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Este material baseia-se no 21º Seminário Internacional de Ciências Criminais-IBCCRIM, realizado no
período de 25 à 28 de agosto de 2015, São Paulo/SP.
1. INTRODUÇÃO
Nesse contexto, o devido processo legal passou a ser visto como um empecilho à
eficiência na repressão penal e não mais como uma garantia individual em face do poder
punitivo estatal, sendo a justiça penal consensual "vendida", portanto, como uma solução
à crise, quando, na realidade, em nada contribuirá para a sua superação, uma vez que
para tanto mostra-se necessária uma reforma total, tendo em vista que ainda vivemos
sob a égide de um sistema criminal maculado por uma cultura essencialmente
inquisitória.
O discurso da justiça consensual, que conta com diversos argumentos teóricos favoráveis
à sua implantação, é muito "sedutor", uma vez que traz a ideia de uma solução pacífica
de conflitos entre as partes que, de livre e espontânea vontade, firmam um acordo,
retirando-se o acusado de uma posição de resistência, o que facilita a imposição de uma
sanção, com alguma redução, em contraprestação à renúncia ao devido processo.
Em tal cenário, o Estado deixa de exercer o monopólio da violência, o que certamente
causa impacto a princípios fundamentais do processo penal democrático, uma vez que
este é a garantia do cidadão em face do poder punitivo estatal.
No entanto, esse modelo de justiça consensual, apresentado, muitas vezes, como a
solução à crise do sistema e que traria a redução da carga de trabalho do Judiciário, tem,
na realidade, o papel de mascarar a perversidade do movimento de expansão e
legitimação do controle social por meio do poder de repressão penal. A respeito da
capacidade de ocultação do real objetivo do processo penal consensual, frise-se as
palavras de GERALDO PRADO:
o processo penal consensual tem essa capacidade ideológica de fazer com que
no discurso acadêmico e no discurso dos tribunais medidas como a transação
penal, que é o método pelo qual alguém aceita sofrer uma pena sem que o
Estado demonstre a responsabilidade penal, seja vista como um direito.
Em síntese, você tem o direito de ser punido e de ser apenado sem que provem
que você é culpado, sem que demonstrem a sua responsabilidade2.
2
PRADO, Geraldo. Mesa 3: o processo penal das formações sociais do capitalismo pós-industrial e
globalizado e o retorno à prevalência da confissão - da subsistência da tortura aos novos meios invasivos
de busca de prova e à pena negociada, In: KARAM, Maria Lucia (Org.). Globalização, sistema penal
e ameaças ao estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 165-166 apud
HARTMANN , Érica de Oliveira. Processo penal e rito democrático: a simplificação dos
procedimentos como condição de possibilidade do contraditório e da ampla defesa. Tese de doutorado.
Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010, p. 42. 2 HARTMANN , Érica de Oliveira. Processo
penal e rito democrático: a simplificação dos procedimentos como condição de possibilidade do
contraditório e da ampla defesa. Tese de doutorado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010, p.
44.
consenso. No entanto, na realidade brasileira, evidentemente tal cenário é utópico, sendo
que os "consensos", na prática, seriam extraídos do acusado, isto é, impostos à parte
mais fraca, em geral composta por pessoas simples, diante da seletividade estrutural do
sistema penal. O evidente desequilíbrio entres os atores processuais não é capaz de gerar
um genuíno consenso.
Nas palavras de GERALDO PRADO:
não se produz consenso entre sujeitos que estão em posição desigual. Neste
caso os "consensos" são impostos e são impostos com a técnica ideológica de
fazer com que o escravo reivindique o direito de ser escravo: nos dois casos,
com a verdade absoluta e sem verdade alguma nós caminhamos reproduzindo
um modelo de processo penal que os globalizadores querem.
[...] Em suma, a idéia geral que me propus a trazer aqui, focaliza a dissolução
das garantias em um processo em que o juiz desacerta nas funções de pesquisa
da verdade, supostamente para ser responsável perante a comunidade, mas que
na realidade o faz como um sujeito de política de segurança pública, enquanto
também se dissolvem as garantias por meio de um processo sem qualquer tipo
de cognição, no qual os mecanismos de um consenso são impostos sem que
nós saibamos se o sujeito social concreto tem condições de se comunicar, para
que o consenso seja possível. Não há consenso de cima para baixo; o que há é
ditadura.3
3
PRADO, Geraldo. Mesa 3: o processo penal das formações sociais do capitalismo pós-industrial e
globalizado e o retorno à prevalência da confissão - da subsistência da tortura aos novos meios invasivos
de busca de prova e à pena negociada, In: KARAM, Maria Lucia (Org.). Globalização, sistema penal
e ameaças ao estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 165-166 apud
HARTMANN , Érica de Oliveira. Processo penal e rito democrático: a simplificação dos
procedimentos como condição de possibilidade do contraditório e da ampla defesa. Tese de doutorado.
Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010, pp. 42-43. 4 VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de.
Barganha e justiça criminal negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no
processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCrim, 2015. pp. 180-181.
preliminar), em violação aos princípios do nulla poena, nula culpa sine iudicio
e nullum iudicium sine accusation, o que tem caracterizado o fenômeno
descrito pela doutrina como consagração do Ministério Público como "um juiz
às portas do tribunal".4
Além disso, o aumento dos espaços de negociação no âmbito do processo criminal pode
gerar um fenômeno de "inflação da acusação", isto é, um excesso na imputação por parte
do órgão acusatório, com o objetivo de que este possua maior quantidade de "material
de barganha".
Há, ainda, a grave questão da confissão de inocentes por temor de punições mais severas,
caso optem pelo direito ao julgamento. Na seara criminal, a proposta de barganha possui
inerente poder coercitivo, na medida em que a promessa de redução da sanção para
aquele que aceite produzir prova contra si mesmo implica, a contrario sensu, tornar mais
grave a situação daquele que rejeitar a proposta.4
4
A respeito da condenação de inocentes que reconheceram sua culpabilidade, muitas vezes por temor
de punições mais gravosas, aduz-se, à titulo de exemplo, que, segundo dados divulgados pelo projeto
denominado "The innocence Project", desenvolvido nos Estados Unidos, mais de um em cada quatro
casos em que a inocência foi comprovada por meio de posterior exame de DNA, o acusado havia
confessado o cometimento do delito. Disponível em: < http://www.innocenceproject.org/causes-
wrongful-conviction/false-confessions-oradmissions>. ACesso em : 21 out. 2015.
5
ALSCHULER, Albert W. The changing plea bargaining debate. California Law Review, n. 69, p.
715 apud VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das
tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCrim,
2015. p. 175
KARAM, trata-se "de uma negociação cujo escopo é fazer com que uma das partes tenha
sempre assegurada sua satisfação, nada tendo a perder, enquanto a outra, além de
negociar sobre pressão, nada terá a ganhar"6.
Por fim, é certo que a ampliação dos espaços negociais (conforme previsto no Projeto
de Lei n. 8045/2010 - novo Código de Processo Penal) não resolverá o grave problema
da superlotação em estabelecimentos prisionais brasileiros, eis que representará, na
verdade, a ampliação do poder punitivo estatal, sobrecarregando, ainda mais, um sistema
carcerário fruto de um sistema penal com caráter de aparato genocida10.
6
KARAM, Maria Lúcia. Juizado especiais criminais: a concretização antecipada do poder de punir.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 40.
7
LOPES JR., Aury. Justiça negociada: utilitarismo processual e eficiência antigarantista. In
CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre (Orgs.). Diálogos sobre a justiça dialogal: teses e
antiteses sobre os processos de informalização e privatização da justiça penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002, p. 110 apud HARTMANN, Érica de Oliveira. Processo penal e rito democrático: a
simplificação dos procedimentos como condição de possibilidade do contraditório e da ampla defesa.
Tese de doutorado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010, p. 41.
8
LOPES JR., Aury. Justiça negociada: utilitarismo processual e eficiência antigarantista. In
CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre (Orgs.). Diálogos sobre a justiça dialogal: teses e
antiteses sobre os processos de informalização e privatização da justiça penal. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2002, pp. 99 apud HARTMANN, Érica de Oliveira. Processo penal e rito democrático: a
simplificação dos procedimentos como condição de possibilidade do contraditório e da ampla defesa.
Tese de doutorado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010, p. 41.
9
GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Um modelo restaurativo de censura como limite ao discurso
punitivo. Tese de doutorado. Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2014, p. 168.
10
SHIMIZU. Bruno. Sobre o cárcere, o Judiciário e irresponsabilidades. In: Boletim IBCCrim, ano 23,
n. 274, set. 2015, p. 20.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os efeitos perversos da barganha são inafastáveis, uma vez que é evidente que não há
efetiva igualdade de armas entre acusação e defesa em uma eventual negociação penal,
o que se mostra especialmente problemático no contexto da justiça criminal pátria,
alicerçada na seletividade persecutória e em profunda desigualdade social.
11
HARTMANN , Érica de Oliveira. Processo penal e rito democrático: a simplificação dos
procedimentos como condição de possibilidade do contraditório e da ampla defesa. Tese de doutorado.
Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010, p. 42.
12
VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das
tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. São Paulo: IBCCrim,
2015. p.169.
REFERÊNCIAS
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005.
VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha e justiça criminal negocial: análise das
tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. São Paulo:
IBCCrim, 2015.