocorrer grande sangramento, nem sempre evi- Flexão normal (retirada) 4
dente. Com frequência, seu controle exige intervenção ci-
Flexão anormal (decorticação) 3
rúrgica.
Extensão anormal (descerebração) 2
Para tratar os problemas de circulação do paciente, após
a detecção e o controle do sangramento (quando possível), Sem resposta 1

deve-se obter acesso venoso (no mínimo dois cateteres de Resposta verbal (V)
grosso calibre em veia periférica) e fazer reposição volêmica. Orientado 5
Confuso 4

Disability: incapacidade, estado neurológico Palavras inapropriadas 3


Sons incompreensíveis 2
Ainda no exame primário, deve ser feito um exame Sem resposta 1
neurológico rápido para avaliar o nível de consciência, o ta-
Escore na GCS = O + M + V. Melhor escore possível: 15; pior escore possível: 3.
manho das pupilas e sua reação à luz, a presença de sinais
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15 ■ O ATENDIMENTO INICIAL DO PACIENTE TRAUMATIZADO 197

Antes de prosseguir com o exame secundário, deve ser ras. Pneumotórax, hemotórax e tamponamento cardíaco
feita reavaliação dos ABCDEs, para verificar a situação atual podem ser suspeitados pelo exame detalhado do tórax.
do paciente. Se houver algum problema, não se continua
com o exame secundário enquanto ele não for resolvido e o Abdome
paciente, estabilizado.
Deve ser examinado repetidamente, já que os achados
EXAME SECUNDÁRIO de exame físico podem variar com o tempo, particularmen-
te no trauma fechado. O exame é também feito por inspe-
Consiste na avaliação detalhada do paciente, da cabeça ção, ausculta, palpação e percussão. Fraturas dos últimos
aos pés. Começa com a história e inclui o exame de cada re- arcos costais e de pelve também prejudicam o exame abdo-
gião do corpo, além do exame neurológico completo e da minal, por causarem dor. Na suspeita de lesão abdominal,
reavaliação dos sinais vitais (pulso, pressão arterial e fre- quer se trate de trauma fechado ou de ferimentos pene-
quência respiratória). trantes, é importante envolver precocemente o cirurgião na
avaliação e no tratamento do paciente.
História
Períneo
A história deve ser AMPLA, versando sobre: Alergias,
Medicações de uso habitual, Passado médico/Prenhez, Lí- Deve ser também cuidadosamente examinado, buscan-
quidos e alimentos ingeridos recentemente e Ambiente e do-se a presença de hematomas, contusões, lacerações e
eventos relacionados ao trauma. Frequentemente a história uretrorragia. O toque retal deve ser feito, devendo-se pes-
precisa ser obtida ou complementada com o pessoal do pré- quisar o tônus do esfíncter, a integridade da parede retal, a
hospitalar e a família. presença de fratura de pelve (espículas ósseas), a posição e
A compreensão do mecanismo de trauma (o que real- as características da próstata e a presença de sangue na luz
mente aconteceu) ajuda a suspeitar e prever muitas das le- retal. Na mulher, deve ser feito o exame vaginal, procuran-
sões. Informações sobre medicações, doenças prévias e aler- do sangramento e lacerações.
gias ajudam a entender o estado fisiológico atual do paciente,
o impacto do trauma sobre ele e a planejar as intervenções. Sistema musculoesquelético

Exame físico Deve-se procurar contusões, deformidades, sinais de


fraturas (edema, hematoma, desvio, crepitação, movimen-
Cabeça e face tação anormal, dor), presença e características dos pulsos
periféricos e alterações de sensibilidade e motricidade. A
A cabeça e a face devem ser examinadas detalhadamente bacia deve ser examinada quanto à presença de equimoses
por inspeção e palpação, buscando-se a presença de lacera- ou hematomas, dor e mobilidade, que podem sugerir fratu-
ções, contusões e fraturas. Deve ser feito exame dos olhos ra. A coluna torácica e a lombar devem também ser cuida-
(acuidade visual, tamanho das pupilas e reação à luz, hemor- dosamente examinadas. O dorso deve igualmente ser exa-
ragia conjuntival, presença de lentes, ferimentos penetrantes) minado, rodando-se o paciente com técnica apropriada
e dos ouvidos (sangramento externo, hemotímpano). As fra- (rolamento em bloco).
turas de face põem em risco a vida do paciente apenas quan-
do sangram muito ou quando obstruem a via aérea. Fora des- Exame neurológico
sas situações, seu tratamento pode ser postergado sem risco.
Deve ser refeito o exame neurológico, incluindo o esco-
Pescoço re na GCS. As extremidades devem ser examinadas quanto à
sensibilidade e à motricidade. Na presença de lesão neuroló-
Manter a imobilização cervical até que seja descartada le- gica, o neurocirurgião deve ser consultado precocemente. O
são, particularmente na presença de trauma de crânio ou face. paciente deve ser reavaliado frequentemente, a fim de sur-
O pescoço deve ser inspecionado, palpado e auscultado. Pes- preender piora no seu estado neurológico, que poderá signi-
quisar dor, enfisema de subcutâneo, desvio de traqueia, crepi- ficar aumento da pressão intracraniana por progressão de
tação por fratura óssea ou de cartilagem, sopros e frêmitos em lesão com efeito de massa e obrigar a cirurgia de urgência.
trajeto de carótidas, ingurgitamento de veias. Quando presen-
te, o capacete deve ser cuidadosamente removido, com técni- REAVALIAÇÃO E ENCAMINHAMENTO PARA
ca adequada, mantendo-se a proteção da coluna cervical. Fe- TRATAMENTO DEFINITIVO
rimentos penetrantes não devem ser explorados na
emergência, devendo-se, antes, consultar o cirurgião. O paciente traumatizado deve ser continuamente rea-
valiado e monitorado quanto a sinais vitais, débito urinário,
Tórax eletrocardiograma e oximetria de pulso. O exame físico e o
exame neurológico devem ser repetidos periodicamente
Deve ser examinado pela inspeção, palpação, percussão para detectar lesões que ainda não foram detectadas e que
e ausculta. Procurar sinais de contusão, hematomas e fratu- podem piorar a condição do paciente.
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198 ATUALIZAÇÃO EM EMERGÊNCIAS MÉDICAS

Quando indicada transferência para serviço com maio- nobra de reanimação, determina erros médicos que devem
res recursos, ela deve ser feita após contato pessoal de mé- necessariamente ser decodificados como erros de uma equi-
dico para médico, com o paciente já estabilizado, mas sem pe multidisciplinar assistencial.
perder tempo com exames e procedimentos que não mu- Sem esgotar esse assunto vasto e complexo, iremos sa-
dem agudamente a situação do paciente e que retardariam lientar os erros e iatrogenias mais comuns, frisando que, in-
o tratamento definitivo. felizmente e frequentemente, eles acabam inevitavelmente
ocorrendo, pois somos obrigados a tomar decisões rápidas
DOCUMENTAÇÃO com base em dados incompletos e com suspeitas diagnósti-
cas ainda não confirmadas.
Deve ser feito registro sequencial de tudo o que aconte- Antes mesmo de atender, é conveniente lembrar que
ceu com o paciente: avaliação, intervenções e evolução. Além devemos estar sempre preparados para o atendimento, pre-
de importante para o tratamento do paciente, que frequen- ferencialmente nos antecipando às necessidades do pacien-
temente é atendido por mais do que um médico ao longo do te que vamos receber. Nesse ponto, já ocorrem inúmeros er-
tempo, o registro cuidadoso é muito importante se houver ros: falta de contato de médico para médico, fornecendo os
problemas médico-legais posteriores. Da mesma forma, evi- dados pertinentes do caso, falta de disponibilização imedia-
dências forenses devem ser preservadas sempre que possível ta de recursos materiais e humanos para o atendimento (o
(projéteis, roupa, dosagens de álcool ou drogas). Em caso de médico não está no setor, ou mesmo no plantão, não existe
transferência, tanto a documentação quanto os resultados equipe disponível de enfermagem, auxiliares), inexistência
de exames devem acompanhar o paciente. de material disponível funcionando e checado periodica-
mente (laringoscópios, soro aquecido, cânulas de taqueos-
ERROS E IATROGENIAS NO ATENDIMENTO INICIAL tomia e intubação, fios de sutura, drenos de tórax, cone-
DO TRAUMATIZADO xões, aspiradores, ventiladores testados previamente etc.),
ausência de material de monitorização como oxímetros,
A escassa experiência com o atendimento inicial a víti- monitores cardíacos, desfibriladores etc. Até mesmo esfig-
mas de traumatismos e a falta de conhecimento teórico a momanômetros calibrados e com medição confiável não
respeito do assunto por parte de muitos médicos, enfermei- são disponibilizados em inúmeros serviços, onde chega a
ros, técnicos de enfermagem e de raios X, auxiliares e outros faltar até mesmo um cabo e uma lâmina de bisturi.
profissionais envolvidos no atendimento condicionam a A equipe que vai prestar o atendimento muitas vezes
ocorrência frequente de erros e iatrogenias. não se paramenta adequadamente para se proteger contra
Além disso, a falta de sistematização no atendimento e doenças infectocontagiosas, como hepatite e AIDS. Dados
consequentemente a inobservância de uma ordem de prio- de atendimento pré-hospitalar são omitidos ou não questio-
ridades leva ao insucesso no atendimento e até ao óbito do nados, principalmente o mecanismo de trauma e o interva-
paciente. É necessário salientar que sequelas graves também lo de trauma, fundamentais para o raciocínio diagnóstico.
devem ser evitadas. Por isso, devemos realizar um exame Na etapa inicial, na desobstrução das vias aéreas, é co-
completo na fase do exame secundário do atendimento ini- mum que a retirada de corpos estranhos alojados na boca e
cial, mantendo sempre uma atitude de alta suspeição com na faringe seja realizada de modo inadequado ou incom-
relação à possibilidade de lesões que possam passar desa- pleto, resultando em aspiração para as vias aéreas de restos
percebidas. Por exemplo, uma fratura de um ossículo da alimentares, coágulos ou próteses dentárias. O resultado é o
mão cujo diagnóstico depende de suspeita a partir de um aparecimento de atelectasias e de infecções pulmonares. O
exame clínico detalhado e uma radiografia adequada, que acesso invasivo às vias aéreas, seja através da boca ou do na-
se não realizados, podem deixar sequelas e um ônus social riz, pode resultar em intubação esofagiana ou seletiva (do
considerável, sobretudo se tivermos um paciente cuja pro- brônquio fonte direito). O uso de drogas hipnóticas ou
fissão é digitador. miorrelaxantes para facilitar a intubação pode precipitar a
De fato, quando analisamos erros e iatrogenias, geral- hipoventilação e a anoxia.
mente concluímos que este é um problema complexo, mul- A drenagem de tórax é, seguramente, uma das frequen-
tifatorial, cujo estudo detalhado não é objeto deste capítu- tes fontes de iatrogenias. Não é incomum que o dreno seja
lo. Entretanto, consideramos que podem ser agrupados em inserido fora da cavidade pleural (entre os planos muscula-
um conjunto de “sinais e sintomas” reconhecidos pelo res). Sua introdução pode resultar em lesões viscerais (pul-
nome de síndrome. Desse modo, temos: a síndrome da ne- mão, fígado, baço, estômago), particularmente quando há
gligência (cansaço) da imperícia (despreparo), da impru- lesão diafragmática e herniação de vísceras abdominais
dência (desespero). O desconhecimento, por formação ina- para o tórax. Uma regra simples, mas eficiente para evitar
dequada, falta de reciclagem, educação informal “viciada” tais iatrogenias, é explorar com o dedo o trajeto através do
(aquela obtida informalmente em plantões com colegas igual- qual o dreno vai ser introduzido e evitar a introdução for-
mente despreparados ou mal formados), excesso de trabalho çada do dreno. O funcionamento do dreno pode ser preju-
e ou plantões, por conta de uma remuneração insatisfató- dicado por extensões inadequadas, por pinçamentos inten-
ria, resulta em falta de atenção e, consequentemente, erros. cionais ou inadvertidos e por inversão dos tubos dentro do
Por fim, a falta de treinamento e/ou condicionamento psi- frasco.
comotor e afetivo para decidir, em condições críticas e pra- O acesso venoso, quando feito por punções centrais por
ticamente imediatas, pela realização desta ou daquela ma- via percutânea, pode levar a pneumotórax (por punção do
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15 ■ O ATENDIMENTO INICIAL DO PACIENTE TRAUMATIZADO 199

pulmão), a hemotórax (por transfixação da veia ou da arté- tempo todo permitirá que o diagnóstico seja feito (às vezes,
ria subclávia), a hidrotórax (por inserção do cateter na somente com recursos propedêuticos mais sofisticados).
pleura). Tais complicações são particularmente comuns Erro inapelável é a falta de documentação. Ainda que o
justamente nos casos mais graves, quando os pacientes es- estresse da situação, o grande número de casos a serem
tão acentuadamente hipovolêmicos e se apresentam agita- atendidos e os múltiplos procedimentos realizados possam
dos e, não raramente, precipitam uma hipóxia fatal. Se fei- explicá-lo, não se pode justificá-lo do ponto de vista legal,
to por dissecção cirúrgica, o acesso venoso pode resultar em pois “somente o que foi documentado foi feito”. Lembramos
lesões acidentais de nervos e de artérias. Cateteres longos e que no caso de um processo jurídico a responsabilidade
finos podem fornecer informações errôneas quanto aos va- médica é intransferível e que um prontuário bem preenchi-
lores de PVC (medida de importância secundária para o do é a melhor defesa que pode existir.
atendimento na maioria dos casos) e não se prestam a infu- Podemos afirmar que o melhor antídoto contra o erro
sões rápidas de grandes volumes. Por isso, insistimos na e a iatrogenia é fazer tudo sempre com atenção e metodiza-
conveniência de usar acessos periféricos, por cateteres cur- ção, reavaliando constantemente tudo que é feito, e se va-
tos e calibrosos. lendo de todos os recursos de monitorização disponíveis
A reposição volêmica frequentemente é insuficiente para que possam servir de “alarme” quando “algo que fizemos
fazer frente às perdas sanguíneas (as vezes ocultas ou de di- não esta indo bem”, além de promover uma integração ade-
fícil avaliação), e o paciente permanece em choque por tem- quada dos diversos profissionais envolvidos no atendimen-
po prolongado, evoluindo para insuficiências orgânicas. O to, que pode funcionar desse modo: “o que eu não estou ven-
uso inadequado dos chamados “expansores ou substitutos do outro estará e assim por diante”. Principalmente, devemos
de plasma” (polissacárides de cadeia e peso molecular va- ter honestidade intelectual para buscarmos o conhecimen-
riáveis) pode desencadear coagulopatia e agravar a hemor- to que ainda não temos, o treinamento que ainda não con-
ragia. Drogas vasoativas precipitam insuficiências orgâni- seguimos e precisamos obter. O ideal seria que não apren-
cas. O garroteamento para interromper hemorragias de dêssemos com erros, nem com os próprios, mas isso o
vasos de extremidades é praticamente contraindicado na homem ainda não conseguiu.
esmagadora maioria de situações, com raríssimas exceções.
A sondagem vesical, quando feita sem os devidos cuidados,
pode resultar em lesões graves da uretra. CONCLUSÕES
A imobilização cervical costuma ser feita por colares
inadequados ou colocados de forma indevida. É pouco ■ O exame primário é realizado de modo rápido e obedecendo
uma sequência lógica previsível de eventos que podem
usual que nos serviços de emergência se adote a realização comprometer a vida do paciente, segundo o ABCDE, identificando
rotineira de radiografias de coluna cervical nas condições e ao mesmo tempo tratando lesões que oferecem risco imediato
acima assinaladas. O exame incompleto do paciente resulta de morte ao paciente.
em lesões despercebidas e em diagnósticos tardios. ■ O exame secundário é iniciado após o exame primário e a
Existem ainda outras iatrogenias não classificáveis en- estabilização do paciente, levando em conta a biomecânica do
tre as categorias anteriormente mencionadas. Assim, a trauma e a história ampla, de modo minucioso e completo, com
inobservância dos mais elementares princípios de antissep- alto índice de suspeição, visando diagnosticar lesões com
sia é comum nos procedimentos invasivos executados na morbimortalidade potencias e que podem deixar sequelas.
sala de emergência. Como consequência, são comuns as in- ■ A monitorização, a reavaliação e a reanimação são realizadas
fecções respiratórias e urinárias, os empiemas pleurais, as concomitantemente durante o atendimento inicial.
flebites sépticas, as celulites. A sondagem nasogástrica em ■ O médico deve estar atento às condições fisiológicas e
pacientes portadores de fraturas de base de crânio pode re- fisiopatológicas que podem interferir nos diagnósticos e no
tratamento de grupos de pacientes em extremo de idade ou
sultar na introdução inadvertida da sonda dentro da caixa
gestantes.
craniana, através da placa cribiforme.
Lembramos que em determinados casos não se deve
perder tempo com exames desnecessários ou inoportunos
para aquele momento. Desse modo, devemos transferir o REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
paciente assim que obtivermos sua estabilização e isso pode
idealmente ocorrer já no término da avaliação primária, 1. American College of Surgeons Committee on Trauma. Advanced Trau-
com as lesões que ameaçam agudamente sua sobrevivência ma Life Support for doctors. 7. ed. Chicago: American College of Sur-
geons; 2002.
já tratadas e com o paciente em situação de melhor estabi- 2. Poggetti RS. ATLS program in Brazil. Slide presentation to the Subcom-
lidade possível. O exame secundário frequentemente é ne- mittee on Advanced Trauma Life Support of the American College of
gligenciado, ou se realizado, feito de modo sofrível e abso- Surgeons Committee on Trauma. 2001.
lutamente incompleto. Ferimentos devem ser inspecionados 3. Blumenfield A, Ben Abraham R, Stein M, et al. Cognitive knowledge de-
cline after Advanced Trauma Life Support courses. Journal of Trauma
cuidadosamente. “Nem sempre o que parece é”. O exame fí- 1998; 44: 513-6.
sico completo não deve ser omitido. É preciso ter em men- 4. Ali J, Adam R, Butler AK, et al. Trauma outcome improves following the
te que algumas lesões são relativamente difíceis de serem Advanced Trauma Life Support program in a developing country. Jour-
diagnosticadas e somente um “desconfiômetro” ligado o nal of Trauma 1993; 34: 890-9.
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