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DO BEHAVIORISMO RADICAL
A EDUCAÇÃO POLfTICA POPULAR*
•
Celso Pereira de Sá * *
1. Introduçlo
Uma participação preliminar acerca do estudo ora finalmente desenvolvido foi feita,
já em 1980, sob o título de Controle e contracontrole do comportamento na cons-
trução de uma sociedade democrática, no simpósio sobre A Investigação e a Inter-
venção Psicológicas em um País em Desenvolvimento: Algumas Possibilidades So-
cialmente Relevantes, constante da programação da XXXII Reunião Anual da S0-
ciedade Brasilllira para o Progresso da Ciência (SBPC). O livro Psicologia do contro-
le social (Sá, 1979) fora publicado há menos de um ano, e seu autor cogitava então
de lhe dar prosseguimento através de um projeto acadêmico de mais longo alcance.
Tal projeto acabaria por revelar-se, senão de tio longo alcance, pelo menos como
de execução a bastante longo prazo, visto que a equipe básica de pesquisai foi cons-
tituída naquele mesmo ano de 1980, e somente cinco anos depois seu trabalho pôde
ser dado por conclu ído. Ressalve-se, entretanto, que outros escritos próprios ante-
riores - Sá (1982, 1983,1984) e Sá et alii (1984) - representaram de alguma forma
etapas pertinentes do projeto, que foram sendo vencidas no decorrer desse período.
I A equipe definitiva de pesquisa ficou formada por Ricardo Vieiralves de Castro, Edson Viz-
zoni, Jussara de Carvalho Soares, Marisa dos Santos Viale, Renato Casar MoU. e Sergio da Co,.
ta Oliveira.
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dequado o esquema da revoluçA'o democrática o que devemos aprender agora a re-
frear (Skinner, 1955, p. 27).
Como se pode ver nessa citaçA'o, o que Skinner denuncia nA'o é a democracia, como
querem freqüentemente fazer crer alguns de seus críticos, e sim o caráter inócuo do
discurso tradicional de luta pela democracia. Certamente, esse discurso de eficácia
provada com relaçA'o ao controle pela força chegou a se desdobrar para fazer frente
a técnicas subseqüentemente aperfeiçoadas, como no caso da passagem do trabalho
escravo para o trabalho assalariado, que, se nA'o é imediatamente aversivo, o é a cur-
to prazo, pelo menos para a grande maioria dos segmentos ocupacionais da nossa
sociedade. Skinner contesta, entretanto, a eficácia de desdobramentos desse gêne-
ro que se farA'o continuamente necessários, já que a construção de uma sociedade
democrática nA'<> pode ser vista como uma obra acabável em qualquer tempo futuro.
"Estamos preparados para fazer frente a medidas coercitivas, mas nA'o contamos
com nenhum recurso tradicional frente a outras medidas que, amplamente - espe-
cialmente com a ajuda da ciência - podem chegar a ser muito mais poderosas e
perigosas" (Skinner, 1956, p. 33).
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Essa citação tem implicações muito importantes, desconcertantes mesmo, para o
presente trabalho, porquanto a "ciência do comportamento" skinneriana tem ela
própria contribu ído, e não pouco, para tornar crescentemente eficazes as técnicas
de controle. Isto quer dizer que um desequilíbrio adicional nas relações entre con-
trole e contracontrole é provocado pelas contribuições da psicologia skinneriana.
Holland (1973), em um artigo muito adequadamente intituladoLServirán los princí-
pios conductuales para los revolucionários?, considera mesmo que aqueles que se
encontram em melhores condições para usar a tecnologia comportamental sâ'o jus-
tamente os detentores do poder pol ítico e econômico, razão pela qual alguns cien-
tistas do comportamento, havendo já abandonado a antiga racionalização da neutra-
lidade científica e se encontrando comprometidos na luta pela justiça social, acaba-
ram por fechar seus laboratórios. Esse autor descortina, não obstante, uma outra
possibilidade de atuação para tais cientistas politicamente engajados. Diz Holland:
A primeira das providências propostas parece ter sido precisamente o que pretendeu
Skinner com a publicação de seu livro Beyond freedom and dignity (1971), infeliz-
mente não muito bem-sucedido, como depõe ainda Holland~
,,~ uma lástima que as pessoas às quais mais diz respeito a luta pela justiça conside-
rem Skinner e os condicionadores operantes como o inimigo, perdendo assim a
oportunidade de usar um poderoso instrumental para a análise do controle exercido
dentro do sistema a que se opõem" (Holland, 1973, p. 274).
Para concluir essas breves considerações acerca de uma promissora estratégia de jus-
ta intervençâ'o no difícil processo político-social brasileiro, não será demais fazer a
transcrição de uma última passagem, particularmente realista e instrutiva, da obra
de Skinner:
"Como vimos, aqueles que não utilizam o poder de maneiras aversivas ou explora-
tórias não se abstêm de fazê-lo porque sejam compassivos ou porque possuam senti-
do ético ou interesse pelo bem-estar dos demais, e sim porque estão submetidos a
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contracontrole. A democracia é uma versfo do contracontrole planejada para solu-
cionar o problema da manipulaçAO" (Skinner, 1974, p. 218 - traduçlo espanhola).
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Dos restantes quatro artigos dessa já reduzida safra, três deles - Thyer (1984), Mon-
tesinos, Cuvo e Preciado (1983) e Greer (1982) - fazem um emprego conceitual-
mente fidedigno do termo contracontrole e focalizam questões concernentes de fa-
to ao behaviorismo radical, a saber: a) o ensino teórico-conceitual, e não meramente
técnico, da análise experimental do comportamento a profissionais não-psicólogos
dedicados à assistência humana; b) a investigação de problemas éticos. legais e insti-
tucionais relacionados à terapia comportamental na América Latina, através de
questionários enviados a profissionais atuando no Brasil, Colômbia, Chile, Repúbli-
ca Dominicana, Equador, México, Peru e Uruguai; c) o exercrcio de contracontrole
por parte da Association for Behavior Analysis (ABA) sobre a American Educatio-
nal Research Association (AERA), no sentido de forçar o reconhecimento de que
muitos dos aspectos estudados por pesquisadores educacionais (com financiamento
da AERA, que controla os fundos federais norte-americanos para pesquisa e treina-
mento) são efetivamente derivados da análise experimental do comportamento; e
que, conseqüentemente, doutores em análise comportamental devem ser incorpora-
dos aos programas de pesquisa educacional,para ensinar aos demais pesquisadores
as complexidades do behaviorismo radical. Não obstante a oportuna aplicação do
princípio do contracontrole, particularmente neste último trabalho esta se faz mais
diretamente em proveito do behaviorismo radical em si próprio, permanecendo a
intervenção socialmente relevante nos assuntos humanos apenas como uma decor-
rência impl ícita do êxito de tais estratégias contracontroladoras propostas.
Assim, o estado atual da questão da aplicabilidade pol ítica direta da noção de con-
tracontrole, pelo menos como evidenciado nos termos bibliográficos disponíveis,
terminaria representado por um único artigo, de 13 páginas, publicado em 1977.
Mas nem isso ocorre, pois esse trabalho da autoria de Hayes e Maley (1977) - Coer-
cion: legal and bahavioral issuês - é essencialmente descritivo-analítico, e não pres-
critivo; não conduz, sugere ou induz a iniciativas de contracontrole social. O con-
tracontrole, na verdade, é considerado por Hayes e Maley apenas como uma variável
dependente, cuja intensidade eles constatam decrescer em função do aumento da
coerção.
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4. Pressupostos teóricos específicos
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Que essa simplificação do conhecimento seja simultaneamente possível e útil é al-
go que pode ser convenientemente ilustrado por um trabalho de Farris, Kent e Hen-
derson (1970) sobre o ensino da ciência do comportamento nas escolas primária e
secundária. Embora referida originalmente a uma outra e específica realidade social,
a argumentação dos autores para a inclusão desse ensino no nível escolar indicado
apresenta·se válida, sem dúvida alguma, para qualquer grande contexto social urba-
no. Dizem Farris e seus colaboradores (1970):
"Nossa sociedade exige cada vez mais que seus cidadãos tenham um melhor
conhecimento da ciência (... ) Devido a isso e à quantidade cada vez maior de infor-
mação científica que há que assimilar, é evidente que se deve começar a proporcio-
nar uma educação científica eficaz tão logo seja possível na vida acadêmica do es-
tudante. (... )
Uma segunda ilustração, tão importante quanto a anterior e até mais pertinente do
ponto de vista social, é fornecida por Ulrich (1973) em um artigo sobre o papel da
universidade como agente de mudança social através dos procedimentos de modifi-
cação do comportamento. Trata-se de um dos muitos programas de extensão comu-
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nitária iniciados e conduzidos pelo Departamento de Psicologia da Western Michigan
University, então chefiado por Ulrich; qual seja, a implantação de um conjunto edu-
cacional, constituído por um jardim de infância, uma escola primária e uma creche,
que recebeu o sugestivo nome de Learning Village. Um dos seus subprogramas con-
sistia no treinamento de estudantes secundaristas, principalmente oriundos de
meios sociais desprivilegiados, para ensinar e trabalhar em Village empregando pro-
cedimentos de modificaç~o do comportamento.
"Embora possa ser dito que as causas últimas do comportamento repousam no am-
biente externo, uma vasta proporç~o do controle do comportamento é internalizada
e é funç~o de sistemas verbais encobertos e manifestos (pensamento e falaI. (... 1,
os sistemas verbais que possuímos e partilhamos est~o diretamente relacionados aos
nossos outros comportamentos sociais e determinam nossa concepção do mundo
em que vivemos. Um homem faz muito do que faz como uma função do que ele
pensa (ou dirial que é real" (Rozynko et alii, 1973, p. 75-761.
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"O que dizemos que está 'errado' com a sociedade, ou com o nosso próprio compor-
tamento ou o de alguma outra pessoa, é também funça'o do sistema verbal que
aprendemos em nossa comunidade, e o que dizemos a outros e a nós mesmos deter-
minará onde procuraremos as soluções. Na nossa presente sociedade o que dizemos
é uma parte significativa do problema. Nosso principal mecanismo de controle tem
sido alguma forma de punição, e muito dela é verbal. A puniça'o como um meio de
controle é ensinada em nossas comunidades, e se tornou uma parte integrante de
nosso sistema ético" (Rozynko et alii, 1973, p. 76-77).
Quanto à produção das mudanças sociais que caracterizam como efetivamente rele-
vante a aplicação do behaviorismo radical aos assuntos humanos, aqueles autores
atribuem as seguintes importantes funções ao comportamento verbal:
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na exata medida em que o processo de conversão ou adesão se impõe como de natu-
reza gradativa. É possível que, ao imprevisível final de tudo, tal perspectiva filosófi-
ca, a ciência que ela fundamenta e a tecnologia derivada desta última bastem para
assegurar, como quer Skinner, a sobrevivência da cultura. Nos estágios intermediá-
rios, entretanto, e particularmente na presente condição de equillbrio instável em
que parece se encontrar a sociedade humana como um todo, não se pode prescindir
de orientações políticas a serem estampadas sobre o processo de introdução dos
princípios behavioristas rad icais na discussão dos problemas sociais contemporâneos.
Isto quer dizer que, dadas as condições sócio-pol ítico-econômicas vigentes nesta
época e neste país, a avaliação exploratória da aplicabilidade socialmente relevante
do behaviorismo radical não deve ser conduzida em relação ao quadro de referência
utópico caracteristicamente skinneriano. Ao contrário, qualquer tentativa de mo-
dificação do comportamento verbal de pessoas, grupos ou instituições deve ser ava-
liada pelo critério de seu potencial de alteração socialmente vantajosa da situação
presente, pelo menos no que ela apresenta de mais imediatamente aversivo ou niti-
damente exploratório. O que estará sendo então considerado como de suficiente re-
levância social será a possibilidade de exercício eficaz, a curto ou médio prazos, de
procedimentos contracontroladores. A superação a longo prazo, defendida por Skin-
ner, das relações instáveis entre controle e contracontrole encontra-se, portanto,
além das ambições do presente estudo.
5. Procedimentos metodológicos
Para, enfim, tornar expl ícita a "formulação operacional" do problema neste estudo
exploratório, o que se propunha especificamente era avaliar a viabilidade de elabora-
ção de um instrumento didático simples sobre o controle e contracontrole do com-
portamento social, que fosse adequado a uma possível difusão sistemática no seio
de segmentos populacionais desprivilegiados do Estado do Rio de Janeiro, e que se
mostrasse potencialmente útil na orientação de seus esforços de exercício de in-
fluência democrática sobre seus próprios destinos. Caso isto ficasse positivamente
demonstrado, o próprio instrumento de popularização testado poderia vir a ser in-
corporado, como recurso concreto relevante, ao arsenal dos profissionais da inter-
venção psicossociológica, bem como ao dos leigos democraticamente engajados na
causa do igualitarismo social humano.
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tiva, porém não exaustivamente diretiva, incluindo-se exemplificações e sugestões
específicas tão-somente com o propósito de melhor esclarecimento dos princípios
básicos e implicações ou desdobramentos possíveis do processo de luta pela contí-
nua redução da assimetria entre as operações, presentemente mais eficazes, de con-
trole social aversivo e/ou exploratório e as iniciativas para o seu contracontrole.
A Cartilha de contracontrole social ficou constitu ída por cinco capítulos, progra-
mados para uma leitura obrigatoriamente seqüêncial, com os seguintes títulos e res-
pectivas ementas:
Capítulo 1 - ,As causas e o controle dos fatos: breve introdução, que procura apre-
sentar logo de início o problema do controle e do contracontrole de um modo geral
e dentro de um quadro de referência cient ífico.
A clientela potencial da cartilha foi caracterizada, para fins de sua elaboração e em-
prego, nos seguintes termos operacionalizados - "indivíduos adultos, de ambos os
sexos, dos meios urbano e médio-urbano do Estado do Rio de Janeiro, com escolari-
dade em torno do lI? grau completo, e que, segundo um critério tríplice básico de
qualidade de vida (trabalho, habitação, saúde), se encontrem em condições nitida-
mente insatisfatórias".
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Estado do Rio de Janeiro, tais como: sindicatos de trabalhadores, partidos políticos
de ideologia socialista ou liberal, associações de moradores de bairros e de favelas,
federações de tais associações, entidades autônomas de assistência social, sanitária
e educacional à população, associações comunitárias religiosas, associações de servi-
dores em organizações de trabalho, movimentos de defesa dos direitos de minorias
sociais, e assim por diante.
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se poderia incluir a dificuldade de comunicação posterior com os colaboradores re-
crutados, para a confirmação da leitura do texto e conseqüente definição de datas
e locais de realização das entrevistas, a efetiva indisponibilidade de tempo para
a concessão de tais entrevistas por parte de alguns e o possível desinteresse em fazê-
lo por parte de outros desses supostos colaboradores.
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Seguem-se, portanto,já que se considerou desnecessário qualquer tipo de tratamento
estatístico, as distribuições brutas dos julgamentos dos 14 informantes em relaçlo a
cada um de tais aspectos:
•
a) seis informantes consideraram a iniciativa de preparaç!o e possível distribuiçfo
da cartilha como extremamente séria e responsável; sete, como muito séria e respon-
sável; um, como relativamente séria e responsável.
Nesse sentido, algo que salta de imediato aos olhos é a avaliaça'o realmente muito
positiva que os informantes fizeram da iniciativa de estender um tipo de conheci-
mento acadêmico produzido de modo autônomo - e, com freqüência. consumido
exclusivamente intramuros nesse próprio ambiente universitário - à sociedade mais
abrangente, e em especial aos segmentos desta,que de outra forma provavelmente ja-
mais teriam acesso a tal conhecimento. Embora implícito. não é demais ressaltar o
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caráter crucial dessa avaliaçã'o maciçamente favorável. De fato, se o propósito de
elaboraçllo da Cartilha de contracontrole social nã'o tivesse sido considerado como
sério e responsável ao nível em que o foi, na'o haveria nenhum sentido em prosse-
guir com o estudo exploratório de sua aplicabilidade. Por outro lado, esse aval terá
sido em grande parte determinado pelo fato de se haver submetido, com iguais serie-
dade e responsabilidade, tal tentativa de popularizaçã'o do conhecimento acadêmico
à apreciação de indivíduos legitimamente representativos daqueles segmentos comu-
nitários.
o que se encontra aí implicado - e se tem raz15es para acreditar que essas represen-
taç15es populares o tenham apreendido - é o despojamento de toda e qualquer dis-
posiçã'o paternalista apresentado pela proposta de educaçã'o popular em questã'o.
Mas também, e isso envolve outro crédito autêntico à perspicácia psicossocial dos
informantes, nã'o se caiu no extremo oposto, pseudo-igualitário, de mal disfarçada
pieguice populista, pelo qual tantos ativistas ingênuos (ou, talvez, cínicos), dotados
eles próprios de uma educaça'o superior, pregam abertamente - quase ao estilo de
um "ato de contriçã'o" por integrarem estratos sociais econômica e culturalmente
privilegiados - que o saber acadêmico nada tem a proporcionar às camadas popula-
res desprivilegiadas. Costuma dizer tal ativista ing§nuo (ou cínico) tfpico que ele de
fato só tem a aprender com a cultura popular, ou quando muito poderia "facilitar"
o próprio desenvolvimento sócio-intelectual desses grupos culturais; negando-se,
assim, a lhes transmitir qualquer fraça'o da eficácia do conhecimento universitário
por ele adquirido em funçã'o de.seu inerente privitéQio de classe.
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entre as interpretaçlSes teóricas e prescrições aplicadas da cartilha e os objetivos pa-
Iítico-sociais das entidades envolvidas no estudo explorat6rio. Aquilo Que na seçIo
precedente se julgou imprescindível - qual seja, uma espécie de estampagem de
orientações pol íticas definidas nestas primeiras etapas do processo de introduçlo
dos princípios behavioristas radicais na discuss§o dos problemas sociais contempo-
raneos - parece ter sido assim plenamente bem-sucedido. Na medida em que essa
introduçio de posicionamentos políticos na"o tenha implicado na distorça"o dos
princípios skinnerianos veiculados (e isto é algo cuja avaliaça"o compete aos partici-
pantes seniors da empresa cultural acadêmica, e na"o propriamente aos informantes
comunitários da empresa cultural popular), fica automaticamente demonstrado que
o skinnerismo nio está, à diferença do que tanto se aduz sem qualquer fundamenta-
çio empírica, forçoS;lmente vinculado às necessidades do sistema controlador aver-
sivo e/ou exploratório. Os doze informantes que julgaram haver bastante (e até
extrema) compatibilidade do teor da cartilha com os objetivos de suas entidades es-
tiveram, portanto, ao definir tais objetivos, traduzindo em outros termos também os
próprios objetivos da intervençio behaviorista radical nos assuntos humanos ora
pretendida.
Já em uma direçlo oposta àquela que até agora se enfatizou, salta aos olhos tam-
bém, a partir da distribuiçio dos julgamentos objetivos dos informantes, algo que
se deve tomar, pelo menos em princípio, como uma grave deficiência da cartilha e
talvez da própria filosofia de educaçio popular que a fundamenta. Trata-se da redu-
zida inteligibilidade potencial do texto da cartilha para a populaça"o a que se plane-
jou destiná-Ia. Se nenhum dos informantes denuncia uma extrema dificuldade de
sua compreensa'o, também nenhum considera que ela possa ser compreendida com
muita facilidade. A rigor, mais de uma terça parte dos informantes é taxativa em
caracterizá-Ia como de muito difícil compreens!o. Quanto aos outros nove infor-
mantes, embora assumam o julgamento mais cauteloso de "relativa facilidade/algu-
ma dificuldade", pode-se abrigar a suspeita de que, se solicitados a se definirem en-
tre as alternativas de "muita facilidade" e "muita dificuldade", empurrariam suas
avaliaçlSes definitivas para baixo, em direça"o à maior dificuldade. Não obstante,
como já se estabeleceu anteriormente, para qualquer conjectura formulada a partir
desses dados numéricos deve-se buscar uma necessária confirmaça"o nos depoimen-
tos discursivos. Além disso, na medida em que tais depoimentos identifiquem os
fatores ou aspectos mais responsáveis por tornar a cartilha difícil, estarão proporCio-
nando uma orientação extremamente importante para o trabalho posterior de sua
reformulação com vistas à eliminação desse problema. De qualquer forma, cabe
ressalvar desde já, não se poderia esperar mesmo muita facilidade na compreens!o
e retençio de uma terminologia que se oplSe tão flagrantemente às explicações men-
ta listas tradicionais. Estas permeiam não só a cultura erudita, mas também a cultura
popular em toda a sua extensa'o, infiltrando-se mesmo nos eventuais discursos sócio-
materialisticamente ancorados de alguns informantes.
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educaçlo polftica comportamental, é a dubiedade da distribuiçlo dos julgamentos
quanto ao seu poder de influir sobre os aspectos motivacionais do engajamento das
pessoas nos movimentos populares progressistas. Considerando-se a velocidade obri-
gatoriamente lenta de tais movimentos na consecuç!o de seus objetivos de convivên-
cia democrática plena e de justiça social, a participaç!o persistente e sistemática da
populaç!o constitui certamente uma preocupaç!o bastante válida e sempre presente
por parte de suas lideranças. Para o esclarecimento dessa quest!o afiguram-se, por-
tanto, como da maior pertinência n!o só os depoimentos verbais dos informantes
acerca dos prováveis efeitos da cartilha em si, mas também a caracterizaçlo do pre-
sente envolvimento dos associados com os objetivos e sua participaç!o nas ativida-
des das entidades, o grau em que os objetivos propostos estejam de fato sendo al-
cançados através daquelas atividades e os possíveis fatores ou circunstâncias respon-
sáveis pelos sucessos e insucessos que as entidades têm experimentado. De fato, s0-
mente contra esse pano de fundo da situaç!o atual é que se pode legitimamente ar-
riscar algum prognóstico sobre o que poderá ser provocado pela introduçlo da nova
"variável independente" representada pela cartilha.
Assim, parece oportuno caracterizar, logo como uma primeira providência para o
equacionamento do problema, a situação atual da mobilizaçã'o dos associados no
âmbito das entidades envolvidas neste estudo. Nesse sentido, os depoimentos dos
informantes, em sua quase unanimidade, indicam explicitamente que é bem pouco
satisfatório o grau de envolvimento dos associados, ou dos conjuntos maiores das
categorias ocupacionais ou populacionais, com os objetivos de suas respectivas en-
tidades. O mesmo ocorre, conseqüentemente, com relaçao à participaçã'o nas ati-
vidades concretas promovidas pelas entidades, evidenciando-se aí uma nítida difi-
culdade por parte das lideranças em assegurar a participaçã'o sistemática de tais mas-
sas populares. O que se mostra mais característico é uma espécie de flutuação, um
movimento de fluxo e refluxo, do envolvimento e da participação, praticamente ao
sabor de circunstâncias nâ"o planejadas e imprevistas.
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dades em explorá-Ia mais amplamente como instrumento experimental de educaçlo
poHtica popular". Nesses itens, as distribuições dos julgamentos globais dos infor-
mantes tendem para uma espécie de "curva normal", porém com alguma assimetria
• no sentido da favorabilidade, e mais acentuada no que se refere à "utilidade da car-
tilha". Na verdade, a utilidade de alguma coisa e o interesse por ela (desde que se a
necessite) são praticamente a mesma questão. Uma conjectura plausível é a de que,
constituindo-se das últimas perguntas diretas do questionário, a distribuição dos jul-
gamentos nessa "única" questão seja uma espécie de resultante das avaliações muito
positivas quanto à seriedade da cartilha e sua compatibilidade com os objetivos das
entidades e das avaliações mais negativas quanto à possibilidade de compreensA'o do
texto e sua capacidade mobilizadora.
O mais importante, portanto, face ao que vem de ser considerado acerca das pré-
condições sociais - arranjo das adequadas contingências extrínsecas de reforço pe-
las entidades populares - é a produção dos efeitos reforçadores (ou mobilizadores,
se se preferir) e discriminativos (ou informativos, em termos mais genéricos) intrín-
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secos à Cartilha de contracontrole social. Em outras palavras, o que importa para
concluir sobre a aplicabilidade socialmente relevante do behaviorismo radical, sob a
forma da cartilha em foco, é, à parte o grau de inteligibilidade, sua utilidade poten-
cia! para a orientação do exercício do contracontrole e para a garantia da persistên-
cia de tais esforços.
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conhecido, e até sofrido ao longo da experiência de vida de cada um, passar a apli-
cá-Io sobre as pessoas, grupos e instituiçlSes que mais abusem de seu emprego deve-
ria produzir um "sentimento" (um estado reforçadorl de domínio sobre os pró-
prios destinos_ Segundo os depoimentos de vários informantes, isto realmente fun-
cionaria assim, possibilitando, inclusive, de acordo com alguns dos julgamentos, um
reconhecimento da necessidade dialética das relaçlSes entre controle e contra-
controle.
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7. ConclusGllS
Não se sugeriu em momento algum, ao longo deste inteiro trabalho, que tais mili-
tantes viessem a ser substitu ídos por "tecnólogos comportamentais", aos quais se pro-
porcionasse, à guisa de formação "complementar", alguma espécie (inteiramente in-
viável, adiante-sel de instrução expedita em "política cotidiana". ~ precisamente o
oposto que se vem aqui propor - que aos militantes de longa e rica formação na
"escola da vida política" seja conferida uma familiarização adicional com os concei-
tos e princípios do behaviorismo radical.
Encontra-se implfcita nessa última proposiçã'o uma das principais vantagens da aná-
lise comporta mental aplicada, qual seja: ela é plenamente comunicável e para fins
permanentes; ou, em outros termos, presta-se efetivamente à apropriação pelas mas-
sas populares, através da intermediação responsável de suas lideranças. Em um pri-
meiro momento, os cientistas do comportamento, ou talvez uma equipe de psicó-
logos comportamentais aplicados, devem seguramente se fazer necessários, mas uma
dependência permanente em relação aos detentores iniciais de tal saber teórico e
técnico torna-se bastante improvável, senão de todo impossível, uma vez iniciado o
processo sério e consistente de sua apropriação. Dizendo de outra maneira, a trans-
ferência integral e definitiva do conhecimento behaviorista radical acadêmico para
o domínio público, ou seja, sua efetiva democratização" é realmente viável ocorrer;
ao contrário do que acontece com outros tipos de produção intelectual que, por
sua sofisticação filosófica menta lista, por sua complexa elaboração sintática inter-
na, ou por sua suposta transcendência em relação à vida humana em si, requerem al-
go como uma "iniciação interminável".
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nal de contas, uma das evidências mais nítidas ali obtidas refere-se justamente à di-
ficuldade de compreensão do texto por parte da população a que se destinava_ Não
obstante, estudos anteriores conduzidos sob maior controle experimental - Farris,
.. Kent e Henderson (1970), Ulrich (1973) - demonstraram a factibilidade do ensino
da análise experimental do comportamento a crianças entre oito e 12 anos de idade,
alcançando um nível de competência comparável ao de estudantes universitários,
assim como do treinamento de secundaristas oriundos de ambientes desprivilegia-
dos para o emprego em tarefas de socialização de crianças menores. Do fato de que
a forma didática empregada no presente estudo - a Cartilha de contracontrole so-
cial - tenha se mostrado pouco adequada não se segue logicamente que qualquer
outra formulação técnica, apenas porque destinada a proporcionar a aquisição do
mesmo tipo de repertório verbal, esteja também fadada a um igual insucesso relati-
vo. Além do mais, como já discutido na seção precedente, o grau em que foi avalia-
da a seriedade da iniciativa e sua compatibilidade com os objetivos progressistas e
democratizantes das entidades envolvidas no estudo, assim como os elucidativos e
alentadores depoimentos dos informantes com relação a diversos aspectos da car-
tilha, permitem concluir que o desafio de tornar tal instrumento didático mais fa-
cilmente compreensível para a população-alvo constitui um problema técnico de
previsível possibilidade de superação. Ainda, o fato de que praticamente todos os
informantes chegaram a empregar espontaneamente, uma ou outra vez, a termino-
logia da cartilha, após uma única leitura, contribui para fortalecer a expectativa de
que o processo de generalização dos princípios skinnerianos na análise das relações
sociais e no planejamento de sua modificação possa ser alcançado através de proje-
tos de educação popular como este.
Como sugerem Rozynko, Swift, Swift e 80ggs (19731. "o maior problema daqueles
interessados na aplicação dos prindpios operantes hoje em dia é o de sobreviver em
um ambiente normal" (p. 88), onde "normal" significa simplesmente a maneira de
falar sobre esse ambiente que predomina na sociedade. Esta é, certamente, a razão
pela qual, como assinala Geiser (19761. os programas de modificação do compor-
tamento, em todas as áreas de aplicação onde são agora (parcialmente, pelo menos)
reconhecidos e aceitos, fizeram sua primeira penetração pela "porta dos fundos".
Por exemplo, no caso das escolas, os modificadores do comportamento trabalharam
inicialmente, segundo Geiser, com indivíduos "que haviam sido rejeitados pelo siste-
ma, tais como os retardados, os emocionalmente perturbados, as vítimas de danos
cerebrais, os delinqüentes, os ignorantes" (p. 104). E, nesse sentido, prossegue Gei-
ser:
Contracontrole social 65
haviorismo radical que a informa apresentam uma tendência - determinada exter-
namente pelo "estado normal da sociedade" - à "açao subversiva", entâ'o o cami-
nho certo para começar a exercer suas influências transformadoras sobre as agências
governamental e econômica é precisamente o que se delineou no presente trabalho,
ou seja, através dos movimentos populares de contracontrole social. Isto, assim,
corresponderia melhor à sua verdadeira "vocaç!o" do que a via esboçada em Psico-
logia do controle social (Sá, 1979) - a partir de proposições tomadas de Mannheim
e de Popper - de ocupação gradativa de posições-chave no governo e na economia.
Passando por alto o fato de que essas "pontas de lança" da mudança social pratica-
mente também já estabeleceram seus próprios "discursos normais", freqüentemente
tao mentalistas quanto a chamada "ideologia dominante" com a qual terçam armas,
as condições de sobrevivência, e conseqüente produçao de efeitos, da intervençao
behaviorista radical parecem aí efetivamente mais favoráveis. Campos alternativos
por excelência - com relaç!o, respectivamente, à agência educacional formalizada
e às instituições psicossociologicamente mais tradicionais da sociedade civil - a
educaçao popular e a psicologia comunitária parecem configurar·se como suficiente-
mente amplos para comportar a penetração do behaviorismo radical, sem confron-
tos extremos com as abordagens teóricas "normais" ou já reconhecidas pela literatu-
ra acadêmica especializada. Atesta tal possibilidade de coexistência a aceitação bas-
tante satisfatória que a "cartilha behaviorista" mereceu da parte das lideranças co-
munitárias e das militâncias - sempre e forçosamente educacionais - dos movimen-
tos populares.
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Anexo 1
Antes de passarmos à avaliaç30 da cartilha como lhe havíamos pedido, nós (a equi-
pe) gostaríamos de saber um pouco mais sobre a sua entidade (associaçfo, sindicato,
etc.). Apenas meia dúzia de perguntas que queremos lhe fazer.
4. Como você avaliaria o grau em que os objetivos propostos esta'o sendo de fato al-
cançados através dessas atividades?
6. Em que medida você acha que os insucessos podem ser debitados a alguma insufi-
ciência de perspectiva (ou preparo) político-social por parte dos associados?
_. Podemos passar agora ao exame da cartilha em si. Como você deve se lembrar, ela es-
tá dividida em cinco capítulos. Que tal se os folheássemos juntos, e você fosse me
dando a sua opini30 sobre o conteúdo de cada um deles?
Capítulo 1
1. Como, de acordo com a sua experiência, você acha que os leitores a que se desti-
na a cartilha (relembrando: adultos de ambos os sexos, com escolaridade em torno
do lQ grau, pertencentes a segmentos populacionais desprivilegiados) receberiam
essa introdução?
2. E quanto a você próprio, parece-lhe útil ver as coisas da maneira como sa'o apre-
sentadas nessa introdução?
Capítulo 2
1. Como você acha que os leitores receberiam a idéia de que os seus comportamen-
tos se encontram sempre sob o controle do ambiente?
Contracontrole social 67
2. Você próprio, o que acha dessa afirmaç!o? As argumentações e exemplos chega-
ram a lhe parecer convincentes?
3. O Que você achou dos novos conceitos psicológicos apresentados nesse capítulo?
Capítulo 3
1. Você acha que os leitores veriam nessas interpretações algo como uma descrição
de suas oróprias vidas e de como elas sa"o controladas em vários níveis?
Capítulo 4
2. Como você acha que os leitores receberiam essa idéia? E a afirmativa de que o
contracontrole é uma necessidade absoluta para a construça"o de uma sociedade jus-
ta e democrática?
Capítulo 5
2. Como você acha que os leitores receberiam essas idéias sobre a democracia e so-
bre as instituições e movimentos democratizantes?
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Anexo 2
Entidade _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Endereço _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Bairro _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _CEP _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Cidade _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Telefone _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Informante _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Idade'_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ Profissa'o _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Militâncias anteriores _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
1. De um modo geral, como você viu essa iniciativa de preparaça'o e possível distri-
buiça'o da cartilha?
ingênua e irresponsável
mal· intencionada
extremamente compatíveis
bastante compatíveis
relativamente compatíveis
Contracontrole social 69
incompatíveis, em muitos casos
absolutamente incompatíveis
3. Com que grau de facilidade você acha que o conteúdo da cartilha poderá ser com-
preendido pela população a que se destina?
4. Em que grau você considera que a cartilha poderia motivar os associados a uma
participação mais intensa e sistemática nas atividades da entidade?
extremamente motivadora
muito motivadora
relativamente motivadora
desmotivadora/desanimadora
5. Como você classificaria a cartilha em termos de sua utilidade potencial para tor-
nar mais eficazes as atividades desenvolvidas pela entidade?
extremamente útil
muito útil
relativamente útil
inútil
prejudicial
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6. Que interesse haveria de sua entidade em explorar mais amplamente a cartilha ca-
mo instrumento experimental de educaçlo popular, a fim de suprir necessidade de
preparo pol ítico-social de seus associados?
extremo interesse
muito interesse
relativo interesse
desinteresse
total rejeição
7. No caso de haver algum grau de interesse de sua entidade na cartilha, de que mo-
do você sugeriria empregá-Ia?
Referfncias bibliográficas
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