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FORTALEZA
2016
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA........................................................................3
2. INTRODUÇÃO.............................................................................................................3
3. A INERRÂNCIA DA BÍBLIA.....................................................................................4
3.1. A importante questão da inspiração...........................................................................6
3.2. A diferença entre inspiração, revelação e iluminação............................................10
3.3. Os autógrafos e as cópias...........................................................................................10
3.4. A Bíblia como um livro divino e humano................................................................11
4. A DEFINIÇÃO DE CÂNON E O PROCESSO DE CANONIZAÇÃO DA
BÍBLIA.........................................................................................................................12
5. O CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO E SEU DESENVOLVIMENTO
5.1. A extensão do cânon do A.T.
5.2. A organização dos livros do A.T.
5.3. O reconhecimento do A.T. como escritura sagrada.
6. PERÍODO INTERBÍBLICO.
6.1. A origem dos apócrifos do A.T.
6.2. A importante influência do império grego.
7. O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO.
7.1. O desenvolvimento e extensão do cânon do N.T.
7.2. A organização dos livros do N.T.
7.3. O reconhecimento do N.T. como escritura sagrada.
8. A BÍBLIA ATRAVÉS DOS SÉCULOS.
8.1. Línguas originais.
8.2. Traduções.
8.3. Cópias.
8.4. Preservação.
9. CONCLUSÃO.
10. BIBLIOGRAFIA.
3
1. INTRODUÇÃO.
Sem sombra de dúvidas ela é um livro único. Essa declaração é proposital, pois
estamos falando de um dos livros mais antigos do mundo e, no entanto, ainda é o best-seller
mundial por excelência, mesmo com a grande concorrência atual do Alcorão. Ela atravessa
culturas e etnias, e se mantém soberana desde épocas, até mesmo, remotas. Podem dizer o que
quiserem a respeito de sua origem, mas a realidade é que não se pode taxa-la de retrógrada
por que até mesmo o próprio ocidente reconheceu que ela está acima da sangrenta discursão
cultural entre oriente e ocidente. Tiranos, por vezes enciumados, e outras vezes invejosos,
tentaram destruí-la, mas pessoas têm arriscado a sua vida para protegê-la e preservá-la –
aquilo que para os destituídos de coragem é a coisa mais importante. É o livro mais traduzido,
mais citado, mais publicado e que mais influência tem exercido em toda a história da
humanidade. Estamos falando da Bíblia1.
Mas, de onde veio a Bíblia? Que garantia temos nós, que só os livros certos foram
incluídos na Bíblia? A Bíblia contém erros? Se a Bíblia é um livro antigo, o que temos são
cópias? Seus originais existem? Quais são as cópias mais antigas da Bíblia de que dispomos?
Como podemos ter certeza de que o texto da Bíblia não foi mudando ao longo dos anos? Por
que há tantas traduções da Bíblia, e qual delas se deve usar? Essas são apenas algumas das
muitas questões importantes acerca da Bíblia, cujas respostas tentaremos elucidá-las na
presente apostila.
2. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA.
“Bibliologia Bíblica é o estudo da história e da teologia no que diz respeito às origens,
formação transmissão da Bíblia enquanto livro e enquanto revelação divina para os homens”
(PESTANA, 2008, p.6 – ênfase minha).
Nesta definição de Pestana podemos perceber duas características importantes da
referida disciplina: 1) é um estudo histórico, pois acompanha todas as fases da trajetória da
Bíblia como livro; e 2) é, simultaneamente, um estudo de teologia, pois observa a tanto o
processo de formação, transmissão e desenvolvimento da Bíblia do ponto de vista teológico,
como de suas evidencias internas, demonstrando a Bíblia como de Palavra de Deus.
Portanto, a Bibliologia Bíblica, ocupa-se em encarar a Bíblia como um livro humano,
e, ao mesmo tempo, como revelação divina.
1
A palavra Bíblia (Livro) entrou para as línguas modernas por intermédio do francês, passando primeiro pelo
latim biblia, com origem no grego biblos. Originariamente era o nome que se dava à casca de um papiro do
século XI a.C. Por volta do século II d.C, os cristãos usavam a palavra para designar seus escritos sagrados.
(GEISLER; NIX, 1997, p.5)
4
3. A INERRÂNCIA DA BÍBLIA.
Devemos iniciar a questão pelo termo inerrância. Etimologicamente a palavra
inerrância é composta por um prefixo de negação “in” mais um adjetivo “errante” que
significa “aquele que não erra”, ou, “aquele que não é capaz de errar”. Contudo, não
queremos apenas a definição de um termo, mas definir e formular uma doutrina, e isso exige
mais do que um estudo etimológico. Para a teologia a palavra inerrância tem o sentido de que
“o conhecimento total dos fatos mostra [que] os autógrafos originais das Escrituras, se
interpretados adequadamente, são verdadeiros em tudo que afirmam seja no aspecto
doutrinário, moral, social, físico ou científico” (GEISLER [org.], 2003, p.349 – acréscimo
meu). Isso significa que a palavra inerrância, do ponto de vista bíblico/teológico está mais
associada ao conceito de “verdade” do que “impossibilidade de erro”. Portanto, a definição
bíblico/teológica de inerrância da Bíblia é que ela “sempre diz a verdade”, ou, que “ela é
inteiramente verdadeira e nunca falsa”. 2
O Salmo 119 prova o ponto quando diz três vezes que verdade é um atributo da
palavra de Deus (Bíblia): “A tua lei é a verdade” (v. 142 – NVI); “Todos os teus
mandamentos são verdadeiros” (v. 151 – NVI); “A verdade é a essência da tua palavra” (v.
160 – NVI). E ainda podemos contar com passagens como Provérbios 30:5 que diz: “Cada
palavra de Deus é comprovadamente pura” (NVI); e João 17:17 que diz: “A tua palavra é a
verdade” (NVI). Então o que afirmamos tem, sim, o apoio da própria Bíblia.
Uma pergunta se faz necessária: “se olharmos somente pela definição etimológica, a
Bíblia contém erros?” Bem, antes de começarmos a responder a questão, vale lembrar três
pontos importantes: 1) O distanciamento histórico. Do início de seu testamento mais recente
já se passa mais de dois mil anos; 2) O distanciamento linguístico. Suas línguas originais
estão mortas: hebraico antigo, o aramaico (siríaco); e o grego coinê; 3) O distanciamento
cultural. Mesmo com muitas partes do oriente buscando manterem-se fiéis a cultura antiga, é
evidente o seu distanciamento cultural.
Partindo desse ponto, temos duas afirmações a fazer. 1) A Bíblia não tem compromisso
com a linguagem técnica da ciência. Vejamos esse importante comentário de Grudem (2014,
p.59):
A Bíblia pode falar que o sol nasce e a chuva cai porque, pela ótica de quem fala, é
exatamente isso que ocorre. Da perspectiva de um observador postado no sol (caso
fosse possível) ou em algum ponto “fixo” hipotético no espaço, a terra gira trazendo
o sol ao campo visual, e a chuva não cai só de cima para baixo, como também de um
lado para outro ou de baixo para cima, de acordo com a direção necessária para que
seja conduzida pela gravidade até a superfície da terra. Mas essas explicações são
2
Veja Geisler, A inerrância da Bíblia: uma defesa sólida da infalibilidade das Escrituras, p. 349.
5
Portanto, essa é linguagem que a Bíblia usa a “do ponto de vista do observador”.
2) A existência de aparentes discrepâncias não significam erros. Um dos exemplos
mais recentes é a passagem sinótica do cego, ou, cegos de Jericó, registrada em Mt. 20:29,
Mc. 10:46, e Lc. 18:35. No relato de Mateus e Marcos, havia dois cegos e Jesus e seus
discípulos estavam saindo de Jericó. Já no de Lucas, havia somente um cego e Jesus e seus
discípulos estavam chegando a Jericó. E então, como resolver essa aparente discrepância?
Vejamos esse comentário de Morris (2007, p.254) sobre a questão:
Mateus fala de dois cegos sendo curados enquanto Jesus saia de Jerico. Marcos
menciona um cego, citando seu nome, Bartimeu, curado enquanto Jesus saia desta
cidade- Lucas não da o nome do homem e localiza o milagre na ocasião da entrada
de Jesus na cidade. Ha pouca duvida de que todos os três se refiram ao mesmo
incidente, embora com as informações que atualmente possuímos talvez seja
impossível dar uma explicação satisfatória destas diferenças. Alguns pensam que
houvesse dois cegos, dos quais Bartimeu era o mais destacado ou mais conhecido na
igreja. E ressaltado também que havia dois Jericos, a antiga, famosa no Antigo
Testamento, e a nova, estabelecida perto por Herodes Magno. Alguns sustentam que
a cura foi realizada enquanto Jesus saia de uma delas para entrar na outra.
Bíblia contém vários gêneros literários como, apocalíptico, profético, drama, etc. Os Salmos,
por exemplo, são escritos em forma de poesia, e isso nada tem a ver com a verdade ou
falsidade do conteúdo expresso pelo estilo.
3) A inerrância não requer precisão histórica ou semântica. Costuma-se dizer que a
doutrina da inerrância é insustentável porque a Bíblia não parece se preocupar com os
parâmetros da precisão histórica e linguística em que nosso tempo exige. Para alguns a
palavra imprecisão tem um sentido de “ambiguidade; incerteza; dubiedade; dúvida” (BUENO,
2007, p.424). Mas pensemos um pouco. Um fato deixa de ser um fato se for contado de outro
ponto de vista, e ainda, com mais simplicidade? E ainda, fatos historicamente registrados
deixam de ser verdadeiros se forem contados em forma de crônica, poesia e outro gênero
literário? Deixam de ser precisos? Com certeza não. Então mais uma vez, como
argumentamos antes, é uma questão de verdade. “Por que absolutizar o critério moderno de
precisão? Não era de esperar que a Escritura refletisse os padrões da época em que foi escrita?
Não seria arrogância de nossa parte achar que nossos padrões estão certos e os dos autores
bíblicos estão errados?” (GEISLER [org.], 2003, p.355).
Poderíamos continuar questão das ressalvas em favor da inerrância nos aprofundando
na questão, mas não temos tempo e espaço aqui para isso. Recomendamos a leitura do
capítulo nove da obra organizada por Norman Geisler de título: A inerrância da Bíblia,
páginas 303 à 361. Passemos agora para o ponto seguinte.
dos homens que produziram os escritos inspirados, podemos, por extensão, referir-
nos à inspiração em sentido mais amplo. Tal sentido mais amplo inclui o processo
total por que alguns homens, movidos pelo Espírito Santo, enunciaram e escreveram
palavras emanadas boca do Senhor; e, por isso mesmo, palavras dotadas da
autoridade divina.
suas vontades. Esta teoria, portanto, enfatiza sobremaneira a autoria divina ao ponto de
excluir a autoria humana.
3) A teoria da inspiração natural ou intuição.
Afirma que a inspiração é simplesmente um discernimento superior das verdades
moral e religiosa por parte do homem natural. Assim como tem havido artistas, músicos e
poetas excepcionais, que produziram obras de arte que nunca foram superadas, também em
relação às Escrituras houve homens excepcionais com visão espiritual que, por causa de seus
dons naturais, foram capazes de escrever as Escrituras. Esta é a noção mais baixa de
inspiração, pois enfatiza a autoria humana a ponto de excluir a autoria divina. Esta teoria foi
defendida pelos pelagianos e unitarianos.
4) A teoria da inspiração mística ou iluminação.
Afirma que inspiração é simplesmente uma intensificação e elevação das percepções
religiosas do crente. Cada crente tem sua iluminação até certo ponto, mas alguns têm mais do
que outros. Se esta teoria fosse verdadeira, qualquer cristão em qualquer tempo, através da
energia divina especial, poderia escrever as Escrituras. Schleiermacher foi quem disseminou
esta teoria. Para ele inspiração é “um despertamento e excitamento da consciência religiosa,
diferente em grau e não em espécie da inspiração piedosa ou sentimentos intuitivos dos
homens santos”.
5) A teoria da inspiração dos conceitos e não das palavras.
Esta teoria pressupõe pensamentos à parte das palavras, através da qual Deus teria
transmitido ideias, mas deixou o autor humano livre para expressá-las em sua própria
linguagem. Mas ideias não são transferíveis por nenhum outro modo além das palavras. Esta
teoria ignora a importância das palavras em qualquer mensagem. Muitas passagens bíblicas
dependem de uma das palavras usadas para a sua força e valor. O estudo exegético das
Escrituras nas línguas originais é um estudo de palavras, para que o conceito possa ser
alcançado através das palavras, e não para que palavras sem importância representem um
conceito. A Bíblia sempre enfatiza suas palavras e não um simples conceito (1Co. 2:13; Jo.
6:63; 17:8; Ex. 20:1; Gl. 3:16).
6) A teoria dos graus de inspiração.
Afirma que há inspiração em três graus. Sugestão, direção, elevação, superintendência,
orientação e revelação direta, são palavras usadas para classificar estes graus. Esta teoria alega
que algumas partes da Bíblia são mais inspiradas do que outras. Embora ela reconheça as duas
autorias, dá margem à especulação fantasiosa.
7) A teoria da inspiração verbal plenária.
9
3
Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAN2gAK/bibliologia Acessado em: 14 de Março
de 2016.
10
escrever: "... tudo o que outrora foi escrito, para o nosso ensino foi escrito" (Rm.
15:4).
Antes de prosseguirmos vejamos o que vem a ser autógrafo? Bueno diz que um
autógrafo é um “escrito do próprio autor” (2007, p.102). Então, partindo desse ponto, a
palavra “autógrafo”, se utilizada no campo da Bibliologia bíblica, se refere ao escrito de
original dos autores bíblicos (e.g. o escrito de Isaías, Jeremias, Paulo, João, etc.). O que
Geisler e Nix tiveram a intenção de dizer é que a inerrância e a inspiração da Bíblia está
contida somente nos escritos originais de próprio punho dos autores bíblicos.
Obviamente não existem mais os originais, pois devido o tempo que se passou se
desgastaram. Andersen sugere Jó como o livro mais antigo do A.T. com “cerca de 750 a.C”
(1984, p.62). Já em relação ao N.T., Carson, Moo e Morris sugerem Gálatas como documento
11
mais antigo de mais ou menos 48 d.C4. Muitos têm feito objeções à inerrância dos autógrafos,
pois não podem ser examinados e nunca foram vistos. Eles perguntam: como é possível
afirmar que os originais não continham erro, se não podem ser examinados? “A resposta é
que a inerrância bíblica não é um fato conhecido empiricamente, mas uma crença baseada no
ensino da Bíblia a respeito de sua inspiração, bem como baseada na natureza altamente
precisa da grande maioria das Escrituras transmitidas e na ausência de qualquer prova em
contrário” (GEISLER; NIX, 1997, p.12)
Abordaremos a questão – “até que ponto as cópias da Bíblia são exatas?” – com um
pouco mais de abrangência posteriormente no ponto 6. Previamente, Geisler e Nix (1997,
p.12) nos dão um pouco de refrigério com o seguinte comentário: “por ora basta-nos observar
que o grandioso conteúdo doutrinário e histórico da Bíblia tem sido transmitido de geração a
geração, ao longo da história, sem mudanças nem perdas substanciais”. E ainda:
As cópias e as traduções da Bíblia, encontradas no século xx, não detêm a inspiração
original, mas contêm uma inspiração derivada, uma vez que são cópias fiéis dos
autógrafos. De uma perspectiva técnica, só os autógrafos são inspirados; todavia,
para fins práticos, a Bíblia nas línguas de nossa época, por ser transmissão exata dos
originais, é a Palavra de Deus inspirada (GEISLER; NIX, 1997, p.12).
A Bíblia assevera ser a declaração de um Deus incapaz de cometer erro. É verdade que
nunca se descobriram os originais infalíveis da Bíblia, contudo, nunca descobriram um único
autógrafo original falível. O que nós temos em mãos são manuscritos que foram copiados
com toda precisão e traduzidos para muitas línguas, dentre as quais está o nosso português
(provaremos o ponto no cap.6). “Portanto, para todos os efeitos de doutrina e de dever, a
Bíblia como a temos hoje é representação suficiente da Palavra de Deus, cheia de autoridade”
(GEISLER; NIX, p.12).
4
Ver CARSON; MOO; MORRIS, Introdução ao Novo Testamento, p.326.
12
Já o que tencionamos dizer com a Bíblia ser um livro divino é que “Deus controlava
de tal forma o processo da comunicação dirigido a seus servos, e por meio deles, que, em
última análise, era Ele mesmo a fonte e o emissor não da profecia bíblica simplesmente, mas
também da história, da sabedoria e das doutrinas bíblicas – e ainda dos poemas, cujas
diretrizes magníficas de adoração e devoção fixaram um padrão de louvor e adoração para os
crentes de todas as épocas” (GEISLER (org), 2003, p.227).
Portanto, a Bíblia é inegavelmente inerrante, pois afinal de contas, ela foi inspirada
pelo próprio Deus, e o fato de haver a participação humana em sua produção não elimina a
sua infalibilidade.
5
Para um melhor entendimento, veja KOSTENBERGER; KRUGER, A heresia da ortodoxia (São Paulo, SP:
Editora Vida Nova, 2014), pp.139-238.
13
autoridade divina num livro, se ele não fosse revestido de nenhuma autoridade” (GEISLER;
NIX, 1997, p.4).
Reconhecimento por parte do povo de Deus. Uma vez que Deus houvesse autorizado e
autenticado um documento, os homens de Deus o reconheciam. Kostenberger e Kruger
reconhecem a familiaridade do povo de Deus com os termos de aliança do Antigo Oriente
Próximo6, e a relaciona com o reconhecimento do povo a um cânon dizendo que “os escritos
canônicos são, por assim dizer, a documentação de Deus, de sua relação de aliança com o seu
povo” (2014, p.149). Por fim, Kostenberger e Kruger (2014, p.150) finalizam dizendo que,
O cânon não meramente uma ideia criada pelos cristãos do quarto século, ou um
conceito que surgiu depois dos fatos e que a igreja desenvolveu para lutar contra os
primeiros hereges, como Marcião. Antes, o conceito de cânon é parte permanente da
vida do povo de Deus desde o início de Israel como nação e, portanto, continua ser
parte do seu povo na vida da igreja.
Então, podemos concluir que “esse reconhecimento ocorria de imediato, por parte da
comunidade a que o documento fora destinado originariamente. A partir do momento que o
livro fosse copiado e circulado, com credenciais da comunidade de crentes, passava a
pertencer ao cânon” (GEISLER; NIX, 1997, p.74).
Coleção e preservação pelo povo de Deus. Geisler e Nix começam com a seguinte
afirmação: “o povo de Deus entesourava a Palavra de Deus” (1997, p.74). E, ainda, Geisler e
Nix (1997, p.74) continuam:
Os escritos de Moisés eram preservados na arca (Dt. 31:26). As palavras de Samuel
foram colocadas “num livro, e o pôs perante o Senhor” (1Sm. 10:25). A lei de
Moisés foi preservada no templo nos dias de Josias (2Rs. 23:24). Daniel tinha uma
coleção dos “livros” nos quais se encontravam “a lei de Moisés” e “os profetas”
(Dn. 9:2,6,13). Esdras possuía cópias da lei de Moisés e dos profetas (Ne. 9:14,26-
30). Os crentes do Novo Testamento possuíam todas as “Escrituras” do Antigo
Testamento (2Tm. 3:16), tanto a lei como os profetas (Mt. 5:17).
Parece-nos que logo no primeiro século havia indícios de preservação dos documentos
apostólicos (e.g. as cartas de Paulo) por parte da igreja (Cl. 4:16). Kostenberger e Kruger
também confirmam o mesmo em relatos de país apostólicos e primeiros documentos cristãos:
Irineu confirma praticamente todas as epístolas de Paulo (exceto, talvez, Filemom) e
as usa amplamente. Além do mais, a predominância de Paulo é também corroborada
pelo Fragmento Muratoriano (c. 180 d.C), no qual todas as treze epístolas paulinas
aparecem relacionadas como Escrituras imbuídas de autoridade. Diante disso,
estudiosos sugerem que as coletâneas das epístolas de Paulo foram reunidas e
começaram a ser usadas desde muito cedo. (2014, p.212 – ênfase minha)
6
Um rei suserano (reinado em regime feudal) discutia os termos de sua relação com um rei vassalo sobre o qual
ele governava, e defina as estipulações de seu acordo. Como elemento final desse processo, havia a entrega de
uma cópia escrita do documento a cada uma das partes que a colocava em seu respectivo santuário, onde era
prevista a sua leitura pública em intervalos regulares. Veja questão com maiores detalhes em
KOSTENBERGER; KRUGER, A heresia da ortodoxia (São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2014), pp.144-150.
14
7
Para um melhor entendimento, veja KAISER, Documentos do Antigo Testamento: sua relevância e
confiabilidade (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2007), pp.28-37.
15
alegações de seus escritos proféticos. “Esta visão situa-se em justaposição à visão corrente, de
que a formação do cânon precisou de crescimento progressivo, tempo e veneração antes de
serem recebidos como canônicos” (KAISER, 2007, p.29).
Geisler e Nix (1997) confirmam o ponto dizendo que, essa evidência histórica da
existência de uma coleção progressiva dos livros veterotestamentários se confirma pelo uso,
bem peculiar, de escritos de profetas antigos feito por profetas que viriam mais tarde. Como
por exemplo, Geisler e Nix (1997, p.79) citam “os livros de Moisés que são citados por todo o
Antigo Testamento, desde Josué (1.7) até Malaquias (4.4), incluindo-se a maior parte dos
grandes livros intermediários como: 1Rs. 2:3; 2Rs. 14:6; 2Cr. 14:4; Jr. 8:8; Dn. 9:11; Ed. 6:18
e Ne. 13:1”. Eles dizem ainda, que na época de Neemias (século V a.C.) a sucessão profética
já se havia encerrado, pois já estavam produzidos e colecionados os 22 livros8 do cânon
hebraico (GEISLER; NIX, 1997, p.82).
Portanto, havia, sim, uma atitude na comunidade da aliança veterotestamentária de
colecionar e preservar os livros escritos pelos profetas, ao serem reconhecidos como
inspirados por Deus.
Finalizemos a questão com uma terceira evidência, a saber, que o cânon do Antigo
Testamento se concluiu com os profetas. Geisler e Nix (1997, p.81) dizem expressamente que
“com Neemias completa-se a cronologia profética”. O próprio Novo Testamento, nos fornece
argumentação sólida para isso, quando não demonstra registro de uma disputa entre Jesus e os
judeus sobre a extensão do cânon. E ainda, “jamais o Novo Testamento cita outro livro,
depois de Malaquias, como autorizado” (GEISLER; NIX, 1997, p.83). Unido a essa
argumentação temos o testemunho de livros históricos, como Talmude, que diz que “depois
dos últimos profetas, Ageu, Zacarias e Malaquias o Espírito Santo apartou-se de Israel”.9
Portanto, não podem existir escritos canônicos após o último profeta da antiga
aliança, servindo este (o profeta Malaquias) como o limite do cânon.
Passemos agora para a seguinte questão: até onde se estende o cânon Antigo
Testamento, e quais são seus livros?
8
O fato de os judeus contabilizarem os livros do Antigo Testamento como 22, ou, 24 não alteram em nada a
contagem cristã/protestante de 39 livros. Veja a discussão no ponto 5.1 da presente apostila.
9
Veja em GEISLER; NIX, Introdução bíblica: como a Bíblia chegou até nós (São Paulo, SP: Editora Vida,
1997) p.83.
16