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‘eo FGV Cadernos EBAPE.BR Bare A problematica da economia solidaria: um novo modo de gestao publica? Genauto Carvalho de Franca Filho" Resumo Este artigo discute a economia solidéria numa perspectiva internacional, situando 0 contexto de surgimento desse fendmeno e o tipo de problematica que ele suscita. Apresenta uma abordagem original para sua interpretacao, baseado em argumentos da sociologia e da antropologia econdmica, indicando o que tal fendmeno tem como elementos para a reflexéo e a pritica de um modo renovado de gestdo piiblica. Palavras-chave: Economia Solidaria. Gestio Piblica. Economia Plural. Economia Popular. Antropologia Econémica. Abstract This article discusses the subject of solidarity-based economy under an international perspective. The article develops the context in which the phenomenon emerges as wellas the problems that arises. It is developed an original approach based ‘on sociological and anthropological features. The article proposes another practices fora public management model. Key Words: Solidarity-Based Economy. Public Management. Pluralistic Economy. Economical Anthropology. Popular Economy. Introdugio A temtica da economia solidaria tem conquistado uma visibilidade cada vez maior nos wltimos anos. No ambiente académico, publicagdes a esse respeito ja aparecem em diferentes campos disciplinares como economia, sociologia ou administragdo. Esse recente interesse da academia parece refletir a propria dinémica verificada na sociedade, através da iniciativa de diferentes atores associativos, representantes dos poderes piiblicos e mesmo entidades sindicais, 0 que tem levado o tema a ocupar lugar de destaque em certos eventos, como foi o caso do Forum Social Mundial, realizado em Porto Alegre. Altemativa real a crescente crise do emprego, verificada em diferentes sociedades, ou mero paliative a crise de ajustamento de um sistema capitalista que se renova, séo diferentes os diagndsticos acerca do alcance e dos limites do tema. Tais diagndsticos apenas indicam as razdes desse subito interesse pelo tema, pois de algum modo este sugere uma mudanga de referencias para se pensar a realidade E quea crescente relevancia do tema acontece exatamente no atval contexto de reconfiguragéo das relagies entre Estado e mercado, onde desponta com forga a idéia de um terceiro setor Contudo, economia solidéria e terceiro setor podem ser considerados como sinénimos? Parece que néo Embora uma correlaggo direta entre esses termos parega evidente (pois em ambos os casos, trata-se de empreendimentos privados de interesse publico), eles pertencem a universos semnticos distintas. Portanto, so diferentes os contextos saciopoliticos de emergéncia de cada termo, implicando interpretagGes distintas sobre o papel desempenhado por essas experiéncias, bem como, as respectivas posigdes que devem acupar em relagéo a0 Estado ao mercado. Terceiro setor, por exemplo, é uma expresséo tipicamente norte-americana, enquanto a nogéo de economia solidaria, assim como a expresso “economia social”, é uma formulago européia (FRANCA FILHO, 2002b). A primeira esta impregnada da idéia de filantropia, como é proprio da tradigo anglo-saxdnica, e se orienta mais para uma questéo de ajustamento do sistema na sua capacidade de satisfazer necessidades sociais A segunda é portadora de uma problematica histérica que esta na propria origem da idéia de Estado social. Implica um debate sobre as possibilidades de cooperapdo econdmica e as formas de Proessradrto da Escala Acriristrario cd riverside Fedral da ta UFBA)e pesquisa do Nice de Estos sobre Pdkr Organs Leas (NEPOL} Daur em SocilgiapelaUnversidade Pts I Aigoreeido em oro de 203 cto ewe de 20 wunebapefgviricademosebape | Volumell —Nimero 4 -Mareo 2004 A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Frana Filho manifestagio da solidariedade na economia, E herdeira, portanto, de iniciativas histéricas (cooperativistas, associativistas e mutualistas) capazes de sugerir formas de apo publica que foram mais tarde incorporadas pela instituiggo do Estado-Providénaia Ja no nosso caso, a formulago mais préxima seria aquela de uma economia popular, uma construgéo tipicamente latino-americana Diferengas substanciais pesam nesta definilo em relagio as demais, relacionadas fundamentalmente ao grau de institucionalizagéo das experiéncias, que, no nosso caso, so menos expressivas nesse aspecto, considerando-se 0 proprio contexto de “incompletude” da nossa modemidade. Em toda caso, a tdnica desse campo de experiéncias refere-se ao seu carster heterogéneo, variando de iniciativas extremamente precirias até formas mais estruturadas de organizago coletiva. Como sintese desses varios conceitos importa destacar aqui o carater associative ou cooperative da maioria dessas experiéncias, que partindo da propria sociedade inventam formas inéditas de produgdo e distribuigdo de riqueza, isto é, de fazer economia Entretanto, este texto néo pretende dscutir cada um desses conceitos de forma pontual. Nosso proposito é sugenr um modo particular de apreenséo da natureza intrinseca de uma economia solidaria, admitindo que estamos diante de um fendmeno complexo, como é proprio da contemporaneidade. Segundo nossa hipstese, tal fendmeno representa formas inéditas de agdo puiblica. Dito de outro modo, consideramos que existe um modo original de agir organizacional, elaborado através dessas iniciativas. Isso se deve @ propria natureza do fendmeno, isto , a sua capacidade de articular logicas de ago bastante diferenciadas na sua dindmica, Em se tratando de organizagdes que visam antes a realizagéo de objetivos sociais, culturais ou politicos, a dimenséo econdmica do seu projeto coletivo tende a aparecer de modo subordinado as demais dimenstes, de certo modo, como um meio para a realizago destas. Através dessas experiéncias, surgem respostas concretas a certas demandas e necessidades sociais, que, partindo da propria sociedade, muitas vezes se articulam com outras insténcias (como os poderes publicos), dando origem a arranjos organizacionais bastante particulares. Esses arranjos “organizativos” - que alguns tenderiam a chamar de “interorganizagdes” - sfo to heterogéneos nas suas miltiplas formas assumidas e, algumas vezes, tio precérios do ponto de vista da sua capacidade institucional, que, para sua gestéo, exgem um agenciamento de logicas de agdo extremamente complexo, haja vista as diferentes legitimidades que so mobilizadas na sua pratica Dessa forma, ao se enffentar certas demandas e necessidades sociais ~ que configuram, evidentemente, problemas puiblicos concretos ~, ndo estariamos, com essas experiéncias de economia solidaria, diante de uma forma renovada de gestio piblica? E exatamente a hipotese de elaboragéo de um inédito modo de gestio publica, através desse fendmeno, que iremos explorar neste trabalho. Para tanto, num primeiro momento, iremos apresentar essa temitica da economia solidaria no plano intemacional, sublinhando em particular sua origem como conceito, seu contexto de emergéncia como fenémeno e o tipo de problematica que suscita. Essa abordagem do tema compreende, essencialmente, uma viséo da realidade da Europa da América Latina, em que se busca, nos dois contextas, descrever o fendmeno e algumas implicagdes praticas do tipo de problematica enfrentada Depois, discutiremos um modo especifico de interpretagdo desse fendmeno, a partir de uma pperspectiva da antropologia econémica que consideramos fecunda para a apreenséo da sua natureza especifica No final, desenvolveremos algumas consideragées ¢ levantaremos alguns questionamentos que procuram lucidar, considerando esse tipo de fendmeno, a elaboragdo de formas inéditas de gest&o publica Discutindo um conceito: a economia solidaria como expresso de uma nova forma de solidariedade Em diferentes contextos societarios, o termo economia solidaria parece indicar que atualmente estdo emerginda novas formas de solidaniedade Essas novas formas de solidariedade fazem alusio a iniciativa cidad, ao ‘mesmo tempo que se opéem as formas abstratas de solidartedade, praticadas historicamente pelo Estado, de um lado, e s formas tradicionais de solidariedade marcadas pelo carater exclusivamente comunitario. A nossa hhipotese éa de estamos diante de um fendmeno inédito, pois essas experiéncias ndo parecem se orientar apenas conforme o registro de wma socialidade tipica da Gemetnschaft (comunidade), principio comunitério (Tonnies), ou seja, uma socialidade comunitéria (Weber), ou ainda uma solidariedade mecénica caracteristica das sociedades tradicionais (Durkheim). De fato, se um tipo de dinémica comunitaria marca essas experiéncias, sua expresso ndo parece se identificar apenas com o registro de um comunitarismo herdado (conforme nos lembra Caillé e Laville), “na medida em que ela emana de um comunitarismo muito mais escolhido como referéncia Caemos EBAPEBR - Volume ll Numero 1—Margo 2004 z A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Frana Filho coletiva a um bem comum do que imposto pelo costume”! Além disso, o carater inédito dessas novas formas de solidariedade também reside na afirmagao de uma dinamica conmitaria numa sociedade em queas relagies relevam primeiro de uma solidariedade orginica (Durkheim) ou da Gesellschaft (sociedade), principio societério (Tonnies), ou ainda da socialidade societaria (Weber) Portanto, experiéncias associativistas e cooperativistas, em geral, marcadas por uma dinémica comunitaria do onto de vista intemo, mas ao mesmo tempo abertas ao espaco puiblico ~ isto é, voltadas para o enfrentamento de problematicas publicas locais -, sdo alguns elementos que parecem constituir uma primeira caracteristica central do fenémeno da economia solidaria 0 contexto europeu de emergéncia de uma economia solidaria Na Europa, ¢ em particular na Franga, as preocupagées relativas a economia solidaria sio compreendidas no contexto de crise da chamada sociedade salarial, manifestada pela escassez do trabalho na sua forma mais conhecida, isto é, 0 emprego em tempo pleno, por uma vida inteira, acompanhada do seu cortejo de excluséo Portanto, trata-se de uma dupla crise, do emprego e da socializagdo (ou da integrapdo), que aponta para 0 esgotamento da chamada “sinergia Estado-mercado” ~ caracteristica do pds-guerra, periodo conhecido como “trinta glorioso” ~ e que se traduz na chamada “crise do Estado-Providéncia’” Essa crise revela os limites dessas duas esferas, mercado e Estado, como reguladoras da atividade econdmica social, ¢ esta acompanhada de novos questionamentos sobre a posigéo paradoxal do trabalho nas sociedade contemporénea. Como ressalta Martin (1994, p.246), “o trabalho néo pode mais assegurar sua fungio reguladora, ao mesmo tempo em que permanece como principal vetor de integragéo”, Paralelamente a crise de legitimidade do Estado-Providéncia é que surgem as chamadas novas formas de solidariedade, algumas delas mais conhecidas como “solidariedade de proximidade” - que se imaginava esgotada pela providéncia estatizante mecdnica e atomizante ~ pela qual as pessoas tentam se reapropriar do seu futuro. Segundo Laville (1997, p.63), emerge “uma forma de politica da vida cotidiana (..) através do debate puiblico de problemas sociais ¢ econémicos que hoje no sdo inteiramente resolvidos nem pelo setor publica, nem pelo setor privado. Dezenas de milhares de experiéncias séo testemunhadas: creches associativas € atividades em tomo da escola, lugares de expressio e de atividades artisticas como os ‘cafés- musicais’, restaurantes multiculturais de bairro, régies de quartier, iniciativas de insergo (profissional, econémica,..), de ajuda a domicilio, de esporte ou de protegio do meio ambiente” Outros enxergam nessas experiéncias, a possibilidade de realizago de uma nova exigéncia: “estabelecer um novo compromisso entre economia monetéria ¢ néo-monetéria, sem romper com a idéa que o trabalho permanece o grande integrador” (MARTIN, 1994, p 246). AA pratica de uma economia solidaria européia: dilemas e desafios Acabamos de mencionar alguns exemplos do fendmeno da economia solidaria no contexto europe. Porém, importa salientar a diversidade de suas formas assumidas, 0 que nos leva a sugerir um modo de agrupa-las (FRANCA FILHO 2001, 2002a, 202d, 2003a). Nesse sentido, conforme nossa abordagem, em relagio ao contexto europeu, mais geral, francés, em particular, existem quatro formas principais de economia solidaria So quatro experniéncias que denominamos como: 0 comércio justo, a finanga solidéria, a economia sem dinheiro ¢ as empresas sociais. E uma tipologia que se apoia findamentalmente no critério da natureza da atividade empreendida Preficio Fangs Fbo¢ Dima (2000) Everdade que no contisto tho scariceno¢s dnimice conamtiri ainda fotmentefhenciads pelos costumes propio as priticasderecprociiade tecdasio cottuno.Patem, esse aspecto,deve-se aestencar tna damensio de escola das PesSO4s 40 ‘puteiputm dosprojeosedecdrem democratcenere sobre oseudestn Catemos EBAPEBR - Volume ll Numero 1—Margo 2004 z A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Franga Filho 0 comércio justo Esse fendmeno resulta da ambigo de se estabelecer uma solidariedade intemacional, o que reflete preocupardo com a possibilidade de se implantar uma regulagdo intemacional fimdada sobre novas relagdes econémicas € comerciais. O seu objetivo ¢ estabelecer relagées comerciais mais justas entre paises do Norte (consumidores, em particular) ¢ certos produtores de paises do Sul. A essa finalidade é acrescentada outra, mais sob o registro de uma pedagogia politica: constituir uma rede de consumidores, capaz de sensibilizar a opinigo publica quanto 5 injustas regras do comércio intemacional, empreendendo-se agdes - sob a forma de campanhas, ‘manifestagdes etc. junto a grandes insténcias institucionais de deciséo em matéria politica e econdmica ‘As organizagdes do comércio justo estabelecem contratos com organizagées de pequenos produtores (organizados em cooperativas) para a compra venda de produtos (em geral, produtos agricolas ou artesanais). A idéia ¢ encontrar canais de distribuigio para escoar essa produgo, por wm prego considerado justo para 0 equeno produtor. Assim, o objetivo ¢ eliminar, ao maximo, o mimero de intermediarios entre produtor consumidor. Herdeiro do antigo comércio altemativo ~ que funcionava como uma espécie de rede paralela de solidariedade para a distribuigéo de produtos terceiro-mundistas na Europa -, 0 comércio justo evoluiu através de um proceso de patentiamento de certos produtos? entre os quais, 0 exemplo mais conhecido hoje talvez seja o do café Mex Havelac Hoje, o desenvolvimento desse campo do comércio justo implica a necessidade de se distinguir as experiéncias ‘ayo universo de distribuicdo esta limitado as redes das assim chamadas “boutiques associativas” ou “armazéns do mundo” ~ lojas (associativas) de venda desses produtos, caso da rede Artisans cu Monde, na Franga ~ daquelas iniciativas voltadas para os grandes canais de distibuigio, ou seja, as grandes cadeias de supermercados. O processo de patentiamento de produtos, ¢ sua consequente entrada no émbito da distribuigao de massa, muito contribuiu para o aumento das vendas dos chamados produtos équitables ou “justos”, trazendo para esse universo de experiéncias, certas logicas funcionais que passam também a interagir na dindmica dessas formas de organizagio. Dessa forma, observa-se que entre a dimensio socioecondmica ea dimenséo politica, a prioridade do comércio justo implica tanto atividades de trocas comerciais - mais ou menos receptivas grande distribuigo, e mais ou ‘menos importantes segundo o volume das transagées -, quanto uma pedagogia politica Portanto, esse campo de expenéncias aparece marcado por wma tensio entre logicas distintas. Esse conflito se traduz pela oposigao entre certos imperatives funcionais - impostos pela necessidade de aumento das vendas dos produtos, € conseqtientemente da sua abertura para a grande distribuigéo - e a necessidade de afirmagao do sentido do rojeto, pela sua contribuigdo para mudar as injustas condicdes do comércio muncial, numa perspectiva de conscientizagéo do consumo A finanga solidaria Nesse universo, consideramos um conjunto de experiéncias ~ também conhecidas como microcrédito, ‘poupanga solidaria, microfinanga, finanga de proximidade etc.) ~ que participam da construgdo de outro tipo de relagdo com 0 dinheiro. O objetivo da finanga solidéria, dito de modo simplificado, é permitir as pessoas excluidas do sistema tancario, criarem seu proprio emprego. Portanto, o desafio desse campo de expen éncias gia em tomo da necessidade de democratizagéo do acesso ao crédito, que vem fazer face ao problema da seletividade nesse acesso e sua consequente limitagdo de oferta, ligada a busca de rentabilidade das instituigdes financeiras ‘Na rig do comincio jst qproximadanert no iio da dca de 1970) vane convergincn exre ONGS de piss do Sul (anoles em icin tara de rguizayio popu) + tsocsa;Ser ecologies on de defen dos dezorInmanar de prises do Narte ~ ido sso man conteeo de ud dor _ejosdasmutinas prmasno come mtemacional Caiemos EBAPEBR - Volume ll Numero 1—Margo 2004 7 A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Franga Filho Entretanto, mais do que uma questéo de democratizagio do acesso ao crédito, o que também (e sobretudo) orienta essas iniciativas é uma preocupagdo com a chamada utilidade social do investimento financeiro, Essas experiéncias tém como objetivo uma aplicaggo ética do dinheiro, articulando, por exemplo, esforgos na luta contra a excluséo, pela preservagdo ambiental, em trabalhos de ago cultural, de desenvolvimento local etc. Existem varios exemplos de iniciativas de finanga solidaria. Na Franga, citamos 0 caso dos Cigales (Chubs i Tnvestisseurs pour wie Gestion Alternative et Locale de I'Bpargne, traduzido como "clubes de investidores ‘para uma gestéo altemativa e local da poupanga"), que se articulam em rede. Essas associagdes mobilizam uma poupanga de proximidade (a partir de seus membros associados) que é investida em projetos locais, visando reforgar o tecidlo econémico local e os lacos sociais. O proposita é fomentar o desenvolvimento ea criagio de ‘equenas empresas regionais. De modo geral, o investimento da prioridade ao aspecto local e ao carter de utilidade social da empresa, mas cada clube possui autonomia deciséria. Os Cigales funcionam como uma espécie de sociedade de capital de risco solidério de proximidade. Alem desse género de iniciativa (em que é€ possivel considerar imimeros outros exemplos), esse campo da finanga solidénia também compreende varias outras praticas, como é 0 caso dos findos de aplicago éticos ou solidarios, ja oferecidos por certos bancos tradicionais. Nesse caso, o poupador renuncia a uma parte da remuneragéo da sua poupanga ou aplicaéo, em nome da utilidade social do investimento feito ‘Ainda que a grande maioria dos empreendimentos no campo da finanga solidéria seja de pequeno porte, hoje, cada vez mais, surgem grandes instituigées de crédito solidario. Na Franga, é 0 caso, por exemplo, da NEF Wowweile Economie Fraternelie), constituida como banco em 1999, e, desde 1996, da Caisse Soltdatre de Roubate, a primeira iniciativa nesse pais de uma sociedade financeira com vocagdo inteiramente solidaria. No entanto, a Franga ndo possui uma tradigao de grandes bancos solidarios como a Alemanha, Suiga, Bélgica, Inglaterra ou Holanda. Neste ultimo caso, 0 exemplo da Triodos parece significativo: atuando em campos ‘muito diversos, a Triodos tomou-se 0 principal investidor em parques edlicos no seu pais. Esse banco solidario ainda financia um quarto da alimentacdo bioldgica da Holanda Pda diversidade de experiéncias, esse campo se apresenta bastante heterogéneo quanto ao contetido das iniciativas, implicando 0 que consideramos aqui como um risco liberal. Ou seja, algumas experiéncias de finanga solidéria apresentam certa vulnerabilidade, no sentido da possibilidade de sua apropriago por um iscurso liberalizante do ponto de vista econémico. A. concentrago da ajuda sobre empreendedores individuais, como acontece em algumas expenéncias? pode conduzir a uma situagdo em que antigos assalariados se transformam em novos terceiros subcontratantes. Trata-se de uma evolugdo instrumental, afetando a dinémica das relagées trabalhistas, acentuada pela moda do microcrédito junto as grandes instituigées financeiras intemacionais que defendem a multiplicago de microempresas independentes como alternativa positiva as regras protetoras da relagéo assalariada. A finanga solidana difere da abordagem liberal por dois aspectos naguela experiéncia,a selegdo dos projetos nos quais investir segue critérios de ulilidade social, e ¢ enfatizada a importancia do acompanhamento do projeto, uma vez iniciado. Assim, observamos que ~ a imagem da prépria dindmica mais geral da economia solidaria, tal como definido anteriommente ~ 0 universo da finanga solidaria se posiciona numa imbricagao de trés economias. Nesse campo to diverso e complexo, certas experiéncias parecem mais préximas do setor bancario (mercantil), mantendo com ele relagdes de parceria privilegiadas, para encontrar o essencial dos seus recursos. Outras expen éncias se assemelham mais a uma iniciativa “parapuiblica’, tal a intensidade da relagdo com o pélo néo-mercantil, em que 05 subsidios piiblicos séo vitais para a sobrevivéncia da associagdo. Outras experiéncias parecem ainda situadas ‘numa posigdo mais equilibrada entre os trés polos (posigo sempre dificil de manter), mutrindo o essencial dos seus recursos numa dinmica reciproca "Bo casora Frye a Adie ("Associa pelo Diet Iicitin Brondoie’), que func micrprojeos itis de cragio de empresas, por & sampregndos A Adie se nupra no esempo hoje consierado exbleitico, do Gremeen Rak,om Banghdesh ~conserdo oprtzeco banco ara Fo {wes do namo ~queapoishucutivas de cempanestssemtara.Tentando responder a essa cca, que shut « experince da Adie mas peloregisro de ‘ams economia a sry (de carter asssmcialist) do que propranamte ua econamasolilira,M. Novak ndadara desu eperizcn) consider ‘que se tata de buscar uma trcera va ere oemprego cisco a assistncia ava do tubo independent Caiemos EBAPEBR - Volume ll Numero 1—Margo 2004 5 A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Frana Filho Desse modo, a eficacia a vitalidade dessas experiéncias se desenrolam numa relago de interdependéncia frequentemente conflitante, devido ao dificil exercicio de uma parceria que envolve diferentes logicas de ago mobiliza diversas formas de legitimidade Para a maioria das experiéncias de finanga solidaria, o desafio se coloca em temos de sua autonomia e preservago do projeto inicial, em face das injungdes do mercado e dos poderes puiblicos. Logo, essas iniciativas parecem, em grande parte dos casos, conscientes de certas derivas hhistoricas dos setores mutualistas e cooperativistas (simbolos da economia social na Franga) Estes, tomaram- se, na pratica isto é, do ponto de vista da sua dinémica de funcionamento -, imagem e copia fiel de uma empresa convencional como tipo organizacional, pois é valorizada uma estrutura altamente tecnoburocratica de gestio. A economia sem dinheiro So iniciativas cujo objetivo é a criagdo de formas de trocas ou intercambios econémicos altemativos aquelas praticadas segundo uma logica de mercado, Tais iniciativas se situam numa escala local e buscam a articulagéo em redes, como modo de organizacdo temitorial, visando enfrentar a excluséo social ‘Trés tipos principais de experiéncias caracterizam esse campo: primeiro, a autoprodugo coletiva. Segundo, os sistemas de trocas locais ~ conhecidos na Franga como g'stémes d’échanges loceaot (SEL), tauschring, na Alemanha; redes de economia iocal (REL), na Italia; porém, mais conhecidos através das experiéncias anglo- saxGnicas denominadas local exchange trading system (LETS) ~e, terceiro, as redes de trocas reciprocas de saberes, conhecidas na Franga como réseaux d'échamges reciproques de savotrs (RERS). Nesses dois vltimos «casos, 05 varios termos podem ser resumidos ao que se convencionou chamar na América Latina de “clubes de troca” Um SEL ou LETS ¢ uma associagdo de pessoas - em certos casos, centenas, ou até milhares de associados ~ ‘para trocar de outro modo (em relagéo a forma mercantil) bens ¢ servicos. O conjunto dos intercambios/trocas é contabilizado pela associagdo com o atwailio de uma moeda ficticia, e as dividas sio reguladas (mas jamais liminadas) através de um sistema de compensagio. A natureza das atividades ou bens trocados ¢ bastante diversa’ guarda de criangas, aulas (de linguas, culinaria etc), servigos de reparo em geral (marcenaria, encanamento, eletrénica etc), produtos artesanais, objetos usados, servigos de jardinagem ou domésticos, empréstimo de ferramentas, entre outros. A origem dessas experiéncias remonta a 1976, na cidade de Vancouver, no Canada. Rapidamente, tais iniciativas se espalharam, principalmente, em paises como EUA, Inglatera e Austrailia Essa origem esta relacionada a contextos de crise econdmica aguda (fechamento de fabricas etc ), acompanhada do aparecimento de miltiplas expenténcias cooperativistas comuniténias. Na Franga, o primeiro SEL foi criado em Lyon, em 1904. A estimativa é de que hoje existam mais de mil experiéncias do género em todo o mundo. Os SEL ou LETS nfo provém de uma forma de troca mercantil, pois trata-se de um somatorio de trocas (relagées) bilaterais contabilizadas numa perspectiva de compensagdo multilateral, ¢ néo-instanténea, das dividas que devem perdurar. Vale ressaltar que 0 sentido do sistema ¢ 0 de fomentar uma dindmica de dividas € créditos a favor de uma perpetuagio das relagdes sociais (MAUSS, 1950; FRANCA ¢ DZIMIRA, 1999 2000), A mesma reciprocidade também pode ser encontrada nas experiéncias das redes de trocas reciprocas de saberes (RERS — résencx di'échanges reciproques de savotrs). Todavia, de modo diferente do verificado nos LETS, nessas iniciativas, a regulago das dividas (também nunca eliminadas) ocorre pela propria bilateralidade a troca (sempre néo-instanténea), ¢ ndo mais pela multilateralidade das trocas relacionadas @ totalidade associativa. Por outro lado, nessas experiéncias ndo se adota moeda local. Séo efetuadas trocas diretas de um saber por outro. Com o intuito de igualmente alimentar as relagdes sociais (o lago social), essas iniciativas surgiram na Franga em meados da década de 1970, espalhando-se em seguida para outros pontos da Europa, até atingir, nos dias de hoje, mais de 40,000 pessoas Na visto de uma das fundadoras do RERS (C. Héber-Sufftin), tais experiéncias tém um objetivo maior que é 0 de construir uma cultura da reciprocidade, definida como “uma tenfativa de reequilibrio permanente", numa perspectiva de encontro coerente entre alteridade e igualdade em que "ela é uma tensfo permanente, construtiva € cognitiva’ (C. HEBER-SUFFRIN, 1998 apud LAVILLE, 1999). A singularidade dessas experiéncias em Caemos EBAPEBR - Volume ll Numero 1—Margo 2004 6 A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Franga Filho relagio a certas atividades ilegais - ou a simples “viragdo" em familia ou entre amigos ~ esta na sua inseréo no espaco publico, revelando uma forma de solidariedade voluntéria um modo de relagdo igualitario entre os membros da associagio Esse campo da economia solidaria apresenta uma caracteristica fundamental em relagdo aos demais, que se refere ao papel decisivo do polo nfo -monetario, Em grande parte dos casos, a expresso mais destacada de uma ogica de reciprocidade néo parece significar sua assimilagdo a uma espécie de revivescéncia de formas antigas de solidariedade comunitaria. Isso ocorre pelo seu carater democratico e por sua insergo no espago puiblico Em fingo do deslocamento do pélo econdmico dominante (do néo-mercantil para o ndo-monetério), esse campo esta sujeito a certos conflitos cuja natureza muda em relagdo a classica confrontagéo Estado versus mundo associativo, particularmente marcante na Franga As empresas sociais, Considerar a idéia de empresa social como categoria tipolégica pode parecer redundante.Pois, também sio empresas sociais, poderiamos assim chamar, que participam da finanga solidéria ou do comércio justo Enfretanto, pretendemos com esse temo, fazer referéncia a um certo mimero de experiéncas de empreendedorismo social voltadas para atividades muito variadas ‘Mas, o que chamamos de empresa social? Uma primeira compreensio do termo sugere a idéia de organizagées privadas desenvolvendo atividades comerciais, mas com finalidade social. Essa primeira aproximagio do objeto nos parece um tanto quanto superficial, ndo pemitindo visualizar a compleza natureza do fendmeno. De acordo com Clément e Gartiin (1999), duas definigées sobressaem no inventario da literatura sobre o tema, apontando para duas abordagens distintas. a primeira é fruto das pesquisas realizadas pela Organizacio para Cooperagao e Desenvolvimento Econdmico (OCDE) ¢ a segunda tem origem nos trabalhos da rede Emes (Emergence of European Social Enterprises).* A primeira definigdo estabelece que "a empresa social faz referéncia a toda atividade privada de interesse geral, organizada a partir de uma démarche empresarial, néio tendo como razdo principal a maximizagdo do lucro, masa satisfagdo de certos objetivos econdmicos e sociais, assim como a capacidade de dispor, pela produgio de bens e servigos, de solugdes inovadoras aos problemas de exclusio e de desemprego" * A segunda definio (da qual nos sentimos mais préximos) destaca o carater original desse tipo de organizagéo, considerado como estando numa encruzilhada de logicas diversas (LAVILLE e NYSSENS, 1999). Deum lado, ainda que o poder néo se baseie na controle do capital - em contraste com a légica de uma empresa convencional -, ela desenvolve trocas comerciais. Por outro lado, seu grau de autonomia permite distingui-la de ‘uma empresa publica, ainda que na maioria dos casos seja beneficiada por subsidios do poder publica Considerando a organizagdo socioecondmica dessas empresas, a partir da idéia de interagdo entre diferentes registros do comportamento econémico - ou trés polos: mercantil, nAo-mercantil e ndo-monetario -, esses trabalhos procuram afinar sua caractenizagéo. Nesse sentido, dois aspectos se destacam: ‘+ patticipar da estrutura de poder (asselariados, usuarios, voluntérios) seus papéis apresentam um carater difuso, aproximando-se, assim, do conceito de multiples stakeholders enterprises (BORZAGA MITTONE, 1997; PESTOFF, 1998),° “isu rede reine pesqusadares de 1S paises eeropeus, para defines caracterisicas soci, econdmicas epolicasdesusergmiza ies * Apart dessa defnapio (besuntefommalica) ¢ de cenas caractrisicas feiss decamentes,4 OCDE oferece va ph vartdade de exemplos do ge ej mpresa soca: euprese de nso francesa empresas nc hiss belgasoufinlandestscooperetses soca alunas, coopers de tabeo ‘socado espmholas, enpress de comamidades Ices alms (oeemmress aemativs), enpresas conamutiras elmdesas ou ec0cests (COMDU0a) runes) ampresas tee iis ttn as (nsermedice labo markets organo) exanesas de sero prnugustscoopertins de srvigas so ‘chi seca ,euprestsconsmitine wistncasepresas comers com fase social emrsatas (conto based bicnwe, comment weather ‘erpies)povmnentoconamticio qubequase,gupos Cmmmirios neozeandeses,coopereits meus - tmportnte sstuler o temp staleholdrs, em ao is pessons com interests comms, no haar de stoctholders,ou see pessns acimérias.O come ‘eta de soteholdirs «peice soporte pois enfaton a danencio democratic do mcinuaneto da eres «da de exprega 0 hc Ob. {ido paras ating objetvossociais eno aremamererafio do capital Caiemos EBAPEBR - Volume ll Numero 1—Margo 2004 7 A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Frana Filho ‘no que se refere aos objetivos organizacionais, a finalidade de uma empresa social é colocada em temas de servigos a coletividade, "seja através de extemalidades positivas que ela produz e/ou de igual acesso de todos ao servico, que ela desenvolve" (CLEMENT e GARDIN, 1999), Isso traduz o carater de utilidade coletiva ou de utilidade social, préprio desse tipo de iniciativa, o que, inclusive, justifica a natureza de sua propriedade (ou de seu poder), que é estar aberta a participagdo dos atores organizacionais a multiplos estatutos Em geral, as empresas sociais despertam um interesse particular por parte do poder piiblico na Europa, Este tende a ver essas experiéncias como formas privilegiadas de potencializagdo de certas politicas sociais, estabelecendo parcerias importantes com muitas dessas empresas. O grande desafio dessas iniciativas reservar seu funcionamento democratico (intimamente ligado ao grau de autonomia da experiéncia) em face dos riscos de instrumentalizagao institucional. Isso significa que diante das injungéies do Estado e do mercado, © desenvolvimento das empresas sociais as coloca permanentemente diante do risco de isomorfismo institucional. Isto é, 0 risco de funcionar como empresa privada ou serviga publica, Dito de outro modo, uma tendéncia a profissionalizago da gestdo das associacdes (em tenmos tecnoburocraticos) acompanha um certo nivel de crescimento, implicando submeter a dimensio associativa (auténoma e espontéinea) aos imperativos funcionais (légica instrumental) fundados num modo formal de gestéo e na busca de resultados passiveis de quantificagéo. © isomorfismo institucional é apenas uma consequéncia, entre outras possiveis, da tensio dialética caracteristica dessas formas de organizagio, atravessadas por légicas diversas. Na maioria das vezes, elas so ‘uma iniciativa cidad (baseada em ideais de autonomia) e, simultaneamente, modeladas no quadro de certas politicas publicas (experiéncias instrumentalizadas). A tenséo sera mais ou menos forte conforme o tipo de organizagéo € 0 seu contexto de inserdo, ou seja, as caracteristicas do contesto politico no qual a empresa estiver inserida {A realidade brasileira: um projeto de economia popular e solidaria Feita essa caracterizago do contexto europeu, importa indagar sobre a especificidade de uma economia solidaria brasileira Se na realidade européia a economia solidaria se exprime através de variadas formas ~ seja entre as empresas sociais, 0 comércio justo e em relagio as diferentes priticas de finanga solidaria e de uma economia sem dinheiro -, no Brasil, a economia solidaria também é marcada pela diversidade. Uma diversidade de experiéncias Nese momento, o universo da economia solidéria no Brasil esta em pleno processo de estruturago, haja vista a criagdo recente da Secretaria Nacional de Economia Solidaria (Senaes), ligada ao Ministéio do Trabalho, assim como a organizagéo dos féruns estaduais de economia solidéria e das redes de iniciativas, em que se destaca a rede brasileira de socioeconomia solidéria, criada na ocasido do I Forum Social Mundial, realizado em Porto Alegre em 2001, e que integra diversas entidades de fomento @ economia solidaria em todo pais Como nos esclarece Singer (2002, p. 124), essa “é uma rede eletrdnica que enseja 0 intercimbio de noticias € opinides, e esta se transformando também em rede eletrGnica de intercdmbio comercial entre cooperativas € associagdes produtivas e de consumidores”. Nesse sentido, importa ressaltar que, além das proprias ages diretamente empreendidas pelos grupos, 0 universo da economia solidaria conta com uma série de entidades que atuam como organizagées de apoio ¢ fomento Nesse universo, encontramos um mimero crescente de iniciativas de finanga sotidéria denominadas geneticamente de “bancos populares”. Na maior parte dos casos, so cooperativas de crédito que ampliam a ratica do microcrédito para as pequenas iniciativas de organizacdes coletivas populares. Geralmente, essas iniciativas de finanga solidaria contam com apoio do poder piiblico ou da propria sociedade civil, através da agdo dealgumas ONGs” * Alia doe bancoc populres est campo cnbece alguns casos bastante Anovadores, comm «experincada associa io Bano, craga por estes ¢ ab gus prfessres da Faculiade de Admniseaio de Universite Federal a Buia (UFBA) Alm do apoio Sob «fama de microcredto,o Bursl (qu st Catemos EBAPEBR - Volume ll Numero 1—Margo 2004 e A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Frana Filho Outro exemplo expressiva sio os sistemas de trocas locais, mais conhecidos como “clues de trocas”. S4o “formados por pequenos produtores de mercadorias, que constroem para si um mercado protegido, ao emitir ‘uma moeda propria que viabiliza o intercambio entre os particpantes” (SINGER, 2000; p.23). Porém, nem todos os clubes de troca adotam moetla ficticia. Em todo caso, seja de uma forma ou de outra, tais praticas alimentam a proliferago de um circuito de trocas néo-monetarias, cyjo fundamento é uma logica de dadiva, ou séja, 0 objetivo das tracas é, para além da satisfagio utilitaria dos bens ou servicos, fortalecer ou criar vinculos sociais entre as pessoas envolvidas. Por esse aspecto, tal tipo de pratica constitui uma dimensio intrinseca as proprias formas de vida dos setores populares, fazendo parte da sua tradigéo. A novidade é que tais praticas se inscrevem no quadro da agio associativa, isto é, adquirem um certo grau de institucionalizagéo, Nesse sentido, a aparigéo do fendmeno, como na Franga, esta relacionada néo apenas ao aumento do desemprego, como na ‘maior parte dos casos, mas também a razes pessoais de busca de outras formas de troca econdmica, para além do modo mercantil. Isso porque essas experiéncias ndo se restringem aos meios populares. Em alguns casos so ‘uma iniciativa de redes sociais oniundas das classes médias urbanas. De todo modo, o aumento do fenémeno no Brasil ndo pode ser comparado 4 amplitude que atinge na Argentina, Diante da situago de crise econémica aguda, o pais vizinho registrou uma multiplicagéo impressionante dessas iniciativas, cuja estimativa atual aponta para um niimero aproximado de cinco milhdes de pessoas envolvidas Entretanto, é, sem divida, com uma nova dindmica de experiéncias cooperativistas® batizadas de “cooperativismo popular”, que se encontra a maior parte dos casos de economia solidaria no Brasil. Estes, conhecem um crescimento importante a partir do inicio da década de 1900. Seja como cooperativas de produgao ou de prestagdo de servicos, seja como cooperativas de consumo? seu campo de atividade varia, assim como seu grat de estruturagdo. Conforme nos explica Singer (2002, p.23), algumas cooperativas de produgdo industrial e de servigos sfo dotadas de muito capital, empregando melhor tecnologia e se mostrando competitivas nos mercados mundial ou nacional; enquanto outras, dotadas de capital modesto ~ produzindo pes, tecidos, vassouras, materiais reciclados etc, e cujas instalagées produtivas foram apropriadas por antigos funcionérios das firmas através de causas trabalhistas -, “empregam tecnologias herdadas de empresas ‘antecessoras, enfrentando grandes dificuldades para se manter em alguns mercados”. Quanto a este tiltimo aspecto, cabe ressaltar um certo niimero de cooperativas participando de um movimento de retomada, pelos trabalhadores, de empresas em estado de faléncia — particularmente evidente em fungo da importante crise industrial do inicio da década de 1990, Essas novas cooperativas pretendem se distinguir do cooperativismo tradicional, através da afirmaggo de uma dupla caracteristica: a preocupaco em adotar uma perspectiva de desenvolvimento local e solidésio ¢ se organizar em rede. O caso da Anteag (Associago Nacional dos ‘Trabalhadores das Empresas Autogeridas) ¢ 0 da Federapao de Cooperativas de Trabalho do Estado de Séo Paulo aparecem como sinais importantes do nivel de organizagdo de algumas dessas iniciativas, nesse ‘momento. Assim, é possivel observar que nesses casos de empresas solidarias se destacam as cooperativas de produgio industrial, que, mesmo enfrentando dificuldades em assegurar o seu desenvolvimento, conseguem atingir um certo nivel de estruturagdo e de organizago do trabalho. Porém, isso néo é o caso da maioria das experiéncias de cooperativismo popular, marcadas por um nivel de instabilidade bastante expressive. Em geral, essa instabilidade aparece ligada as precarias condicdes de desenvolvimento dessas iniciativas sobretudo, no plano dos recursos materiais mobilizados, mas também no nivel de renda auferido -, refletindo as préprias condigées ete como wna associa de fomento i econamia solidrn)eucn desenvolvimento de expreentinentes solids amavis da relayio ee este Gants e tres ds inicutives. Cancsbide camo um proceso edacttvo, baseads no prin da Tecociade,« niewvayio visu a consruyio & ‘mocrtica de uma metodologia de gusto sociale solidi ou see, adequda as caraclrstiasdessasfommas de erguiza io. "De fato,comonos sina Singer 2002,p 122), cooperativisma du gou ao Brsiino comodo culo 20% trai pelos emigrnts europeus. Tomo ‘peicipelnme afanma de coopertivs de consumo as cidade «de cooperatins agcols no campo. As cooperatns de consumo eran em geal par ‘oupres e servi pre protege os tabuladores dos rigaes da carstia. Nas éadas mais ecetesas grandes ees de emarcados congpisaram os {naados « rovocarao feciumento da maior ds coopertins de consi. As coopestvs agricole se expandiram egw ee ansfOnnaren = (gundes exreendanentos agoinhstrais «comeciis. Mas nenfumoa sas coopernias era ote mtogesicmarn. Sua Gxefio eas pessoas qu as OP- ‘dam sto esulriads, tuto mas cooperatives de consumo como naquels de compra e vendaagicols. Por isso, no se pode consieréas pute de ‘conan sli” ‘Darr as cooperatives de consumtioes se desticm aqueas de crt, de bitafio,de sue «escolues. De acrdo cam Singer 2002, ooperatins de constmidressomante putencem a econami solide que sem tas pets par os profisinais qu as opera Caemos EBAPEBR - Volume ll Numero 1—Margo 2004 a A problemitica da economia solidétia: um novo modo de gestio paiblica? Genauto Carvalho de Frana Filho de vida dos grupos sociais, e implicando, na maioria das vezes, uma prioridade para a sobrevivéncia da empresa, Particulammente, esse é 0 caso de muitas cooperativas de trabalho que ndo dispdem de outro capital sendo a prépria forga de trabalho dos seus membros associados. “Essas cooperativas procuram vendler servicos (Ge limpeza, de manutencAo, de reparapdo, de jardinagem, de vigiléncia etc.) a serem prestados nos locais, recorredo a meios fomecidos pelos compradores” (SINGER, 2000; p.23). Em todo caso, tais iniciativas devem ser distinguidas das empreiteiras de m&o-de-obra, ou falsas cooperativas, ortundas de iniciativas empresariais de carater predatorio. Tais cooperatives ~ também conhecidas como “copergatas” ~ so montadas por firmas ‘capitalistas visando explorar (e tomar mais precario) o trabalho dos cooperados, através da reduda de custos obtida com o no pagamento das contribuigdes e dos encargos trabalhistas legais. Além desses exemplos majoritérios de cooperativismo popular, outras experiéncias menos difundidas no plano quantitativo merecem ser destacadas, em razo da originalidade de suas praticas. Em particular, é 0 caso de certas associagdes que desenvolvem simultaneamente a produgdo, a prestagdo de servigos, o sistema de trocas, a finanga solidéria etc. De modo geral, so experiéncias fortemente vinouladas a um quadro territorial especifico de “pertencimento” (@ um baitro, a uma regido etc), e que tentam através da sua pratica enfrentar problematicas locais A titulo de ilustrag4o, destacamos dois exemplos relevantes, originarios da regido Nordeste. O primeiro diz respeito @ Associagdo dos Pequenos Agnicultores do Municipio de Valente (Apaeb), no interior do estado da Bahia Essa associagio desenvolve diversas atividades de industrializago € comercializagdo de produtos agricolas, além de aconselhamento técnico e capacitago de produtores, manejo de tecnologias sodalmente apropriadas, concessio de crédito adequado as condigéies das familias camponesas da regio, uma escola-familia agricola etc. Num contexto local marcado pelo clima énido eas secas frequentes, de um lado, ¢ uma cultura politica clientelista, do outro, a associagdo busca promover uma altemativa de desenvolvimento local visendo, sobretudo, a garantia de vida digna das familias em seu teritorio (APAEB, 2002), segundo exemplo ¢ 0 da Associagio de Moradores do Conjunto Palmeira (Asmoconp), localizada na periferia de Fortaleza e mais conhecida como Banco Palmas Apés desempenhar um papel decisive no pracesso de urbanizagio do baisro ~até entéo uma favela -,a associagfo cria, em 1998, um banco popular (chamado Palmas) que financia uma série de atividades solidérias, abarcando praticamente 0 conjunto da cadeéia socioprottutiva local. As apdes envolvem varias linhas de microcrédito destinadas a0 apoio de grupos produtivos que trabalham com artesanato (Palmart), confecgdes (Palmafeshion) e material de limpeza (Palmalimpe). Abrangem ainda agdes de incentivo ao consumo solidario local ~ através de castéo de crédito (Palmacart) -, de criago de um clube de trocas ~ inclusive, com adogéo de uma moeda social no bairro (0 Palma$) ~e de coordenagao de um sistem de compras coletivas e de venda dos produtos do baisro através da criagéo de uma loja solidaria. Entre as ages desenvolvidas pela Asmoconp também esto incluidas a criagéo de ‘um laboratério de agricultura urbana (LAU), um projeto de criagéo de galinha caipira, uma escola de formago, ‘um centro de estudos em socioeconomia solidéria, entre outras. Pela originalidade de sua atuaco, essa ‘experiencia pode ser considerada como uma das mais emblenziticas no campo da economia solidaria no Brasil (JOAQUIM, 2002; MELO NETO e MAGALHAES, 2003, FRANCA FILHO e SILVA JUNIOR, 2003). ‘Além dos exemplos da Apaeb e da Asmoconp, é preciso reconhecer também a recente proliferagdo de uma série de experiéncias nos campos da reciclagem do lixo, da produgdo artistica, da educago etc, em diversos planos, indo desde o caso de algumas creches populares até as iniciativas dos chamados cursinhos pré- vestibulares para estudantes carentes, entre imimeros outros. Convém também assinalar a ago de uma série de organizagées de apoio e fomento as iniciativas de economia solidaria, Entre estas, destaca-se o papel desempenhado pela Carnitas, uma entidade ligada a Conferéncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que desde os anos 1980 ja financiava milhares de pequenos projetos denominados PACS, Projetos Altemativos Comunitarios). Conforme nos explica Singer (2002, p.122), “uma ‘boa parte dos PACS se destinava a gerar trabalho e renda, de forma associada, para moradores das periferias pobres das nossas metropoles e da zona rural das diferentes regides do pais. Uma boa parte dos PACS acabou se transformando em unidades de economia solidéria, algumas ainda dependentes da ajuda caritativa das comunidades de fiéis, outras conseguindo se consolidar economicamente mediante a venda de sua produgo no

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