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feyedneside teers eel Tee O-lag i Vielne =) pe “ze)s1 QUE so ek5 DE POESIA A expefiencia liricajcomo. formalde libertacaole exercleioida critica Wfe}ol=imeh] NAS ee) ap ley -Ulle}=se) i= lite: compreende nossa) Capacidade de! interpretar o mundi j bee io humana. Reflexoes nC oe gatas [Se)(aticon pa @ == — = == = => == == => = => == = => == = => == = BOFTOMORE,E Dioniio do ensamento manta. Ro de ane: Joge aha oy, 88, ETCHEVERRY,.Oconfito actual dos humanisms. Port: Lira es REFERENCIAS ie: aba nes 1975, S| Tenia ecéias como Ps Usp 2018 MARS, Ky ENGELS F. ideologies ‘io Paso: Marin Foes, 19 MARS, K Mansi ecendimic lsc, So Palo Marin Char, 200, capa cca da eoncei pola, io de ro: Bein Br, MCLELLAN. Karl Mar vide pereamasto Peps, Wes, 1990, NOGARE, P Hamanismo ant Fumanismo, 10m. Peps Voz, on ww-portalespacodosaber.com.br + Filosofia cémciatvida * 23 CAPA OPA IAA Se E IMPERATIVO ETICO i possivel postular um principio universal a ética para além das religides? Pre ors Ue verne net Ear ene urd aed Beret) eee nay ener! orrnee) peemeeryiirt) “l ithor without gion, good people W: behave well and bad people ‘an do evil; but for good people to do evil ~ that takes religion. "(Steven Weinber [1] Lato sensu, 0 fundamentalismo se caracteriza pelo dogmatismo orto- doxo com implicagoes praticas. Mais especificamente, como se sabe, 0 fun- damentalismo foi um movimento reli gioso e conservador, dos Unidos pelos protestantes no ini do século XX, com raizes na interpre tagao literal da Biblia como fundamen- tal Aa uma vida em conformidade com iado nos Esta. a doutrina cris entanto, 0 termo ‘ganha conotagées mais genéricas ¢ pas sa a abranger também o fundamenta. lismo islamico e outras doutrinas re giosas de cariter dogmitico, [2] Trago comum as vertentes do fundamentalismo é a nogao de verdade absoluta e universal. Nossa matriz in telectualista, calcada no platonismo, se fundamenta na cendente, como fundamento e garantia do real. Em outras palavras, hi a Verda ia, de carter trans: de e ela é absolutamente universal. No entanto, tal formulagéo, quando lida & luz do relativismo cultural, implica um problema fundamental: avalidade universal e absoluta do dog. somo garantir 1ma de f€ quando contraposto a outras manifestaces culturais? Trata-se de localizar a origem da periéncia subjetiva e, tal como propo Kierkegaard, realizar o salto da fé. que as sociedades ditas civilizadas; herdeiras dos ideais iluministas? re- renga numa ex servem 4 religiio a esfera do privado. Cumpre questionar sobre a necessida- de de um fundamento absoluto capaz de dar conta da relativizacao dos valo- res culturais. O problema intercala o da téncia de Deus, pois, se Deus nao existe, entao tudo é permitido. Como se sabe, trata-se aqui da célebre for- mulagio de Ivan Fiodorovitch, perso- nagem de Dostoiévski em Karamazov (1879) Gb deeirde el mii reco ear que 0 rao, capar de problematiza woe quer dog, dat CAPA SE DEUS E A GARANTIA DO BEM, ENTAO AQUELES QUE NAO CREEM EM DEUS SERIAM INCAPAZES i DE PRATICAR O BEM OU AO MENOS TENDERIAM AO MAL? OU, AINDA, AQUELES QUE CREEM EM DEUS SERIAM INCAPAZES DE PRATICAR O MAL? [..Jem toda a face da Terra nao existe terminantemente nada que obrigue os homens a amarem seus semethantes, que essa lei da natu- reza, que reza que 0 homem ame a ‘umanidade, nao existe em absolu- to-€ que, se até hoje existiu o amor nna Terra, este nao se devew a lei natural, mas tao s6 ao fato de que os homens acreditavam na prépria imortalidade. [..] destruindo-se nnos homens a fé em sua imortal- dade [..] no haveré mais nada ‘amoral, tudo ser permitido... [3] A tese de Ivan Fiodorovitch, tal como @ emprega Dostoiévski, postula a necessidade da existén- cia de Deus como verdade absoluta capaz de garantir um fundamento Ultimo & moral, Como nem tudo é permitido, entio é preciso que Deus exista, Esa reflexio, portanto, ter por mote o problema do pres- suposto dogmitico capaz. de subsi- diar a postura fundamentalista. [4] No registro da metaética, © problema poderia ser traduzi- do através da possibilidade de se estabelecer critérios objetivos ca- pazes de fundamentar a ética, em outras palavras: & possivel lar um principio universal a & para além das religides? Ou, entio: torna-se impossivel postular nor- mas objetivas como critérios para orientar e fundamentar a ago hu- DOSTOLEVSKI Os mio Karma, p 108: 26 + Filosofia cinciasvida ‘mana? Muitas correntes defendem a possiblidade de se instituir crité- ros objetivos a ética para além des- se substrato transcendente, mas 0 objetivo aqui nao é apresentar essas respostas, mas antes demonstrar os perigos que a postura fundamenta- lista, em sew substrato dogmatico, acarreta, De tal modo que cumpre tum recurso a formulagio do pro- blema, tal como aparece ma insti- gante interlocugao em carta aberta entre o cardeal Carlo Maria Martini e vintelectual Umberto Eco: Como se pode chegar a dizer, prescindindo da referéncia a um Absoluto, que certas agoes nto se podem fazer nao, sob nenhum con- ceito, € que outras devem fazer-se, custe 0 que custar? [...] Cada vez resulta mais claro que somente 0 in- condicionado pode obrigar de ma- neira absoluta, somente 0 Absoluto pode vincular de maneira absoluta. 15] Para Martini, a ética, em seu fundamento, exige principios ‘metafisicos absolutos € universal- ‘mente vilidos, Segundo o cardeal, 0 cristao tem em Deus um principio claro ¢ absoluto capaz. de garantir a verdade do fundamento moral, ¢,@ partir dessa constataciio, ele prope Eco 0 problema em bases secula- res. Como insttuir uma ética para além do relativismo? Qual 0 “fun- damento tltimo da ética para um Jaico”? Em sua resposta, Umberto Eco recorre a tese de que exisiriam noges universais comuns a todas as culturas, de tal modo que nao se ria necessirio recorrer a Deus para garantir o bem. {6.] © diminuto “bem” de Eco parece requerer letras maiisculas e garrafsis no discurso do cardeal Martini, Delineia-se aqui a céle- bre redugio disjuntiva: ou Deus existe ea moral é possivel ou Deus nio existe e tudo é permitido. De pronto podemos postular que tal formulagdo apregoa um precon- ceito, pois advoga implicitamente que aqueles que nao creem tendem a0 mal. Ora, se Deus é a garantia do bem, entio aqueles que nao creem em Deus seriam incapazes de praticar 0 bem ou a0 menos tenderiam ao mal. Ou, ainda, que aqueles que creem em Deus se riam incapazes de praticar 0 mal. Isto é, aquele que pratica o mal, 0 faz porque “nio professa a fé em Deus’, Pois nao conhece a Verda- de em Deus. © problema acima enunciado ganha novos contornos se, ao invés de se perguntar: “como instituir um fundamento absoluto sem Deus?”, a questo que se im- poe & “Deus é realmente necessi- rio a ética [7.] De uma feita o falso dilema permite pelo menos quatro formu- lagées: Deus existe e & a garantia do sentido tltimo da agdo moral, tal como defende Martini; Deus nao existe ¢ a moral € impossivek; Deus existe ¢ ndo garante sentido da agdo, tal como defendem alguns deistas, por exemplo; Deus nao existe ¢ a moral, ainda assim, é possivel, tal como parece defender Eco, dentre outros. [8,] No entanto a postura de Eco parece apenas pos- tergar o problema, pois, se existem nogoes universais, e3sas logo sio passiveis de se constituirem como subs: trato a posturas fundamentalistas, Ora, se ha a verda- de, tudo que nao reside na verdade é, logo, mentira © problema, mais uma vez, parece residir na redugao disjuntiva ou no maniqueismo reducionista, [9] Por outro lado, o problema acerea do funda- mento tiltimo da ética também intercala a questio so- bre o sentido da vida, pois, tal como aparece na for mulagéo dogmitica de Martini, uma vida com Deus é n sentido, Lembremo-nos, a fim de intro- bre uma vida c duzir essa dimensio do problema, da bastante passagem de Albert Camus em O mito de Sisifo: $6 hd um problema filosofco verdadeiramente série: € 0 suicidio. Julgar se a vida vale ou néo wale a pena ser vivida é responder a questdo fundamental da Filosofia O resto, se 0 mundo tem trés dimensbes, se o espirito tem nove ou doze categorias, vem em seguida. So apenas jogos: primeiro € preciso responder. [..] Se me pergunio ppor que julgar tal questao & mais urgente do que outra qualquer, concluo que a resposta depende das agoes a que elas engajam. Jamas vi alguémt morrer pelo argumento ontol6gico. Galileu, que tinha uma verdade cientifca im- portante, dela abjurou com a maior das facilidades deste ‘mundo, logo que tal verdade pos a sua vida em perigo. Em certo sentido, ele fez bem. Essa verdade nao valia a foguei- ra, Se é a Terra ou o Sol que gira em redor do outro isso é profiundamente indiferente. A bem dizer, é wma questa fitl. Por outro lado, vejo que muitas pessoas morrem por considerarein que a vida nao merece ser viva. Vejo ou- tros que se fazem paradoxalmente matar pelas ideias ou pelasilusdes que thes dio uma razio de viver (0 que se chama uma raziio de viver & ao mesmo tempo wma ex- celente razito de morrer), Julgo que o sentido da vida é a ‘mais premente das questdes. Como respondé-las?* [10.] Essas palavras permitem melhor perceber 0 alcance da questio. Para além das categorias abstratas da metafisica tradicional ¢ preciso encontrar justifica- tivas capazes de garantir um sentido & existéncia hu- mana. O problema implica outra interlocugio com a questo radical acerca do fundamentalismo, qual seja, saber se a vida vale ou nao vale a pena ser vivida sig- nifica perguntar: primeiro, (1] a vida tem um objetivo [finalidade ou télos}’; €, depois, [2] esse objetivo ou finalidade tem valor? Esse desdobramento exige uma melhor explicitagao. [11.] Deus surge como garantia do sentido ¢ valor da ago humana, ¢, tal como se sabe, muito se matou em nome de Deus ao longo da histéria. Em outros ter ‘mos, muito se matou em nome da Verdade ao longo da histéria,e isso porque a Verdade (ou Deus) se apresenta CCAMIUS. Lethe de Soph. .17-18 SE EXISTEM NOCOES UNIVERSAIS, ESSAS LOGO SAO PASSIVEIS DE SE CONSTITUIREM COMO SUBSTRATO A POSTURAS FUNDAMENTALISTAS. ORA, SE HAA VERDADE, TUDO QUE NAO RESIDE NA VERDADE E, LOGO, MENTIRA vwinportlespacodosabercom.r + fIlOSOfia nasa © 27 CAPA RELATIVISMO_ Cumpre uma remissio a al que é expresso de forma exemplar 1 filme Brincando rnos campos do Senhor, de Hector Babenco: o cardter etnocentrico da tradigao cristé de matriz europeia. O filme retrata a tentativa de uma missdo_ evangelizadora de ensinar aos bérbaros aborigenes a Verdade sobre Deus, que € Uno e fala latim; de tal modo que vemos se desvelar a tensdo entre a abordagem do relativismo cultural em contraposigao avioléncia das posturas etnocéntricas. (fundamentalistas) 26 + Filosofia cinciasvida em sua dimensdo positiva, portanto, pas- sivel de se prestar como substrato as pos- turas fundamentalistas dogmiticas. Em. tum sentido oposto, as filosofias da exis- téncia, em seu cardter negativo, impoem_ ‘um novo problema a ética, pois colocam © homem, sem desculpas, como tinico responsivel pelo sentido da existéncia e agdo humana [12] Cumpre um recurso a outro momento retirado da criagio ficcional: Jorge Amado, em Tereza Batista cansa- da de guerra, como se sabe, traz 0 per- sonagem capitio Justiniano Duarte da Rosa,’ que encontra (cria) 0 sentido da sua existéncia a0 colecionar “cabagos de donzelas’, em outras palavras, o per- sonagem reduz 0 sentido da sua vida a desvirginar jovens vulnerdveis por vive- rem em condigdes de extrema pobreza. A pergunta que se impde é: se essa pode sera finalidade de uma vida capaz de lhe atribuir um sentido, esse sentido teria valor? & eticamente aceitivel tal projeto existencial? B se tal postura nao é aceité- vel, como garantir que nao se possa at buir tal objetivo a vida? Ora, o problema assim colocado parece guinar essa re- flexio a um posicionamento no sentido extremo oposto: se tudo é permitido, en- tio todos as escolhas se equivalem, logo: como fugir ao relativismo? [13.] Por consequéncia, desnudam-se dois problemas fundamentais da filoso- fia implicados nessa reflexdo: [1] 0 que € uma vida com sentido; ¢ [2] 0 que & uma agao boa? Pois, tal como jé alertava Aristételes em Etica a Nicémaco: “Nao * Cae descr den da ola com ue Jonge Amado tus o nme do eonagem, qa ong da romance § ‘hae sper apa, eg do pede fami (One d os) parelheeotenro deo de splcat ‘9m sg, Nom dos mente Fred 0 ‘cap atin sm sta go api espera perma Peal, qu conta apenas deve aos de ean Tast- "Comal Jno ningun catence quem cave aps Purp ater med table? (AMADO, Tera Bae ans de ger p12, glo ness Estamos date de sutonnns xg peo epi fumintat nos entregamos a essas indagagdes para sabero que é4 virtude, mas para aprender a tornar-nos virtuosos e bons, pois que de utra maneira este estudo seria comple tamente iniitil”” Portanto, nao basta saber © que & a justiga em sua dimensio abs trata, é preciso inserir o plano conceitual no seio da realidade viva; & impreterivel mente necessério que a Filosofia esteja a servico da existéncia, Postula-se, de tal modo, uma pratica teérica, [14.] Vejamos, com um pouco mais de ccuidado, as implicagdes dessa probleméti ca no registro da a¢a0 humana historica- mente situada, Qual pode ser a consequ Encia desse problema para uma vida com seu sentido garantido a priori, pois tem seu fandamento em um Ser transcenden. te, Absoluto ¢ capaz de assegurar de per se 0 sentido da vida. Tomemos uma vez mais um exemplo emprestado da nossa tradigio literdria, ao menos no Ocidente. pertinente um recurso & eélebre passa- gem biblica em que Abraio € convocado por Deus a oferecer em sacrificio seu filho primogénito, o filo da promessa. E aconteceu depois dessas coisas, que provou Deusa Abrado, edisse-lhe: Abrado! Ele disse: Eis-me aqui. E disse: Toma agora o teu filha, 0 tew tinico filho, saque, a quem amas, e vai-te & terra de Moria, e oferece-oali em holocausto sobre uma das montanhas, ue eu te diret® [15,] Para além das implicagies teo- liogicas, a passagem atesta a que ponto o dogma de fé ¢ capaz de orientar as ages bumanas. A crenga num sistema de senti- do, neste caso a crenga em Deus, faz com que um pai se disponha a matar 0 préprio filho em nome de Deus? ARISTOTELES. Fore Noha. ine 2, th 2738. best 222 * Aga ptece sara patge cada aneriment Omit eS de Camis "Vejen sem faradolene ‘ita pe dis op ies que etd ur io de tie (quem chara uma si de ret enn ep sinaaclte rae demon TAL COMO JA POSTULAVA EPICURO HA MUITO TEMPO: SE O MAL EXISTE E DEUS PERMITE E PORQUE ELE NAO PODE SER BOM... POR OUTRO LADO, ARGUMENTA LEIBNIZ, NOSSA RAZAO FINITA NAO £ CAPAZ DE COMPREENDER AS RAZOES INFINITAS DE DEUS [16,] Bastante célebres também especial um servo obediente e de- no cariter absoluto se configurar siio as variagdes imagindrias pro- dicado, que sofra a dor da perda como um elemento capaz de rela- postas por Kierkegaard acerca des- daquilo que mais ama, seu proprio _tivizar a ética; na diregao oposta a sa passagem do livro de Genesis _filho. Evidente que 0 cardter dra- _Dostoigvski, longe de ser a garan- em Temor ¢ tremor. Mas 0 que in miitico que 0 recurso a0 género ética, a fé se converte na pos teressa aqui, no que tange 4 inter-_narrativo oferece convida o leitor de de relativizar 0 sentido pretacdo do fildsofo dinamarqués, a se perguntar por que Deus agi- da agdo humana. & a possibilidade do dogma de fé ria de tal forma. Sabemos também [18] Em nome de Dens, um relativizar 0 valor da ago huma- que o drama pretende colocar 0 pai se dispde a matar 0 proprio nna. Mais do que garantir 0 senti-_leitor diante da experigncia viva filho. A atitude primeira de qual- do iltimo do imperative categérico que apenas a narrativa literdria é quer ser racional diante de tal que se desdobra no “nao mataris’, _capaz, De tal modo que vemos afé _proposta seria duvidar da propria a perspectiva proposta se apresen- ta como possibilidade de se relati- viear a ética, £ justamente porque se cré, sem reserva, mesmo que parega absurdo, e em virtude da fé de que tudo € possivel em Deus," que alguém se dispoe a sacrificar 0 proprio filho, Diz Kierkegaard: Agora & mew propésito extrair da sua histéria, sob forma proble- mitica, a dialética que comporta para ver que inaudito paradoxo & 4 fé, paradoxo capaz de fazer de uum crime um ato santo e agradé: vel a Deus, paradoxo que devolve 4@ Abrado o seu fitho, paradoxo que nao pode reduzir-se a nenhum ra ciocinio, porque a fé precisamente comega onde acaba a raziio." [17] Emudecido, 0 leitor vé Deus exigir de um servo seu, em ‘ww-portalespacodosabercom.br + Filosofia cénciatvida * 29 CAPA y NA INTERPRETAGAO EXISTENCIALISTA, AO MENOS hh TAL COMO A DEFENDE SARTRE, A ESCOLHA MORAL, SE ASSEMELHA A CRIACAO DE UMA OBRA DE ARTE: NAO HA NADA QUE GARANTA SEU VALOR A PRIORI percepsio: 0 que vejo nao seria um enviado de Deus, mas, antes, uma alucinagao ou um delirio; ou entao, se perguntaria o pai: “Sendo Deus infinitamente bom, nao seria este um deménio tentando se passar por um anjo?” Nao é por acaso que Kierkegaard afirma na passagem supracitada que ‘a fé comeca pre- cisamente onde acaba a razao’; de tal modo que desvela-se como algo completamente irracional (contra- ditério®) assassinar o proprio filo a pedido de Deus. [19] Tal posicionamento se oferece como uma oportunidade para nos remetermos ao problema, assim chamado por Leibniz, da teodiceia. Saber se Deus é ou nao é justo € 0 problema fundamental da Filosofia, nesse registro a0 menos. tke cases so como parol tomarnor a Wbeide de casio como sentir, 30 + Filosofia citnciasvida E notério também que © mesmo Dostoiévski, que diz. que se Deus nao existir entao tudo é permitido, afirma que enquanto houver uma ligrima nos olhos de uma crianga 6 porque Deus nao existe. Atuali- zando: enquanto houver hospitais para tratar criangas com cincer & porque Deus nao existe, Pois, tal como jé postulava Epicuro hia mui- to tempo: se 0 mal existe e Deus permite & porque ele ndo pode ser bom... Por outro lado, argumenta Leibniz, nossa razao finita no é capaz de compreender as razdes infinitas de Deus, [20.] Neste ponto parece opor- tuno lembrar 0 contundente para- doxo proposto por Epicuro: Deus ow quer impedir os males endo pode, ou pode e ndo quer, ou rnéo quer nem pode, ow quer e pode. Se quer e nao pode, é impotente: 0 que & imposstvel em Deus. Se pode € ndo quer, & invejoso: 0 que, do ‘mesmo modo, & contririo a Deus. Se nem quer nem pode, € invejoso € impotente: portanto, nem sequer é Deus. Se pode ¢ quer, 0 que é a tinica coisa compativel com Deus. Donde provém entdo a existéncia dos males? Por que razdo & que ndo os impede?” [21] Uma vida com sentido é aquela na qual a acio é boa porque tem valor; €a garantia do valor re- side na escolha, Parafraseando Es- pinosa, “nao € porque uma coisa & boa que se a escolhe (deseja), mas € porque se a escolhe (deseja) que a coisa é boa’: Hé uma dimensio his- torica e coletiva implicada em tal tese, Na interpretagdo existencia lista, ao menos tal como a defende Sartre em O Existencialismo é um Humanismo." a escolha moral se assemelha a criagio de uma obra de arte; ndo ha nada que garanta seu valora priori, ao escolher, o homem se escolhe, se constitu’ inserido em ‘um contexto hist6rico que nao es colheu, mas que o engendra, Em termos mais evidentes, a historia fazo homem que fazahist6ria, para utilizar uma formulagio de matriz ‘marxista; ou seja, ha uma dimensio herdada, a qual o homem nao esco- Ihe, mas que é humana; e hi uma dimensio que & consequéncia das escolhas humanas, Por isso que € * BPICURO. Antes detest, ics, 9-6 NO QUADRO DE FENOMENOS RELIGIOSOS DE EXTREMA INTOLERANCIA COM A ALTERIDADE, TAL COMO OCORRE NA CONTEMPORANEIDADE ~ BASTA CITAR AS PERSEGUIGOES AS RELIGIOES DE MATRIZ AFRO-BRASILEIRA, TAO COMUNS EM NOSSOS DIAS fundamental reiterar que os gran- des genocidios ocorridos. durante a histéria da bumanidade, sejam cles em nome de Deus ou nao, tém 4 face humana, so consequéncias das escolhas humanas, mesmo que historicamente condicionadas. Nao ‘escolho nascer em um contexto de ‘guerra, mas me escolho neste con- texto e 0 construo também, S6 por ccovardia ou ingenuidade se atribut- ria a Deus a responsabilidade por tals atos. [23] Ora, tal como visto an- teriormente, se por um lado 0 problema implica na falicia da redugdo disjuntiva, pois entre a cexisténcia e a inexisténcia de Deus ‘como garantia Ultima do sentido da vida, temos ao menos outras duas possibilidades. Por outro lado, se no hé a verdade, entio tudo € relativo. Atestamos que 0 problema ndo se resolve com tanta facilidade tal como parecem crer ‘98 que creem, assim € preciso considerar outras tantas concep- es referentes a0 problema que sequer tocam na perspectiva reli- giosa, Desse modo, se queremos cerigir uma sociedade capaz de abranger a diversidade, € preciso evitar os preconceitos decorrentes de tal concepgio reducionista, [24]. Por fim, cabe reiterar: no se trata de travar um combate as perspectivas religiosas, mas simples- ‘mente de alertar para os perigos que cessas formulagies adquirem ao ga- harem contornos fundamentalistas 6 por consequéncia, intolerantes. No quadro de fendmenos religio- sos de extrema intolerincia com a alteridade, tal como ocorre na con- ‘temporaneidade - basta citar as per- seguigdes is religibes de matriz.afro- -brasileira, tao comuns em nossos dias -, torna-se imperativo ta alerta, mesmo que desejemos que um dia dle se torne ocioso.. io AMADO, Joe. Trea Batista cansada de gue, Sto aul Matis Fas, 1972. AISTOTELES, ca a Nicmaco, Coleco (Os enscores Tad, de Leonel Vind © (Ged emi a eso ingles de. Rom So Pal: Noe Cal, 1973 BABENCO, Het Brincando os campos do Senhor ine. ‘CANUS, Aber Le mythe de Sysighe: es su absurd Pats: Clit, 2010. CCERO, Artin. Atesede han Karama Fla deS, Paul, So Paso, 216 ab de 2007, p12. DOSTOIEWSG Fi Os mis Karamazov Coleco Leste Fa de Paulo Besta, Sio Paulo: E34, 2008, £CO, Umberto; MARTIN, Carlo Ma, fm que cee os que no cree? Tod de Bana Agi. Rs de anrao Pal falter Retr, 2000. EPICURO. Antolgi de textos, Coleco Os persadores, Tad. nots de Agi da Sika Etudes indtis de. Joya eC. Rbnc, So Paulo: Abi Cultura, 1985. (Gress a: Biblia sagada:conendo ‘antgoe oniotesament. Tad de REFERENCIAS) Jato Ferrrade Almeida. Rode and: Sociedade Blea do Bel, 1965. KIERIEGAARD, Temor emo. CiioOs Ferre Si Pada Abe utr, 978. SARTRE, jan Pal, O Bxstenciismo & lum Humansmo. Colo Os Perse “een cde Virgo ei. 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A jungao dos és a torna o marco do pensamento socialista manxsta £justamente neste volume que se encontram, por exem- plo, a notéria apresentacio do problema da queda tenden- ial da taxa de Ivcro bem como todo o debate a respeito do capital de comeércio financeiro. Além disso, & um material bem delcado, pois nao chegou a ser conclude em vic por ‘Mary, sendo editado posteriommente por Friedrich Engels Por isso, &extremamente relevante 0 fto de essa edicdo ser 2 primeira produce a partir dos documentos dt MEGA-2 (Marc Engels-Gesamtausgabe), que traz a mais completa € ‘minuciosa apuragao dos manuscrtos, notas e apontamentos cde Mare das opctes cle Friedrich Engels para a publicacao. HISTORIA Em 1872, ao mencionar as possiveis dificuldades en- contradas na leitura do Livro J de © capital, Kael Marx dic 2a, em tom de alerta: Os “cues luminosos” da ciencia cexigem, para ser alcancados, trabalho fatigante e pacien- 32 + Filosofia citnciasvida Por Lucas Vasques Lucas ¢jornalista eescreve com assduidade nesta publcacio. KARL MARX o capital O.CAPITAL~ LIVRO IE ‘Autor: Karl Marx Preficio: Friedrich Engels Apresentagdo: Marcelo Carcanholo ‘Tradutor: Rubens Enderle Orolha: Sara Granemayn Edditora:Boitempo Editorial ‘Miimero de paginas: 984 te, Eé com essa ia @ esse trabalho que a leitura as dificuldades resultam, por um lado, de nao ter sido concluido por seu autor e, por ou- tro, da propria natureza de sua matéria ‘Ao examinar “0 processo global da produgdo capita lista", Marx se preocupou priortariamente em capturar 0 movimento do capital em sua totalidade concreta, isto é, ‘0 modo como os diferentes capitais se relacionam, con- correm e, vé-se por suas indicacées, colaboram entre si. As diferentes funcbes e as maneiras diversas de mais-valor propriadas pelos capitas,tomados indvidualmente, per- mitem ~ aos capitais e capitaistas € aos seus governos, Principalmente nos momentos das crises ~ explicar a vida deste Livro Il xi social pela oposicfo entre capitalists bons e maus; étioos ‘eimorais;disciplinados e desregrados. Assim, quando thes ineressa, interpretam a formagio econémica da socieda- cde como anomalias de capitalistas individuais. Ao apresentar os movimentos. mais coneretos. da vida social sob © modo de produgio capitalita, 0 Livro 1 desaticula qualquer possibilidade de “responsabilizar © individuo por relacies das quais ele contin Galmente uma criatura’, conforme seu autor ji adiantara no Livro 1. Contra a apologética burguesa, Marx revela: cconcorréncia reparticio de lucros so inelimindveis do capitalismo. Se a reparticéo dos lucros e a concorréncia so matéras da vida individual dos capita ea identidade prevalece como a “guerra de todos contra todos", quando tuma tendéncia opera como “érrea necessidade” ~ por ‘exemplo, a lei da queda tendencial da taxa de lucro ~ € as condicées gerais de reproducao do modo capitalista de producdo s40 ameacadas, a unidade dos capitas impera, H§ que se enfatizar, também: ainda que 0 Livro I! possa ser 0 de mais dffilentencimento ~e aqui & preci- so evitar © atificio simplista de hierarquizar e ranquear os livros constitutivos de O capital -, sua letura é fundamen- tal para compreender © processo politico e econdmico desde finais do século XIX até 0s dias de hoje. LvRol Na edicio do primeiro volume de O capita (proces- 0 de produgio do capital, Marx se dedica ao entendi- mento das categorias que constituem a articulagao intema dda sociedade burguesa e, também, analisa 0 capital em sua relacio direta com a exploragio da forca de trabalho assalariado. A Inglaterra, localizacio clissica da forca de trabalho industrial, serve de ilustragao para sua exposicio teGrica. O volume substitu o tradicional uso da expresso “maisvalia” por “maisvalor*, uma traducio teoricamente indiscutivel e undnime entre pesquisadores brasileiros que trabalham dentro da tradigao marist. O texto de Francisco de Oliveira, A época do lanca- mento da obra, atestou que nao se trata de um livro de leitura, mas de estudo e reflexdo. “Apesar do estilo sar- cstico e irbnico de Marx, sobretudo dirigido aos sicofan- tas do liberalismo, da livre iniciativa e do live mercado — tr2s construgdes ideologicas de notavelforca -, em que ‘© mouro se eleva por vezes & altura dos grandes classi- ‘cos que ele amava, Homero, Shakespeare ¢ Dante, para Citar apenas esses gigantes, O capital & de leitura dificil, as vezes quase intransponivel, em parte devido a propria aridez da matéria que trata. Quem espera que esse li ‘wo comece pelo exame do capital, prepare-se para um anticimax: Marx examina antes de tudo a mercadoria © sua formacao, pois 0 capitalismo continua a ser, mesmo fem sua fase amplamente financeirizada, um modo de producio de mercadorias. LIVRO It O Liwo I de O capital (processo de circulagao do ea- pital, de Marx, também lancado pela Boitempo, foi ba- seado no conjunto publicado pela MEGA-2, amplamente considerado por estudios0s a edicdo definitiva de O capi- tal. Eses documentos, que nunca haviam sido traduzidos para © portugues, permitiram a reconstrugao dos manus- ctitos em sua totalidade. Além disso, o Livro It recebe 0 acréscimo de 13 textos originals de Marx descartadas por Engels em sua edigao da obra, © prefacio 6 de Michael Heinrich, que disc principais questies envolvendo o Livro fl, € uma introdu= 20, elaborada pelos pesquisacores da MEGA-2, contex- tualizando 0 que a edicio auxilia a esclarecer. A orelha & do soci6logo do trabalho Ricardo Antunes. io Acompanhem alguns trechos do Livro II “Entretanto, seo leitor souber que o objeto tratado por Marx é © mesmo ao longo de todo Ocapital, apenas ‘com determinagoes cada vez mais coneretas, ¢ enten- der qual € 0 sentido espectico do Livro I, ele saberd (que as clases sciaisconstituem uma temitica que nfo Se restringe a esse capitulo e, portanto, encontta suas determinagies ~ talvez mais abstatas, em distntos ni- ves de abstragdo conforme o momento ~ ao longo de todo o desenrolar d'O capital.” — Marcelo Dias Carca- holo, na texto de apresentagao. “Ao examina ‘o processo global da produgio capitar lista’, Marx preocupou-se em capturar 0 movimento do Capital em sua totalidade concreta, sto 6, 0 modo como. 1s diferentes capitasrelacionam-se, concorrem e, i-se por suas indicacdes, colaboram entre si. As diferentes fungbes e as formas distintas de mais-valor apropriadas pelos capitals, tomadosindividualmente, permitem = aos Capitaise capitalists © 205 seus govermos, especialmente a Viggncia da crises - explicar a vida social pela oposi- (fo entre capitalsas bons e maus; éticose imoras; dis- Ciplinados e desregraios. Assim, quando thes intoressa, Intexpretam a formagao econdmica da sociedade como anomalias de capitalists indvidluais. Ora, 0 Lio Il, 20 ‘apresentar 0s movimentos mais concretos da vida social sob o mado de producéo capitalita, desaticula qual- quer posibilidade de ‘responsabilizar 0 individuo por relagoes das quais ele continua a ser socialmente uma criatura’, confome seu autor jé adiantara no Live 1 ~ Sara Granemann, no texto da orela. vwinportlespacodosabercom.r + filOSOfia énatvda * 33 FILO NA WEB Aulas abertas {A Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoese) maniém, em seu canal no YouTube (www.youtube.com! useriunoescoficial, videos com as aulas elementares de Filosofia da Educacdo, aplicadas aos cursos de Licenciatura dda universidade. © contesido esta aberto ao pablico, assim como materiais sobre metodologia cientifica € outros na rea de humanas. 34 + Filosofia cinciasvida Curiosidade na rede 0 56 Filosofia, um site educacional perten- cente a mesma rede do consolidado portal $6 Matematica, referéncia em termos de Mate- matica na internet, & um oasis de curiosida- des da area. Além da abordagem formal didatica dos conhecimentos filoséficos, diver- sas pilulas sobre conceitos e vida e obra de grandes mestresfilosofos aparecem em lingua- gem acessivel e bem distribuidos no endereco www. filosofia.com.br, © contetido € mantido por filésofos de diversas cidades brasileiras, como Porto Alegre, Floriandpolis, Sao Paulo, Campinas, Cuiabi, Goidnia © Fortaleza. Cada membro da equipe € responsdvel pela atualizagio de determinadas secbes do portal. penso, logo assisto. ao om Philos.TV Uma boa op¢ao de coletaneas cle documentatios, séries e entrevistas culturais, cientificas ¢ filosificas, em videos, 6 a Philos.y, pertencente a rede Globo- Sat. © acesso se da por aplicativo ou site ~ com uma assinatura nos moldes da rede de streaming Netflix = ou canal no YouTube, no qual é possivel assstr aos ‘materia avuisos disponiveis independentemente da assinatura realizada Servigo: Philoty \woww.youtube.com/channel/ UCKF3vwbUhpckceLhey2MvPA featured Reflexao e pratica 1 24 ENCARTE DO PROFESSOR Filosofia e psicanilise Cnet een ee ee eee ne ee emcee eros autores de tais areas do conhecimento A ilha de Pala e a educac4o do século XX] (Parte IT) eRe Rate or een Rena ad das utopias para a teoria e a pritica educacionais AVN. CONHECE-TE ATI MESMO Para boa parte dos alunos, 0 ensino médio 6 uma fase inquietante para a definigio de seus projetos de vida. Suas escolhas tornam-se fonte de novas angiistias. Diante disso, esta primeira atividade se prope a auxilii- los na busca e no aprofundamento do autoconhecimento. Sua base tedriea sio as teorias da psicologia analitica de Carl G. Jung e as etapas de traba- Iho sugeridas visam também alcangar com os alunos as nogdes junguia~ nas basicas de inconsciente coletivo, arquétipos (mais especificamente, ‘persona, sombra, animus, anima esel), individuagio ¢ simbolo. O material de apoio a0 final do texto auxilia 0 docente acerca dos conceitos, ATIVIDADE I ‘TATUAGENS DO CORPO, IMAGENS DA ALMA 14 AULA: Como preparagio para 1 atividade interativa, propomos apresentar aos alunos uma das alter- nativas a seguir, ou ambas: A) o poema “O combate da luz’, no livro Aimar se aprende amando, de Carlos Drummond. Explore nele os elementos de contraste (lez € som- bra, abvorada © angistia, morte © sei= ‘va, matéria va ¢ sublimada esséncia, cativo e livre etc.), de modo a extrait dos alunos alguma narrativa sobre complexidade ¢ a confusto dos sen- timentos, das ideias, dos relaciona- rmentos, da vida. Esta parte também pode ser solicitada a0 professor de Lingua Portuguesa/Literatura, ou realizada junto 4 ele; B) 0 video Qual éa diferenga entre inconsciente individual e coletivo?, do professor Christian Dunker. Se nao houver recursos na esco- la para essa exibigio, solicite como tarefa assistirem em casa. Verifique e cuide da compreensio deles acerca dos conccitos inconsiente individ al (em Freud) ¢ coletivo (em Jung), sem se preocupar, ainda, em avangar para conceitos ulteriores. 2¢3°AULAS: Atividadeinterati- va, com duragio de duas horas-aula: conduza cada turma a um ambiente aberto, ensolarado € silencioso. vida os alunos em pares, solicitan- do que eles mesmos se escotham a partir do critério da confianga ou do conhecimento entre si, tanto quanto possivel. Entregue a cada aluno um pedaco grande e tinico de papel ou papelio (ideal: 2x 1,5 m) e oriente~ 08 a seguir cada passo conforme os comandos ¢ 0 sentido dados pelo professor a cada gesto simbillico. Se hhouver sol em angulo, com boa pro- ego de sombra, poga para que um deles fique imével, ‘numa posigio {que considere a mais reveladora de si, enquanto 0 outro, com uma ca zeta, desenha no papel sobre o chao © contorno projetado pela sombra do parceiro. Depois inverta seus I~ ares ¢ fungies. Se nao houver sol ¢ sombra adequados, oriente um dos alunos a se deitar sobre o papel na posigio escolhida, enquanto 0 cole~ ‘g8 contorna seu corpo, desenhando- 0, trocando depois de lugar e ago com ele, noutro papel. Pega para cada um recortar sua propria silhueta projetada, Instrua ‘cada para eserever palavras ou dese nnhar figuras sobre o corpo do colega = Ake Fee énote cm Fina USP epee Hn cain mods Ee Gracia vwvm.portlespacodsabercombr + Filosofia densa 37 patio da escola torna-se um bom lugar para o desenho de silhuetas projetadas, cujas partes serio analisadas conforme os conceitos apresentados pelo professor representado no papel, somente de um nico lado, executando com sinceridade © empatia miituas as se~ guintes instrugdes: ~ na parte da cabesa, escrever ou de- senhar o que reconhece como ideias ‘marcantes de seu colegas = no lugar dos bragas € mdos, repre~ sentar as agées que cle admira do parceiro; = no coracio © peito, seus desejos, COM O EXERCICIO. EM QUESTAO, OS ALUNOS PODERAO COMPREENDER AS MASCARAS COLETIVAMENTE RECONHECIVEIS sonhos, vontades ¢/ou sentimentos mais frequentes, = sobre as pernase pis as excolhas que ele tem feito, boas ou ruins, represen tando seus caminhos jf percorridos; = na regiio dos égies genitais oriente que os colegas escrevam ou representem livremente o que qui- serem, sem valgaridade nem tabu, ‘mas com inteligencia, sensibilidade E ACEITAVEIS E O CONCEITO DE “SOMBRA’, QUE ENVOLVE SEUS COMPORTAMENTOS INCONSCIENTES ATIVIDADES DE APROFUNDAMENTO Sugira 20s alunos os filmes Um método perigoso (David Cronenberg, 2011), sobre a relagio entre Freud e Jung, a aproximagao ¢ ruptura it telectual e pessoal entre ambos; e 4s aventuras de Pi (Ang Lee, 2012), sobre a presenga e atuagio dos arquétipos no processo de individuagio. Instigue-os ainda a descobrirem a célebre tipologia de personalidades com base junguiana, o MBTI (Meyers-Briggs Type Indicator) ¢ seus conceitos de disposirées Gintroversio ¢ extroversio) fim (racionais ou de julgamento: o pensamento e o sentimento; e irracionais ou de percep- ‘sao: intuiglo € sensagio) como ferramentas para o autoconhecimento. 38 + Filosofia cienciswida € criticidade, contanto que hj uma relagio real com 0 colega re~ presentado. Tanto quanto dispuser de tempo, oriente cada aluno a “entregar seu corpo, seu ser” ali jé representado a ‘outros colegas que 0 conhegam bem ‘© em quem confiem. Esses, em cada parte do corpo, registram novas pax lavras ou simbolos a respeito do dono da silhueta, conforme o sentido dado anteriormente pelo professor. Apos essas “tatuagens” simbo= licas, pega para cada um fazer seus proprios registros, em cada parte da propria silhueta recortada, porém do lado inverso do papel. 4* AULA: Hora de compartilhar e de compreender melhor as. re~ presentagdes. Fazendo-os circular livremente entre si ou a partir de pequenos grupos, cada aluno es- clarece a0 representado © sentido do que “tatuou’, por que 0 fez € 0 quanto ainda esto ou nao seguros dessas representagdes. Pega para que nenhum aluno representado mostre ‘ou expligue, ainda, o que ele mesmo grafou do outro lado do papel, mas apenas que indaguem 0s. colegas sobre o que gostariam de entender melhor a respeito das “tatuagens” recebidas. Dez ou quinze minutos so suficientes. Reiina todos num tinieo grande grupo ¢ convide os que se sentirem 3 vontade para compartilhar o que pensaram da experiéncia, revelando 4 correspondéncia ow nio entre 0 ‘que representaram sobre si préprios € aquilo que os colegas grafaram a seu respeito, arriscando interpreta~ es, posicionamentos, depoimen ‘tos ou mesmo assumindo compro~ rmiss0s consigo e/ou com os demais. 5* AULA: Resgate a experién= cia anterior, as falas, revelagdes ¢ aprendizados de autoconhecimento e cuide entio de garantir a elabo- ragio conceitual dos alunos acerca dos arquétipos junguianos que su- gerimos. Com 0 exercicio, os alu- nos podem compreender as mis caras coletivamente reconheciveis € aceitiveis, o conceito de persona grifado no lado do papel preen- chido pelos colegas do aluno re~ presentado. Também, a partir dos elementos registrados pelo préprio representado, no lado inverso do papel, compreendemos o conceito de sembra, que envolve nossos com- portamentos inconscientes, em ge~ ral aqueles que nos aparecem como mais aberrantes © monstruosos. A partir das representagdes feitas li- vremente sobre as regides dos 6m MATERIAL DE APOIO; ANDRADE, Carlos Drum- mond, Amar se aprende amando. Rio de Janeiro: Re~ cord/Atalaya, 1987. JUNG, Carl G. (Org.). 0 ho- ‘mem e seus simbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. Os arqueti- pos o inconsciente coletivo. Petropolis: Vozes, 2014. [No decorrer dos exercicios, os alunos poderlo pereeber como os arquétipos de arias (mnasculino)¢ ating (feminino), como visto em Jung, inflaenciam comportamentos¢ relies ios genitais, explique como nossa personalidade contém as contrapar- tes imaginitias dos géneros sexuais, 8 arquétipos de animus (masculi- no) e anima (feminine), apontando como, em Jung, esses arquétipos influenciam nossas relagdes com o género diferente, facilitando-as ou dificultando-as. Relacione as repre sentagdes feitas nas regides da cabe~ sa (ideias), bragos e mis (agoes) € pernas ¢ pés (caminhos escolhidos), AWN e.w ee edo género diferente cexplicando 0 arquétipo do seffe seu papel no processa de individuagdo gundo a psicologia analitica. Nao deixe de apontar a condigio de pro- visoriedade que, existencialmente, aquelas “tatuagens” apresentam, cabendo a cada um reforgi-las ou alteri-las, renovando-as ow mes~ mo apagando-as, conforme o bem revelado a cada instante de um au- toconhecimento que deve ser para sempre descnvolvido. TANATOS, PRINCIPIO DE PRAZER EA CULTURA DO ESTUPRO Rio de Janeiro, maio de 2016. ‘Uma jovem de 16 anos € estuprada por 33 homens, entre 14.€ 45 anos. Videos ¢ fotos do estupro circula- ram livremente pelas redes sociai © delegado do distrito policial em que foi registrado 0 boletim de ocorréncia avaliou o episédio como duvidavel, apesar de provas cabais serem de dominio pablico. Esse posicionamento de um agen- te do Estado diante do compro- vado estupro coletivo repercutiu : fortemente nas redes sociais © os movimentos feministas foram ais ruas denunciar a cultura de estu- pro vigente no pais. Segundo da- dos oficiais, uma pessoa é vitima de estupro a cada 11 minutos no Brasil. Isso representa a0 menos 47.646 estupros por ano, incluin- do criangas. No entanto, o Forum Brasileiro de Seguranca Piblica estima que apenas 35% das vit fazem boletim de ocorréncia de- nunciando © abuso sofrido, Ape- vwvm.portlespacodsabercombr + Filosofia densa sar de o estupro ser erime previsto no Cédigo Penal brasileiro, fre- quentemente julgamentos: morais atravessam a defesa da vitima de estupro e se reproduzem na socie~ dade, entre jovens ¢ adultos. Via de regra, a mulher € vista como facilitadora e/ou provocadora de situagdes que desencadeiam 0 es- tupro e, portanto, frequentemente cla € apontada como corresponsi- vel, colocando a propria tipificagio do estupro em diivida. Mara Va de Alea prone Fs na aca de Apiga&AFEUSR, meem ao edomaundscm a6 pela USP. 39 ATIVIDADE TI FILOSOFIA, PSICANAL A CULTURA DO ESTUPRO Sugerimos trabalhar com 03 conceitos de Eros (pulsio de vida) ‘Tanatos (pulsdo de morte), prineipio de prazer e principio de realidade como chaves para esse debate. O percurso de trabalho pode ser estrutu~ rado em cinco etapas. Apresentar casos pablicos de estupro e propor as seguintes questo 1. Estupro: 6 que € que vocé tem a ver com iss0%; 2. A violencia € defen sivel 3. O que é cultura de estupro eo quea institui? Esse debate serve como disparador do problema e mobilizador dos ahinos para a que: Escotha pelo menos trés casos. Sugerimos que apresente um caso em que a vitima seja uma crianga, noutro, um homem , por iltimo, um que seja mulher. Sugerimos que nessa fase ndo se faca a tentativa de resol- ver as tensdes que o tema gera, As posigdes em torno da questio estio sedimentadas em torno de valores morais consolidados e s6 poderiio ser submetidas critica a partir de um certo distanciamento, que podera ser alcancado através de uma reflexto conceitual. Portanto, é interessante que se adie o fechamento do problema. [Apresentagio das nogées de Eros e Tinatos no contexto da mito- logia grega. Ha vasto material disponivel para pesquisa do professor. Indicamos Mitolegia grega, de Junito Brandio. Essa etapa de trabalho prepara a entrada nos conceitos que serio estudados na filosofia psica- nalitica de Freud. Apropriagio dos conceitos psicanaliticos de Eros ¢ ‘Tanatos, prin- cipio de prazer e principio de realidade. Indicamos a obra Maf-estar na cultura, de Freud. Aqui, 0 professor poderi selecionar os excertos que Julgar mais adequados. Pode ainda fazer uso de livros diditicos, que sempre costumam reservar um capitulo sobre a temitica. Anilise do filme Festa de famifia, de Thomas Vinterberg (Suécia, Dinamarea, 1998), a partir dos conceitos estudados. O filme narra 2 histéria de uma familia em que os filhos eram estuprados na infin cia pelo pai, com a conivéneia da mae. Aqui pode-se discutir a familia como instituigio civilizatéria e seus ispositivos reguladores de pulsio de vida e pulsio de morte. Por fim, 0 professor poder re= tornar is préticas juridicas em torno dos casos de estupro e aprofundar © debate confrontando a legislagio que criminaliza o estupro ¢ a cultu- za de tolerincia 20 estupro. Além de atividades avaliativas mais formais que objetivam aferir © modo como 0 aluno apropriou-se dos conceitos freudianos, 0 profes- sor poder ainda propor aos alunos a claboragio de cartazes que podem ser expostos na escola e/ou a redacio de poemas, crénicas © manifestos que discutam a cultura do estupro. A elaboracio de esquetes cénicas também ¢ estratégia didatica interessante, mas exige percepgio aguda de que a interagio entre os alunos € amigivel e de que o ambiente escolar oferece condigées favoriveis para 0 acolhimento de tal exercicio, que deve ser acompanhado de perto pelo professor 40 + Filosofia ciencissida O CASO BRASILEIRO £ COMPLEXO. DE UM LADO, JULGAM-SE ABOMINAVEIS OS CASOS DE ESTUPRO DE CRIANGAS, POR OUTRO, HA UMA TOLERANCIA OU RELATIVIZACAO NOS CASOS DAS MULHERES A questio € de dificil debate justamente porque estit atravessada pelo choque entre a moralidade, 0 costume ea lei, que segue prinetpios gerais expressos na Declaracio dos Direitos Humanos, e que no coaduna com os valores morais predominantes na sociedade br: Ieira, Faz-se necessério entio com- preender 0 papel da lei, como ela se institui € o modo como ela encarna a organizagto de estruturas civiliza- t6rias ¢ efetiva dispositivos limita- dores da livre forga e desejo sexual Mas, também, quando se fala em cultura de estupro é preciso obser- var, além do percurso cultural da sociedade e seus processos de in: tuigio de mecanismos civilizat6rios, as priticas que efetivam uma certa cultura e evilizacto. © caso brasileiro € complexo. De um lado, julgam-se aboming- veis os casos de estupro nos quais as vitimas so criangas, por outro, uma tolersineia ou relativizagio nos casos das mulheres como vitimas. ‘Além do tratamento dado pelo de- legado a0 estupro coletivo, outro exemplar de toleriineia e rela- tivizagao é 0 do médico Roger Ab- delmassih, condenado em 2010 278 anos de detensio por ter come- tido 52 estupros enquanto suas pa~ cientes estavam sob efeito de seda~ tivos. Na ocasio, Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribu- nal Federal (STF), concedeu habeas conpus a0 réuy al gando que 0 médico ji nfo represen que teve sua licenga suspensa. A de- (© do STF provocou indignagao. nas vitimas € estupor em muitos se- tores da sociedade civil. Outro caso exemplar € a declaragio de Paulo Maluf, realizada numa palestra profe rida na Faculdade de Cigneias ‘Médicas da UFMG, em 1989, durante campanha cleitoral Presidéncia da Repiblica. Nela, Maluf afirmou: “Se esta com dese: jo sexual, estupra, mas no mata”, Em 2014, no plenario da Camara Federal, 0 deputado Jair Bolsonaro, pré-candidato as eleigdes presiden- iais de 2018, em discussio com a deputada Maria do Rosario, disse Freud € um grande leitor de mitologia ¢ tragédia gregas. Com Edipo rei, de Sofocles, © psica lista langa hipéteses sobre o de- senvolvimento da sexualidade. No mito de Eros © Psigué, encontra a imagem do principio do prazer, que alimenta nossas pulsdes de vida (li- bido) ¢ de morte. Psique se suicida por enfrentar a tortura de querer ver toda a beleza de Eros ~ 0 amor. Eros tinha na Antiguidade dois sentidos. Em Hesfodo, na. Teage- deserito como principio e6s- imico que une tuo E interpretado Famosa esttua de Eros ou Cupido, para os romanos, tal como representado nesta esculeura no Piccadilly Circus, Londees, Reino Unido, Mito-base na formulagio do “pulsio de vida”, copde-sea0 deus grego “Tnatos,associado 2 “pulsio de morte” como a forga que une Urana (0 céu) a Gaia (Terra). Mas em Homero é filho de Afradite com Ares, Eros ti- nha um irmao, Anéeros, que signifi- ca 0 amor diverso e complementar, © amor 20 outro, ao diferente. Eros carregava wirias fechas (algumas cheias de fogo da paixto, outras com o desprezo, outras do- ces ¢ outras amargas) ~ metafora da complexidade dese impulso que Eros costuma voar com olhos vendados por sua mie Afro dite e, vez ou outra, atirava flechas cs Gasp Deputma de loa saTUC SP Rade bal Mae Feds Dus a.ela: “S6 nfo te estupro porque vocé nao me- rece”. Como podemos observar, esses exemplos estupro, mais. especificamente porque sio posigdes expressas por personalidades do poder piblico em exercicio de atividades pibli Nossa problemitica é compreender a presenga de discursos de natura- lizagio de praticas de estupro na vor de personalidades do poder pliblico, numa sociedade em que estupro ¢ crime, Trata-se, portan- to, de debater a cultura do estupro no Brasil BRANDAQ, Junito de Sou- za, Mitologia grega. Sio Paulo: Ed. Vozes, 2009. FREUD, Sigmund. Mal- “estar na cultura. In: Obras completas, Vol. 18. Sio Pau- lo: Cia, das Letras, 2014. Pc Das Alves Gari? Escultura de Eros e Psiqué, de Canova, no Louvee, Franga. Psique se suicida por enfrentar a toreura de querer ver toda a beleza de Exos—oamor vwin.portlespacodosabercom.r + FHOSOfia cinta * $1 O INCONSCIENTE NAO SE REVELA As irmas desconfiam: como saber se o marido secreto nao era FACILMENTE, NEM PARA NOS MESMOS, tm terse! monsteo?lntrigada, MUITO MENOS PARA OS OUTROS, TAL deen bonne ate COMO EROS NO MITO: SUBLIME E roo do am, Espace 4 SILENCIOSO NO JOGO DO AMOR E DA VIDA air gotas de sleo no marido, que acorda furioso. Eros vai embora € Psiqué, uma bela princesa, tinha duas irmas. Seu pai, desejando casi-la bem, consulta um oriculo. A previsio nao foi boa: Psiqué se casaria com um monstro terrivel! Conforme os costumes da época, sendo a moga a ima mais velha, iF © casamento de Psiqué ficava impedir que as iemas m: novas se casassem. O pai entio de- cide abandoné-la num rochedo para no sacrificar 0 destino das outras filhas, Psiqué pacificamente aceita 0 destino determinado pelo pai e fica no rochedo a espera do monstro que a desposaria. Aatitude de Psiqué irrita Afro- dite, deusa do amor e da beleza, tuma vez. que a vida € para ser vivi- da apesar dos riseos e mio para ser contemplada do alto de um roche- do. Para a deusa da beleza, somente os deuses podiam ser amados sem amar ninguém. Pede, entio, a Eros que lance em Psiqué todas suas fle- chas. Psiqué se banhava quando Eros espia a beleza da moga, des- concentra-se ¢ deixa uma de suas flechas ferir sua mio. Zéfiro, deus dos ventos, a pedi- do de Eros, traz Psique até 0 palicio dele. Na escuridio da noite, uma isteriosa eriatura de rosto coberto ama silenciosamente até 0 ama~ ihecer. E esse amor seereto ¢ subli= ‘me dura por longos dias € noites até que Psiqué pede a0 desconhecido esposo para visitar o pai e as irmas, para Ihes contar que a profecia nao hhavia se efetuado. Afinal, feliz, nfo se casara com um monstro, O amor nao pode ser vite, Tudo desaparece (palicio ¢ felicidade) Psiqué volta ao rochedo perdida © desesperada. Afrodite, enfurecida, decide pola a prova, A deusa pede que a princesa va até 0 Hades ¢ pegaa Perséfone uma caixa que tinha segredo da beleza eterna, Psiqué deveria visitara morada dos mortos € se jogar do penhasco. No Hades, a jovem pega a caixa de Perséfone. Decide abrir a caixa © pegar um pouco de frescor da beleza, consi~ derando que Afrodite, uma deu- sa imortal, nfo se incomodaria. Quando a abre, eseapa do seu inte- rior o sono dos mortos. (© que essa histéria tem a ver com a Psicanilise? Tudo nada a0 ‘mesmo tempo. Em busea da cura de graves softimentos psicossomiticos, Freud comega a supor que a origem dessas doengas estava em uma lacu- na entre a meméria eo esquecimen- to, tal como acontece quando vive~ mos uma situagio to traumética que nem queremos lembrar. Como trazer a luz essas lembrangas que esto na escuridio e nao querem € no podem ser vistas, tal como no dilema de Psiqué? psicanalista supe que existem coisas que no podem ser "vistas", Jembrangas que devem permanecer reprimidas, sob 0 risco de nos tor- narem fatalmente doentes. Supde também que, afloradas essas lem= brangas de situacdes “trauméticas”, 6s sintomas das doengas tenderiam a desaparecer e favorecer a eura dos doentes. Para que 0 paciente pudesse se Jembrar do possivel trauma era ne- cessirio fazé-lo “baixar a guanda’, diminuir suas defesas. Tareta dificil estdtuade Afrodite, deusa a dabeleza, por Milos bans, Fran Par ea, somente os deuses podiam ser amados sem amar ninguém 42 + Filosofia ciencigsida devido as muitas resisténcias de quem vive uma cultura da repressio. Era preciso investigar mais, de- cifrar os enigmas entre o passado © 0 presente das narrativas dos pacien- tes. Sobretudo, era preciso um fio para essa investigacdo. Assim como 6s primeiros filésofos, 0 médico se dedica a buscar um principio co- mum capaz de explicar 0 estranho movimento da vontade de viver € morrer. Tratava-se, pois, da propria ‘téncia humana em suas contrax igdes entre o prazer € a dor, a an- gistia ea felicidade. [Nas viirias narrativas — entre- meadas de medos e desejos — ha, no psiquismo humano, um impulso libidinal para a vida, para 0 prazer, para o encontro com Eros. Mas 0 que nos di prazer muda semp esti em movimento como o uw verso. Mas, diferentemente do uni- verso, nosso prazer traz.a marca do outro com quem convivemos, ad~ ‘miramos, amamos ¢ desejamos que ATIVIDADE IIL PLANO DE DISCUSSAO 1) A partir da cango “O negécio é amar” (Carlos Lyra), inicie um de- bate sobre as imagens de Eros no mito Eros e Psiqué = Das formas de amar da cangio, qual melhor descreve 0 amor de Eros ‘equal a mais préxima de Psique? = Quais os sentidos possiveis do amor como “negécio”? = O que significa rimar “saudade com hipocrisia”? = "Tem homem que briga pela bem-amada, tem mulher maluca que atu- 1a porrada’, Como relacionar esse trecho da cangio com a Psicanilise? 2) Tarefa final: Escreva um texto usando qualquer género literrio na perspectiva de quem é jovem: “No negécio - amar”? nos ame ~ até porque nao tem muita ‘geaga amar sem ser amado. Nao so- ‘mos deuses, nem a resignada Poiqué que espera um monstro no alto do rochedo, para agradar o pai e nto prejudicar o casamento das irmas. Ser que nfo? Freud considera que os dilemas de Psiqué so os de todos nds: como conciliar nossos desejos mais imediatos, que nos re~ metem a pulsio da vida, a vontade ouca de viver ¢ ter prazer na vida, com a vontade do outro, marcada pelos costumes, pelas leis, pelas re~ gras sociais? ‘© inconsciente_nio se revela facilmente, nem para nés mesmos, muito. menos para os outros, tal como Eros no mito: sublime e silen- ioso no jogo do amor e da vida PARTE IV «apoio as arrvipaDEs) PSICANALISE: A PRAG NA FILOSOFIA “Freud deservotoen rama teoria do banana, uma pico-logia’ no sentido es- ‘rit, Com esta teoria, Freud se clocou na grande traigio da Filosofia e sob viterios _filesifces." Marcuse, Ero civilizazdo Em visita aos Estados Unidos, Freud reportou ironicamente que os americanos mal sabiam a praga que ele carregava para li. Essa anedota é muito significativa quando pensa~ ‘mos na Psicanilise visitando conti- nentes ¢ atravessando fronteiras de nossa existéncia, Sua visita nio da ‘um passo sem abrir feridas nareisicas nna nossa cultura. Seu encontro com a Filosofia nio é diferente. A entrada de Freud no panteto da Filosofia pela “teoria do humano” cobrou seu prego. Pois 0 humano que sai da escuta psicanalitica nio se apoia mais nas estruturas da Mo- dernidade, cujo exemplo maior € © individuo da. racionalidade liberal. © humano que se expressa no diva enfrenta ali os seus desejos, os seus fantasmas, sua cultura, seu mal-estar. Com isso, a Filosofia ¢ seus concei- tos também sofrem transformagSes. ss. nfo significa “psicanalisar” essa velha senhora, a Filosofia € seus pensadores ¢ pensadoras. F mais va~ liosa a elaborago de uma “Filosofia da psicanalise”, que, segundo Bento Prado Jr, ‘fis do discurso ¢ da teoria freudianas 0 seu objeto; mas também, won porlespacodosabercom.br + fiLOsof a ciniatvde [on] trata da filosofia que a psicandiise parece impor aos filsofes, exigindo mu dancas cruciais no aparato conceitual (que faa tradigao da prépria filesofa’. ‘Via de mio dupla, portanto. Na ‘travessia de fronteiras, a relagao entre Filosofia e Psicandlise € um onto cheio de cismas que fizem da “teoria do humano” a demanda por ‘um questionamento sobre o destino de nossa existéncia atravessada por sintomas; mas, também, a possibili- dade para a Filosofia avangar sobre linguagens que nos sio aparente- mente tio préximas, embora soem ‘to estranhas, como as dos sonhos, a “matéria de que sfo feitos os ho- mens", como ji sabia Shakespeare as portas da Modernidade, 6 SONHO, LOGO DESEJO Decerto, a novidade freudiana no est na descoberta do teor psi- col6gico dos sonhos. Conforme 0 psicanalista admite em 4 inderpre~ ‘tagdo dos sonbos, a Filosofia ja car~ regava consigo esse conhecimento desde Aristételes, um dos primei- rosa desconsiderar os sonhos como ‘um pressgio divino sobre 0 desti- no do sonhador, Nas obras em que tratou da questo, o pensador grego reconhece a atividade do sonho como expres- sbes das leis do espirito humano seus pequenos estimulos que sur gem durante o sono. Interessa-Ihe, pois, o humano e a atividade psiq cea que opera sob a forma do sonho. © mal-estar presente em sonhos como aqueles em que se caminha «em meio a0 fogo,lembra Aristételes, relaciona-se ao calor de certas partes do corpo. Associagbes como essa ali= ‘mentam relagoes que, séculos depois, reverberam no divi freudiano, Curiosamente, outra filosofia gue se vale do sonho para sua re~ flexio nio se apresenta como fon te para a psicandlise freudiana, O argumento do sonho, fundamental para a constituigao das certezas das ideias claras e distintas do pilar do sujeito moderno das Meditagdes me afisicas de René Descartes, nio se presenta como base para a psics nilise de Freud. Sendo assim: nao seria a Psicanilise negligente com tais fontes flosoficas? Talvez, nto, Na verdade, Freud vita tal filosofia para exercitar um campo de questoes que ultrapassa 6 sujeito moderno resultante justa~ mente da perspectiva cartesiana. Ora, é importante lembrar que, com 0 argumento dos sonhos, Descartes demonstra a certeza das ideias matematicas. No sonho ou na vigilia, o mundo objetivo ¢ figurado nds pelas estruturas geométricas. [Niio se sonha com bolas quadradas. ‘Tais formas mateméticas conferem clareza ¢ distingio as representagoes ce garantem que o sujeito que sonha é ‘0: mesmo que pensa. Afinal, as ima gens do sonho, ainda que absurdas, 44 + Filosofia ciencigsida io formadas a semelhanga de algo real ¢ verdadeiro. Com a certeza de que © sujeito contém ideias simples como as mateméticas, Descartes ar~ ‘gumenta, a partir de entio,a possibi- lidade de um eu que pensa. Porém, argumento cartesia~ no dos sonhos rejeita a propria na~ tureza_onirica, Em contrapartida, para Freud, 0s sonhos no devem ser condenados como o territério das ideias confusas. Suas represen tagdes operam diversamente € refle~ tem algo além da nossa existéncia de res cogitans, Na linguagem onirica possivel dizer: sonbe, logo deja. ‘Com o sujeito desejante em re- levo, importa o que esti a margem do sujeito cartesiano: um desejo de saber que se configura nas repre sentagdes dos sonhos € um saber do desejo que exige de Freud 0 cami- rho da interpretagio. Com isso, a Paicanalise estrutura 0 sujeito nao nas ideias cartesianas claras € distintas © confere nova posicio as estruturas egoicas. Na verdade, o eu freudiano é a parte mais vulnerivel da vida ps quica. Conforme explicita em O ex 20 iso, 0 individuo se constitui no fquico, no campo de ba- talhas entre os desejos reprimidos particulares ¢ as demandas repressi- vvas € sociais. Com eftito, os sonhos sio as representagdes desse confito. A. aventura_psicanalitica convida- -nos a decifrar essa Finguagem dos conflitos, suas ambiguidades, seus conteiidos, suas estratégias. © TRABALHO DO SONHO Avangamos aqui para uma “teo- ria do humano”, cuja medida excede © pensar consciente, encontrando © desejar. Operar pela matéria onirica, decerto, efetua um movimento di- verso a uma anilise por raciocinios encadeados. Freud reconhece que a _gramatica dos sonhos,em que se ex- [pressa o campo inconsciente da exis- téncia, faz. da narrativa onirica um Conjunto de termos confusos. Porém, as associagées nos sonhos nijo sio encadeamentos imediatos de signos a partir dos quais € possivel destacar uma representagio como significante que organiza todo 0 censtio onirico, Nao ha ideias fixas {que sustentem todo © sonho, mas ‘um complexo de representagées em tensio interna a claboragio dos pen ssamentos oniticos. Nao so raros os momentos em que, sonhando, per- cebemos os absurdos dessa narrati~ va, Com efeito, a Psicanilise nao € 0 desdobrar da alegoria que s¢ fiz so- nho. Interessam-Ihe as contradigies, as negativas, as ambiguidades. Desse ponto de vista, o material onirico é um territério resistente as interpretagées e eria em sua grami- tica dispositivos varios que conferem 20 contetido dos sonhos uma rede complexa de representagées sobre- determinadas. ‘Um desses dispositivos esti na elaboragio onirica das condensayées: ‘movimento que se expressa através das palavras com que sonhamos. Sobretudo aquelas que providen- ciam neologismos absurdos, a partir de um jogo de termos — de maneira muito proxima aos nossos atos falhos. No aparente equivo- co esté condensado um universo de palavras entremeadas por uma série de significados. Ao reconhe- cer, por exemplo, a troca de nomes no apenas se evidencia o trabalho de pensamento para ocultar aquele clemento trocado, mas toda uma ficados que atraves- procurou-se ocultar algum nome significative para determinada periéncia pessoal sem relacionar a esse jogo de termos qual rede de re presentagoes nele est condensada. Outro dispositive importante paraa elaboragiio oniriea so os des- locamentos: compreendem-se aqui (0s movimentos operados pelos so nnhos com alguém extremamente fa- mila, mas irreconhecivel a primei~ ra vista; como o sonhar com uma determinada mulher que, a despeito de sua imagem ser absurdamen- te diferente, remete & meméria da mae de quem sonha. Com efeito, 20 negar/afirmar a imagem materna naquele sonho, expressa a ordem do desejo sob a estrutura do complexo naquele jogo de imagens. ‘Assim, a interpretagio dos so- nnhos expressa, em grande _medi- da, a gramatica do Umbeimlich (do territério ambiguo do familiar, que reconhecemos ao mesmo tempo como estranho ¢ préximo de nés): aquilo que de certo modo nos sa desconforto tanto quanto desejo de saber. Formulagées, enfim, para a compreensio de que © pensamento onifico opera através de ambiguida- des, mediante as quais suas repre~ sentagées slo sobredeterminadas por deslocamentos ou condensagies. UEOLOGI ‘Mas quais as bases do trabalho do sonho? Tal questo ¢ fundamen tal para o campo filoséfico,na medi- dda em que nela reclaboramos termos tio caros & Modernidade, como a re- presentagao. Essa nfo é mais. resul- tado das ideias claras distintas, mas a claboragio do sujeito em meio as tenses proprias de sua constituigo ‘enquanto ser pensante e desejante. ‘Ora, os sonhos sio mobilizados por representacées constituidas por duas camadas de contetidos. Por um lado, a matéria onirica se vale de con teides manifestos extraidos do estado de vigiia: « leitura de urn livro, dever- minado gesto pereebido entre tran- seuntes na cidade, uma conversa com amigos, um desejo reprimido. Frag~ mentos que se tornam matérias para a elaboragio desiderante do campo onirico, No territério ambivalente do sonho, os impulsos reprimidos en~ contram vizio. Por outro lado, hi contesidos Ja- tentes sobredeterminados ao conteti- do manifesto dos sonhos: efeito das tensées entre os desejos reprimidos oj 20 moral que nos constitu: socialmente (como os valores no ambiente familiar). Nessa tensio se delineiam as representagoes oniricas sustentadas iguidades, con tradigdes ou mesmo negagdes plenas vwinportlespacodosabercom.r + FHOSOfia cinta * $5 de significados e, muitas vezes, repri- midas sob a forma do inconsciente. Assim, 0 trabalho psicanalitico cfetiva uma “arqueologia do incons- ciente”. E superficiais de nosso discurso o s mo de outros discursos reprimidos «em nossa subjetividade. Algo que se evidencia nas pax cientes histéricas de Freud. Outrora considerados “softimentos dissi- mulados”, 0 psicanalista reconhece nos sintomas da histeria um desafio médico. Tal patologia expressa os sintomas de uma existéncia frag- ‘mentada. Uma experigncia tio cin~ dida como os saltos representativos de nossos sonhos. Por isso, Freud aproxima os s0- thos dos sintomas. A despeito dos caminhos diversos, em ambos ha a realizagio de um desejo reprimido. Dai 0 trabalho arqueolégico. para decifrar a gramattica do desejo, seus mecanismos de defesa e resisténcia € a configuragio disso nas repr sentagdes. sintomiticas ou oniri- cas, Nisso encontramos a camada inconsciente em tensio com nossa existéncia consciente. © sujeito egoico freudiano é pois, a ponta do iceberg de um con= junto maior de relagées. Tendo o de- sejo como pano de fundo, o humano enfrenta a todo instante a questio edipica fundamental: qual 0 destino de nosso desejo? Passagem funda ‘mental, pois nela a arquitetura sub jetiva nao se espelha mais no terreno sélido pelo qual construimos o edi- ficio da razio, mas, de outro modo, reeonhecemos tal construsio sob 0 terreno extremamente _mobilizado dos nossos desejos. ‘Com isso, é um equivoco tomar Freud por iricionalista, Nao se pode esquecer que o trabalho psicanaliti- co encaminha sua anqueologia do reprimido no sentido de responder A questio do destino de nosso dese~ jo s0b a forma: “onde 0 isso esti, 0 cu deve advir”. Em outras palavras, diante da tensio entre os desejos privados ¢ as represses com que nos constituimos socialmente, a terapia psicanalitica enfrenta © softimento ‘ontra nas camadas mi 46 + Filosofia ciencigsida FREUD NAO MEDE OS TERMOS QUANDO CARACTERIZA O SONHO COMO A “MOEDA CORRENTE DO DESEJO” do sujeito pela compreensio do des- tino de seu desejo, conferindo-Ihe a auntonomia: ora compreendendo © conflito como inevitével, ora deslo- cando seus desejos para uma via de realizagao sublimada, ou seja: reali= zando parcialmente o desejo sob vias socialmente reconhecidas, ora subs fituindo os mecanismos de defesa que reforgam o exercicio da repres- sio dos desejos por outras formas de lidar com 0 conflito. Sendo assim, no reforgo continuo das estruturas auténomas do sujeito desejante, © trabalho psicanalitico nao se realiza no irracionalismo das vontades par ticulares, mas na ordem dos conflitos psiquicos e sociais diante dos desejos € dos softimentos humanos. © CORPO COMO QUESTAO FILOSOFICA Pode-se avangar ainda mais na aventura que a Psicandlise prepa- — O sujeito egoico freudiano & pois, 2 ‘ponta do iceberg de um conjunco maior de relagoes ra para a Filosofia. Nao sio raros os cexemplos de pensadores que aca~ ‘bam em um dualismo “corpo x alma” {quando 0 assunto a investigasiio da psique humana. De outro modo, com a Psicanalise confere-se dignidade fi- oséfica a reflexio sobre o corpo. Apresenta-se no softimento ¢ nas eriages humanas um conjunto denso de experiéncias pelos quais corpo € psique se relacionam. Sob olhar da Psicanzlise, sto intimeros os contratos, resisténcias, denegagoes na relagio desses polos. Freud nao mede os termos quando caracteriza ‘6 sonho como a “moeda corrente do ". Como vimos, no pensamen= to onirico, as sobredeterminagoes de seus contetidos possibilitam a reali- zagio do desejo. ‘Aqui estio as bases do que a Psi- canilise denomina “economia libidi- jovimento corrente pelo qual as pulsoes sexuais sio investidas nos lagos que estreitam a experiéncia do sujeito com o mundo. Assim, o cor po fragmentado do sujeito histérico pode ser interpretado como modos de investimento das energias libidi- nais em relagio ao mundo social que © envolve. Portanto, 20 questionar sobre o destino do desejo, questio~ navse também como determinado corpo se posiciona no jogo libidinal constituido no campo simbélico da existéncia social. 80, Freud insiste na com= naliti- Por preensiio dos fendmenos psi 05 pelas vias da compreensio xualidade. Merleau-Ponty leva essa passagem as tiltimas consequéncias quando reconheve,na Fenomenologia dda perceprdo: a sexualidade “fiz. com que um homem tenha histéria’. A economia libidinal que organiza 0 corpo no mundo confere uma série de investimentos pelos quis a subje~ lade se langa na ordem do tempo social. Se a histéria da vida sexual de alguém oferece a chave de sua vida, € porque na sexualidade projeta sua maneira de ser a respeito do mundo. O que a investigaclo psicanaliti- «ca possibilita ¢ 0 reconhecimento de linguagens que pos. Com 0 avango de sua anilise, a logica da psique surge para Freud como a descoberta da infraestrutu- ra sexual da vida, Dai reconhecer {que no conjunto de complexos que dade do rializar formas pulsionais diversas presentes na cultura, Desde entio, a psicanilise freudiana reconhece no fundamento sexual da vida uma nova ordem de confiitos: a luta de vida e morte que estrutura a resis- téncia dos individuos, a repetigao de seus sintomas, o mal-estar da cultu- ra, Jacques Laplanche procura com- preender as pulsdes de vida e morte como duas possibilidades da relagao do individuo com o mundo: sendo Eros as estruturas pulsionais de li- guvio, fundamental para a formagio da cultura, a0 passo que as pulsses de morte apresentam o desliga~ mento, nfo apenas como aquilo que afasta da identidade do individuo com a cultura, mas também aquilo que individualiza o destino singular dee nossos desejos no mundo. dlesejo passam a se mate~ Na luta da existéncia entre vida e morte estio as tltimas polémicas da Pricanilise. Compre bramentos desse conflito na forma inder os desdo~ y Desde Melanie Klein, a luta de vida e morte ¢ expressio das angiistias de um individao dividido entre experiéncias coms 0 mundo com que pode se identifica e introjetar como parte de si, ou recustre projetar como algo que lhe éadverso e amen gto cultural exige da Psicandlise um exercicio sempre renovado de escuta, Diante do horror das Grandes Guer~ ras, que destino tragar & experiéncia degradada dos corpos mutilados em nossa sociedade? Que sentimento do mundo ainda nos resta? Sugiro a partir dessa questo al- gumas consequéncias que se desdo~ beam no interior da histéria da Psi- niliseJung seria um dos primeiros por Freud a sexualidade. Isso porque nota, mediante sua psicologia anali- tica, as representagbes como efeitos dos’ arquétipos: complexos. mentais que sto partithados culturalmente, encontrados nos modos como as mais diferentes culturas. represen- tam fitos da vida e da morte, suas angtistias e seus sinais de fertilidade. Mediante tais arquétipos, priprios de um inconsciente coletivo, o indi- viduo constitui sua personalidade e confere um destino ao seu soffimen- to-€ aos seus descjos. Além disso, lembremos a res~ posta da escola anglo-saxi da Psica- nilise as voltas de uma pricologia do self, Reflete aqui toda uma conexio com o mundo social diante do qual © sujeito procura se defender ¢ re~ sistir as experiéneias de fragmenta do. Desde Melanie Klein, a luta de w:portalespacodosaber.com.br + Filosofia cémciatvida * 47 vida e morte é expressio das angiis~ tias de um individuo dividido entre xperiéncias com o mundo com que pode se identificar e introjetar como parte de si, ou recusar e pro- jetar como algo que the € adverso ¢ ameagador. Dessa leitura, nao so jpoucos os psicanalistas que partem do diagnéstico da personalidade como uma totalidade cindida (um sei) a partir da qual néo apenas sujeito vive a experigncia de angis~ tia como também vivencia a busca a totalidade perdida, De outro lado, Jacques Lacan inaugura uma perspectiva que di fia o individuo a atravessar sua ex- perigneia disruptiva. Nesse sentido, evidencia a todo instante a expe- do reconhecimento do desejo, 0 que se descortina & nada mais do que cexperigncia fantasmattica do real Sem qualquer “rede de protes0”, 0 sujeito se desvela como alguém que deseja e se reconheve como tal a0 Tangar sua existéncia no abismo que se ocultava pelas fantasias de suas vivéncias. Ao atravessar os fantas- mas, © reconhecimento do desejo passa a ser de outra ordem: um busea continua ¢ auténoma pela inserigio de sua propria existéncia, nem submissa ao olhar social, nem determinada pelas ilusdes de seus fantasmas. Diante da nudez do real, 48 + filosofia éncnkvids DIANTE DA NUDEZ DO REAL, O SUJEITO AVANCA NO CALOR DA MORTE SIMBOLICA, INSCREVE ASSIM SUA EXISTENCIA NO RELEVO DA REALIDADE EFETIVA © sujeito avanga no calor da morte simbélica, inscreve assim sua exis- téncia no relevo da realidade efetiva © por fim, langa seu desejo na or dem do reconhecimento. ‘Os exemplos dessas duas escolas fcas sio retomados pela enquanto desafios pat proprios conceitos. Abalados os fun damentos modernos de categorias como subjetividade ¢ racionalidade, © destino da Psicanalise passa a ser tem grande medida o destino da ex- periéncia filoséfica contemporinea. Tso se fiz sentir nos discursos criti- cos da cultura, quando género e etr passam a compor elementos de uma experigncia de pensamento € novas possibilidades sobre os corpos e seus desejos. Hi nesses novos discursos © conflito existencial que nos € tio caro, Uma questiio que ressoa em Mal-estar na cultura: Atualmente os seres bumanes atin- igiram um tal controle das fergas da natureza, que ndo thes € dificil recor rerem a elas para se exterminarem até o sltioo homer. Eles saber disso; dat, em boa parte, 0 seu atual desassossego, sua inficidade, seu meda, Cabe agora esperar que a outra das duas ‘poténcias celestiais” 0 eterno Eros, empreenda um cesforco para afirmar-se na uta contra 2 adversdrio igualmente mortal, Mas quem pode prover sucesso. desentace? © reconhecimento do desejo ainda permanece como desafio para a Filosofia e para a Psicanilise, Com ‘0s desafios que ainda restam para a constituigo de uma cultura em que 6s sujeitos possam se reconhecer na mutonomia de seu desejo. Afinal de contas, no € esse o desafio que apa- rece em nossos sonhos? iio ARISTOTELES. Complete works of ‘rstalle, Vo. 1, Princeton: Princeton University Press, 1984 DESCARTES, René. Obra esolhida, Rio e Janeiro: Berrand Brasil, 1994 FREUD, Sigmund Ainterpetacio dos sonhos. Sto Paulo: Imago, 200 Obras completa, Vol. 1, Sio Paulo: Gi. das Letras, 2010- 2045, KLEIN, Melanie, tnveja e gratiio€ ‘outros trabalho (196-1961). Sa0 Paulo Imago, 1991 JUNG, Car, Obras completas, So Paulo ores, 2003, LACAN, Jacques. Escitos So Pau: Perspectva, 1996, LAPLANCHE, J: PONTAUS, 8, Vocabulirio de Psicanalse S30 Palo: Marin Fates, 196 MARCUSE, Herbert Eros e vlzagso: ‘uma intrpretcioflossica do pensamento de Freud. Rio de Jancio: Tahar, 1968. MEZAN, Renato, Freud: a ama dos coaceitos, S30 Paulo: Perspect, 2003, PRADO Jr, Bento. Filosofia da Picanilise. Slo Polo: Brasiense, 1991 PINTO, Manoel dC, O lio de our dda Pscanlise: 0 persamento de Fre, Jung, Kei, Lacan, Winnicott e outro i de Janeiro: Ediouro, 2007, SAFATLE, Vladimir, Lacan So Pav: Pubiifoha, 2007 REFERENCIAS APOIO AO PROFESSOR Acompanhe a sequéncia da discus: ee do iniciada na edico anterior, que se baseia no modelo educacional da utdpica Pala, com a formacao integral do individuo e a revelagao de um sujeito bem mais apto & critica Nao é a toa que os desvios do em nossa Gpoca. Seja através de smartphones, de mecanismos virtuais, de absorsao psicolégicaou até mesmo por meios quimicos. © consumo de Aleool, bem como de drogas ~ licitas e ilicitas -, encontra-se em constan. te ascensio, Sio como remédios que conforme sio consumides 20 longo do tempo tornam 0 sujeito r fazem com que cada vez seja neces séria uma dose maior para produzir © mesmo efeito, (© que importa para a stualidade & a constante euforia, ainda que se viva A base de uma felicidade artificial, que em tltima instincia elimina os impul- sos da existéncia necessirios a0 apri- ‘moramento do préprio homer! Outro fator também presente nas cobras distépicas ~ neste caso, nas tres obras mencionadas ~ e que se amolda perfeitamente & atualidade € a refute (plo a qualquer tipo de atividade soli- ‘ria, a qualquer momento de solidio, que permitiria o desenvolvimento do momento reflexivo, Em tais obras, 0 des coletivas que os sujeitos participam ativamente, nfo Thes restando qual ques tempo de solidao. A solid constitui um dos elemen tos imprescindiveis a reflexivo, Ena solidio que 0 sujeito pensamento gue desenvolvera contemplasa fica, produzindo pensamentos eriticos as questbes do mundo da vida, A solidio torna o sujeito mais forte, no dependente, confortivel consigo. No entanto, atualmente, todo tipo de angastia, de desconforto € visto do ¢, a partir de uum modelo que prega.a constante lic 0 patoligico. Se esquece, no entanto, que é a partir da agitagio como algo nio dese dade, como al das Jguas que © mar pode se tornar cicatrizes da vida é porque nio viveu rele que no possi cefetivamente, mas apenas sobreviveu, w:portalespacodosaber.com.br + Filosofia cénciakvida * 49 ATUALMENTE, TODO TIPO DE ANGUSTIA, € acumlagao de cada vex mais bens © homem que no vive, mas sobre~ DE DESCONFORTO E VISTO COMO ALGO NAO. vive enformado 1 rado agulo que DESEJADO E, A PARTIR DE UM MODELO QUE i dadais netumalizado., Vivemos/o tempo do nio pensar Somos eres PREGA A CONSTANTE FELICIDADE, COMO ALGO 8 ey Sor de ge not PATOLOGICO. SE ESQUECE, NO ENTANTO, QUE —_impesto. J dizia Nietsche que todo E A PARTIR DA AGITACAO DAS AGUAS QUE O asuce aqveinio possal doi tepas do seu tempo a sua disposigio é um escsa- MAR PODE SE TORNAR MAIS CALMO vo. E verde, Somos todos ecravos, Neste ponto é que cutra obra de ‘Temos ums legito de atifcialmeme a fazer pelo Estado e pelo capital Hii Hurley noc tas algumas exten, ,eujosdesvios do vazio funda- apenas Uma transposigo de Deus para ilk fo a lima obra de Huey p ‘mental servem tio somente para abafar_ o Estado — uma alternincia de idolos cada com o autor ainda em vida. Publi- © doentio modelo de vido apegondo >, um nillsmo parcial e que vefirga 8 eada em 1962, antes da morte do autor, pela sociedade moderna, naqualosuje _transvalora¢io moral na qual omodelo _ocorrida em 22 de novembro de 1963. fo carce de qualquer indiidualidade, extimulao, eproduzidoe naturaizx’ No contrsio. de dmiice! mundo conduzindo toda sua vida e sua exis- do éa moral de rebanho. nove, uma obra da literatura tencia fins mereadoligicos imediatos. Os anseios da vontade de poténcia distopiea, A dha se trata de uma obra Dai porque podemos afirmar que _ativa ~ para diferir do que Nieztsche _ut6pica. O autor idealiza a ilha de Pala, © sujeito de nosso tempo & um sujeito denomina de vontade de poténcia um local afastado onde a populagio absurdamente estipido e fraco. Nao passva, tipiea da moral de rebanho? — _consegue viver longe das corrupgées de por outro motivo, éum sujeito bastante demandam a solidao para opensamento, _espirito e mente precuzidas pela socie~ propenso ao consumismo ¢, postanto, _demandam, também, constante postura dade industrial, bem como pela niilista bastante interessante 20 modelo capi- _ativa naquilo quesua contemplagio reve-__moral criti c pelo capitalismo. talista de produgio. Ora, 0 proprio la que deva ser buscado. Demandam, A historia estrutura-se através do consumo nada mais é que mais tum dos portanto, 0 “desconforto” do pensamen-_personagem Will Farnaby, um néufra- desvios do vazio fundamental ao qual to,alapidagtoque geraoaprimoramento. go inglés que acaba_acidentalmente a publicidade liga a ideia de feicida~ ‘Ao contritio, para o nosso tempo, na costa da ilha de Pala. Ao longo da de, Venide-se aidein de que o consumo “bom” & 0 homem fraco das aparén- _hist6ria, o personagem principal entra pose Ihe trazer a felicidade, de modo cias, a ovelha de rebanho. O homem em contato com diversas pessoas na ue o sujeito destina toda sua existén- que expende toda sua energia tempo ha, em especial intelectuais ligados ciae toda sua energia para a aquisicio com. trabalho em prol da aquisicio a diversos setores do local. Presencia, de bens, isto é, para algo apolitio. cnet SETAC Ptah Goa dame 8 gal Modo, a resistencia da ilha is A producto moderna de um suje-sn"ntnaa tel Palo Cont suns Sw aon imposigdes da globalizagio, entre eles to débil jé era antevista por Nieztsche ComprhiadslatnsiStomopspaigie.76R a0 consurismo, A industralizagto et, desde 0 séeulo XIX e € bastante Guil a apregoando uma vida materialmente a0 poder e aos detentores dos meios | ron simples, porém muito mais completa, econdmicos de produgéo massificada, dass aliando as virtudes do corpo e da mente. vez que um sujeito mediocre ¢ infeliz No curso do enredo, diversos didlogos € um consumidor muito mais vido do silo mantidos acera do estilo de vida do {que o sujeito satisteito, povo de Palla, em especial em questises A vontade de poder, aquele motor como a religido, a alimentagio,aeduca- ativo davida do homem espiitualmen- so, a8 relagées families, entre outras, te nobee, esta vontade de conguistas, sempre apresentadas de um modo que de exercer posturas ativas foram redu- cevidencia ainda mais o niilismo da visio zidas ao ativismo pelo dinheiro ¢ nada de mundo ocidental. além disso, Ativismo este que, em iti- Dentre todos os temas evidencia- ma instincia, érevertido a0 consumo dos pela cultura de Pala, um que nos constante. Evidenci-se aguioimpera- Aoconriace Mizivel mundonm ura chama a atencio é a edueacio palane- tivo da vontade de poder dos escravos, obra clissica da fteratura dlstpic, A iha se sa co modelo de pensar na ilha, em trata de una bea ep. © ator kala a tha ce Fl, um focal afstade onde 2 popeo conseguevverlrge das camupebes de epi ¢ 6 niilismo incompleto preceituado por Nieztsche e seu aprofundamento na ‘comparagio ao modelo ocidental. Os intelectuais da ill, todos eles, modernidade, Aquilo que outrora se mene procuths pela ocedtide nivel bom alliam neecessariamente as virtudes da fazia em prol das divindades passa-se como pearilita moral este pelo cpalsmo _-mente ¢ do corpo. O desenvolvimento 50 + Filosofia cinciasvida de ambos & premente, inclusive para a melhor qualidade dos pensamentos desenvolvidos. A educagio da ilha censina, desde a mais tenra idade, a alianga entre as virtudes do corpo € dda mente, explorando, portanto, uma extensio muito maior do ser. ‘Os modemos ocidentas, 20 contri- rio, encontramse sempre com seus semblantes de morte. Sio mortos em vida, niilistas antivida, _aberragdes ‘morais frutos de milénios de naturali- zagao do habito nilista propiciado pela doutrina da culpa € do pecado cx tios, que tomam a vida uma expiagio uma torturm que passa a ter sentido ¢ finalidade asceticamente, E comam ras modernas universidades encarar- ‘mos.os pretensos intelectuais, com seus semblantes vaidosos, portadores de um conhecimento absolutamente- simplis= ta, mas que precisam fazer parecer se tratar de“ to epistemologicamente qualificado ¢, ppostanto, autorizador da emissio do discurso cientifico. Nada mais do que auténticaspriticas de estelionato acadé- ico que, infelizmente, sio recorrentes ‘no Ambito do curso de Direito, seja consciente ou inconscientemente. Uma legiio de mortos em vida, ensinando outra legido de tecnocratas ‘mortos, sem qualquer vitalidade. Nao € A toa que Nietasche, no crepiisculo dos fdolos, a0 formular sua critica & “razao na filosofi’, afirmou que “tudo que 08 fldsofos hé séeulos menejaram foram conceitos-mimias; nada de cfetivamente vivaz veio de suas mos. Eles matam, empalham, esses senho- res idélatras de conceitos, quando adoram —tornam-se um perigo mortal para tudo, quando adoram (..)". ‘Como tucoaquilo que fora impreg- nado pela moral escrava ¢ ascética do cristianismo, a racionalidade ocidental tornou-se um sofrimento, um desen- volvimento destruidor da prépria vida. [Nao 6 & toa que ao longo do texto, em ‘uma das discuss6es sobre a questio da racionalidade ea sua necessiria alianga com as virtudes corporais,afirma-se: (Os intelectuais ovidentais so todos i de um conhecimen- Y NIETZSCHE, Fedch, Copia dos ios x camo ln om © mari. Ta ge Le ‘ise. pols Vass 2014 p23 Viciados em fiear sentados. E € por isso que a maioria de vooés é tio repulsi- vvamente doente. No passado, mesmo tum daque, um agiota, tum metafsico, todos tinham de c: E quando cles nfo estavam usando as pemas, estavam cavalgando, Enquan- to hoje, do magnata ao datilgrato, do positivista ligieo ao pensador mais cotimista, as pessoas passam nove déci~ mos do proprio tempo em cima de poliuretano, Assentos esponjosos para traseinos exponjosos: em casa, no escri= trio, nos carros nos bares, nos avides, nos trens € nos Gnibus. Sem que as pernas se movam, sem que se lute contra distancia ¢ a gravidades apenas eleva dores, aides ¢ carros, apenas poliure- tano € sentar-se eternamente, A forga Vital que costumava encontrar u descarga por meio dos misculos estria~ dos se volta contra as visceras € 0 siste~ rma nervoso ¢ os destrdi lentamente’ Forga vital, pulsio de vida, vontade de poder, nilismo total. E justamente isso que morreu no Ocidente. Nio ha Vida. Somos eseravos e 08 ideais ascé- ticos nos conduzem a conformagio HUXLEY, AMous A dh Ted. rane Garba. 3 ol Sto Pol: Bb Azul, 207, 207202. ninhar um hocado, SOMOS ESCRAVOS E OS IDEAIS ASCETICOS NOS CONDUZEM A CONFORMACAO COMO ESCRAVOS E, MAIS, A PRODUGAO. DO DESEJO DE SERMOS ESCRAVOS. A EDUCACGAO OCIDENTAL DO SECULO XxI, PORTANTO, E UMA EDUCAGAO PARA FORMACAO DE ESCRAVOS ww: portalespacodosabs “Os inteletuis cident so eos vicar ear seriados’ diz Netsche, ricardo a forma camoestes mokdaram cones consagrad, muitos dees apcads educa ‘como escravos ¢, mais, & produto do desejo de sermos escravos. A educagio ocidental do séeulo XXT, portanto, & uma educagio para formagio de escr vos; escravos do mercado, escravos dos descjos do consumo, escravos do mani que nunca chega ‘A educago em Pala é retratada 20 Jongo do texto nao como uma refta- 0 & necessiria especializagio do saber rms, a0 contri, como uma constante interagio entre os atributos da mente € do corpo que permitem a formasio de umm ser humano completo, eon: por conseguinte, apto &cr Por certo um tal sujeito no seria tho interessante a0 mercado ¢, certamente, menos interessante ao poder, de modo que no podemos esperar qualquer medida nesse sentido, Nio € 8 toa que itha €uma utopia. No entanto, a utopia, tal como as idealizagbes, no obstante nao sejam perfeitamente reproduziveis 1no mundo sensivel, podem, pelo menos, servi como motor is reflexes eA cons- ciéncia, Assim, em vez de vivermos em pprol do futuro que jamais chegari e ‘em prol de ideais ascéticos que apenas io significado as peniténcias da vida, podemos, em alguma medida, tentar nos libertare viver, no “aqui e agora’, como diziam os Mainés de Pala, 1 Filosofia cien Nec Me | Filosofia Clini eT Mose lac) equivocado ao acreditar Loto rolelor3 re) mesmo modelo ene: ho entendimento do filésofo ale. . J mio Immanuel Kant ~ do qual | AQ] 2 Filosofia Clinica discorda -, 0 BN homem tem um esquema men tal que Ihe permite reconhecer e agrupar as coisas de acordo com suas categorias. Kant afirma que as categorias jf estéo nas pessoas € que estas seriam uma caracteristica inata do ser humano. Jf para um outro filésofo de origem germanica, Arthur Schopenhauer, mundo é visto de acordo com a representagao de cada um, ou seja, existe um mundo dife rente para cada pessoa ‘Ao combinar essas das teorias, é possivel concluir que para cada pessoa o mundo ¢ per cebido de maneira diferente, a partir do mode Jo mental de cada um, ¢ que, individualmente, cada ser humano observa e classifica o mundo 4 sua volta, Iss0 nos permite pensar que, de acordo com o seu modelo mental, cada pessoa 0 caminhar pela cidade vai perceber detalhes diferentes, Enquanto algumas conseguem ver flores, arvores e pissaros, outras notam carros, casas e prédios, por exemplo. Como isso interfere numa empresa ou no relacionamento de uma familia? Tente se colocar no lugar do gestor de uma organiza 40. De acordo com seu modelo mental, que orienta sua visio de mundo, vocé percebe al: guns problemas que terao que ser resolvidos. Ao longo dos anos como o responsivel pela gestio da empresa, voc’ se dedica da melhor forma possivel, procurando acertar sempre. 6 que, em alguns casos, 0s erros aconte embora a intengao seja sempre tornar o negé- cio mais rentavel e principalmente vidvel. Isso também acontece com © pai que, ao perceber problemas em casa, busca dialo Iho, Nesses casos, tanto 0 executive quanto 0 pai vao agir com base no seu modelo mental €, por isso, nem sempre conseguitao o resul: tado esperado; algumas coisas serio corrigi das ¢ outras nio. Depois de muito trabalho e dedicagao, gestor percebe que resolveu muitas questoes zna empresa, mas 0 objetivo principal ainda nio foi atingido, Decide, entdo, contratar um Brro Coromso Frosorta rFrrosorta Culsica rato Instrruro Packt, Fr1osorta Cuisica Nas OnGANtzagors PELA ese, p6s-GRaDuano EM ADMNisTRAGAO DDEEMPRESAS PELA FGV-Foxnacio Gerot0 Vanéas: EM FiLosoriA EMMANUEL LEvinas eta Univision Hrnraica ne Jesusatin. ECOORDENADORE EM Fitosoria Cu ELA UnivERstDADE bo ExrREMOSuL Cavaninens (UNE), PESQUISADOR DE evo Issriruro Sut Cataninense or Friosorta Cuisica, ‘w.portalespacodosabercom.br + Filosofia cénciatvida * 53 EXISTENCIA ORIGEM, A Filosofia Clinica, segundo seu difusor no Brasil, 0 filésofo Liicio Packter, “direciona e labora, a partir da metodologia filosofica, procedimentos de diagnose e acompanhamento endlerecacios as questoes existenciais”, uma “filosofia aplicada ao individuo” ‘Num ambiente corporatva, os medelos mentas dos Mderes e consultores define 0s resitads obtidos @ as relagoes, tendo cada um deles 0 seu ponto de vista sobre as stuagoes consultor para ajudé-lo. O consultor tam- bém tem seu modelo mental e, por isso, vai trabalhar com base nele ¢ resolver os problemas que considera importantes. O profissional contratado identifica as prin- cipais questdes e sugere as solugdes que, na. sua visio, sio as mais adequadas para obter 0s resultados esperados. O gestor atento ir incorporar as recomendacoes do consultor e assim, com mais informa- Ges, ampliard seu modelo mental e a sua capacidade de perceber a realidade. Outro exemplo é 0 de casais com mo- delos mentais diferentes. Marido e mu- Iher vao a0 consultério tentar resolver suas diferengas e a falta de entendimen- to, jf que nem as conversas funcionam ‘mais. O terapeuta, ao analisar cada um, individualmente, observa que ambos O QUE E UM PROBLEMA COMPLEXO PARA UM DETERMINADO MODELO. MENTAL PODE SER FACILMENTE SOLUCIONADO POR ALGUEM QUE TENHA UMA OUTRA MANEIRA DE ENXERGAR A MESMA SITUACAO, 54 + Filosofia citnciasvida tém interesse em melhorar 0 relacio- namento. Cada um, a0 seu modo, faz 0 que considera ser 0 certo para melhorar © relacionamento, mas, do ponto de vista do outro, nao ajuda em nada, No modelo mental do marido, por exemplo, o proble- ma do casal é financeiro. Jé para a mulher a dificuldade é de ordem extraconjugal. Diante disso, 0 homem procura ganhar cada vez mais dinheiro para tentar salvar © casamento a mulher, nao correspon- dida na sua expectativa, age de maneira que, do ponto de vista dele, reprime seu desejo de prosperidade, fazendo com que cle se sinta cada vez mais sufocado. Nesse caso, o terapeuta tentaré mostrar ao casal que existem muitas coisas que podem afe tar o relacionamento e que é importante conversar mais, principalmente antes de tomar alguma decisio importante. Do ponto de vista da Filosofia Clinica, Kant estava certo sobre os modelos men- tais, mas equivocado ao acreditar que to- dos teriam um mesmo modelo mental. A tcoria kantiana ndo leva em conta que © modelo mental de cada pessoa é tinico € esti em constante construcdo. O que éum problema complexo para um determina. do modelo mental pode ser facilmente KANT UTILIZOU AS CATEGORIAS COMO INSTRUMENTO, DE ORDENAMENTO DAS REPRESENTACOES MENTAIS DA REALIDADE, OU SEJA, AS CATEGORIAS, REDUZEM A RELACAO SUJEITO OBJETO E AS DETERMINACOES PRODUZIDAS POR ESSA RELACAO, solucionado por alguém que tenha Em Platio, as categorias so como Hume, Schopenhauer, Rous- uma outra maneira de enxergar a consideradas realistas, servem —_seau, Spinoza, Levinas, Em sua mesma situagio, para classificar as coisas que exis- _anilise, as categorias sio dadas a Transpondo esse raciocinio tem e buscar a sua compreensio. _posteriori e mostram como a pes- para as organizagdes, & razodvel Aristételes atualizou a teoria de soa esté em relagio ao mundo que concluir que estas também tém —Platio a0 dizer que as categorias a cerca. Para Abbagnano (2007), as seus priprios modelos mentais, so predicagSes que informam 0 categorias sio em geral nogdes que tornando cada uma singular. modo de ser daquele que & catego-_servem como regra para investigar ‘A abordagem com base na Fi- _rizado. Kant utilizou as categorias ou expressar linguisticamente um. losofia Clinica busca respeitar essa como instrumento de ordenamen-_determinado campo do conheci- singularidade, 0 cardter Ginico de to das representages mentais da__ mento, As categorias sio ferramen- cada empreendimento. Sua me- realidade, ou seja, as categorias tas cuja missao identificar para todologia esti focada num bom —reduzem a relagio sujeito-objeto e 0 fildsofo a posicio existencial do diagnéstico a fim de propor um as determinagSes produzidas por individuo em relagio ao mundo e adequado auxilio terapéutico. Para essa relacio, em relagio a ela mesma. Para Co- situar a organizacao existencial- No campo da Filosofia Clinica, lombo e Sefstrom (2016), as cate- mente, a terapia tem como base € 0 psicanalista ¢ fildsofo brasileiro gorias criam contextos ponto de partida aanilise decinco _Lticio Packter elaborou 0 sentido _aproximados que se transformam categorias, Sao elas: assunto ime- de categoria a partir dos conceitos numa base para identificar a hist6- diato e assunto tiltimo, lugar, tem- dos fildsofos citados anteriormen- ria de vida daquele ser humano. po, relagao e circunstancia, te, somados aos de tantos outros istenciais Assim, quando a pessoa passa a narrar sua historia de vida, 0 filéso- fo pode acompanhar com bastante proximidade as realidades que cit- ccundam cada elemento da narvativa (Colombo; Sefstrom, 2016, p. 49). Da historia de vida da pessoa, contada por ela mesma, o filésofo dlinico extrai os dados para aplicé- -los nas categorias. CATEGORIA ASSUNTO IMEDIATO. E ASSUNTO ULTIMO Tanto na vida de alguém, quanto numa organizagio, exis- tem alguns temas recorrentes, vis- vwinportlespacodosabercom.r + fIlOSOfia énatvda 55 EXISTENCIA categoria tempo analisa coma sedi a vivéncia temporal das pessoas, a relagio entre 0 tempo suibjtivo e 0 tempo comencional 56 + Filosofia cinciasvida tos como sérios problemas e que neces- sitam ser trabalhados, tais como a falta de um sucessor oua dificuldade do lider em tomar decisdes, Essas questoes sto trazidas para 0 consultério como assun- to imediato, como aqueles pontos que 0 individuo acredita ser necessério tra balhar durante a terapia, Hd também os casos em que aparentemente nao existe um assunto imediato definido - 0 que pode ser o proprio assunto imediato. A partir dai, 0 filésofo clinico desenvolve 6 seu trabalho e, conforme vai aprofun- dando as questdes, identifica que hé um assunto iiltimo que nao tem necessaria mente relagdo com 0 imediato, dentificado 0 assunto imediato, 0 fi lisofo clinica faz, novos questionamen. tos, sempre atento as falas do partilhan. te © sua forma de linguagem. Segundo Wittgenstein (1968, p. 111), “que o mun- do é0 meu mundo, sto se mostra porque 05 limites da linguagem (da linguagem que somente eu compreendo) denotam os limites do meu mundo” Com a clareza desse conceito, 0 fildsofo clinico aprofun- da sua andlise com base na historicidade de vida relatada pelo partthante. Definidas as demais categorias, chega -se a0 assuinto tltimo, Agora, jé € possivel diferenciar 0 que o partilhante acha que precisa ser trabalhado daquilo que o fi lésofo clinico identifica como algo real- mente importante e necessério abordar. Toda a atengio ¢ a dedicagéo do trabalho a ser desenvolvido pelo fildsofo dlinico, seja em um individuo ou em uma empre- sa, terdo como base 0 assunto tiltimo. Para ilustrat, cito 0 caso do empre- jo que traz como assunto imediato a falta de motivagio dos seus funcionérios, quando na verdade o assunto thtimo era a completa desorganizagao da empresa, Do mesmo modo, depois de um trabalho coma equi pensamento (EP) da empresa, é possivel identificar a caréncia de oportunidades de crescimento profissional, que estaria fazendo com que 0s funcionarios nao se empenhassem no trabalho tanto quanto era esperado pelo empresirio. Aqui, per ara levantar a estrutura de DE ACORDO COM BERGSON (1999), A VIVENCIA TEMPORAL NEM SEMPRE COINCIDE COM O TEMPO. CONVENCIONAL. ALGUMAS EXPERIENCIAS DURAM MAIS, OUTRAS MENOS. ISSO TAMBEM PODE ACONTECER NUMA EMPRESA, DEVIDO AOS TOPICOS DA ESTRUTURA DE PENSAMENTO VINCULADA A COMPANHIA 5 DE FORMA COLETIVA, PARA UMA EMPRESA, COMO ORGANISMO VIVO, E IMPORTANTE PRESTAR ATENCAO A SINERGIA QUE PODE SER OBTIDA COM A HARMONIA LOCAL: E NECESSARIO QUE A PESSOA ESTEJA SUBJETIVAMENTE BEM E QUE O LUGAR SEJA ESTRATEGICO cebe-se que 0 assunto imediato ¢ o assun- to timo esto distantes, mas ha casos ‘em que podem coincidir. CATEGORIA TEMPO. Segundo Colombo e Sefstrom (2016, p. 50), @ categoria tempo analisa como se daa vivéncia temporal das pessoas. “Por meio dela, observa-se a relagdo entre 0 tempo subjetivo € 0 tempo convencio- nal” Hé diversas formas de analisar uma pessoa com base nessa categoria, seja de forma direta - observando, na sua fala, © que é dito ~ ou de forma mais técnica, dando mais atengio aos tempos verbais, utilizados pelo partilhante ao contar sua histéria ~como o discurso ¢ dito. De acordo com Bergson (1999), a vivéncia temporal nao coincide neces- sariamente com o tempo convencional. Algumas experiéncias duram mais, ou- tras_menos. Isso também pode acon- tecer numa empresa, pois sua vivéncia temporal esti conectada a tépicos da EP, podendo acelerar ou desacelerar tempo- rariamente suas vivencias, de acordo com ‘a necessidade, Também € possivel iden- tificar 0 tempo vivido de uma empresa observando como ela esta em relagio a0 tempo convencionado, Durante o processo de andlise da or sganizaglo, essa categoria poders remeter A singularidade, uma ver que devemos considerar que cada um tem o seu tem- ‘po, 0 seu ritmo proprio. Algumas pessoas se adaptam mais rapidamente ao ritmo da empresa, enquanto outras demoram. ‘um pouco mais ou sequer conseguem se ajustar, Mas como para cada um & de um. jeito, talvez. as qualificagées de um pro- fissional sejam suficientes, mesmo que 0 ritmo nao seja igual ao do coletivo. ssa categoria também serve para ava. liar se a organizacio esta frente, dentro ou atras de seu tempo. Esse é um fator que pode ser determinante para o futuro da empresa, se continuaré tendo sucesso ‘ou se enfrentard problemas logo adiante. CATEGORIA LUGAR. Para entender essa categoria em um partilhante, é preciso avaliar as sen- sagoes € as abstragdes no ambiente de trabalho que ele se encontra, Colombo e Sefstrom (2016, p.52) explicam que “em. Filosofia Clinica, a localizagdo espacial da pessoa se faz a partir do desenho abstrato que ¢ produzido pelas sensa- «Ges no seu pensamento”” Na categoria lugar sio reunidas as sensagdes € abstragdes em torno do es ago onde estio as vivencias de cada pessoa. Mostra de que maneira cada um. esti sensorialmente nos seus enderegos cexistenciais, Para uma organizagdo, essa categoria é relevante, uma vez que, a0 nd se sentir bem num determinado ambiente dda empresa, a produtividade do trabalha- dor fatalmente cair ~ ou mesmo vai levé- -lo a pedir demissio. De forma coletiva, para uma empresa, como organismo vivo, € importante prestar tengo sinergia que pode ser obtida com a harmonia na categoria lugar. Ou seja, é necessirio que AINDA O TEMPO “Segundo Bergson, ‘tempo dos fildsofos e cientistas € um tempo ficticio, um esquema espacial que oculta a natureza do tempo real, ‘0 qual nao pode ser separado dos acontecimentos fisicos e psicolgicos.” In COELHO, Jonas Goncalves, Ser do tempo em Bergson. interface - Comunicacao, Satide, Educacéo. Unesp, v. 8, n. 15, p. 233-246, 2004. Disponivel em: vwinprtlespacodosabercom.r + filOSOfia cénatwda © 57 EXISTENCIA A CATEGORIA RELACAO SE MANIFESTA NA MEDIDA uy EM QUE ESTAMOS DISPOSTOS A TER CONTATO ‘i COM O OUTRO, NA MEDIDA EM QUE O OUTRO SERA SEMPRE OBJETO EM RELACAO A NOS MESMOS a pessoa esteja subjetivamente bem e que o local seja estratégico para a empresa, avaliando todas as questdes envolvidas,a fim de que o entendimento nao fique ecip- sado e apareca somente mais tarde, quando sera muito caro voltar atris. CATEGORIA RELACAO A identificagio dos objetos e a qualidade das rela- bes estabelecidas por uma pessoa se enguadram na categoria relacio, sendo que 0 objeto ¢ tudo 0 que en- tra em contato com a pessoa. Aqui, pode ser analisada também a relagéo da pessoa consigo mesma, uma vez que ela é a0 mesmo tempo sujeito e objeto. Colombo e Sefsttom (2016) explicam que em Filosofia Clinica no existe uma definicio para a palavra relagio, conceito ligado ao contetido € & qualidade da histéria de cada ser humano. A categoria relagio se manifesta na medida em que estamos dispostos a ter contato com 0 outro, na medi- da em que o outro ser sempre objeto em relacdo ands mesmos. Quanto mais intimidade o filésofo clinic ti ver em relagao a historia de vida do partilhante, mais claro sera seu entendimento sobre essa categoria. Numa organizagio, a categoria relagio pode ser usa- da para descobrir se um funcionério, ao ser promovido, 58 + Filosofia cinciasvida por exemplo, serd capaz de dar o retorno desejado e, a0 ‘mesmo tempo, vai se sentir bem na nova posi¢do que, em contrapartida, corresponderd a um nivel maior de cexigéncia, Jé na empresa como um todo, como um or- ganismo vivo, a relagio se dard com as pessoas que a compéem. Também ha a relagao da empresa com a co- munidade, com a infraestrutura da cidade, entre outras. esses casos, ela ser sempre sujeito se relacionando com 0 objeto. Em alguns casos, uma empresa pode se dar bem com os clientes, mas nao ter uma boa relagdo coma comunidade onde esta inserida Colombo ¢ Sefstrom (2016, p. $4) deixam um alerta: & importante perceber como a organizagao se comporta como sujeito e como ela ¢ vista como abjeto. “Como sujet, a organizagio se porta de maneiraativa ou passiva. (..) Mais do que ser desta ou daquela ma- 0 fundamental € saber como € e como poderia ser de acordo com as demais categorias” CATEGORIA CIRCUNSTANCIA, Varios dados devem ser observados quando se tra- ta da categoria circunstancia de uma pessoa. £ ela que vai mostrar para 0 filésofo clinico 0 cenério em que a cexisténcia do partilhante se desenrola, Uma pessoa que costumeiramente falte ao trabalho, por exemplo, pode alegar que esta vivendo um momento dificil, cujas cir- cunstncias envolvem a mie doente € um irmio mais novo usuario de drogas, o que exige maior disponibi dade para tomar conta da casa e fazer com que o irmao frequente as aulas e busque outras companhias. Numa empresa, o relato das circunstancias ¢ igual a0 {que ocorre em clinica e pode ter uma variedade enorme de elementos. Ao coletar os dados de diversos funciona ros, observam-se as citcunstancias de inimeros even- tos, o que possibilitaré identificar se existe otimismo ‘ou pessimismo, se os empregados esto vistumbrando oportunidades, entre outros aspectos. Para Ortega y Gasset (1987), a maioria das pes- soas esti presa em possibilidades ja oferecidas pelo mundo. Ou seja, elas veem o mundo e observam as As categorasrevelam um ‘mundo a partir de historia singular de ‘ada um, contada 4 maneira dde cada ser possibilidades que ele oferece, en- quanto outras sio capazes de criar as possibilidades, ‘As categorias aqui apresenta- das fazem parte de uma metodolo- gia usada pelo fildsofo clinico para analisar a historia de vida do par tilhant la uma delas revelaré um mundo tinico, que se formara a partir dessa historia. singular, contada & maneira de cada ser. © exame dessas categorias tem como objetivo dar a localizacio existen- cial do mundo no qual 0 filisofo clinico ingressaré ao comecar a analisar a historicidade do outro. CONSIDERAGOES FINAIS Em Filosofia Clinica se apren- de a respeitar a representagio de mundo do outro, 0 que nao sig nifica aceité-la, vivencié-la, mas compreender que 0 outro pode no ter um modelo mental proxi ‘mo ao nosso modelo, modelo esse que geralmente estar ligado ao aprendizados durante sua historia de vida, Em Filosofia Clinica nao ha conceito seu acervo, a se de normalidade, anormalidade, rotulos, teorias, Para nés, filésofos clinicos, 0 ser humano € plistico, flexivel ¢ esti inserido num modelo mental muito especifico que & 0 seu mo- delo, moldado pelas bases catego riais, Por isso dizemos que ele é tinico e sem a historicidade e sem localizé-lo existencialmente nao & possivel compreendé-lo, Antes disso, nada sabemos diante do ser que se encontra ‘Se mais pessoas soubessem dis- 0, muitos conselhos, agendamen- tos, dicas que geralmente fazem tanto estrago na maha intelectiva poderiam ser evitados, Lembrando que isso & assim para a Filosofia jante de nés. ica io ABBAGNANO, Nico, Diciostio de Filosofia. 5a. ed. So Pao Marine Fores, 2007, 1014 p, COLOMBO, Seto; SEFSTROM, Roser. ‘alma da empresa sso Clea tas opnicagies.Floianpas; Das por (Quatro tora, 2016 \WATIGENSTENN,Luhuig. actus logico: philosoficos. Sao Paulo: Ecitora da Universidade de ao Paul, 1968, 132 . (ORTEGA Y GASST, Jos. Aree das ‘masses. Sio Paulo; Matin Fontes, 1907 REFERENCIAS Anne Frank relata nao somente os momentos de tensao e estresse, mas também de solidariedade e ternura. JA NAS BANCAS ELIVRARIAS! Ou acesse ‘www.escala.com.br PARA REFLETIR Arte ¢ Imaginacdo: um estudo em Filosofia da Mente Autor: Roger Seruton Tradusio: Luiz Paulo Rouanet Editora: £ Realizagoes Aartee imaginagao de Scruton FILOSOFIA, ARTES E ESTETICA Filosofia, literatura e image A EXPERIENCIA ESTETICA, EM TODOS nacho, como em movimentos pendvlares sempre, de alguma OS TEMPOS, SEMPRE DESAFIOU oram quesionadas. Oro AS MENTES MAIS BRILHANTES AO pela prépria Filosofia, ora pelos propos errs, oa pels ce ENVOLVER ELEMENTOS OBJETIVOS DE tc eae Un des mothos 2 REFERENCIALIDADE E, AO MESMO TEMPO, eterna dtvida: em que medida a imaginaco ests vineulada ao de- SUBJETIVIDADE E SENSIBILIDADE nominado “real”? Em que medida fcc, realidade, goto estica dade, asim como pants, quae & apreenddae tomada presente forma, estariam entrelacados? E muitas —inacessiveis, que envolvem sensi- pelo pensamento”, © autor reco- questoes importantes se inter bilidade, imaginagao e subjetivi- loca as posicdes de diversos fil6- poem quando se discute, de for. dade humana sofos a respeito do estético € um ma mais profunda, 0 assunto. ‘A primeira parte do livro dis- dos postulados importantes nessa Arte e imaginacao: um estudo fem que primeira parte do livro nos leva a em Filosofia da Mente (E Realiza- medida estari izados a indagar © porqué de apreciarmos Goes), de Roger Scruton, traducio _definir os conceitos de jufzo esté_€ avaliarmos pecas musicais, poe- de Luiz Paulo Rouanet, lancado ico, que sempre vio nos remeter mas, pinturas, paisagens e até pes- muito recentemente, 6 uma obra a Kant em sua famosa obra Critica soas, em se tratando do estético, que vai fundo em questées que do julzo. Nessa medida, 0 autor de forma similar, contemplam o Amago € os abis- _propée que se faca uma reflexao a Nessa perspectiva, uma das mos, digamos assim, que envol- respeito da proposta kantiana. Qu conclusées do autor € considerar vem 0 gosto estético, A experién- seja: “A faculdade de apreciagio que a arte, em suas diversas ex- cia estética, em todos 0s tempos, & bem distinta daquela do puro presses de linguagens, possui sempre desafiou as mentes mais entendimento, e envolve uma uma relativa autonomia. Em ou- brithantes, visto que envolve el mentos objetivos de referenci 60 + Filosofia cienciida espécie de salto mental no qual tras palavras: € quase consenso a individualidade de um objeto entre os grandes pensadores do assunto. que, paradoralmente, © ALEITURA DO sistemas de signos. Compreender niacaimenrnnaan cn. OVE ERIUERIN rain cagasase one bon, cao, estan arcoaancs RESPONDE, ‘muito mals do que sentimentos € ie ee cee ie anette a em rlago a0 exten: “Quando PARCIALMENTE, serlida como um referencia muito considero uma obra de arte tris- importante por todos aqueles que te, estou respondendo a ela, de INDAGACOES: se interessam por obras de arte em cero mod, darmaera pela wal DAQUELES QUE paral, As indmeraslinguagens ar respondo (sob certas condicbes tistcas, via de regra, sio muito mal especificaveis) 4 tristeza (a tristeza ~~» LEVAM, REALMENTE, —compreendidas em sua habitual do ser humanoy. € porave respon OS CRITERIOS QUE complesidade quando realm do a cada uma de modo similar te dignas de valor, € a letura do que uso 0 mesmo termo paracada~- VALIDAM UMA. livto em questo responde, pelo uma, e essa resposta € a condigao fe menos parcialmente, indagacoes para a aceitacdo da descricdo es- OBRA ARTISTICA daqueles que levam, realmente, tética. Ver a obra como triste nio ~— SEM LEVIANDADE 8 critérios que validam uma obra & simplesmente, e mesmo tex E COMO RIGOR artistica sem leviandade ¢ com 0 frequentemente, ver uma seme- rigor que merecem. thanca entre a obra e os fendme- QUE MERECEM Rigor, sensiblidade, objetivi- nos da tristeza ~ nem mesmo uma dade € intuicao sio elementos pri- semelhanga. ‘dinmica’, ou se- na compreensio da arte, nio seri mordiais que essa obra investiga melhanca de ‘forma Iégica". Em mais possivel traté-la simplesmen- _e com isso traz uma contribuigéo. ‘outras palavras: quando digo que te como objeto de uma experién- muito significativa para fazermos uma certa obra de arte 6 triste, cia particular ~ certamente, nao uma profunda revisio. de nossos na verdade a resposta equivale 8 como objeto de uma experiéncia _ valores e critérios ao contemplar- mesma que eu dariaa um homem que poderia igualmente ser oca- mos signos artisticos, coma se sabe, ‘quando em consonancia com sua sionada por uma paisagem ou por em perpétuo movimento e expan- tristeza. Fis um ponto nevrilgico uma flor”. Explicagao e argumento so em todas as dimensbes. to que dissolve muitas certezas se excelentes de Roger Scruton! Ad- Cconsiderarmas os critérios (sem- verte, em especial, para o quanta pre movedicos) que se entrelagam uma obra de arte exige um trata ‘com 0 juizo estétic. mento singular e sério. Ao con- A terceira e itima parte da templarmos flores, montanhas e © ‘obra em referéncia discute, en- que se julgam belas paisagens nao te outros pontos importantes, podemos, declara o autor, adotar {que em se tratando de legitimar, 0s ‘mesmos pardmetros estéticos cle forma plena, o estético, nada que devemos dar as verdadei- 6 definitive © muitas dividas se ras obras artisticas. Uma coisa é conjugam de forma, muitas vezes, char uma paisagem bonita, tris- perigosa. “Fomos conduzidos 4 te ou sublime, Outra coisa, muito conclusio de que a apreciagao da diferente, 6 julgarmos uma obra arte € em parte determinada por _estética. Por qué? E aqui vem um ANA Manta Hanon Barrista uma concepcio de seu objeto. dos melhores argumentos do au- (AMLELB) éestea nnoUTORA Isso abre caminho para teorias do tor: Porque ao julgarmos, com le ru Comuntengio # Seana. interesse estético muito diferentes _gitimidade, obras estéticas, temos P6s-DovTORA Ea Histéma ddas nossas. Em particular, pode-se que considerar que se tratam de DA CHENCIA, PrsqUISAOR® F sustentar que, uma vez mais ten- _linguagens que apresentam ideias ‘mrovess0RA DA UsIVERSIDADE £ do adquirido © complexo conjun- _ humanas e sua importancia se da [NovE DE JUts0. ESCREVE SOBRE 2 ta de-combecimiernad: envelvidos’ no que clase far compreender ent Ifans asia GOO vwmnportlespacodosabercom.r + FIOSOfia natn * 61 PARA REFLETIR Amélia Toledo — inclassificavel ARTES VISUAIS / REGISTRO Lembrei que Esqueci € 0 titulo da iltima exposicdo da artista Amélia Toledo no CCBB ~ SP. Um titulo estranho, quase surrealista, mas, talvez, seja a frase que me- thor consegue definir a obra des- sa artista que sempre escapou a qualquer classificacao. Sua obra sempre foi mutante, indo de um extremo construtivista para for- mas minerais ¢ organicas, como a zombar de qualquer tentativa de prendé-la em definicées fécels. ‘Amélia Toledo era imprevisivel Parecia sempre ter se esquecido do que fizera antes. Fla pertence ao mesmo tempo 0 construtivismo, ao neoconere- tismo, possui uma fase pop, com suas esferas de plistico cheias de liquidos coloridas que precisam ser chacoalhadas para que uma espuma domine o interior do objeto, Criou, ainda, instalacées conceituais que a aproximam de uma arquitetura quase surreal. O uso que faz de elementos brutos como pedras colocadas em for: Aartia seu semblante catia enquadhar Ahjnkivamente sas obras entre os movimentas mato de circulos ou espirais com um minimo de interieréncia a aproximam também da arte mi- nimalista, Mas escapa sempre de todas essas classificagbes. Agora que tudo terminou, com seu fa- lecimento, percebe-se que ela sempre esteve a explorar a imate- rialidade que se escondia dentro dos materiais que utilizava, ‘Amélia Toledo fazia ondular placas de aco inoxidavel. Em suas mos, elas se transformavam em ondas fluidas. Dentro de totens metalicos, ela depositava materiais, onginicos frageis, como conchas ‘ou inusitadlos cristais. Havia sem. DENTRO DE TOTENS METALICOS, ELA DEPOSITAVA MATERIAIS ORGANICOS FRAGEIS, COMO CONCHAS OU INUSITADOS CRISTAIS. HAVIA SEMPRE UMA TENTATIVA DE DESMASCARAR A APARENTE SOLIDEZ DOS MATERIAIS COM QUE TRABALHAVA 62 + Filosofia cienciida attics eels vgs 0 Bras € qs possve pre uma tentativa de desmascarar @ aparente solide dos materiais com que trabalhava. Daf seu gos: to por tubos ¢ esferas de plistico, por resinas transparentes em cujo interior ela aprisionava estranhos objetos. Era como se a artista fosse uma voyeur incansavel a desin {grar o mundo visivel. Amélia Tole- do era, paradoxalmente, a artista das transparéncias € a0 mesmo tempo das coisas opacas, solidas. Brincava com essa estranha dialé- tica. Da densidade da matéria, ela fazia surgir fragilidade, liquidez, cores. Era uma feiticeira misturan- do coisas que nao podiam ser mis- turadas, Seus objetos e esculturas quase que exigiam ser tocados, manipulados. Nesse sentido, ela 6 uma legitima herdeira de Clark, com seus objetos manip vels e 0 forte apelo sensorial, tétil dos materiais utilizados. Mas sua fascinagéo era mes- mo com a translucider das coi- sas. Superficies espelhadas dos acos polidos refletem o entorno € 0 deformam. Colunas de metal que causam estranhamento, pois nunca sao objetos ébvios. Suas dobraduras. improviveis provo- cam sempre uma estética visual ro passante apressado. Persistente © de maneira deci- dida, Amélia Toledo foi levando sua obra para uma vertente meta~ fisica muito particular. Explorava tum aspecto surreal da matéria Forgava os materiais para uma abrem-se em flores minerais cris- na qual trabalhou com desenho — dimens3o que sua intuicgo the talizadas no topo. € como se ela de projetos. A concepcao arqui-_ dizia ser o lugar onde a densida- insistisse em nao aceitar frontei- _tetural iri, inclusive, nortear algu- de da matéria se dissolvia em luz, ras entre os materiais. Suas obras mas de suas futuras instalacbes. A em energia. Onde 0 orginico e 0 revelam, obsessivamente, uma gravura ¢ o desenho de joias se-_inorginico conviviam. Um lugar impossivel fluidez. A matéria era rao outros espacos artisticos que onde a matéria se esquece de sua intercambiavel nas maos de Amé- _atrairdo igualmente seu interesse. _materialidade. tito lia Toledo. Por isso, 0 plistice era Também 6 longa a sua trajetéria tum dos seus materiais preferidos. como professora na Faculdade de es sio sélidos, mas transparen- _Arquitetura e Urbanismo da Uni- tes, revelam o que esté em seu versidace Mackenzie, na Funda- interior como artérias vivas nas io Armando Alvares Penteado quais uma estranha seiva pulsa (FAAP), ambas em Sao Paulo, ena ‘em cores diversas. Placas de acti- Escola Superior de Desenho In- lico em suas mios transformam- dustrial do Rio de Janeiro. A arte -se em cortinas ondulantes onde em espagos piblicos também iré a luz ¢ refratada e participa da _interessé-la e ela se fard presen- escultura. Tudo ondulava pelas te com sua escultura cromética maos de Amélia Toledo. Até os na Estagao Arcoverde do Metrd agos e metais mais s6lidos. do Rio de Janeiro. Em Sao Paulo Toda essa trajetéria comeca est seu Caleidoscépio, na Linha ‘Warren Cezar Apnio(WCA) no atelié de Anita Malfati, no Vermelha, na Estacéo Bris, e na J vastav et FtosoriapeLA final dos anos 1930. Segue seus Estacdo Anhangabai esto seus Usivensbane ne Sto Pav (US?) estudos com Takaoka e Walde- acrilicos coloridos, como corti ENEMBRO Da AssocLAGiO PAULISTA mar da Costa. Seré no esertrio nas refratando a luz, € bastante pacatnonene ARTIIAPCA) de Vilanova Artigas que ela teri extensa sua patticipacio em lo ‘onan Asst Visas oenns seu encontro com a arquitetura, ais pablicos, com instalagées AGINAS. WADDEOSVOL.COMLBR vwinprtlespacodosabercom.r + fIIOSOfia dénaswda * 63 PARA REFLETIR Transplante de cabecas FILOSOFIA DA MENTE COMO DEFINIRIAMOS SEXO, COR E IDADE NESSE ADMIRAVEL MUNDO NOVO DE CORPOS E CABEGAS TROCADOS? ALEM DO COMERCIO DE ORGAOS — QUE JA CORRE SOLTO - HAVERA, TAMBEM, O CONTRABANDO DE CORPOS INTEIROS? Foi com muito espanto que li, recentemente, que 0 médico e neurocientista Sérgio Canavero, do Grupo de Neuromadulacao Avan- ada em Turim, esta preparando a irurgia mais controversa de que se tem noticia até hoje: 0 primeiro transplante de cabeca. O nome da Cirurgia 6 sugestivo: “Heaven”. Em linhas gerais, © procedi- mento envolve 0 transplante da cabeca num corpo saudével de um paciente em morte cerebral. O cérebro de Valery Spiridonoy — um russo paraplégico cuja esperanca lada sua condicao de ser arrefecido entre 05 10 @ 05 15 graus Celsius para prolongar a vida das células nervosas na auséncia de oxigénio. Depois, a medula espinal é corta- da e a cabeca colocada no corpo do doador, com 0 auxio de uma “cola biol6gica”. Durante pelo me- ros trés semanas o paciente terd de ficar em coma induzido para prevenir movimentos. Quando Ii sobre esse projeto Cirdrgico monumental, lembrei- -me do conto Learning to be me (Aprendendo a ser eu) do austra- liano Greg Egan, publicado em 1990. Na sua ficedo, ele propunha que réplicas de cérebros humanos fossem construfdas com diaman- te ou com outras joias para que durassem milénios. Se as técni- cas cirdrgicas de Canavero forem bem-sucedidas teremos dado um passo decisivo em direcdo a pro- MUITAS VEZES TEMOS A SENSACAO DE QUE NAO SOMOS, INTEIRAMENTE, UM CORPO, POIS NOSSA CONSCIENCIA ESTARIA A BORDO DELE, COMO UMA BORBOLETA APRISIONADA EM UM ESCAFANDRO 64 + Filosofia ciencigsida longar nossa vida indefinidamen- te. Para nos mantermos vivos & conscientes bastard transferir 0 cérebro pa © eu Gell) do individuo sobreviva, assim como toda a sua vida mental. Mas essa ideia € muito in- quietante. A paisagem do mundo humano poderé mudar dramati- camente com esse novo tipo de irurgia. Poderemos ter cabecas com cabelos brancos € rostos en- rugados ligados @ corpos. jovens fe musculosos. Ou corpos negros com cabecas e faces brancas sobre seus ombros. Qu cabecas masculi- nas sobre corpos femininos. Como definiriamos sexo, cor e idade nes- se admirdvel mundo novo de cor- pos e cabecas trocados? A minha idade 6 a do meu corpo ou da mi- nha cabeca transplantada para ele? Serd a cor da minha cabeca que determinaré minha raca_no meu documento de identidade? Ou a cor do meu corpor Bem, isso sem falar das ques- tes biosticas. Além do comércio de 6rgios que j4 corre solto e responsavel pela maior parte do poderiam entrar em consércios _estado do novo corpo, elas pode- trifico de seres humanos atual- para adquirir corpos. sai riam ter uma sobrevida ampliada mente, teriamos, agora, também para os quais suas cabe fem pelo menos algumas décadas. © contrabando de corpos inteiros. _riam ser transplantadas E, quem sabe, 0 pro pode- Pessoas com doencas terminais morte cerebral. Dependendo do ria ser repetido, de forma ainda www:portalespacodosabercom.be + filosofis PARA REFLETIR mais aperfeicoada, quando esse segundo corpo comecasse a enve- Ihecer. Bem, isso se 0 cérebro da cabeca transplantada sobreviver a doencas degenerativas, como 0 Alzhei que 03 cérebros so matéria viva e, por isso, nao duram etemamente. Podlemos imaginar um ceniirio » poclemos esquecer de mao dupla, Pessoas com cére- bros saudaveis poderiam receber novos corpos, Par outro lado, pes: soas com cérebros demenciados, ‘ou com Alzheimer precoce po- deriam doar voluntariamente seu corpo & com um provavelmente, mais longevo. Nunca conversei com o ilustre neurocirurgido italiano, mas acre- dito que ele, como quase todos que tém esse oficio, deve acredi lar que n inte € cérebro so a mesma coisa. Essa ideia sempre foi questionada, Antes da invencao da Filosofia, muitas religides declaravam que, Ima (a mente) & imortal, ela deve ser algo imaterial, distin to do corpo. Pois 0 corpo, como tudo que é material, perece. Por isso, a vida eterna s6 poderia ser usufrufda por uma alma imate. rial. Penso que um dos motivos para essa ideia ainda ser muito popular é o fato de muitas vezes termos a sensagio de qui somos, inteiramente, um corpo, pols nossa consciéncia estari bordo dele, como uma borboleta aprisionada em um escaiandro. Canavero nao deve acreditar ‘em almas imortais. Provavelmen. te, ele deve estar buscando uma alterna 20 fato de nossa vida mental depender de uma base organica perecivel, que muitas vezes dura menos do que nossa consciéncia deseja. ‘Transplantar cabecas pode ser uma solugao proviséria para esse desencon- 66 + Filosofia ciénciasvids UMA VIDA INFINITA — OU EXTREMAMENTE LONGA — SERIA INCOMPATIVEL COM O NOSSO DESEJO DE APROVEITA-LA DA MELHOR FORMA POSSIVEL tro. Muitas pe: mais do que seus corpos permi- tem. E hd outras que nio supor tama vida, embora nao ousem se livrar dela Contudo, a questio que Ca- navero nos colaca é quanto devemos prolongar nossa vida conscienter £ a expectativa de quanto viveremos, apesar de sa- ber que um dia a morte chegaré, que faz com que lutemos para tornar nossa vida 0 mais digna possivel. Uma vida infinita ow extremamente longa € incompa- tivel com o desejo de aproveits cla da melhor forma possivel. A imortalidade nunca poderia ser tum fato, mas apenas um desejo Sem a finitude, a vida perde seu significado. Afinal, o que € muito abundante perde valor. fio Joo ne FERNANDES TEINEIRA ‘EPAULISTANO, FORNADO EM Fitosoria xa USP Vivew [EESTUDOUNAFRANGA,NA INGLATERRA NOS ESTADOS ‘Uswos. Escneveu mas somRE FILosorta Da MeNTEE ‘TECNOLOGIA. LECIONOU XA UNES, SAUFSCARENAPUCSP. MOMENTO DO LIVRO Jane rard e SEN ae O cenario é a Inghterra do final do século XVII, com bailes, carruagens ¢ jantares luxuosos. Depois da morte do pai, duas irmis, Marianne ¢ Dashwood, se vem obrigadas a morar de favor uma casa simples ¢ distante, muito diferente do que estavam acostumadas até entio, Marianne é rominntica. Elinor, reservada. As duas so envolvidas pelas sutilezas do amor ¢ tentam, cada uma a seu modo, sobreviver num modo cujo rumo das paixdes se define pela posieio social, © antagonismo das irmas dé alma ao livro de Jane Austen, que narra com perfeicio as emogdes humanas. Uma histéria que diverte e encanta até hoje varias geragdes de leitores. Blinor A vida das irmis Marianne e Elinor Dashwood se transforma radicalmente com a morte do pai, cuja heranga vai parar nas mios do filho do primeiro casamento, A histéria se passa numa época em que, sem dotes, as jovens nao tinham a menor chance de conseguir um bom marido. Mas isso nao as impede de conhecer 0 amor, Impulsiva, Marianne se entrega sem pensar & paixdo por um homem sem cariter. Jé Blinor esconde seus sentimentos, 0 que nao significa que sejam menos intensos. Ao longo da histéria, Livro: Razo e Sensibilidade as duas enfrentam diferentes provocagdes numa Namero de paginas: 270 sociedade movida por dinheiro, A cada reviravolta do Editora: Lafonte destino, 6 leitor se pergunta: Qual o melhor caminho para a felicidade: razio ou emogio? Veja outras informacées no site: www.escala.com.br FILOSOFIA CONTEMPORANEA BAUMAN e as crises do mundo Ha perspectivas de bem comum para 0 género humano? Renato NoNes BurreNcourr f povror at FILOSOFIA PELO. PPGF-UFRJ pnoresson AbsaNistRagiO Da, FACC-UFRI E-MAIL: RENATONUNESBI ‘TTENCOURT@GMAIL.COM 68 + Filosofia cienciswida ygmunt Bauman apresenta em suas obras uma and- lise apurada do mal-estar da vida humana em uma ‘ordem mundial cujos atores politicos hegemdnicos evidenciam completo distanciamento em relacio a um projeto social capaz de promover o estabelecimento do bem comum para 0 género humano, Guerras que no fundo sio fomentadas pelo lobby das induistrias bélicas, édio fascis- ta em relagio aos refugiados, descumprimento dos acordos ambientais so exemplos de algumas feridas de nossa conjun- tura global. © progresso técnico da Modernidade nao se associou a0 progresso ético fundamentado na tolerdncia efetiva, no respei- to pela alteridade e mesmo pela afirmagao concreta da solida- riedade internacional, gerando assim uma terrivel cisio intr seca em seu dispositivo epistémico, Nessas condigdes, a técnica se converteu em poder tirdnico, tecnocracia, que favorece a do- minagdo do homem sobre o homem ea exploragio desenfreada da natureza em nome da razio econdmica do produtivismo. Nietzsche é um grande critico do conceito de Modernidade, por considerd-la uma fabulaga Ao contrério do que hoje se eré, a humanidade mao repre- senta uma evolugao para algo de melhor, de mais forte ou de mais elevado O “progresso” é simplesmente uma ideia moder- nna, ou seja, wma ideia fatsa. O europeu de hoje vale bem menos do que o europeu do Renascimento; desenvolvimento continuo nao & forcosamente elevar-se, aperfeicoar-se, fortalecer-se (Nietzsche, 1997, p. 17). Cabe ressaltar que objecdes nietzschianas aos parimetros axiolégicos modernos nao significam uma disposigao reacio- dria pré-Classicismo, mas sim a crua constatagio de que © Projeto civilizatério da sociedade burguesa, locomotiva da FILOSOFIA CONTEMPORANEA Immanuel Kat perspectva mas oinsa quanto ao futuro ch secede vida moderna, promove a degeneragio da prépria energia criativa do ser humano, que se emancipou, de certa maneira, das correntes teolégicas, mas se aprisionou nos grilhées da tecnocracia, da burocra- cia, do trabalho exaustivo e alienado, na correria do tempo urbano desprovido de reflexdo, marcado pela agitagao histridnica que excita de maneira do- entia 0 sistema nervoso do sujeito que encontra na sofreguidao do trabalho seu caminho para a pros- peridade material ¢ inerente aceitagao social na so: AMESMA ORDEM ECONOMICA E POLITICA QUE PROMOVEU TRANSFORMACOES SURPREENDENTES NA ORGANIZAGAO SOCIAL COM SEUS BENEFICIOS TECNICOS CHANCELAVA A ESCRAVIDAO E A ESPOLIACAO COLONIALISTA 70 + Filosofia ciénciasvida ciedade de consumo. © homem moderno é assim uum ser despersonalizado, constantemente & procu- ra de si mesmo, sem lograr éxito. ACRISE DA MODERNIDADE ‘A Modernidade trouxe em seu bojo a esperanca concreta de mudanga da ordem sociopolitica em fa- vor do bem-estar da humanidade, encontrando no projeto filoséfico do Huminismo sua maior realiza Gao intelectual. A crenga no progresso da técnica e do conhecimento como poder emancipador da hu: manidade dos grilhdes da ignorancia que tanto a fez viver no obscurantismo estimulava, na intelligentsia ocidental, uma onda de otimismo e de enforia em re- lagao a0 futuro, As transformagdes sociais de entio reforcavam essa convicgdo, Kant apresentou tal ex- pectativa de maneira bastante otimista: Pouco a pouco diminuird a violencia por parte dos poderosos ¢ aumentaré a docilidade quanto as leis. Haverd, porventura, na sociedade mais beneficéncia € menos rixas nos processos, maior confianga na pa lavra dada etc., quer por amor da honra, quer por in: teresse pessoal bem entendido: e tal estender-se-d, por fim, aos povos na sua relacdo externa reciproca até & sociedade cosmopolita, sem que se possa minimamen- te ampliar o fundamento moral no género humano; para isso exigir-se-ia também uma espécie de nova criagao (influxo sobrenatural) (Kant, 1993, p. 109). Acreditava-se que a esperada autonomia da hu- manidade perante forcas poderosas que até entao a subjugavam violentamente enfim estava proxima de ser alcangada, Contudo, a Modernidade trazia consigo o gérmen da contradigdo axiolégica, pois os beneficios da emancipacdo sociopolitica nao foram des para os brancos ocidentais que se arrogaram 0s con: dutores da ordem do mundo, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, trinémio fundamental da filosofia iluminista e da Revolugdo Francesa, que desperta: ram 0s mais elevados afetos em seus defensores, res ados para todo o género humano, mas apenas tringiram-se a um distinto grupo de elite cultural. ‘A mesma ordem econémica e politica que promoveu transformagées surpreendentes na organizagio so- ial com seus beneficios técnicos chancelava a escra idao, a espoliagao colonialista ea divisio axioligica Hy) AS GARANTIAS TRABALHISTAS ADQUIRIDAS PELAS SANGRENTAS LUTAS PROLETARIAS SE DISSIPAM GRACAS AO AJUSTE NEOLIBERAL QUE DEFENDE OS INTERESSES EMPRESARIAIS, EM DETRIMENTO DOS TRABALHADORES do mundo entre civilizados e barbaros, merecedores de toda forma de dominagao em nome do progresso, palavra que se torna 0 mandamento da agio racional do sistema moderno. A GENESE DA MODERNIDADE LIQUIDA ‘Um dos conceitos fundamen- tais do pensamento de Bauman €0 de liquide. Trata-se de uma atualizagio da célebre expressio cunhada por Engels ¢ por Marx no Manifesto do Partido Comu nista, “tudo que & sélido e esti- vel se volatiza’, acerca do papel revolucionirio da burguesia em modificar radicalmente as ba- ses axiologicas da ordenagao do mundo aristocritico-feudal: O continuo revolucionamento da produgao, 0 abalo constan- fe de todas as condigées sociais, a incerteza e a agitacao eternas distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Todas as re- lacdes fixas e cristalizadas, com seu séquito de crengas e opinioes tornadas venerdveis pelo tempo, sto dissolvidas, € as novas enve- Ihecem antes mesmo de se con- solidarem. Tudo 0 que é sélido ¢ estdvel se volatica, tudo 0 que é sagrado é profanado, ¢ os homens sé finalmente obrigados a enca- rar cont sobriedade ¢ sem ilusdes sua posi¢ao na vida, suas rela- es reciprocas (Engels; Marx, 2010, p. 69). A proeminéncia burguesa, no decorrer da Modernidade, porém, adquire tons extremamente rea- ciondrios, exercendo na estrutu- ago social uma hegemonia tio repressiva como a dos poderes do Antigo Regime. No entanto, © ethos burgués & grosseiramente inferior a0 do espirito aristocrati- co, pois esse, apesar dos seus ca- prichos, do seu egoismo faustuo- so, das suas irresponsabilidades monetirias, dos seus disparates contra 0 bem-estar comum, era dotado de bom gosto, refinamen- to estético ¢ requinte, enquanto a ideologia burguesa ¢ essencial- mente filisteia, pois mensura a -gestio pessoal a partir de crité- rios pecunisirios, onde ter algo € garantia de gozo ¢ de segu- ranga existencial, Nesse con- texto, Bauman, ao conceder dignidade filos6fica a0 con- ceito de liquide, insere-se contradigées irresolutas. AS ga- rantias trabalhistas adquiridas pelas sangrentas lutas proletirias se dissipam gracas ao ajuste neo- liberal que defende os interesses empresariais em detrimento da qualidade de vida dos trabalha- dores (gerando incertezas exis- tenciais © condigdes precérias anilogas as do escravismo), as relagdes amorosas perdem sua densidade e senso de investi- ‘mento em longo prazo (com seus fracassos € sucessos) para se tor- narem naturalmente efémeras descartiveis (nas quais impera na aporia acerca da supera- Doom, ‘¢20 ou no da Modernida- de, ¢ como compreendé-la em suas ambivaléncias. © carter emancipatério da Modernidade revela sua liquefa- io através da hipérbole das suas Bauman atualiza a célebreexpressio cunhada por Fngelse por Max no Manifesto do Partido Comunisa: “tudo que 6 slid e estivel se voatza FILOSOFIA CONTEMPORANEA ESCOLHA, Bauman, falecido em janeiro de 2017, sempre preferiu 0 uso da expresso metafora “modernidade liquida”, relerindo-se nao s6.aum conceito que remete a impermanéncia, fluidez e reinvengao, mas também nao satisiazer-se com 0 conceito ideolégico de “Pés- -Modernidade”. 72 + Filosofia ciénciasvida a logica do descarte do parceiro amo- 030 to logo ele tenha nos fornecido, © prazer que queriamos obter), os dis- cursos extremistas dos fascistas que ainda se encontram vivos ¢ cada vez mais fortalecidos nas sociedades democratizadas ganham mais adesio dos setores medianos destas, em uma mescla de mitificacéo, autoritarismo ¢ patriotismo xucro, Em sua, sao mui- tos e diversos problemas que assolam a sociabilidade moderna regida pela I6- gica do mercado e que evidenciam seu fracasso civilizacional, sem qualquer democracia auténtica. Bauman argu- menta que: A Modernidade descobriu que a condigdo de volatilidade que origina a inseguranga perpétua dos atores pode ser transformada no mais fidedigno dos fatores de manutengao do modelo, A politica de regulagao normativa foi substituida pela “politica de precari- zagéo", A flexibilidade das condigées humanas prenhe com a inseguranca do presente e a incerteza do futuro aca- bow por ser vista como sendo a melhor matéria-prima para a construgao de uma ordem forte e resistente; a vida seginentada em episédios sem peias ao passado nem amarras ao futuro elimi- nao desafio de estabelecer a ordem de uma forma mais radical do que fizeram as mais elaboradas (e exorbitantemen- te caras) instituigdes de vigilancia pa- néptica e de administragao cotidiana (Bauman, 2010, p. 224-225), Todo desenvolvimento técnico nao foi capaz. de fornecer ao ser humano a seguranga existencial, ansiosamente perseguida de modo ineficaz pelos su jeitos em suas histérias de vida. O Es tado moderno advém como um érgio pretensamente depurado dos seus ele- ‘mentos contririos ao bem comum repu- blicano, mas na verdade perpetua suas diatribes excludentes contra os grupos sociais desprovidos de poder econé: capaz de Ihes conceder a cidadania € 0 inerente acesso aos direitos legais: Desde o inicio 0 Estado mederno confrontou-se com a desestimulante tarefa de gerenciar 0 mede. Teve de tornar a tecer a rede de protecao que @ revolugao moderna destruiu, e conti- nuay a conserté-la enquanto a moder- nizacdo por ele promovida continuava a deformé-la e desgastd-la (Bauman, 2006, p. 98). Por conseguinte, ao se tornar um mecanismo tecnocritico que proposi- talmente defende os interesses priva dos de uma minoria em detrimento dos anseios populares, o organismo estatal se torna, ele mesmo, responsivel pelos conilitos intestinos na sociedade mo- derna e sua violencia onipresente. Os pobres da sociedade de afluéncia, genu- fnos condenados da Terra, apds repres: ses exaustivas dos mais diversos niveis, explodem em ira contra a dominagio desse sistema que estabelece quem sio 98 “bons” € os “maus”: OS POBRES DA SOCIEDADE DE AFLUENCIA, GENUINOS CONDENADOS DA TERRA, APOS REPRESSOES EXAUSTIVAS DOS MAIS DIVERSOS NIVEIS, EXPLODEM CONTRA A DOMINACAO DE UM SISTEMA QUE ESTABELECE QUEM SAO OS “BONS” E OS “MAUS” Cada vez mais, ser pobre é encarado como um crinte; empo- brecer, como 0 produto de predis- posigdes ou intengdes criminosas ~ abuso de alcool, jogos de azar, drogas, vadiagem e vagabunda- gem. Os pobres, longe de fazer jus a cuidado e assisténcia, me- recem édio e condenagao ~ conto @ propria encarnagao do pecado (Bauman, 1998, p. 59). Os abastados. membros da sociedade de consumo, cidadaos ‘economicamente viveis, alheios a0 cariter miserdvel ¢ excluden- te da gestio capitalista, fecham seus olhos para essa degenera- ‘gio republicana ¢ se escondem nos shoppings e nos condomi- nios, afirmando assim a lbgica da identidade idiota, pois somente se esforgam para tentar mudar positivamente a ordem das coisas quando eles mesmos sio afetados pelos efeitos destrutivos das re- voltas sociais: A EXPERIENCIA DO MEDO SE CARACTERIZA TALVEZ COMO A DISPOSICAO FUNDAMENTAL DA CONDICAO HUMANA, POIS NENHUM DISPOSITIVO FOI CAPAZ DE ELIMINAR OU ATENUAR SEUS EFEITOS, MAIS IMPACTANTES Quanto mais as pessoas per- manecem num ambiente uniforme = na companhia de outras “como elas” com as quais podem ter su- perficialmente uma “vida social” praticamente sent correremt 0 risco da incompreensio e sem enfrenta- rem a perturbadora necessidade de traduzir diferentes universos de significado -, mais é provavel que “desaprendam” a arte de nego- ciar significados compartilhados ¢ um modus convivendi agradével (Bauman, 2007, p. 94). ‘Todavia, a tendéncia geral dessas classes soberbas & lutar ferrenhamente contra a ignomi- niosa proletarizagio do nivel de vida e, assim, se empenham para defender medidas reaciondrias contra os avangos dos deserdados da festa capitalista, legitimando toda sorte de barbaries politi- cas para reprimir os golpes dos miserdveis que, em verdade, sio criagdes das préprias elites, in- capazes, contudo, de reconhecer sua culpa pritica nesse proceso. fascismo prospera onde 0 es- 0 reativo do medo baseia sua compreensio limitada da realida- de através da mitificagio, como se houvesse um lider capaz de, por sua forga de vontade, libertar 0 “cidadaos de bem” do abismo, As elites escolheram 0 isola- ‘mento e pagam por ele prodiga- mente e de boa vontade. O resto da populagao se vé afastado ¢ Jorcado a pagar o pesado prego cultural, psicolégico e politico de seu novo isolamento (Bauman, 1999, p. 29), A experiéncia do medo se caracteriza talvez como a dispo- sigdo fundamental da condigao humana, pois nenhum dispo vo foi capaz, no decorrer das eras, de eliminar ou a menos atenu- ar seus efeitos mais impactantes nas estruturas sociopoliticas das vwinprtlespacodosabercom.r + filOSOfia inasvda © 73 FILOSOFIA CONTEMPORANEA ages. Todos os esforgos racionais da intelligent: sia moderna no foram suficientes para esclarecer a sociedade ¢ assim suprimir © medo da vida e seus elementos mais contrastantes. O medo que nao é su- perado convenientemente em atos de enfrentamento dos desafios existenciais, em fortalecimento do ani mo corajoso, incentiva erupgdes de édio contra as figuras ou grupos imputados como os responsiveis justamente pelo despertar do medo: © medo do desconhecido ~ no qual, mesmo que subliminarmente, estamos envolvidos ~ busca deses peradamente algum tipo de alivio, As ansias acumu- ladas tendem a se descarregar sobre aquela categoria de “forasteiros” escolhidos para encarnar a “estran: geiridade’, a nio familiaridade, a opacidade do am: biente em que se vive e a indeterminagao dos perigos das ameagas (Bauman, 2009, p. 36-37). 74 + Filosofia ciénciasvids OUTRORA, O MEDO ERA DIREC! PARA ALVOS MAIS FACILMENTE DETECTAVEIS, AINDA QUE PAUTADOS EM ACEPGOES ABSTRATAS, E CONVENIENTEMENTE MANIPULADOS JNADO Outrora, 0 medo era direcionado para alvos mais facilmente detectiveis, ainda que pautados em acepgdes abstratas, e convenientemente mani pulados pelos poderes estabelecidos para que em ag climinadas (bruxas, hereges, leprosos, assassinos, ladroes). Na modernidade liquida, como a ordem capitalista evidenciou sua inépcia em promover justiga social e como tal modelo corrupto de gestio governamental cada vez mais jogou a coisa publica na faléncia geral, 0 Estado, comandado por elites, defensoras da plutocracia, nio consegue conduzir convenientemente a sociedade para um patamar de Progresso genuino, bem-estar, acesso aos recursos materiais indispensaveis para a efetivagao da quali dade de vida do cidadao: es catdrticas as fontes maléficas do medo fossem Os medos nos estimulam a assumir uma aga de- fensiva. Quando isso ocorre, a acio defensiva confe- re proximidade e tangibilidade ao medo. Sdo nossas respostas que reclassificam as premonigdes somtbrias como realidade didria, dando corpo @ palavra. O medo agora se estabeleceu, saturando nossas rotinas cotidianas; praticamente nao precisa de outros esti- mulos exteriores, jd que as acdes que estimula, dia apés dia, fornecemt toda a motivacao e toda a ener- ‘gia de que ele necessita para se reproduzir. Entre os mecanismos que buscam aproximar-se do modelo de sonhos do moto-perpétuo, a autorreproducio do ema ranhado do medo e das agaes inspiradas por esse sen- timento esta perto de reclamar uma posicao de desta: que (Bauman, 2007, p. 15). © resultado é uma guerra civil urbana na qual ninguém mais esti seguro. O medo de sofrer as agru ras de uma morte violenta incentiva posturas reat vyas nas pessoas, que vivem em nivel elevado de ten. so psiquica, encontrando em cada interlocutor um possivel inimigo oportunista que deve ser preven: tivamente eliminado, tal como uma guerra ubiqua. Por isso, parlamentares opor- tunistas defendem a legalizagio do uso das armas de fogo, como se a populagdo armada pudesse vencer a violencia que nasce, em verdade, da perpetuagio das justigas sociais, O tipo de incerteza, de obscuros ‘meds € premonicdes em relagao ao futtero que assombram os ho- ‘mens ¢ mulheres no ambiente flui- do e em perpétua transformagao ent que as regras do jogo mucam no meio da partida, sem qualquer aviso ou padrao legivel, nao une os sofredores: antes os divide ¢ os se- ‘para (Bauman, 2003, p. 48). Dessa_maneira, chegamos a uma polarizagio extremista das contradigées modernas, pois al: cangamos nivel elevado de pro- dugdo de conhecimento, mas en- contramos ainda expresses de ignorancia irmanadas com a bar- brie, A democtatizagao social, ndo obstante seu carster formal ‘em muitas constituigdes nacio- nais, ndo gerou efetivas gestoes piblicas promotoras da justia ¢ da isonomia dos seus cidadaos. ‘Torna-se, assim, imprescindivel uma revolugio social que crie uma nova governanca _politi- ca cujo mote primordial seja a emancipago humana de cada pessoa perante toda forma de po- der limitador. CONSIDERACOES FINAIS As obras de Bauman de- monstram 0 seu compromisso filoséfico para com o esclareci- mento critico, apresentando as sundo Bauman viene em um ambiente de “perpeua transfonmaco em que 2s regs do Jogo muelam ro mei da para, sem qualquer avso ou pacha lege!” € possiveis solugdes para os seus obra de Bauman permanecera impasses, mas suas ideias nio com sua intensidade legitima se sio formulas que, uma vez cum- seus leitores nao o mitificarem pridas a risca, permitirdo a sa- como 0 enunciador da palavra tisfagao das demandas pessoais _soteriolégica, caso contrério nao dos interessados. Toda atividade _teremos de estranhar se encon- intelectual se equilibra sobre a trarmos, algum dia, um louco contingéncia, caracteristica cru» versando sobre béngios liqui- cial das humanidades, de modo das que absolverdo os pecados que precisoes ou verdades abso- do homem moderno, lutas Ihe sfo assim estranhas. A transtornado, BAUMAN, Zygmunt Comunidade usa por sequana no man aol ad de Pio Dente. Rode fn ge Zahir, 2003 Cotianga emda na cidade ona Asn. Renee: oxge “aa, 209, REFERENCIAS —_____.faropa: uma aventura inacabada, Td, de Cas Abeta Medes, Rode Inet: ng Zar, 2005 —___. Gloag as cosequncias aman. Ta de Mares Pacha Rio de Janie jr Zaha, 199, (© mab estar da Mis Moderate, Wl, de Naw0 Gamae Cx Monin Ga, Rode ano: jogs Zar, 1958 A sociedad sada, Ta de Bara Pato Coelho, isos: estate Faget, 2010. _——___Temposliqudos. Tn de Cavs Albro Medco Rio dean age ‘aha 207 ENGELS, eich; MARX, Ka, Manifesto do Fartdo Comunita. a de Morco Auto Neue ‘Leon Kaede Branca Pula: Ed Univers SS Franca arp: Vs 2010 KANT, Immanuel Oconto das feuds ad. de Aetur Mori, Lisa: 70,1985 NIETZSCUE, ricich, © Ant, Tad, de Artur Moro, Libos Ed 70,187 A EXPERIENCIAW = | LIRICA E SEUS IMPACTOS NA SOCIEDADE A poesia perde leitores e a humanidade ganha em alienagao 76 + Filosofia ciénciasvida ‘wow: portalespacodosaber.co as Linen se Lermas PELA USP - UsiverstDn DESKo Pavto con HARILETAGAO BM LINGUA ELITERATURA ITALIANA, Fezesee Uwistma - Universita StENA WA FrAtAA & ‘CORSOU JORNALISMO NA Unease = Universinane: Metopista ne Sio Pavto. EavTOR Dos LIVROS: MAL Sane 4 208 4 porsta (Aus Paw, 2016), Ria (Hexac EorroRa, 2015) x Vewranta D0 IvFINITO LiteRaTuRa. Oncawtza Da tinea, Texto DEREVIStA FILO ~ Ww! tbr + Filosofia cienciasvida + 77 CULTURA ensar © mundo contem- porineo por intermédio da literatura, sobretudo 1a poesia, colabora enor memente para o entendimento do homem e da sociedade. Uma pes- ‘quisa realizada pelo Instituto Pro- Livro revela que, de 2007 a 2017, ‘o género poesia perdeu 10 milhoes de leitores e caiu da quarta para a tava posi¢io em relagio aos gé- nneros mais lidos do pais. Niimeros reveladores de um problema na competéncia leitora da maxima expresso de verbo: a poesia, Po- rém, pensar na lirica contempora- nea pela regulamentagao do mer- cado é um perigo conceitual Em sua palestra “Liricae socie dade”, Theodor Adorno constr tum raciocinio cuja base do argu- mento é que, se de um lado nao se pode dissociar a lirica da socieda- de, por outro, 0 contetido objetivo da lirica deve se pautar em sua subjetividade. Essa abstragio do sujeito no mundo contemporaneo refleti- da na experiéncia artistica vem se observando de maneira bem clara desde os principios das revoluges burguesas mapas sagem do século XVIII para o XIX, cuja fragmentacao do su. jeito se deu como fundamento objetivo da sociedade 4 Shuss)-2) cela) ela MILIONARIO. CAPTAR A IDEIA DA FRAGMENTACAO, ENQUANTO BASE SUBJETIVA DA SOCIEDADE £ O DESAFIO DA LIRICA CONTEMPORANEA; EM OUTRAS PALAVRAS, DAR CONCRETUDE A ESSE FENOMENO DE Oo Nesse sentido, pensar a arte como um reflexo mimético desse desenrolar hist6- rico revela e constitui' um sujeito inseri- do numa légica de autodesconstrugio. A formagao dos centros urbanos € 0 pro- cesso de industrializagao converteram 0 homem num maquinismo funcional que © descaracteriza em sua humanidade, O sujeito, sobretudo da classe trabalhadora, passa a “funcionat” sob os designios de sua fungdo, inserido numa engrenagem de produgao didria e alienante. PRINCESA-DO,BRASIL Neurociéneia Peony arabes Captar a ideia da fragmentaga quanto base subjetiva da sociedade é © desafio da lirica contemporanea; em outras palavras, dar concretude a esse fendmeno de desconstrucio. Celia Pedrosa, em seu artigo “Poesia € critica de poesia hoje: heterogeneida- de, crise e expansio”, no livro Critica de poesia ~ tendéncias ¢ questées, encami- nha a ideia de constituigao do carater homogéneo da lirica contemporinea justamente em sua temstica fundamen- tal:a heterogeneidade. tensionamento conceitual da li- rica se da no entendimento de sua es séncia € a distancia dos reguladores sociais, como 0 mercado, as vendas, editoras, livreiros, feiras e agentes, bem como - com significativo destaque ~ a lgica dos prémios litersrios. ano de 2016 marcou um fendme- ro interessante em sua semiintica es: sencial, a escolha de um miisico como vencedor do Prémio Nobel de Literatu- ra, A academia sueca anunciou tubro a premiagio causando polémica ‘no meio literdrio e espanto no proprio vencedor, 0 misico Bob Dylan. Dylan nao foi A Suécia receber 0 sm ou <4 yr | RAZAO. Agraciado em 2016, Bob Dylan foi o prim estadunidense a ganhar um Nobel [J de Literatura desde Toni Morrison, que recebeu 0 prémio em 1993. A polémica da premiacao de um masico para a categoria de Literatura foi rebatida ressaltando-se 0 lirismo das letras de Dylan eo fato de este ter criado “uma nova expresséio poética na tradicional cango americana’, O misico jé era cotado havia muitos anos para receber o prémio anita Rosary CULTURA £ COMUMA CONFUSAO NA HORA DE DETERMINAR CONCEITOS, ESPECIALMENTE QUANDO HA ELEMENTOS ESTETICOS COMUNS A GENEROS DIVERSOS. COMO NA PERGUNTA: “E LETRA DE MUSICA OU POESIA?” premio ¢ agradeceu por meio de um discurso lido por Azita Raaji, embaixadora dos Estados Unidos no pais. prismas importantes, inclusive como autocritica e reconhecimen- to de seu lugar como artista: “Se alguém me dissesse que eu tinha a ‘menor chance de ganhar um Pré- mio Nobel, eu teria que pensar que eu tinha as mesmas chances de pi- sarna lua’, afirmou. A academia sueca que organiza © Nobel de Literatura justificon a escolha do cantor por intermédio de sua secretaria permanente, Sara Danius: “Bob Dylan foi escolhido or criar novas expresses poéti- cas dentro da grande tradigao da miisica americana’. © prémio nio se aplica, necessariamente, ao seu livro eserito, assumido enquanto feratura mesmo que mesclando poemas ¢ letras de misica, mas im 0 conjunto de sua obra como mit sico. O livro em ques la, disponivel no mercado negro de su discurso ofereceu fio 6 Tardntw 80 + Filosofia citocinssidn 1966 até 1971, que chegou ao Bra- sil numa tradugdo do poeta Paulo Henriques Britto apenas em 1986, A questio da determinagio do género importante para limitar seu conceito e, a0 mesmo tempo, conhecer as janelas que ele poss para se conectar a outros géneros. £ comum a confusio na hora de determinar conceitos, especial: mente quando ind elementos esté- ticos comuns a géneros diversos. Por exemplo, a pergunta: “é letra de mmisica ou poesia?”; sendo as sim, a propria hierarquia da per- gunta determina juizo de valor e a grande resposta se da em funcao do signo verbal, ambos os géneros tem uso da palavra, O que nem sempre élevado em consideragao ~ 0 Prémio Nobel de Literatura ter sido dado a um mii sico e nao a um escritor é um bom exemplo - é que o fundamento de cada género é diferente, Para a poesia, sua base, o suporte essen- ial, €0 verbo, a palavra. Jé para a letra de misic: suporte funda ‘mental é 0 som, e a palavra apare- ce como um aparato que pode ou indo ser usado no género musica, Se de um lado esse conceito das diferengas & 0 ponto de partida de qualquer reflexio sobre cada um dos géneros, é importante pensar na possibilidade de intersecgio dos mesmos, mas o principio inicial da anilise deve ser sempre 0 conceito individual: o que é poema, o que é letra de misica, 0 que é texto dra mitico e assim por diante. Confusdes deste tipo pauta- ram inclusive a fala do. misico Bob Dylan, refletindo sobre o pré- ‘mio: “Nenhuma ver tive tempo de perguntar a mim mesmo: serio as minhas misicas literatura?”, explica, Francisco Bosco em seu artigo “Letra de misica é poesia?”, do livro Banalogias, afirma que a poesia é 0 excesso que pode acom: panhar a cangio, onde poema letra sao fundamentalmente dife- rentes, Todavia, a poesia esti s6, a cangio pode se valer da poesia sem nunca deixar de ser musica, e cita como exemplo a figura de linguagem tipica de um poema no verso da letra do miisico Paulinho da Viola: “Solidao é lav Por isso, entender os funda mentos da arte e do fazer poético pode ser a chave para entender os percu nea, refletir sobre a subjetividade de cada instancia, dos ditos “frag mentos” para conectar a nogio de totalidade dos conceitos, mas fundamentalmente do sujeito. F preciso retomar a humanidade no proprio homem, clarear os limites estéticos como um direito coletivo, desvincular reguladores sociais de cardter mercadol6gico, ‘ib da lirica contempori: LIVROS Sociedade narcisista ‘Aon de re ars itis ator: Voee Spgs fie a ks 6 Recall. Bea 25 io, soto pesto decals poo pes sa He abnor al qe adecallerseronb a racetel> anual, no mais nos encontaros, potano, com a ewperiéaca erica, que presupee a trascendéncia, teal sigulardade do outro. © tor da Jantech, que froma lado ow able de peur, desO.a-aghder xen. © ‘outro que eu desejo e que me fascina & sem-lugar; ele se retral A linguagem do igual. ‘desaparecimento do outro é um sinal da sociedade que vai se tornando cada vez mais rarcissta; a sociedade, exgotada a partir de si, no consegue se ibertar para o outro, E Uma sodedadesem Ero. O auto nasceu na Corel, masse fu na Aemanha, onde ‘estudou e se tomou professor de Filosofia. Seu doutorado foi sobre Martin Heidegger. Debate filoséfico Filosofias da aftrmagao e da negagiio pee Ne oabaaiesare Edlitora: E Realizagdes, 320 pigs. Filosofia da afrmagio e da negacao @ uma obra composta de dislogos ficticios. A narrativa apresenta personagens que servem como tipos de atitudes, que so determinantes na ccondugdo do debate filosfico: homens da tarde, homens da noite e homens da madrugacla. Sao, respectivamente, os inte- lectuais sistematicos, que se satifazem com o creptisculo, ¢ limitando & experiéncia ‘estética de simbolos exterires, sem penetrar a realidade das coisas; 0s investigado- res dvidos, 05 quais questionam a escuridao, esperam pela madrugada e procuram ‘as estrelas,interessados pela orientacio que estas poder fornecer; e aqueles que cenirentaram a noite, passaram do estigio da expectativa a0 das respostas e agora afirmam entusiasmaclamente aquilo que vislumbraram. © filbsofo Mario Ferreira dos Santos escreveu dezenas de obras, entre as quais uma encicopédia de CinciasFilo- soficas€ Sociais de 45 volumes. Ciéncia da Légica Dentin dat Ii Cor Wn eh ge! Bina 275 pag ‘A publicacio da Doutrina do ser em 2016 e da Doutrina da esséncia em 2017 integya um projeto de tradugio de toda ‘Ciencia da Logica de Hegel. O objetivo da equipe de tradu- ‘Go foi inclur 0 debate de opinides, estabelecendo critérios cespecfficos. © leitor brasileiro ter acesso a uma obra fundamental da Filosofia ociden- tal Atraducdo marca um novo momento na recepgao ck filosofia hegeliana no Brasil, pois 0 acesso a Logica permite novas interpretacies, estudos e pesquises da obra de Hegel. A Ciencia da Légica constitu 0 nicieo da filosofia de Hegel, pois escancara ‘0 método dlalétco-especulativo e, a0 mesmo tempo, apresenta a rede coneeitual, ‘que atravessa todo o sistema € 0 articula pela contradicao como fonte de movimento Proclutivo de verdade, e sempre aberto a novas figuracoes. 0 leit encontra no indice ‘onomistico as referéncias de autores citads por Hegel filosofia ruben emetren menrmrse ei Sigeserenares ‘no Eado BS GRANDES, MEDIAS EPEOUENAS AGENCIAS EDIRETOS COMUNIEAGAG. MARKETING CRCULAGRO Fumo INPAESEAOEKeABANENTS AneR fevrera208 ° FALE CONOSCO ‘DIRETO CoM A Defeats fre CEP C25.009 nbbeeacnt ‘PARA ANUNCIAR anunelar@escala.com.br Stopautscssyasasct SP feartowrre 51% 267100 Press atsczems GRASILAG 35 65225208 ‘eae male nicest [ASSINE NOSSAS REVISTAS. [EDIGOES ANTERIORES acuta eae: ae ecu eta pubes caeina 35) ‘mumaroiacombe nt} asi ena AATENDIMENTO AO LEITOR ase 90x sn as 18h. 85) 3551009 (955) S65P.969" teenie ecaacom ot LUA ESCALA noes nesta weseeambe OLHO GREGO por renato janine ribeiro Os representantes nos representam? rma noite, faz tempo, num —_vagas dispontveis, A Camara paulis- _prometeram, por que cumprirdo eles restaurante do Rio de Ja- tana tem 55 vereadores, cada parti- seus compromissos? neiro,alguém comecoua do pode lancar 82 candidatos. Nao Ha solucdo? Ha. A. possibilida- dlzer que todos os poli- absurdo langar mais candidatos de de um relerendo revogat6rio (ou ‘cos comuptos.Pois um politico dos do que vagas? Nao &, porque além “recall, quando os eletores podem bons, veterano do jomal © Pasquim, dos titulares haverd suplentes. A lei destituir 0 parlamentar ou mesmo 0 lirgiu-se a ele com bom humor: supe que um partido possa eleger _governante. Foi praticado na Vene- ~Tenha certeza de uma coisa: 0 todos os vereadores (ou deputados) _zuela, sem que a oposico conseguis- senhor esta representado li, Hé pol —_e precisar ainda de suplentes, daf ose tirar Hugo Chavez (em 2004), e na ticos decentes e indecentes. O senhor _niimero elevado de candidatos. Mas California, onde 0 governador Gray votou, ests representado, s6 ndoseise no sei se em alguma cimara muni- Davis foi desttuido em 2003 ~ nos pelos decentes ou pelos indecentes. cipal do pas houve um partido que dois casos, quem dlecidiu foi 0 voto Esse comentério é importante: fez todos 0s vereadores. £ imprové- popular, nfo o Legislative. Em passes desde 1969, ninguém chefia o Poder vel. Dai um dilvio de nomes, que que adotam o voto distrital, como 0 Bxecutivo no Brasil nem faz parte torna quase impossivel efetuar uma Reino Unido, a Franca e os Estados dos legislativos se nao foi eleito. Ou escolha boa Unidos, seria relativamente facil afas- seja, n6s 05 colocamos li, Portanto, & Na maior parte dos parlamen- tar um deputado —bastara o distito itresponsivel lavar as maos pelas es- tos esté implicito que os deputados —_votar de novo, mas is0 acontece ra- ccolhas que fizemos. Prestemos mais no recebem um “mandato impe-_ramente ou nunca, Suas consttuighes atencio no voto, rativo” de seus eleitores: uma vez nao preveem o referendo revogatério. 6 que nao é totalmente assim. _diplomado, 0 parlamentar esta livre Ser poracaso? Afinal, 0 representan- Gosto da frase de Sérgio Cabral im, para votar como quiser. Se tives» te & quem traduz nossa vontade, 6 foi ele, mas ndo o atual e sim o seu se um mandato preciso, s6 poderia um tradutor ~ e diz 0 velho ditado, pai, grande personagem), mas hé um votar segundo as promessas que fez _tradutor, traidor. Precisamos mudar problema ai. Os representantes do ao eleitor. Mas nao 6 0 caso! O argue B50, mas como? Hoje, tudo 0 que te- ovo slo eleitos, sim, Mas as regras~ mento & que podem surge situagdes mos sio os protestos, nica forma de {que eles elaboram — para as eleicdes _imprevistas que exjam uma tomada controlar nossos eletos ~ e uma for- io tais que geram resultados que de posicio diferente da prometida. ma bem insuficiente, como se vé pelo no sio necessariamente os deseja- _Digamos que ele prometeu votar au- que sucede em nosso pais io dos pelo povo eleitor. mentos de salérios, mas a economia ‘Vejam s6; em 2016, houve 1.200 quebrou, Ora, esse argumento até ccandidatos a vereador na cidade de valetia, se fosse usado s6 em acasioos Sio Paulo, para apenas 55 vagas. _excepcionais. Mas é rotina 0 repre Deles, uns 60 tiveram zero voto. _sentante no cumprir 0 que prome- Nem eles mesmos volaram em si teu, Houve até candidatos a prefeito proprios. Muitos dos outros ficaram que prometeram cumprir © manda- ‘com menos de dez, ou de cem vo- 0 inteiro, nfo 0 fizeram —e mesmo RENATO JaNtNE RyBEtRO,Ex-MINISTRO tos. Cada partido tem o dirito de asim foram, digamos, “perdoados? _—_DABnvCAGIo.F mornson rrruLa lancar, nas eleigbes proporcionas, pelocleitor.Ora,senem mesmo nds, _yvruarantor Ste Provo (USD, candidatos em ndmero de 150%das _eleitores,cobramos deles 0 que nos WWiERENATOUANINE HOR 2 + Filosofia cienciasvida Apolicia secreta de Hitler Bom ere i I COLECAO GRANDES OBRAS DO PENSAMENTO UNIVERSAL JA NAS BANCAS E LIVRARIAS! Qu acesse www.escala.com.br FFi /editoraescalaoficial Lafonte

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