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Editora Realize

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Ana Ivenicki
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Katemari Diogo da Rosa
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Luis Paulo Cruz Borges
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Editora Realize
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Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Luis Paulo Cruz Borges
Paula Almeida de Castro
(Organizadores)

DIDÁTICA E AVALIAÇÃO:
EDUCAÇÃO, CIDADANIA E EXCLUSÃO
NA CONTEMPORANEIDADE

Campina Grande-PB
2016
© Carmen Lúcia Guimarães de Mattos | Luis Paulo Cruz Borges | Paula Almeida de Castro

Foto da capa: João Francisco Ferreira


Design da Capa: Luiz Felipe de Oliveira Ramos
Projeto Gráfico|Editoração: Jefferson Ricardo Lima Araujo Nunes

Revisão: O conteúdo e a forma dos artigos publicados neste e-book são de


inteira responsabilidade de seus/suas autores/as.

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D555 Didática e avaliação: educação, cidadania e exclusão na contemporaneidade
[Recurso Eletrônico]./Carmen Lúcia Guimarães de Mattos; Luis Paulo Cruz Borges;
Paula Almeida de Castro (Organizadores). - Campina Grande: Realize Editora, 2016.
3100kb - 246 p.:il.

Modo de Acesso: World Wide Web <http://editorarealize.com.br/revistas.php>

ISBN EBOOK: 978-85-61702-39-7

1. Educação. 2. Exclusão. 3. Escola e avaliação. 4. Inclusão. 5. Escola pública


brasileira. I. MATTOS, Carmem Lúcia Guimarães de. II. BORGES, Luiz Paulo Cruz. III.
CASTRO, Paula Almeida de. IV. Título.
21. ed. CDD
Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Organizadores

Didactics and evaluation in different contexts:


reflections on PISA assessment.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Valentina Grion (Università di Padova - ITALY)

Educação, cidadania e exclusão: o aluno como


agente de mudança na avaliação escolar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ)
Valentina Grion (Universidade d Padova, IT)
Paula Almeida de Castro (UEPB)

Saberes sobre a escola: a voz do aluno e a produção


de conhecimento na pesquisa em educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Walcéa Barreto Alves (UFF)
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ)

A escola e a avaliação: perspectivas da


aprendizagem colaborativa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Beatriz Calazans Dounis (Universidade da Madeira/SEEDF)

Avaliação na escola regular e na escola integral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83


Ana Maria Petraitis Liblik (UFPR)
Marta Pinheiro (UFPR)

Inclusão e exclusão: a diversidade na


escola pública brasileira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Mylene Cristina Santiago (UFF)
Um estudo longitudinal do desenvolvimento da inserçao
de tecnologia em sala de aula de Matemática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Paula Luderitz de Albuquerque Lenz-Cesar (EARJ)

Educação a distância e formação humana:


a importância das práticas docentes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
Eloiza da Silva Gomes e Oliveira (UERJ)

PÁTRIA EDUCADORA: uma receita de fé na educação,


falta de confiança nos professores e homogeneização
dos estudantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Maria Luiza Süssekind (UNIRIO)
Viviane Lontra (UNIRIO)
Raphael Pelosi Pellegrini (UNIRIO)

Alfabetização e vivências de alteridade:


duas narrativas em dois contextos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Arlindo Cornélio Ntunduatha Juliasse (UERJ)

Structure of violence in Pakistani Schools:


a gender based analysis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Jamil Ahmad Chitrali (University of Peshawar, Pakistan)

Heteronormatividade e os modos curriculares


de produção do gênero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Marcio Rodrigo Vale Caetano (FURG)
Treyce Ellen Silva Goular (FURG)
Marlon Silveira da Silva (FURG)

Literatura e as questões étnico-raciais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202


Glória de Melo Tonácio (CPII/Grupo de Pesquisa FormAÇÃO)
Mariane Del Carmen da Costa Diaz (SESC/CPII)
Didática: conhecimento e escola
Perspectivas teórico-metodológicas moderna
e pós-moderna: questões para a reflexão sobre a
pesquisa em didática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225
Siomara Borba (UERJ/FE)

Sobre os autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244


Apresentação

A compilação dos textos apresentados no e-book “Didática e


Avaliação: Educação, Cidadania e Exclusão na Contemporaneidade”
foi produzida a partir das discussões promovidas durante o IV
Colóquio Educação, Cidadania e Exclusão. O evento visou promover
um espaço de caráter reflexivo com o suporte de estudos e pesquisas
desenvolvidos no Brasil e no exterior que possibilite produções vol-
tadas para a melhoria da qualidade da educação básica e superior.
Oportunizou a possibilidade de valorizar as práticas de profissionais
da Educação aproximando, cada vez mais, a universidade da escola
de educação básica para a produção de conhecimentos e deman-
das formativas. Envolveu diferentes áreas do conhecimento, sendo
organizado em atividades que fomentam o debate sobre as temáti-
cas envolvidas.
A programação foi apresentada de modo que possibilitasse uma
ampla participação nas atividades (conferências, palestras, mini-
cursos, sessões de comunicação oral e pôster, atividades culturais)
bem como os profissionais convidados que contemplaram a temática
do evento e a atualidade do campo educacional. Outrossim, enten-
demos que a temática do evento representou o expressivo interesse
para discussões relevantes que extrapolam as dicotomias entre a teo-
ria e a prática estando voltadas para os novos direcionamentos na
atualidade.
O texto Didactics and evaluation in different contexts: reflections
on PISA assessment enfatiza a relação entre a Didática e a Avaliação
a partir de reflexões do Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (PISA). Que é uma iniciativa de avaliação comparada,
aplicada a estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se
pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria
dos países. As reflexões ensejadas neste artigo nos fazem pensar em
comparações necessárias ao campo da Educação e suas disputas no
campo avaliativo na atualidade.

8
Educação, Cidadania e exclusão: o aluno como agente de mudança
na avaliação escolar tem como objetivo apresentar os resultados do
IV Colóquio Internacional Educação Cidadania e Exclusão: Didática e
Avaliação (IV CEDUCE) com destaque para o tema avaliação. Inicia-se
com uma narrativa histórica dos aspectos sociológicos, psicológicos
e pedagógicos que tangenciam esse tema. Em seguida, discute os
encaminhamentos apresentados no IV CEDUCE, e finalmente apre-
senta subsídios para mudanças na avaliação do processo de ensino e
aprendizagem.
Saberes sobre a escola: a voz do aluno e a produção de conheci-
mento na pesquisa em educação discute os saberes produzidos sobre
a escola mediante a voz aluno na pesquisa educacional. Seu objetivo
é compreender os processos e práticas interativas no ambiente esco-
lar na perspectiva dos estudantes que fazem parte desse contexto,
entendendo-a enquanto produção de conhecimento. As análises
realizadas foram elaboradas mediante pesquisas bibliográficas e
etnográficas que privilegiam esse aluno como agente ativo no ato de
dar sentido aos dados coletados durante a realização de pesquisas.
Fatores como: relações assimétricas de poder, currículo centrado
em práticas pedagógicas que não privilegiam os saberes dos alunos,
pouca sensibilidade da escola em relação aos temas que permeiam
o ambiente escolar e a violência da/na escola, emergiram da voz do
aluno que, transformadas em vinhetas etnográficas, demonstram como
eles se descolam do entendimento e realização de suas tarefas, dos
professores, dos pais e de outros alunos e priorizam emergências que
surgem na sala de aula, na escola e na família. Como resultado, esses
alunos experimentam diversas vulnerabilidades em sua escolarização.
Entende-se como fundamental um olhar e uma escuta atenta à voz
do aluno, que se constitui enquanto elemento ativo de produção de
conhecimento na pesquisa educacional, que se reverbera em saberes
que podem provocar mudanças na escola.
A Escola e a Avaliação: perspectivas da aprendizagem colabora-
tiva aborda a escola, enquanto uma instituição que tem demonstrado
a perpetuação de seu caráter excludente que precisa rever seus

9
princípios e sua estrutura limitadora. A avaliação, enquanto uma parte
do processo de ensino e aprendizagem, tem uma função importante
para que alunos e professores percebam seus avanços e suas perma-
nências. Em uma perspectiva mais democratizante do ensino, que não
preconize o individualismo e a competitividade em situações avaliati-
vas, a proposta da aprendizagem colaborativa concede novas opções
para que alunos e professores possam obter uma aprendizagem mais
efetiva por meio da valorização da interação entre os pares. A aprendi-
zagem colaborativa propõe a resolução de problemas de uma maneira
coletiva, que busque unir um pequeno grupo em torno de um tema, ou
de vários temas cujos desdobramentos proporcionem uma compreen-
são mais ampla do que está sendo apresentado. Esta aprendizagem
rompe com paradigmas arraigados presentes no cotidiano da escola,
que sempre privilegiaram o individualismo e as relações entre profes-
sores e alunos, sem proporcionar uma interação social dentro de sala
de aula entre os iguais, ou seja, entre os aprendizes. Isto representa
trazer para a sala de aula o que as relações de troca que já existem em
outros ambientes e que proporcionam uma aprendizagem mais ampla,
mais significativa.
Já o artigo, Avaliação na escola regular e na escola integral aborda
a leitura atenta do que foi escrito por vários teóricos sobre avaliação,
com as devidas atualizações, possa dar aos professores subsídios para
ações educacionais mais justas, coerentes e eticamente corretas. E ao
entender melhor, não fará muita diferença avaliar na escola regular
ou na escola em tempo integral, integradora de conteúdos e saberes,
pois a escola ou é integral ou não pode ser considerada ESCOLA.
Inclusão e exclusão: a diversidade na escola pública brasileira
aborda a questão da inclusão e exclusão na diversidade da escola
pública brasileira a partir de narrativas vivenciadas em minha trajetó-
ria docente na educação básica, no ensino superior e nas atividades
de pesquisa e extensão envolvendo a formação de professores para/
na/com a diversidade. A proposta do artigo é ampliar o diálogo e a
reflexão sobre a prática docente que se encontra cercada de diver-
sidade. A ideia central é questionar a indiferença às diferenças, a

10
tendência de a escola converter diferenças em deficiências e a ênfase
em práticas pedagógicas fundadas na concepção de igualdade, que
se transfiguram em práticas homogeneizadoras no cotidiano esco-
lar. A possibilidade de articular teoria-prática, ensino-pesquisa com
vivências profissionais pode oferecer novos olhares aos nossos sabe-
res-fazeres, transformando experiências em processos de formação e
possibilitando o desenvolvimento da práxis e da condição de professor
-pesquisador. Através de narrativas e metáforas surgidas no cotidiano
do trabalho com os atores das escolas e universidades, buscarei refle-
tir sobre questões referentes ao processo de inclusão/exclusão e os
desafios de (nos) educar para/na/com a diversidade.
Um estudo longitudinal do desenvolvimento da inserção de tec-
nologia em sala de aula de matemática apresenta registros sobre
atividade com alunos de Matemática do 6a ano durante 6 anos. A
atividade implica na construção de uma caixa através da utilização
de escala previamente selecionada e aplicada a uma caixa original
trazida pelos alunos. O objetivo é que, após discussão sobre pontos
de marketing e logística, os alunos apliquem a escala escolhida nas
dimensões da suas caixas, cuidadosamente desmontadas. Depois, as
novas dimensões são traçadas em cartolina (discussão sobre linhas
paralelas e perpendiculares, instrumentos de medição e precisão). Os
alunos cortam seus modelos e montam as novas caixas, similares às
antigas, maiores ou menores, respeitando escalas escolhidas. O pro-
duto final é um documento que retrata, com fotos, tabelas e texto, a
atividade. Um ponto importante da avaliação é o uso da tecnologia
na coleta e registros de dados, na execução e comunicação dos resul-
tados. Este estudo revela que ao longo dos anos, o professor define
e demanda o uso de diferentes métodos que envolvam tecnologia na
execução de projetos, e também os alunos se mostram motivados e
preparados para o seu uso. Em face do maior utilização de instrumen-
tos tecnológicos, e da sua importância nos processos produtivos em
diversas áreas, torna-se imprescindível que os alunos sejam expostos
a atividades que explorem este conhecimento e as habilidades a ele
relacionadas. Os professores também devem se atualizar e estudar

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para se sentirem capazes de incluir instrumentos tecnológicos e digi-
tais nos projetos executados em sala de aula a fim de desenvolver tais
saberes.
Educação a Distância e Formação Humana: a importância das
práticas docentes apresenta aspectos fundamentais da Educação a
Distância (EAD) e a sua importância para a formação humana. A autora
inicia o texto com alguns conceitos, características e a evolução histó-
rica da EAD. Discutindo a seguir algumas questões polêmicas relativas
a essa modalidade educacional. Finalmente, há ilustrações do texto
com alguns resultados de uma pesquisa desenvolvida com cinquenta
professores de matemática do 6° ao 9° ano e do Ensino Médio da rede
pública de um município do Rio de Janeiro, com o objetivo de verificar
quanto esses professores conheciam as tecnologias de informação e
comunicação (TIC) e como faziam uso delas na sua prática docente. A
maioria significativa da amostra valorizou a aplicação das TIC no tra-
balho docente, afirmando que o seu uso desperta a motivação dos
alunos para a aprendizagem, melhorando a receptividade dos mes-
mos ao conteúdo e aprimorando a formação humana pretendida pela
escola.
O texto Pátria Educadora: uma receita de fé na educação, falta de
confiança nos professores e homogeneização dos estudantes indica,
neste ensaio, partindo das discussões do documento da SAE, visto no
contexto das políticas curriculares e de avaliação que vem sendo pro-
gressivamente implantadas pelo Ministério da Educação, sobretudo na
educação básica, para discutir três ideias presentes no documento que
estão largamente presentes no imaginário social e tangenciam nossas
pesquisas em currículo e formação de professores no grupo de pes-
quisa Práticas Educativas e Formação de Professores, na Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro/UniRio. O PÁTRIA EDUCADORA
estabelece um processo de marginalização e estigmatização.
Alfabetização e vivências de alteridade: duas narrativas em dois
contextos apresenta uma pesquisa que pretende compreender práti-
cas de alfabetização e vivências de alteridade de sujeitos anônimos, a
partir de duas narrativas que ocorreram em dois contextos distintos,

12
vinculados ao percurso de coleta de dados de minha pesquisa sobre
memórias, acesso a cultura escrita e sentidos de educação de jovens
e adultos atualmente em andamento. Foi no cerne desse percurso que
surgiu a curiosidade de compreender os processos de acesso à cultura
escrita decorrentes das vivências dos sujeitos e na escuta do outro,
o qual provoca um desafio não só ao narrador, que ao tentar recons-
truir um fato, imprime sua marca na interpretação, mas também ao
pesquisador, pois ao ouvi-lo, pode atribuir ao mesmo fato outro signi-
ficado. Portanto, questiona-se o que se constitui como alfabetização
para esses sujeitos num contexto de fatores cada vez mais críticos à
diversidade étnico-linguística e conectividade global? Em que língua e
com que práticas pedagógicas se orientam ou se pode orientar o ensi-
no-aprendizagem de jovens e adultos nesse contexto? Nesse sentido,
as histórias contadas revelam pistas para pensar e reconhecer que
os processos educativos de pessoas jovens e adultas, extrapolam o
contexto escolar e de ensino.
O artigo Structure of violence in Pakistani schools: a gender based
analysis debate as formas de violências nas escolas do Paquistão a
partir das questões de gênero. As reflexões propostas nos propor-
cionam pensar na relação entre educação e mundo social tendo como
eixos a didática e a avaliação. Assim, educação, cidadania e exclusão
ganham dimensão global para desenvolvermos pesquisas e inferên-
cias no âmbito escolar.
Heteronormatividade e os modos curriculares de produção do
gênero aborda o entendimento de que as identidades sexuais são
marcadas pela cultura e, ao se apoiar nas perspectivas feministas e
decoloniais, focaliza a possibilidade de reinvenção do sujeito. Contudo,
reconhece que, independente das nossas trajetórias, intuímos por
meio dos instrumentos que nos educaram, uma forma de ser, estar ou
transitar nos marcadores político-sexuais “homem” e “mulher”. Assim,
buscaremos questionar os currículos com vista a interrogá-los sobre os
discursos que produzem modos de subjetivação e que nos ensinaram
formas heteronormativas complementares e assimétricas de projeção
das identidades sexuais.

13
Literatura e as questões étnico-raciais é uma reflexão pautada na
Lei 10.639/03 que tornou obrigatório no currículo oficial da rede de
ensino a “história e cultura afro-brasileira”, em especial, nas áreas
de literatura, história brasileira e educação artística. O trabalho que
tem sido desenvolvido em Literatura, no Campus Realengo I consiste
em  atividades que não se configuram, ainda, em um projeto deline-
ado, são experimentações, a fim de desenvolver um   outro  olhar, ou
seja, uma outra estética sobre a realidade. As autoras, nesse sentido,
vislumbram um grande potencial da educação literária,  a favor de
uma educação para as relações étnico-raciais. Exercitam e trabalham
nossas mentes contra os discursos e práticas racistas. Seguem na
contramão do que nos impõem a grande mídia, a cultura de massas.
Compreendem Infância e Literatura, ligadas à forma de pensar, enxer-
gar e expressar o mundo a partir do estético, do sensível, como sendo
um dos caminhos possíveis para a potencialização de sentidos e sig-
nificados que construam uma consciência que valorize a cultura
afro-brasileira, sua ancestralidade e o seu conhecimento.
Didática: Conhecimento e Escola - Perspectivas teórico-metodo-
lógicas moderna e pós-moderna: questões para a reflexão sobre a
pesquisa em didática trata das questões teóricas-metodológicas da
pesquisa educacional. Tais questões estão inseridas no debate sobre
a Didática e o conhecimento, visualizando a reflexão sobre a pesquisa
em didática. Seu objetivo é apresentar um panorama das perspecti-
vas teórico-metodológicas, que acompanham o trabalho investigativo
em educação, considerando as condições socioculturais modernas
e pós-modernas. Sua organização compreende três momentos: [1]
considerações iniciais sobre o significado do conhecimento, [2] apre-
sentação geral de aspectos teórico-metodológicos na perspectiva do
pensamento moderno que sustentam a atividade investigativa na área
da educação e [3] introdução à análise dos aspectos teórico-metodoló-
gicos na perspectiva do pensamento pós-moderno, que têm orientado
a pesquisa educacional.
A composição desse e-book sinaliza para a diversidade de estu-
dos que são realizados nas universidades brasileiras e no exterior, nos

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grupos de pesquisa que contribuem para a melhoria da qualidade da
educação no país e, por fim, nas instituições educativas de forma geral.
Cada texto sinalizou para as discussões que são pertinentes para a
produção de conhecimentos inovadores voltados para os setores con-
siderados cruciais das políticas públicas da edu­cação brasileira, que
ainda carecem de olhares e constantes aprimoramentos. Assim, espe-
remos uma boa leitura e o convite à reflexão.

Rio de Janeiro, junho de 2016.

Carmen Lúcia Guimarães de Mattos


Paula Almeida de Castro
Luís Paulo Cruz Borges
Organizadores.

15
Didactics and evaluation in different contexts:
reflections on PISA assessment.

Valentina Grion (Università di Padova - ITALY)

Introduzione

La mia formazione e i temi che normalmente tratto in ambito acca-


demico riguardano la didattica, e soprattutto la valutazione. Tuttavia,
in questo contesto, intendo proporre una riflessione più ampia; una
riflessione che riguarda il più ampio concetto di “educazione” e di
come questa si realizza all’interno, e per mezzo, della formazione
scolastica.
Ritengo perciò importante proporre alcune considerazioni riguar-
danti le modalità attraverso le quali l’educazione possa realizzarsi nel
modo migliore in ogni paese, sia esso ricco o povero, grande o piccolo,
poiché ogni bambino, indipendentemente da dove è nato, dovrebbe
poter godere dello stesso diritto di ricevere le risorse adeguate per
usufruire delle opportunità che il 21° secolo può offrire.
In conclusione di questa relazione ho voluto rendere “omaggio” ad
un processo che considero uno dei motori più potenti di miglioramento
delle pratiche scolastiche e presupposto per l’attivazione dei processi
di avanzamento della qualità dei sistemi scolastici: la valutazione.
Voglio premettere che, per proporre oggi tali riflessioni, ho fatto
particolare riferimento a un rapporto di studio, titolato “The learning
challenge: How to ensure that by 2020 every child learns” (Whelan,
2014), cui si devono buona parte dei dati e alcuni dei ragionamenti di
seguito presentati.

16
L’educazione come fattore indispensabile per lo
sviluppo e il benessere dell’umanità

Analizzando il passato e pensando al futuro, non possiamo che


riconoscere l’educazione come uno dei fattori maggiormente impor-
tanti per lo sviluppo e il benessere dell’umanità. Essa dunque non è
solo un diritto dei singoli, ma anche un dovere dei governi e una stra-
tegia su cui i decisori politici dovrebbero fare maggiormente leva per
lo sviluppo dei paesi.
L’educazione non risolve certo tutti i problemi del mondo, ma non
si può tralasciare il fatto che i cambiamenti economici e il veloce svi-
luppo tecnologico del 21° secolo hanno reso l’educazione un fattore
particolarmente importante, molto di più che in tempi precedenti, nelle
società industriali e pre-industriali. Basti pensare che il livello medio
relativo alle performance scolastiche di una popolazione, sembrere-
bbe rappresentare il fattore maggiormente determinante lo sviluppo
economico a lungo termine di una nazione (Hanushek, & Woessmann,
2008, 2010). Inoltre, seppure con ampie differenze fra paese e paese,
le persone che hanno un livello maggiore d’istruzione godono di minori
rischi di disoccupazione e di migliori salari (Woessmann & Schütz,
2006). Ricerche empiriche hanno dimostrato, ad esempio, che in media
in Europa, ogni anno in più di scolarizzazione permette a un individuo
di ottenere risorse economiche dell’8% più consistenti di quelle che
avrebbe avuto in assenza di quell’anno di scuola (de la Fuente, 2003).
Negli Stati Uniti coloro che hanno una laurea guadagnano in media
più del doppio di coloro che hanno un diploma. In Pakistan, ogni anno
aggiuntivo di scuola condurrebbe ad un aumento dello stipendio del
7%. Ciò che è più importante è che queste differenze rappresentano
un trend in continua crescita.
Anche se l’educazione non fosse così importante per il benessere
e lo sviluppo economico, sarebbe comunque fondamentale per altre
ragioni: una migliore educazione sembrerebbe associata a più alti livelli
di salute, a forme democratiche più forti, a situazioni di maggiore felicità
individuale, a più profonda coesione sociale (Wessmann & Schütz, 2006).

17
Tali consapevolezze hanno condotto tutti i paesi del mondo ad
incentivare la scolarizzazione, tanto che oggi essa presenta tassi più
alti che in qualsiasi altro momento storico. Questi risultati, riferiti ad
una maggiore scolarizzazione dei bambini nel mondo, vanno conside-
rati come un successo ottenuto attraverso l’eliminazione dei gap e
delle ineguaglianze esistenti fra generi (maschi-femmine), fra residenti
e non residenti (indigeni-immigrati), fra bambini provenienti dalle città
e quelli dalle zone rurali ecc. (Center for Global Development, 2015).

Scolarizzazione e apprendimento nei paesi


più poveri del mondo

L’entusiasmo per il progressivo aumento della frequenza scolas-


tica nel mondo, non deve distogliere l’attenzione sul fatto che ancora
oggi 58 milioni di bambini, nella fascia d’età della scuola primaria, non
vanno ancora a scuola (World Bank, 2015). Tuttavia ciò che risulta più
grave è che, nonostante le alte percentuali di scolarizzazione, maggiori
rispetto ad ogni altro periodo storico, i livelli medi di apprendimento
raggiunto non sono ancora per niente soddisfacenti. Recenti studi sem-
brerebbero perciò rilevare che per migliorare l’educazione, in ambito
educativo mondiale, sia necessario focalizzare l’attenzione non tanto o
non solo sui dati quantitativi - numero di alunni frequentanti la scuola
e anni di frequenza scolastica - quanto piuttosto sulle caratteristiche
dell’apprendimento in termini di qualità delle acquisizioni e perfor-
mance degli alunni. Dunque, la necessità parrebbe quella d’indagare
la “quantità/qualità” di apprendimento che un paese è in grado di pro-
durre e assicurare ai bambini (Hanushek, & Woessmann, 2010).
In questo senso, sappiamo che dei 650 milioni di alunni che fre-
quentano la scuola primaria nel mondo, solo un terzo raggiunge un
buon livello di apprendimento alla fine di questo ciclo scolastico. Su
100 alunni, solo a 37 è offerta la possibilità di ottenere livelli adeguati
negli apprendimenti di base.
Focalizzando l’attenzione sul Brasile, sembra che la percentuale
di bambini che alla fine della scuola primaria raggiunge buoni livelli

18
d’apprendimento di base si aggira intorno al 40-50% del totale di
alunni scolarizzati (OECD, Brazil, 2012b). A Hong Kong, Singapore,
Giappone, Estonia, Irlanda e Corea del Sud, più del 90% degli alunni
perviene a un buon livello di apprendimento di base. In 30 paesi nel
mondo, l’apprendimento dei bambini della scuola di base non rag-
giunge nemmeno il 10% (OECD, 2012a)!
La situazione è dunque chiara: a livello mondiale, a un numero
ancora troppo basso di bambini viene offerta un’educazione adeguata
ad accedere a tutte le opportunità offerte dal 21° secolo (Whelan,
2014).

I test PISA e la valutazione dell’efficacia della scuola

Il programma di valutazione dell’OCSE, denominato PISA


(Programme for International Student Assessment) è stato il primo
strumento, di così vasta portata, finalizzato a valutare la qualità, e
l’efficacia del sistema scolastico, in relazione alla sua capacità di for-
nire ai ragazzi determinate competenze (lettura, matematica, scienze
e problem-solving) necessarie al di fuori dell’educazione formale. Il
programma non mira a misurare capacità di “mera riproduzione”, da
parte degli alunni, delle conoscenze acquisite, ma piuttosto va a valu-
tare quanto essi siano in grado di estrapolare dai loro apprendimenti
le risorse adeguate per risolvere situazioni problematiche all’interno
di contesti più o meno familiari. Un approccio che riflette quanto
avviene nel mondo extrascolastico: l’individuo è riconosciuto “capace”
ed esperto non per ciò che sa, ma per ciò che sa fare con ciò che sa
(Claxton, 2001; Klieme, Hartig, & Rauch, 2008; Le Boterf, 2000).
Andando a individuare le caratteristiche dei sistemi educativi con
alte performances, PISA mira a supportare i governi nell’identificare le
politiche più efficaci per ottenere buoni risultati di apprendimento e
una qualità scolastica di alto livello (Perry, & Ercikan, 2015).
Tutti i 34 paesi OCSE e 31 stati partner hanno partecipato all’inda-
gine 2012 (OECD, 2012a).

19
Considerando in particolare le performances del Brasile, si rileva
che il paese mostra risultati ben al di sotto della media OCSE; tuttavia
va rilevato che dal 2003 al 2012, vi è stato un progressivo incremento
dei risultati, tanto da dimostrarsi come il paese con l’incremento più
alto nelle performance di matematica e con significativi miglioramenti
anche in lettura e in scienze. Inoltre, tali miglioramenti si sono realiz-
zati soprattutto nei ragazzi con più basse performance (low performers)
(OECD, 2012b).
Altri risultati positivi per il Brasile sono stati quelli relativi all’incre-
mento della scolarizzazione non solo nelle scuole primarie, ma anche
in quelle secondarie – dal 2003 ad oggi incremento di 13 punti per-
centuali nella scuola secondaria – e quelli riferiti al miglioramento del
clima scolastico e dell’arruolamento e della ritenzione di insegnanti
migliori.
Quale aspetto negativo permane però la ripetenza che raggiunge
livelli ancora molto alti.
Come precedentemente accennato, la lettura “generale” dei
risultati PISA permette ai governi di identificare i paesi con le più
alte performances e di guardare alle caratteristiche degli stessi per
orientare le politiche sulla scuola. Chiaramente i paesi con le più alte
performances, confermate nei diversi anni, come nei casi della Finlandia
e di Singapore, rappresentano esempi da cui si possono trarre lezioni
significative in relazione al miglioramento dei sistemi formativi.

Paesi ricchi, paesi poveri: quali le lezioni apprese dai


risultati PISA?

Seppure i sistemi scolastici dei paesi con risultati di alto livello


siano guardati da molti come modelli da seguire, essi non possono
tuttavia rappresentare casi utilizzabili dai paesi in via di sviluppo. Le
differenze di contesto nel quale le diverse scuole operano, ma soprat-
tutto, le risorse che vengono impiegate nella scuola, e i tempi durante
i quali avviene la scolarizzazione, determinano barriere assolutamente

20
insuperabili nella diffusione del modello di successo dei paesi ricchi
(Ercikan, Roth, & Asil, 2015).
La divergenza più evidente fra i paesi del mondo nord-occiden-
tale e quelli del mondo sud-orientale deriva soprattutto dall’enorme
divario economico delle due differenti realtà. Quelli che sono oggi
considerati i migliori sistemi scolastici del mondo spendono centinaia
di migliaia di dollari per assicurare il percorso scolastico completo di
ciascun allievo. Il 50% dei paesi del mondo, spende solo 3000 dollari
e il 25% meno di 2000! Dunque: un modello che funziona bene in
un paese che finanzia il percorso scolastico di un bambino con oltre
200.000 dollari, non può funzionare altrettanto bene in uno, la cui
spesa per bambino è di appena 2.000 dollari (o, detto in altri termini,
di circa 200 dollari all’anno).
Per permettere, dunque, che la maggior parte dei bambini del
mondo, anche quelli appartenenti ai paesi definiti “poveri”, giungano
a buoni livelli di formazione, sembra necessario piuttosto prendere a
modello le buone pratiche di quei sistemi che, pur facendo parte di
paesi dai limitati finanziamenti alla scuola, riescono a ottenere risul-
tati d’apprendimento soddisfacenti. E’ in tal senso che alcuni autori
(Barber, 2013; Mourshed, Chijioke, Barber, 2010; Whelan, 2014) si
sono mossi per individuare le caratteristiche di queste ultime situa-
zioni e alla loro comparazione le une con le altre, per ottenere, da
tale analisi, alcuni significativi “principi di pratica” comuni ai diversi
contesti socio-geografici “poveri”.
A tali principi, ritengo, possano fare riferimento quelle realtà poste
in aree geografiche, dove le risorse per la scuola non sono delle più
alte, come presumibilmente accade anche in certe zone del Brasile.

Scuole “povere”, risultati di alto livello: caratteristiche


delle azioni didattiche

There is no point enrolling children, ensuring teachers attend, and


fixing school facilities unless the teachers have the tools and skills
they need to teach so that the children learn (Barber, 2013, p.46).

21
Come riferisce Whelam (2014), il sistema educativo BRAC1 in
Bangladesh, Pakistan e Afghanistan, e il Gyan Shala2 in India rappre-
sentano probabilmente i più significativi esempi di sistemi educativi
che sono riusciti ad ottenere risultati “buoni” nei test PISA, pur ope-
rando in zone dove le risorse economiche assegnate alla scuola sono
particolarmente basse. Altri casi quali School For Life in Ghana, i pro-
grammi Balsakhi e Naandi in India, e altri, hanno comunque dimostrato
di saper promuovere buoni livelli di apprendimento dei ragazzi, valu-
tati dal CfBT3, un’organizzazione di charity britannica che opera come
organismo di ispezione esterna per lo sviluppo della qualità delle
scuole, sia in Inghilterra che nel resto del mondo.
Analizzando le caratteristiche di questi sistemi, alcuni autori (De
Stefano, Moore, Balwanz & Hartwell, 2007; Kremer, Holla, 2009;
McEwan, Murphy-Graham, Torres Irribarra, Aguilar, & Rápalo, 2014;
Nath, Sylva & Grimes, 1999) sono giunti a definirne alcune comu-
nanze, che sembrano rappresentare gli elementi significativi in
relazione all’alta qualità dei livelli d’apprendimento raggiunti dagli
alunni.
Secondo Whelam (2009), in effetti, le scuole che ottengono buoni
risultati sono quelle che persistono lungamente nella cura dei dettagli
di alcuni aspetti del sistema formativo. Seguendo la sintesi proposta
dallo stesso autore (2014), tali caratteristiche sono le seguenti.

• Eccellenti materiali d’insegnamento. Come riferisce Lockheed


(1993/2012), la qualità dei materiali scolastici, a cominciare
dai libri di testo, ma anche altri sussidi, quali eserciziari e

1 BRAC è una delle più importanti organizzazioni non governative che mira a realizzare programmi
di sviluppo nei paesi definiti “poveri”. Cfr. http://www.brac.net/
2 Gyan Shala Develop è un’organizzazione a supporto dei sistemi educativi, che
mira ad assicurare un’educazione di base di alto livello ai bambini di paesi con
poche risorse economiche per l’educazione. Cfr. http://gyanshala.org/
3 CfBT è un organismo internazionale no-profit che svolge servizi di supporto alle scuole fra cui
ispezioni scolastiche e attiità di guida ai processi di miglioramento. Cfr. https://www.cfbt.com/

22
materiali di lavoro/gioco didattico, sembrano rappresentare
una variabile fortemente determinante il miglioramento della
qualità degli apprendimenti degli studenti. Tali sussidi, ade-
guatamente strutturati, rappresenterebbero, infatti, non solo
mezzi di presentazione e trasferimento del curricolo agli stu-
denti, ma anche valide guide di lavoro per i docenti, in funzione
dell’erogazione di lezioni efficaci e coinvolgenti. In tal senso,
dunque, i materiali didattici dovrebbero essere accuratamente
predisposti e continuamente ridefiniti in riferimento allo spe-
cifico contesto locale. Se, infatti, in zone dove la presenza di
insegnanti altamente qualificati, la rilevanza dei materiali d’in-
segnamento così strutturati potrebbe non costituire un valore
aggiunto, in luoghi in cui la preparazione dei docenti non risulta
sempre adeguata, l’uso di tali supporti didattici rappresenta un
elemento irrinunciabile in relazione all’ottenimento di alti livelli
d’apprendimento.
• Attività intensive di guida e supporto continuo agli insegnanti.
Vivendo e formandosi come professionisti in un contesto disa-
giato, anche gli insegnanti maggiormente preparati in quello
specifico contesto, possono giungere a non possedere suf-
ficienti competenze per svolgere adeguatamente i propri
compiti. Per tale ragione, si è verificato come fondamentale, in
questi particolari ambiti, prevedere frequenti e continue atti-
vità di formazione e supervisione dei docenti (Barber, 2013),
dirette a preparare gli stessi a svolgere appropriatamente le
attività didattiche e a realizzare pratiche convenienti alla spe-
cifica situazione locale.

Innanzitutto, dunque, l’allocazione delle risorse economiche sui


materiali d’insegnamento, e sulla formazione e supervisione degli
insegnanti sembra dimostrarsi una strategia vincente per il migliora-
mento della formazione nei contesti con poche risorse. Come riferisce
Barber (2013, p. 49) in un report sulla situazione di miglioramento
della scuola pakistana:

23
by April 2013, teachers will have revised and much
improved textbooks aligned to lesson plans (which are
being refined to match the new textbooks) and a monthly
coaching session with a trained DTE (District Teacher
Educators). This lays the foundation for the continuous
improvement in teaching quality which has previously
eluded not just Punjab, but many similar places across
the world.

Vi sono, tuttavia, ulteriori elementi che sembrerebbero contribuire


a determinare i buoni risultati d’apprendimento degli studenti di questi
contesti.
• Frequenza e impiego del tempo scolastico. Ricerche condotte
in diversi paesi hanno dimostrato che la quantità di tempo
dedicato all’impegno scolastico e le modalità con cui gli stu-
denti vengono coinvolti nelle attività d’apprendimento a scuola
sono fattori profondamente correlati con le acquisizioni scolas-
tiche. La quantità di tempo scolastico sarebbe particolarmente
importante soprattutto per i “low achievers”, ma, in generale,
esisterebbe una diretta relazione causale fra quantità di tempo
impiegato per attività scolastiche e apprendimenti ottenuti
(Lockheed, 1993/2012; Whelan, 2014). I risultati migliori ver-
rebbero raggiunti in quei contesti dove il tempo scuola: a) è
massimamente prolungato nel corso dell’anno (massima lun-
ghezza lungo l’arco dell’anno); è suddiviso in unità giornaliere
svolte in tutti i giorni della settimana (massima frequenza su
base settimanale); c) ha durata anche di poche ore al giorno,
ma “intensamente” impiegate (more time on tasks). In relazione
all’ottenimento di migliori risultati d’apprendimento, risultano
inoltre importanti fattori quali: alti livelli di frequenza da parte
degli studenti, bassi livelli di assenza da parte dei docenti, e
alti livelli d’attività durante la giornata scolastica.

• Uso della lingua madre nei primi anni scolastici. L’uso della
lingua madre utilizzata dai bambini all’interno delle famiglie o

24
dei villaggi di provenienza (vs lingua ufficiale del paese) nelle
interazioni scolastiche, soprattutto nei primi anni di scolarizza-
zione, si rivela un processo di particolare significatività, per dare
modo di acquisire le conoscenze di base, la cui appropriazione
assicura una successiva positiva progressione lungo i succes-
sivi gradi d’istruzione4. Non si tratta, secondo Paran e Williams
(2007), solo di un problema linguistico, ma anche socio-cultu-
rale. Permettere ai bambini di leggere, scrivere, comunicare
nella propria lingua (usata in famiglia o a livello locale), signi-
fica proporre attività e concetti a loro familiari, maggiormente
comprensibili e quindi “manipolabili”, rispetto a quelli veicolati
in una lingua diversa (ad esempio la lingua nazionale).

• Strutture o persone? Come spiega Smillie (2013) nel suo libro


dedicato all’analisi dell’esperienza dell’organizzazione BRAC
(Bangladesh Rural Advancement Committee) in Bangladesh, lo
sviluppo e l’apprendimento non dipendono tanto dagli edifici
e dalle caratteristiche delle strutture dove sviluppo e appren-
dimento avvengono, ma piuttosto discendono da quello che
succede dentro agli edifici, e dalle modalità di essere e di agire
delle persone che si trovano all’interno di questi stessi edifici.
L’autore dimostra che, al di là degli aspetti strutturali e archi-
tettonici, e delle specificità locali, sono le persone, con il loro
entusiasmo, la loro volontà, capacità di leadership e organiz-
zazione a produrre i risultati educativi: persistenza, profondità
d’impegno, capacità d’iniziativa, ottimismo, buon senso e valori
sono variabili che determinano l’apprendimento molto più pro-
fondamente che le strutture in cui questi processi avvengono.

• Accountability. Un sistema dove non vi sia un costante e fre-


quente processo valutativo, mirato, da una parte a verificare

4 Cfr. ad esempio: School for Life Annual Report (2008); UNICEF (2012); Eisemon et al. (1993)

25
per rendere conto dei risultati (ottenuti o non ottenuti), dall’al-
tra a rilevare punti forti e punti deboli, per mettere in atto le
successive azioni di riforma e progresso, rischia di “camminare
nel buio” e fallire la propria missione.

La valutazione come strumento di empowerement

“We have learned that democracy is not an event, it is an


ongoing process. It is not just about casting votes and
changing governments; it is about social justice, accou-
ntability and empowerment of the people” (Fakhruddin
Ahmed, 2007).

Facendo particolare riferimento all’ultimo dei fattori considerati


importanti per l’avanzamento dei livelli d’apprendimento degli alunni
delle zone più povere del mondo, vorrei proporre un’ultima rifles-
sione conclusiva riguardante proprio l’accountability e, in generale, la
valutazione.
Va rilevato infatti che le considerazioni qui presentate emergono
soprattutto da una lettura critica e trasversale dei risultati di processi
valutativi quali quelli OCSE PISA e altri messi in atto da organismi quali
il CfBT. Ciò a dimostrazione di come tali processi possano costituire fat-
tori determinanti nella comprensione dei fenomeni e nella conseguente
elaborazione di percorsi a sostegno del miglioramento dei contesti e
dei soggetti valutati, così come per lo sviluppo di teorie generali di
empowerement. Considerazione, quest’ultima, che potrebbe sembrare
scontata, se non fosse che nei sistemi scolastici, soprattutto in alcuni
paesi - e cito l’Italia come contesto a me familiare - la valutazione di sis-
tema, quale quella messa in atto ad esempio da OCSE PISA o INVALSI,
viene spesso osteggiata e per niente o scarsamente considerata, in
relazione ai processi di miglioramento del sistema scolastico.
Sono invece profondamente convinta, come ricercatrice che da anni
si occupa di valutazione scolastica, che i processi valutativi rappre-
sentino qualcosa di indispensabile e irrinunciabile in relazione alla
possibilità di progredire e migliorare: come singoli insegnanti, come

26
struttura scolastica, come sistema. Al contrario, nella scuola e, in
generale, nei sistemi formativi, una scarsa o distorta cultura valutativa,
conduce a intendere questo processo esclusivamente come momento
di accertamento e giudizio, spesso con conseguenze punitive.
La tendenza dell’attuale ricerca sulla valutazione è invece quella di
mettere in luce le potenzialità di quell’approccio che concepisce la valu-
tazione come una dinamica attraverso cui non limitarsi a controllare,
ma piuttosto a perseguire sviluppo, apprendimento, miglioramento.
E’ in tal senso che oggi, in ambito di ricerca educativa, tanto suc-
cesso riscuotono approcci come quello dell’Assessment for Learning
(Brown, 2014; Sambell, McDowel, Montgomery, 2013) o del’ Intelligent
Accountability (Cowie, Taylor & Croxford, 2007): la valutazione è per
l’apprendimento e l’empowerement, e deve focalizzarsi e avere lo
scopo di supportare l’apprendimento e produrre miglioramenti.
E’ in quest’ultima funzione che i processi valutativi si dovrebbero
ritenere indispensabili ai fini dell’avanzamento dell’apprendimento
e d’innalzamento della qualità della scuola. E’ in tal senso che la
valutazione dovrebbe essere considerata un “elemento interno”
all’educazione e un fattore indispensabile per il suo continuo progresso.

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31
Educação, cidadania e exclusão: o aluno como
agente de mudança na avaliação escolar

Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ)


Valentina Grion (Universidade d Padova, IT)
Paula Almeida de Castro (UEPB)

A prática de aprender a prática é a melhor


maneira de aprender a pensar certo.
(Paulo Freire)

A avaliação no Ensino Básico é um dos pontos nevrálgicos da


educação no Brasil. Em muitos casos, em outros países com menos
recursos que o Brasil e por processos diversos, minimizaram seus
resultados negativos na qualidade da educacão e obtiveram melhores
desempenhos. Tais resultados, aparecem tanto nas avaliações inter-
nas quanto externas. Nesta direção aumentam as apreensões entre
professores, gestores, pesquisadores e políticos da área da Educação
sobre o significado que se dá ao termo qualidade quando se trata da
responsabilização de pessoas diretamente envolvidas no processo -
professores e alunos (ALAVARSE; BRAVO; MACHADO, 2013; OLIVEIRA,
2011; BONAMINO; FRANCO, 1999).
Essa apreensão permeia os discursos das escolas a partir dos
anos 1990 e se consolidam nos dias atuais como uma das principais
inquietações das escolas na medida em que as atividades escolares e
as vidas de alunos e professores tornam-se atreladas, aos processos
avaliativos estranhos às suas práticas cotidianas. As mudanças expres-
sivas no ingresso ao curso superior com a substituição/associação do
Vestibular pelo/ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) assustam

32
alunos oriundos das escolas públicas e assombram os alunos de esco-
las privadas, ou, ainda, o sistema de remunerações compensatórias
prometida a professores e gestores com as elevações das notas dos
alunos nos resultados de Provas do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb), da Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e da
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil) dentre os
diversos mecanismos políticos externos à vida escolar.
Neste contexto, com o intuito de ouvir os protagonistas dos
cenários da avaliação na Escola Básica no país e de se ampliar esse
panorama incluindo atores de outros países, reeditou-se o IV Colóquio
Internacional Educação Cidadania e Exclusão: Didática e Avaliação
(IV CEDUCE) no âmbito da Faculdade de Educação da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É a partir de algumas discus-
sões resultantes desse evento que se apresenta este artigo. Primeiro
serão recapitulados aspectos que permeiam os processos de ensino e
aprendizagem e que implicam diretamente na avaliação. A seguir serão
sintetizados encaminhamentos resultantes dos trabalhos e discussões
apresentadas durante o IV CEDUCE. Por último, serão delineadas ten-
dências em avaliação na contemporaneidade oferecendo subsídios
para mudanças possíveis no campo educacional.

Aspectos sociológicos, psicológicos e pedagógicos


na avaliação

Alertando para o fato de que os aspectos sociológicos, psicológi-


cos e pedagógicos são indissociáveis, pressupõe-se que a avaliação
se dá no âmbito da escola, de suas salas de aula e em interações
entre professor-aluno, aluno-aluno, conteúdo-vida mediados pelos
contextos didáticos. Na tentativa de orientar a discussão que se deu
no âmbito do IV CEDUCE e ainda tendo como apoio as pesquisas do
Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) que ouviram, descreve-
ram e interpretaram as vozes dos alunos participantes numa postura
etnográfica (MATTOS, 2015; MATTOS; CASTRO, 2010, 2011; GRION,
2014) passa-se a levantar algumas representações da escola que tem

33
reflexo na contemporaneidade situando esses três aspectos como
eixos centrais para os estudos do tema.

Aspectos sociológicos

Nos anos de 1970, os aspectos sociológicos mais destacados


em pesquisas da área da Educação eram aqueles originários do
questionamento sobre a origem familiar e social dos alunos. Assim,
professores passaram a justificar os resultados escolares de seus
alunos através das análises dos aspectos sociais, geográficos e fami-
liares. Neste período surge a corrente sociológica associada à prática
educacional que questionava tanto os fatores imanentes ao sujeito
(aluno) como inteligência, raciocínio e memória que eram valorizados
pela Escola Tradicional, além dos fatores comportamentais como: téc-
nica, habilidades e adequação, valorizados pela Escola Tecnicista.
Nos anos subsequentes, a sociologia passa a desempenhar um papel
determinante nos estudos sobre os processos educativos. A teoria da
reprodução (BOURDIEU; PASSERON, 1970), dentre muitas, domina-
ram o cenário de processos autoritários em avaliação.
A teoria da reprodução, por ser crítica à memorização do conteúdo
e a primazia do domínio de técnicas e habilidades que permeavam os
processos de avaliação predominantes na Escola Tradicional, tem um
valor inestimável para o desenvolvimento de uma pedagogia e uma
avaliação mais centrada no contexto do que no sujeito. A grande con-
tribuição das teorias sociológicas para os processos avaliativos é a
revelação de que a natureza do indivíduo não é responsável sozinha
pelo seu sucesso ou fracasso na escola.
Os dados do Censo demográfico de 1980 apontavam que uma em
cada três crianças não conseguia ingressar na escola (IBGE, 1983). Nas
áreas rurais metade das crianças não frequentavam as escolas e no
Nordeste do Brasil a situação era ainda mais aguçada. O problema vai
além, pois grande parte daqueles que ingressavam na escola nunca
conseguiam dela sair com aproveitamento e os índices de reprovação
e repetência eram alarmantes. A maior crítica às teorias sociológicas

34
foi que elas transferiram a culpabilidade pelo fracasso da natureza
intelectual do aluno para o natureza social dele.
Entretanto muitos estudos e pesquisas apontam que, na prática,
os fatores sociológicos contribuíram para que na sala de aula, o aluno
fosse percebido numa dimensão mais ampla, isto é, sem desvinculá-lo
do contexto social em que vive, de sua realidade (MATTOS; CASTRO,
2005). No Brasil, destacamos os estudos sobre currículo publicados
por Silva (1995, 2003), os inúmeros trabalhos influenciados por Giroux
(1984, 1986) e Bourdieu (1986), assim como as reflexões sobre avalia-
ção nos trabalhos de Luckesi (2005, 1990), Brandão (1982), que muito
contribuem para as mudanças ocorridas na época.

Aspectos psicológicos

Mudando de contorno do social para o individual ao final dos anos


de 1990, as pesquisas retomam a valorização dos aspectos psicoló-
gicos inerentes a avaliação. Nesta corrente, Piaget (1956) e Vygotsky
(1993) foram os que mais contribuíram para os estudos da avaliação
dos processos educacionais, em especial destacamos aspectos rela-
cionados ao ensino da leitura e da escrita no início do processo de
escolarização da criança. Podemos destacar que a epistemologia
genética de Piaget (1956) e sua teoria de desenvolvimento passam a
nortear as práticas pedagógicas de modo a questionar a adequação
dos conteúdos curriculares às práticas de alfabetização, assim como
os estudos a ele associados como os de Ferreiro e Teberoski (1986).
Inciam-se nas escolas as práticas de relatórios individuais não somente
elencando as notas dos resultados escolares dos alunos, mas ainda os
comportamentos a elas associados como forma de mapear o rendi-
mento de cada aluno.
Os processos avaliativos que perpassam aspectos psicológicos
como a construção coletiva entre professores e alunos, exige destes
um questionamento diante o conhecimento a ser avaliado, isto é, do
como se aprende. A maior contribuição neste sentido veio de Vygotsky
(1994) com a teoria sobre a zona de desenvolvimento proximal, onde

35
o professor passou a ser entendido como um agente mediador do
conhecimento a ser assimilado pelo aluno, e o aluno passou a ser visto
como um portador de saberes que, embora distante dos saberes do
professor, se aproximaria do conhecimento deste face a interação em
sala de aula. Quem melhor capta esta ideia embora não se refira ao
autor é Paulo Freire (1989) quando faz uso da metáfora da ‘rua’ para
falar sobre ensinar e aprender. Dizia ele que ensinar e aprender é
como atravessar uma rua. O professor conhece a rua e leva o aluno a
atravessá-la, ao atravessar a rua o aluno passa a conhecê-la, daí em
diante não precisará mais do professor para fazer o percurso, pois a
rua já será conhecida.
Dos fatores psicológicos, podemos destacar ainda a importância
dos estudos sobre cognição para a área de avaliação. Esses são res-
ponsáveis pelo melhor entendimento da natureza dos processos de
aquisição do conhecimento, mas que por terem sido embrulhadas sob
o rótulo de teorias, ficaram distantes do entendimento do professor.
O que se vê na prática (PATTO, 1997; BRANDÃO, 1982; GATTI, 1977)
é que os estudos sobre o fracasso escolar apontam para um retorno
às causas psicológicas substituindo às sociológicas como justificativas
para a situação de alunos e alunas multirepetentes e excluídos por um
processo que ficou conhecido com a ideologia da profecia autorealiza-
dora com ênfase na psicologização do fracasso escolar.
A avaliação escolar continua a ser uma questão intrincada no domí-
nio dos aspectos psicológicos, as contribuições de Patto (1991) são
importantes marcos neste percurso, entretanto não conseguiu abalar
até hoje os processos de psicologização nas avaliações e seus resul-
tados que culminam com a medicalização dos alunos e alunas que
persiste ainda com vigor na escola contemporânea (CASTRO, 2006).

Aspectos pedagógicos

Para analisar os aspectos pedagógicos que influenciam a avaliação


dos processos de ensino-aprendizagem não se pode evitar a questão
política que eles envolvem, como: educação pública de qualidade;

36
maiores investimentos em prédios escolares; melhor formação para
professor em cursos universitários, remuneração digna para profis-
sionais da educação (professores, orientadores, diretores, pessoal
de apoio); políticas curriculares sensíveis às práticas pedagógicas,
medições mais justas quanto a qualidade do ensino. Além disso, vale
destacar as diferentes forma de organização escolar (tempo integral,
educacão infantil, programas compensatórios, escolas de aplicação,
ranqueamento e seleção das turmas, ampliação do atendimento em
mais anos escolares, dentre outros). Os diferentes contornos exis-
tentes nas escolas públicas pós-modernas e que são amplamente
conhecidos.
Neste sentido o caráter político-pedagógico da escola se fragiliza
cada vez mais e quase que se destitui de sua função educativa, tor-
nando-se cada vez mais burocrática e procedural. Ao deitar-se o olhar
para a escola, vê-se que ela sofre: da falência, da burocracia em dema-
sia, do descaso político, dos imperativos do poder exacerbado dos
sistemas de governo, da falácia sobre teorias alimentadas pela bana-
lização das práticas e pelo despreparo técnico de seus profissionais.
O fator pedagógico que mais se evidencia como problema para a
avaliação é a formação inadequada do professor que, com devidas
considerações de culpabilidade, da academia que os forma, são os
responsáveis efetivos pelo empreendimento educacional e cultural
que constituem a profissão (CONNELL, at al., 1982). O professor, tenta
sem êxito, entender os mecanismos governamentais e propostas teó-
ricas impostas às escolas pelos sistemas de ensino, pelas leis, pelos
parâmetros nacionais de currículo, pelas normas e regulações fede-
rais, estaduais, municipais e extra escolares como os conselhos de
escola. Connell (2010), continua a investigar o significado de ser um
bom professor junto a professores australianos e conclui apontando
para as dificuldades que os mesmos tem na busca de entendimento
sobre transposição das teorias pedagógicas para a prática de sala de
aula.
Nas teias burocráticas e procedurais da escola o professor se
encontra diante de um aluno que não foi aquele descrito pelas teorias

37
(FAGUNDES, 2013) e sim o seu vizinho, o estranho, o menino que pode
a qualquer momento ser também o seu algoz, nas ruas violentas dos
arredores das escolas brasileiras.
Somente para falar sobre um dos nós mais bem atados nós dos
aspectos pedagógicos se pode citar os sistemas de avaliações nacio-
nais, estaduais e municipais que chegaram as escolas a partir dos anos
1980 e que a engessam (SÁ BARRETTO; ZÁKIA, 2005). O exacerbado
poder central em busca por melhor desempenho das escolas nas esta-
tísticas, utilizam a avaliação como moeda de troca com promessas de
melhorias das condições de trabalho e de bônus sobre produtividade
para professores e dirigentes e, ainda, da avalanche de bolsas de
incentivo docente que maquia a remuneração com insumos que podem
ser retirados sem aviso e sem compromisso político dos governos.
Neste contexto uma das faces do pedagógico da avaliação está
nos diferentes arranjos de sala de aula e dos alunos tanto, entre os
diferentes anos escolares, quanto no interior deles. Os alunos em seus
espaços/tempos são manipulados com as justificativas da adequação
idade-série, ou da superação da assimetria das competências entre
eles, em especial nas classes iniciais. Na resolução desses problemas
e na solução de seus arranjos, os gestores e professores esbarram
com a valorização dada pelo professor à avaliação meritocrática, assim
como com a avaliação baseada na medição do desempenho desenvol-
vida por organismos externos à escola e na aquiescência do professor
a essa manipulação na busca de facilitar seu trabalho com a ilusão de
classes mais homogêneas.

Tendências em avaliação na contemporaneidade.

No sentido oposto, vemos que houve avanços nas políticas pedagó-


gicas com a ampliação do acesso de quase totalidade das crianças às
escolas no final dos anos 1990 e na adoção de teorias interacionistas,
que muito contribuíram para a solução dos problemas educacionais
relativos a avaliação. As salas de aula, neste contexto, passam a
serem entendidas como um espaço de construção e a avaliação dos

38
processos educacionais passa a ser encarada pelo professor como
uma rotina, sem um momento especial, aliviando a tensão existente
entre - processo e produto educacional, onde o aluno é resultado de
um teste, uma prova ou outro instrumento avaliativo, dado num deter-
minado momento da aprendizagem. Na contramão das teorias e de
sua vivência pelos professores chegam com muita força as avaliações
externas que se institucionalizam e passam a comandar as práticas
pedagógicas.
Dito que a realidade é opaca (GINZBURG, 1989) é preciso que seja
revelada através de indícios e pistas imbricadas nos contextos de sua
origem. Assim, ao se voltar o olhar para a avaliação dos processos edu-
cacionais e sobre as medições do aprender nos deparamos com seus
acessórios mais visíveis como: exames; provas; trabalhos individuais
e em grupo, exercícios a serem realizados em sala em casa valendo
nota, além de muitos outros aparatos pedagógicos avaliativos que se
passa em sala de aula e na escola. Entretanto, esses procedimentos
tem uma característica comum que é contar como aferição da aprendi-
zagem ou do aproveitamento do aluno. Em geral eles aferem apenas o
conteúdo previsto para a série/ano escolar, ou dado em aula; e estão
associados à clareza – se foi realizado como foi solicitado; limpeza
– se a apresentação foi esmerada; objetividade – se foi conciso e obje-
tivo, dentre inúmeros valores que se atribuem a cada tarefa e a todas
elas. Esses aparatos pedagógicos servem ainda como motivação para
que o aluno permaneça na tarefa de aula, ou motivado a caminhar nos
conteúdos de acordo com as aulas dadas pelo professor, visto que de
um modo geral os professores utilizam-os como forma de convencer os
alunos a prestarem atenção nas aulas, ou a permanecerem quietos.
Não raro, alunos e alunas são alertados que o conteúdo tratado vai
cair na prova, portanto eles servem não somente como motivadores,
mas como uma forma de intimidação ao aluno desatento.
No tocante às provas, propagam-se de modo alarmante as diferen-
tes formas de avaliações externas às atividades de sala de aula com
as provas nacionais e internacionais que visam a medir a qualidade
do ensino em determinados conteúdos que se pretendem universais.

39
Assim, temos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)
que surge oficialmente com o Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação, por meio do Decreto n. 6.074, de 24 de abril de 2007
(BRASIL, 2007). O Ideb, sob a responsabilidade do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), é um
indicador de qualidade educacional que combina informações de
desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou Saeb) – obtido
pelos estudantes ao final das etapas de ensino (5ª e 9ª anos do ensino
fundamental e 3ª ano do ensino médio) – com informações sobre ren-
dimento escolar (taxa média de aprovação dos estudantes na etapa
de ensino).
No Art. 3, do Decreto n. 6.094, de 2007 é apresentada uma visão
extremamente objetiva do potencial do Ideb como indicador da quali-
dade da escola:

Art. 3. A qualidade da educação básica será aferida,


objetivamente, com base no Ideb, calculado e divulgado
periodicamente pelo Inep, com base nos dados sobre
rendimento escolar, combinados com o desempenho
dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema
de Avaliação da Educação Básica (Saeb), composto
pela Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb)
e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova
Brasil) (BRASIL, 2007).

A avaliação é marcada pela reestruturação das formas usuais de


arranjos da sala de aula e por alguns procedimentos como: ordenações
e diferenciações da salas de aulas, avaliação da organização curricu-
lar através dos livros e de procedimentos burocráticos como diários
de frequência de alunos e relatórios de aproveitamento; os processos
e programas compensatórios que visam a reorganização das classes,
superação da defasagem idade-série e dificuldades escolares como:
Bloco Único; Ciclos de Aproveitamento; Classes de Progressão; Mais
Educação; Amigos da Escola, Acelera, Correção de fluxo, dentre mui-
tos que se tem visto no dia-a-dia da escola.

40
Existe ainda um Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa,
um programa do MEC, que se configura como um compromisso assu-
mido entre o governo federal, estadual e municipal que pretende
alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade, ao final do 3º
ano do ensino fundamental, instituído pela portaria nº 867 de 4 de
julho de 2012 (BRASIL, 2012).
Esses rearranjos da sala de aula se dão, de certa forma, na tentativa
frustrada de que se formem classes homogêneas e assim adequarem
os alunos a idade/série e ainda por rendimento dos alunos nas classes
anteriormente cursadas, recurso este largamente utilizado nas politi-
cas públicas, nacionais e internacionais, com maior destaque para as
escolas dos Estados Unidos da América com a Lei intitulada ‘No Child
Left Behind’ [Nenhuma criança deixada para trás]1, que tinha como
uma das normas que todos os professores da rede estariam em uma
determinada página de um determinado livro a cada dia. Portanto,
engessava o processo de ensino não somente focando no livro e no
conteúdo, como também, demolindo as teorias de desenvolvimento
cognitivo da criança e a autonomia pedagógica dos professores. Este
período entre 2002 e 2010 marca um dos maiores retrocessos dessas
escolas nos últimos anos.
No Brasil, o autoritarismo dos governos sobre as escola marca o
movimentos liderado pelos pais e responsáveis pelos alunos que opta-
ram por demonstrar publicamente a luta pela retenção de seus filhos nas
escolas, depois da adoção da promoção automática determinada pelo
dirigente do Sistema de Ensino (RIO DE JANEIRO, 2007). Contraditória,
a decisão dos pais era clara de que se com a retenção escolar os alunos
não estavam aprendendo nas escolas, sem retenção chegariam ao final
da escola básica sem saberem sequer ler e escrever. O que, em muitos
casos, ainda é verdadeiro. Embora se saiba que a repetência influência
negativamente o progresso dos alunos (UNESCO, 2015).

1 Presidente George W. Bush assinou a Lei 107–110 de 8 de Janeiro de 2002 No Child Left Behind
(NCLB) que foi reformulada pelo President Obama em 2010.

41
Neste ponto a questão da relação entre a meritocracia e o desem-
penho acadêmico aparece neste texto como mais um viés pelo qual a
avaliação e suas mazelas tem sido justificada.
Em conclusão, citando o sociólogo e filósofo alemão Theodor
Adorno (1995), na sociedade, que tudo administra, tudo controla,
tudo planeja para a reprodutibilidade da lógica mercadológica resta
ao pesquisador estudar essa lógica e dela depreender o que se quer
na realidade com o que se tem feito com a escola. Ao discorrer sobre
o ajuste do indivíduo Adorno disse:

A educação seria impotente e ideológica se ignorasse


o objetivo de adaptação e não preparasse os homens
para se orientarem no mundo. Porém ela seria igual-
mente questionável se ficasse nisto, produzindo nada
além de well adjusted people, pessoas bem ajustadas,
em consequência do que a situação existente se impõe
precisamente no que tem de pior. Nestes termos, desde
o início existe no conceito de educação para a consci-
ência e para a racionalidade uma ambiguidade. Talvez
não seja possível superá-la no existente, mas certa-
mente não podemos nos desviar dela (ADORNO, 1995
p. 143-144).

Tendo em mente o valor dos processos adaptativos que à educação


se impõe, a negação da subordinação às mudanças alheias a sua von-
tade que caracteriza a luta constante da humanidade e ainda o dever
da consciência crítica de que deve se impor as mudanças na educação
passamos a considerar os indicadores que orientaram esse momento
de reflexão sobre as práticas avaliativas que vem se imponto como
característica da escola neste início de século.
Em síntese, na primeira parte deste artigo apontou-se a influência
dos fatores sociológicos, psicológicos e pedagógicos numa aborda-
gem histórico-conceitual. Como já anunciado, a seguir apresenta-se
os resultados do IV Colóquio Internacional Educação Cidadania e
Exclusão: Didática e Avaliação (IV CEDUCE) com destaque para o tema
avaliação.

42
Contribuições do IV CEDUCE

A quarta edição do Colóquio Internacional Educação Cidadania e


Exclusão: Didática e Avaliação, realizou-se nos dias 29 e 30 de junho
de 2015 nas dependências da Faculdade de Educação da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, compareceram mais de 1600 partici-
pantes entre alunos de graduação e de pós-graduação, professores,
pesquisadores e especialistas em Educação de todo o Brasil e do
Exterior. Foram apresentadas 29 conferências e 9 minicursos, além
de duas sessões especiais e 22 entrevistas com os especialistas que
compareceram ao evento.
No evento, 798 trabalhos resultantes de pesquisas foram apro-
vados, nestes predominaram os temas gerais contando com 466
trabalhos sobre Educação Cidadania e Exclusão e nos tema especí-
ficos contou-se com 166 trabalhos em avaliação e 105 em Didática.
Portanto, 23% dos textos apresentados versavam sobre avaliação.
Espera-se que, ao delinear os pontos que emergiram dos trabalhos,
conferências e discussões floreçam encaminhamentos para pesquisas
no campo da avaliação.
Com um número expressivo de participantes o IV CEDUCE con-
tou com a presença de pessoas oriundas de vários Estados do Brasil
(Amazonas, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Acre, São Paulo, Minas
Gerais, dentre outros), da América do Sul (Argentina, Bolívia, Peru,
Colômbia, etc.) da África (Moçambique Angola, Guiné-Bissau, etc.) da
Europa (Itália, Portugal, Espanha etc.) e também do Paquistão. Esta
multiplicidade de pertencimento geográfico dos participantes foi de
vital importância para certificar que o tema do evento teve um apelo
intercultural na área da Educação.
A escolha do temas centrais – Didática e Avaliação - demonstrou
ter pertinência na medida em que empresta valor a preocupação geral
com as avaliações externas de caráter nacional e internacional que
tem produzido contrastantes entre países apelando para uma compe-
tição desleal em termos econômicos, culturais e acadêmicos.

43
Esse amalgamo de pessoas demonstra ainda a apreensão com o
imperativo mercadológico que envolve o ensino, visto que na interação
socioeducacional não se pode desprezar a importância das tecnologia
digitais que permeiam as escolas e os sistemas escolares, com especial
destaque dado aos cursos a distância cujo alvo principal é a formação
dos professores ao longo da vida num processo contínuo.
Ilustra também a dimensão da globalização que afeta a Educação
pela sua diversidade inter-multidisciplinar. Esses participantes ori-
ginários de diferentes área do conhecimento que convergem para a
Educação advertem para o fato de que existe uma visão dicotômica
entre os conteúdos nas diferentes disciplinas ministradas pela escola
ao mesmo tempo que uma apreensão quase que generalizada com a
baixa qualidade do ensino.
Portanto, da diversidade de participantes apreendeu-se que existe
um interesse comum pelo tema do evento, em especial sobre avaliação
e uma preocupação genuína com aspectos da realidade digital que
permeia a escola assim como o compartilhamento de interesses entre
os agentes de diferentes área do conhecimento com a Educação, em
especial de iniciativa pública com a qualidade do ensino e suas formas
de medida.
Um segundo ponto que aparece nos textos do IV CEDUCE é a
dificuldade expressa nos trabalhos sobre o que vem a ser avaliação
institucional num paradigma meritocrático. Confunde-se a função das
menções e bônus como forma de recompensa às escolas e aos pro-
fessores com base em avaliações externas com as formas procedurais
de medidas do aproveitamento escolar dentro do processo de esco-
larização. Por um lado entende-se que no paradigma meritocrático
o aluno passa a ser cliente e não parceiro no processo de ensino e
aprendizagem provocando a desconstrução de modelos de avaliação
construtivistas e sobrepujando o modelo de recompensas por acerto
e erro. Por outro, considera-se que a academia tem um papel funda-
mental que é o de esclarecer ao jovem professor como se opera os
níveis formais e informais que confere valor nos diferentes processos
avaliativos e suas fundamentações teórico-conceituais.

44
Assim se faz premente que o compartilhamento entre pesquisa-
dores, jovens e sêniores, na promoção de pesquisas com as escolas e
não somente sobre elas, com os alunos e não sobre os alunos, com o
professor e não sobre ele. De modo que na transposição das teorias
para a prática pedagógica, a pesquisa possa servir de base efetiva
para a produção do saber docente. Aqui se destacam as pesquisa que
visam a melhoria das escolas e a questão da Didática na prática do
professor.
O terceiro item que se destaca nos textos é a necessidade de enfren-
tar as diversidades das minorias socioeducacionais como um desafio
para todas as escolas, evitando assim que velhas formas de subordi-
nação das minorias se perpetuem como novas formas de avaliação. Em
especial, notou-se a preocupação genuína com as especificidades das
populações rurais e indígena, assim como a necessidade de estudos
sobre as escolas problemáticas e seus alunos desfavorecidos.
Em seguida um grande número de trabalhos revelou a existência
de imposições neoliberais de medidas avaliativas ao sistema educa-
cional, com destaque para as avaliações externas e seus efeitos na
organização da escola, assim como a preocupação com a alfabetização
que é vista como um nó da escola básica. Neste ponto permanece o
apelo dos estudiosos desta área sobre a importância de se enfatizar
as contribuições de Paulo Freire para o processo de ensino aprendiza-
gem e avaliação na escola. Cresce ainda a indicação das necessidades
de se estabelecer uma relação efetiva entre a escola e o mundo do
trabalho. Assim com a necessidade de reformulação do papel do livro
didático na relação entre a escola e o conhecimento. Finalmente, neste
sentido, é crescente o interesse para que em avaliação se considere
tanto os aspectos formais quanto informais de construção do conheci-
mento pelo aluno.
Em conclusão, os pontos que emergiram dos trabalhos apontam
para uma apreensão com a banalização das violências da/na escola e
entre alunos das escolas. Esse clima escolar é marcado pelo que foi des-
crito como o fim das certezas, os tempos de caos, as desconsiderações
de valores que representavam a escola e o saber acadêmico. Temor

45
de que as formulações e reformulações não mais se assentem em leis
e princípios, mas sim em demandas econômicas e panfletárias sobre o
que é Educação. Entretanto, em contradição a essa sensação de incer-
teza surge uma voz que se nutre das probabilidades e das certezas não
construídas e que podem ser construídas a partir da Educação.

Avaliação: - caminhar para onde?

Nos textos que se apresentaram no IV CEDUCE, nota-se uma ten-


dência a valorização da avaliação significativa emancipatória que
remonta a década de 1980 (SAUL, 1988), a qual se aproxima da noção
de processos avaliativos em rede (MACHADO, 1998), se distanciando
das noções lineares nas quais os processos avaliativos são unilaterais
e dissociativos. De acordo com Machado (Idem), nos processos ava-
liativos através de redes de significados, praticamente não existem
diferenças a serem percebidas quanto a produção do aluno, a obser-
vação a ser considerada é a intenção indiciária.
A tarefa do educador é catalisar e interpretar os sinais, indícios,
a parte manifesta do progresso do aluno. É importante considerar a
dimensão ética que envolve o processo de avaliar e a discussão dialó-
gica que envolve o procedimento avaliativo. Segundo o autor, avaliar é
recolher a semeadura de valores fundamentais - emoções, criatividade,
solidariedade, desempenho, honestidade. A perspectiva emancipató-
ria se encontra nos trabalhos de Freire e Shor (1986), e de Saul (1988),
que repetindo Adorno (1968), entendem que uma avaliação emancipa-
tória só será possível quando o professor se desinfantilizar e se torna
adulto no entendimento das questões sobre a natureza da aquisição
do conhecimento. Dizem os autores supracitados que enquanto a ima-
gem do professor estiver associada a castigos e punições, a dimensão
avaliativa sempre estará impregnada destes aspectos.
Nos é útil, ainda, as análises de Snyder (1988), sobre a alegria no
processo de aprendizagem, e de Lipman (1990) sobre ensinar a pen-
sar. Os autores associam a avaliação com uma prática auto-realizante,

46
prazerosa, considerando fundamental o prazer em aprender e a auto
-realização no aprender certo.
No dia a dia da avaliação, se destaca a dimensão ética como nor-
teadora das ações pedagógicas. O professor ou o aluno devem em
conjunto, em redes significativas, se avaliarem de modo a saberem o
quanto sabem ou quanto devem saber e como sabem que sabem, isto
é, como chegam à aquisição do conhecimento sobre um determinado
conteúdo a partir de seu uso e seu entendimento para a vida numa
ação metacognitiva sobre o conhecimento (MATTOS, 2000).
Hoje com uma rede de informações que não podemos medir, pois
configuram-se em espaços virtuais de troca de saberes, é impor-
tante saber entender como acessar o conhecimento e como torná-lo
significativo nos contextos sociais mediadores das nossas relações
existenciais. Hoje é importante, ainda, nos divorciarmos dos aspec-
tos que Foucault (1979) chama de dominação do eu que na avaliação
se manifesta pelos exames. Esta técnica privilegiada da avaliação do
processo ensino-aprendizagem na qual se expõe o indivíduo, despin-
do-o de sua identidade e do seu verdadeiro eu. Isto é, a exposição
dos resultados de um exame ou prova substitui a força física como
punição e elege o escrutínio, uma forma de exposição muito utili-
zada pela escola, onde notas de alunos são afixadas nas paredes ou
quando se pede ao aluno que leia em voz alta. Estes são pequenos
detalhes daquilo que entendemos como processos autoritários que se
mascaram de democráticos para justificar a inabilidade de avaliadores
exacerbando práticas levianas de avaliação do ensino-aprendizagem
que circulam nas escolas. Neste ponto é bom lembrar o Freire (1988)
que busca sempre falar com o outro como uma atitude menos autori-
tária, ele diz em uma de suas aulas;

...numa pedagogia progressista você nunca pode falar


a, apenas, nunca pode falar com apenas, mas você tem
que falando a falar com o educando. Enquanto que
numa pedagogia tradicional, autoritária, a ênfase é falar
a, é a falar de a, é falar sobre a, é falar sobre o conteúdo

47
ao educando, que por sua vez, precisamente porque não
fala com recebe a fala a ele com o educando (FREIRE,
1988, transcrição e ênfase nossa2).

Com esta fala Freire manifesta a possibilidade de numa pedago-


gia progressista, de forma a ouvir o aluno como forma de avaliação.
Salientado que a avaliação pode ser também bancária quando se ava-
lia a partir do professor e do conteúdo e não do que o aluno sabe.
Entretanto, as formas de organização escolar transferem o movimento
da avaliação da esfera de sala de aula para outras dimensões e para
falar em alternativas em avaliação temos que primeiro tratar da dimen-
são organizativa do sistema escolar em alguns dos seus aspectos.
Como nos lembra Grion (2014) para se operar uma mudança no
entendimento do que é a avaliação escolar temos que passar DE uma
aprendizagem passiva com uma visão comportamentalista PARA o
posicionamento do aluno como um sujeito ativo que constrói o conhe-
cimento em um contexto específico e a partir desse contexto. O que
exige de avaliadores uma postura cognitivo-construtivista da apren-
dizagem, isto é, saber COMO os alunos sabem que sabem. Seguindo
esse movimento, Grion (2015) propõe uma avaliação COM os alunos
lembrando a importância de se ter um ponto de vista sociocultural da
aprendizagem onde a avaliação se dá em construção e como parte de
fazer as coisas COM os outros. Sintetiza a autora que nessa mudança
de enquadre a avaliação DE-PARA-COM visa a uma participação de
apoderamento realizador, especialmente em contextos socioeconô-
mico e educacionais ‘complexos’ como os que se incluem muitas das
escolas brasileiras. Por isso, é imperativo se conseguir um melhor ali-
nhamento entre a avaliação o ensino e a aprendizagem.
Corroborando com Grion (2014; 2015), James (2008) afirma que
houveram três gerações de práticas de avaliação com destaque para
determinados tipos de relações entre avaliação e aprendizagem. Grion

2 Transcrito de uma aula com Paulo Freire na pós-graduação em Psicologia Social da PUC/SP em
14/9/1988, às 13:30

48
(2015), afirma para que as nossas práticas em avaliação sejam eficazes
elas precisam ser congruentes com a nossa visão de aprendizagem.
Na primeira geração, assumindo-se uma abordagem behaviorista de
aprendizagem considera-se a resposta condicionada à estímulos exter-
nos e, em coerência com um tipo avaliação apropriada que é focada no
teste de desempenho, individualmente realizado ao final de um curso
ou unidade de aprendizagem. Aqui as respostas são avaliadas como
certo/errado e as notas globais só indicam o que aluno tem feito bem,
ou que ele deve tentar fazer melhor, sem qualquer outro estímulo e
sem disponibilizar qualquer ajuda para que essas respostas melhorem.
Na segunda geração, se insere a abordagem cognitivo-construti-
vista da aprendizagem. A aprendizagem é determinada pelo que se
passa na cabeça das pessoas e por diferentes maneiras com que as
pessoas fazem sentido do mundo através da construção de modelos
mentais de como o mundo funciona.
A tarefa de ensinar, de acordo com este ponto de vista, é de ajuda
aos alunos novatos para que esses possam adquirir as formas de
pensar apreendida pelos alunos mais experientes. Nomeadamente,
aprender as formas que organização do conhecimento e como se dão
seus próprios processos metacognitivos.
Coerentemente, as práticas de avaliação nesta segunda gera-
ção focam na resolução de problemas e na compreensão, focam na
performance e tendem a ser definidas como uma demonstração da
capacidade de aplicar modelos conceituais para encontrar soluções
para problemas.
A melhoria na aprendizagem pode ser inferida a partir de mal
-entendido ou falhas para encontrar soluções viáveis. Os processos
de avaliação são formativos e está previsto o apoio aos alunos para
que estes possam desenvolver novas habilidades cognitivas e assim
fechar as lacunas existentes entre alunos novatos e mais experientes.
No entanto, apesar de muitas diferenças entre a primeira geração e
a segunda, esta última permanecerá focada na aquisição e proces-
samento de conhecimento, em última instância, como algo adquirido
pelo indivíduo.

49
A terceira geração de práticas de avaliação trazem uma mudança
mais radical, longe de ver a aprendizagem como a aquisição de conhe-
cimento e de compreensão. A aprendizagem é vista como participação
em práticas sociais. Um princípio fundamental da teoria sociocultu-
ral é que a aprendizagem envolve pensamentos e ações no contexto.
Ela é particularmente influenciada pelas interações entre fenômenos.
Além disso, a aprendizagem é uma atividade social e colaborativa
entre pessoas com o objetivo de construir conhecimentos e desen-
volver o pensamento juntos. Portanto, ela envolve a participação em
um grupo/comunidade onde o que é aprendido é distribuído no inte-
rior desse grupo. O ensino torna-se a capacidade de criar ambientes
em que as pessoas podem ser estimulada a pensar e agir em tarefas
autênticas e colaborativas.
Nesses contextos, a avaliação precisa ser alinhada à aprendiza-
gem e deve ser situada, ou seja, realizada lado a lado ao ensino, e não
como um evento depois do aprender. Além disso, a avaliação precisa
ser realizada pela comunidade, em vez de por avaliadores externos,
com um importante papel das práticas de pares e auto-avaliação. As
práticas avaliativas situadas na resolução de problemas são as formas
mais adequadas de avaliações, porque a aprendizagem é expressa na
participação em atividades autênticas (do mundo real). Nesse sentido,
a avaliação é uma forma de estimular a participação dos alunos em seus
processos cognitivos metacognitivos e socioeducacionais, para apoiar
a aprendizagem. A avaliação torna-se uma forma de aprender. Além
disso os pares realizam a auto-avaliação do aluno de modo a melhorar
e a consciência destes sobre a sua aprendizagem. Como afirmou Grion
(2015, p. 14), a avaliação torna-se avaliação como aprendizagem.

Conclusão

A sociedade em que vivemos é diversa, multicultural e complexa,


porém, questões acerca da avaliação externa à escola ultrapassam
os muros da escola e alcançam dimensões nacionais e internacionais.
Esse foi um dos resultados do IV CEDUCE. Os participantes do evento
não deixam dúvidas quanto a internacionalidade da preocupação com

50
os diferentes tipos de testes e provas que chegam a escola para aferir
medidas comparativas muito mais do que para avaliar competências.
Entretanto, teorias como o construtivismo permeiam as escolas do
século XXI e deixam marcas que não se coadunam com a participação
do aluno no processo ensino-aprendizagem, pelo menos na prática. O
construtivismo nos conduziu a crença de que o aluno é livre em suas
aprendizagens, mas a crença idealista de que esse aluno sabe, de que
ele/ela tem luz própria, mas esse aluno é um ideal a ser alcançado.
Acredita-se no esforço multidisciplinar, num trabalho pedagógico
em conjunto – professores-alunos-escolas para se obter melhores
resultados e ter um sentido, interligando a escola à sua realidade.
Neste sentido as indicações de Grion (2015) sobre a participa-
ção de alunos no processo de sua avaliação sugere que como afirma
Mattos (2015) eles estão prontos para participarem não somente das
avaliações mas ainda como agentes de pesquisa. Sua participação
genuína agrega sentido aos dados e amplia o entendimento quando
da interpretação dos mesmos.
No âmbito da sala de aula, os fatores associados que incidem
positivamente nos resultados de aprendizagem são o atendimento e a
pontualidade dos professores; a disponibilidade de material didático;
o ambiente escolar profícuo e as boas práticas de ensino. Ao mesmo
tempo, a análise das escolas permite afirmar que, em geral, os siste-
mas educacionais são pouco inclusivos em termos socioeconômicos,
que a violência tem um impacto negativo no desempenho, e que os
recursos das escolas e sua infraestrutura se associam positivamente
com a aprendizagem (UNESCO-TERCE, 2015).
Estes fatores aparecem entre as demandas dos participantes do IV
CEDUCE como importantes para que se efetue as mudanças na ava-
liação modo que estas repercutam no aumento do rendimento dos
alunos. Muito mais do que avaliações externas a escola precisa se
olhar de dentro para fora e incluir sentido de realidade nela. Sentidos
que, embora abstratos de início, com o auxílio de pesquisas, podem
agregar valor ao seu interior.

51
Neste texto, apresentam-se considerações sobre as dimensões
sociológicas, psicológicas, pedagógicas da avaliação dos processos
de ensino e aprendizagem, sob a ótica dos trabalhos apresentados
no IV CEDUCE, com o intuito de ampliar as discussões sobre o tema
e ainda de apontar indicadores para a pesquisa. O enfoque temático
maior foi para o tema avaliação, neste sentido, elencou-se pontos
levantados pelos participantes como importantes para a área. E em
conclusão apresentou-se uma proposta de mudança para as práticas
de avaliação. Mudança essa que implica em avaliar com os alunos e
assim permitir a ele maior autonomia e reflexividade sobre seu pro-
cesso de aprender.

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57
Saberes sobre a escola: a voz do aluno e a produção
de conhecimento na pesquisa em educação

Walcéa Barreto Alves (UFF)


Carmen Lúcia Guimarães de Mattos (UERJ)

Introdução

Este texto busca dialogar com professores e pesquisadores sobre


a importância de ouvir o aluno como fonte primária de conhecimento
sobre a escola, o ensino e a pesquisa. Assim, pensa-se nos alunos
como agentes de produção de conhecimento, potencialmente trans-
formadores da escola. O suporte teórico para as análises da voz do
aluno tem como base os conceitos e teorias derivados dos estudos de
Fine (2013) a respeito da pesquisa participativa, Cook-Sather (2013) e
Grion (2013) sobre o potencial da voz do aluno como contribuição para
promoção de mudanças na escola, Mattos (2011, 1992) sobre a abor-
dagem “bottom-up” (de baixo para cima) e Alves (2003, 2012) sobre a
reflexividade dos participantes na pesquisa etnográfica.
Dentre as diversas etapas que envolvem o trabalho de pesquisa,
em uma delas, realizada por Mattos e Castro (2010a), intitulada
“Fracasso Escolar: Gênero e Pobreza” foram estudados 2.017 textos
científicos nacionais sobre o fracasso escolar em escolas públicas bra-
sileiras. Este estudo bibliográfico chamou a atenção das autoras para
o grande número de textos que argumentavam que os seus dados
expressavam as percepções e o entendimento dos alunos sobre o
fracasso escolar. Mediante interesse destas pesquisadoras sobre
como estes alunos foram ouvidos, selecionou-se 683 textos que utili-
zavam entrevistas como instrumentos. Os objetivos foram: verificar a
presença ou não de alunos como informantes primários dos estudos

58
realizados; compreender como essas pesquisas situavam os alunos; e
verificar se eles foram ouvidos ou não.
O resultado da pesquisa apontou que: dos 683 textos, somente dez
(10) relatavam ter incluído em suas entrevistas a participação de alunos
como sujeitos da pesquisa, assim como outros participantes: profes-
sores, pais e diretores de escola. Essas pesquisas, embora variando
o modelo de entrevistas, fizeram uso, prioritariamente, de entrevistas
que pudessem lançar luz sobre o fracasso escolar e a realidade de
crianças e jovens que o viviam. Entretanto, na descrição sobre esse fra-
casso priorizaram as falas dos demais entrevistados e não dos alunos.
Entre os dez (10) textos que incluíram os alunos como entrevis-
tados, apenas um (1) utilizou entrevista aberta, isto é, que ofereciam
liberdade para que os entrevistados respondessem o que pensavam,
independentemente das perguntas pré-concebidas pelo entrevista-
dor. Pode-se inferir sobre os 683 estudos analisados, que existe uma
dificuldade, entre os pesquisadores, em lidar “com a fala do outro”,
sobre o seu objeto de estudo. No caso dos estudos analisados, as
vozes sobre o fracasso escolar. Ao mesmo tempo em que parece existir
uma necessidade, entre esses mesmos pesquisadores, de controlarem
“o que este outro fala”, a partir da tentativa de falar sobre este outro
e, assim, comprovar suas próprias hipóteses sobre o que é o fracasso
escolar na visão dos sujeitos de suas pesquisas, embora sem a partici-
pação dos mesmos nesses resultados.
Esses estudos revelam a necessidade de pesquisas que deem rele-
vância à voz do aluno enquanto agência humana no ato de dar sentido
ao conhecimento acerca de sua realidade, especialmente na escola
e na sala de aula. Revela, ainda, que essas pesquisas educacionais,
embora os tenha descrito como sujeitos primários, não os reconhece
como vozes legítimas e válidas, pois interpretam o que esses alunos
falam sem, efetivamente, ouvir a sua voz enquanto produtores do
conhecimento.
A ausência das vozes de alunos nas pesquisas educacionais releva
a importância de se explorar mais detalhadamente o que eles tem a
nos dizer sobre si próprios e sobre as suas escolas.

59
Entendemos que numa Pedagogia vivenciada na condição pós-
moderna (PINAR, 2003), os alunos têm acesso a uma variedade infinita
de informações e que o papel de professores, sabedores dos conteú-
dos validados culturalmente, é de auxiliá-los a fazerem sentido dessas
informações, transformando-as em conhecimento e atribuindo signifi-
cado à sua realidade com seus próprios conteúdos.
Reconhecendo a ausência da voz do aluno em pesquisas educa-
cionais (MATTOS; CASTRO, 2010b), pretende-se estudar o que dizem
essas vozes, a partir do acervo de pesquisa do banco de dados do
Núcleo de Etnografia em Educação (NetEdu/UERJ). Esses dados
envolvem coletas realizadas em escolas públicas com a participação
e colaboração de alunos da educação básica e de graduação (bolsis-
tas de iniciação científica da UERJ) considerados sujeitos primários e
agentes ativos nessas pesquisas. Portanto, as bases empíricas que
compõem as vinhetas etnográficas exploradas no texto advêm de pes-
quisas desenvolvidas ao longo dos últimos dez anos por este Núcleo.

Ouvindo a voz do aluno: contribuições teóricas

O Projeto Ciência Pública (Public Science Project), atualmente


desenvolvido por Michelle Fine, na Universidade da Cidade de Nova
York (City University of New York – CUNY), nos Estados Unidos da
América (EUA), tem como uma das atividades, a pesquisa que é rea-
lizada em aliança entre universidades, pesquisadores, estudantes de
graduação, ativistas, jovens em desvantagem social e membros de
diversas comunidades e instituições da cidade, procuradores públicos,
advogados, entre outros. O modelo de pesquisa participativa adotado
evidencia o engajamento político e acadêmico entre os membros da
equipe. Existe uma prioridade em ouvir, de forma igualitária, as vozes
de todos os participantes, em especial os marginalizados socialmente.
Fine explica que o grupo criou uma “zona de contexto” (TORRES et.
al., 2008), o que significa que pessoas de diversos segmentos sócio
-educacionais se reúnem com os pesquisadores e, juntos, partilham
conhecimentos e criam as questões da pesquisa, os instrumentos, as

60
amostras, as análises e os produtos, tornando-se uma equipe e cons-
tituindo o que ela considera “campo de pesquisa”. Nesse contexto,
todos os membros da equipe são treinados juntos sobre métodos de
pesquisas, projetos e epistemologia. Todas as diferentes vozes são
consideradas e as diferentes opiniões são colocadas no campo de
compreensão e negociação. Para Fine (2013), a chave para que isso
aconteça é acreditar na “ação de pesquisa crítica participativa”, de
forma que as pessoas que viveram injustiças e que tem um entendi-
mento íntimo sobre os caminhos pelos quais a injustiça opera, possam
ter liberdade para relatar esses eventos.
Fine (2013) explica que, nesse processo, o mais desafiador é conven-
cer as pessoas com Doutorado de que os estudantes marginalizados,
também têm conhecimento. O cultivo de diferentes opiniões, quase
sempre, significa uma “queda de braço” sobre as divergências. Segundo
a pesquisadora, se existem diferentes tipos de jovens na sala, normal-
mente, os “bons alunos” acham que devem ensinar aos “maus alunos”,
quando, na verdade, ela está interessada, justamente, nos pontos de
vista dos “maus alunos”: “eles sabem de coisas... eles são experientes...
eles seguram um pedaço diferente da história” (Idem, s/p).
Fine (2013) contrasta, ainda, o tipo de investigação conhecida
como “pesquisa-ação” com a “pesquisa participativa” que delineia em
seus projetos. Quatro princípios modelam esta última: a) as pessoas
que viveram injustiças têm profundo, íntimo conhecimento sobre as
estruturas, histórias, efeitos e consequências da injustiça. Portanto,
dispõem de um ponto de vista importante para fazer sentido a res-
peito dela; b) essas pessoas também têm o direito de fazer pesquisa;
c) na universidade, os pesquisadores têm a obrigação de projetar pes-
quisas que não contribuam para ampliar o quadro de violência em que
essas pessoas vivem, como a “violência epistemológica” (TEO, 2010),
isto é, empreender mais violência aos grupos sobre os quais se pes-
quisa; d) a pesquisa deve ter ação aderente a ela, seja através de uma
organização política ou um movimento social que visem mudanças.
Para Fine (2013), esses são os elementos críticos da “pesquisa
participativa”, que é diferente da “pesquisa-ação”, pois a pesquisa

61
participativa desafia especialistas a tomarem posições mais democrá-
ticas em todo o processo de fazer pesquisa, sem que se promova uma
ação de pesquisa de forma unilateral, isto é, levar a um grupo vulnerá-
vel aquilo que achamos ser bom para ele.
Fine comenta que para isso é preciso que pesquisadores se posi-
cionem em favor da comunidade, pois ela também “possui os dados”.
Assim, em colaboração, podem-se pensar os tipos de produtos mais
apropriados para essa comunidade. Ela exemplifica que os seus
projetos começam pela questão política sob o ponto de vista do mar-
ginalizado, porque as pessoas das comunidades estão interessadas
no que a comunidade pensa sobre as questões que enfrentam no seu
dia a dia (FINE, 2013).
O trabalho de Fine e sua equipe servem como subsídio e aporte
teórico para este trabalho na medida em que ela inclui como partici-
pantes primários da pesquisa pessoas que, na maioria das vezes, são
esquecidas, e dá importância a voz do excluído de maneira a legitimar
os resultados da pesquisa. Esta é uma postura crítica frente a reali-
dade do excluído.
Alison Cook-Sather também contribui teoricamente com este
trabalho. Ela explica a partir do projeto de pesquisa “Ensinando e
aprendendo juntos” (Teaching and Learning Together), desenvolvido
na cidade da Filadélfia, EUA, que no “esforço de posicionar os alunos
como sujeitos ou protagonistas” das interpretações de suas próprias
vivências e experiências, a pesquisa qualitativa coloca em primeiro
plano a voz e a experiência do estudante (COOK-SATHER, 2013, s/p).
Especificamente, a pesquisa posiciona os alunos como informantes,
redefine seu papel, "ouvindo-os", e muda o quadro de referência, alte-
rando assim a apresentação.
Cook-Sather (2002) explica que a voz dos alunos é orientadora dos
resultados e que os objetivos políticos e pedagógicos precisam pre-
ponderar na pesquisa. Para que isso aconteça, esses objetivos devem:
1) desafiar o modelo tradicional de ensino segundo o qual teóricos e
pesquisadores geram conhecimentos e os passam para os professores.
Estes, por sua vez, são pressionados a implementá-los como um novo

62
conhecimento, posicionando os alunos como receptores passivos desta
transferência; 2) alterar a dinâmica de poder na relação professor/
aluno: preparar professores comprometidos a agirem sobre as pers-
pectivas dos alunos; e, 3) promover a consciência crítica no aluno sobre
as suas experiências e oportunidades educacionais, de modo que este
adquira mais confiança em expressar o que precisa como aprendiz.
Este trabalho também se pauta nas pesquisas de Valentina Grion,
que estuda questões como – o que é uma boa escola a partir do ponto
de vista do aluno? Suas colocações partem do pressuposto de que “os
alunos têm ideias muito positivas e realistas a respeito de sua escola e
de como ela pode ser melhorada” (GRION, 2013, s/p). Ela explica que
os alunos querem realmente mudar a escola e isso não pode ocorrer
sem que a participação democrática na escola seja levada mais a sério.
Para a autora é necessário empreender ações onde “os alunos possam
atuar como copartícipes nos processos de mudança” (GRION, 2013,
s/p), garantindo que espaços de discussão sejam legítimos e valoriza-
dos e onde alunos e alunas possam falar. Faz-se necessário, portanto,
que “reajustemos os nossos ouvidos para que possamos ouvir o que eles
dizem e, assim, redirecionarmos nossas ações em resposta ao que ouvi-
mos” (GRION, 2013, s/p). Na esteira de Cook-Sather, Grion assenta que
"os alunos têm uma perspectiva única sobre o que acontece na escola e
nas salas de aula” (COOK-SATHER 2009, p. 5) e que, por isso, podem
e devem ser considerados pela política nacional de avaliação escolar.
A partir da explanação acima, torna-se evidente a relevância e
necessidade de se ouvir a voz do aluno na realização de pesquisas que
buscam compreender a escola com seus sujeitos e pretendem contri-
buir para sua transformação. Alves (2012) aponta a necessidade de se
iniciar o planejamento das ações pedagógicas e educacionais sob uma
perspectiva “bottom-up” (MATTOS, 1992) levando-se em considera-
ção as demandas que emanam da base (o aluno) para o topo (gestores
educacionais). A partir deste prisma, considera a viabilidade de uma
aplicabilidade significativa das ações educativas, tomando como
ponto relevante na construção conjunta a voz de alunos e alunas em
suas compreensões sobre a escola em seus papéis social e educativo.

63
O que acontece quando a voz do aluno é ouvida na escola?

Nas pesquisas realizadas pelo NetEdu, lidou-se com temas que não
são usualmente motivadores para os professores, como: violência na/
da escola; interações e discriminação de gênero; percepção dos alunos
sobre a escola, sobre o fracasso escolar; a situação de pobreza asso-
ciada ao desempenho do aluno; dentre outros. Pesquisou-se, ainda,
como os alunos se percebem na realização de tarefas escolares, os
processos de avaliação da aprendizagem; como se dá a relação “pro-
fessor-aluno” no contexto das classes de programas compensatórios
(como classes de repetentes, progressão, aceleração, dentre outros).
Revisitando os dados do Núcleo supracitado, mostra-se aqui
alguns eventos nos quais alunos e alunas se revelam conhecedores de
suas próprias ações, limites e possiblidades no interior da escola e da
sala de aula, constituindo-se atores críticos do seu papel social como
educandos (MATTOS; CASTRO, 2010b).
Em pesquisa realizada em uma escola localizada na Baixada
Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, em 2010, um dos procedi-
mentos de coleta de dados utilizado foi a realização de entrevistas
feitas por alunos e alunas do 1º ano do Ensino Médio com seus cole-
gas do 6º ano do Ensino Fundamental. Os pesquisadores treinaram
os estudantes como entrevistadores para que as entrevistas se
desenvolvessem de modo que permitisse a liberdade de resposta
dos entrevistados.
Os temas propostos pelos pesquisadores foram: ordenações de
gênero e situação de pobreza como indicadores do fracasso escolar.
Entretanto, por proposta dos alunos do Ensino Médio, foi acrescen-
tado o tema violência. De acordo com eles e com seus professores, a
escola é situada num bairro muito violento, envolvendo crimes, rou-
bos e guerra do tráfico de drogas que refletem de modo negativo no
ambiente escolar, levando os estudantes a situações de desespero e
vulnerabilidade.
O resultado dessas entrevistas e das observações de campo
identificam instâncias de reflexividade crítica dos entrevistadores e

64
entrevistados sobre os temas perguntados. Neste texto, serão apre-
sentadas somente as análises do tema da violência, por este ter
sido de escolha dos alunos. Serão apresentados dois eventos, em
forma de vinheta etnográfica, contendo: sua contextualização, as
inferências dos alunos; interpretação das falas e seus fundamentos
teóricos. Para a produção deste artigo, foram separados dois even-
tos que refletem a produção de saberes e conhecimento na pesquisa
educacional mediante a voz do aluno, que possibilita ao pesquisador
aprender e apreender as significações que compõem o contexto de
vivência desses sujeitos, demarcando territorialidades, sociabilidades
e subjetividades.

Evento 1: Aprendendo sobre violência

Renato – Alguém já tentou violência contra você?


Maria – Já, teve uma vez que eu quase fui estuprada. Só que eu
falei com o meu pai, o meu pai veio resolver.
Renato – Você já presenciou algum caso de violência em sua
família?
Maria – Já, eu odeio o meu tio! Cara, assim! O meu sonho sempre
foi matar ele [...] eu odeio ele! Ele metia a porrada na minha mãe
[...] eu sempre defendi a minha mãe[...] eu já puxei a faca pra ele,
quase que eu meti a faca nele!
Renato – O que você acha desses atos de violência?
Maria – É muita coisa!!! O meu pai era assim, o meu pai começou
com faca, enfiava a faca nos outros, depois o meu pai começou a
levar armas pra casa. Aí um dia eu cheguei pro meu pai e pedi uma
arma pra ele de presente de aniversário...

Maria, menina de 9 anos com a estatura de 7 devido a uma


doença rara que limita seu crescimento físico é consciente da violên-
cia em que vive e visualiza como saída a própria violência. Renato,
seu colega entrevistador, alarmado com a forma como ela falou do
“quase estupro”, mudou imediatamente de assunto após a resposta

65
de Maria. Ele declarou ter ficado “sem palavras” diante do sofri-
mento da menina, embora já soubesse do caso, pois Maria havia sido
afastada dos pais e vivia com a avó por ter sido vítima de violência
doméstica.
Renato declarou que não fazia ideia de que a pesquisa levasse os
alunos a falarem tão abertamente sobre as suas vidas, e que ele se
sentiu útil ao “ouvir” os colegas. Lembrou que na comunidade onde
reside não existe preocupação das autoridades em oferecer suporte
social e psicológico para as vítimas de violência. Junto à equipe de
pesquisa, ele argumentou que a violência vivida pelos alunos desta
escola criou um círculo vicioso que impede as pessoas de viverem em
liberdade e que a escola é um lugar onde se sentem livres, embora
esta reproduza, na forma de agir, a lógica de violência das famílias
e da sociedade que a circunda. O sentimento de liberdade relatado
por Renato reflete o potencial existente nas relações escolares, um
sentimento de pertencimento, de compartilhamento de valores que
podem auxiliá-los a reverter o quadro de violência em que vivem.
Nesse contexto, a escola se assemelha a um laboratório onde os
alunos experimentam a violência brincando e desafiando uns aos
outros.
Este evento, da forma como foi significado pelo próprio aluno-pes-
quisador, denota a importância de se ouvir a voz do aluno e como
este sente a necessidade de expor a sua realidade numa solicitação e
consequente permissão de ser ouvido e visto. A maneira como a aluna
entrevistada falou sobre a sua realidade não seria assim colocada se
não lhe houvesse sido dada esta possibilidade, mediante a realiza-
ção da entrevista. O fato de uma aluna ser ouvida, em ambiente de
pesquisa, por outro aluno, também aponta um referencial importante
para compreendermos esses atores enquanto potenciais agências de
transformação da escola e da sua própria realidade: a entrevistada,
por ter tido a oportunidade de compartilhar algo que lhe era extrema-
mente significativo e marcante; o entrevistador, por se deparar com as
possibilidades que a pesquisa traz a partir do momento em que ouve
o outro.

66
Evento 2: Escola como laboratório da violência

Renato –Você já viu alguma briga na escola?


Pedro – Já(risos).
Renato – Por que esse sorriso, aí (risos)?
Pedro – Pô, lá na sala tem um monte, cara.
Renato – Por que motivo?
Pedro – Pô, porque começa assim, eles brincam depois levam tudo
a sério.
Pesquisadora – Mas tem umas brincadeiras assim na sala de aula?
Alunas entrevistadas [em grupo] – TEM!
Pesquisadora – Mas como é ? [pergunta ao grupo de alunas]
Carol – Eles ficam brincando de soquinho... essas coisas. Mas tam-
bém quando um se machuca o outro já quer machucar também, aí
começa a briga.
Pedro – A mesma coisa, tudo a mesma coisa... só na hora da saída
que não... na hora da saída que tem alguns que fica... tipo assim,
calmo! É engraçado que eles ficam levados só na hora na escola...
Parece que eles sofrem uma transformação quando pisam do por-
tão para fora. Lá dentro é diferente! Parece que do portão pra fora
eles se transformam, é um negócio esquisito.

Como vemos na asserção acima, os alunos usam e escola para


experimentar formas de se libertar da violência que vivenciam fora
dela, transformando o ambiente escolar em um caos, onde eles pró-
prios, os professores e o pessoal da escola – gestores, professores e
funcionários, não compreendem o que acontece. As brincadeiras são
transformadas em lutas corporais e modificam o clima escolar, limi-
tando as possibilidades de aprendizagem e de convivência pacífica.
Alunos e escola, como um todo, se opõem em seus propósitos básicos.
A escola, além de ensinar os conteúdos acadêmicos, ensina também
a viver, a se defenderem da vida lá fora. O entendimento que os alu-
nos têm sobre o papel da escola e dos professores também se altera,
assim como as práticas relacionadas à violência da/na escola. Ao

67
serem perguntados sobre como os professores reagem às brincadeiras
que envolvem violência na escola, os alunos explicam que a violência
física é a única que pode ser considerada violência pela escola, as
outras não contam.
A visão sobre este tipo de violência a partir da perspectiva do pró-
prio aluno ganha outras cores e versões se vistas pela escola sob este
aspecto. Se o olhar e o ouvir da pesquisa não estiverem atentos ao
que a voz do aluno traz, significando os fatos ocorridos no cotidiano
escolar, a violência entre os alunos não passa de uma concepção
estratificada de “bagunça”, “desrespeito” e “atos de marginaliza-
ção”. A apresentação da concepção trazida pelos próprios alunos e
a interpretação dos dados pelo processo da pesquisa que tem como
prerrogativa ouvir a voz destes atores, permite à escola uma visão
diferenciada, possibilitando ações de transformação na forma de lidar
com os aspectos de violência no cotidiano da sala de aula e do próprio
contexto educacional como um todo.

Considerações finais

Quanto mais se realizam pesquisas que têm como pressuposto


teórico-metodológico ouvir a voz dos alunos e alunas, mais se tem
consciência de que é necessário ouvi-los ainda mais. Sucessivamente
a esta consciência, urge a necessidade de se compreender a realidade
da própria escola a partir da voz daqueles que são a base da pirâmide
educacional, para quem, para onde e de onde devem ser impulsio-
nados o planejamento e as ações educacionais a fim de se promover
igualdade e justiça social.
Michelle Fine (2013) descreve em seu trabalho que as pessoas
marginalizadas tem sido tratadas de modo desatento às suas deman-
das pelas pesquisas educacionais que, com isso, estas podem estar
promovendo a “violência epistemológica” além da violência constante
que esses sujeitos estão inseridos em seu dia a dia. Isto é, os pes-
quisadores podem estar reproduzindo as relações de violência em
suas próprias relações de trabalho. Uma das formas de evitar que

68
isso aconteça é delinear pesquisas que sejam originárias daqueles
que estão à margem da sociedade, incluindo questões que permeiem
diferentes posições, de pessoas de diferentes segmentos sócio-edu-
cacionais, e não somente originárias de demandas acadêmicas. Além
disso, faz-se necessário que as pessoas pesquisadas sejam incluídas
em todo o processo da pesquisa, desde do projeto até o produto fina
que, dessa forma, refletirá o pensamento de todos e não apenas do
acadêmico responsável.
Cook-Sater; Grion (2013), em adição à perspectiva de Fine (2013),
acreditam que ouvir o aluno pode impulsionar mudanças na escola.
A abordagem das autoras é desafiadora, mas faz sentido, quando
associamos as experiências de Alves (2012) em relação à reflexividade
do aluno pesquisador sobre a sua própria realidade e a abordagem
“bottom-up” proposta por Mattos (1992). Afirmamos, portanto, que,
delineando pesquisas que incluam os sujeitos como participantes
ativos do processo, incentivando a reflexividade dos mesmos e dos
próprios pesquisadores no ato de fazer pesquisa, pode-se constituir
uma chave para informar mudanças na escola.
As vinhetas etnográficas apresentadas sobre a violência, demons-
tram que os alunos/pesquisadores e alunos/pesquisados são capazes
de pensar sobre as situações vividas no cotidiano da escola de uma pers-
pectiva inédita. Suas vozes expressam preocupação com eles mesmos,
com os outros alunos, com os professores, com as práticas de sala de
aula, com as interações entre eles e o pessoal da escola, enfim, com a
escola como um todo. Nuances dessas expressões, na maioria das vezes,
não são percebidas pelos pesquisadores e pelo pessoal da escola. Nos
pesquisadores provoca uma visão equivocada desses processos interati-
vos e dessas atividades. No pessoal da escola, provoca a percepção de
que os alunos são bagunceiros e não querem fazer as tarefas propostas
e ainda que sentem prazer em perturbar o ambiente escolar.
Entretanto, em recente reunião entre professores, gestores e
profissionais da Secretaria de Educação onde ocorreram muitas das
pesquisas realizadas pelo NetEdu, os professores se mobilizaram
enfrentado os representantes da Secretaria no sentido de promoverem

69
mudanças no currículo e na avaliação, predominante normatizada e de
caráter nacional. A mobilização foi no sentido de que as mudanças
incluam as vozes dos alunos e dos professores.
Os caminhos a trilhar a partir dessa perspectiva e preocupações
são inerentes a confrontações e delimitações e partem da pró-
pria dialética do campo de pesquisa e da educação. No entanto, as
possibilidades a serem criadas a partir da voz dos alunos permite com-
preender que é possível articular mecanismos de transformação da
realidade educacional atual, onde o ensinar não se restrinja a uma
mera transferência de conhecimentos, mas que seja lugar de vida, de
produção de conhecimento e de vicissitudes que propulsionem novas
formas de interpretar, ver e ouvir a realidade a partir do outro. Em
particular, invertendo-se as relações hierárquicas de poder e flexibili-
zando a assimetria existentes entre elas.

Referências

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70
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Entrevista concedida para o Livro: Students making education change:
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72
A escola e a avaliação: perspectivas da
aprendizagem colaborativa

Beatriz Calazans Dounis (Universidade da Madeira/SEEDF)

Introdução

O caráter reprodutivo e reprodutor da escola não está somente


naquilo que ela ensina, mas principalmente na forma de organização
e nas relações que estabelece com aqueles que estão inseridos nela.
Althusser, afirma que “O aparelho ideológico do Estado que assu-
miu a posição dominante nas formações capitalistas maduras, após
uma violenta luta de classe política e ideológica contra o antigo apare-
lho ideológico do Estado dominante, é o aparelho ideológico escolar”
(1985, p.77)
A forma de funcionamento da escola é ideológica, constituindo-
se em uma máquina de sujeição mesmo quando utilizada por sujeitos
que possuem valores divergentes daqueles que foram historicamente
dominadores.
A estrutura da escola permite a reprodução de hierarquizações e
diferenças sociais que ainda interferem na construção de uma socie-
dade mais igualitária. A escola muitas vezes reproduz as relações
excludentes presentes na sociedade, impedindo possibilidades de
assumir a sua posição libertadora.
É preciso que as práticas escolares e as relações sociais nas diferen-
tes instâncias do processo educativo assumam novos direcionamentos.
As políticos públicas implementadas visam possibilitar o acesso
a escolarização para todos. Mas não basta que os estudantes entrem
na escola, é necessário estabelecer mecanismos que provoquem uma
escolarização efetiva, e não a manutenção de estudantes nas salas de
aula que vivenciem processos de ensino que não conseguem atingi-los.

73
O exercício do direito a educação, transformado em obrigatório
por muitos estados nacionais, requer condições materiais como: o
acesso a uma vaga que compete ao Estado garantir; a possibilidade
de permanecer na escola sem que obstáculos provenientes das con-
dições sociais ou das práticas escolares levem a exclusão ou a evasão
escolar (Jacomini, 2010)

A avaliação em uma perspectiva tradicional

Para consolidar as práticas escolares de forma que seja garan-


tida a permanência efetiva do aluno no processo de escolarização, a
avaliação precisa ser coerente com os demais elementos constantes
do processo de ensino e aprendizagem constantes do universo viven-
ciado pelos estudantes.
É necessário que a avaliação esteja a serviço da aprendizagem.
A avaliação não pode ser considerada como um elemento isolado do
processo de aprendizagem, ancorada em princípios que estabelecem
padrões iguais para todos os envolvidos. Avaliação e aprendizagem
são partes integrantes de um processo indissociável, devendo a ava-
liação ser, portanto, coerente com o que é proposto durante as aulas.
A avaliação tem como função essencial a promoção de percepções
a respeito de como a aprendizagem ocorre e como os níveis de comuni-
cação e entendimento entre professores e alunos tem se desenvolvido.
Novas avaliações pressupõe também novas práticas diárias,
que ultrapassem a simples recepção de conteúdos apresentados.
Ao promovermos novas maneiras de aprender, há um esforço para
possibilitarmos uma forma significativa de aprendizagem, então, neces-
sariamente, devem-se buscar novas ideias, formas originais, caminhos
de ensinar diferentes e inovadores.
Assim como no momento do ensino, é preciso buscar formas ousa-
das e inéditas de avaliar que estejam em consonância com as ideias
utilizadas em sala de aula, e que alcancem os pressupostos da ativi-
dade de aprender. Como os processos são associados, a consonância
entre os mesmos precisa existir.

74
A maneira como o sujeito aprende é mais importante que aquilo
que aprende, porque facilita a aprendizagem e capacita o sujeito para
continuar aprendendo permanentemente.
As provas tradicionais não ajudam na compreensão deste processo
de aprendizagem, pois somente medem quantitativos de informações
adquiridas.
A mentalidade usual referente a processos avaliativos ainda insiste
em garantir uma mensuração individual do estudante, embora a escola
mantenha um discurso frágil a respeito da interação.
Para construir práticas avaliativas que sejam condizentes com as
propostas de uma aprendizagem significativa, é preciso conhecer e
reconhecer o contexto e a cultura escolar. A avaliação é permanente-
mente sentida como um processo presente em todos os aspectos da
vida escolar.
Tudo parece viver na escola sob a pressão constante da avalia-
ção, principalmente a avaliação do aluno pelo professor. Esta visão
reproduz o caráter de uma sociedade credencialista e meritocrática,
servindo para distribuir socialmente o conhecimento.
A escola inventa atividades consideradas capazes de provocar
aprendizagens, segundo aponta Perrenoud (1995,p.21). A questão
avaliativa, presente diariamente no cotidiano da sala de aula tem tam-
bém como função, além de classificar e excluir, justificar a presença
do aluno na escola, mantendo um mecanismo em constante funcio-
namento, com os estudantes realizando aquilo que já foi previamente
estabelecido para os mesmos.
“Fazer um bom trabalho na escola é fazer um trabalho não
remunerado, largamente imposto, fragmentado, repetitivo e constan-
temente vigiado” ( PERRENOUD, 1995, p.71). As atividades realizadas
na escola possuem esse caráter de obrigatoriedade, individualidade e
repetitividade.
As características do trabalho escolar desconsideram os princi-
pais aspectos que envolvem a vida dos alunos, seus anseios, suas
semelhanças e diferenças e as maneiras pelas quais eles aprendem,
os mecanismos utilizados pelos mesmos para adquirir o conhecimento
formal ofertado pela escola.

75
O ritmo e o desenrolar das atividades escolares propostas são
diferentes dentro de uma turma. Cada aluno, dono de um universo
particular, com suas próprias experiências vai vivenciando a sua atu-
ação, mesmo obedecendo a regras que, teoricamente, são iguais para
todos. Há, na escola, uma atmosfera de vigilância, controle e deter-
minações que visam manter a organização, mesmo que aparente, de
um ambiente que pertence a indivíduos que não são peças mecânicas,
mas pessoas.

A aprendizagem colaborativa e a avaliação colaborativa:

No cotidiano da sala de aula, muitas vezes percebemos um escape


por parte dos alunos, que tentam conversar entre si, embora isto seja
constantemente proibido pelos educadores. Os alunos dialogam, des-
viando-se dos assuntos abordados durante a aula, ou ressaltando os
aspectos desses assuntos que realmente vieram a lhes chamar a aten-
ção de alguma maneira. Estas situações que fogem ao domínio clássico
do professor, demonstram quais as verdadeiras reações que aconte-
cem no ambiente da sala de aula, e que definem muitos aspectos do
processo de ensino e aprendizagem e os papeis que estão sendo ocu-
pados por professores, alunos e pelas atividades pedagógicas.
Os alunos interagem com seus pares em diversas atividades que
muitas vezes são ignoradas pelos padrões oficiais das propostas ava-
liativas.O aluno pode realizar um trabalho em grupo, mas não pode
trocar ideias com seu colega de classe no caso de uma avaliação indi-
vidual, pelo menos não oficialmente. Há uma suposição de que aquele
“que não sabe” copia a resposta daqueles “que sabem”. Existem
muitas argumentações em torno da democratização do ensino, mas
não existem práticas democratizantes dentro das salas de aula que
reconheçam os estudantes em suas totalidades e que promovam inte-
rações verdadeiras entre alunos, entre grupos de alunos, incentivando
as trocas e as contribuições entre os pares.
A sala de aula é um espaço de encontro entre alunos, professores
e o conhecimento. Dessa maneira, a sala de aula é um ambiente vivo e
dinâmico. “As vozes de cada aluno e do professor podem ser ouvidas,

76
ampliadas e aprimoradas, através da interação entre eles e deles com
o conhecimento” ( BARRETO,2006,p.03). A interação social é uma
característica marcante do ser humano, fora e dentro da sala de aula,
sabendo-se que a escola é uma exemplificação do mundo exterior,
nela as relações entre os diferentes grupos e entre os companheiros,
acontecem todo o tempo de maneira oficial ou não.
Essas relações interferem na maneira como o individuo percebe a
si mesmo e o contexto social no qual está inserido, e a sua ocorrência
está diretamente relacionada com o processo de aprendizagem dos
alunos.
A aprendizagem colaborativa considera que o conhecimento é
resultante de um consenso entre membros de uma comunidade de
conhecimento, algo que um grupo constrói trabalhando junto, de forma
direta ou indireta. Avaliando-se este trabalho do grupo, é possível ana-
lisar diversos aspectos que ultrapassam a simples mensuração de uma
nota por acertos e erros: a avaliação em uma perspectiva da aprendi-
zagem colaborativa permite a observação de uma série de fatores que
relatam quem é o aluno, como ele se relaciona, como ele coopera com
o outro, como ele se envolve com determinado tema e como se com-
porta em diversas situações proporcionadas pelos momentos em que
está inserido em um grupo.
Na aprendizagem colaborativa há o principio que motiva a par-
ticipação do estudante no processo de aprendizagem e que faz da
aprendizagem um processo efetivo. Ao contrário do que ocorre em
situações que caracterizam-se pela competitividade, nas situações
colaborativas os grupos apresentam-se com uma organização mais
aberta e podem até mesmo se constituir a partir de critérios menos
limitados, valorizando a motivação ou o interesse dos alunos. Esta
organização determina como este grupo irá desenvolver o seu traba-
lho, tornando este aspecto um princípio a ser avaliado.
A colaboração é uma filosofia de interação e um estilo de vida pes-
soal. Essa aprendizagem sugere uma maneira de lidar com as pessoas
que respeita e destaca as habilidades e contribuições individuais,
sendo que os membros envolvidos compartilham responsabilidades e
ações.

77
A aprendizagem colaborativa compreende o processo de rea-
culturação que auxilia os estudantes a se tornarem membros de
comunidade do conhecimento cuja propriedade comum é diferente
daquela da qual os mesmos são originários. Pressupõe uma ação mais
efetiva da participação na aprendizagem.
O objetivo da aprendizagem colaborativa, segundo Feitosa (2004)
é atingir o consenso por meio de uma conversa expansiva. Essa con-
versa considera os níveis: primeiro, acontece um pequenos grupos de
discussão, depois entre grupos de uma sala de aula, entre a classe e
o professor e por fim, entre a classe, o professor e uma ampla comuni-
dade do conhecimento.
Springer, Stanne e Donovam (1997) apontam que os estudantes
que aprenderam em grupos pequenos demonstraram maior realiza-
ção do que estudantes que obtiveram informações sem a participação
de seus pares em processo colaborativo. Essa forma de aprendizagem
acrescenta vantagens, de acordo com Akel Filho ( 2006), por facilitar
a resolução de tarefas complexas, através da divisão destas mesmas
tarefas.

“A aprendizagem colaborativa apresenta-se como


uma das tendências mais marcantes decorrentes do
novo paradigma educacional emergente. As principais
características desta aprendizagem são: o trabalho em
equipe, a formação de equipes heterogêneas ( constitu-
ídas por alunos de níveis, sexos e raças diferentes), os
sistemas de recompensa orientados para o grupo e não
para o individuo)”(CORREIA E DIAS,1995,P.118).

A colaboração entre os pares permite uma produção coerente e


única do grande grupo, tanto nas atividades dos subgrupos quanto nas
atividades individuais. Akel Filho( 2006) acredita que a aprendizagem
colaborativa contribui decisivamente para o envolvimento dos alunos
na construção efetiva de conhecimentos, pois em várias situações, tem
se revelado extremamente eficiente quando aplicado na sala de aula.
A aprendizagem colaborativa pretende promover um melhor
desempenho do aluno nas tarefas escolares, no momento em que todos

78
os alunos são de alguma maneira beneficiados ao serem envolvidos
em um projeto comum. A aprendizagem colaborativa amplia a parti-
cipação do estudante, visto que oferta uma aceitação mais ampliada
para pessoas pertencentes a outros grupos, como por exemplo con-
fissões religiosas diferentes das predominantes na sala de aula: “Isso
porque a aprendizagem colaborativa cria oportunidades aos alunos
de trabalharem de forma interdependente em tarefas comuns, apren-
dendo a apreciar-se uns aos outros de um modo natural” ( CORREIA E
DIAS, 1998, p.119)
O professor, na aprendizagem colaborativa deve criar atividades
que ajudem os estudantes a descobrirem e tirarem vantagem da hete-
rogeneidade do grupo para aumentar o potencial de aprendizagem de
cada membro do grupo,
De acordo com Dillenbourg (2002), o caminho para realçar a efi-
cácia da aprendizagem colaborativa está na estrutura de interações,
aclopando estudantes em posições definidas. A colaboração livre não
produz sistematicamente a aprendizagem. A simples troca de ideias
entre os pares não significa que há um ambiente e um momento propí-
cios para a aprendizagem, ou para a construção de soluções para um
determinado problema. A tarefa precisa possuir elementos que favo-
reçam e instiguem de forma ativa a troca de informações e as demais
ações que possibilitam a aprendizagem dentro do grupo. A tarefa
deve possuir um caráter instigador, que oportunize a organização de
pensamentos e reflexões coletivos que projetem novas perspectivas,
proporcionando desta forma a efetivação de uma aprendizagem tanto
individual como coletiva.
A questão dos trabalhos em grupo envolvem diversas variáveis
que estão em uso nos grupos. A compreensão a respeito de como os
alunos interagem e desenvolvem saberes nessa modalidade é um ele-
mento primordial a ser analisado pelos professores, pois a atividade
realizadas em pequenos grupos é um elemento medidor que revela em
detalhes aspectos referentes ao modo como a aprendizagem acontece
em sala de aula. Quando o aluno trabalha individualmente, a visualiza-
ção dos conflitos internos e dos modos de alcançar uma determinada
resposta são menos explicitados.

79
Considerações Finais

Bonals (2003, p.26) aponta que: “Aprender a trabalhar com peque-


nos grupos na sala de aula, continua sendo, em geral, um desafio para
as escolas. A maior parte dos alunos desconhece, contudo, a experi-
ência que supõe a realização de um trabalho sistemático em grupo.”
Acostumados a uma dinâmica de aulas chamadas de expositivas e ao
cumprimento de regras que geralmente apresentam o trabalho em
grupo como algo esporádico, quase uma concessão de professores: os
alunos não possuem o costume de organizar as suas tarefas na pers-
pectiva da construção grupal.
Há uma relação permanente entre o cognitivo e o social, um pro-
cesso cíclico que não pode ser desassociado. O pensamento individual
e o que o grupo produz, reflete a produção tanto pessoal como cole-
tiva, com todas as implicações que essas relações produzem.
Os grupos mais bem sucedidos, no trabalho colaborativo, segundo
Thomas (1992,p.165) tanto em termos de envolvimento de todos os
membros quanto em relação de resolução de problemas, são aqueles
em que os alunos procuram chegar a um conhecimento comum a partir
do estabelecimento de referenciais comuns.
Dillenbourg ( 2002) aponta que a construção das tarefas inclui
uma negociação entre os membros do grupo. Essa negociação reflete
como ocorrem as relações internas no grupo, as inclusões e a valoriza-
ção da participação de cada um na elaboração da atividade proposta.
A tarefa realizada em grupo possui uma caracterização efetiva-
mente comunicativa. A partilha de informações e de contribuições
para realização da tarefa estabelece uma dinâmica de comunicação
mais elaborada do que as conversas informais. Estar incluído em gru-
pos de iguais, com aqueles que fazem parte da convivência, é uma das
necessidades sociais básicas de qualquer ser humano.
A avaliação, elemento que necessita de uma urgente redefinição,
pode ter sua perspectiva ampliada segundo os princípios da apren-
dizagem colaborativa, a partir do momento em que romper com sua
característica meritocrática, individualista e limitante, abrindo espaço
para que a interação, que é um elemento natural entre os alunos e

80
entre os diversos grupos humanos, possa adquirir um espaço efetivo
nas propostas de avaliação, enquanto uma parte do processo de
aprendizagem.

Referências

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81
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THOMAS, E.M. Escola e a Inervenção Social. Trad. Mary K. Somenionne.


Porto Alegre, Artmed, 1992.

82
Avaliação na escola regular e na escola integral

Ana Maria Petraitis Liblik (UFPR)


Marta Pinheiro (UFPR)

Entre as difíceis questões que rondam o universo escolar, a ava-


liação merece lugar de destaque. Muito se fala, algo se faz, mas na
realidade continuamos pondo em prática modelos de fora de nossa
realidade e da década de `50. Se ainda mantemos estas propostas,
ou elas são ainda interessantes ou não temos outras para pôr no lugar.
De qualquer maneira é sobre este processo que iremos discorrer e
tentar melhor entender o que seja avaliar.
Mas avaliar onde? Quem? Em que situações? Se pensarmos que
na escola em tempo regular, ou seja, reduzido a apenas três ou quatro
horas/aula, é um problema, o que dirá da escola em tempo integral com
conteúdos integrados e mais horas de atividades? Torna-se um pesa-
delo o trabalho docente de ensinar e avaliar. O ensino pouco muda,
mas aparentemente há mais tempo e calma para isto, considerando
que uma das críticas que os professores falam é o reduzido tempo
destinado ao ensino. A avaliação por sua vez, se segue os modelos da
escola dita regular, pouco se altera na realidade.
O Programa Mais Educação integra as ações do Plano de
Desenvolvimento da Educação Nacional e é uma estratégia para induzir
a ampliação do tempo, dos espaços e das oportunidades educativas,
na perspectiva da Educação Integral. Esta é uma proposta federal e se
até o ano de 2020 metade das escolas brasileiras terá que se Integral,
como estamos pensando esta escola, o ensino, os processos avaliati-
vos e a formação deste profissional?
É necessário avaliar? Mesmo que muitos digam não, e justifiquem
a negativa com questões muito mais do âmbito afetivo, psicológico do
que escolar, a avaliação se torna importante para saber se e quanto
os alunos se apropriaram do que foi apresentado e ensinado pelo

83
professor. A função do professor é esta, a de apresentar, socializar e
ensinar o que foi construído culturalmente pela humanidade. Se não
há este acompanhamento, como saber se o trabalho docente é eficaz
e adequado?
Há uma ciência da Educação, com o nome de Docimologia, que
estuda os processos avaliativos. Tem métodos e questões próprias
das ciências e faz parte no conteúdo da disciplina de Didática. Ela tem
por princípio o estudo dos processos avaliativos em duas direções: um
examinador corrigindo duas avaliações e dois avaliadores corrigindo a
mesma avaliação – quais são as razões para tantas discrepâncias em um
conceito final? Não deveria ser o mesmo ou pelo menos semelhante?
Se fizermos uma comparação entre professores e vendedores, fica
mais fácil perceber a necessidade de avaliar. Enquanto um vendedor,
para assim se chamar, precisa que haja a contrapartida de alguém
que compra, para o professor não se pode dizer que ele, ensinando os
alunos, na contrapartida, aprendem. Tanto é verdade que em tempos
remotos comprar e vender eram termos substituídos pelo escambo.
Havia a troca de produtos por outros, em uma relação de equivalên-
cia. No caso do professor, nada garante que, ao ensinar, seus alunos
apreendam e aprendam.
Avaliar, etimologicamente, significa dar valor a, e todos os sinóni-
mos deste termo se categorizam em dois grandes grupos: o de medir
e o de julgar. Portanto podemos dizer que avaliar pode ser entendido
como medição ou como julgamento. E é ali, acreditamos, que reside o
cerne das dificuldades dos processos avaliativos. Enquanto medimos
a partir de um objeto, um “metro”, não há grandes problemas. Ele,
o “metro”, é um objeto imutável. Em uma prova com cinco questões,
cada uma valendo vinte pontos, se o aluno acertou três, a nota é seis e
não há grandes dificuldades em entender e aceitar isto. A dificuldade
surge quando temos que, no lugar de medir, julgar, pois isso se dá a
partir de “leis” que são determinadas por sujeitos e outros sujeitos
terão que, a partir dessas “leis” dar nota. A interpretação é subjetiva
e pode variar de uma pessoa para outra. O mesmo instrumento ava-
liativo pode ter variações significativas no resultado e os problemas
então se fazem presentes.

84
Outra questão importante é o que deve-se levar em conta ao pensar
em um processo avaliativo. Há três dimensões a serem consideradas: a
política, a técnica e a epistemológica. A dimensão política estuda e se
apropria do que o Ministério de Educação e Cultura (MEC) preconiza
como adequado para o nosso país. Se não é a Federação a decidir, o
Estado, os Municípios e as próprias instituições de ensino determinam
o que ensinar e como avaliar. Dificilmente temos como interferir nisto.
A dimensão técnica mostra como elaborar instrumentos avaliati-
vos adequados a cada situação educacional. Dependendo do teórico
escolhido, os modelos mudam, mas percebe-se com muita frequência
cópias mal elaboradas de modelos antigos, como se não fosse possível
criar outros.
A dificuldade, pouco estudada e por-
tanto muitas vezes mal entendida, está em
ver estes processos de avaliação pelo viés
epistemológico. Qual é importância do que
ensino? Por que ensino? Como faço isto?
Como este conhecimento foi “construído” e
como ele interfere (ou não) na vida de meus
alunos. Epistemologicamente, o que eu, pro-
fessor, ensino, tem sentido? Sem responder a
estas perguntas, dificilmente meus planos de
aula estarão de acordo com as necessidades
de meus alunos e das minhas, como docente
responsável pelo processo. Há uma imagem
bem significativa para o excesso de conteúdos
ensinados:
A imagem acima é do livro, Cuidado, Escola! de 1980, e é consi-
derado um clássico da Educação e foi prefaciado por Paulo Freire. Já
na época se percebia que os conteúdos eram demais e cada vez mais,
eles foram crescendo em volume, com pouquíssima profundidade. Há
mais projetos na escola sendo realizados que efetivamente conteúdos
escolares sendo ensinados. Não se nega a importância de se traba-
lhar com projetos dos mais variados, mas sem os conteúdos basilares

85
tais como o domínio do código escrito, a leitura de outros assuntos
se torna impossível. Sem saber operar minimamente com os números,
todo e qualquer cálculo é impossível de ser realizado. Sem ser capaz
de se localizar em um mapa ou em outro espaço que não o conhe-
cido usual, perde-se a noção de onde se está e para onde quer-se ir.
Conhecer a própria história permite sonhar um futuro. E não é querer,
com saudosismo, voltar a um passado recente, mas sim valorizar méto-
dos e propostas metodológicas que sabidamente estavam trazendo,
para a época, resultados melhores dos que apresentados hoje pelos
nossos alunos.
Se retomarmos novamente o conhecimento como cerne do pro-
cesso educacional, podemos retomar os tipos de conhecimento que
os gregos identificavam e que em português foram agrupados sob o
termo conhecimento, são eles: doxa, sophia e episteme. Enquanto o
conhecimento doxa e considerado o do senso comum, daquele que
se aproxima de uma primeira impressão, sem reflexões realizadas, o
denominado sophia vem da experiencia de vida. São pessoas que já
vivenciaram situações e com este pensar reflexivo, construíram o seu
saber. Já o conhecimento episteme, ou epistemológico, é aquele que é
recolhido, organizado e sistematizado pela academia. Ou seja, há uma
instituição que valida este saber e é respeitada por fazer isto.
Se pensarmos na escola, qual é o tipo de conhecimento que
é levado para a sala de aula? O doxa, com certeza não. O sophia,
paulatinamente está sendo introduzido no Ensino Superior, caso
da utilização de ervas para auxiliar em sanar doenças. Denominada
Fitoterapia, a disciplina já é ensinada nas faculdades e universidades
e assim se espera, que profissionais da Educação, em formação, ao
irem para a sala de aula, carreguem consigo estes saberes sophia tão
e mais próximos dos alunos.
O Professor doutor Jean Houssaye, teórico francês ainda em exer-
cício, nos apresenta um triângulo pedagógico, cujos vértices são o
conhecimento, o professor e o aluno, independentemente da ordem
ou de uma hierarquia.

86
Conhecimento

A questão importante é perceber que se dois vértices ou termos


se associam, o terceiro fica isolado. Por exemplo, se associo o profes-
sor ao alunos, o conhecimento parece estar fora de questão e não os
“formamos”. Também acontece que, ao associar o professor ao conhe-
cimento, como que “eliminando” o aluno, não ensinamos. E ao associar
o aluno ao conhecimento, o professor parece deixar de ter importância
e ele, aluno, não necessariamente aprende. É bem verdade que este
triângulo lembra, e muito, as ideias de Vygotsky (1896-1934) quando
escreve sobre a zona proximal e como os saberes são construídos pelo
aluno. O esquema do Professor Houssaye é uma nova maneira de se
ver e entender o processo educacional.
Outro teórico, Professor Doutor Nílson José Machado da
Universidade de São Paulo, faz outro esquema, também baseado em
um triângulo, que separa o saber em quatro níveis: dados, informações,
conhecimento e inteligência. Estas categorias já eram conhecidas e
foram estudadas por diversos autores nacionais e internacionais, mas
unir dados e informações que formam as habilidades e conhecimento e
inteligência associadas geram as competências foi algo inovador, algo
que remete aos Parâmetros Curriculares Nacionais e deveria auxiliar o
professor em sua ação educativa.

87
Pensar no professor é pensar no trabalho que realiza e sempre vai
realizar em suas ações educativas: planejar, agir e avaliar. Aprender
a fazer isto é estudar Didática. Didática e Metodologia, ciências da
Educação que se complementam mas que são diferentes. Enquanto a
Metodologia (do grego meta + hodos) tem como foco o estudo das dife-
rentes maneiras de se ensinar algo, ou seja apresentar os diferentes
caminhos para se chegar a algum lugar, a Didática1 estuda a escolha
do melhor caminho para ensinar para determinados alunos em certo
espaço de tempo e lugar. Planejar o que pode ser melhor para o grupo
de alunos no local de aprendizagem, é função da Didática. Conhecer
as possibilidades de ensino faz parte da área da Metodologia. É como
se fosse um jogo de xadrez onde os passos são pensados para o
xeque-mate, o aprendizado. Portanto, as diferentes possibilidades de
caminhos para a continuidade do jogo é a Metodologia, e a escolha do
caminho a ser seguido faz parte da Didática.
Nesta seara muitos são os teóricos que se debruçaram sobre os
processos avaliativos e grande parte do que ainda é feito hoje provem
de Benjamin Bloom (1913-1999), pedagogo e psicólogo americano que
escreveu o livro Taxonomia dos objetivos cognitivos, ou Taxonomia de
Bloom, traduzido e publicado no Brasil em 1973. O trabalho consiste
em uma estrutura de organização hierárquica de objetivos educacio-
nais, que foi resultado do trabalho de uma comissão multidisciplinar
de especialistas de várias universidades dos Estados Unidos, liderada
por ele, no ano de 1956. A classificação proposta por Bloom dividiu as
possibilidades de aprendizagem em três grandes domínios:

- o cognitivo, abrangendo a aprendizagem intelectual;


- o afetivo, abrangendo os aspectos de sensibilização e gradação
de valores;

1 A Palavra Didática tem sua origem no verbo grego didasko, que significava ensinar ou instruir.
Como nome de uma disciplina autônoma ou como parte de saberes mais ampla (Pedagogia), a
Didática, desde Comenius, significa o tratamento dos “preceitos científicos que orientam a ativi-
dade educativa de modo a torná-la eficiente”. Portanto podemos considerar que DIDATICA é a
arte de transmitir conhecimentos, e de acordo com Comenius, é a arte de ensinar tudo a todos.

88
- o psicomotor, abrangendo as habilidades de execução de tare-
fas que envolvem o aparelho motor.

Cada um destes domínios tem diversos níveis de profundidade de


aprendizado. Por isso a classificação de Bloom é denominada hierár-
quica: cada nível é mais complexo e mais específico que o anterior.
O terceiro domínio não foi terminado, e apenas o primeiro foi imple-
mentado em sua totalidade. Mesmo assim, as ideias de Bloom ainda
estão presentes em nossas escolas e continuam ajudando professores
a avaliar seus alunos.
O trabalho dessa equipe registrou os tipos possíveis de instrumen-
tos avaliativos. Dividem-se em instrumentos individuais e coletivos,
respectivamente, a saber:

• Prova oral,
• Prova escrita:
• objetiva ou dissertativa,
• Trabalho:
• parcial (relatórios),
• total (portfólios),
• Auto-avaliação.
• Debate,
• Seminário,
• Painel,
• Estudos de casos,
• Trabalho em grupo,
• Prova elaborada/resolvida em grupo.

Todos estes instrumentos são amplamente utilizados em nossas


escolas com excelentes resultados. A questão que dificulta o pro-
cesso é a de tomar a decisão se a avaliação deve ser feita como
medida ou como julgamento, algo já apresentado neste texto
anteriormente.

89
Tal estudo foi tão amplo que especificou também o grau de dificul-
dade de cada tipo de enunciado. Para cada tipo de questão, Bloom
sugere verbos para os enunciados das questões. Esta graduação vai
da questão mais simples, (re)conhecimento, para a mais complexa,
(julgamento/avaliação), assim:

• (Re) conhecimento – identifique, nomeie, assinale, complete as


lacunas, relacione...
• Compreensão – explique, descreva....
• Aplicação – resolva, determine, calcule, aplique...
• Análise – analise, explique...
• Síntese – sintetize, generalize...
• Julgamento/avaliação – justifique sua resposta, escreva/apre-
sente argumentos a favor e/ou contra...

Por mais que este autor seja combatido e questionado, percebem-


se outros teóricos, bem mais atuais, utilizando as ideias da década de
sessenta como se fossem novas ou, na outra ponta, ações que nada
tem a ver com processos avaliativos sérios e coerentes, atos baseados
em relações afetivas que equiparam a boa relação entre professores e
alunos com a nota máxima. “Dar nota” para participação, assiduidade,
comportamento são outros quesitos questionáveis. Se o objetivo é
entender o quê e do quanto foi ensinado pelo professor foi apropriado
pelos alunos, é sobre o conhecimento que esta análise deve ser feita e
não sobre atitudes comportamentais que em nada ajudam a perceber
se os alunos aprenderam ou não o que foi ensinado.
Para dar um término a estas reflexões, acreditamos que a leitura
atenta do que foi escrito por vários teóricos sobre avaliação, com as
devidas atualizações, possa dar aos professores subsídios para ações
educacionais mais justas, coerentes e eticamente corretas. E ao enten-
der melhor, não fará muita diferença avaliar na escola regular ou na
escola em tempo integral, integradora de conteúdos e saberes, pois a
escola ou é integral ou não pode ser considerada ESCOLA.

90
Referências

BLOOM, B.S. et al. Taxonomia de objetivos educacionais e domínio cog-


nitivo. Porto Alegre: Globo, 1973

HARPER, B. et al. Cuidado, Escola! São Paulo: Brasiliense, 1980.

MACHADO, Nilson José. Epistemologia e Didática. São Paulo: Cortez,


1995.

91
Inclusão e exclusão: a diversidade na
escola pública brasileira

Mylene Cristina Santiago (UFF)

Introdução

A temática da inclusão e exclusão da diversidade na educação


básica e no ensino superior está diretamente relacionada com a “indi-
ferença às diferenças” (BOURDIEU; PASSERON, 2008) presente nas
instituições educacionais.
Ao considerarmos diferença como deficiência e igualdade como
homogeneidade reforçamos processos de classificação, hierarquiza-
ção e competividade que geram mecanismos de exclusão nas relações
interpessoais, que podem reforçar outros mecanismos de discrimina-
ção (rotulação, normalização e medicalização das diferenças), que se
constituem em barreiras à aprendizagem e à participação de nossos
estudantes nas diferentes etapas da educação (básica ou superior).
Com o propósito de discutir as contraditórias relações de inclusão/
exclusão no cotidiano educacional, busco apresentar narrativas, fruto
de vivências/experiência no contexto da educação básica, ensino
superior e práticas de pesquisa.
Destaco inicialmente, que a escola é um espaço privilegiado de
encontro com as diferenças, nela deparamo-nos com situações que
merecem reflexão, para que possamos compreender a sutileza das
relações que deflagram experiências de inclusão/exclusão, que nas
palavras de Sawaia (2008) “gestam subjetividades específicas que vão
desde o sentir-se incluído até o sentir-se discriminado”.
Para a autora, dialeticamente, uma situação pode representar pro-
cesso de inclusão ou de exclusão conforme a percepção do sujeito

92
que vive a experiência. O processo de interpretação pode ser uma
tarefa complexa para pesquisadores à medida que a subjetividade de
cada pessoa produz seus próprios significados para cada evento ou
circunstâncias. Desse modo, evidencio uma concepção de pesquisa
que consiste em um processo interpretativo dialógico e colaborativo,
isto é, que considere as várias subjetividades e que dialogue com ato-
res envolvidos na pesquisa, a fim de minimizar as consequências de
interpretações únicas e totalizantes.
Minha proposta é iniciar o artigo com a apresentação de alguns
relatos a fim de provocar reflexões sobre o processo de inclusão/
exclusão no contexto escolar. Buscarei organizar tais narrativas não
necessariamente pela cronologia dos acontecimentos, mas pela rela-
ção apresentada entre os eventos.

Inclusão/exclusão no contexto escolar: o diálogo faz diferença

Em uma visita à escola me deparei com uma exposição de bonecas


de papel machê confeccionadas pelos estudantes. Ao elogiar o traba-
lho, a professora de Artes apresentou-me uma carta, escrita por uma
mãe contrariada com a proposta de trabalho, que em síntese afirmava
que seu filho era homem e era de Deus. A carta expressava conflitos
que podiam ser raciais, religiosos e/ou de orientação sexual. A pro-
posta da professora era trabalhar o conteúdo artístico voltado para a
questão racial, entretanto a dificuldade de acolher e compreender a
proposta gerou uma carta com tom agressivo, que questionava a legiti-
midade de uma proposta pedagógica, que na visão da mãe, ameaçava
a educação, a formação religiosa e a identidade sexual do filho.
Em outra circunstância, ao entrevistar uma diretora de escola
pública que tinha uma proposta de trabalho inovadora envolvendo a
questão racial, foi relatado que a escola havia criado uma disciplina de
antropologia no Ensino Fundamental, cuja proposta pedagógica seria
abordar as diferenças culturais através de contos literários dos ame-
ríndios, africanos, asiáticos, entre outros povos.

93
Um dos contos escolhidos referia-se aos orixás1, os livros paradidá-
ticos foram adquiridos pela escola e emprestados para os estudantes
lerem em casa. No prazo determinado para a devolução dos livros e
realização das atividades referentes à leitura, foi constatado que a
maioria dos estudantes não havia lido e que não haviam devolvido os
livros porque o líder religioso da comunidade teria retido as obras por
julgar o conteúdo inadequado para as crianças.
Entre a indignação e o desespero, a diretora relatou que foi con-
versar com o religioso e apelou ao seu conhecimento antropológico,
alegando que a escola tratava o tema como manifestação cultural e
a partir de então, a escola convidou os líderes de diferentes deno-
minações religiosas para um diálogo com a comunidade. De acordo
com a diretora o resultado dessa proposta foi positivo e os estudantes
praticantes de religiões de matrizes afro-brasileira passaram a assumir
suas identidades religiosas.
O que esses dois casos têm em comum? São duas situações reve-
ladoras de conflitos entre diferentes saberes e crenças no espaço
escolar, entretanto as situações se divergem pelo encaminhamento da
situação-conflito. No primeiro caso não houve um diálogo direto entre
escola e família, a escola acuada solicitou a presença da secretaria da
educação para mediar o conflito, enquanto que na segunda situação a
diretora e sua equipe pedagógica apostaram no potencial enriquece-
dor do conflito para promover novas situações de aprendizagem e de
interação com a comunidade. Com base nos casos inicialmente apre-
sentados, destaco que o processo de inclusão se refere ao modo como
cada instituição, através de seus atores, identifica barreiras e proces-
sos de exclusão e busca eliminá-los de forma coletiva em situações de
diálogo e participação.

1 Os orixás são deuses africanos que correspondem a pontos de força da Natureza e os seus
arquétipos estão relacionados às manifestações dessas forças. Disponível em: https://ocan-
domble.wordpress.com/os-orixas/. Acesso em 18 ago. 2015

94
Entre saberes e experiências: investigando o processo de
inclusão em educação

No período de doutorado busquei compreender as relações de


inclusão/exclusão nos Laboratórios de Aprendizagem (LA) das escolas
públicas do município de Juiz de Fora (MG). Os LA são espaços que
buscam oferecer oportunidades de aprendizagem diferenciadas para
estudantes que enfrentam barreiras à aprendizagem e à participação.
Conforme as orientações da secretaria da educação do município, a
proposição desses espaços não é oferecer reforço escolar aos estu-
dantes, e mas viabilizar oportunidades pedagógicas que possibilitem
novas relações com o processo de aprendizagem, de modo que todos
obtenham sucesso escolar em conformidade com suas singularidades.
Do ponto de vista conceitual a proposta dos LA aposta no pro-
cesso de inclusão em educação, desse modo fui capturada pelo desejo
de conhecer esse espaço e me propus a acompanhar as atividades
do LA em três diferentes contextos escolares. Cada contexto escolar
ofereceu experiências diferenciadas no LA e para facilitar meu recorte
analítico, destacarei uma situação considerada mais relevante em
cada espaço investigado.

Primeira escola: “você não vai encontrar nada de extraordinário


aqui”

No primeiro contato com a escola, a professora do LA apresentou


seu trabalho de forma entusiasmada, descrevendo sua proposta para
romper com a insegurança e a dificuldade de aprendizagem dos estu-
dantes. Parecia acreditar na sua proposta pedagógica, demonstrando
esforço para se manter em um processo de formação contínua, pois
não residia na mesma cidade em que trabalhava. Entretanto, no final
de nossa entrevista em tom de alerta a professora disse: “Você não vai
encontrar nada de extraordinário aqui”.
Tal alerta me conduziu às seguintes reflexões: A pesquisa em edu-
cação objetiva a busca de situações extraordinárias? O que seria um
evento extraordinário no contexto escolar? A tentativa de superação

95
das barreiras à aprendizagem em um universo de profundas desigual-
dades educacionais poderia, ou não, ser considerado um evento de
interesse para a pesquisa em educação? Entre outras hipóteses, pen-
sei ainda que a professora estaria adotando uma postura de modéstia
ao se referir a uma prática que em seu discurso denotava credibili-
dade ou que isso poderia representar também uma baixa expectativa
em relação ao seu trabalho. No decorrer da observação em campo,
percebi que na realidade a professora queria expressar que a prática
do LA revelava um cotidiano que poderia ser praticado nos eventos
de aprendizagem que ocorrem em sala de aula, no que se refere à
postura do professor e às atividades selecionadas como mediadoras
desse processo.
Essa experiência me levou a considerar que um espaço escolar
marcado pelo ‘extraordinário’, no contexto de nossas desigualdades
estruturais em seus aspectos sociais e educacionais, seria a trans-
formação que o conhecimento proporciona às pessoas envolvidas
no processo educativo. O acesso ao conhecimento em nossa socie-
dade representa democratização do poder, a profissão docente tem
um forte compromisso político que pode se expressar com o incon-
formismo diante das barreiras à aprendizagem e à participação dos
estudantes. A ‘rotina’ escolar, na perspectiva de uma proposta inclu-
siva, baseia-se na criação de alternativas pedagógicas capazes de
contribuir para o sucesso de todos os estudantes e não apenas de
uma parcela deles. Assim, me utilizei da metáfora da orquestração de
práticas para propor a adoção de conhecimentos significativos e rele-
vantes aos contextos culturais dos estudantes, sem menosprezar suas
habilidades e secundarizar o processo de aprendizagem. De acordo
com Santiago (2013, p. 127)

A metáfora da orquestração de prática é especialmente


importante no contexto de nossa pesquisa, pois ao ima-
ginarmos uma orquestra com seus diversos e diferentes
instrumentos parece inconcebível que tanta diversidade
de sons e de características possa produzir harmo-
nia. Migrando esse exemplo para o contexto escolar,

96
constatamos a existência de diferenças e singularida-
des em nossos estudantes; todavia, na perspectiva que
adotamos, cada um em sua diversidade enriquece o
contexto de sala de aula e a necessidade de recursos
para viabilizar sua participação e sua aprendizagem. A
harmonia da orquestra se transforma em aprendizagem
para todos no contexto escolar. Uma vez que a orques-
tra é harmônica em virtude da regência de um maestro
(mestre), podemos inferir que a prática pedagógica tam-
bém pode produzir harmonia, em termos de oportunizar
a aprendizagem para todos, à medida que o mestre saiba
explorar a potencialidade de cada um e suas diferenças,
enquanto recurso que possibilite maior riqueza de signi-
ficados e de sentidos que circulam no contexto escolar.

Segunda escola: “a metáfora da cerca”

Certo dia a professora precisou sair por alguns instantes e os estu-


dantes se interessaram por um barulho que ocorria fora da sala de aula.
Foram até a porta e, curiosos, começaram a criar hipótese sobre o traba-
lho que estava em execução. É uma escada diziam alguns, é uma cerca
diziam outros. A professora da biblioteca lhes disse que se tratava de
uma surpresa para a próxima semana. Nesse momento uma estudante
se dirigiu a mim dizendo: “Já sei tia, estão construindo uma cerca para
separar os estudantes que sabem ler daqueles que não sabem”.
Ao pesquisar os acontecimentos que antecederam a fala da
estudante, descobri que a mesma havia sido impedida de fazer uma
apresentação na escola, pela professora da sala de aula, por ser iden-
tificada (ou rotulada) como uma estudante que não sabia ler. A cerca
que estava sendo construída pela escola era uma réplica da entrada
do Sítio do Pica-Pau Amarelo, em homenagem à Semana Nacional do
Livro e ao escritor Monteiro Lobato.
Entretanto, constatei que a cerca acabou assumindo para a estu-
dante um sentido metafórico, que a colocou na posição “eu e os
outros”, ao afirmar sua condição de exclusão da aprendizagem, seu

97
não saber que, mesmo sendo circunstancial, atribuía-lhe uma condi-
ção de inferioridade em comparação aos outros que sabiam ler.
Ao abordar as diferenças em educação, Skliar (2005) considera
que seria interessante não fazermos referência à distinção entre “nós”
e “eles”, nem estarmos inferindo nenhuma referência ou condição da
aceitabilidade acerca do outro e dos outros. Nas suas palavras:

A diferença, sexual, de geração, de corpo, de raça, de


gênero, de idade, de língua, de classe social, de etnia,
de religiosidade, de comunidade, etc., tudo o envolve, a
todos nos implica e determina: tudo é diferença, todas
são diferenças. E não há, desse modo, alguma coisa que
não seja diferença, alguma coisa que possa deixar de
ser diferença, alguma coisa que possa ser o contrário,
o oposto das diferenças. Seria apropriado dizer que
as diferenças podem ser muito melhor compreendidas
como experiências de alteridade, um estar sendo múlti-
plo, intraduzível e imprevisível no mundo. Em educação
não se trata de melhor caracterizar o que é diversidade
e quem a compõe, mas de melhor compreender como as
diferenças nos constituem como humanos, como somos
feitos de diferenças (SKLIAR, 2005, p. 59).

Os “outros”, os diferentes continuam muitas vezes invisíveis


aos nossos olhos e inatingíveis pela nossa intervenção escolar. Ou
ainda, posicionados em determinado lado da cerca e imobilizados
pelas barreiras institucionais e atitudinais, impostas no/pelo coti-
diano escolar. A diferença imposta pela ausência da aprendizagem
da leitura e da escrita se tornou consciente para a estudante de
oito anos e sua presença no LA parecia representar sua posição e
lugar no não saber. Esta situação sugere a necessidade de revisão
das estratégias utilizadas no processo de intervenção pedagógica
dos LA, como também das práticas pedagógicas enfatizadas em sala
de aula e, sobretudo, que as mesmas sejam articuladas e pensadas
coletivamente (SANTIAGO, 2013).

98
Inicialmente concebido como espaço de mediação e de superação
das prováveis barreiras que interferem na aprendizagem e na partici-
pação dos estudantes, enquanto espaço diferenciado o LA pode se
converter em espaço diferenciador.
A dialética relação entre inclusão e exclusão nos coloca diante de
situações paradoxais que exigem nossa reflexão e posicionamento
contínuos, no sentido de não atribuirmos ao outro o lugar que pensa-
mos ou julguemos que ele deva ocupar em seu próprio benefício. Nesse
contexto, destacamos que a escola tem um fundamental papel no pro-
cesso na constituição identitária dos estudantes, na medida em que
os processos de identidade e diferença se traduzem em operações de
inclusão e de exclusão, em declarações sobre quem pertence e quem
não pertence. O espaço escolar tem sido historicamente constituído
como um demarcador de fronteiras que elege, legitima e classifica
quem fica dentro ou fora. Tal demarcação de fronteira, responsável
pela separação e distinção de comportamentos, atitudes de pessoas
e grupos afirmam e reafirmam as relações de poder, classificando e
hierarquizando, conforme a identidade e a diferença atribuídas às pes-
soas e aos grupos.

Terceira escola: “os estudantes da escola pública têm


pouco compromisso”

Nessa escola o espaço do LA era esteticamente acolhedor, com


mobiliário adaptado às atividades em grupo, estantes com livros e
jogos. Os estudantes eram participativos, curiosos e entrosados. Era
perceptível a diferença de perfil dos estudantes desse laboratório de
aprendizagem em relação aos outros, fato que me levou a questionar
à professora sobre quais seriam as dificuldades dos mesmos. A pro-
fessora do laboratório respondeu que no fim do ano as angústias dos
professores se intensificavam e que era costume encaminhar os estu-
dantes com maior frequência para o LA e acrescentou: “Os estudantes
de escola pública têm pouco compromisso”.

99
Perguntei em que sentido ela afirmava isso e ela respondeu que
em relação à realização de atividades, frequência e participação. Não
seria essa afirmação uma forma de transferir a culpa referente às bar-
reiras enfrentadas aos próprios estudantes? A falta de compromisso
em relação às atividades, bem como a pouca frequência e participação,
são barreiras à participação, que após serem identificadas, precisam
ser reduzidas. Mas se identificamos tais barreiras como responsabili-
dade dos próprios estudantes, ou se a encaramos como algo natural,
a escola como um todo fica imobilizada no sentido de oferecer recur-
sos e condições para a superação dessa realidade, pois se a culpa é
do próprio estudante e de sua família, ou se a coisa é natural, não há
necessidade de articulação para resolver tais questões.
A investigação dos LA revelou que suas práticas expressam a ten-
são em colocar valores e princípios de inclusão em ação. Embora todos
os LAs investigados pertençam à mesma rede de ensino, o perfil dos
estudantes desse espaço se diferencia de acordo com cada escola no
que se refere à participação e à aprendizagem. Os eventos e situações
elencados a partir de observações nas escolas, se traduzem como um
movimento interpretativo de pesquisa, ao analisar dimensões analíti-
cas enquanto produções discursivas, identifiquei que a construção de
culturas, o desenvolvimento de políticas e a orquestração de práticas
de inclusão nas instituições educacionais, estão intimamente rela-
cionadas com as condições de participação e distribuição de poder
existentes no interior das escolas.
Um passo importante para as transformações desejadas e neces-
sárias em nossas escolas seria assumir posicionamentos ideológicos
e práticas pedagógicas que produzam movimentos que questionem
as relações de poder, traduzidas em práticas discriminatórias e hege-
mônicas que perpetuam as relações de exclusão. A mudança de tais
práticas pressupõe a adoção e a construção de novas relações e prá-
ticas pedagógicas que se converterão em relações mais democráticas
e participativas em nossas escolas.
A escola como espaço de formação para o processo de inclusão:
finalizando considerações

100
O processo de formação docente é contínuo e a escola é um
espaço formativo por excelência. Com base nessa premissa a escola
torna-se indispensável no processo de formação inicial e contínua de
educadores. Na universidade em que atuo como docente, temos um
componente curricular denominado Pesquisa e Prática Pedagógica
(PPP) que tem o propósito de articular teoria e prática ao longo de
toda a licenciatura em Pedagogia.
Considero esse componente curricular muito enriquecedor tanto
para o processo de formação dos estudantes como para o intercâmbio
entre educação básica e ensino superior, desse modo busco construir
uma proposta que possibilite a participação dos estudantes no coti-
diano escolar, evitando que se limitem exclusivamente à observação.
Ao fim do semestre solicito que os estudantes apresentem um
memorial de formação (escrito) e que façam relato de experiência (oral)
sobre as atividades desenvolvidas na escola. Em alguns casos vejo
relatos que destacam experiências propositivas e consideradas bem
sucedidas, em outros casos os estudantes afirmam que aprenderam
o que não devem fazer enquanto educadores, todavia destaco uma
situação em que o estudante em tom desanimado, disse que a escola
lhe pareceu um “freio de mão”. O estudante em questão é dedicado e
entusiasmado com curso de Pedagogia, foi para a escola com muitas
ideias e desejo de participar. Mas, ao contrário do que esperava, se
deparou com uma realidade muito diferente e obteve resposta nega-
tiva para todas as suas proposições de participação.
Esse episódio é importante, pois envolve situações de exclusão
recorrentes nas escolas no que se refere à incoerência de regras,
omissão em situação de discriminação, impedimento de participação
com autonomia, conteúdos curriculares desconectados da realidade,
avaliação como exame e não como investigação do processo de ensino
-aprendizagem, relações verticais entre os atores, ausência de diálogo.
Como superar tais barreiras no cotidiano escolar? De que maneira
formar novos educadores com princípios de inclusão em uma escola
excludente?

101
Ao considerarmos que processo de inclusão é infindável, somos
impelidos a rever culturas, políticas e práticas de inclusão/exclusão
em educação (BOOTH; AINSCOW, 2011), o que implica em investir no
incentivo à aprendizagem e à participação de todos os estudantes em
todas as etapas da educação; na valorização de todas as pessoas que
compõem os espaços educacionais; nas diferenças como possibilidade
e apoio à aprendizagem e no reconhecimento que a inclusão em edu-
cação é um aspecto da inclusão na sociedade.
Ao longo dessas experiências tem sido comum ouvir educadores
expressarem um sentimento de incompletude e de incertezas diante
dos desafios do processo de inclusão em educação, fato que me faz
reportar ao mestre Paulo Freire (1996) que diz: “O inacabamento do
ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida,
há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se
tornou consciente”.
O sentimento e a consciência do inacabamento dos educadores se
revestem de esperança, pois ao nos assumirmos desse modo, significa
que precisamos continuar caminhando e produzindo condições necessá-
rias e concretas para a efetivação da escola pública com qualidade para
todos. Longe de uma perspectiva ingênua, em tempos de intolerância
e face às relações de poder impressas em nosso atual cenário político
e social, educar na/para/com a diversidade exige o combate àqueles
que se opõe às teorias libertadoras e emancipatórias, resgatando ou
desenvolvendo em nossas práticas cotidianas as orientações freireanas
referentes à reflexão crítica sobre a prática; corporeificação das palavras
pelo exemplo; convicção de que a mudança é possível; compreensão que
educar é uma forma de intervir no mundo; rejeição a qualquer forma de
discriminação e, sobretudo, disponibilidade para o diálogo.

Referências

BOOTH, Tony; AINSCOW, M. Index para a inclusão: desenvolvendo a


aprendizagem e a participação na escola. Tradução de Mônica Pereira
dos Santos. Rio de Janeiro: LaPEADE, 2011.

102
BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

SANTIAGO, M. C. As múltiplas dimensões de inclusão e exclusão nos


Laboratórios de

Aprendizagem. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013.

SAWAIA, Bader . As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética


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GARCIA, Regina Leite; ZACCUR, Edwiges; GIAMBIAGI, Irene. Cotidiano:
diálogos sobre diálogos. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 49-62.

103
Um estudo longitudinal do desenvolvimento da
inserçao de tecnologia em sala de aula de Matemática

Paula Luderitz de Albuquerque Lenz-Cesar (EARJ)

Introdução

Não é difícil encontrarmos pesquisas sobre como a experiência edu-


cativa deveria passar, necessariamente, pelo trabalho com projetos e
com atividades onde haja colaboração, participação, discussão, e uso
de tecnologia. Também não é difícil encontrarmos literatura que trate
a respeito do “ novo paradigma emergente”, bem como das novas habi-
lidades necessárias para um bom desempenho de cidadania. Segundo
Buckingham (2003), “tornar-se um participante ativo na vida pública
necessariamente envolve o uso das mídias modernas”. Spitz (2006)
relata em sua pesquisa que as competências necessárias nas diversas
ocupações tem mudado rápido e que tais mudanças em geral estão
relacionadas ao maior uso de tecnologia nos ambientes de trabalho.
Levy (1995, 1999) afirma que a sociedade encontra-se condicionada,
mas não determinada pela técnica, ou seja, as sociedades de consti-
tuem historicamente pela técnica e pelas pessoas que tem o domínio
da técnica, embora não seja por ela determinada. De fato, as mudan-
ças tecnológicas acontecem com tamanha rapidez que o construção
do conhecimento se modifica e cresce a cada dia. Trabalhar significa
aprender, construir saberes, trocar experiências. Daí ser necessário
a inclusão de atividades escolares que foquem em processos e não
somente em conteúdos. O computador, que tem função educativa e
também de comunicação, proporciona aos alunos instrumentos de

104
pesquisa, de cálculo, de produção de texto e de material de comuni-
cação. Entretanto, ainda é pequena a produção de materiais didáticos
com este enfoque, bem como o relato e o registro de experiências que
abordem conjuntamente conceitos matemáticos e a manipulação de
tecnologia. É escassa a oferta de projetos e problemas, mediados pela
tecnologia, desenhados de forma que se possa estabelecer um método
de avaliação efetivo a fim de acompanhar, intervir, e desenvolver tais
capacidades. Também observamos essa escassez quando procuramos
e pesquisamos sobre atividades escolares que extrapolem seus “con-
teúdos” em direção a inclusão de outras habilidades, a saber, trabalho
em grupo, planejamento, processos voltados para um produto final
que tem como objetivo a comunicação a terceiros. Segundo Mercado
(2002), ocorre uma mudança qualitativa no processo de ensino/apren-
dizagem quando se consegue integrar dentro de uma visão inovadora
todas as tecnologias: as telemáticas, as audiovisuais, as textuais, as
orais, musicais, lúdicas e corporais. A diferença didática não está no
uso ou não uso das novas tecnologias, mas na compreensão das suas
possibilidades na compreensão da lógica que permeia a movimentação
entre os saberes no atual estágio da sociedade tecnológica (Almeida,
2001, 2002). Balacheff (1996) defende que o computador torna-se um
novo parceiro nas práticas didáticas e que o uso do computador difere
do uso de materiais concretos e desenhos no processo ensino-apren-
dizagem na medida em que o seu uso implica automaticamente em
representações de objetos e relações entre eles.
O advento da internet e as constantes inovações tecnológicas
mudam a sociedade e o ambiente de trabalho. Não faz sentido pensar
educação sem levar em consideração estas mudanças. Alunos, profis-
sionais de ensino e professores devem absorver em suas práticas os
novos instrumentos e saberes, a fim de que as capacidades desejadas
(sociais, interpessoais, cognitivas, tecnológicas, entre outras) possam
ser trabalhadas e desenvolvidas.
Os sujeitos da pesquisa a seguir foram os estudantes do 6a. ano
de uma escola particular, que cursaram a disciplina Matemática entre
os anos de 2009 e 2014. Todas as aulas foram ministradas em Inglês.

105
O grupo de alunos era bastante heterogêneo em relação ao nível
acadêmico (diferentes níveis de conhecimento matemático), e a nacio-
nalidade (em média 50% de alunos estrangeiros, possuindo em torno
de 7 línguas maternas diferentes).

Metodologia

Para o desenvolvimento deste trabalho escolheu-se o método qua-


litativo. Foi elaborado um plano de atividade (mais de um período de
aula) bem como instruções para os alunos. Eles deveriam seguir as
instruções e completar os diferentes níveis da atividade. Cada aluno
deveria trabalhar com o seu próprio material e a interação era esti-
mulada e encorajada ao longo do processo. Como cada aluno tinha
um ponto de partida diferente (diferentes caixas de papelão), eles
dividiam somente suas idéias sobre o desenvolvimento do processo.
Cada aluno deveria aplicar instrumentos de medidas e fazer traços nas
cartolinas disponíveis de acordo com suas próprias medidas e escalas
utilizadas. A seguir deveriam calcular a área da superfície e o volume
de ambas as caixas, seguido de uma reflexão sobre como a escala
escolhida influencia as diferentes medidas, nas figuras e nos sólidos.
Por fim, os alunos deveriam escrever um relatório explicando o pro-
cesso, os resultados, e tentando identificar possíveis aplicações do
conteúdo, do conhecimento e das habilidades trabalhadas ao longo
do projeto em situações futuras . Neste documento eles deveriam uti-
lizar os dados levantados para fortalecer os seus argumentos, incluir
fotos e vídeos, que ilustrassem e explicassem melhor a atividade reali-
zada, e compartilhar o produto final.
A análise envolveu 6 anos de administra-
ção da atividade para mais de 200 alunos.
Ela se desenvolveu em 5 momentos:
1. coleta de material (cartolinas, caixas
de papelão, régua, ...).
2. discussão em sala de aula dos
aspectos mais comuns observados

106
nas caixas trazidas, bem como as semelhanças e diferenças
entre elas – tamanho, formato, cores, utilidade, entre outros.
Escolha das escalas a serem utilizadas pelos alunos (os alunos
com mais dificuldade de cálculo foram encorajados a escolher
escalas mais fáceis, como por exemplo, 1/2; alunos mais avan-
çados deveriam escolher escalas mais desafiadoras, como por
exemplo 1/5, 1/6, 1/8).
3. desmonte e medida das dimensões das caixas pelos alunos.
Aplicação das escalas escolhidas e medidas das novas dimen-
sões. Desenho das novas dimensões em uma cartolina. Corte e
montagem das novas caixas.
4. cálculo da área da superfície e do volume de ambas as caixas.
Comparação, discussão sobre expectativas e resultados.
5. relato por escrito do processo, dos resultados e do aprendi-
zado ocorridos. Inclusão de tabelas com dados, de fotos e de
vídeo no documento final.

107
Segue abaixo uma tabela com os instrumentos utilizados para fazer
a mesma atividade ao longo dos anos. Seguem também o mais recente
plano de aula.

Tempo1 Recursos utilizados


Maquina fotográfica da escola para tirar fotos dos alunos,
Computadores com processador de texto Word para digitar
2009 6 aulas reflexão final
Impressora para entrega da reflexão
E-mail para envio e importação das fotos
Maquina fotográfica da escola para tirar fotos dos alunos,
Computadores com processador de texto Word para digitar
2010 7 aulas reflexão final
E-mail para envio e importação das fotos
Impressora para impressão da reflexão
Celular e tablet da escola (ou professor) para tirar fotos dos
alunos,
Computadores com processador de texto Word para digitar
2011 6 aulas reflexão final
E-mail para envio e importação das fotos
E-mail para entrega da primeira versão do trabalho
Impressora para impressão da reflexão final
Celular e tablet dos alunos ou do professor para tirar fotos dos
alunos,
Computadores com processador de texto Word para digitar
2012 6 aulas reflexão final
E-mail para envio e importação das fotos
E-mail para entrega da primeira versão do trabalho
Impressora para impressão da reflexão final.
Celular e tablet dos alunos para tirar fotos durante o processo,
Documentos compartilhados entre aluno e professor para digi-
tar reflexões e receber correções
2013 6 aulas
Documentos compartilhados com a turma com as fotos disponí-
veis para uso
Impressora para impressão da reflexão final

108
Celular e tablet dos alunos para tirar fotos durante o processo,
Documentos compartilhados entre aluno e professor para digi-
tar reflexões e receber correções
Documentos compartilhados com a turma com as fotos disponí-
veis para uso
2014 6 aulas
Vídeo/apresentação do grupo relatando o processo e o aprendi-
zado (habilidades e conteúdos)
Divisão de tarefas, alunos fazem atividades diferentes intera-
gindo ao longo da execução. Produto final comum que utiliza
diversos recursos de mídia (livre escolha dos alunos).

Resultados e discussão

A avaliação dos resultados levou em consideração três aspectos


diferentes: a) os instrumentos e dinâmicas utilizados, b) o nível de
aprendizado dos conteúdos propostos nos objetivos da atividade, e c)
a participação e o engajamento dos alunos de diferentes perfis.
Os diferentes instrumentos utilizados ao longo dos anos confirma
a tese de que a tecnologia facilita a execução de diferentes processos
produtivos (por exemplo, a captura e utilização de imagem e vídeo na
produção de relato de atividade e registro de resultados), e a apren-
dizagem de alunos com diferentes perfis e capacidades. Também
confirma que o avanço tecnológico modifica os saberes passíveis de
aprendizado, já que novas tecnologias demandam diferentes capaci-
dades e abrem possibilidades para o seu uso criativo e eficaz.
A seguir, observações pertinentes de 6 anos de atividades com os
alunos, e em relação aos aspectos citados acima.

a) Dinâmicas e instrumentos utilizados

Em relação a esse aspecto, observa-se que os instrumentos utiliza-


dos para a execução da atividade foram se modificando. Instrumentos
novos surgiram não só para substituir antigos (maquina fotográfica
por celulares) mas também para abrir novas possibilidades a par-
tir de novos objetos de conhecimento (documento anteriormente
enviado por e-mail passa a ser compartilhado, comentado e corrigido

109
através do instrumento Google Drive). A disponibilidade deste novos
instrumentos, e o fato de serem mais modernos, com capacidade de
processamento rápido e eficiente, faz com que sejam rapidamente uti-
lizados. Esta disponibilidade também revela novos saberes, os quais
já estão impressionantemente internalizados por alguns alunos (por
exemplo o aplicativo pow tunes para apresentações com animação).
Dentro desta esfera observamos a necessidade de um formação contí-
nua dos professores para que estejam aptos a conhecer, compreender,
julgar e planejar atividades que absorvam os instrumentos tecnológicos
que são criados e melhorados a cada dia, praticando assim comporta-
mentos que queremos desenvolver nos nosso próprios alunos, a saber,
o espírito investigativo, a flexibilidade, a busca pelo conhecimento, a
capacidade do auto aprendizado, a criatividade, entre outros. (fontes
sobre como integrar tecnologia em atividades e projetos em sala de
aula disponíveis no site “Edutopia”) (Edutopia, 2007).

b) Nível de aprendizado dos conteúdos específicos propostos

Em relação a este aspecto constata-se que os alunos se utilizam


de tecnologia para atingir os objetivos propostos. Eles compreendem
desenho com escala e seus efeitos em desenhos e sólidos (depoimen-
tos dos alunos por escrito e em vídeo). Utilizam razão e raciocínio
proporcional para cálculos de novas medidas, conferindo cálculos com
o uso de calculadoras (disponíveis também nos próprios celulares).
Confirmam definições com o uso de seus computadores pessoais em
sala de aula, como por exemplo, “área de superfície” (surface area). E
ainda, os objetivos de desenvolvimento de confiança e motivação são
atingidos quando os alunos usam a tecnologia para esclarecimentos,
mas principalmente para organizar e mostrar resultados. Vale ressaltar
que os adolescentes gostam, e em geral tem facilidade para manipular
instrumentos tecnológicos. Em relação aos sujeitos da minha pesquisa,
esse fato ainda é mais verdadeiro, já que fazem parte de um grupo
bem exclusivo que trabalha diariamente nas salas de aula de diver-
sos professores sob a prática BYOD (bring you own device), onde é

110
esperado que todos os alunos tenham os seus próprios computadores
em todas as aulas, o que no mínimo facilita e estimula a investigação
e competência tecnológica. A seguir um depoimento da aluna Marta
sobre as suas medidas e as suas conclusões.
Transcrição de vídeo traduzida de aluno:

“Minha caixa original é mais ou menos 8 vezes maior do


que a minha caixa nova, e comparando as superfícies, a
diferença é mais ou menos 1/4. A área da superfície da
original é 1.126 cm2, e a da nova 259 cm2. O volume da
original é 2.294cm3, a nova é 268 cm3. Eu pensei que a
caixa seria exatamente 1/2 da original, mas quando você
pensa sobre a atividade, você está fazendo a superfície
1
/4 porque você divide a comprimento e a largura, então
você está fazendo ela realmente menor. O mesmo com
volume, mas você está fazendo 1/8 do que era antes (...)”

c) Participação e engajamento dos alunos

Em relação a participação e performance dos alunos, esta ativi-


dade se mostrou bastante eficaz. É sabido que os alunos trabalham
e aprendem melhor quando são motivados (principalmente motivação
intrínseca) e quando trabalham com projetos. Criar atividades que os
alunos gostem e se dediquem é sempre um desafio para o professor.
A introdução de tecnologia em atividades e projetos de sala de aula
parece ajudar na motivação dos alunos: como sujeitos nativos digitais,
os alunos parecem se interessar por assuntos relacionados a tecnolo-
gia e que sejam trabalhados através de seu uso porque eles se sentem
confortáveis e confiantes com o seu manuseio. Também parece claro
que diferentes alunos aprendem e se expressam de formas diferentes,
apresentando maiores habilidades no manuseio de feramente tecnoló-
gicas. A atividade em questão apresenta um projeto a ser completado
pelos alunos com o uso de tecnologia principalmente para comunicação
do produto final, mas que, ao longo do processo, utiliza competências
e habilidades variadas, permitindo que se manifestem e performem
eficientemente em face a uma miríade de possibilidades. Por exemplo,

111
alunos que até então eram considerados “fracos” em matemática se
revelam como exímios desenhistas e com ótimo raciocínio espacial.
Ou ainda, alunos que apresentam necessidades especiais com escrita
e fala se superam ao manipular materiais concretos e processadores
de textos no relato da experiência acadêmica, além de serem muito
bons em interações sócias. Por exemplo, Elizabeth que sempre foi uma
aluno muito fraca em matemática, com notas abaixo da média obteve
a maior nota da sua turma neste projeto já que tinha uma capacidade
manual incrível bem como um conhecimento tecnológico bem acima
dos demais. Ao longo da atividade Elizabeth ganhou confiança e se
motivou; ela experimentou, trabalhou capacidades atuais essenciais
na vida de jovens e adultos e se viu capaz de uma performance de
alto nível. Da mesma forma, Henrique, que é disléxico, e exibiu um dos
melhores projetos finais, com fotos, tabelas, cálculos corretos e uma
reflexão bastante completa, feita com a ajuda do computador. Julia
foi outra aluna cujo desempenho sempre esteve no grupo dos 5% mais
fracos quando avaliada com testes padronizados, e que sempre teve
dificuldade em acabar tarefas no tempo delimitado, mas que fez um
projeto completíssimo e detalhado, além de ter ajudado imensamente
diversos colegas na fase de desenho, corte e dobradura dos modelos.
Por outro lado, o aluno William, um dos mais “fortes” da turma apre-
sentou um produto final medíocre, escrita sem detalhes, modelo sem
capricho e apresentação do documento final bem aquém do esperado;
ele não foi paciente ao longo do projeto e praticamente não interagiu
com os colegas. A tecnologia possibilita a avaliação de alunos diferen-
tes sobre competências diferentes e de formas diferentes.
O uso de computadores ajuda a diferenciar atividades. Fica mais
fácil atender a diferentes níveis de conhecimento, diferentes neces-
sidades, acomodações, e interesse dos alunos na medida em que o
computador oferece opções para se demonstrar entendimento e
compreensão do material discutido. Por exemplo, os alunos podem
apresentar um projeto final através de um pôster, um vídeo, uma apre-
sentação animada, uma entrevista, etc. No vídeo transcrito abaixo
ama aluna demostra a sua compreensão em relação ao seu modelo
final, sobre como a escala modifica áreas e volumes:

112
Transcrição de vídeo traduzida de aluno:

“Oi, meu nome é (...) e eu fiz este projeto, o projeto da


caixas, sobre caixas certo? E então, nós tivemos que
aplicar a escala e a minha escala foi metade da caixa
original, mas depois de um tempo eu descobri que a
caixa, esta caixa não é metade menor, ela é oito vezes
menor do que a original. A caixa da (...), esta aqui, e ela
aplicou a escala de um quarto, mas ela descobriu que...,
é..., a caixa menor não é 4 vezes menor, ela é 64 vezes
menor, então... ela ficou surpresa; todos nós gostamos
do projeto.”

No entanto, o uso de ferramentas tecnológicas de forma eficiente


na diferenciação no ensino depende do preparo do professor. O
pronto principal na tentativa de integração de tecnologia ao ensino é
que o seu uso foque no resultado da instrução e do aprendizado, e não
na tecnologia em si, o que pode ser exemplificado quando o profes-
sor usa o computador para treinar exercícios e passar problemas para
casa. Sabemos que um computador está sendo bem usado quando
observamos a utilização ativa e não passiva dos alunos, quando estes
são agentes e não simples consumidores de dados e informações. A
dinâmica entre professor e aluno é mudada somente quando o uso do
computador é usado de forma pensada e estruturada, não somente
como uma versão computadorizada dos atuais métodos de ensino
(Valente, 1994). O computador deve possibilitar o desenvolvimento e
aprimoramento de habilidades desejadas e necessárias na sociedade
digital, conectada e interativa.

Considerações Finais

Segundo Valente (1994, 1999), “a introdução do computador na


educação tem provocado uma verdadeira revolução na nossa con-
cepção de ensino e de aprendizagem”, muito embora esta revolução
dependa de como o computador é utilizado. De fato, os computadores

113
podem assumir o papel de instrutores, aquando apresentam softwares
que treinam e oferecem explicações de como se realize alguma tarefa,
oferecendo conceitos sobre praticamente qualquer domínio; mas tam-
bém podem exercer um papel significantemente mais importante do
que o de uma simples máquina de ensinar: o papel de mídia educacio-
nal. Segundo Valente (1994, 1999):

“(…) o computador passa a ser uma ferramenta edu-


cacional, uma ferramenta de complementação, de
aperfeiçoamento e de possível mudança na qualidade
do ensino. Isto tem acontecido pela própria mudança
na nossa condição de vida e pelo fato de a natureza
do conhecimento ter mudado. Hoje, nós vivemos num
mundo dominado pela informação e por processos que
ocorrem de maneira muito rápida e imperceptível. Os
fatos e alguns processos específicos que a escola ensina
rapidamente se tornam obsoletos e inúteis. Portanto, ao
invés de memorizar informação, os estudantes devem
ser ensinados a buscar e a usar a informação. Estas
mudanças podem ser introduzidas com a presença do
computador que deve propiciar as condições para os
estudantes exercitarem a capacidade de procurar e
selecionar informação, resolver problemas e aprender
independentemente.”

No trabalho apresentado vimos então não só o uso do computa-


dor como uma ferramenta (máquina para calcular e para tirar fotos),
mas também desempenhando este papel de mídia educacional. Os
alunos utilizaram as ferramentas tecnológicas na busca de informa-
ções, no compartilhamento de dados, na produção de comunicação, e
no aprendizado independente, quando exploraram softwares novos e
variados, na tentativa da execução do produto final. Além destas duas
funções principais relatadas por Valente (1994, 1999), o uso do com-
putador neste trabalho foi ainda importante quando utilizado como
ferramenta na diferenciação da instrução (Hobgood e Ormsby) e na
motivação dos alunos ao longo da execução do projeto.

114
O desafio do uso do computador como facilitador no processo edu-
cativo atual, que deve contemplar a aquisição de novas competências
por um publico já letrado tecnologicamente, passa necessariamente
pela formação do professor e pela disponibilidade dos recursos tec-
nológicos, a saber, máquinas (celulares, tablets) e, dependendo da
atividade, também rede. Vale ressaltar que este trabalho foi feito em
uma sala de aula peculiar, onde o acesso as máquinas e a rede não
era um obstáculo ao uso da tecnologia em atividades e projetos de
sala de aula. Esta realidade é bem diferente se pensarmos outros
ambiente, como por exemplo, a grande maioria das escolas públicas
brasileiras. Entretanto, a escassez de recursos não deve desanimar a
investigação dos professores em relação ao planejamento de possíveis
e viáveis atividades. Hoje em dia a grande maioria dos alunos, mesmo
de escolas públicas tem aparelhos celulares, o que já abre uma série
de possibilidades em relação ao uso de tecnologia digital na busca de
informações, investigação de dados, execução de vídeo e texto e o
compartilhamento de documentos (Hardison, 2013).
Seguindo os resultados do trabalho, podemos apresentar como
desafio “secundário” a capacidade dos profissionais em, uma vez
tendo planejado e executado atividade que inclua o uso de tecnologia
e que esteja de acordo com o novo paradigma da educação (formar
indivíduos investigadores, criativos e independentes), eles estejam
também aptos a absorver novas tecnologias e continuar a busca de
novos caminhos, novos programas e aplicativos que possibilitem ainda
mais as investigações, as interações e a produção criativa, se mos-
trando flexíveis e motivados por serem agentes facilitadores na busca
constante de saberes mutáveis.

Referências

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dor na escola: inter- relações entre percepções evidenciadas pelo uso
do software Chic. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 4, n.2,
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115
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Ministério da Educação/Proinfo, 2001.

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Differentiating with technology. In Reaching every learner: differentia-
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Disponível em http://www.learnnc.org/lp/editions/every-learner/6776,
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LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era


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LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São


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116
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(Endnotes)

1 Tempo de aula com duração de aproximadamente 40 minutos.

117
Educação a distância e formação humana:
a importância das práticas docentes

Eloiza da Silva Gomes e Oliveira (UERJ)

Introdução: Conceito e características da Educação a


Distância

Existem muitas definições para educação a distância (EAD). Vamos


selecionar algumas que nos permitam transcender a simples antepo-
sição à definição clássica de educação presencial (cursos regulares,
professores e alunos no mesmo espaço físico no mesmo momento),
com o enunciado: a educação a distância é a modalidade educacional
em que há a separação geográfica e temporal entre professores e alu-
nos, com uso de tecnologias de informação e comunicação, podendo
mesclar-se à modalidade presencial.
Belloni (1999) critica o fato de que a maioria das definições de
EAD apresenta caráter descritivo e opõe a sala de aula tradicional à
aprendizagem à distância. Desse modo, para a maioria dos teóricos, a
distância é um parâmetro entendido em termos de espaço, havendo
ênfase nos processos de ensino (estrutura organizacional, plane-
jamento, concepção de metodologias, produção de materiais etc.),
com pouca ou nenhuma referência aos processos de aprendizagem
(características e necessidades dos estudantes, modos e condições
de estudo, níveis de motivação etc.) e à ideia de autoaprendizagem.
Vianney et al (2003) destacam o papel das tecnologias de infor-
mação e comunicação (TIC) no conceito de EAD, uma vez que a partir
do uso dos sistemas em rede, em particular dos ambientes virtuais de

118
aprendizagem que passaram a integrar professores e alunos em tempo
real, a noção de distância entre professor e alunos modifica-se a partir
do conceito de interatividade e de “aproximação virtual”.
O conceito de Educação a Distância no Brasil é definido oficial-
mente por meio do Decreto 5.622 de 19 de dezembro de 2005, que
regulamenta o art. 80 da Lei 9.94 de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional:

Art. 1º - Para os fins deste decreto caracteriza-se a


Educação a Distância como modalidade educacional
na qual a mediação didático-pedagógica nos proces-
sos de ensino e aprendizagem ocorre com a mediação
de meios e tecnologias da informação e comunicação,
com estudantes e professores desenvolvendo ativida-
des educativas em lugares ou tempos diversos (BRASIL,
2005).

Em Aretio (1994) encontramos algum avanço: a referência à neces-


sidade de que haja uma “arquitetura” educacional específica para a
EAD, que a diferencia fortemente da educação presencial:

Educação a Distância é um sistema tecnológico de


comunicação bidirecional, que pode ser massivo e que
substitui a interação pessoal, na sala de aula, de profes-
sor e aluno, como meio preferencial de ensino, pela ação
sistemática e conjunta de diversos recursos didáticos e
pelo apoio de uma organização e tutoria que propiciam
a aprendizagem independente e flexível dos alunos.
(ARETIO, 1994, p. 14).

Hoje em dia preferimos utilizar o termo “educação com mediação


tecnológica”, mais abrangente em relação a todas as variedades de
Educação a Distância: b Learning (híbrida de educação presencial e
mediada); e Learning (totalmente mediada, sem momentos presen-
ciais) e m Learning (utilizando a mediação de tecnologias móveis).

119
Tomamos, então, a definição de educação a distância como o
espaço interativo de ensino e de aprendizagem, mediado por tecnolo-
gias de informação e comunicação, no qual a aprendizagem se constrói
em um ambiente afetivo, cognitivo e social, partilhado em rede.
De acordo com Kaye e Rumble (1981) estas são as principais carac-
terísticas da educação a distância:
• Permite atender a uma população estudantil dispersa geo-
graficamente e, em particular, àquela que se encontra em
zonas periféricas, que não dispõem das redes das instituições
convencionais.
• Administra mecanismos de comunicação múltipla, que per-
mitem enriquecer os recursos de aprendizagem e eliminar a
dependência do ensino face a face.
• Favorece a possibilidade de melhorar a qualidade da educação
ao atribuir a elaboração dos materiais didáticos aos melhores
especialistas.
• Estabelece a possibilidade de personalizar o processo de
aprendizagem, para garantir uma sequência acadêmica que
responda ao ritmo do rendimento do aluno.
• Promove a formação de habilidades para o trabalho indepen-
dente e para um esforço auto responsável e autônomo.
• Formaliza vias de comunicação bidirecionais e frequentes rela-
ções de mediação dinâmica e inovadora. O professor passa
do status de “provedor de conteúdo” para o de facilitador da
aprendizagem.
• Garante a permanência do aluno em seu meio cultural e natu-
ral com o que se evitam os êxodos geográficos que incidem no
desenvolvimento regional.
• Alcança níveis de custos decrescentes, já que, depois de um
forte peso financeiro inicial, se produzem coberturas de ampla
margem de expansão.
• Realiza esforços que permitem combinar a centralização da pro-
dução com a descentralização do processo de aprendizagem.

120
• Precisa de uma modalidade para atuar com eficácia (...) na
atenção de necessidades conjunturais da sociedade, sem os
desajustes gerados pela separação dos usuários de seus cam-
pos de atuação.
Como pudemos ver o conceito e a definição das características
da Educação a Distância foram estabelecidos após muitas nuances.
Inicialmente conceituava-se a EAD comparando-a com a modalidade
presencial. Apesar de não ser totalmente incorreto, isso partia de um
entendimento parcial e sem base científica. Atualmente verificamos
que a EAD, que já possuía um sentido democratizante por apresentar-
se para muitos como única possibilidade de acesso à educação pôde,
a partir de avanços tecnológicos, permitir que a educação seja acessí-
vel para um enorme contingente de estudantes sem acesso à oferta de
vagas presenciais, especialmente em instituições públicas.

Evolução histórica da Educação a Distância

A evolução da EAD acompanhou o desenvolvimento das tecnolo-


gias de informação e comunicação em que se apoia. Por isso mesmo,
esse desenvolvimento foi avassaladoramente rápido. Embora falemos
em “gerações” esses períodos evolutivos são curtos, superpondo-se
no seu início e final, acontecendo simultaneamente.
Podemos falar de seis gerações da educação a distância:
1ª) Meio de comunicação textual, através da correspondência,
com predomínio de material impresso.
2ª) Ensino através do rádio e da televisão, surgimento das tele e
vídeo aulas.
3ª) Criação das Universidades Abertas.
4ª) Interação a distância em tempo real, em cursos que utilizam
áudio e videoconferência.
5ª) Ensino e aprendizagem on-line, utilizando ambientes virtuais
de ensino e aprendizagem (AVEA), maximização da utilização
de recursos da internet (e-learning).
6ª) Utilização de dispositivos móveis (m-learning).

121
Podemos observar, como foi dito, que as gerações em EAD não
se sobrepõem ou se anulam, é fácil perceber que elementos de uma
fase são encontrados em outra. Percebemos, ainda, que elas convi-
vem simultaneamente, porém, como a diferença entre os avanços
tecnológicos é grande, surgem distinções claras, principalmente de
interatividade e participação, nos processos de ensino e aprendiza-
gem entre as gerações. Nas três ultimas o aluno assume um papel de
gerenciador e co-mediador na comunicação bidirecional.

Algumas polêmicas que envolvem a Educação a Distância

Das muitas polêmicas que envolvem a EAD escolhemos duas para


ilustrar este texto. A primeira diz respeito ao fato de ser ela uma
tecnologia, apenas uma metodologia de ensino ou uma modalidade
educacional.
No que diz respeito à tecnologia, se a entendermos como um
encontro entre ciência e técnica, por extensão, todo o conjunto de
ferramentas e processos já criados pelo ser humano, dos mais sim-
ples aos mais complexos, e que todas as tecnologias levam a novas
formas de pensar, de se apropriar criticamente da realidade, de
fazer, de resolver de problemas, incrementando o desenvolvimento
individual e coletivo, e que quanto mais revolucionário for o caráter
da tecnologia, maiores as resistências que enfrenta, já que provoca
maiores mudanças culturais, concluímos que a EAD, embora não seja
uma tecnologia, se apropria, como ferramenta, de uma modalidade
de tecnologias extremamente impactante: as de informação e comu-
nicação (TIC).
Quanto a tratar-se de uma metodologia, fica claro que não se trata
de um método, mas de um aporte de variadas metodologias, recur-
sos e ferramentas, muitos se constituem em releituras da educação
presencial.
Relativamente ao aspecto “modalidade educacional” podemos
afirmar que sim:

122
Educação a distância é uma forma de ensino que possi-
bilita a autoaprendizagem, com a mediação de recursos
didáticos sistematicamente organizados, apresentados
em diferentes suportes de informação, utilizados isola-
damente ou combinados, e veiculados pelos diversos
meios de comunicação. (SANCHEZ, 2005, p. 101).

Como modalidade educacional a EAD tem aspectos próprios como


uma metáfora do conhecimento: do edifício à rede (substituição da
ideia de construção vertical e hierárquica do conhecimento através da
superposição de conceitos, pela ideia de que essa construção se faz
horizontalmente, em redes colaborativas). Essa mesma metáfora pode
enunciada através da dicotomia da árvore ao rizoma.
A modalidade educacional a distância tem ainda conceitos de
novos “espaços” e “tempos”: continuidade da ação, mesmo com dura-
ção descontínua, onde a interconexão substitui a unidade de tempo;
unidade de tempo sem unidade de lugar, onde a sincronização substi-
tui a unidade de lugar.
Possui, ainda, novas formas de escrita e leitura coletiva, hipertex-
tuais e novas formas de pensar: o pensamento em rede- expansão das
capacidades individuais e grupais.
A segunda grande polêmica trazida pela EAD é a “reengenha-
ria pedagógica” que ela demanda. A Reengenharia sugere a quebra
de regras e de procedimentos dentro de um determinado contexto,
proporcionando desta forma reorganizações, readaptações e novas
formas de se fazer, provocando a criação de novos métodos.
Shandler (1996) criou um modelo de Reengenharia Educacional,
inspirado no modelo 6R’s da Reengenharia (seis fases):
• Realização,
• Requisitos,
• Repensar,
• Replanejamento,
• Reformulação,
• Reavaliação.

123
A Educação, no entanto, bastante conservadora em sua estrutura,
vê com reservas mudanças profundas, impactos de gestão, reorgani-
zação de procedimentos, altos de inovação como essas, demandadas
pela EAD.
No entanto, como afirma Pretto (1999, p. 84):

[...] estas novas tecnologias de comunicação e infor-


mação podem vir a se constituir em um importante
elemento destas transformações se pudermos vê-las
em outra perspectiva que não a de simples instru-
mentos metodológicos mais modernos que podem ser
implantados de forma isolada e desarticulada, man-
tendo crianças, jovens, adolescentes e professores
como meros consumidores de um conhecimento pronto
que passa agora a circular e ser entregue via as ditas
novas tecnologias. Em oposição a isso, se pensamos
nas tecnologias a serviço da produção de conheci-
mento e de cultura, podemos pensar na inserção do
país no mercado mundial dito globalizado, numa outra
perspectiva. Uma perspectiva de efetiva cidadania.

Antes de prosseguir para o próximo tópico ainda podemos elencar


algumas ideias polêmicas que acompanham a EAD: a de que ela levará
a prescindir de professores; a de que estudar a distância é mais fácil;
a de que os cursos nessa modalidade são de qualidade duvidosa; a
de que os alunos ficam sozinhos, não contam com o apoio docente; a
de que os certificados obtidos em cursos não presenciais não têm o
mesmo valor de mercado, entre outras.
Enfim, acreditamos que se trata de uma modalidade educacional
muito nova, que ainda não foi estudada em profundidade e que requer
muitas pesquisas para que se possa fazer sobre ela afirmativas de
cunho científico.

124
Educação a Distância e formação humana

Por tratar-se de educação a formação humana é meta e determi-


nante da educação a distância, seu alvo fundamental, sua meta. A
emergência e o crescimento acelerado das tecnologias de informação
e comunicação, que lhe servem de ferramenta principal, provocaram
efeitos que transcenderam a educação e afetaram profundamente a
subjetividade humana.
Para Turkle (1984, p. 3): “todas as grandes inovações tecnológicas,
além dos resultados práticos imediatos, trazem consequências pro-
fundas e transcendentais que provocam mudanças, não apenas nas
atividades que realizamos, mas também em nosso modo de pensar”.
As mais recentes gerações da EAD trazem como novidade algo
além de uma mídia, como abordam Villardi e Oliveira (2005), mas a
possibilidade de que a educação a distância se faça não mais entre
sujeitos separados no tempo e no espaço, mas entre indivíduos sepa-
rados apenas pelo espaço físico, reunidos num espaço específico, que
seria o virtual.
Portanto, a EAD não difere da educação presencial em sua essência,
mas em aspectos pontuais; ela faz apenas essa separação física, como
vimos anteriormente, porém não há distância entre uma relação cons-
trutiva e de diálogo entre os atores envolvidos no processo educacional.
Um dos exemplos claros desse foco da EAD na formação humana é
o conceito de inteligência coletiva, formulado por Pierre Lévy.
A inteligência coletiva permite a sinergia entre competências, recur-
sos e projetos, a constituição e manutenção dinâmicas de memórias em
comum, a ativação de modos de cooperação flexíveis e transversais, a
distribuição coordenada dos centros de decisão. Opõe-se, portanto, à
separação estanque entre as atividades, às compartimentalizações, à
opacidade da organização social arcaica. Diz o autor:

É uma inteligência distribuída por toda a parte, inces-


santemente valorizada, coordenada em tempo real,
que resulta em mobilização efetiva das competências.

125
Acrescentemos à nossa definição este complemento
indispensável: a base e o objetivo da inteligência cole-
tiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo
das pessoas, senão o culto de comunidades fetichiza-
das ou hipostasiadas. Uma inteligência distribuída por
toda parte: tal é o nosso axioma inicial. Ninguém sabe
tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na
humanidade (LÉVY, 1998, p.30).

Nesta perspectiva de colaboração e de construção de conheci-


mentos, a educação a distância se destaca por seu caráter humanista
e integrador que nos permite trabalhar o desenvolvimento das poten-
cialidades do indivíduo e incentivar o desenvolvimento da autonomia
educacional nos processos de ensino e aprendizagem.
Passemos agora a ilustrar este texto com alguns resultados de
uma pesquisa recentemente realizada.

Professores e EAD, falas e representações

Embora sejam muitas as pesquisas sobre o tema, mas considera-


mos que esse universo de investigação dificilmente está esgotado.
Vemos a inserção das TIC no trabalho docente como algo bastante
viável e necessário, embora seja imprescindível buscarmos algumas
alternativas e caminhos para viabilizá-la.
Para fundamentar esta opinião recorremos a Papert, um dos pre-
cursores do uso do computador no ensino. Ele apresenta uma parábola
em seu livro A Máquinas das Crianças (1994) em que demonstra que,
embora as TIC imponham mudanças na rotina das classes escolares,
muito do que existe permanecerá, fazendo com que o professor nunca
se sinta um estranho naquele ambiente ou incapaz de realizar o seu
trabalho.
Na mesma obra Papert fala da existência de dois grupos, envol-
vendo alunos e professores. O primeiro grupo, que ele chama de
conservadores reconhece que a escola possui problemas e mostra-se
interessado em resolvê-los, mas não compreende de que forma usar
computadores para auxiliar esse processo, criando certo impedimento

126
para a sua utilização. O segundo grupo é o dos inovadores, que aspira
por mudanças que venham a suprir as dificuldades, facilitando o apren-
dizado, mas indica pontos que impedem a inserção da tecnologia nas
práticas pedagógicas, como custos, políticas, carência de pesquisas
científicas sobre novas formas de aprendizagem. Percebemos que em
ambos os casos há resistências e arestas que necessitam ser “apara-
das” para que a real apropriação das TIC no ambiente escolar aconteça.
Realizamos uma pesquisa cuja amostra foi de 50 professores de
matemática, do 6º ao 9º ano e do Ensino Médio da rede pública de um
município do estado do Rio de Janeiro.
Elaboramos um questionário com perguntas abertas e fechadas
que abrangia quatro áreas: o levantamento dos saberes percebidos
como essenciais para o exercício do Magistério com a inclusão das
tecnologias de informação e comunicação (TIC); o conhecimento das
mesmas; as atitudes (positivas ou negativas) em relação à inserção
das TIC no cotidiano do trabalho docente; e as opiniões sobre os con-
teúdos da disciplina ministrada. Ao final do instrumento inserimos um
campo para “comentários diversos” que os respondentes gostariam
de fazer.
Para verificar a influência da área de formação (uma ciência exata)
sobre as respostas dos docentes, pretendemos replicar o procedi-
mento com uma amostra de 50 professores de uma disciplina da área
das Ciências Humanas.
Inserimos a partir de agora alguns resultados obtidos. O segundo
campo do questionário escolhido para esta comunicação, “opiniões
sobre a inserção da tecnologia de informação e comunicação na atua-
ção no magistério”, apresentava uma escala de opiniões graduada de
1 a 5, correspondendo o grau 1 às opiniões mais desfavoráveis e o grau
5 às mais favoráveis.
A partir das respostas adquiridas, as subdividimos e organizamos
em quatro categorias:
• Contribuição das TIC para a melhoria da aprendizagem dos alu-
nos: respostas relacionadas à forma como as TIC interferem na
aprendizagem e a importância desta interferência.

127
• Facilitação das atividades proporcionada pelas TIC: respostas
que mostram como as TIC facilitam a interação e a mediação
nas aulas.
• Receptividade dos alunos: a maneira como os alunos rece-
bem essas tecnologias em sala e como se sentem com a sua
utilização.
• Intensificação da dinâmica das aulas com a inserção das TIC:
respostas que abordam como os professores veem a dinâmica
das aulas com o auxílio das TIC.
Optamos por apresentar apenas a quantificação dos graus mais
favoráveis de resposta (4 e 5) porque nos graus inferiores a concentra-
ção de respostas foi muito pequena.

Atribuição de graus
Excertos de respostas para
Aspectos avaliados mais favoráveis de
exemplificação
resposta (5 e 4)
Considero as TIC um marco
Importância da inserção das
histórico de progresso no 36
TIC no trabalho docente
trabalho do professor.
Se você estimula a autono-
Facilitação das atividades mia e a iniciativa do aluno
36
proporcionada pelas TIC as atividades se tornam mais
agradáveis.
Percebo que os alunos
Contribuição das TIC para a
aprendem melhor e mais ra-
melhoria da aprendizagem 34
pidamente se utilizam artefa-
dos alunos
tos tecnológicos.
O uso das TIC permite ao
Intensificação da dinâmica
professo aproveitar melhor
das aulas com a inserção 33
o tempo da aula e torna-la
das TIC
mais dinâmica.
Os próprios alunos declaram
Receptividade dos alunos que as aulas ficam mais “ma- 30
neiras” e interessantes.

Tabela 1: Atribuição dos graus 4 e 5 (respostas mais favoráveis).

128
Finalizando este campo do instrumento de pesquisa incluímos uma
questão aberta: “Se você fosse recomendar a um colega o uso de tec-
nologias de informação e comunicação nas aulas, que argumento você
utilizaria?”.
Analisamos o conteúdo das respostas, atribuindo frequência aos
argumentos mais utilizados. Como recomendação os professores lis-
taram os mais diversos argumentos, mas sempre dando destaque a
algumas palavras em suas falas, como: dinamismo, facilitador, agili-
dade, motivação, participação, estratégia, prazeroso, simples, rápido,
objetivo, agradável, importante e interessante.
Todas estas palavras foram descritas nas respostas dos profes-
sores para demonstrar que o uso das tecnologias de informação e
comunicação desperta a motivação dos alunos para a aprendizagem,
melhorando a receptividade dos mesmos ao conteúdo de matemática.
Isto confirma afirmações encontradas na literatura sobre o tema,
como a de Penteado e Borba (2003, p. 64-65):

(...) À medida que a tecnologia informática se desen-


volve nos deparamos com a necessidade de atualização
de nossos conhecimentos sobre o conteúdo ao qual
ela está sendo integrada. Ao utilizar uma calculadora
ou um computador, um professor de matemática pode
se deparar com a necessidade de expandir muitas de
suas ideias matemáticas e também buscar novas opções
de trabalho com os alunos. Além disso, a inserção de
TI no ambiente escolar tem sido vista como um poten-
cializador das ideias de se quebrar a hegemonia das
disciplinas e impulsionar a interdisciplinaridade.

Considerações finais

É inegável o impacto da tecnologia na educação. No entanto,


ainda que a tecnologia favoreça o avanço das práticas pedagógicas,
persiste o modelo de educação que coloca o professor como detentor
do saber, como único gestor do conhecimento, com ênfase tradicional,
não permitindo mudanças concretas no processo educacional.

129
Considerando aqui as tecnologias e as formas de mediação,
entendemos que a inserção das mesmas na educação acontece conco-
mitantemente com a necessidade de se repensar os rumos da educação
e o papel do professor. É preciso haver uma mudança conceitual na
educação, para que não venhamos a permanecer nas práticas antigas
com um “verniz de modernidade”.
É importante também ressaltar que a EAD, apesar de sua especifi-
cidade, não constitui um campo teórico isolado da Educação. São as
concepções e os princípios educacionais mais gerais que embasam
as práticas de EAD.
Torna-se fundamental compreender que os desafios da EAD, e das
próprias Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), são con-
gruentes com os desafios do sistema educacional em sua totalidade,
cuja reflexão implica em analisar que educação se pretende realizar,
para quem se dirige, com quem será desenvolvida, com o uso de quais
tecnologias e quais serão as abordagens mais adequadas para acele-
rar o processo de inclusão social da população brasileira.
Tudo que “ouvimos” dos professores na pesquisa mostrou que eles
conhecem razoavelmente as tecnologias de informação e comunica-
ção, indo contra a ideia de que há um desconhecimento quanto às
mesmas. Eles conhecem e utilizam recursos e softwares específicos
para o ensino de matemática, como o Geogebra e o Matemática Kids.
As opiniões sobre as TIC avaliadas demonstram representações
favoráveis e disponibilidade para a utilização da mediação tecnoló-
gica. Em resumo, tudo aponta para a necessidade de inovar a prática
docente, de criar novas metodologias, outras formas de “ser docente”,
o que ocorre quando o professor utiliza as TIC como auxiliares nas
suas aulas.
Sabemos que surgiu um novo aluno que, assim como o docente,
também se vê diante de uma aventura feita de estudo, pesquisa e pro-
dução de conhecimento num ambiente inovador.
Embora tenhamos todo o tempo destacado a importância das
tecnologias de informação e comunicação para o aprimoramento do
trabalho docente e da formação humana, não esquecemos que, por
si sós, elas não promovem a aprendizagem formal. É necessário que

130
o professor desenvolva nos alunos uma série de atributos cognitivos
indispensáveis às aprendizagens significativas.
Fica o desafio para as instituições de ensino em todos os níveis:
abrir-se ao diálogo com essas tecnologias, compreender melhor os
alunos nativos digitais, prover aos professores formação inicial e con-
tinuada que lhes permitam fazer das tecnologias digitais ferramenta
pedagógica, incluindo-as no cotidiano docente.

Referências

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Belloni, M. L. Educação a distância. Campinas: Autores Associados,


1999. 

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de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2005/decreto/d5622.htm. Acesso em: 28 jul. 2015.

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São Paulo: Loyola, 1998.

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Informática. Porto Alegre, RS: Ed. Artes Médicas Sul Ltda, 1994.

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131
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unesdoc.unesco.org/images/0013/001398/139898por.pdf. Acesso em:
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VILLARDI, R.; Oliveira, E. S. G. Tecnologias na educação. Uma perspec-


tiva sócio-interacionista. Rio de Janeiro: Dunya, 2005.

132
PÁTRIA EDUCADORA: uma receita de fé na educação,
falta de confiança nos professores
e homogeneização dos estudantes

Maria Luiza Süssekind (UNIRIO)


Viviane Lontra (UNIRIO)
Raphael Pelosi Pellegrini (UNIRIO)

Recentemente vimos ser distribuído com alarde na mídia o docu-


mento PÁTRIA EDUCADORA: a qualificação do Ensino Básico como
obra de construção nacional (Brasil; 2015), que parece ainda não ter
passado de sua versão publicada como preliminar, assinado pelo
ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos/SAE da Presidência
da República Roberto Mangabeira Unger. Segundo seu idealizador, o
documento apresenta um projeto de nação a realizar-se via reforma na
educação escolar, partindo da ideia de que os professores são dire-
tamente culpados pelo que entende como a situação ruim1 em que se
encontra a educação nacional. Utilizando redação confusa, argumen-
tos vazios e recheado de afrontas ao que se entende como uso correto
da Língua Portuguesa, o PÁTRIA EDUCADORA (Brasil; 2015) recolhe
preconceitos, visões simplistas e profecias mirabolantes apoiando-se
basicamente na proposta de que a educação deve buscar padronizar
o seu resultado, formando um estudante preparado para o mercado
de trabalho, o que parece ser garantido pelo bom desempenho nas
testagens internacionais.

1 Vale mencionar que os dados apresentados para considerar a educação brasileira ruim são a
classificação no PISA, a suposta baixa qualificação dos professores e pouca eficiência de seu
trabalho, a alegada inexistência de um sistema público de ensino, a inexpressividade de uma
inteligência nacional capaz de liderar a reforma idealizada pelo autor do documento, a pobreza,
o status conjugal das mães dos estudantes, entre outros.

133
No documento, professores são acusados de serem maus estu-
dantes desde a escola básica, posteriormente não se destacando na
formação superior e tornando-se profissionais pouco comprometidos
com seu trabalho. A formação de professores e o trabalho docente são
tratados com ironia, generalização, desconhecimento e preconceito.
Contudo, nada disso nos parece ingênuo. No PÁTRIA EDUCADORA
(Brasil; 2015) a visão do trabalho docente, assim como a visão do que
seria um estudante preparado para a vida, são reduzidas a conhe-
cimentos únicos cujos resultados de aprendizagem poderiam ser
eficientemente verificáveis por meio de testes em larga escala (como
PISA), despindo-lhes do caráter inerente de criação (Süssekind; 2014),
isentando-lhe de complexidade social e humanidade (Edling; 2014).
Com certo escárnio, ressalta que as universidades:

deixam-se fascinar, ao gosto de cada catedrático,


com o torneio de manual entre filosofias da educação.
Costumam, entretanto, prover ao menos alguns ele-
mentos de formação aceitável. [...] É voz corrente nas
universidades e no professorado que os melhores alu-
nos costumam não ficar na docência. Demonstradas
suas credenciais, cedo procuram escapar para outra
profissão. Dos que ficam, muitos procuram minimizar,
a qualquer custo, tempo na sala de aula. Comumente
preferem tarefas administrativas. Porcentagem impres-
sionante, e sem equivalente em outro lugar do mundo,
falta ao trabalho alegando doença. (Brasil; 2015, p.14)

Não ignoremos o inconteste desconhecimento de Unger a respeito


da histórica, plural, original e internacionalmente respeitada produ-
ção brasileira na área das ciências da educação ou mesmo sobre o
que se passa no cotidiano (Pais; 2003) dos cursos de formação de pro-
fessores. Nem a visão de que o que não é ciência quantificável não é
conhecimento, pois ambos não são nem incomuns nem sem razão. Não
é difícil encontrar as ideias de que os professores são mal formados,
ou de que a educação é um blábláblá nas redes sociais, programas

134
de televisão, jornais e nas conversas do dia-a-dia. Como compartilha
Nóvoa:

Precisamos todos de saber que nada disto é novo. Já no


final do século XIX se denunciava esta pseudo-ciência,
inútil, barroca, palavrosa, da qual, dizia-se, “os profes-
sores devem fugir”. Troçar dos pedagogos era moda
naquela época e continua a ser moda nos dias de hoje.
(Nóvoa, 2015; p. 5)

Em fevereiro/2015, a série de reportagens sobre a situação dos


professores no Brasil, realizada pelo Jornal Nacional da Rede Globo2,
por exemplo, enfatizava que:

“A larga maioria dos jovens não quer mais ser professor


no Brasil, só 2% e mesmo assim são aqueles que não
tiveram um grande desempenho no ensino médio e vê
nas licenciaturas o caminho mais fácil de ingressar em
um curso superior”, explica o diretor do Instituto Ayrton
Senna3, Mozart Neves Ramos. O aluno com dificuldades
de ontem se torna o professor com dificuldades ama-
nhã. Esse ciclo vicioso não está sendo rompido nem
pelos governantes, nem pelas universidades, segundo
a professora Bernadete Gatti. “O professor que estamos
formando hoje já está saindo nessa condição de uma
formação muito precária”, afirma. [...] nas faculdades de
pedagogia, sobra teoria e falta conteúdo. [...] A mistura

2 A Fundação Roberto Marinho estabelece parceria há décadas com as redes municipais estadu-
ais e o MEC fornecendo materiais didáticos, apoiando projetos e executando treinamento de
professores. Seus interesses mercadológicos na educação são óbvios.
3 Entre outros colaboradores e defensores não-governamentais das politicas para educação
básica em curso, este instituto não tem poupado esforços para imprimir sua visão de educação,
currículo e avaliação nas redes e no país. Vem estabelecendo crescentes parcerias com as redes
municipais estaduais e o MEC visando o fornecimento de materiais didáticos, implantação de
projetos e executando treinamento de professores. Seus interesses mercadológicos na educa-
ção são também óbvios.

135
de formação falha desde o ensino médio, da correria e
das carências cria situações como a de professores que
simplesmente não leem mais.4

Questionando estas ideias hegemônicas a respeito da má forma-


ção de professores, encontramos argumentos que valorizam o trabalho
docente como invenção, entendendo o papel criador dos “homens
comuns” com Certeau (2013; Alves; 2001; Oliveira; 2008; Ferraço;
Carvalho; 2012). Portanto, reconhecem os professores e estudantes
por seu papel principal como fabricantes de conhecimentos (Süssekind;
2014, p.28) admitindo que professores não reproduzem conteúdos por-
que são “profissionais-intelectuais” (Moreira; 1995, p.12). Defendendo
a autonomia do trabalho docente (Pinar; 2012) e a potência dos proje-
tos politico-pedagógicos locais, a partir do resgate do sentido político
e nacional, conquistado na LDB (Lei 9394/96), sublinhamos a riqueza,
diversidade e localidade destas criações de conhecimentos e currí-
culos, como “conversas complicadas” (Pinar; 2012). Reconhecemos,
então, que os professores tecem redes de práticas pedagógicas
que inserem na estrutura social/curricular criatividade e pluralidade
(Oliveira; 2009; p. 26) e que o resultado disso, é a luta permanente
pela emancipação social a partir da valorização e oportunização da
diferença (Santos; 2010) e não de sua anulação. Por isso, “acreditamos
que o cotidiano é o campo privilegiado da reflexividade transforma-
dora” (Pais; 2003). E, buscando um olhar positivo da escola (Ezpeleta;
Rockwell; 1989), enxergando nas ausências produzidas pelo hegemô-
nico aquilo que ela tem de bela e viva (Victorio Filho; 2003) arriscamos
admitir nunca termos conhecido um professor ruim (Süssekind; Pinar;
2014). Professores são, sim, tornados ruins quando exigimos que pro-
duzam resultados iguais (Pinar; 2008; Süssekind; 2014).
Neste ensaio, partiremos do documento da SAE, visto no contexto das
políticas curriculares e de avaliação que vem sendo progressivamente

4 Disponível em: < http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/02/alunos-enfrentam-falta-


de-preparo-de-professores-em-sala-de-aula.html > Acesso em: 11 Jun. 2015.

136
implantadas pelo Ministério da Educação, sobretudo na educação
básica, para discutir três ideias presentes no documento que estão
largamente presentes no imaginário social e tangenciam nossas pes-
quisas em currículo e formação de professores no grupo de pesquisa
Práticas Educativas e Formação de Professores, na Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro/UniRio, que são: a fé depositada
na educação como “arma de transformação social” (Paraskeva; 2011); a
falta de confiança nos professores, que gera processos de verificação e
responsabilização, descritos por Pinar (2008) como “demonização”; e o
entendimento subjacente de conhecimento, capturado nas entrelinhas
das politicas em questão, que buscam a padronização dos conheci-
mentos trabalhados pelos professores e dos resultados obtidos pelos
estudantes. A partir de leitura indiciária dos documentos curriculares
e outras fontes, selecionamos “pistas” (Ginzburg; 1989) para pensar as
relações entre professores e currículos e educação e sociedade sob
uma abordagem das epistemologias da ordinariedade (Certeau; 2013)
e do Sul (Santos; 2010) reforçando nosso compromisso politicoepiste-
mológico com a justiça social, para a qual admite-se como condição
sine qua non a justiça cognitiva (Santos; 2010).
Temos defendido (Süssekind; 2014; p. 51, 52) que a ideia de transfor-
mar a sociedade pela educação habita o campo da crença (Paraskeva;
2011), embora seja debatida como política e legislação. Desdobra-se
numa noção de currículo despida de complexidade, entendendo o
documento curricular como sendo um objeto, uma lista de conteúdos,
para assumir o papel de arma com um poder de educaçãodestrui-
ção em massa (Paraskeva; 2011; Süssekind; 2014). Alimentando-se
de e nutrindo esta crença, estudiosos argumentaram que a educa-
ção seria uma ferramenta efetiva de mudança social (Paraskeva; 2011)
defendendo a ideia de que a educação poderia modelar e melhorar
a sociedade forjando cidadãos-trabalhadores (Süssekind; 2014, p.53;
Paraskeva; 2011).
Esta crença está calcada na primazia do pensamento cientifico
(Santos, 2001; 2007), na crença em sua capacidade de diagnosticar
e solucionar problemas (Vilaça; 2015; Santos, 2001; Bourdieu; 1998;

137
2003), bem como no entendimento de que a partir da prescrição dos
conhecimentos presentes no currículo escolar poder-se-ia educar cida-
dãos para uma sociedade melhor (Süssekind; 2014). Paradoxalmente,
todo este poder concedido à escola acaba por atormentar os profes-
sores e estudantes assolados sob a obsessão do novo, dos resultados
quantificáveis, da transformação, do homogêneo, do controle, da
massificação e mercadologização na contemporaneidade. Ferraço
(2008) nos ajuda a pensar que, pautados em um paradigma carte-
siano, corremos o risco de pensar o mundo como um cosmos mecânico,
um universo relógio, com movimentos previsíveis num tempo/espaço
absoluto: “Compartimentalização, causalidade, hierarquia, lineari-
dade e determinismo são alguns dos princípios básicos que sustentam
os conhecimentos aí construídos. ” (p. 101, grifo do autor).
Nesse sentido, o conhecimento torna-se um objeto que é possível
ser trocado e imaginado como mercadoria de modo a possibilitar àquele
que o possui alçar espaços sociais antes impossíveis. O conhecimento
- assumido como impessoal e descontextualizado - torna-se assim mer-
cadoria: quanto mais é acumulado, maior a chance de melhorar na
sociedade. Além disso, reforça-se a concepção de existência de um
conhecimento transformador, desencarnado dos eus e nós e transmissí-
vel por meio de práticas docentes de qualidade. Qualidade, aqui, num
sentido produtivista, é assumido como homogeneidade e massificação.
Este modo de entender o conhecimento como potente em si mesmo
e homogêneo desperdiça a experiência (Santos; 2001) e as relações
sociais que criam estes mesmos conhecimentos, invisibiliza a força cria-
dora e inventiva do humano (Certeau; 2013) e despreza o papel das
redes de conhecimentos e subjetividades (Santos; 2004) que tornam
qualquer conhecimento passível de ser consumido (Certeau; 2013) rela-
cional, situacional e contextualmente (Simmel; 1971) pelos “praticantes
do cotidiano” (Certeau; 2013). Oliveira e Sgarbi (2002) afirmam que a
grande luta dos que entendem e procuram respeitar a diversidade do
cotidiano é “combater o pensamento hegemônico porque hegemônico,
na medida em que pensar em diversidade, em “multi” é conceber que os
espaçostempos do conhecimento não devem ser hegemonizados” (p.11).

138
Oliveira (2009) chama atenção para o fato de que, de acordo com
as propostas ditas progressistas, se mantém a ideia da “preparação
para o futuro” e a crença no poder da escola sobre os estudantes.
Acrescentamos que nesta crença também se insere um entendimento
do espaço escolar como sendo, de certo modo, isolável do restante da
sociedade e, tendo um potencial de formação da pessoa maior do que
outros espaços da sociedade, como família, igreja, comunidade, configu-
rando-se de modo homogeneizador e idealizado em escolas entendidas
como “laboratórios de democracia” (Pinar; 2008). Nessas propostas:

a (verdadeira) função da escola é formar o cidadão –


crítico e consciente do seu papel de sujeito da própria
história – responsável, portanto pela transformação da
sociedade numa sociedade mais justa e igualitária, tor-
ná-lo capaz de lutar pela transformação social. (Oliveira;
2009, p.20, grifo do autor)

Delegando toda responsabilidade da construção da PÁTRIA


EDUCADORA às salas de aula das escolas, atribuímos aos professo-
res uma missão impossível, fadada ao fracasso. Não deveria causar
estranhamento a opinião do diretor do Instituto Ayrton Senna de que
a maioria dos jovens não quer mais ser professor no Brasil, embora o
crescimento expressivo dos cursos de licenciatura, das redes munici-
pais e da pós-graduação provavelmente aponte números que sugerem
outro entendimento desta questão. Portanto, ao depositarmos nas
escolas ou universidades o papel de transformação da sociedade,
deixamos de lado outros tantos lugares que habitamos e que tam-
bém (trans)formam. Mas quem poderia ter interesse em isentar-se da
responsabilidade sobre a construção de uma sociedade melhor depo-
sitando o fardo nas costas dos professores? E que sociedade é essa
que se propõe?
Denunciamos que estas políticas possuem o apoio de representan-
tes dos setores industrial e financeiro do país – interessados talvez
nos altos lucros que a venda de materiais, testes e programas de
qualificação de professores podem oportunizar mas, entendendo, de
modo ingênuo, que assim escolas preparariam eficientemente a massa

139
de estudantes para serem convertidos em trabalhadores competentes
– e que mimetizam as políticas de unificação curricular e testagem em
larga escala já implantadas, sem sucesso (Pinar; 2008; Price; 2014;
Edling; 2014) em outros países. Se cabem no vocabulário do mercado,
as ideias de eficiência e competência tem dado de pouquíssima contri-
buição para o campo da educação, seja na formação de professores ou
na prática educativa, apesar de historicamente presentes na relação
escola-sociedade-mercado, ao contrário por exemplo, das ideias de
diferença/diversidade e justiça cognitiva (Paraskeva; 2011).
Azevedo (2007) nos lembra que no campo das reformas neoliberais
o conceito de qualidade vem sempre vinculado a métodos quanti-
tativos de avaliação, que afirmam a meritocracia como aptidão para
competitividade, competência e eficiência. Entendendo as instituições
escolares como um modelo organizacional das empresas, aferem-se
resultados quantificáveis, medições e controles, reduzindo a formação
do ser humano à subordinação dos interesses imediatos do mercado.

Daí as práticas de avaliações externas, com sistemas


de avaliação em que os sujeitos que atuam no cotidiano
das instituições transformam-se em objetos passivos,
sendo os processos de trabalho ignorados, as especifici-
dades dos contextos desconhecidas. O que dá validade
ao trabalho é o produto final, aferido, quase sempre, em
limites quantitativos, concentrados nos resultados, ava-
liados de fora para dentro. (p.8)

Esteban (2009) nos faz refletir sobre a “produção de qualidade”


nas instituições públicas, cada vez mais universalizadas e, portanto,
simultaneamente mais vinculadas às particularidades dos grupos his-
toricamente subalternizados, negados em seu saber, invisibilizados.
Portanto, uma outra qualidade.

A escola pública que se realiza a cada dia é uma escola


marcada por tensões, conflitos, destituída de percep-
ção e projeto únicos, o que leva ao questionamento
sobre a padronização estimulada pela consolidação de

140
processos de avaliação da aprendizagem orientados
por parâmetros uniformes. A escola estruturada como
parte do projeto da modernidade não se tornou reali-
dade e seus princípios fundadores – a verdade como lei,
o rigor como método, a transmissão dos conhecimentos
socialmente válidos e necessários como finalidade –
mostram-se insuficientes para enfrentar os desafios que
a vida cotidiana contemporânea impõe. Mais do que
isso, tais princípios, ainda que evoquem a democracia,
articulam-se na perspectiva excludente que marca as
relações coloniais, fortemente implicadas na produção
do pensamento moderno. (p. 125)

Questionamos, nesse sentido, o quanto o PÁTRIA EDUCADORA


trata a educação mercadologicamente e hierarquicamente, como
“pseudo-ciência” (Novoa; 2015) subalternizando os professores como
(maus) reprodutores de conhecimentos e os estudantes como um
corpo único cuja diversidade, entendida a partir do conceito estranho
de “barreiras pré-cognitivas” (Brasil; 2015, p. 4) deve converter-se em
homogeneidade. Qualidade, aqui, é uniformidade. Assim, entendendo
o humano, e a diferença, como obstáculo epistemológico (Bourdieu;
1998) e problema social. Argumentamos que esta ótica não é novidade
e que, ao contrário de valorizar e oportunizar a diferença, é um projeto
político epistemicida e abissal (Santos, 2007).
Recorremos aos estudos de Santos (2007) para compreender que
o pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal, que acre-
dita em uma única forma de conhecimento e hierarquiza e abissaliza
outros saberes, outros conhecimentos:

Consiste num sistema de distinções visíveis e invisí-


veis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis.
As distinções invisíveis são estabelecidas através de
linhas radicais que dividem a realidade social em dois
universos distintos: o universo “deste lado da linha” e
o universo “do outro lado da linha”. A divisão é tal que
“o outro lado da linha” desaparece enquanto realidade,
torna‑se inexistente, e é mesmo produzido como inexis-
tente. (p. 79)

141
Nesse movimento de estabelecimento de linhas hierárquicas, o
pensamento abissal também conquista credibilidade, popularidade e
sucesso (Hobsbawn; 1995), tornando-se objeto de fé (Santos; 2001;
2004; 2007; Süssekind; 2014; Paraskeva 2011). Quando abissais,
os currículos demonizam por desperdiçarem a experiência (Santos;
2010), por invisibilizarem conhecimentos diferentes em detrimento de
um único e por des-acreditarem, des-historicizarem os conhecimentos
“criados” (Certeau; 2013), produzidospartilhados nas redes de subjeti-
vidades que produzem as tessituras dos cotidianos das escolas (Alves;
2001; Süssekind; 2014). Longe de serem acordos sociais, os currícu-
los prescritos são resultado de relações de força e demarcam pautas
arbitrárias de ensino e aprendizagem construídas como verdade,
onde a transmissão de um único conhecimento e a conformação desse
modo de estruturação do pensamento é entendido como único válido
e colonizam o diferente (Santos; 2007), subalternizando-o. Assim, as
diversas perspectivas de conhecer o mundo alimentadas pela fé, por
exemplo, não existem como conhecimento, como também a emoção,
o feminino, a infância, o gênero e outras experiências relacionais e
sociais têm silenciadas suas potências criadoras de conhecimentos.
O homem comum, professor, estudante e “os produtos do trabalho se
tornam mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e
imperceptíveis” (Marx; 1977, p. 80).
Importante reforçar que subjaz aos discursos de desqualificação
da ação docente um entendimento de currículo como aquilo que deve
ser feito em sala de aula, um conhecimento que deve ser ensinado.
A inventividade, o ineditismo e o acontecimento (Geraldi; 2010) não
são contemplados, e toda atenção passa a ser dada às tecnologias de
suporte ao ensino que, bem aplicadas, “sacodem a mediocridade”5 e
resolvem os problemas da educação e da sociedade. Para a SAE, uma
sociedade que desperdiça gênios com professores incapazes e anti-
éticos. No PÁTRIA EDUCADORA (Brasil; 2015) vemos a ideia de que:

5 A palavra “mediocridade” é sete vezes citada no documento Pátria Educadora (p.6 e 12) e deve
ser “sacudida” para admitir aos Newtons e Darwins programas especiais e escolas de referência
(p.12)

142
A transformação do ensino pode ser acelerada pelo
uso criterioso de tecnologias de dois tipos: as aulas em
vídeos e os softwares interativos. Os primeiros permitem
enriquecer e sacudir o ambiente da escola com inspira-
ção vinda de fora. Os segundos acrescentam à inspiração
vinda de fora a oportunidade para o aluno avançar por
conta própria. (p. 19)

Reduzindo a prática docente a métodos e técnicas e reduzindo os


métodos e técnicas a algo neutro e aplicável em qualquer espaço e
tempo, o autor revela sua crença no tecnicismo. Acredita ele que o
estudante é enriquecido com conteúdos eleitos de fora para dentro e
o que, de fato, acontece nos cotidianos das salas de aula é invisibili-
zado pelos currículos, materiais e testes massificados. As experiências
são desperdiçadas, os professores “demonizados” (Süssekind; Pinar;
2014), e todos são negligenciados em tudo aquilo que aprenderam e
aprendem em outros contextos sociais da vida cotidiana.
Nessa perspectiva abissal de ensino e de mundo, os currículos
tornam-se planos despidos de complexidade, listas de conteúdos
reprodutíveis em quaisquer contextos já que são constituídos de modo
idealizado, desvinculados dos cotidianos das escolas. Constituem-se
como imagens, significados e valores cristalizados a serem reproduzi-
dos nas salas de aula. Dessa forma, reforçam a concepção da existência
de um conhecimento potente e atira-se com isso num abismo epis-
temológico saberes negociados pelos praticantes das escolas nos
percursos das salas de aula, desperdiçando parte das experiências de
mundo produzidas nesses espaços de aprendizagemensino.
Outras formas de compreensão de currículo, de escola e suas fun-
ções guiam ações diferentes e possibilitam abordagens distintas no
encaminhamento da discussão. Por meio das pesquisas nos/dos/com
os cotidianos compreendemos com Alves (2014; p.1478) que “currícu-
los – no plural - são formados por aquilo que os docentes e discentes
fazempensam nas salas de aula de cada escola brasileira.” Na mesma
perspectiva, Oliveira (2012; p.3) nos ajuda a entender os currícu-
los como pensadospraticados visto a indissociabilidade existente

143
entre prática e teoria, entre reflexão e ação. Daí a (im)possibilidade
(Süssekind; 2014) dos que pensam os currículos como criação coti-
diana (Oliveira; 2012) aceitarem a implantação de um currículo comum.
O documento PÁTRIA EDUCADORA, a despeito de seu histrio-
nismo, se alinha às ideias da Base Comum para educação básica e
parece pretender criar uma forma de regulação baseada num currículo
mínimo, estreitamente vinculado aos sistemas de testagem padroni-
zada e que opera segundo modelos privados de gestão. O argumento
para esta defesa é que “ficará claro para todo mundo quais são os
elementos fundamentais que precisam ser ensinados nas Áreas de
Conhecimento: na Matemática, nas Linguagens e nas Ciências da
Natureza e Humanas.”6
A educação pública, avaliada, classificada e monitorada se vê assim
em uma relação mercadológica de concorrência através dos diversos
exames padronizados e classificatórios. A Prova Brasil, por exemplo,
produz dados que “visam servir de subsídio para o diagnóstico, a refle-
xão e o planejamento do trabalho pedagógico da escola, bem como
para a formulação de ações e políticas públicas com vistas à melhoria
da qualidade da educação básica7”. Não te parece estranho, leitor,
que uma prova onde as crianças têm suas escritas corretas invalidadas
como conhecimento, se confundem a imagem de uma laranja com a
de uma manga, possa gerar resultados tão poderosos? Se concebe-
mos a escola como espaço de transmissão do conhecimento, vemos
as testagens em larga escala de uma forma bem diferente do que se
a concebemos como espaçotempo de possibilidades, de criação, cir-
culação e produção de diferentes conhecimentos. Nessa perspectiva,
entendemos a impossibilidade de mensurar os saberes que são cria-
doscompartilhadosexperienciados nos cotidianos das escolas.

6 Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/index.php/base-nacional-o-que-e/>.


Acesso em: 2.Set.2015.
7 Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/saeb/resultados-2013>. Acesso em: 14 Jul. 2015.

144
Oliveira (2008) nos ajuda a compreender que as maneiras de fazer,
estilos de ação dos sujeitos reais, obedecem a outras regras que não
aquelas da produção e do consumo oficiais:

Para além do consumo puro e simples, os praticantes


desenvolvem ações, fabricam formas alternativas de
uso, tornando-se produtores/autores, disseminando
alternativas, manipulando, ao seu modo, os produtos
e as regras, mesmo que de modo invisível e marginal.
(p.56)

Por isso, levantamos as (im)possibilidades (Süssekind; 2014) de


tais propostas regulatórias (Santos; 2004) serem implantadas tal
qual foram pensadas, pois, como afirma Certeau (2013; p.38), “o coti-
diano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada”. Ao mesmo
tempo, chamamos atenção a respeito da “demonização dos professo-
res” (Pinar; 2008) provocada por essa união funesta entre currículos
unificados e testes padronizados, Pinar em entrevista a Süssekind
(2014), enfatiza que:

A fantasia de melhoria alimentada pelos testes padro-


nizados coloca os professores em uma situação de
autodestruição, insustentável. Uma situação impos-
sível, pois o professor precisaria trabalhar em sala de
aula de modo a compensar as desigualdades em vários
domínios: dificuldades econômicas e sociais e, em certos
casos, familiares.

Como sabemos, o sucesso escolar de uma criança – seja


lá o que se entenda por isso – é colocado em suas mãos
[...] é como se o professor fosse um mágico que pudesse
consertar tudo.

Logo, é feito para terminar mal. E termina mal...


Porque mesmo nas escolas em que os resultados dos
testes melhoram é uma história sem fim. Sempre há o
que melhorar e testar e melhorar. Na verdade, se todos

145
tivessem um desempenho perfeito nos testes, os testes
seriam inúteis, certo?

Então os testes somente têm sentido quando selecio-


nam e distinguem as pessoas, portanto, é preciso que
haja falhas e fracassos. Alguém precisa perder. Então
é uma corrida numa esteira que não só nunca é desli-
gada, como a velocidade só aumenta. [...] A experiência
do teste substitui a experiência acadêmica de compre-
ensão. (p. 94, 95)

No documento PÁTRIA EDUCADORA torna-se evidente, além da


obsessão homogeneizadora, a primazia do pensamento científico e “o
reconhecimento das hierarquias de des-pertencimentos que produzem
da exclusão às invisibilidades até as inexistências” (Süssekind; 2014).
Como consequência de tal perspectiva, o projeto de democratização
da educação, e da sociedade neste bojo, não se constrói com “jus-
tiça cognitiva” (Santos; 2010) – “multiplicação das relações de troca
igualitária entre diferentes, na qual ambos se enriquecem por meio de
reconhecimento mútuo e aprendizagens (diferentescomuns) a partir
do acesso a conhecimentos diferentes e comuns” (Süssekind; 2014) –
mas reforçando uma “linha abissal” (Santos; 2007). Além de valorizar
a experiência do teste mais que a da compreensão (Süssekind; Pinar;
2014), e demonizar os professores (Pinar; 2008), a proposta, então,
claro, também coisifica os estudantes. Aqueles que possuem seus
saberes, conhecimentos e experiências desqualificados são estigma-
tizados (Elias; 2000) com a marca do fracasso escolar, reforçando a
histórica subalternização e culpabilização das vítimas.
Com Esteban (2009), compreendemos que atuar no cotidiano
escolar das classes populares exige diálogo constante com os sujeitos
que habitam as margens sociais e significa se comprometer com a pro-
dução diária do êxito como uma possibilidade real para um segmento
social historicamente negado, marginalizado, abandonado, fracas-
sado. Contudo, veremos no documento da SAE que o entendimento
segue outra direção, pois advoga que:

146
nas periferias e nos bairros pobres de nossas cidades,
mais da metade das famílias costuma ser conduzida por
mãe sozinha, casada ou solteira. Revezam-se os homens
como companheiros instáveis. Esta mãe, pobre e geral-
mente negra ou mestiça, luta para zelar pelos filhos e
para manter ao mesmo tempo emprego ou biscate. (p.14)

Para a SAE, que se propõe estrategicamente a resolver o problema


da educação multiplicando-o em nosso entendimento, seria preciso
apagar as histórias de vida da “parte da massa de alunos pobres”
(Brasil; 2015, p. 12-14) para que eles consigam aprender os conteúdos
importantes e vencer “os obstáculos que podem parecer intransponí-
veis em subir a escada das capacitações analíticas” (Idem) quando se é
vitima de “inibições, às vezes chamadas socioemocionais, que barram
o caminho” (Ibidem). A busca de homogeneização dos conhecimentos
provoca abissalidade, apagamento do humano e subalternização do
outro.
Relacionando, não desinteressadamente, os resultados (julga-
dos) ruins coletivos dos sistemas públicos de ensino nos testes em
larga escala à características inatas e sociais dos indivíduos, o PÁTRIA
EDUCADORA estabelece um processo de marginalização e estigmati-
zação (Elias; 2000). Atribuindo ao estudante pobre, negro, morador
de periferia, filho de mãe solteira, trabalhadora informal a existência
generalizada de uma condição de dificuldade de aprender os con-
teúdos exigidos e explicando isso por conta de sua condição social
e história de vida, o documento abissaliza mais que o currículo ao
apresentar como inferior tudo que foge a um certo modelo de socie-
dade. De que pátria estamos falando? Quem cabe na pátria de Unger,
Marinho e Senna8?
Vítimas de cotidianos epistemicídios (Santos; 2004) sob a lógica
de controle que marca o imaginário neoliberal (Ball apud Macedo;
2014, p. 1553), algumas práticas escolares são desqualificadas e

8 Referência a Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna.

147
invisibilizadas. Os professores acabam culpados e demonizados
(Süssekind; 2014) enquanto vemos multiplicar a arquitetura de regu-
lação (Santos; 2004) através de punições, classificações, bônus,
inundando as escolas com livros didáticos, manuais e cartilhas que
orientam o professor. Diante da proposta de intervenção curricular e
seus testes padronizados, aulas-modelo e discussões para implemen-
tação de um currículo comum, assistimos aos professores, estudantes
e conhecimentos cotidianamente inventados serem tornados inexis-
tentes (Santos; 2007), abissalmente.

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152
Alfabetização e vivências de alteridade:
duas narrativas em dois contextos

Arlindo Cornélio Ntunduatha Juliasse (UERJ)

Ela só tinha um remédio para se melhorar:


era contar a sua história. Eu disse que a escutava,
demorasse o tempo que
demorasse.[...]. Então, me contou a sua história.
Mia Couto (Escritor moçambicano)

Introdução

Neste trabalho, procuro compreender as práticas de alfabetização


e vivências de jovens e adultos a partir de duas narrativas descritas em
dois contextos (na travessia e pós-travessia do rio). As narrativas sur-
giram partindo da minha própria experiência de pesquisador em busca
de dados, percorrendo os caminhos quase desfeitos em Moçambique,
por conta da queda demasiada de chuvas que destruíram infraestru-
turas escolares, de habitação, de transportes rodoviários, ferroviários
e linhas de distribuição de energia elétrica, dificultando a circulação
normal de pessoas e bens para chegar a Nampula1, especialmente na
travessia improvisada do Rio Licungo na Província da Zambézia2. Neste
texto, relatos de experiências de convivências de escuta de alteridade
me ressignificaram e brotaram dos contatos na viagem de trabalho de

1 Nampula, é umas das províncias (Estado) de Moçambique com cerca de 4.084.656 de habitan-
tes de acordo com o censo de 2007, situa-se na região norte do país.
2 Zambézia, também é uma das províncias de Moçambique, situa-se na região fazendo fronteira
com a província de Nampula.

153
campo com dois sujeitos “alfabetizados” em espaço e tempo diferente
(colonial e pós-colonial).
O conceito de alfabetização neste texto associa-se a ideia segundo
a qual não se limita apenas à capacidade de entender formas escritas
e impressas, mas também “as mudanças sóciocognitivas que resultam
de ser alfabetizado, e de ser uma população alfabetizada. Ainda assim,
ao mesmo tempo, a alfabetização implica uma avaliação da utilidade
dessa capacidade” (COOK-GUMPERZ, 2008, p.31). Acrescenta-se a
esta definição, a sua relação com as “práticas da língua escrita que
contemplam os usos sociais da leitura e da escrita, como também as
concepções que as pessoas possuem sobre si mesmas” (KALMAN,
2009, p.75). Conforme estes autores a leitura e escrita envolvem prá-
ticas sociais.
Nesta ótica, o Sistema Nacional de Educação em Moçambique
enquadra a educação de adultos no ensino extraescolar e nas moda-
lidades especiais do ensino escolar. Quanto ao ensino escolar, lê-se
no Art. 31 da Lei 6/923 que o ensino de adultos é aquele que é orga-
nizado para indivíduos que já não se encontram na idade normal de
frequência do sistema de ensino geral e formação técnico-profissional,
incluindo aqueles que não concluíram. De acordo com esta lei, tem
acesso a esta modalidade de ensino os indivíduos a partir dos 15 anos
para o ensino primário e a partir de 18 anos para o ensino secundário.
Quanto a perspectiva epistemológica, o texto fundamenta-se nas
relações de alteridade construídas na linguagem como processo de
produção de conhecimentos. Tais relações se estabelecem tendo como
referência os diferentes lugares que os indivíduos ocupam na socie-
dade, em momentos diversos de sua história pessoal e profissional de
onde proferem seus enunciados. Esses lugares produzem um ponto
de vista possível a cada sujeito, que em sua caminhada complementa
o outro. Nesse sentido, (re) discutindo a concepção de dialogismo de

3 A Lei nº 6/92 de 6 de Maio de 1992, revoga e reajusta a lei nº 4/83 de 23 Março de 1983 que
cria o Sistema na Nacional de Educação em Moçambique

154
Bakhtin (2000) como um evento que acontece na unidade espaço-
tempo da comunicação social interativa, sendo por ela determinado.
Portanto, o que se diz é determinado pelo lugar de onde se diz.
Foi na travessia do Rio Licungo em Moçambique, que travei a pri-
meira conversa com os sujeitos desta pesquisa, inicialmente com Sr.
Mundhimua, o qual me deu pistas para me encontrar com a Sra. Bibi.
Trata-se de encontros entre “desconhecidos” como nos sugere Skliar
(2014), refiro-me de encontros entre desconhecidos novos: os que
chegam ao mundo, os que entram nele; desconhecidos anônimos: os
que estão ali, mas com os quais nunca conversamos; desconhecidos
diferentes: aqueles a quem convidamos a igualdade, ainda marcados
pela suspeita de não serem capazes de conversar, de não ser capazes
ainda, ou definitivamente, de estar entre nós. A partir dessas conver-
sas iniciais me apercebi que estava diante de “bons entrevistados”
como na definição de Aspásia Camargo, lembrado por PINSKY (2008):

Aquele que, por sua percepção aguda de sua própria


experiência, ou pela importância das funções que exer-
ceu, pode oferecer mais do que o simples relato de
acontecimentos, estendendo se sobre impressões de
época, comportamento de pessoas ou grupos, funcio-
namento de instituições e, num sentido mais abstraio,
sobre dogmas, conflitos, formas de cooperação e soli-
dariedade grupai, de transação, situações de impacto
etc. Tais relatos transcendem o âmbito da experiência
individual, e expressam a cultura de um povo, país ou
Nação, chegando, a partir de categorias cada vez mais
abrangentes - por que não? - ao denominador comum
à espécie humana (CAMARGO, apud PINSKY, 2008,
p.173).

Por conseguinte, a riqueza do saber desses sujeitos permitiu-me


convida-los para uma entrevista. Nesse sentido, metodologicamente
embarquei pela História oral, uma metodologia que segundo PINSKY
(idem, p.155) “permite o registro de testemunhos e o acesso a ‘histó-
rias dentro da história’ e, dessa forma, amplia as possibilidades de

155
interpretação do passado”. Efetivamente, esta metodologia consiste
por um lado, na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que
participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do
passado e do presente. Por outro, tais entrevistas são produzidas no
contexto de projetos de pesquisa, que determinam quantas e quais
pessoas entrevistar, o que e como perguntar, bem como que destino
será dado ao material produzido (PINSKY, 2008). Por outras pala-
vras, o recurso a esta metodologia nos possibilita não só, a deixar de
pensar em termos de uma única história ou identidade nacional, mas
também a reconhecer a existência de múltiplas histórias, memórias e
identidades em uma sociedade.

Primeira narrativa: travessia do rio licungo, histórias e


vivências do canoeiro

Durante o percurso da viagem de pesquisa que venho desenvol-


vendo no doutorado, deparei-me com dois obstáculos principais que
interferiram de alguma maneira no meu trabalho. Por um lado, as con-
dições climáticas que viveu Moçambique neste último verão, com a
queda demasiada de chuvas que destruíram infraestruturas escola-
res, de habitação, de transportes rodoviários, ferroviários e linhas de
distribuição de energia elétrica, dificultando a circulação normal de
pessoas e bens. Por outro, uma convivência com a malvadez dos pode-
rosos (homens) e com o sofrimento do povo fragilizado que precisava
de forças para se virar da dupla dominação: a da natureza e do homem
malvado.
Foi um dia, caraterizado por aflição, dor, angústia e desespero. A
travessia estava interrompida por conta da destruição da ponte pela
correnteza de água da chuva que caíra excessivamente na região
Centro do país. Tratou-se de uma situação de emergência na qual a
grande luta era pela sobrevivência, o homem confrontando-se com a
realidade que não depende dele, mas que pelas suas necessidades
vitais é chamado a agir.

156
No meio a esses percalços, vivenciei uma experiência triste e ale-
gre ao mesmo tempo. Triste porque tive que correr riscos de vida ao
atravessar um dos grandes rios do País de Canoa, carregado pela
fúria das águas. Os barcos convencionais, considerados seguros, eram
escassos e os critérios de elegibilidade das pessoas para embarcar
eram (in) transparentes e/ou corruptos. Foram 8 horas de espera
aguardando que a minha oportunidade de subir o barco chegasse,
mas nunca chegava.
Ao longo desse período, fui observando a multidão presente
que aguardava igualmente o acesso a esses barcos para a travessia.
Enquanto uns furavam a fila, corrompiam as autoridades responsáveis
pelos barcos, outros gritavam sem voz e emagreciam os seus rostos
pelo desespero. Mas, ao lado, bem próximo de nós, estavam os canoei-
ros, com as suas canoas, transportando outras gentes na insegurança,
sem coletes salva-vidas, mas num ambiente tranquilo de atendimento.
De tanto cansado pela espera e injustiça que estava ocorrendo nas
minhas barbas, gritei desesperado “basta”, respeitem o sofrimento do
povo! Em seguida, um grupo considerável de passageiros que estava
aí presente, também gritou, aplaudindo meu gesto de coragem.
Envergonhados, os responsáveis pela desorganização, os coman-
dantes da tripulação se aproximaram de mim ameaçando que não iria
embarcar naqueles barcos até no dia seguinte por ter agitado as pes-
soas e desobedecer às autoridades! Não tinha feito nada a mais se não
reclamar pelo mau atendimento. Enquanto eles proferiam as ameaças,
eu ia gravando as conversas, mas logo em seguida se aperceberam
que estava gravando as suas falas, de imediato, se aproximaram nova-
mente e de forma agressiva retiraram o celular das minhas mãos, tendo
apagado as filmagens incluindo fotos antigas! Só me devolveram o
celular quando mais tarde souberam que eu era professor. A gravação
tinha em vista apenas a minha defesa/proteção como cidadão diante
do poder das autoridades sobre a fraqueza do povo.
Porém, esta revelação os deixou mais inflamados de raiva, daí
começaram a falar mal de mim, tentando me envergonhar por tê-los
criticado. “Que professor você é?”, perguntou um dos militares. “O

157
que você ensina aos seus alunos?”, acrescentou outro. É “por isso que
temos má qualidade de ensino com esse tipo de professor que não
respeita as autoridades”! Concluiu o terceiro membro de “autorida-
des” presentes. Diante daquela desordem respondi instantaneamente
que eu era professor que ensina os alunos a “desobedecer” discursos
violentos, a desobedecer a ordens de injustiças, a não admitir o sofri-
mento do povo e corrupção sem poder fazer nada. Sou esse professor
que ensina os alunos a não se aproveitar do sofrimento do povo, antes
pelo contrário a ajuda-lo. E sou feliz por esse trabalho gratificante! “E
vocês, a quem protegem?”; “a quem defendem, ou a quem servem?”
Ninguém me respondeu e se foram embora!
No silêncio, ia me questionando: será que continuarei nesta margem
ou atravessarei para outra? Com um olhar magro de preocupação, fui
revelando a minha preocupação no rosto até que apareceu um senhor
ao lado que, em conversa, me confidenciou que teria atravessado o rio
no dia anterior com o canoeiro que acabava de chegar a nossa margem
e que o mesmo teria participado do resgate das vítimas do naufrá-
gio que acontecera com um dos barcos convencionais, considerados
“seguros”! Percebi que os canoeiros estavam aí na travessia, mas
não eram considerados pela sua insignificância, não tinham o direito
a coletes “salva-vidas”. Tanto os gestores das calamidades quanto
a maioria ou pelo menos um número considerável da população que
estava aí instalada, não via, ou, se via, não valorizava o trabalho dos
canoeiros. As nossas atitudes naquele espaço davam uma sensação
aparente de não estarmos preocupados em encontrarmos alternativa,
não tínhamos parado para ver de fato a relevância do trabalho daque-
les canoeiros e só ali, diante de um olhar atento dos seus movimentos
de navegação fui me dando conta que no cotidiano eram (in) visibiliza-
dos: o trabalho, a significância e seu sentido.

158
Foi nesta dura realidade que conheci o senhor Mundhimua4, de 42
anos idade. Ele é alto, magro e parece-me bastante simpático, alegre e
motivado pelo que faz. Olhei para ele e naquele instante, ganhei cora-
gem junto a outros 4 passageiros que iam embarcar daquela Canoa.
Para reduzir o medo e assegurar que a travessia fosse rápida apesar
de tanta incerteza que pairava entre nós, fomos conversando e inven-
tando estórias.
Estávamos na Canoa atravessando o Rio Licungo e pedi ao sr.
Mundhimua para falar da sua experiência de vida e de trabalho com
a Canoa. E ele, começou por comentar nos seguintes termos: “Tive
uma vida dura desde criança, os meus pais foram mortos pela guerra
civil que durou 16 anos em Moçambique. Fui criado pelos meus avós
paternos. Tudo o que sei, eles é que me ensinaram, ensinaram-me a
pescar, a cuidar da ‘minha vida e a dos outros’.” Hoje, ele é Canoeiro
com “calos nas mãos”, expressando-se pela sua atividade prática da
vida cotidiana com sabedoria tradicional, singular e original de quem
realiza a atividade porque sabe fazer e com amor.
Esta passagem da conversa me remeteu a ideia de que a educação
familiar para o Sr. Mundhimua consiste em ensinar e aprender a cuidar
de si e do outro. Foi o que ele generosamente estava fazendo conosco
ao longo da travessia. Este gesto do sr. Mundhimua fez pensar sobre
a escola e as nossas práticas educativas: Será que a nossa escola tem
ensinado a cuidar do outro? Será que nós, professores, temos sido
generosos no sentido de ajudar, facilitar aprendizagem dos alunos em
nossas escolas hoje? Faria sentido pensar numa prática pedagógica
de generosidade entre professor-aluno-professor e alunos-professo-
res-alunos, alunos entre si e professores entre si?
E continuamos o percurso falando de outros assuntos. Remando de
remo em remo, de onda em onda, o canoeiro foi atravessando o avesso,

4 Tradução literal da Língua Echuwabo falado na Província da Zambézia em Moçambique, que sig-
nifica alguém mais velho, não só pela idade, mas e principalmente pela sabedoria, pelo mérito,
exemplar na comunidade. Usei esse termo pelo reconhecimento que este sujeito tem na comu-
nidade, e como forma preservação da sua personalidade.

159
difícil, mas tranquilo e confiante, era como se estivesse dizendo que
em breve estaremos na outra margem do rio. O mais impressionante
ainda é que a Canoa parecia passar numa linha já por ela traçada,
como acontece com os trens e metrôs quando circulam pelos seus car-
ris, um avião telecomandado que vai direitinho ao ponto. Parecia ter
medidas tão exatas sobre a produção da canoa, número de passagei-
ros, da profundidade do rio, da amplitude das ondas, da intensidade
da corrente de água, de âncoras invisíveis que atacavam a canoa
para as pessoas subirem e descerem com tranquilidade. Aqui encon-
tro algumas palavras-chave que me parecem importantes destacar:
tranquilidade e confiança. Mas também não me escapa outro questio-
namento a seguir que passa pela minha cabeça.
Em relação a palavra confiança, apesar de ser discutível no con-
texto educacional quanto a sua aplicação, aproveito o pensamento
Biesta (2014, p.45) ao afirmar que “a educação só começa quando o
aprendente está disposto a correr risco, porque a confiança gira em
torno daquelas situações em que não se sabe e não se pode saber
o que vai acontecer”. No entender de Biesta, a confiança é, pela sua
natureza, sem fundamento, porque se alguém soubesse o que iria
acontecer ou como a pessoa com quem depositou confiança agiria e
responderia, ela não seria necessária.
No silêncio fui refletindo, que conhecimentos geográficos, físicos,
matemáticos, geométricos, hídricos por ai em diante este Canoeiro
devia ter? Quando chegamos à outra margem do rio, enquanto des-
cansava para tomar o seu almoço, questionei-o onde teria aprendido a
navegar? A resposta foi simplesmente esta:

acompanhava o meu avó na pesca, depois fui traba-


lhando sozinho. Fui um pouco na escola, fiz 3º ano de
alfabetização, mas não continuei porque a escola fica
longe e não dá para frequentar a noite; a guerra tam-
bém atrapalhou e, meu avô me levava a pesca. Mas
agora estou a ver que a escola é bom mesmo, eu sei ler
e escrever um pouquinho pra falar com as pessoas... e

160
minhas crianças é que vão na escola, o mais grande está
avançado mesmo quase... ficar enfermeiro, vai ajudar a
nossa família [...] risos (Informação verbal).

Nesta conversa, ainda que parcial, o sr. Mundhimua define a escola


como espaço de aprendizagem de algo para o trabalho institucionali-
zado, empregável, remunerável para “ajudar a família”. Esta situação
me leva a questionar o sentido da nossa escola, os seus objetivos e o
modo como temos atuado para maximizar os outros saberes adquiri-
dos fora da escola e que os jovens e adultos possuem, dando primazia
apenas os valores e sabres da classe dominante. Tal como nos reporta
Santos (2001, 2008, p.106) na sociologia das ausências segundo a
qual “não há ignorância em geral nem saber em geral. Toda ignorância
é ignorante de certo saber e todo saber é a superação de uma ignorân-
cia particular.” Por isso, nos sugere a aceitação da existência de uma
pluralidade de formas de conhecimentos cuja utopia seria aprender
outros conhecimentos sem esquecer os próprios.
Esta experiência de travessia do rio, da invisibilidade dos canoei-
ros e seu trabalho, fez-me igualmente pensar nos dizeres de Trindade
(2000) quando argumenta que agente a gente olha, mas não vê, a
gente vê, mas não percebe, a gente percebe, mas não sente, a gente
sente, mas não ama a pessoa [...] a vida que ela representa, as infini-
tas possibilidades de manifestação dessa vida que ela traz. A gente
não investe nessa vida, e se a gente não investe nessa vida, a gente
não educa e se a gente não educa no espaço e tempo de educar, a
gente mata, ou melhor, a gente não educa para vida; a gente educa
para morte das infinitas possibilidades [...] para uma morte em vida: a
invisibilidade.
Esta afirmação traduz humildemente a minha indignação, me
parece prazeroso a inculcação de preconceitos que corroboram para
a reprodução de discursos de poder (FOUCAULT, 1996) que produzem
concomitantemente maiorias invisíveis e silenciadas, mas que fazem
muita diferença na nossa vida cotidiana, mais triste é que isto tende a
ser cada vez mais forte que nem nos apercebemos. Pela minha alegria,
essa discussão fez me enxergar a existência de homens que estavam

161
aí (in) visibilizados pelo discurso de perigo e insegurança a sua nave-
gação, mas trabalhando arduamente, ajudando o povo a atravessar de
uma para a outra margem do rio através das suas Canoas, seu traba-
lho, sua coragem e determinação.
Partindo do pressuposto de que a vivência de escuta do outro, pro-
voca um desafio não só ao narrador que ao tentar reconstruir um fato,
imprime sua marca na interpretação, mas também ao pesquisador, pois
ao ouvi-lo, pode atribuir ao mesmo fato outro significado. Portanto,
coloco-me nesse espaço de entre lugar para interpretar as falas de
Mundhimua, sem sufocar a sua voz não só pela sua rica trajetória de
vida, mas também por causa de sua extraordinária imaginação.
Nesse sentido, ao contar a sua história, ainda que de forma rápida
pelas circunstâncias em que nos encontramos no cruzamento da vida,
Mundhimua revela nos seus olhos o valor de sua cultura, marcada pela
arte de saber trabalhar a terra, de mergulhar nas profundidades dos
rios, da sua relação forte com natureza. Relata de forma simplificada,
o esforço da gente simples de sua comunidade, na produção do milho
nas “machambas” (roça), do arroz no baixo Zambeze5, do feijão, entre
outras culturas. Era como se ele estivesse me dizendo que enquanto
haver cumplicidade entre o eu, o outro e a natureza, já mais haverá
fome, sofrimento, porque trabalho é o que não falta.
Percebe-se igualmente pela sua imagem alegre, timbrada no rosto,
por sua vontade de luta e o gosto pelo seu lugar que se encontra
em atravessamento entre a vida urbana e a do campo, entre o tra-
dicional e moderno, destacando que ela não é inferior à cultura da
cidade. Diz que, embora não seja um homem considerado “instruído”,
sabe ler, escrever e muitas coisas que os “bem-instruídos” não sabem,
por exemplo, como cultivar os artigos de subsistência e lavrar a terra,
remar, pescar entre tantos outros afazeres que também alimentam
essa gente que se considera “instruída” e “citadina”.

5 Refiro-me das áreas extensas e propensas a produção de arroz na Província de Zambézia em


Moçambique.

162
E, continuando a reconstrução das imagens do seu passado,
aponta que entre as inúmeras qualidades que lhe foram transmitidas
por seu avô estão “a bravura no trabalho, a honestidade, o prazer de
ser lavrador, pescador e de não gostar de preguiçosos, porque eles
se tornam invejosos e perigosos”. Para ele, “os invejosos são pessoas
que geralmente não querem trabalhar, nem deixam que os outros tra-
balhem a vontade”. Por isso, os valores como “honestidade e caráter”,
que lhe foram inculcados por seus avós, são “preciosidades” que ele
“não trocaria pelo diploma de nenhum doutor”, pois “não adianta ser
doutor e ser desonesto” como “aquelas autoridades que estavam a
subornar as populações pela travessia de barco e em tempo de sofri-
mento”. Mundhimua, visivelmente emocionado pela tristeza que vem
nos seus olhos, lamenta acrescentando que “o governo enviou-lhes
para socorrer o povo nessa travessia do rio e, eles cobram dinheiro
a esse mesmo povo que está precisando de ajuda”. “É para isso que
a escola dos doutores serve?” “Eu ensino aos meus filhos e netos, já
tenho dois netos [risos...], os valores que os meus avos me ensinaram”.
O mais impressionante nas suas falas, Mundhimua, faz uma ponte
interessante no território escolar em atravessamento, ligando o cami-
nho da casa à escola dos seus filhos e dos futuros netos, ao afirmar
que “quando os meus filhos vão a escola, lembro-lhes sempre para que
não se esqueçam dos “ensinamentos” de nós, pais. “Não é para nos
desprezar, nem para ficar contra nós com essas coisas modernas, mas
é para nos ajudar a pensar sobre a nossa vida e a dos outros da comu-
nidade e do nosso país”. É isso que eu espero da escola. Concluiu.
Segunda narrativa: história de alfabetização e vivências de bibi
Depois da história de Mundhimua, atravessei-me com outra, con-
tada indiretamente, mas que vale a pena acompanhar. Era uma vez,
um sujeito que atravessou os tempos “coloniais e pós-coloniais”. Esse
sujeito era e continua sendo visto como uma fonte de inspiração, um
exemplo de luta anticolonial, uma história de vida que nos ensina a ser
educadores generosos, mas também a questionar como a nossa escola
prepara as pessoas para vida e ao mesmo tempo como ela própria é
produtora de “analfabetos”.

163
Em uma conversa sem importância, escutei a história de genero-
sidade de Bibi, uma educadora de jovens e adultos que se tornou
analfabeta com o tempo. Informaram-me que ela ainda está entre nós,
mas gradualmente vai atingindo seu fim, a sua memória está se apa-
gando, lembrando-se apenas da felicidade que sente por ter cumprido
um dever de cuidar dos outros por meio da educação em diferentes
espaços e tempo.
A jovem Bibi, como carinhosamente lhe chamam, aprendeu a ler e
escrever as primeiras palavras em língua portuguesa na casa de um
colono português onde a sua mãe trabalhava. Conta que aprendeu
a ler imitando outros que liam, até que despertou atenção da mãe e
dos donos casa, que decidiram lhe inscrever na escola para assimila-
dos. Foi nessa escola que Bibi frequentou até a 4ª classe do sistema
colonial de ensino, nível que lhe deu a possibilidade de ser professora
nas escolas das zonas libertadas durante a luta de libertação nacio-
nal. Tarefa que perdurou até a primeira década após a independência
nacional de Moçambique. Os anos se foram, a Bibi formou parte dos
vários alfabetizadores, educadores e professores que orgulhosamente
proclamaram e proclamam a este sujeito como símbolo de luta e
generosidade.
Uma história de leitura e escrita que aconteceu na esponta-
neidade, de forma pura, original, lúcida e apaixonada. Foi uma
experiência, entendida como “aquilo que nos toca, que nos acontece
[...]” (LARROSA, 2014, p.10). Pois, não teve formação para ser profes-
sora, mas também iniciou a ler e escrever antes de ir a escola. Mas o
que me chamou mais atenção nessa história de Bibi é a forma como
ela ao longo do tempo foi perdendo os domínios de escuta e fala de
leitura e escrita em língua Portuguesa, como se em algum momento
de sua vida não tivesse usado, essa língua, essa linguagem. Mas, ela
escuta e fala, lê e escreve em sua língua materna! O que terá acon-
tecido com Bibi? Fica a questão que nos próximos textos continuarei
com esta história.
Esta experiência da Bibi me remeteu a duas ideias fundamentais. A
primeira é a de formação docente, tendo em conta a sua subjetividade,

164
sua história de vida. Pois, “as concepções sobre práticas docentes não
se formam nos cursos de formação, encontram-se enraizadas nos con-
textos e histórias individuais que antecedem até mesmo a entrada na
escola e estendendo-se por toda avida”. (CASTANHO, 2002, apud
LODI, 2010, p.37). Por isso, estes autores afirmam que a nossa iden-
tidade pessoal e profissional é um emaranhado de todas as relações
vividas, que se cruzam e produzem múltiplas ambiguidades e contra-
dições e que vão se entrelaçando, tecendo, trazendo à tona todos os
momentos de alegrias, tristezas, harmonia, tensão, dúvidas, realiza-
ções, desânimos, conquistas que fazem parte de nossa vida, desde
que começamos a nos fazer como pessoas.
A segunda seria provavelmente a que dá primazia as práticas que
definem a educação de jovens e adultos, na vertente da escolariza-
ção. Paiva (2006) refere que por muito tempo, e até hoje, continuam
compreendidas no âmbito do atendimento aos que não sabem ler e
escrever, privados da rede de conhecimentos que se produz, se orga-
niza se dissemina, se socializa por meio da escrita, sem que o acúmulo
de experiências se associe a sucesso, na luta “contra o analfabetismo”.
Seria esta uma situação que nos faz pensar na necessidade de pro-
por programas de alfabetização e educação de adultos que propicie
a aprendizagem ao longo da vida? Em relação a esta questão Paiva
(2006a) revelou-me que este seria o verdadeiro sentido da educação
de jovens e adultos, que ressignifica processos de aprendizagem pelos
quais os sujeitos se produzem e se humanizam, ao longo de toda a
vida, pois, não se restringe à questão da escolarização, e muito menos
da alfabetização.

Tecendo conclusões para iniciar o debate

O processo de alfabetização e vivências de Mundhimua e da Bibi


nos revela histórias de acesso à cultura escrita que aconteceram na
espontaneidade, pela curiosidade, e talvez até de forma original,
lúcida e apaixonada. Pois, não teve formação para ser professora, mas
também iniciou a ler e escrever antes de ir à escola. Mas ao longo do

165
tempo foi perdendo os domínios de escuta e fala de leitura e escrita
em língua Portuguesa, como se em algum momento de sua vida não
tivesse usado, essa língua. Mas, “ela escuta e fala, lê e escreve em sua
língua materna”
Portanto, essas histórias nos remetem invariavelmente a pensar os
modos como têm sido desenvolvidos os programas de alfabetização.
Daí que levanto questões de reflexão sobre a centralidade da alfabe-
tização escolarizada: O que terá acontecido com a Bibi? Poderíamos
aventar a hipótese de que o não uso social da prática de leitura e
escrita teria lhe desabilitado? Ela parece não revelar problemas de
saúde. Seria o problema da idade dela? Ela tem 76 anos de idade. Mas
ela lê sua língua materna. Faria sentido pensarmos na transferência de
habilidades de leitura e escrita de português para sua língua materna,
já que continua lendo e escrevendo nessa língua? Felizmente, o sr.
Mundhimua continua a ler e escrever, esperando por uma oportuni-
dade para continuar com os seus estudos no curso noturno. Seria fato
de acesso continuo da leitura e escrita que tem mantido Mundhimua
com as suas habilidades?
Parece evidente afirmar que a disponibilidade de materiais impres-
sos não é suficiente, mas influencia o surgimento de oportunidades
para acessar ou perder as práticas de leitura e escrita vice-versa. E
que “o acesso a escrita se refere a situações em que o sujeito se posi-
ciona frente a outros leitores e escritores e às oportunidades para
aprender a ler e escrever” como descrito por Kalman (2009, p.73).
Conforme esta autora, a presença do material, não promove leitura,
é a circulação destes e seu uso nas mãos dos leitores é que estimula.
Daí a necessidade de compreender o que faz com que os sujeitos a
procurem.
Com base nas histórias contadas no texto, fica a impressão de
que a prática de leitura e escrita pode-se dar tanto antes, durante
ou depois de alfabetização, dependendo do conceito e sentido que
cada aluno cria sobre a escrita quando entra em contato com a escola.
Daí que se pode questionar quanto é (in) útil quando o processo de
alfabetização não se contextualiza com o alfabetizado. E quanto é (in)

166
útil o letramento sem alfabetização. Talvez faça sentido pensar que a
alfabetização precisa trilhar outros caminhos de modo a tornar-se um
processo de redescoberta de um modelo social, de uma cultura, em
que a escrita faz sentido.
Em suma, as duas histórias descritas no texto, por um lado, nos
possibilitam reconhecer que os processos educativos de pessoas
jovens e adultas, extrapolam o contexto escolar e de ensino. Por um
lado, reabrem o espaço para repensar e questionar os modos pelos
quais o processo de alfabetização tem sido proporcionado a esses
sujeitos, por outro, revelam pistas e caminhos que precisam ser mais
explorados na educação de jovens e adultos.

Referências

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Fontes, 2000

BIESTA. Gert. Além da aprendizagem: educação democrática para um


futuro humano. Belo Horizonte: Autentica, 2014.

COOK-GUMPERZ, Jenny; et al. A construção social de alfabetização. 2ª


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DIAS, Hildizina Norberto. As desigualdades sociolinguísticas e o


fracasso escolar; Em direção a uma prática linguístico – escolar liberta-
dora. Maputo: Textos Editores, 2006.

KALMAN, Judith. O acesso a cultura escrita: participação e apropriação


de conhecimentos em eventos cotidianos de leitura e escrita. In: PAIVA,
Jane; OLIVEIRA, Inês Barbosa (orgs.). Educação de jovens e adultos.
Petrópolis, RJ: DP et alii, 2009.

LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte:


Autentica Editora, 2014.

167
LODI, Ivana Guimarães. Um olhar sobre formadores de formadores:
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SKLIAR, Carlos. Desobedecer a linguagem: Educar. Belo Horizonte:


Autêntica Editora, 2014.

168
Structure of violence in Pakistani Schools:
a gender based analysis

Jamil Ahmad Chitrali (University of Peshawar, Pakistan)

In Pakistan, school system is divided into three tiers. Primary scho-


ols; enroll and retain students from grade 1 through grade 5, followed
by enrolment in middle schools; (grade 6th to grade 8th) through to,
high schools; (grade 9th to grade 10th). In addition to this, there are
higher secondary schools, replacing high schools in most cases, which
offer enrolment from grade 9th to grade 12th. This last tier is not con-
sidered as the fourth one because there is no school exists in the
country which offers only grade 9 to 12 educations but this is mostly an
attachment or part of school or college to have students beyond grade
10. The concept was to extend schooling to twelve grades from 10 and
colleges only to deal with four years bachelor program that others call
undergrad.
Pakistani schools, in terms of their internal environment and enrol-
ment-related aspects exhibit multiple issues and problems that we are
going to discuss briefly to make a case. In Pakistan, addition to public
schools, private schools also provide education, which until the begin-
ning of 1990s were only few but since then have mushroomed quite
well. The private primary schools have grown more than the middle
or high schools. Despite efforts at improving public sector schools’
performance1 their performance is quite low, rather degenerating, in

1 Since the holding of ‘All-education conference (1947) a number of Commission have been for-
med, e.g. The Commission on National Education (1959), National Education Policy (1970),
National Education Policy (1979), and National Education Policy (1992), and Education Sector
Reforms as part of Devolution of Power (DOP) various commissions such as 1959 Commission on
National Education,

169
comparison to private sector schools. Absenteeism of teachers, high
dropout rates, low completion rates and high repetition rates, and
inequalities of gender, power, class, geography have been identified
as persistent problems (Shah, 2003). With teacher-to-student ratio of
40:1 in government primary schools (Witte, El-Bassel, Gilbert, Wu, &
Chang, 2010) in a culture of authoritative teaching techniques it is not
unsurprising to know that it is more damaging for children to be in
schools than to be out of it; the luckier school students – against the
unfortunate children herding animals or scavenging – sitting for hours
in congested and crowded environment (Montero, 2010)2 and being
subject to punishment for minor actions such as moving or speaking in
class-room, stunt their mental, emotional and physical growth (DFID,
2000: 12-13). Around 20,000 public schools do not have adequate
facilities such as toilets (Montero, 2010).
According to Population Council Report (Council, 2009, p. iv)
children attending primary schools are only half of the total schooling-
going age children, in secondary schools only quarter of the cohort
are in schools and just 5 % of got higher education. Moreover, wide
gaps exist in enrolment rates in rural and urban areas. At primary level
the enrolment gap between rural and urban areas is 20%, which more
than doubles at middle level (41.4%), finally reaching 50% at Matric
(high school) level. A more striking fact is that 14 % of girls are enrolled
in primary schools and just 8 % girls are enrolled at middle schools
(EMIS, 2011: 22). In Pakistan, gender differences in school attendance
exist in all provinces and in urban and rural areas (Sathar, Lloyd, Mete,
& ul Haque, 2003). According to Sathar’s (2003) findings the percen-
tage of respondents attending school increases with higher levels of
socioeconomic status. There is relatively small difference in the gap
between male and female school attendance in urban areas. Moreover,
she found that poverty, especially in urban areas, is a major explana-
tory variable for differences in school attendance for females in urban

2 Montero, Pakistan: The Lost Generation

170
areas: in comparison to 88 percent of female adolescents from the
highest income group only 23 percent of female adolescents from the
lowest income group reported to have attended school. Thus, in the
context of urban areas, class rather than gender seems to explain dif-
ferences in school attendance for girls. However, in rural areas the
number of males completing middle school is more than twice the num-
ber of females, which means that gender differences are more clearly
pronounced: ‘… only 13 percent of young female students in rural areas
complete middle level compared to more than four times that propor-
tion in urban areas’ (Sathar, 2003: 50). Although school attainment
rates are higher for males in urban areas as well but the gender diffe-
rences are not that striking as they are in rural areas. Overall, Sathar
(2003) concludes that ‘… fewer than half of all young females aged
15-24 years have ever enrolled in school. Of those who are fortunate
enough to gain some education, more are likely to drop out of school
at an earlier class than their male counterparts. This pattern of low
enrollment for females is magnified at the lowest socioeconomic stra-
tum’ (Sathar, 2003:57-58).
In 2000 as part of Devolution of Power (DoP) program for transfor-
ming local government system, the government of Pakistan initiated
Educational Sector Reforms (ESR) for the purpose of ‘comprehen-
sive literacy and poverty reduction, expansion of primary elementary
education, introduction of technical stream at the secondary level,
improving the quality of education through teacher training, forming
public private partnership’ (Shah, 2003: iv). The situation, however, is
anything but better.
As of 2005, some 33 % of children were enrolled at private schools
in Pakistan (Amjad & MacLeod, 2012). The mushrooming of private sec-
tor schools may generally be seen as a sign of overall improvement in
living standard of the people and as ground for supposition that school
environment there might be qualitatively more sophisticated. However,
besides the fear that it is leading emergence of class divisions and rifts
in terms of employability, creativity and civic engagement their internal
dynamics are strongly linked to gender issues. For instance, the largest

171
bulk of students in private schools are boys; only a handful of families
would like to send their daughters to schools. This gender discrimina-
tion from family side emerges out of socially shared belief that sons
are future/old age insurance while a girl’s education in private school
is devalued because she would have to move to husband’s house after
marriage and hence won’t be of that much help to parents (Aslam,
20063). According to UN (20054), 40% of government schools and 35
% of private schools use corporal punishment. One should not expect
violence-free schools in a state that legalize corporal punishment and
does not have legal safeguards against sexual harassment. According
to Section 89, Pakistan Penal Code 1860 (XLV), parents, teachers and
guardians of children are empowered to use “MODERATE CORPORAL
PUNISHMENT” as a means to discipline children under the age of 12
years (Jones et al., 2008)5. As stated above, because there are no laws
safeguarding children against sexual abuse, Plan International (2008)
reports to have documented 2500 complaints of sexual abuse against
children between 2002 and 2003.
In Pakistani culture, mobility is more, and severely constrained for
females than it is for males. Although it is hard to see, but in case,
if both the genders are equally (un)constrained, there are yet other
important gender dimensions administered to young people by the
adults. For instance, once permission is given for outside activities
(play, sports, clubbing etc.), young males can move outside home
unaccompanied but for young females it is compulsory not to move
unaccompanied. Reasons for gender differences in mobility could
be many but, the issue of religion or more specifically, the cultural
interpretation of religious values and beliefs seem to a major reason.

3 Aslam, M. (2006).The Quality of School Provision in Pakistan: Are Girls Worse off? Retrieved on
July 8, 2011, from http://www.gprg.org/pubs/workingpapers/pdfs/gprg-wps-066.pdf
4 United Nations (2005) Violence against children: regional consultation in East Asia and the
Pacific.Geneva: United Nations. In the Painful lessons report.
5 Jones, N., Karen Moore, Eliana Villar-Marquez, and Emma Broadbent (2008), ‘Painful Lessons:
The Politics of preventing sexual violence and bullying at school’, London: ODI.

172
According to Khan (2004: X), the imposition of uni-dimensional and
monolithic version of Islam led to emergence of an ideology that has
contribute towards severing mobility for females. Elaborating the argu-
ment, He (Khan, 2004) contends that the injunctions to keep female
body covered and hidden and the injunction, to move less in society
and the socially created need ‘…“protect” it from the gaze of outsiders,
the fear of its being violated by strangers. These are terms in which
men perceive the female body and legislatures, dominated by men,
make laws to protect themselves from the havoc that may be wrought
upon society if the fitna6 located within the female body were to rele-
ase’ (Khan, 2004: 10). Such restrictions have serious implications for
the attainment of education, accessing health services, opportunities
for job/work, as well as for recreation and social networks for young
females. In her survey about gender dimension of parenting, Sathar
(2003) found that places that parents consider unsafe for young males
and females vary. Similarly, parents’ fears and reasons for justifying
restrictions on the mobility of young males and females also vary. For
example, with respect to young males, parental fear circles around the
notion of personal safety that is whether they might get physical harm
or not. However, with respect to females, the notion of fear is broader
than the mere concern for their physical safety: the concern mainly
centers on the notion of family reputation and family honor due to loss
of virginity of girls (Sathar, 2003: 40-41). The differences in conception
of mobility have implications for school attendance, which, for exam-
ple in 2001, remained 84 percent for male and 54 percent for female
adolescents in 2001 (Sathar, 2003: 40-41).
The social values of devaluing girls’ education out of concern that
they would shift to another house after marriage (Council, 2009) is
perhaps the worst form of violence. Such ideational construct around
the girls’ education supposedly mean that no matter what happens to
a handful of enrolled girls in and around school, parents or community

6 Translated here as social and moral degeneration leading to violence due to instigation of sex.

173
at large would turn blind eye to their problems. This perhaps explains
the reasons regarding lack of studies on girls’ harassment in and
around school. Inside schools the authoritarian teaching methods,
punishment and humiliation of children are factors associated with
non-attendance and high dropout rates of children from schools in
Pakistan (Watkins, 1999: 75)7. It should also be noted that though no
estimates exist as to how much girl students suffer from sexual haras-
sment in and around schools but at least this much is known that most
parents would not send their daughters to schools because safeguar-
ding girls’ virginity is socially considered as equivalent to safeguarding
family honor (UNFPA, 2000)8.
The gender based violence in schools and outside, especially sexual
harassment, has a religious and minority dimension to it as well. For
instance, in many parts of Khyber Pakhtunkhwa province of Pakistan
there was and is a myth that to have sex with a sweeper girl9 cures
backache. Such mythical beliefs trigger risky behavior among boys who
would not hesitate from sexual violence against girls in schools as well
as outside schools. This phenomenon also relates to the issue of ter-
rorists’ development in Pakistan. The anecdotal evidence and media
inspired theory suggests that it is madrasah-system and its curricula
that prepare students for terrorist activities. The madrassah which
cater for 2 million annual of the school going children constitute 6% of
total school going children in Pakistan. If you consider a child of age 6
to be in school, in Pakistan 4.5 million is the figure that are not going
there and 3 million of them are girls. If you count on total under 15 age
children going schools, Pakistan has a large number of 25 million out of
school in this age bracket out a total expected population of 63 million

7 Watkins, K. (1999), ‘Education Now: Break the Cycle of Poverty’, Oxford: Oxfam
8 UNFPA (2000), ‘State of World Population Report, the Widespread violence against women in
Africa documented, http://www.afrol.com/Categories/Women/wom003_violence_unfpa.htm
accessed 23rd April, 2010
9 Cleaning is considered low status job especially public services and hence are mostly performed
by Christians in Pakistan being minority

174
(35% of the total population which is 180 million). Both Madrassah
and School going in total constitute only 54% of the school going age
and that makes it 36 million totals in number (Fair, 2014). Madsarrah
education in Pakistan is considered to constitute 5% of total formal
education enrollments. But before that it is important to note that the
ASER (2014) Report published in January 2015 says:

In 2014 both at the rural level only 37% girls were


enrolled in private schools whereas it was 44% in urban
areas. Overall girls remain marginalized and especially
those from poorest families, in both public and private
schools. A growing concern among households is about
where their children will go beyond the primary level?
When their children are unable to move from primary
to post primary level simply due to lack of schools,
parents begin to make hard and angry choices, with-
drawing children even prior to primary completion as
the future looks very stark and vulnerable for a primary
graduate. In public sector for every 8 primary schools
there is only 1 middle school and for 11 primary schools
there is only 1 secondary school at the National level
(ASER, 2014: 8-9).

However, Christine’s (2007: 100) qualitative study on profiling of


suicide-bombers suggests that out of total educated youth (males)
some 70% are educated in public schools of Pakistan. According to
Christine (2007) more than 60 % of suicide-bombers in Pakistan had
some form of formal (public) schooling.
The education system in Pakistan is not limited to public school
system both in private and public sector. It is more than that. The
question is where these 25 million (estimated figure) children go. Why
they are called child labor, if they are? if no alternative is available to
seek professional or vocational education at all? I share a couple of
tables from my research to make it a case in formal education sector
before dealing with these questions.

175
Table 1: Gender-based Distribution of Government and Private High
Schools in Selected Districts
Peshawar* Mardan**
Gender
Government Private Total Government Private Total
Boys 103 329 432 85 122 207
Girls 50 232 282 50 82 132
Total 153 561 714 135 204 339

Sources: *Result Gazette: Secondary School Certificate 9th, 2012 Annual, Board of
Intermediate and Secondary Education, Peshawar. Khyber Pakhtunkhwa

Table 2: Gender Based Distribution of Students in Government and Private


Schools in Two Districts of Khyber Pakhtunkhwa Province of Pakistan

Sources: *Result Gazette: Secondary School Certificate 9th, 2012 Annual, Board of
Intermediate and Secondary Education, Peshawar. Khyber Pakhtunkhwa

As table 1 and 2 shows in District Peshawar the total 29340 stu-


dents study at 714 Schools, out of them 432 schools for boys and 282
are girls’ schools. Out of these total 714 schools 561 are private scho-
ols and 153 are government Schools.
In District Peshawar the average number of students per in Grade
10 per school is thus 41.09 however if it is divided on single variable i.e.
public and private; 82.41 students in grade 10 per school is in gover-
nment sector and 29.82 in private sector. In District Mardan a total

176
of 20006 students observed study in grade 10 at 339 Schools. Out
of them 207 schools are for boys and 132 are for girls. Total private
schools are 204 and 135 government Schools. In District Mardan the
average number of students in grade 10 per school is 59.01 however, if
it is separated 115.11 average students in grade 10 per school in gover-
nment sector and 21.85 in private sector.
Gender based segregated data however, shows that schools both
in public and private sector for female are half of those for male in the
two districts. Similar are the facts for gender based enrollment.
Summery
We need to consider some important facts to deal with the pro-
blem of Education, Gender, Radicalization, Documentation of Economy
and Democratization of institutions through a program of Education
Reforms in Pakistan as a one package. We need to consider out of
box, research based indigenous solutions. With densely populated
schools and poor infrastructure available you cannot just put in more
25 million, nor can you let them wait till the schools are build and
teachers are employed, let the quality of education, poverty, lack of
interest from parents, training of teachers compromised.

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ASER, F. (2015). Annual Status of Education Report, ASER Pakistan 2014.


South Asian Forum for Education Development, Lahore, Pakistan

178
Heteronormatividade e os modos curriculares
de produção do gênero1

Marcio Rodrigo Vale Caetano (FURG)


Treyce Ellen Silva Goular (FURG)
Marlon Silveira da Silva (FURG)

O sexual do corpo: aspectos teórico-metodológicos

Dados os espaços interativos, possuímos - em qualquer que seja


o lugar em que vivemos – um entendimento do que seja homem ou
mulher. Esta situação nos permite afirmar que atualmente o enten-
dimento sobre o sexo está capilarizado. Ele criou e legitimou marcas
e se tatuou nas corporalidades. Sua inscrição, ainda que fragilizada,
encontra-se na divisão social do trabalho e constituição legal de
vínculo afetivo-sexual. Essa visão, muitas vezes binária, é fruto dos
instrumentos que nos educaram e que nos auxiliaram na construção
singular de nossa ideia de masculino e feminino, os chamados gêneros.
Uma vez que estas formatações afetam as formas como historicamente
os coletivos de sujeitos/as tem estabelecido relações dentro dos sis-
temas democráticos, propomos com este ensaio algumas provocações
aos modos como dinâmicas binárias e hierarquizantes tem se articu-
lado nas noções de cidadania.
Todas as considerações permitem reafirmar o ensaio como uma
dissertação pouco extensa, na qual o/a autora/pesquisador/a cons-
trói o seu objeto através de um encadeamento de raciocínios lógicos

1 Versão ampliada e revisada de artigo submetido à Revista Atos de Pesquisa em Educação


- FURB.

179
e fundamentados que estruturam sua argumentação. Mary Rangel
(2007) argumenta que do ponto de vista semântico, pode-se compre-
ender o ensaio como uma dissertação mais curta e menos metódica do
que um tratado formal e acabado. Esse desenho, em princípio, menos
rígido e mais flexível de encaminhamento de análises e proposições
que suscitam e sugerem continuidade, seja para confirmações, seja
para questionamentos, encontra também respaldo em outros autores,
a exemplo de Manuel da Costa Pinto (1998), quando se refere ao seu
próprio estudo como “provisório e aberto”.
Ainda, de acordo com o estilo ensaístico, a dissertação não se
encerra nos limites de seus termos e proposições. Ao contrário, a
inconclusão de um ensaio tem o especial valor de suscitar e sugerir
outros prosseguimentos. Assim acontece com este ensaio, sua temá-
tica se centra em debater a tríplice “gênero, sexualidade e currículo”,
constituindo-se numa sugestão ao debate aos/às pesquisadores/as,
esperando-se persuadi-los/as a considerá-la em suas investigações
e análises, seja para encontrar novas perspectivas, seja para confir-
mar ou refutar as que este ensaio lhes oferece, através da construção
de seus argumentos. Tendo feito esse esclarecimento, dividiremos o
artigo em dois momentos. Em um primeiro exercício, traremos à dis-
cussão alguns tensionamentos sobre as produções discursivas em
torno das caterias de sexo e gênero. Em seguida, faremos algumas
provocações sobre como os arranjos do eixo sexo-gênero-sexua-
lidade estão implicados em relações de poder que afetam nossas
performances afetivo-sexuais e os movimentos curriculares na escola.
Com usos distintos entre as correntes teóricas, o conceito de
gênero não foi uma invenção feminista. Antes de Gayle Rubin utilizá-lo
para analisar o tráfico de mulheres em 1975, ele já se encontrava na
obra de Robert Stoller: Sex and Gender, publicada em 1968. A releitura
deste conceito pelas feministas está inserido em momentos históricos
de alterações sociais substanciais, a exemplo da inserção de mulheres
brancas e de classes medianas no mundo do trabalho formal. Ao pon-
derar o sexo como questão a se explicar, em vez de entendê-lo como
dado, o conceito de gênero trouxe ao plano prático-teórico-prático as

180
diferenças sexuais na agenda de investigações acadêmicas e de ela-
boração de políticas públicas.
Como não bastasse, a emergência do conceito de gênero inscrevia-
se em um processo que tornava visível uma relação social marcada
pela desigualdade investigativa entre mulheres e homens. Ao reto-
mar, em outros moldes, velhas questões (a exemplo da participação
de mulheres nas decisões políticas ou sua presença nos grandes feitos
da humanidade), o conceito de gênero deu lugar, mais recentemente,
a uma perspectiva crítica sobre a produção dos saberes em diversas
disciplinas das ciências. Conforme podemos observar, a categoria de
gênero reemerge com as feministas como um dispositivo para pro-
blematizar as desigualdades orientadas pelas diferenças sexuais e,
sobretudo, como um contrato epistemológico para produzir conheci-
mento frente aos saberes hegemônicos que buscava justificativas para
limitar a cidadania a determinados tipos de homens: proprietários,
brancos, classe-média, heterossexuais e judaico-cristãos.
A palavra sexo é correntemente usada para designar o órgão ana-
tômico sexual e a relação genital entre pessoas, incluindo ou não a
penetração. Mas, nesse texto, iremos entendê-la como um feito social
marcado pelo significado cultural. Se aceitarmos o entendimento sobre
o corpo como uma situação cultural, então, a noção de corpo e sexo
natural se faz cada vez mais suspeita. Enquanto dispositivos de subje-
tivação e de governamento, entendemos que os discursos produzidos
em torno do gênero e do sexo (re)produzem representações sociais,
que uma vez construídos pela linguagem, ganham significado na cul-
tura, subjetivando os sujeitos e, com isso, classificando-os. Segundo
Furlani (2005), “a representação é o modo como os significados,
construídos e atribuídos pela retórica e pelo discurso, dão sentido e
posicionam as diferenças, as identidades, os sujeitos, num processo
que é fundamentalmente social, histórico e político”. Daí a importância
de pensá-las (as representações) enquanto categorias produzidas e
inventadas. Mais do que isso, questionar aqueles que falam, por que
falam e de onde falam ao produzirem uma determinada identidade. A
respeito deste aspecto, Tomaz Tadeu da Silva (1999) ressalta:

181
Tanto a educação quanto a cultura em geral estão
envolvidas em processos de transformação da identi-
dade e da subjetividade. (...) através dessa perspectiva,
ao mesmo tempo que a cultura em geral é vista como
uma pedagogia, a pedagogia é vista como uma forma
cultural: o cultural torna-se pedagógico e a pedagogia
torna-se cultural (SILVA, 1999, p. 139).

Diante disso, entende-se que, se não existe uma essência “natu-


ral” sobre o gênero, tampouco existe sobre o sexo e, muito menos,
sobre as sexualidades. O que se tem são construções discursivas que,
ao serem criadas histórica e culturalmente, estabelecem performances
sociais aceitáveis para o que entendemos e assimilamos como homem
e mulher. Da mesma forma, será elaborado performances para aque-
les/las que se opuserem à essas performatividades normativas, como
no caso dos/das homossexuais. Uma das grandes contribuições da
filósofa estadunidense Judith Butler, pode se dizer, foi trazer a própria
biologia para o campo das construções sociais.

Embora segundo Beauvoir nos ‘tornemos’ nossos gêne-


ros, o movimento temporal desse tornar-se não segue
uma progressão linear. A origem do gênero não é tem-
poralmente descontínua precisamente porque o gênero
não é originado de repente em algum ponto do tempo
depois do que assume forma definitiva. Sob importante
aspecto, o gênero não é historiável a partir de uma
origem definível porque, por sua vez, é uma atividade
originante que acontece sem cessar. Já não mais enten-
dido como um produto de antigas relações culturais
e psíquicas, o gênero é um modo contemporâneo de
organizar normas passadas e futuras, um modo de nos
situarmos e através dessas normas, um estilo ativo de
viver nosso corpo no mundo (BUTLER, 2003a, p. 142).

Importante ressaltar também que, no cerne desta contínua


atividade originante citada por Butler, também encontra-se as confi-
gurações hierarquizadas entre as mulheres. Se nos debruçamos sobre

182
as colonialidades, ou seja, as continuidades nas relaçoes de poder
engendradas após o fim do colonialismo oficial, é necessário conside-
rar a racialização e generificação enquanto fatores que contaminam e
determinam tais relações. Sendo assim, o que buscamos apontar com
esta provocação é que nosso colonialismo e nossa colonialidade nos
denunciam, a partir da construção ativa da desumanidade de negras e
indígenas, em contraponto, a afirmação do gênero apenas às mulheres
brancas. Nestes termos, o diformismo sexual aplicado a indigenas e
negras/os nos informa sobre o sexo enquanto construção discursiva e
atravessada de outras representações. Então, com este diálogo, pen-
samos que tanto gênero como o sexo parecem ser questões culturais.
Se o corpo, seu sexo e sexualidade são ficções, isso parece nos dizer
que sexo foi gênero todo o tempo (BUTLER, 2003a) e que para sua per-
formance é exigido o mínimo de liberdade para excitar a criatividade.
Com a liberdade criativa, a sexualidade fala muitas linguagens, se
dirige a muitos tipos de pessoas e oferece uma cacofonia de distintos
valores e possibilidades (WEEKS, 1998). Com elas, os sujeitos e insti-
tuições são capazes de inventar identidades, desejos, práticas... que
acabam por fragilizar qualquer certeza e nos denunciam que mesmo
com toda a tentativa de regular, de domesticalizar os corpos ou deter-
minar as práticas pedagógicas em situação de liberdade, o sujeito é
mais rizomático.
A liberdade nos aproxima da compreensão de Foucault (1997)
quando nos convida a refletir sobre o poder como algo que permeia
todas as relações, ou seja, está difundido e capilarizado nelas. O poder
entendido a partir de práticas ou de relações implica também práticas
de resistência, não a partir de um lugar privilegiado, mas exercida den-
tro das diferentes redes de relações entre sujeitos/as e instituições.
Ou seja, onde há poder, existe possibilidades de resistência.
Para Foucault (1997), saber e poder inserem-se em uma mesma
relação, em que nem todo saber detém o poder, e nem todo o poder
detém o saber, mas para o poder funcionar é necessário acionar os
chamados regimes de verdades. Dito de outro modo, é necessário a
produção de uma série de discursos que estabeleçam “a verdade”, e

183
que vão autorizar que certas coisas sejam ou não pensadas e ditas.
Sendo assim, a produção dos saberes e a produção “da verdade”
estão diretamente ligadas ao exercício de poder, da mesma forma que
o poder não pode ser exercido sem a produção desses saberes. Logo,

Nenhum saber se forma sem um sistema de comunica-


ção, de registro, de acumulação, de deslocamento, que
é em si mesmo uma forma de poder, e que está ligado,
em sua existência e em seu funcionamento, às outras
formas de poder. Nenhum poder, em compensação, se
exerce sem a extração, a apropriação a distribuição ou
a retenção de um saber. Nesse nível, não há o conheci-
mento, de um lado, e a sociedade, do outro, ou a ciência
e o Estado, mas as formas fundamentais do “saber-po-
der” (FOUCAULT, 1997, p. 19).
Nessa direção, é necessário pensarmos o poder para além da rela-
ção entre indivíduo e um saber específico, mas o indivíduo inserido
em um contexto de população, sendo parte de um corpo social. Por
isso, a sexualidade é tão temida e é capaz de gerar tantos discursos
na escola, na ciência, na religião... sua estreita relação com a liber-
dade amedronta as pobres almas da arrogância porque fragiliza suas
verdades e certezas. “A sexualidade não segue as regras da cultura,
mesmo quando a cultura tenta domesticar a sexualidade. Podemos
insistir que a sexualidade é a própria alteridade” (BRITZMAN, 2001, p.
89. Tradução livre).

Criação e tensão com a escola

Alguns sujeitos argumentam que sexualidade não se configura nos


currículos e que, portanto, ela não se encontra entre as prioridades da
escola. Essa afirmação nos revela duas situações: o desconhecimento
das relações e práticas cotidianas da escola e as dimensões assumi-
das do conceito de sexualidade.
A situação em que se encontra o eixo gênero-sexualidade na escola
favorece os movimentos heteronormativos, as tensões curriculares e

184
acaba por consolidar a sexualidade como uma “scientia sexualis”2,
como nos descreve Foucault (1988). Na perspectiva do autor, haveria
duas formas de apropriação da sexualidade por saberes, uma via “scien-
tia sexualis”, como já dito, e outra através da “ars erotica”. Enquanto
que, na última, o prazer, a curiosidade e a subjetividade encontram-se
na agenda de discussão e na experiência; para a anterior, a narrativa
seria conduzida pela cientificidade com ênfase na preocupação com a
reprodução. Cotidianamente, ambas estão presentes e se tensionam
nos movimentos curriculares, entretanto, dada a forma moderna de
organização da escola é indiscutível que a “scientia sexualis” goza de
maior prestígio e reconhecimento escolar.
Esta situação nos faz recordar que quando a sexualidade se con-
verte em objeto do conhecimento e que, por sua vez, suas metáforas
científicas são aplicadas à população, ela gera outros movimentos de
subalternidades e de controles.

Quando tentamos mapear a geografia do sexo [...] ou


quando tentamos ler a sexualidade através de uma teo-
ria favorita, um manual de instrução ou de acordo com
as visões dos chamados especialistas. Quando inserida
no currículo escolar ou na sala de aula universitária
– quando digamos, a educação, a sociologia, a antro-
pologia colocam sua mão na sexualidade - a linguagem
do sexo torna-se uma linguagem na sexualidade – a
linguagem do sexo torna-se uma linguagem didática,
explicativa e, portanto, dessexuada. Mais ainda:

2 Segundo Foucault (1988), a “scientia sexualis” (correspondente ao Ocidente) teria se desen-


volvido a partir do século XIX com a função de controlar os corpos de homens e mulheres. Tal
controle, inicialmente era exercido pelo ato da confissão (poder pastoral), em que a religião se
tornava peça fundamental nesse processo. Posteriormente, no século XX, a confissão foi subs-
tituída pela medicina, onde a Ciência (mais precisamente as Ciências da Saúde) foi a autorizada
a exercer a “verdade” sobre o sexo, instituindo o certo/errado, o normal/anormal. Foi por essa
Ciência e o poder a ela atribuído (poder disciplinar) que nosso sexo foi regulado através dos
saberes por ela produzido e difundidos através de seus discursos sobre os corpos, na maioria
das vezes naturalizando práticas e comportamentos.

185
quando o tópico do sexo é colocado no currículo, nós
dificilmente podemos separar seus objetivos e fantasias
das considerações históricas de ansiedades, perigos
e discursos predatórios que parecem catalogar certos
tipos de sexo como inteligíveis, enquanto outros tipos
são relegados ao domínio do impensável e do moral-
mente repreensível (BRITZMAN, 2001. p. 90).

Se contemplarmos a sexualidade como dimensão da curiosidade,


conforme nos propõe Britzman, é possível ampliar o conteúdo sobre
a sexualidade, ao invés de limitá-la ao ato sexual e, por sua vez, à
reprodução dos seres humanos. Se assim a vemos, o debate sobre ela
se estenderá a toda a vida escolar.
Este ponto de reflexão nos leva novamente ao conceito do erótico
proposto por Audre Lorde e discutido diretamente no âmbito da edu-
cação, por bell hooks. Conforme a primeira autora feminista, o erótico
tem sido frequentemente distorcido em pornográfico, o que para a
autora é exatamente o oposto do que se propõe a prática do erotismo.
Para essa, o erótico é a medida entre o senso de si e o caos do mais
forte sentir.

Temos tentado separar o espiritual e o erótico, assim


reduzindo o espiritual a um mundo de afetos insípidos,
um mundo do asceta que deseja sentir nada. Mas nada
está mais longe da verdade. Pois a posição ascética é
uma do mais grandioso medo, da mais grave imobilidade.
A severa abstinência do asceta torna-se a obsessão
dominadora. E não é uma de autodisciplina mas de
autoabnegação. A dicotomia entre espiritual e político
é falsa também, resultante de uma atenção incompleta
ao nosso conhecimento erótico. Pois a ponte que os
conecta é formada pelo erótico– o sensual–, aquelas
expressões físicas, emocionais e psíquicas do que é mais
profundo e mais forte e mais rico dentro de cada uma de
nós, sendo compartilhado: as paixões de amor, em seus
mais fundos significados (LORDE, 1984, p. 2).

186
Ao vivermos/buscarmos a completude dessa profundidade, é afe-
tada a forma como nos relacionamos com/nesse mundo.

A compreensão de que o Eros é uma força que auxilia


o nosso esforço geral de autoatualização, de que ele
pode proporcionar um fundamento epistemológico para
entendermos como sabemos o que sabemos, habilita
tanto os[as] professores [as] e alunos [as] a usar essa
energia na sala de aula de maneira a revigorar as dis-
cussões e excitar a imaginação crítica (HOOKS, 2013, p.
258).

Por essa razão é que “um dos princípios centrais da pedagogia crí-
tica feminista é a insistência em não ativar a cisão entre mente e corpo
[...] [o que] nos permite estar presentes por inteiro [...] na sala de aula.”
(HOOKS, 2013, p. 256). O erótico, nestes termos é a personificação do
poder criativo... de uma energia criativa empoderada.
O erótico e o erotismo, entretanto, não estão desconectados dos
discursos sobre sexo, gênero e sexualidade e, tampouco das interpela-
ções raciais. Quando Audre faz a crítica com relação à pornografização
da energia erótica, apontando a exploração e ausência de agencia-
mento implicada neste processo, está nos incitando a pensar as
adjacências desta distorção. Uma das facetas deste prisma, reflete as
noções de heteronormatividade que sugerem a necessária existência
de uma hierarquia, de um desajuste entre os poderes das/os sujeitos
envolvidos em uma relação afetivo-sexual. Outra faceta deste prisma,
correlata a essa, é que, quando nos debruçamos sobre os corpos femi-
ninos esses têm, constantemente, sua energia erótica por um lado
enquanto algo a ser controlado, normalizado em direção à satisfação
de corpos masculinos. Neste cenário, a hipersexualização da mulher
negra, por exemplo, constrói seu corpo enquanto público, violável. Por
outro lado, há também os discursos que direcionam esta mesma ener-
gia em relações de cuidado com os outros. Tanto uma representação
quanto a outra implica homens e mulheres em interações obrigatórias
e desiguais, que buscam todo o tempo aprisioná-las/os à reprodução

187
da coerência de sexo-gênero-sexualidade e os papeis sociais decor-
rentes desta. Sendo assim, o projeto de indivíduo subjacente a esta
norma, o/a enquadra em uma relação sempre dicotômica e atomizada,
e o erótico subverte esta construção.
Se o corpo é território, é relevante considerá-lo enquanto contes-
tado, sempre em disputa e disputado, produtor e produto de discursos.
Com Goellner (2007), temos que o corpo é provisório, conjuntural e
histórico, ou seja, não natural. Sendo a naturalidade do corpo um esta-
tuto a ser criticado são também as falas produzidas com/por/sobre
ele. Interrogar os discursos sobre o corpo é salientar sua geração de
hierarquizações quando definem o que é positivo, o que é belo, jovem
e saudável. Tais definições, com Foucault (1987), são atravessadas por
relações de poder que buscam tornar estes corpos úteis, produtivos,
docilizados, inteligíveis dentro de uma lógica dicotômica e normativa.
Estes atravessamentos se dão por meio de métodos disciplinares:
“um conjunto de saberes e poderes que investiram no corpo e nele se
instauraram” (GOELLNER, 2007, p. 35). Estes métodos encontram-se
balizados nos discursos produzidos nas mais diversas instâncias, tais
como ciência, escola, família, mídia, etc. As noções de beleza, juven-
tude, masculinidade, feminilidade (entre outras) que incidem sobre
este corpo são referentes, localizadas e foram se transmudando,
incorporando outros conceitos com o passar do tempo. Sendo assim,
com Goellner afirmamos que o corpo, assim como as configurações
anatômicas que definem/produzem culturalmente homens e mulhe-
res (entre outras categorias de diferenciação), deve ser considerado
enquanto categoria discursiva e, portanto, historicizada.
Com este entendimento, partimos do princípio que transitam mode-
los de gêneros nos currículos e estes projetam a heterossexualidade e
a masculinidade hegemônica3 como norma e referência. Não estamos

3 Pensar em masculinidade hegemônica é se ancorar em algo criado, construído, imaginado,


considerado como padrão e disseminado pelas experiências e pelos discursos e que, a cada
momento, busca ser consolidado nas performances significadas como masculinas. O que quero
dizer, é que independente do contexto social, histórico e cultural, todos nós intuímos, por meio

188
com isso atribuindo à escola o poder e, tampouco, a responsabilidade
de explicar as identidades, nem muito menos de determiná-las. Porém,
reconhecemos que as proposições e interdições realizadas pelas esco-
las fazem e produzem sentidos, além de possuir “efeitos de verdade”
nos sujeitos (CAETANO, 2011).
De forma mais ampla, o conjunto de discursos ou teorias do cur-
rículo deduzem o tipo de conhecimento considerado importante a
partir de descrições sobre o tipo de sujeito que devem constituir a
sociedade. Cada “teoria” leva, em si, para determinado “modelo” de
sujeito e corresponde a determinados tipos de saberes presentes na
organização curricular. Entendemos currículos como as tecnologias
pedagógicas (arquitetura, livros didáticos, vestimentas, mídia, etc.),
que, significadas na cultura e obedecendo a certa lógica de plane-
jamento, constroem, ensinam e regulam corporalidades, produzindo
modos de subjetivação e arquitetando formas e configurações de estar
e viver na escola e, mais amplamente, na sociedade.
Como parte das instituições que interagem e se integram na socie-
dade, a escola tem, em seu interior, sujeitos que trazem de suas
relações mais amplas os saberes que se configurarão nos currículos.
Isto significa assumir que a escola se caracteriza como espaço privi-
legiado de encontro de diversas leituras e conhecimentos do mundo.
Assim, os curriculos, ainda que ausentes de reflexão, não são ações
neutras sem resultados práticos na vida dos sujeitos. Eles são con-
figurados por sistemas de interesses, sejam estes elaborados pelos
sujeitos que estão diretamente nas práticas escolares ou por aque-
les que na gestão orientam/determinam o que deve ser ensinado na
escola. Pensado de outra forma, ao não problematizar em suas agen-
das, planos e conteúdos o quanto somos sujeitos construídos histórico
e culturalmente, a escola já está produzindo e regulando as condu-
tas sexuais dos/das alunos/as. Isso se dá, sobretudo porque aquilo

das práticas educativas que nos formam, uma forma de ser masculino. Essa, por sua vez, é con-
figurada, quase sempre, na negação do que é significado como feminino.

189
que não é dito, o silenciado, também corrobora no processo de sub-
jetivação dos corpos, na maioria das vezes, baseado em concepções
binárias, assimétricas e complementares entre a mulher e o homem: a
heterornormatividade.
A heteronormatividade não somente almeja manter a lógica dico-
tômica e complementar entre homens e mulheres, como também a
degradação social dos sujeitos que buscam subvertê-la. Neste sen-
tido, a homofobia e o machismo são respostas da heteronormatividade
destinada às sexualidades dissidentes ou às mulheres. O sistema
heteronormativo, para se manter na ordem das coisas, necessita se
retroalimentar da lógica sexual binária. Daí, a necessidade de ideo-
logicamente controlar as tecnologias pedagógicas da escola e mais
amplamente da cultura. Nestes pressupostos, articulam-se as identi-
dades e as práticas curriculares.
A homofobia ultrapassa as expressões do corpo e as práticas sexu-
ais desdobram-se nas identidades de gênero. Isto nos leva a afirmar
que somos todos os dias interpelados por determinações regula-
mentares que nos ensinam sobre como devemos avaliar, classificar
e hierarquizar os sujeitos, produzindo, em última instância, relações
assimétricas heterocentradas. Os sistemas normativos operam verda-
des nos discursos e produzem modos de subjetivação que funcionam
como marcos regulatórios de nossos comportamentos e miradas sobre
o mundo.
A heteronormatividade se conecta diretamente com o andro-
centrismo. Em primeiro plano, sustenta a ideia do governo homem/
masculino sobre a mulher/feminino. Em segundo lugar, ao exigir a
tarefa de governo do homem e de governada da mulher, lhes obrigam
a relações intrínsecas e reprodutivas do sistema em uma lógica biná-
ria. Nestes termos, penso que qualquer que seja a análise ou ativismo
político das identidades sexuais que não considere estes dois concei-
tos, estará reduzindo e limitando suas ações à superficialidade, sem
contar, que estará reproduzindo cadeias de governos, alimentando a
manutenção das estruturas que abarcam um ou ambos os conceitos
(CAETANO, 2011; CAETANO; DE GARAY, 2012).

190
As práticas educativas heteronormativas são tão inexpressivas
que raramente as questionamos. A partir dos ensinamentos deixa-
dos por Monique Wittig (2006) sobre o papel político das categorias
mulher e homem4, deveríamos nos interrogar sobre a oposição biná-
ria entre a heterossexualidade e a homossexualidade. Assim como o
ideal de homem universal foi efeito de interesses políticos que buscou
estabelecer ao longo da história uma hegemonia branca, proprietária,
adulta e heterossexual e a categoria “mulher” como o outrem desse
homem; a homossexualidade vem sendo um corpo discursivo alimen-
tado pela lógica heteronormativa e se caracterizando como o outrem
da heterossexualidade. Torna-se necessário atentar para uma altera-
ção político-epistemológica e subjetiva que efetivamente destitua a
lógica binária e seus efeitos sobre o conhecimento e, por sua vez, dos
currículos.
Foucault, ao criticar a configuração binária de poder e o modelo
jurídico de opressor e oprimido, nos oferece algumas estratégias para
a subversão da hierarquia de gênero e ao binarismo homo/hétero. Sua

4 Para Wittig, a heterossexualidade seria um regime político sustentado pela submissão e apro-
priação das mulheres em que, a partir de sua capacidade biológica para gerar filhos/as, procriar,
é colocada num lugar de subordinação, ou seja, a submissão está atrelada à categoria de sexo:
“naturaliza-se a história e se passa a crer que homens e mulheres sempre existiram e sempre
existirão do mesmo modo” (WITTIG, 1992, p. 10-11). Através da naturalização destes fenômenos,
justifica-se o lugar de submissão das mulheres. Compreender o conceito de não-mulher nessa
perspectiva, passa antes pela compreensão de que a categoria “sexo” é uma categoria política
que funda a sociedade enquanto heterossexual. Em outras palavras, a categoria sexo estabe-
lece como natural a relação que está na base da sociedade (no caso, heterossexual) inclusive,
economicamente (divisão sexual do trabalho) e sobretudo no campo do desejo. Tal categoria é o
produto que impõe às mulheres a obrigação absoluta de reproduzir a sociedade heterossexual
(WITTIG, 1992). Nela, o contrato do matrimônio torna-se uma das formas pelas quais os homens
se “apropriam” das mulheres (por lei) e se fazem homens, assim como as mulheres se consti-
tuem em um par complementar e assimétrico intrínseco, uma vez que a esposa pertence ao
marido enquanto pessoa física, tendo que trabalhar sem remuneração, sujeita à violência sexual
e doméstica, entre outras formas de violência e dominação masculina. Sendo assim, a categoria
sexo é o que a autora chama de totalitária, pois é legitimada por instituições como o Direito, a
Medicina e outras tão tradicionais, tanto que, através de seus discursos biologizantes sobre a
natureza dos corpos, exerciam (e ainda exercem) influencia na divisão binária homem-mulher.

191
tática, se assim podemos chamá-la, não é transcender as relações de
poder, mas multiplicar suas diversas configurações de tal modo que
o modelo jurídico de poder como opressão e regulação deixe de ser
hegemônico. Para Butler, essa proliferação auxiliaria no processo de
desconstrução dos sistemas de dominação, uma vez que os sistemas
essencialistas que sustentam o gênero atuam e mascaram os discur-
sos dominantes, tornando-se elementos de opressão. Talvez, desse
ensinamento deixado por Foucault, possamos retirar as bases para
proliferar inúmeras e ilimitadas formas de ser homem e mulher, a tal
ponto que nenhuma seja a “legítima forma” e, tampouco, alguma hege-
monicamente governe o fazer da/na escola.
Parafraseando Deborah Britzman (2005), o direito à liberdade de
exercer a sexualidade e a inventar o gênero se compõe de pequenas
ações cotidianas, mas de profundo significado na organização sócio
-política: o direito a inventar o Ser como possibilidade, a elaborar e
executar o que lhe der prazer e constituir de forma singular o Estar
no mundo, a dignidade, a informação adequada às necessidades, a
formulação de infinitas perguntas e a obtenção de perguntas como
respostas, a adesão ao que socialmente lhe fascina, a curiosidade
sobre o desconhecido e, sobretudo, o direito de amar e com o amor
transformar os dogmas do corpo e, com o corpo, o mundo. Se nos
aproximamos de Lorde, encontramos a necessária ênfase na capa-
cidade de gozar (com e para além de nossas práticas sexuais) como
também prática de liberdade. O erótico, nestes termos, nos descon-
forma frente ao conveniente e, ao mesmo tempo, nos desafia à busca
constante de uma mudança genuína para além das reacomodações de
personagens e relações de poder.
A conquista destes coletivos de direitos exige condições básicas
de vida o que nos leva assumir a sexualidade como principio subjetivo
de profundas dimensões políticas: comida, roupa, moradia, educação
escolar, saúde, democracia, prazer, cidadania, liberdade, auto-estima
e satisfação... vida. Uma democracia sexual necessariamente implica
um processo mais amplo de democratização em que seja desman-
telado definitivamente as barreiras que restringem o potencial e o

192
crescimento individual, tais como: a exploração econômica, a opressão
racial e a desigualdade de gênero, o autoritarismo moral e desigual-
dade de acesso à educação. Isto não implica que desaparecerão ou
deveriam desaparecer as dificuldades, as necessidades e interesses,
os conflitos de prioridade e de desejo. Ao contrário, a meta seria o de
obter o máximo de meios pelos quais estas diferenças e conflitos pos-
sam se resolver democraticamente (WEEKS, 1998).
Quando observamos nossas especificidades coloniais, mais de
vinte anos após o restabelecimento das democracias neoliberais, as/
os sujeitas/os (ex)cêntricos dos chamados novos5 movimentos sociais
de esquerda vêm pautando sua exclusão dentro da democracia. Para
Breny Mendoza, o cerne desta discussão sobre a democracia jaz na
própria erição deste conceito e, portanto, a autora parte da premissa
de que existe uma colonialidade da democracia. Ao analisar critica-
mente, com María Lugones, as teorias decoloniais, sobretudo a partir
de Aníbal Quijano, Mendoza sublinha a naturalização das relações
de gênero e da heterossexualidade na obra do autor peruano. Para
Breny, as mulheres foram, a um só tempo, racializadas e inventadas
como “mulheres”, de acordo com princípios e códigos discriminató-
rios. Portanto, a colonização foi acompanhada necessariamente pela
racialização e colonialidade de gênero enquanto bases para a classi-
ficação social dentro daquele sistema. Sendo assim, o que as autoras
nos propõem é que a ideia de gênero produz-se concomitantemente
com a ideia de raça.
Nestes termos, quando pensamos as relações coloniais de gênero e
raça nas colônias, temos que às/aos escravizadas/os negras/os e indí-
genas, o que era aplicado aproximava-se mais a um diformismo sexual

5 É corrente a divisão histórica entre aqueles movimentos sociais, considerados tradicionais,


enquanto aqueles pautados nos embates causados pela questão de classe. O novo referido
aqui, talvez não tenha nada de novidade, uma vez que visa dar conta daqueles/as sujeitos/as
cuja diferença tem sido significada em termos de desigualdade e que historicamente vem tensio-
nando as normatividades etnicorraciais e de gênero, entre outras.

193
(macho e fêmea)6, o que demarcava a produção destes corpos como
não humanos. Sendo assim, estas relações colonizadas de gênero e
raça estiveram imbricadas e refletidas nas relações sociais de capi-
tal e trabalho que se engendraram a partir da experiência colonial.
Nas relações desenvolvidas, foi forjada, consideravelmente a partir
de diferenças fenotípicas, a codificação das diferenças e a noção de
superioridade branca e masculina, frente aos povos indígenas e, poste-
riormente aos negros e amarelos. O autor descreve um cenário colonial
em que a dominação/exploração estava diretamente ligada ao binô-
mio raça/trabalho. Nestes termos, com a divisão racial do trabalho, e a
partir da expansão mundial (propiciada por séculos de exploração de
trabalho gratuito de negros/as e indígenas) da dominação colonial, por
parte da dita raça dominante, foi imposto o mesmo critério de classifi-
cação social a toda a população mundial em escala global.
Daí depreende-se e relacionam-se ideais eurocêntricos de moderni-
dade para a concepção do mundo em que, em primeiro plano, a história
da civilização humana é retratada como uma trajetória que parte de
um estado de natureza e culmina na Europa; e, em segundo plano, são
outorgadas enquanto diferenças de natureza (racial) e não de história
do poder, as diferenças entre europeus e não europeus. Dessa maneira,
legitimava-se a dicotomização e a essencialização identitária. É o que
Santos (2007) afirma enquanto “simetria dicotômica”, que, ainda que
pareça simétrica, esconde uma hierarquia e busca manter a racionali-
dade refém da ideia de totalidade e complementaridade. Deste modo,
não é possível pensar o sul sem o norte, a mulher sem o homem, o escravo
sem o amo. E dessa forma, é gerada a invisibilização, a produção ativa da
não-existência daqueles/as que encontram-se em posição inferior nesta
hierarquização naturalizada. Assim, o primeiro componente é apresen-
tado como o puro, ideal a ser alcançado, o modelo a ser copiado, a razão,
enquanto que ao segundo resta a cópia, a incompletude, a animalidade,

6 É importante ressaltar que, conforme Mendoza e Lugones, as “mulheres” escravizadas foram


moeda de troca neste processo e garantiram aos “homens” escravizados manter algum tipo de
poder e margem de manobra dentro deste sistema de exploração.

194
a natureza. Estas categorias tem uma construção identitária relacional,
e, portanto, sempre atrelada a seu “oposto”.
Se retornamos à Mendoza e Lugones, o que as autoras nos demar-
cam é que jaz na constituição do conceito democrático um duplo
pacto. De um lado, um pacto social que deu conta de garantir as ati-
vidades assalariadas apenas aos homens brancos a partir das noções
de superioridade natural branca, em detrimento dos trabalhadores
escravizados não-brancos. E, outro, de gênero entre os homens. O
primeiro contrato livrou os homens brancos pobres da escravização,
o segundo, do trabalho e circunscrito ao âmbito doméstico. Tal forma-
tação social esteve diretamente implicada na concepção de cidadão
livre, pleno em direitos, o sujeito/agente da democracia liberal e, para
Mendoza, reflete a confluência do sistema heterossexista, de gênero
colonial com o capitalismo e a democracia liberal.
Tais confluências seguem a se engendrar e retroalimentar dentro
daquilo que cotidianamente chamamos democracia. Sendo assim, o
passado e presente deste constructo social nos apontam para a aná-
lise de que, mesmo em sua composição, já nos informa quais são seus
interlocutores e sujeitos a quem se destinam suas estruturas. Se assim
o interpretamos, será o caminho da legalidade, a exigência da inclusão/
adequação/assimilação dentro deste sistema um caminho possível ou
menos violentador do que a outra opção? Existirão também para nós
negras/os, gays, lésbicas, travestis e transexuais apenas possibilida-
des atomizadas de existência/resistência? Será a “passabilidade” de
algumas/uns suficientemente satisfatória para acreditarmos em avan-
ços e profundas transformações do estabelecido como realidade?
Para além de qualquer tentativa de responder a estas questões,
parece-nos necessário que não abandonemos a inquietação e a crí-
tica mesmo às nossas conquistas. Se atualmente, tem se alargado e
democratizado diversas instâncias de ação política, é aconselhável a
percepção de que nem todas/os cabem nesta cidadania. Talvez, nem
todos/as queiramos caber.
As instituições midiáticas familiares, religiosas, escolares, entre
outras não encontram-se isentas na (re)construção destes conceitos.

195
A cultura escolar e as necessidades políticas nos sugerem uma relação
com os movimentos curriculares, as ações pedagógicas e as neces-
sidades sociais mais amplas dos sujeitos. Pensando com Foucault
(1988, 2005, 2006), a sexualidade “ars erotica” está mais próxima
da liberdade que permite a construção de sentidos e usos do que dos
currículos prescritos pela “scientia sexualis”. A primeira, está mais
presente nos movimentos e fazeres curriculares do que nos programas
governamentais e nas ações não-governamentais que buscam codificá
-la ou estabelecer verdades sobre ela.
A sonhada liberdade ou a opção de criar novos tipos de liberdade
e novas questões à vida são a base que nos implusionam a subverter
a sociedade democrática e, para então, nos reapropriarmos da possi-
bilidade de construir infinitamente o conceito de cidadania, de modo a
ajustá-lo às necessidades dos coletivos de sujeitos. Como na política e
na cultura, a sexualidade é o lugar do impossível, é o espaço em que
o sujeito deixa suas contribuições e se torna autor de sua prática e
invenção. Com ela, em situações democráticas, o fim da vida é o limite
da criação e da invenção de si.
A incompletude da sexualidade nos faz refletir a cidadania porque
esta última não consiste em receber sem postular um ato no qual os
sujeitos deixam suas contribuições às necessidades sociais, ao pensa-
mento e à eleição de estilos de vida. Entretanto, a eleição implica, em
primeiro lugar, democracia. Pode parecer estranho aplicar a palavra
“democracia” ao âmbito sexual, porém, sem dúvida, se necessita um
novo conceito de democracia quando falamos do direito a controlar
nossos corpos, quando decidimos que nossos corpos são de nossa
“propriedade”. Nessa direção, somos interpelados/as a repensar a
democracia, sobretudo a partir de uma visão decolonial, para além
da compreensão comum de espaço de participação, uma vez que, da
forma como está, ela cerceia e regula (inclusive através da própria
inclusão tão reivindicada pelo próprio movimento LGBT), de diferentes
formas, as condutas e os desejos dos sujeitos.
Como na política e na cultura, a sexualidade é o lugar imaginativo
em que se reúnem os discursos sociais mais amplos. Porém, na cultura,

196
na política e na sexualidade também co-existem espaços onde se
abre a possibilidade de romper os significados, refazer os interesses,
buscar as ideias e onde a inconformidade pode possibilitar outras
configurações de estar no mundo. Nesta ceara, concordamos com
Donna Haraway (2000) quando a autora defende que, a partir destas
configurações, é necessária a sutil compreensão das possibilidades
trazidas pelos poderes emergentes e que tem potencial para mudar
as regras do jogo. Ainda que estejamos distantes de compreender/
empreender plenamente o alcance da interseccionalidade, por exem-
plo, precisamos reconhecer e potencializar os saberes produzidos
pela perspectiva parcial que permite novas e criativas interpretações,
assim como outras formas de participação política.
Ainda que o mundo exista sem a nossa presença, nossa presença
no mundo nos exige muita criatividade para inventá-lo. Para que o
mundo tenha sentido devemos criar/significar o que já contém, deve-
mos aprender a questioná-lo e a inventar o que ainda não existe em
nossas petições no mundo. Neste sentido, viver criativamente é tam-
bém uma condição para criar/ampliar a democracia e se criar com a
democracia.

Considerações finais

Se por um lado, as discussões em torno do eixo sexo-gênero-sexu-


alidade, por vezes, são cotidianas na academia e demais espaços de
produção do conhecimento, por outro, temos a resistência a essas dis-
cussões nos currículos e demais instâncias educativas, demonstrando
o quanto esses espaços são palco de disputas e tensionamentos
políticos.
Como sabemos, o currículo é o instrumento escolar que visualiza
o corpo como a superfície em que ele escreve ou imprime os valores
culturais. Neste sentido, os movimentos curriculares que se realizam
nos cotidianos não são elementos inocentes e neutros de transmis-
são desinteressada de conhecimentos, mas construídos nos interesses
que são eleitos pelas escolas, pelos sistemas educativos e, sobretudo,

197
pelos e pelas professoras. Inúmeras pedagogias que envolvem a
complexidade das identidades apontam para a noção de que os/as
sujeitos/as, ao longo do seu desenvolvimento físico e psíquico, atra-
vés das mais diversas instituições e ações sociais, se constituirão
como homem e mulher em etapas que não são sequenciais, contínuas
ou iguais e que de modo algum serão concluídas. Esta configuração
emerge porque os campos histórico-culturais que formam os sujeitos
são implicados de conflitos e são capazes de produzir múltiplos sen-
tidos, que nem sempre são convergentes nas noções de gêneros ou
identidades sexuais. Conhecimentos fixos, universais e a-históricos
são simplistas porque as performances de gênero destacam as plu-
ralidades de etapas pelas quais as culturas constroem e marcam os
corpos dos/as sujeitos/as.
Se levarmos em consideração os arranjos de gênero com outras
marcas sociais (classe, raça, geração, religião, nacionalidade, identi-
dades sexuais) teremos infinidades de apresentações. No campo da
engenharia do corpo são estas infinidades de apresentações que se
inscrevem as articulações entre gênero, sexualidade e as pedagogias,
ampliando para além dos processos familiares e escolares a apren-
dizagem da sexualidade. A partir desses cenários, deveríamos nos
perguntar, antes de tudo, como determinadas características passa-
ram a ser nomeadas e significadas como marcas de uma identidade
ou de outra. Penso que apresentamos alguns caminhos que justificam
algumas marcas do corpo, mas é importante destacar a necessidade
de se aprofundar o conhecimento sobre as práticas pedagógicas que
funcionam como verdades e modelam nossas subjetividades e formas
de atuar no mundo.

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201
Literatura e as questões étnico-raciais

Glória de Melo Tonácio (CPII/Grupo de Pesquisa FormAÇÃO)


Mariane Del Carmen da Costa Diaz (SESC/CPII)

Introdução

[Figura 1-Ambiente da sala-de-aula de Literatura em Realengo I]

202
[Figura 2- Roda de leitura espontânea com o livro:
“Pretinha de Neve e os Sete Gigantes]

Como possibilitar o conhecimento e o valor de uma outra cultura,


para além do modelo eurocêntrico? Como resgatar o acontecimento/
experiência, que rasga e dilacera o espaço-tempo vivido e que nos
impulsiona para além dele? Em uma ordem inversa ao pensamento
dominante, compreendemos a experiência correlata à palavra, ao
conto, ou seja, à autoridade. Como pode a autoridade se centrar no
poder de narrar/dialogar? Como isso pode se transformar em um
acontecimento, em novidade, ou seja, em experiência? Que caminhos
tomar para agir na contramão à ordem estabelecida? De que forma
a escola pode se contrapor a essa ordem? Falar... narrar para não
morrer teve um sentido em comunidades de matrizes africanas e em
outras épocas, em diversas culturas. Em outros tempos, o cotidiano,
as conversas e os contos narrados nos círculos, ao redor da fogueira
ou da mesa de alimentos eram tomados como experiência, ou seja, a
vida era experenciada e, que agora, soa-nos tão estranho. Essa busca
plena da experiência é o que temos buscado, com o nosso trabalho

203
de Literatura1, como uma atividade específica, realizada em turmas do
primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental no Colégio Pedro II, no
Campus Realengo I, em diálogo com os estudos empreendidos pelo
Grupo de Pesquisa FormAÇÃO, dos quais uma de nós é integrante e a
outra se faz colaboradora desse grupo.
É importante ressaltar que, todos os Campi I do Colégio Pedro II
(do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental) desenvolvem as
atividades da área de Literatura e possuem uma proposta comum con-
tida no Projeto Político Pedagógico da instituição, ao mesmo tempo,
em que desenvolvem projetos específicos. Ao debruçarmo-nos, então,
sobre a experiência do Campus Realengo I, estamos abordando tanto
a generalização dessa proposta na instituição, quanto as suas especi-
ficidades no Campus estudado, no que se refere à educação para as
relações étnico-raciais.
Conforme explicam TONÁCIO e PACHECO (2008), a proposta
de Literatura do Colégio Pedro II, no primeiro segmento do Ensino
Fundamental, está voltada para a formação do ser-leitor que, em uma
relação dialógica com o texto, seja capaz de, a partir dele e de seu
contexto, produzir sentidos e conhecimentos sobre a realidade. A
relevância desse projeto reside, principalmente, no seu pioneirismo,
pois até o ponto em que conhecemos, o Colégio Pedro II é a única ins-
tituição pública a desenvolver tal trabalho sistematizado nesse nível
de ensino. Do mesmo modo, consideramos a relevância do trabalho
do Campus Realengo I, em específico, que entrecruza o texto literário,
com outros textos imagéticos ou não, outras linguagens e estéticas, a

1 Nos Campi I do Colégio Pedro II, além das aulas regulares do Núcleo Comum (Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências e Estudos Sociais), uma vez por semana, os alunos participam das
Atividades de Literatura, Sala de Leitura, Artes, Música, Educação Física e Informática Educativa.
São aulas de uma hora e meia, semanais, para cada turma, com uma sala específica e um pro-
fessor para cada uma dessas atividades. As aulas de Literatura são realizadas por uma equipe
de três professoras, dentre elas uma coordenadora, que se distribuem para atender às turmas
do colégio. Estas possuem dias e horários fixos para participarem das aulas. Semanalmente, a
equipe se encontra para planejar, avaliar e estudar as propostas de trabalho, que se distribuem
em temas específicos voltados para o interesse e necessidade de cada série/ano.

204
fim de produzir uma consciência antirracista de olhar a realidade, para
além do modelo eurocêntrico dominante.
Tomando, então, como referência a escrevivência, como “a escrita de
um corpo, de uma condição, de uma experiência negra no Brasil” (Evaristo
2007, p. 20), nosso objetivo, nesse texto, é escreviver alguns caminhos,
que temos percorrido e vivenciado na nossa trajetória, como professo-
ras do primeiro segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II,
no Campus Realengo I, ao desenvolvermos um trabalho pedagógico de
Literatura, como uma possibilidade de uma educação antirracista e pro-
dutora de uma educação para as relações étnico-raciais.

O trabalho desenvolvido

Implementamos nossa proposta de trabalho, baseada na constru-


ção de uma educação para as relações étnico-raciais, que se desenrola
ao longo das séries iniciais do Ensino Fundamental no Colégio Pedro II,
desde 2013, com o objetivo de resgatar as potencialidades da Literatura,
priorizando seu caráter estético e sua condição polifônico-dialógica
com a finalidade do combate ao racismo, não apenas por uma incursão
lógico-racional, mas, principalmente, através da exploração de outras
possibilidades de apropriação-percepção da realidade: emoção, criati-
vidade, intuição, sensações, além do aspecto lúdico e interativo.
A preocupação com esse outro olhar não está presente somente
no planejamento/execução das atividades, mas, também, na própria
ambientação de sala de aula, na relação dos sujeitos envolvidos com
esse ambiente e nas diferentes relações interpessoais que aí se reali-
zam. Forma e conteúdo se complementam de maneira coerente. Temos
disponíveis para as crianças manusearem objetos, artefatos de dife-
rentes culturas; diversos mapas, dentre eles do continente africano e
suas diversas culturas, etnias e línguas; imagens, cartazes com figuras
de vestimentas, turbantes; espelho a disposição para que as crianças
se vejam; livros, dentre outros2.

2 Cf. Figuras 1, 2, 3, 4, 5.

205
A ornamentação da sala, a disposição das carteiras, a
existência de um espaço com almofadas [e esteiras] pro-
piciando o aconchego, o toque, a proximidade, a troca
de olhares, um ambiente composto por reproduções de
obras-de-arte de diferentes origens e épocas e, sobre-
tudo, a existência de muitos livros disponíveis para
manuseio (...). Em tudo há uma preocupação estética
com o fim de impregnar os sentidos do sujeito, desauto-
matizar seu olhar, deseviesá-lo, permitir que se elabore
uma possibilidade criativa e sensitiva de relação com o
espaço escolar. (...) Infância e Literatura estão intima-
mente ligadas no que se refere à forma de pensar e
expressar o mundo: pelo inusitado, estético e sensível.
(Tonácio e Pacheco, 2008, p.289)

[Figura 3- Roda de contação de histórias de contos populares com o


primeiro ano, com o auxílio de dramatizações espontâneas das crianças
com fantoches]

206
[Figuras 4 e 5- Ambiente da sala-de-aula de Literatura em Realengo I. Aula
com o quarto ano, com a utilização de artefatos, objetos, dentre outros]

[Figura 5]

Como enfatiza PACHECO (2002),

Não é só o texto literário que está em questão, mas


tudo, desde o ambiente da sala, a relação professor
-aluno, a cumplicidade estabelecida nessa relação e as
atividades propostas, contribui para a elaboração de um
“texto” a ser lido, reescrito e modificado sob diferentes
olhares. Nesse contexto, (...) a literatura é o centro da
questão, mas não uma literatura enquadrada nos para-
digmas estruturalistas e instrumentais, que muitas vezes
regem o uso da língua na escola, mas uma literatura que

207
exige um leitor coautor, que permita o preenchimento
de lacunas e a existência de possíveis digressões, que
solicite atenção e raciocínio agudos para ler inclusive o
que ‘não está escrito’ e para fugir aos padrões estereo-
tipados (s.p.).

Isso posto, o Campus Realengo I trabalha trimestralmente ou


semestralmente com temas que se transformam em um projeto que
é trabalhado por toda a escola. Assim, a partir desses projetos e dos
objetivos almejados em Literatura, estabelecemos para cada série/ano
temas de discussão, de acordo com os interesses e realidades de cada
grupo e do projeto de trabalho proposto pela escola. Um exemplo
desse trabalho, é o “Projeto Carnaval”, sempre desenvolvido, no início
do ano letivo, no nosso Campus. A partir desse projeto, desenvolve-
mos com todas as séries/anos, além da história do carnaval, o resgate
de Marchinhas de Carnaval conhecidas ou não (como “Ó, abre Alas”),
o protagonismo de compositores negros ligados à história das marchi-
nhas, do samba e de outros estilos musicais pouco conhecidos, como
o maxixe (Paulo da Portela, Chiquinha Gonzaga, Jackson do Pandeiro,
dentre outros) e a relação entre a resistência da negritude brasileira,
com esse movimento cultural (como a figura de Tia Ciata).
Também, tomando como temática o combate ao racismo, privi-
legiamos, no primeiro ano, a narrativa oral como parlendas, contos
populares, trava-línguas, cantigas de roda, acalantos e outros textos
que abordam a produção cultural eminentemente popular. Para isso,
utilizamo-nos de rodas de histórias e pequenas dramatizações (com fan-
toches, corpo, máscaras confeccionadas pelos alunos, dentre outros),
envolvendo toda a turma. Além disso, enfatizamos autores que esta-
belecem, como temática, a discussão da nossa ancestralidade negra e
buscam o diálogo com essas estéticas ancestrais na ilustração como:
ANDRADE (1987; 2004); MACHADO (1998); ALMEIDA (2003). Muitas
dessas histórias possuem como temáticas os medos, desejos, sonhos,
problemáticas relacionadas com a criança negra, sua cor, seu corpo e
seu cabelo. Um exemplo disso é o livro “Menina Bonita do Laço de Fita”.
No segundo ano, iniciamos o nosso trabalho com a abordagem da
cultura indígena: conhecimento de autores e personalidades indígenas

208
(como o indígena Daniel Munduruku), brincadeiras, fragmentos de
documentários, hábitos e animações (como o vídeo “Pajerama”3). Em
seguida, abordamos as diferentes versões de contos de fadas e suas
releituras4 (FILHO, 2000), para, em seguida, discutirmos as diversas
representações de reis, rainhas, príncipes e princesas (para além do
modelo eurocêntrico), com imagens e vídeos, a fim de que as crianças
construam imagens de reis e rainhas diferentes dos estereotipados
pela mídia (FILHO, 2000; ANTÔNIO, 2011).
Já no terceiro ano, ainda na busca da construção de uma outra
estética, trabalhamos o conhecimento da Mitologia Afro-brasileira
(ANDRADE, 2000; 2002; PRANDI, 2001; 2002; 2011; BRÁZ e DANSA,
2001), com o objetivo da “desconstrução de estereótipos”, de estigmas
advindos de um olhar preconceituoso e excludente com as origens e
heranças africanas, assim como as histórias, a cultura, a religiosidade
e a cor, realizamos, principalmente, a leitura de algumas reuniões dos 
odus   africanos presentes no livro infanto-juvenil “Os Príncipes do
Destino - Histórias da Mitologia Afro-Brasileira” de Reginaldo Prandi.
Em especial, o trabalho com esse livro trouxe algumas questões.
Lemos algumas reuniões dos odus, sem mostrar as imagens do livro.
Trabalhamos com os alunos, apenas, com a contação das histórias dos
príncipes africanos, com o intuito de identificar quais seriam as rea-
ções dos alunos, a partir de tais histórias, sem mostrar as ilustrações.
Solicitamos, posteriormente, que os alunos desenhassem seus prínci-
pes africanos e, como imaginamos, mesmo após a leitura dos capítulos
do livro;  de uma conversa introdutória sobre outras concepções e
representações de reis e rainhas; e sobre o continente africano e suas
características, observamos que o resultado consistiu em “príncipes
europeizados”, com pele clara, com a representação de coroas euro-
péias e castelos, para caracterizá-los como príncipes5.

3 Animação, do ano de 2008, produzida em São Paulo, Brasil e dirigida por Leonardo Cadaval.
Sinopse:  Um índio é pego numa torrente de experiências estranhas, revelando mistérios de
tempo e espaço. Cf. http://portacurtas.org.br/filme/?name=pajerama. Acesso em 20/07/2015.
4 Cf. Figura 2
5 Cf. Figura 6.

209
Ao intervirmos e problematizarmos, relembrando as histó-
rias,  questionando tais representações, alguns alunos “recoloriram”
seus desenhos mudando da “cor de pele” para o “marrom”6, mas não
mudando ainda os estereótipos. As aulas posteriores foram dedica-
das há conhecermos um pouco mais sobre o continente africano e,
consequentemente, suas  culturas, através de textos informativos,
slides e contos (como o de ANDRADE, 2002). A imagem e a estética
dos  odus  começaram a surgir, assim como suas características. As
crianças não mais se espantaram ou teciam comentários depreciativos
das imagens projetadas7 ou trazidas em pôsteres para observação. As
crianças começaram a  compreender  a diversidade cultural existente
nas vestimentas, nas línguas, nomes, modo de viver, dentre outros. Os
príncipes africanos começaram a tomar outras formas e estéticas8. 

[Figura 6: Ilustração do príncipe africano, sem intervenção da professora]

6 Cf. Figura 7.
7 Cf. Figura 9.
8 Figura 8.

210
[Figura 7: Ilustração do príncipe do africano, com as primeiras intervenções
da professora]

[Figura 8: Ilustrações a partir de intervenções e de projeção de imagens]

211
[Figura 9: Projeção, para turmas de terceiro ano, de imagens com deuses de
origem iorubá]

A partir das discussões geradas pelas histórias dos odus e por


outras narrativas de origem africana (PRANDI, 2001; 2002; ANDRADE,
2000; BRÁZ e DANSA, 2001), organizamos, junto com os alunos, uma
“Oficina objetos da África”9, com o intuito de incitar a percepção da
influência do continente africano para a nossa cultura brasileira.
Solicitamos aos alunos que trouxessem para a aula de Literatura
objetos que remetessem à África (como roupas, acessórios, bijuterias,
dentre outros). É importante destacar que, para a nossa surpresa, a
grande maioria dos alunos contribui com diversos objetos.

9 Cf. Figura 10.

212
[Figura 10: Alunos interagindo e organizando os objetos na Oficina
“Objetos da África”]

Todo o trabalho dedicado ao terceiro ano perpassou por uma des-


centralização das histórias de vertente ocidental, para ceder lugar
a questões marginalizadas (no sentido de estar a margem de) como
a religiosidade, o sagrado e a estética. Além da desconstrução das
imagens e histórias, trabalhamos com a estética africana, construindo
uma “oficina de turbantes”10 com os alunos. Essa proposta consistia
em uma tentativa de desconstrução das imagens e dos estereótipos
advindos do senso comum, com o objetivo de problematizar e romper
com estigmas “do feio”, “da coisa de macumba”. (DIAZ e TONÁCIO,
2014).

10 Cf. Figuras 11, 12 e 13

213
[Figuras 11, 12 e 13: Oficina de Turbantes]

[Figura 12]

214
[Figura 13]

Ainda entrecruzamos as histórias lidas com filmes como “Kirikou e


a feiticeira”11 e “Kirikou e os animais selvangens”12, discutindo valores,
sentidos e sensações despertados pelos filmes. Em seguida, represen-
tamos as principais personagens, utilizando-se, para isso, do próprio
contorno do corpo das crianças.13

11 Longa-metragem, animação franco-belga  de 1998 dirigido por  Michel Ocelot. Retrata uma
lenda  africana, em que um recém-nascido superdotado que sabe falar, andar e correr muito
rápido se incumbe de salvar a sua aldeia de Karabá, uma feiticeira terrível que deu fim a todos
os guerreiros da aldeia, secou a sua fonte d’água e roubou todo o ouro das mulheres. Kiriku é
tratado de forma ambígua pelas pessoas de sua aldeia, por ser um bebê, é desprezado pelos
mais velhos quando tenta ajudá-los, porém, quando realiza atos heróicos, suas façanhas são
muito comemoradas, embora logo em seguida voltem a desprezá-lo. Apenas a sua mãe lhe trata
de acordo com sua inteligência. http://www.adorocinema.com/filmes/filme-18446/. Acesso em
22/07/2015.
12 Sequência de “Kirikou e a Feiticeira” (1998), desenho animado de 2005, dirigido por Michel
Ocelot e Bénédicte Galup. A animação retoma a história do minúsculo menino africano Kirikou,
mais uma vez enfrentando a terrível feiticeira Karabá, que ameaça a sobrevivência de sua aldeia.
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-57948/. Acesso em 22/07/2015.
13 Cf. Figuras 14 e 15.

215
[Figuras 14 e 15- Representações de personagens dos filmes relacionados
ao Kirikou]

[Figuras 16 e 17- Representações de Orixás]

Por fim, esse trabalho com o terceiro ano possibilitou o reco-


nhecimento da nossa diversidade cultural, de nossas origens e

216
religiosidades14. Crianças candomblecistas, por exemplo, reconheciam-
se nas histórias, nos valores e sentidos apreendidos das reflexões. O
reconhecer-se numa história que, talvez, durante toda a vida escolar
foi silenciada e negligenciada faz com que os ecos dos emudecidos
comecem a ecoar (BENJAMIN, 1975).
Já no quarto ano e quinto ano, centramos na reflexão da situação
e da condição do negro na sociedade brasileira. Para isso, conhece-
mos diversos autores afro-brasileiros e suas obras (como Machado
de Assis), em diferentes suportes (livros, vídeos, áudios); exibimos
e discutimos diversos curta metragens, episódios, músicas (“Vista
minha pele”15; “Cores & Botas”16; “Uólace e João Vitor” – Cidade dos

14 Cf. Figuras 16 e 17.


15 Curta-metragem, de 2003, dirigido por Joel Zito Araújo. Sinopse: a história está invertida, os
negros são a classe dominante e os brancos foram escravizados. Os países pobres são Alemanha
e Inglaterra, enquanto os países ricos são, por exemplo, África do Sul e Moçambique. Maria é
uma menina branca, pobre, que estuda num colégio particular graças à bolsa-de-estudo que
tem pelo fato de sua mãe ser faxineira nesta escola. A maioria de seus colegas a hostilizam,
por sua cor e por sua condição social, com exceção de sua amiga Luana, filha de um diplomata
que, por ter morado em países pobres, possui uma visão mais abrangente da realidade. Maria
quer ser “Miss Festa Junina” da escola, mas isso requer um esforço enorme, que vai desde a
superação do padrão de beleza imposto pela mídia, onde só o negro é valorizado, à resistência
de seus pais, à aversão dos colegas e à dificuldade em vender os bilhetes para seus conhecidos,
em sua maioria, muito pobres. Maria tem em Luana uma forte aliada e as duas vão se envolver
numa série de aventuras para alcançar seus objetivos. O centro da história não é o concurso,
mas a disposição de Maria em enfrentar essa situação. Ao final ela descobre que, quanto mais
confia em si mesma, mais capacidade terá de convencer outros de sua chance de vencer. Cf.
https://cinemahistoriaeducacao.wordpress.com/cinema-e-historia/historia-da-africa/vista-
minha-pele/. Acesso em 23/07/2015.
16 Documentário (curta-metragem), do ano de 2010, dirigido por Juliana Vicente. Sinopse: Joana
tem um sonho comum a muitas meninas dos anos 80: ser Paquita. Sua família é bem sucedida
e a apóia em seu sonho. Porém, Joana é negra, e nunca se viu uma Paquita negra no programa
da Xuxa. “Cores & Botas” discute os padrões estéticos estabelecidos pela mídia e sua influência
na formação das crianças, padrões incoerentes com o povo brasileiro, tradicionalmente miscige-
nado, provocando também uma reflexão acerca da construção da auto-imagem da família negra.
(ROSA, 2012, p.1)

217
Homens17, dentre outros) e compreendemos o movimento do funk,
como uma manifestação cultural a ser conhecida e discutida como tal.
Analisamos algumas letras que retratam o cotidiano carioca (como o
“Rap da Felicidade”, de Cidinho e Doca e “Rap do Silva”, de Pablo
Botini), discutimos textos informativos sobre esse movimento cultural,
entrecruzando com a discussão da situação do Rio de Janeiro e seus
bairros, exaltando sua beleza, seu caos e contradições. A partir do
“Projeto 450 anos do Rio de Janeiro” desenvolvido em toda a escola,
analisamos, também, músicas como “O meu lugar”, de Arlindo Cruz;
“Quem é ela?”, de Zeca Pagodinho e Dudu Nobre, assim como dis-
cutimos os pontos positivos e negativos do subúrbio carioca e suas
comunidades. Além disso, analisamos capas de revistas e propagan-
das impressas nacionais e estrangeiras18. Nosso objetivo principal
foi a discussão do negro (e sua ausência) na mídia e no marketing, o
processo de embranquecimento de personalidades negras no Brasil
– e no exterior- (como a análise da propaganda da Caixa Econômica
Federal, tendo como protagonista Machado de Assis, em sua primeira
versão branco e depois “corrigido”, em uma versão negra19 e propa-

17 “Uólace e João Vítor”, com obra de homônima de Rosa Amanda Strauss, faz parte do seriado
“Cidade dos Homens” (2002 e 2003) que retrata a realidade de dois adolescentes em uma comu-
nidade carente do Rio de Janeiro. Nesse episódio, traça-se um paralelo entre o cotidiano dos
meninos pobres e o de um garoto de classe média. Foi exibido em 18/10/2002, pela Rede Globo
de Televisão, com Roteiro de Fernando Meirelles, Guel Arraes , Jorge Furtado e Regina Casé e
direção de Fernando Meirelles e Regina Casé. Cf. http://memoriaglobo.globo.com/programas/
entretenimento/seriados/cidade-dos-homens/trama-principal.htm. Acesso em 23/07/2015.
18
19 A Caixa Econômica Federal fez uma peça publicitária, em 2011, para a comemoração de seus 150
anos, no qual o escritor Machado de Assis, que era mulato e pardo, foi interpretado por ator
de cor branca. O “embranquecimento” do escritor provocou protestos da SEPPIR (Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e de ativistas que defendem o “ene-
grecimento” de mulatos, caboclos, cafuzos e todos os outros pardos e mestiços. A Caixa (CEF)
enviou pedido de desculpas à SEPPIR dirigindo-se não aos mestiços, mas ao negros. A Caixa
produziu, então, esta nova propaganda sobre Machado de Assis na qual um ator de cor preta
representa o escritor de cor parda. https://www.youtube.com/watch?v=V3F-S3VF2IY. Acesso
em 23/07/2015.

218
gandas com a modelo Lupita e outros artistas negros). Demos, ainda,
continuidade ao conhecimento literário produzido pelas culturas e
mitologias africanas.

[Figura 18-Análise de mídia impressa]

Considerações

A lei 10.639/03 que tornou obrigatório no currículo oficial da rede


de ensino a “história e cultura afro-brasileira”, em especial, nas áreas
de literatura, história brasileira e educação artística, possibilitou-nos
discutir e trabalhar questões invisibilizadas e “escovar a história a
contrapelo”, como nos sugere Walter Benjamin (1975).
O trabalho que tem sido desenvolvido em Literatura, no Campus
Realengo I consiste em atividades que não se configuram, ainda, em
um projeto delineado, são experimentações, a fim de desenvolver
um  outro olhar, ou seja, uma outra estética sobre a realidade, a partir
da compreensão de que uma “ (...) nova consciência cultural e criadora
dos textos literários [somente  é possível] em um mundo ativamente
plurilinguístico,  que se tornou irremediavelmente assim de uma vez
por todas”[grifo nosso](...) (BAKHTIN,  1993, p.404). 
Precisamos, então, estarmos atentos à diversidade cultural, assim
como ao preconceito e à discriminação racial presentes na realidade

219
brasileira e ocultadas por uma ideologia dominante baseada no “Mito
da Democracia Racial”20, que tem criado uma cortina de fumaça,
que camufla o preconceito racial em nosso país. Concordamos com
Florestan (1972, 2003) na afirmação de que não existe democracia
racial no Brasil e que isto não passa de uma ideologia que procura ocul-
tar a face racista da dominação de classes que é praticada pelas elites
burguesas brasileiras. Concordamos com Kabengele Munanga (1998),
ao afirmar que:  

É impossível legislar contra os preconceitos porque eles


são invisíveis. Não se pode fazer as leis para lutar contra
um preconceito. Fazem-se as leis para lutar contra os
comportamentos discriminatórios concretos. Isto signi-
fica que o subsolo infernal do preconceito racial escapa,
por princípios, ao tipo jurídico político da ação antirra-
cista. É na estrutura profunda do imaginário racizante que
está o problema. Nós não temos instrumentos para
atingir as profundezas dessa estrutura, a não ser talvez
indiretamente, através da educação. (...) O preconceito
não é o problema da ignorância. Ele tem a sua racio-
nalidade embutida na própria ideologia. Por isso a
educação é apenas um dos meios para se lutar contra
o racismo, mas não é o único, porque o racismo é, antes

20 A partir da obra Casa-Grande & Senzala (FREYRE, 2006) foi delineado o conceito de “democracia
racial”. Nessa obra, o autor defendeu a ideia de que havia relações estreitas entre senhores e
escravos, mesmo antes da emancipação legal dada pela Lei Áurea (1888). Para ele, o colonia-
lismo português foi benéfico, impedindo o surgimento de categorias raciais rígidas. Com isso,
ocorreu a miscigenação continuada entre as três raças (ameríndios, os descendentes de escravos
africanos e brancos). Embora Freyre jamais tenha usado esse termo nesse trabalho, ele passou
a adotá-lo em publicações posteriores, ocorrendo, então, uma popularização dessa teoria. O
argumento é de que o Brasil escapou do racismo e da discriminação racial. Isso porque, não é
possível definir com exatidão à qual raça uma pessoa pertença. Os próprios indivíduos não são
capazes de se definirem. Desse modo, ocorre certa mobilidade social. Para Florestan Fernandes
tal conceito é um mito e serve para obscurecer a realidade do racismo. É o “preconceito de não
ter preconceitos”. Com isso, há uma ausência do Estado no combate à discriminação racial, já
que acredita-se na não existência do racismo. Cf. FERNANDES (1972; 2003); FREYRE (2006) e
estudos atuais como o de KEM (2014).

220
de mais nada, uma ideologia e não se corrigi a ideologia
simplesmente pela educação. Pode-se, entretanto, tra-
balhando com os jovens, potencializar a personalidade,
dar elementos para que eles possam reagir contra o
racismo (MUNANGA, 1998, p. 48). 

Vislumbramos, nesse sentido, um grande potencial da educação


literária,  a favor de uma educação para as relações értnico-raciais.
Precisamos exercitar e trabalhar nossas mentes contra os discursos e
práticas racistas. Precisamos seguir na contramão do que nos impõem
a grande mídia, a cultura de massas. Compreendemos que Infância e
Literatura, ligadas à forma de pensar, enxergar e expressar o mundo a
partir do estético, do sensível, são um dos caminhos possíveis para a
potencialização de sentidos e significados que construam uma consci-
ência que valorize a nossa cultura afro-brasileira, sua ancestralidade
e o seu conhecimento.

Referências

BAKHTIN,  Mikhail. Questões de estética e de literatura. 3.ed. São


Paulo: Ed. da UNESP, 1993.

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1999 [1928-30].

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tura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1975.

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de minha escrita. In: Marcos Antônio Alexandre (org). Representações

221
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Horizonte: Mazza, 2007.

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do destino” e afrobrasilidade presentes na sala de aula: a literatura e
as experimentações. Anais do I Seminário de Arte, Educação e Culturas 
do Espaço Cultural do Colégio Pedro II: tramas para reencantar o mundo,
realizado de 22 a 24/10/2014.

Fernandes, Florestan. O folclore em questão. 2ª ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2003.

______. O Negro no Mundo dos Brancos. São Paulo: Difusão Européia


do Livro, 1972.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira


sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006. [1933]

KEM, Gustavo da Silva. Gilberto Freyre e Florestan Fernandes: o debate


em torno da democracia racial no Brasil. Revista Historiador, ano VI, nº
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MUNANGA, Kabengele. Teorias sobre o racismo. Estudos & Pesquisas.


Rio de Janeiro – UFF, v. 4, p. 43 – 67, 1998. 

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Revista de Estudos Literários. Volume 17-B (dez. 2009). In: http://www.
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FILHO, Rubem. Pretinha de Neve e os Sete Gigantes. Rio de Janeiro:


Paulinas, 2000.

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MACHADO, Ana Maria. Menina Bonita do Laço de Fita. São Paulo: Ática,
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PRANTI, Reginaldo. Ifá, o adivinho. São Paulo: Companhia das Letrinhas,


2002.

______. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

______. Os Príncipes do Destino: histórias da mitologia afro-brasileira.


São Paulo: Cosac Naify, 2011.

224
Didática: conhecimento e escola
Perspectivas teórico-metodológicas moderna
e pós-moderna: questões para a reflexão sobre a
pesquisa em didática1

Siomara Borba (UERJ/FE)

Introdução

O trabalho aqui apresentado foi escrito para o IV Colóquio


Internacional Educação, Cidadania e Exclusão, realizado na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, nos dias 29 e 30 de junho
de 2015, como uma das contribuições para a mesa redonda intitulada
“Didática: conhecimento e escola”. Essa condição explica o estilo
informal do texto, em alguns momentos de sua apresentação
Tendo como horizonte a temática mais geral – a questão da didá-
tica - mas destacando um dos aspectos do debate que acompanha
essa temática – o conhecimento - o objetivo desse texto é apresentar
uma síntese do debate sobre o conhecimento, particularmente sobre
o conhecimento da realidade social, a partir dos pressupostos subja-
centes às formas de se pensar e de se desenvolver o entendimento da
sociedade e suas práticas.
A opção por focar a temática do conhecimento da realidade social,
no contexto de um debate na área da Didática, é justificada pelo
argumento de que a identificação dos pressupostos do conhecimento
ocupa, de forma consciente ou inconsciente, um lugar importante no

1 Esse texto foi escrito a partir de pesquisa financiada pelo CNPq e Faperj.

225
trabalho de investigação da realidade. Participando do conjunto desse
trabalho de investigação da realidade, está a pesquisa em didática.
Apesar da amplitude da discussão sobre o conhecimento da
sociedade e da consolidação do debate sobre os pressupostos do
conhecimento da realidade social, na trajetória da pesquisa educa-
cional no Brasil, a apresentação desse quadro geral é marcada por
fundamentação teórica singular que delimita os horizontes dessa aná-
lise e faz com que essa síntese tenha uma marca própria.
Foram consideradas, como ponto de partida, as principais carac-
terísticas do conhecimento científico, destacando alguns pontos que
ajudam a organizar uma síntese e uma caracterização da problemá-
tica do conhecimento científico. Esses destaques vão contribuir para a
construção de um quadro geral sobre essa questão.
Ao escolher essa questão, alguns pontos precisam ser lembrados.
O primeiro deles é que não é um tema simples, pois analisar a temática
do conhecimento da realidade social significa focar uma determinada
ação humana, portanto, histórica. O segundo ponto é que a síntese
proposta e os aspectos destacados sobre as possibilidades teóricas-
metodológicas do conhecimento científico da realidade social não
são produções teóricas novas. O que é novo e singular é a forma de
organizar essa síntese, a escolha e a relação entre as contribuições
dos autores analisados e o tratamento dado aos aspectos que carac-
terizam cada perspectiva de conhecimento. Certamente essa e todas
as configurações possíveis de análises e sínteses estão fundadas em
determinada concepção histórica e teórica que orienta não só a ação
bem como o pensamento daqueles que se propõem a analisar e a
discutir a realidade. Considerando, então, esse entendimento, outro
aspecto a ser lembrado na discussão sobre as perspectivas teórico-
metodológicas para o conhecimento da realidade social é que esse
debate envolve conceitos que foram construídos a partir de relações
históricas-sociais que antecedem e estão implícitas ao processo de
conhecimento. Em outras palavras, nessa análise, é importante não
esquecer a constituição das sociedades que sustentam as diferen-
tes formas de pensar o conhecimento, uma vez que essas formas de

226
significar, de carregar o sentido de conhecimento não são geniais,
mas sociais, demarcadas pela organização histórica da sociedade.
Entretanto, como a proposta desse trabalho é de uma síntese do
debate sobre as perspectivas teóricas-metodológicas da pesquisa
educacional, esse debate será apresentado, em termos gerais, mas,
lembrando, sempre, sua condição histórico-social, deixando subjacen-
tes as relações e a complexidade que constituem os fundamentos dos
conceitos.
Em termos de organização do trabalho, seu conteúdo foi desen-
volvido a partir de três problemáticas centrais. A primeira delas faz
rápidas referências às diferentes formas de o humano conhecer a rea-
lidade. Essa discussão introdutória encaminha, primeiramente, para a
análise das perspectivas teórico- metodológicas segundo a lógica do
pensamento moderno e, em seguida, para o exame das perspectivas
teórico-metodológicas pensadas a partir da lógica contemporânea

Formas de conhecimento – algumas anotações

Para começar a discussão sobre o significado do conhecimento, de


imediato, o que deve ser registrado é que não só o conhecimento é
uma ação infinita bem como não existe uma única forma de se conhe-
cer o real.
No que diz respeito às formas de conhecer o real, elas podem ser
identificadas pelas diferentes possibilidades de se lidar com a reali-
dade objetiva. São diferentes possibilidades de se aproximar do real,
marcadas por lógicas e procedimentos diferentes e, muitas vezes,
antagônicos, embora, isso não queira dizer que sejam lógicas e proce-
dimentos excludentes.
Assim, o homem pode lidar com a realidade através de um enten-
dimento imediato do significado do seu cotidiano, momento em que o
cotidiano é entendido a partir de sua manifestação pontual e se basta
como explicação de si. Mas, pode, também, ocupar-se através do
exercício de sua sensibilidade, ou, pela experiência de fé, ou com sua
capacidade e competência de pensar, interrogar e significar o real ou,

227
ainda, através de sua competência para entender e explicar a reali-
dade. Entretanto, apesar de existirem diferentes possibilidades de se
aproximar do significado da realidade, apesar de o humano significar
o real por diferentes dimensões, isso não quer dizer que elas sejam
excludentes e cada indivíduo só tenha uma possibilidade de expressar
o que é o real. Objetivamente, é possível que cada indivíduo entenda
a vida por todas essas alternativas, em tempos e espaços diferentes.
Dentro dessa multiplicidade de caminhos para se aproximar do
sentido do real, a intenção, nesse texto, como já anunciado, é destacar
a questão do conhecimento científico e em especial do conhecimento
científico da realidade social que é entendido como prática de com-
preensão e explicação racionais da vida.
Um aspecto central da prática de conhecimento científico é sua
característica de ser, ao mesmo tempo, processo de aproximação
da realidade e produto desse investimento de aproximação do real.
Efetivamente, a dimensão de produto do conhecimento não traz muitos
debates sobre o significado do conhecimento. Os debates acontecem
na forma de pensar e desenvolver a atividade investigativa, ou seja, na
forma de se entender e realizar o processo de aproximação do real.
Em termos gerais, sem intenção de qualificar o conhecimento, mas
com o objetivo de pontuar o debate sobre o conhecimento científico,
são identificadas duas lógicas, aparentemente antagônicas, que estão
subjacentes às opções teóricas-metodológicas do processo de conhe-
cimento científico do real: a moderna e a contemporânea.
Lembramos, no entanto, que nosso interesse em trazer as
classificações moderno e pós-moderno para o debate sobre o conhe-
cimento não significa que estamos resumindo as condições moderno
e pós-moderno à questão do conhecimento do real. Modernidade e
pós-modernidade são condições históricas, complexas e totalizantes
das sociedades, que compreendem as relações econômicas, sociais,
políticas e culturais, alcançando, portanto, todas as dimensões da
vida social e não podendo, por conseguinte, serem resumidas às suas
formas de conceber o conhecimento. Com essa advertência, queremos
firmar, sem hesitação, nossa compreensão de que estamos lidando

228
com condições históricas e sociais que vão além do conhecimento,
sendo, portanto, contextos determinantes do conhecimento.
Nesse sentido, a classificação do conhecimento como moderno ou
pós-moderno não corresponde à classificação, segundo a periodização
histórica da sociedade, nem segundo um corpo de ideias consolidado
ou em consolidação, mas corresponde a uma classificação, segundo
condições históricas específicas. (HARVEY, 1994). Essa distinção é feita
considerando as propriedades intrínsecas à concepção e à prática do
conhecimento científico que dominam em determinados momentos
da história da sociedade, no seu esforço de conceber o processo de
entendimento e explicação da realidade social.
Em termos mais precisos, o que, objetivamente, se pretende é
situar as concepções de conhecimento científico dentro de uma lógica
de pensar o conhecimento, sem esquecer, no entanto, a proposição
central da análise aqui apresentada: essa lógica de pensar o conheci-
mento não tem competência de se governar por sua própria dinâmica,
descartando a determinação de condições históricas-sociais específi-
cas. Essa lógica é, sempre, histórica-social; é sempre contextualizada
e supõe, sempre, condições históricas-sociais próprias.

Perspectivas teórico-metodológicas – a lógica moderna

Para analisar a condição do pós-moderno, David Harvey (1994), em


seu livro Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da
mudança cultural, parte da afirmação de Baudelaire que reconhece
que o moderno traz em si, tanto as dimensões do eterno, do imutável
e da totalidade, como as dimensões do efêmero, do mutável e do frag-
mento: “’A modernidade’, escreveu Baudelaire em seu artigo seminal
‘The painter of modern life’ (publicado em 1863), ‘é o transitório, o
fugidio, o contingente, é uma metade da arte, sendo a outra o eterno
e o imutável’ (HARVEY, 1994: 21)
Em seu livro, Harvey (1994) analisa a questão cultural, especifica-
mente no que diz respeito às construções arquitetônicas, considerando
aspectos mais gerais do conceito de “moderno”. Nesse sentido, elenca,

229
citando os editores da revista de arquitetura Precis, algumas caracterís-
ticas que têm explicado o que é o “moderno”: positivista, tecnocêntrico,
racionalista, universal, percepção monótona do mundo, crença não só
no progresso linear da história da sociedade bem como nas verdades
absolutas e na emancipação racional, na possibilidade do planeja-
mento racional e ideal da vida social e na definição de padrões ideais
para o conhecimento e a produção. Segundo os editores da Precis,

[...]. Geralmente percebido como positivista, tecnocên-


trico e racionalista, o modernismo universal tem sido
identificado com a crença no progresso linear, nas ver-
dades absolutas, no planejamento racional de ordens
sociais ideais e com a padronização do conhecimento e
da produção. (PRECIS, 1987 apud HARVEY, 1994: 19).

Boaventura de Souza Santos (2004:1), ao discutir os modelos de


conhecimento, afirma que a opção teórica-metodológica moderna está
baseada nos seguintes pressupostos:

[...] distinção entre sujeito e objeto e entre natureza e


sociedade ou cultura; redução da complexidade do
mundo a leis simples susceptíveis de formulação mate-
mática; uma concepção da realidade dominada pelo
mecanismo determinista e da verdade como representa-
ção transparente da realidade; uma separação absoluta
entre conhecimento científico – considerado o único
válido e rigoroso – e outras formas de conhecimentos
como o senso comum ou estudos humanísticos; privile-
giamento da causalidade funcional, hostil à investigação
das ‘causas últimas’, consideradas metafísicas, e cen-
trada na manipulação e transformação da realidade
estudada pela ciência.

Sendo assim, por conhecimento moderno, de modo geral, entende-


se o conhecimento científico - um metadiscurso elaborado a partir das
categorias da razão iluminista que compreende, como fundantes, as
ideias de universalidade, neutralidade, verdade e emancipação.

230
Considerando as características destacadas pelos editores da
Precis, apresentadas por Harvey (1994) e as indicadas por Santos
(2002), é possível entender que o conhecimento moderno é uma ativi-
dade que busca a verdade universal, neutra, objetiva, que se alcança
com o auxílio do método científico. Esse método compreende a obser-
vação, a experimentação, a generalização e a prescrição.
Nessa forma de conhecer a realidade, o trabalho de investigação é
marcado, de um lado, pela total separação entre o indivíduo-sujeito e
o real-objeto e, por outro lado, pela relação de causa e efeito entre os
fatos e fenômenos da realidade, sendo papel do conhecimento cien-
tífico buscar a causa ou as causas de um determinado fenômeno, já
que o mundo, a sociedade e a vida são “máquinas”, cujos mecanismos
podem ser identificados, desvendados e explicados em uma lingua-
gem universal, possibilitando o conhecimento do real. Além disso, na
perspectiva moderna de conhecimento, o esforço de aproximação do
sentido do real é realizado por um indivíduo-sujeito que se descola do
real-objeto.
No seio dessas características, o conhecimento científico da rea-
lidade social foi pensado a partir de três perspectivas diferentes de
entender a sociedade: a naturalidade do mundo social, a historicidade
da sociedade e a materialidade das relações sociais, aspectos que
demarcam o processo de conhecimento da realidade social e que, em
termos de correntes de conhecimento, são definidas, segundo Michael
Löwy (2009), como Positivismo, Historicismo e Marxismo.
Compondo esse grupo de correntes modernas do conhecimento
científico da realidade social, lembrando mais uma vez, que a intenção
desse texto não é qualificar ou desqualificar uma forma de pensar o
processo de conhecimento da realidade, o Positivismo, tendo por base
o argumento da naturalidade do mundo social, parte da premissa que
a realidade social é igual à realidade natural, física e essa homoge-
neidade justifica que as ciências sociais adotem não só os mesmos
pressupostos do conhecimento do mundo natural, bem como o mesmo
procedimento para o conhecimento da realidade social. Assim, no pro-
cesso de conhecimento do real, no contexto da perspectiva positivista

231
de conhecimento, está subjacente o entendimento que o processo
de conhecimento da realidade social é um processo equivalente ao
processo de conhecimento da realidade física. Nesse sentido, Löwy
(2009: 19-20. Grifos do autor) chama a atenção para as seguintes
proposições da concepção positivista de conhecimento da realidade
social:

1. A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis


invariáveis, independentes da vontade e da ação
humanas; na vida social, reina uma harmonia natural.
2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente
assimilada pela natureza (o que classificaremos como
"naturalismo positivista") e ser estudada pelos mes-
mos métodos, dêmarches* e processos empregados
pelas ciências da natureza.

3. As ciências da sociedade, assim como as da natureza,


devem limitar-se à observação e à explicação causal
dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de
julgamentos de valor ou ideologias, descartando pre-
viamente todas: as prenoções e preconceitos.

E, segundo Marisa Vorraber Costa (1994), uma outra característica


da lógica positivista é o enquadramento do real em um modelo teó-
rico. Nesse sentido a autora faz a seguinte afirmação:

[...] uma conduta nitidamente positivista, [...] é a de


tentar encaixar a realidade em um modelo. Nessa pers-
pectiva, a verdade subjaz ao modelo e não decorre da
interação do sujeito com um determinado contexto. Se
a verdade está dada de antemão e o que se faz é buscar
evidências para sua comprovação, não importando que
flexões e pressões precisam ser impostas à realidade
para que ela corresponda ao esperado, mantém-se
o dualismo empirista entre sujeito e objeto. (COSTA,
1994:17)

232
Como oposição direta ao Positivismo, no seu princípio de enten-
dimento do mundo social como equivalente ao mundo natural, o
Historicismo e o Marxismo vão considerar que o mundo social tem uma
especificidade que o difere do mundo natural e que, portanto, não per-
mite que a realidade social, quando se torna objeto de conhecimento,
seja tratada com orientações teórico-metodológicas semelhantes aos
procedimentos teóricos-metodológicos para o conhecimento da reali-
dade natural
Para o Historicismo, a especificidade do mundo humano está na
historicidade da vida e para o Marxismo, a especificidade da reali-
dade social está na sua condição de materialidade. Assim, apesar de
se aproximarem na crítica ao Positivismo, o Historicismo e o Marxismo
fundamentam suas críticas em bases teóricos-conceituais opostas.
O Historicismo parte do pressuposto que o real é histórico, ou seja,
ele é real de um determinado tempo e o sujeito que conhece esse
real, também, é um sujeito histórico. Essa condição de historicidade
do real e do sujeito atribui ao conhecimento a qualidade de histórico e
não garante ao real a possibilidade de comportar a verdade definitiva
sobre si. A história é condição da existência humana, muda a realidade
e não permite reduzir a complexidade da existência humana às condi-
ções de fenômeno natural:

1. Todo fenômeno cultural, social ou político é histórico


e não pode ser compreendido senão através de e na
sua historicidade.
2. Existem diferenças fundamentais entre os fatos natu-
rais e os fatos históricos e, conseqüentemente, entre
as ciências que os estudam.
3. Não somente o objeto da pesquisa está imerso no
fluxo da história, mas também o sujeito, o próprio
pesquisador, sua perspectiva, seu método, seu ponto
de vista. (LÖWY, 2009:75. Grifos do autor).

Nesse sentido, o real é sempre a manifestação provisória/relativa


da verdade: “[...] estas diferentes maneiras de pensar e de conhecer

233
não são de forma alguma arbitrárias: elas contêm a sua parcela de
verdade [...]” (LÖWY, 2009: 82). Esse comentário de Löwy (2009) está
fundado na seguinte análise de Wilhelm Dilthey (1962):

[...] ‘Cada visão de mundo é historicamente condicio-


nada, portanto, limitada, relativa... Cada uma exprime,
nos limites de nosso pensamento, uma dimensão do uni-
verso. Cada uma é, conseqüentemente, verdadeira. Mas
cada uma delas é unilateral. É-nos negado ter uma visão
de conjunto destas dimensões (diese Seiten zusammens-
chauen). A luz pura da verdade nos é visível apenas nas
múltiplas facetas de um raio de luz’. [...]. (DILTHEY (1962)
apud LÖWY, 2009:82. Grifos no original)

Numa perspectiva, totalmente diferente, o Marxismo afirma que


a realidade social é, segundo Marx (1974: 229), a “síntese de múlti-
plas determinações”. A manifestação do real não mostra as relações
de classe que estão subjacentes à concretude da existência humana,
concretude que é material uma vez que as relações de classes são
relações econômicas. Assim, segundo a leitura da teoria marxista, só
se pode conhecer o real, se nesse real forem destacadas as relações
econômicas que são determinantes ou dominantes, segundo a leitura
do Marxsimo, no processo de constituição da realidade social.
Considerando o horizonte teórico do Marxismo, a verdade sobre o
real está nas relações de classe, que não são aparentes e não podem
ser percebidas pelos sentidos, mas, que, entretanto, é o concreto da
vida humana. O mais abstrato da vida humana são as coisas ou os
pedaços de realidade percebidas pelos sentidos, pois as coisas ou os
pedaços de realidade só são realidades concretas na medida em que
existem relações determinantes subjacentes que, embora não aparen-
tes, são concretas e, contraditoriamente, não podem ser percebidas
pelos sentidos. E são concretas porque essas condições materiais
são as condições de existência da realidade social. Segundo Löwy
(2009:119),

234
Em outras palavras: não e senão por uma análise sócio
-histórica, em termos de classes sociais, que se pode
compreender a evolução de uma ciência social [...], seus
avanços ou seus recuos do ponto de vista científico. A
história da ciência não pode ser separada da história
em geral, da história da luta de classes em particular.
[...] trata-se simplesmente de mostrar que [nenhuma
ciência] [...]pode escapar aos condicionamentos sociais
e não se move no espaço e no tempo de forma indepen-
dente do movimento histórico concreto.
Destacando, então, de forma pontual, algumas características
do pensamento moderno sobre o conhecimento científico do real
social, entendido como racional, que busca a verdade universal na
“descoberta” das leis gerais formuladas matematicamente, o que foi
destacado diz respeito à forma de entender a realidade social – ou
natural ou histórica ou material – e ao processo investigativo assu-
mido pelas diferentes possibilidades de pensar o conhecimento: o
conhecimento da realidade parte da observação ou o conhecimento
da realidade demanda que se considere a historicidade do sujeito e
do objeto de conhecimento ou, ainda, para se aproximar do sentido
da realidade é fundamental se aproximar das condições materiais, ou
sejam, econômicas que determinam a realidade como ela aparece aos
sentidos.

Perspectivas teórico-metodológicas – a lógica pós-moderna

Lembrando, mais uma vez, que a natureza do trabalho aqui apre-


sentado é de síntese da discussão sobre o conhecimento, a partir
desse momento, a atenção será sobre as perspectivas teórico-meto-
dológicas do conhecimento pós-moderno.
O conhecimento pós-moderno é entendido como uma perspec-
tiva de conhecimento do real, que nasceu da crise da epistemologia
moderna. Boaventura de Sousa Santos (2004:1) afirma que recorre às
expressões “pós-moderno” e “pós-modernidade” após ter chegado à
conclusão de que os modelos de conhecimento e de racionalidade que

235
sustentavam o conhecimento científico não estavam mais dando conta
de explicar e analisar a complexidade, o dinamismo e as contradições
da realidade imediata e mediata: “[...] Tinha chegado à conclusão que
a ciência em geral e não apenas as ciências sociais se pautavam por um
paradigma epistemológico e um modelo de racionalidade que davam
sinais de exaustão, [...]”
Partindo, portanto, de uma crítica aguda ao modelo de conheci-
mento científico moderno, quando são negados os pressupostos gerais
dessa epistemologia, ou seja, verdade, racionalidade, universalidade,
objetividade, neutralidade, para explicar o real, a epistemologia pós-
moderna afirma seus principais pressupostos como sendo: a diferença,
a hibridez, a multiplicidade, a ambiguidade, a incerteza, a ruptura e a
descontinuidade.
Esses pressupostos fundamentam a definição das característi-
cas do pensamento pós-moderno. Santos (2004: 9), considerando
as diferentes concepções do que é o pós-moderno, destaca algu-
mas características comuns aos diferentes entendimentos do que é
o pós-moderno: crítica à ideia de universalidade, à possibilidade de
construção de projetos coletivos, à existência da utopia, à ideia de
crítica, ao fundacionismo e ao essencialismo e ênfase no relativismo,
na fragmentação, no que está à margem, na heterogeneidade e na
pluralidade:

[...] são múltiplas as concepções que se reivindicam


do pós-moderno. As concepções dominantes – onde
pontificam nomes como Rorty, Lyotard, Baudrillard,
Vattimo, Jameson – assumem as seguintes característi-
cas: crítica do universalismo e das grandes narrativas
sobre a unilinearidade da história traduzida em concei-
tos como progresso, desenvolvimento ou modernização
que funcionam como totalidades hierárquicas: renúncia
a projectos colectivos de transformação social, sendo
a emancipação social considerada como um mito sem
consistência: celebração, por vezes melancólica, do
fim da utopia, do cepticismo na política e da paródia

236
na estética: concepção da crítica como desconstrução;
relativismo ou sincretismo cultural; ênfase na fragmen-
tação, nas margens ou periferias, na heterogeneidade
e na pluralidade (das diferenças, dos agentes, das
subjectividades); epistemologia construtivista, não-fun-
dacionalista e anti-essencialista
Harvey (1994), ao falar do pós-moderno, afirma que o que caracte-
riza o pós-moderno são justamente as características que Baudelaire
reconhece como sendo a outra face do modernismo:

Começo com o que parece ser o fato mais espantoso


sobre o pós-modernismo: sua total aceitação do efê-
mero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico que
formavam uma metade do conceito baudelairiano de
modernidade. (HARVEY, 1994: 49).

Segundo a análise de Harvey (1994), o pós-moderno tem como


pressupostos o privilégio da heterogeneidade, da diferença, da frag-
mentação, da indeterminação, da descontinuidade, da desconfiança
nos discursos universais e totalizantes, a primazia do pragmatismo,
como concepção filosófica, a negação das relações de causalidade e a
ênfase nas correlações poliformas. Esses pressupostos, na discussão
de Harvey (1994), aparentemente, distanciam a lógica do pós-moderno
da lógica do moderno, considerando a afirmação de Baudelaire (1863):
“’A modernidade’ é o transitório, o fugidio, o contingente, é uma
metade da arte, sendo a outra o eterno e o imutável’ (BAUDELAIRE,
1883 apud HARVEY, 1994: 21)
Ao listar os pressupostos do pensamento pós-moderno, Harvey
(1994: 20) chama a atenção para um aspecto importante: a explicita-
ção do que é pós-moderno é feita a partir da referência ao moderno:
“[...] o único ponto de partida consensual para a compreensão do pós-
moderno reside em sua possível relação com o moderno, [...]”. Essa
relação, segundo Harvey (1994:46), é uma relação de crítica radical e
profunda aos pressupostos centrais do modernismo, a saber: a razão
iluminista, o projeto de emancipação social, os discursos totalizantes:

237
“[...] vigorosa denúncia da razão abstrata e [...] profunda aversão a
todo projeto que buscasse a emancipação universal pela mobilização
das forças da tecnologia, da ciência e da razão. [...]”
Partindo do editorial da revista Precis (1897), Harvey (1994)
apresenta o pós-moderno como momento de determinadas práticas
culturais, políticas e econômicas. Para Harvey (1994, p. 65), o con-
texto sócio-econômico-político próprio de uma sociedade capitalista,
em um determinado estágio de organização, é o fundamento da con-
dição pós-moderna. O pós-modernismo não pode ser visto como um
simples movimento cultural, quando valores culturais modernos são
negados e superados por valores culturais que reconhecem, basica-
mente, a transitoriedade e a inexistência de modelos e regras para a
condição humana. Os valores culturais pós-modernos são produtos
definitivos de uma determinada sociedade:

[...] considero importante aceitar a proposição de que


a evolução cultural que vem ocorrendo a partir do iní-
cio dos anos 60 e que se afirmou como hegemônica
no começo dos anos 70 não ocorreu num vazio social,
econômico ou político. [...] não devemos ler o pós-
modernismo como uma corrente artística autônoma; seu
enraizamento na vida cotidiana é uma de suas caracte-
rísticas mais patentemente claras.

Segundo Santiago Castro-Gómez (2005:169), que vai chamar a


atenção para as diferenças entre as formas moderna e pós-moderna
de pensar o conhecimento,

[...] A modernidade é uma máquina geradora de alteri-


dades que, em nome da razão e do humanismo, exclui
de seu imaginário a hibridez, a multiplicidade, a ambi-
guidade e a contingência das formas de vida concretas,
A crise atual da modernidade é vista pela filosofia
pós-moderna e os estudos culturais como a grande opor-
tunidade histórica para a emergência dessas diferenças
largamente reprimidas.

238
Ao rejeitar os parâmetros modernos para o conhecimento do real
– natureza, história, materialidade do real - o conhecimento pós-
moderno trabalha com outra referência para significação do real. A
análise da realidade social considera, como eixo central, no processo
de significação da sociedade e da ação humana, uma dimensão própria
da existência humana, que é a experiência cultural. A cultura é cen-
tral na organização histórico-social não só pela presença constante do
que lhe diz respeito bem como por compor as práticas sociais. Nessas
condições, ela passa a ter importância substancial na constituição das
sociedades, o que lhe dá competência epistemológica no campo das
ciências humanas e sociais:

Por “substantivo”, entendemos o lugar da cultura na


estrutura empírica real e na organização das atividades,
instituições, e relações culturais na sociedade, em qual-
quer momento histórico particular. Por “epistemológico”
nos referimos à posição da cultura em relação às ques-
tões de conhecimento e conceitualização, em como a
“cultura” é usada para transformar nossa compreensão,
explicação e modelos teóricos do mundo. Hall (1997:1.
Grifos do autor).

Assim, considerando a centralidade da cultura na experiência


humana, Hall (1997:1) afirma a competência científica da cultura, admi-
tida na teorização social: “[...] o amplo poder analítico e explicativo
que o conceito de cultura adquiriu na teorização social. [...]”. Nesse
sentido, toda a ação humana pode ser pensada e entendida, a par-
tir dessa referência, uma vez que, nessa referência é reconhecida a
propriedade de análise e explicação das circunstâncias sociais e, por-
tanto, a construção de entendimentos para se chegar aos significados
atribuídos à realidade.
Para o pós-moderno, a constituição de outra categoria de análise da
realidade social – a cultura – significa uma revolução conceitual frente
ao modelo tradicional de ciência, e, devido à transformação das refe-
rências tradicionais de análise social, esse movimento é reconhecido

239
como momento de uma grande transformação conceitual – “[...] uma
revolução conceitual de peso está ocorrendo nas ciências humanas
e sociais. - [...]” (HALL, 1997: 9). Essa revolução traz para o centro
da compreensão e da análise da sociedade, a experiência cultural
que, tradicionalmente, era entendida como uma prática decorrente:
“[...]. Nas ciências humanas e sociais, concedemos agora à cultura
uma importância e um peso explicativo bem maior de que estávamos
acostumados anteriormente [...]” (HALL, 1997: 9), sendo, portanto “[...]
diferente da forma como a mesma foi teorizada por vários anos pela
corrente dominante nas ciências sociais. [...]” (HALL, 1997: 11)
A partir dos Estudos Culturais, a atenção dada às práticas e experi-
ências culturais - entendidas como manifestações sociais, construídas
a partir de condições sociais, históricas e subjetivas específicas - nega
os valores modernos que construíram o indivíduo. Esses valores, ao
construir um modelo de homem para a sociedade como sendo o homem
racional, capaz de explicar, pela razão, o mundo e o ser humano em
suas ações e promover, racionalmente, a emancipação social, fizeram
desaparecer da condição de humanidade, uma experiência social e
histórica que é importante na constituição do indivíduo, a cultura.
Na compreensão da realidade social, a cultura aparece, então, como
alternativa para significar o real, ou seja, a prática cultural passa a
ter “[...] um papel constitutivo e determinado na compreensão e na
análise de todas as instituições e relações sociais [...]” (HALL, 1997:
11). Sendo constituída, portanto, como alternativa às explicações da
realidade social, a cultura vai dar origem à perspectiva teórico-meto-
dológica chamada Estudos Culturais. Segundo Hall (1997: 9), essa
orientação teórico-metodológica

Refere-se a uma abordagem da análise social contem-


porânea que passou a ver a cultura como uma condição
constitutiva da vida social, ao invés de uma variável
dependente, provocando, assim nos últimos anos, uma
mudança de paradigma nas ciências sociais e nas huma-
nidades que passou a ser conhecida como a ‘virada
cultural’,

240
A perspectiva teórico-metodológica Estudos Culturais, embora,
reconheça a importância da dimensão econômica na organização e
definição de valores sociais, sugere que a cultura compreende experi-
ências que não se resumem ao econômico. Nesse sentido, Hall (1997)
afirma que a centralidade da cultura na explicação da realidade social
não quer dizer reduzir essa explicação ao cultural, mas significa arti-
cular os aspectos culturais e materiais no estudo da realidade social.
Então, sem atribuir primazia à dimensão cultural, mas, também, sem
priorizar as outras dimensões da prática humana, Hall (1997: 9) coloca
a cultura ao lado “[...] dos processos econômicos, das instituições
sociais e da produção de bens, da riqueza e de serviços [...]” na expli-
cação das práticas sociais.
Assim, a perspectiva teórico-metodológica dos Estudos Culturais
entende que a experiência cultural tem estatura epistemológica
própria –

[...] no seu sentido epistemológico, a centralidade da


cultura repousa nas mudanças de paradigma que a
‘virada cultural’ provocou no interior das disciplinas
tradicionais, no peso explicativo que o conceito de cul-
tura carrega e no seu papel constitutivo, ao invés de
dependente, na análise social. [...] -

Aparecendo, por conseguinte, como uma alternativa teórico-meto-


dológica, às perspectivas teórico-metodológicas que privilegiam a
naturalidade da realidade social, a historicidade do homem e de sua
ação e a materialidade da existência social.

Considerações finais

Antes de terminar, é importante destacar, mais uma vez, que


essa síntese geral, aqui apresentada, deve ser entendida como uma
apresentação panorâmica sobre a questão do significado do conheci-
mento, em dois períodos específicos da história do pensamento e das
relações sociais. Temos certeza que o tratamento aqui apresentado é

241
simplesmente uma tentativa singular de síntese e, que, portanto, não
esgotou o tema, deixando muitas questões sem resposta.
Sendo assim, nesse texto, tentamos apresentar os pressupostos
mais gerais da forma de conhecer cientificamente a realidade social,
mas que entendemos não é a única forma de conhecer a vida, nem
a mais importante e muito menos, nem a mais rica. É simplesmente
uma forma, que contraditoriamente, pode libertar e/ou aprisionar o
humano frente à riqueza e complexidade da vida.
Em linhas bem gerais, os pressupostos da epistemologia moderna
– universalidade, unicidade, separação entre o sujeito e o objeto
de conhecimento, ênfase na empiria, o Positivismo, ou na história, o
Historicismo ou nas relações materiais de existência, o Marxismo - dis-
tinguem a versão moderna da versão pós-moderna de conhecimento.
No período pós-moderno o conhecimento do real destaca a cultura
como eixo importante de análise. A cultura, entendida como lógica
e prática, constitui a perspectiva teórico-metodológica dos Estudos
Culturais.
O significado desse panorama para a pesquisa educacional e para
a pesquisa em didática não é metodológico, mas teórico-metodológico
na medida em que os pressupostos de sociedade e de conhecimento
sustentam as formas de entendimento do que é o trabalho investiga-
tivo. O pesquisador, ao identificar esses pressupostos, terá consciência
não só de sua opção por determinada forma de pensar e lidar com a
sociedade e das possibilidades e limites do seu trabalho investigativo,
bem como, terá indicações dos procedimentos de pesquisa que são
importantes e adequados ao seu projeto de aproximação do real.
Por último, é importante ressaltar que não tivemos a intenção de dar
conta das questões que fazem parte dessa problemática geral e ampla
que é o significado do conhecimento. Tratar essa apresentação como
uma síntese própria, singular, definida por uma determinada reflexão,
por um determinado conhecimento e por determinadas opções significa
que, terminada essa exposição, questões não terão sido respondidas,
aspectos terão sido esquecidos e debates precisarão ser retomados

242
de qualquer lugar teórico, para um maior aprofundamento, para uma
mais cuidadosa argumentação, para uma mais rigorosa análise.

Referências

COSTA, Marisa C. Vorraber (1994). Pesquisa em educação: concepções


de ciência, paradigmas teóricos e produção de conhecimento. Cadernos
de Pesquisa, São Paulo, nº 90, p. 15-20.

HALL, Stuart (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revolu-


ções culturais do nosso tempo. Educação e Realidade, 22 (2), p. 15-46.

HARVEY, David (1994). Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as


origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, p. 7 – 67.

LÖWY, Michael (2009). As aventuras de Karl Marx contra o Barão de


Münchahausen: marxismo e o positivismo na sociologia do conheci-
mento. São Paulo: Cortez.

MARX, Karl (1974). O método da economia política. Lisboa, Editorial


Estampa.

SANTOS, Boaventura de Sousa (2004). Do pós-moderno ao pós-


colonial. E para além de um e outro. Conferência de abertura do VIII
Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, 45 pp.
Disponível em: www.ces.uc.pt/misc/Do_pos-moderno_ao_pos-colonial.
pdf Acesso em: 15/9/13.

243
Sobre os autores

Ana Maria Petraitis Liblik


Possui Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo
(2001), Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná
(1996), graduação em Bacharel em Matemática pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1974), graduação em Licenciatura
em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1974), graduação em Educação Artística pela Universidade Federal
do Paraná (2011). Atualmente é Professor Associado da Universidade
Federal do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Educação Matemática, atuando principalmente nos
seguintes temas: Educação, Educação Matemática, Arte-educação,
Ensino-aprendizagem e coordena o projeto Arte na Escola, polo UFPR.

Arlindo Cornélio Ntunduatha Juliasse


Possui graduação em Educação de Adultos pela Universidade
Pedagógica de Moçambique - Delegação de Nampula (2009), gradu-
ação em Direção e Gestão Educacional pela Universidade Católica de
Moçambique - Faculdade de Educação e Comunicação (2010) e mes-
trado em Gestão do Desenvolvimento pela Universidade Católica de
Moçambique - Faculdade de Educação e Comunicação (2012). Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Educação inclusiva e
processos educacionais

Beatriz Calazans Dounis


Possui Graduação em História pelo Centro de Ensino Unificado de
Brasília (1993), Mestrado em Teologia e Doutorado em Ciências da
Educação - Área de Inovação Pedagógica pela Universidade da Madeira
(2012). Atualmente é professora de Historia do Centro de Internação
de Adolescentes Granja das Oliveiras, professora de Metodologia
Científica do Instituto Betel Brasileiro Faculdade de Teologia. Tem

244
experiência na área de História, e Educação/Pedagogia, atuando
principalmente com as seguintes temáticas: Educação, Cultura, EJA,
Escola e Fracasso Escolar.

Carmen Lúcia Guimarães de Mattos


Possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Santa
Doroteia (1976), mestrado em Interdisciplinary Studies in Human
Development na University of Pennsylvania (1987) e doutorado em
Education Culture And Society na University of Pennsylvania (1992).
É professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
atuando na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação
em Educação (ProPEd). Também é PROCIENTISTA da FAPERJ/UERJ.
Atualmente é pesquisadora Senior Scholar na British Columbia University
(UBC). Coordena o Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) e o
grupo de pesquisa Etnografia e Exclusão. Participa de diversas parcerias
internacionais: Universidade da Pensilvânia, Universidade de Sydney,
Universidade de Cambridge, Universidade de Pádua, Universidade de
Northampton e a Universidade de Pretória. Ao longo dos anos vem dis-
ponibilizando o material de pesquisas, por meio de livros, relatórios de
pesquisa e artigos científicos, de natureza etnográfica na área educa-
cional visando estimular o intercâmbio de conhecimentos e socializar os
resultados de pesquisas e reflexões elaboradas no Brasil e no exterior
a partir de estudos de natureza etnográfica. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Etnografia na Educação, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: fracasso escolar, etnografia, justiça
social, tecnologia em educação e gênero.

Eloiza da Silva Gomes e Oliveira


Possui Graduação em Psicologia e em Pedagogia, Especialização em
Supervisão Educacional e Mestrado em Psicologia Escolar. Concluiu o
Doutorado em Educação (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em
1997. Atualmente é professora Associada da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), atuando na Graduação e no Programa de
Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH),

245
onde lidera o Grupo de Pesquisa "Aprendizagem, subjetivação e cida-
dania ". Coordena o Laboratório de Estudos da Aprendizagem Humana
(LEAH). É Diretora do Instituto Multidisciplinar de Formação Humana
com Tecnologias da UERJ. Atua especialmente nas áreas de Educação
com mediação tecnológica, Aprendizagem, Formação Humana e
Políticas Públicas.

Glória de Melo Tonácio


Possui Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da
UFRJ, no eixo de pesquisa Políticas Públicas e Instituições Educacionais,
concluído em agosto de 2011. Concluiu o Mestrado em Educação na
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora,
em abril de 2003, na linha de pesquisa: Linguagem, Conhecimento e
Formação de Professores. É professora do ENSINO FUNDAMENTAL
do Colégio Pedro II. Faz parte nessa instituição do NEAB/CPII e da
Comissão Permanente de Pessoal Docente do Colégio Pedro II-CPPD/
CPII. Tem experiência na Educação Infantil; no Ensino Fundamental,
onde atua; e no Ensino Superior, na áreas ligadas à Educação Infantil,
ao Ensino Fundamental e Prática de Ensino. Estuda e pesquisa temas
ligados às seguintes áreas: linguagem; formação, trabalho docente e
políticas públicas e educação etnicorracial

Jamil Ahmad Chitrali


Ele fez o seu PhD em Sociologia pela Universidade de Peshawar, em
2013. Foi formado pela Universidade de Peshawar em 1998 e passou
Mestre em Antropologia com destino departamento forma de sociolo-
gia e Antropologia Universidade de Peshawar. cursos tiveram de nível
de doutorado de Área de Estudo Centre (Estudos da Ásia Central) em
2003-04 e de nível MS cursos de Verão 2008-09 da Universidade
de Lund, na Suécia em Estudos de Género. Ele permaneceu Director
de estudantes Sociedades e é atualmente Organizador do Cultural &
Dramatic Society, da Universidade de Peshawar. No seu crédito vários
programas de artes criativas e conseguiu encenar Drama no Agha Khan
Auditório sobre o conceito de paz. Ele permaneceu o drama artista,

246
roteirista e diretor de várias peças em ao ar no canal Estado Run TV
PTV em 1990. Ele realizou vários projectos de investigação e ganhou
boa relação na comunidade internacional viajar para conferências e
trabalhos de campo e outros eventos de pesquisa do Afeganistão, Irã,
Índia e Alemanha, Austrália, Turquia, etc Como Diretor IPCS assinou
memorandos de entendimento com o Governo do Paquistão. Brasil e
Canadá e une Unidos estão prestes a estar na mesma rede de pacifi-
cadores no Paquistão. Servindo desde maio de 2002 na Universidade
de Peshawar permaneceu dois tempos elegeu Membro do Sindicato,
Conselho Académico, Senado e presidente da PUTA e conseguem
levantar fundos no valor de 20 milhões para vários projetos de Governo
de Khyber Pakhtunkhwa e outros doadores.

Luís Paulo Cruz Borges


Formado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(IFCS/UFRJ). Especialista em Relações Étnico-raciais e Educação: uma
proposta de (re)construção do imaginário social pelo Centro Federal
de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/ RJ).
Mestre em Educação pela Faculdade de Formação de Professores
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). Membro
do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente é Professor dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental. Tem experiência na área de Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: conhecimento e cultura
escolar, formação docente, sociologia da educação e etnografia.

Marcio Rodrigo Vale Caetano


Líder do Nós do Sul: Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre
Currículo, graduado em História pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), com mestrado e doutorado em educação
pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Como parte dos estu-
dos de pós-graduação, realizou estágio no Programa de Estudios

247
Feministas do Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias
y Humanidades da Universidad Nacional Autónoma de México
(CEIICH- UNAM). Paralelo ao magistério, atuou em organizações de
direitos humanos LGBT coordenando projetos de pesquisas e de
formação continuada com docentes, profissionais da saúde, gesto-
res/as públicos/as e ativistas dos movimentos sociais LGBT e Aids.
Professor de Políticas Públicas da Educação no Instituto de Educação
da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, orienta investigações
desenvolvidas nos Programas de Pós-graduação em Educação e em
História. Dentre os temas de interesse e de pesquisa estão: 1. gênero,
sexualidade e relações etnicorraciais; 2. desigualdades e marcadores
sociais de diferenças 3. teorias feministas e queer; 4. educação e cur-
rículo e 5. população Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti e Transexual.
É coeditor da Revista Momento: diálogos em educação. Entre 2013
e 2014, ocupou a secretaria executiva da Associação Brasileira de
Estudos da Homocultura ? ABEH- e a suplência no Conselho Nacional
de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Maria Luiza Süssekind


Finalizei em 10 de Maio de 2013, na Universidade da Columbia
Britânica, Vancouver, Canadá, Estagio Pós-doutoral sobre Curriculum
Studies in Brazil; junto ao Professor Emerito William Pinar, com projeto
aprovado pela Capes. Sou Professora do Programa de Pós-graduação
em Educação da UNIRIO. Coordeno o PIBID-CAPES/Interdisciplinar
para Ensino Fundamental atuando junto a Escola Municipal Georg
Pfisterer. Coordena o GT Currículo Anped. Líder do Grupo de Pesquisa
Práticas educativas e Formação de Professores/GPPF. Editora da
Revista Teias Proped-UERJ. Membro do Comitê de Conferências do
IAACS- Associação Internacional de Estudos Avançados em Currículo.
Possuo Licenciatura Plena em História pela PUC-RJ (1990), Mestrado
em Ciências Sociais (Etnografia) pela UFRRJ (2002) e Doutorado (2007)
em Educação (Cotidiano) pela UERJ. Fui professora de História e OSPB
nos Ensino Fundamental e Médio por mais de 10 anos. Trabalhei junto

248
à equipe de implantação da UENF. Atuei como Subcoordenadora
do Projeto ?Metacognição em Sala de Aula? UERJ-DEGASE-SEJINT
(1999-2000). Coordenei a DIREITORIO da FGV-RJ. Na Fundação
Getúlio Vargas - RJ, também, lecionei no Mestrado Profissional em
Poder Judiciário e fui consultora pedagógica em desenvolvimento ins-
titucional para os cursos de graduação em História, Ciências Sociais,
Economia e Matemática Aplicada. Fui consultora do IBAP nas áreas de
pesquisa quantiqualitativa e educacional de 2006 a 2009 tendo atuado
nos projetos da FUNASA, SEDU-ES e IASES. Fui também professora da
pós-graduação lato sensu em Administração escolar da UVA e profes-
sora substituta da graduação em Pedagogia e Licenciaturas da UERJ.
Atuo nas disciplinas de Didática, Currículo, Estágio Supervisionado e
Cotidiano escolar para Pedagogia e Licenciaturas em História, Filosofia,
Letras, Teatro, Música, Sociologia. Leciono Epistemologia no PPGEdu/
Unirio e Proped/UERJ. Tenho experiência em pesquisa, desde 1988,
com ênfase em Metodologia, Currículo, Formação de Professores e
Estudos do Cotidiano.

Mariane Del Carmen da Costa Diaz


Mestre em Educação pelo PPGEduc/UFRRJ com pesquisa na área
de educação escolar indígena e política educacional, foi bolsista IPEA/
ANPEd através de um Edital de Concurso Nacional para mestrandos
em educação obtendo o sétimo lugar com a pesquisa na área de desi-
gualdades sociais. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ (2010). Foi monitora da disciplina
Estrutura e Funcionamento do ensino durante 2 períodos (2008-II/
2009- I), do Departamento de Teoria e Planejamento do Ensino -
DTPE-IE, da UFRRJ. Foi bolsista de PIBIC/CNPq durante um ano e meio
(2009-I/2009-II/2010-I) pesquisando na área de educação escolar
indígena, políticas públicas e identidades. Atualmente é tutora a dis-
tância da disciplina Prática de Ensino I (CEDERJ/UFRRJ) e professora
contratada do Colégio Pedro II (1º Segmento do Ensino Fundamental).
Tem interesse na área de formação de professores, políticas educa-
cionais e desigualdades sociais, prática de ensino e estudos culturais.

249
Pesquisa sobre movimentos sociais - em especial, indígena - intercul-
turalidade, culturas, identidades e políticas educacionais. Atua nos
grupos de pesquisa: Espaços Educativos e Diversidades Culturais
- UFF (pesquisador) e Núcleo de Estudos de Tradições Indígenas e
Negritudes (NETIN) - UFRRJ (estudante) e associada da ANPEd GT 21.

Marlon Silveira da Silva


Possui graduação em História, licenciatura plena pela Faculdade
Porto Alegrense. Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande e membro do
Nós do Sul: Laboratório de Estudos e Pesquisas Sobre Currículo;
Profissionalmente, tem experiência em espaços e instituições educa-
tivas e de preservação do patrimônio público e privado, além de ter
atuado como educador popular em oficinas e cursos voltados para
os temas: juventudes, vulnerabilidades, protagonismos e Direitos
Humanos. Atualmente, desenvolve pesquisas nas áreas da História,
Educação, Gênero e Sexualidade, orientado pelos Estudos Culturais,
feministas e de-coloniais. Áreas de interesse: História, História
do Brasil, História da educação, Educação Patrimonial, Gênero e
Sexualidade.

Marta Pinheiro
Professora do Departamento de Teoria e Fundamentos da
Educação, Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná.

Mylene Cristina Santiago


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz
de Fora (1998), mestrado em Educação pela Universidade Federal
de Juiz de Fora (2002) e doutorado em Educação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2011). Atualmente é professor adjunto da
Universidade Federal Fluminense e vice coordenador do LAPEADE
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Currículo, atuando principalmente nos

250
seguintes temas: formação de professores, inclusão em educação,
inclusão e exclusão, educação intercultural e currículo.

Paula Almeida de Castro


Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (2003). Mestrado em Educação pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (2006). Doutorado em Educação pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011). Professora Doutora
de Formação de Professores da Educação Básica da Universidade
Estadual da Paraíba/Centro de Educação. Orientadora de Mestrado
no Programa de Pós Graduação em Formação de Professores.
Coordenadora Institucional do PIBID/UEPB. Líder do Grupo de
Pesquisa Observatório de Pesquisas e Estudos Multidisciplinares
(OPEM) e Pesquisadora associada do Núcleo de Etnografia em
Educação (NETEDU/ UERJ). Estudos desenvolvidos na área de
Psicologia e Educação utilizando a pesquisa etnográfica com ênfase
nos processos de tornar-se aluno, formação de professores, identi-
dade, pertencimento, resiliência.

Paula Luderitz de Albuquerque Lenz-Cesar


Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ_1993), graduação em Matemática
pela Universidade Santa Úrsula (USU_2004) e Mestrado em Educação
Matemática - Boston University (BU_1998). Atualmente é professora
da Escola Americana do Rio Janeiro e participa dos seminários de pes-
quisa do núcleo de Educação Matemática da UFRJ, e do núcleo de
Etnografia da UERJ. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Métodos e Técnicas de Ensino, Interesse na pesquisa sobre uso
de tecnologias em sala de aula como facilitador do aprendizado e da
aquisição de habilidades do século 21 (21st century skills). Já lecionou
no Brasil e no exterior nos níveis fundamental, médio e universitário,
em instituições públicas (através de concurso) e privadas.

251
Raphael Pelosi Pellegrini
Graduado em Licenciatura em Letras - Português e Literaturas
pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Mestrando
em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Siomara Borba Leite


Possui Graduação em Pedagogia pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (1974), Mestrado em Educação - University
of Manchester (1983) e Doutorado em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é Professora
Associada da Faculdade de Educação, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Exerce atividades de ensino na Graduação em
Pedagogia e na Pós-graduação. Tem experiência na área de pesquisa,
dedicando-se as seguintes temáticas de investigação: pós-graduação
em educação, formação do pesquisador, conhecimento científico, pes-
quisa em educação.

Treyce Ellen Silva Goular


Pesquisadora, acadêmica do Mestrado em Educação (Programa
de Pós Graduação PPGEDU) e do curso de História Licenciatura, na
Universidade Federal do Rio Grande 2010-2011, formada pela mesma
Universidade em História Bacharelado, no ano de 2010. Atuou como
presidente do Centro Acadêmico de História; Angelina Gonçalves; na
gestão 2008-2009. Atuou como coordenadora adjunta do Programa de
Extensão PROEXT/MEC/SESu 2012-13 Comunidades FURG - COMUF.
Em 2013, foi coordenadora acadêmica do Programa de Apoio ao Ingresso
aos Ensinos Técnico e Superior - PAIETS Indígena e Quilombola: Novas
conexões de saberes. É membro do Nós do Sul: Laboratório de Estudos
e Pesquisas sobre Currículo e possui área de pesquisa e interesse no
estudo de Gênero, Feminismos das mulheres negras, História e Cultura
Negra e Quilombola. Tem experiência na execução de formações e
oficinas/mini cursos relacionadas/os à efetivação da Lei 10.639/03,
feminismos das mulheres negras e decolonialidade.

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Valentina Grion
Ph.D em Pedagogia e Ciências da Educação (Faculdade de Educação
da Universidade de Pádua). Professora AssistenteExperimental
Pedagogia (M / PED04 Sector Scientific) da Universidade de Pádua,
Departamento FISPPA (Filosofia,Sociologia, Pedagogia e Psicologia
Aplicada). Ensina nos cursos de graduação (“Experimental de
Pedagogia” e “Métodos dePesquisa em Educação”), cursos de mes-
trado ( “Escola de avaliação do sistema e Tecnologias da Educação”
e Avaliação do Sistema Escolar e do Desenvolvimento profissional do
professor “) e cursos de doutoramento.

Viviane Lontra
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro - UNIRIO, professora supervisora do Programa
Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência PIBID, professora do
Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - CAp/
UFRJ. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente
com alfabetização e letramento.

Walcéa Barreto Alves


Possui graduação em Psicologia pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (2000), Mestrado em Educação pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (2003), Doutorado em Educação pela
Universidade Federal Fluminense (2012) e Pós-Doutorado pelo
Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (2014). É Professora Adjunta da Faculdade de
Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF - Niterói - RJ) .
Atua como pesquisadora junto ao Núcleo de Etnografia em Educação
(netEDU/PROPED/UERJ). Sua experiência profissional envolve as
áreas de Educação e Psicologia, dentro das seguintes temáticas/ áreas
de atuação: didática, processos de ensino-aprendizagem, psicologia
do desenvolvimento, psicologia educacional, reflexividade, represen-
tações sociais e tecnologias educacionais.

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