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OBS.: poemas citados (e, alguns, analisados) em SALGUEIRO, Wilberth. Forças & formas: aspectos da poesia brasileira (dos anos 70 aos
90). Vitória: Edufes, 2002.
Nós poetas perguntamos: ser marginal é não correr atrás de yellow Sunshine entrou pela janela
padrinhos literários de grandes editores? o dia era dourado
Ser marginal é não se sentar em fúnebres academias pra o sol de gelatina
molhar o biscoitinho? a terra cheirava a fumo & sexo escancarado
Ser marginal é não fingir de mudo surdo burro quando pisam
o seu pé? na parede a foto de Karl Marx
Ser marginal é tentar viver lutar e ganhar a vida com a boquinha de baton & broche na lapela
poesia minha alegria?
Ser marginal é não jogar esse jogo, então temos a declarar: gritamos de dor no escuro repentino
somos poetas marginais e mais, magistrais, e como tais dissemos sim eu te amo sim eu te amo
declaramos criada a POBRÁS — órgão que lutará pelos enquanto a vida derramava estrelas
direitos: em nossos beijos na banheira
1 - direito de ir e vir;
2 - direito de assistência médica, psiquiátrica e jurídica; bebo a qualquer hora
3 - ser reconhecido como trabalhador; o Louco Suco do Desbunde.5
4 - direito ao dinheiro;
5 - livre acesso a qualquer gráfica da união;
um dia, nos setenta
6 - livre acesso a botequins, cabarés e palácios da cidade;
7 - isenção de flagrante;
cheguei da rua
8 - abatimento no preço do papel;
carregando uma maçã
9 - aposentadoria com tempo indeterminado de serviço;
e seis meses de desemprego.
10 - acesso à informação e aos meios de comunicação;
li uma carta de minha mãe
11 - reconhecimento do registro da POBRÁS como
fechei as janelas
documento único e infalível.
a porta, a cara
Manifesto POBRÁS.2
deitei-me no chão
e abri o gás.
—ALÔ, É QUAMPA? esperei.
e, somente meia hora depois,
— não, é engano. descobri o gás cortado
— alô, é quampa? por falta de pagamento.
— não, é do bar patamar. levantei-me
— alô, é quampa? e comi a maçã:
— é ele mesmo. quem tá falando? nu e louco
— é o foca mota da pesquisa do jota brasil. gostaria de saber como o quadro da bienal.6
suas impressões sobre essa tal poesia marginal.
— ahhh... a poesia. a poesia é magistral. mas marginal prá
CLARO-ESCURO
mim é novidade. você que é bem informado, mi diga: a
poesia matou alguém, andou roubando, aplicou algum
Estava tão lúcido
cheque frio, jogou alguma bomba no senado?
que era um suicídio7
— que eu saiba não. mas eu acho que é em relação ao
conteúdo.
— mas isso não é novidade. desd’adão... ou você acha que disse: não concordo
alguém perde o paraíso e fica calado. nem o antonio. expliquei meu ponto de vista
— é verdade. mas deve haver algum motivo prá todos procurei fundamentar minhas razões
chamarem essa poesia de marginal. exemplifiquei
— qual, essa!? eu tou achando até bem comportada. sem argumentei
palavrão, sem política, sem atentado a moral cristantã. expliquei de novo
— não. não tô falando desse que se lê aqui. tô falando dessa me deu uma porrada na cara
outra que virou moda.
— ahhh............ dessa eu não tô sabendo. ando meio borra- hoje sei com quem estou lidando8
bosta porisso tenho ficado quieto em casa. rompi meu retiro
prá atender esse telefone. e já que ti dei algumas impressões, passos no corredor
você vai me trazer as seguintes ervas pra curar meus
4
dissabores: manacá carobinha jurubeba picão de praia amor CHAVES, Xico. PoETa clandestino. Rio de Janeiro: Ed.
do campo malva e salsa parrilha. até já foca mota.3 Núcleo 3, 1986, p. 8.
5
MERCADOR, Tonico. Itinerário da era do rock. Rio de
geração mimeógrafo Janeiro: Dazibao, 1988, p. 27.
6
AQUINO, Marçal. Por bares nunca dantes naufragados.
1
Campinas: RG, 1985, p. 38.
RUIZ, Alice. Navalhanaliga. Curitiba: Ed. ZAP, 1980. 7
MACHADO, Duda. Crescente: 1977-1990. São Paulo: Duas
2
Editorial do Almanaque Biotônico Vitalidade nº 1, publicado Cidades / Sec. de Estado da Cultura, 1990, p. 70. (Col. Claro
pelo Grupo Nuvem Cigana, em 1976. Enigma)
3 8
CHACAL. Quampérios. Rio de Janeiro: Edições Guarnicê, CARDOSO, Cesar. In: Folha de Rosto. Rio de Janeiro, 1976,
1986. [1977] p. 68.
2
4 esperanças perdidas
serão policiais ou 3 litros de sangue fervido
alunos atrasados 5 sonhos eróticos
devido ao trânsito?9 2 canções dos beatles
Receita Cogito
12
Ingredientes Nicolas Behr.
13
Paulo Leminski.
2 conflitos de gerações 14
Paulo Leminski
9 15
CHACAL. Boca roxa. Rio de Janeiro: Nuvem Cigana, 1979. Luis Olavo Fontes. Papéis de viagem.
10 16
BUENO, André. Brasa Brasil. Veia poética produções Adauto de Souza Santos
artísticas ilimitadas, 1979. 17
Guilherme Mandaro. Este poema epigrafa Retrato de época,
11
POLARI, Alex. Inventário de cicatrizes, 1978. de Messeder.
2
3
deixa comigo que eu apresento
eu sou como eu sou guarda o finzinho pra depois
pronome tudo gente fina
pessoal intransferível de repente é um lance maneiro
do homem que iniciei combinado, não tem erro
na medida do impossível quê que é isso, xará
aqui não pinta esse vacilo
eu sou como eu sou é tipo escancaro
agora tudo em cima, sabe como?
sem grandes segredos dantes numa naice23
sem novos secretos dentes
nesta hora para curar um amor platônico
só uma trepada homérica24
eu sou como eu sou
presente
Epopéia
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
O poeta mostra o pinto para a namorada
e proclama: eis o reino animal!
eu sou como eu sou
vidente
Pupilas fascinadas fazem jejum.25
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.18
BOA DE CAMA
Estilos de época
Suas pernas
me enlouquecem
Havia
seus seios
os irmãos Concretos
me enlouquecem
H. e A. consangüíneos
seu pescoço
e por afinidade D. P.,
me enlouquece
um trio bem informado:
seus lábios
dado é a palavra dado
me enlouquecem
E foi assim que a poesia
deu lugar à tautologia
Você me enlouquece
(e ao elogio à coisa dada)
e dorme26
em sutil lance de dados:
se o triângulo é concreto
já sabemos: tem 3 lados.19 Ipanema — Voyeur
de segunda a segunda
Carnaval 74
gingando gingando
pra lá y pra cá
como é que é meu caro ezra pound? vou acender
em tangas ou sungas
um cigarro daqueles para ver se consigo lhe dizer isto.
vagam vaga-
andei fazendo um pouco de tudo aquilo que você aconselhou
bundas bundas27
para desenvolver a capacidade de bem escrever. estudei
Homero; li o livro do Fenollosa sobre o ideograma chinês,
tornei-me capaz de dedilhar um alaúde; todos os meus Ecologia
amigos agora são pessoas que têm o hábito de fazer boa
música; pratiquei diversos exercícios de melopéia, fanopéia um dia é da caça
e logopéia, analisei criações de vários dos integrantes do seu o outro é da
paideuma. pesca28
continuo, no entanto, a sentir a mesma
dificuldade do início, uma grande confusão na cabeça tão o ai
infinitamente grande confusão um vasto emaranhado de quando um filho
pensamentos misturados com as possíveis variantes que se 29
completam antiteticamente20
melecas uma
palavra
melecas, as tenho em várias cores e feitios, escrita é uma
mas não estão à venda, durmo com elas, às vezes palavra não dita é uma
tiro uma e como. quando tem gente, enrolo e palavra maldita é uma palavra
jogo fora pra não ganhar fama de porco21 gravada como gravata que é uma palavra
gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa30
Este as futuras gerações
vão achar muito hermético: Traquinagem
Fissurado em ti
entrei numas de horror 23
AUGUSTO, Eudoro. Cabeças — 88 poemas. Rio de Janeiro:
enquanto você nem tchans.22 Janex, 1981, p. 37.
24
Eduardo Kac.
25
Cacaso.
18 26
O poema de Torquato encontra-se em Os últimos dias de MARTINS, Fernando. In: Folha de Rosto. Rio de Janeiro,
Paupéria. 2 ed. São Paulo: Max Limonad, 1982. [Há uma 1976, p. 85.
edição de 1973 pela Eldorado Tijuca.] 27
TRINDADE, Cairo. In: Poesia jovem anos 70.. São Paulo:
19
Cacaso. Abril, 1982. (Literatura comentada)
20 28
Rogério Duarte. Cesar Cardoso.
21 29
Chacal. Alice Ruiz.
22 30
Ulisses Tavares. Chacal.
3
4
como papai passou muito mal à noite
resolvemos matá-lo31 ANTOLOGIA DE POEMAS
DOS ANOS 80 E 90
É PROIBIDO
PISAR NA GRAMA será que 80 dará pé pra mim?
32
O jeito é deitar e rolar. q vou andar de disco voador
q terei o metal infernal afinal
Boemia q reencontrarei os seres de meu
planeta de origem
Acho que hoje já é q vou ter automóvel
amanhã33 q fará ninho em mim uma paixão terrível
q publicarei um livro com letras iluminadas
Viking I pra se ler no escuro
o futuro, esse mistério.39
Queria reler Vico mas não posso / queria ler fico mas não
fossa / queria tomar pico mas na roça / queria virar mico Trânsito
sem a coça / queria ouvir Chico lá na choça / queria ficar
rico sem a joça / queria ver o Angico na palhoça / queria ser Levar ao poema o lema
Cristo mas na nossa / queria ser lírico na poça / queria mais Do aviso rodoviário
um tico dessa troça.34 Que diz: fale ao motorista
Somente o indispensável.
Sendas estelares Tentar não o perder de vista
Falando ao leitor ao lado:
Eu fui um dia rainha Falar,
e o meu reino se estendia Se calar é inviável.40
do quarto até a cozinha,
mas depois foi restringido: a solidão sempre aparece com beijos & bombons
em vez de amante, o marido, a solidão faz visitas regulares a seus amigos íntimos
em vez de gozos, extratos. a solidão procura o inverno em pleno verão
Agora nem isso tenho. a solidão brinca no mar com seus dedos de açúcar
Apenas restam-me os pratos.35 a solidão vive sorrindo pra desconhecidos
a solidão ainda se emociona com filmes antigos na televisão
nocaute a solidão tem olhos escuros, a solidão tem olhos azuis
a solidão tem uma cerca branca com rosas e uma bicicleta
exagerei no decote a solidão imagina gueixas cujos olhos são borboletas de
sapequei-lhe vidro
um verso de goethe a solidão é uma loucura e arrebata concursos de beleza
saí de fininho36 a solidão bebe em meu corpo seu próprio desespero
a solidão adora esconde-esconde e amarelinha
a solidão coleciona diários e discos do coltrane
Macho aprendizado a solidão usa pijamas de bolinhas e óculos quebrados
a solidão depois do sexo ainda se sente sozinha
nos ensinaram assim: a solidão e eu somos apenas bons amigos
carregar à frente a solidão corta meus pulsos com uma gilete de sal
hasteada a bandeira do pênis depois sai chapada pelas ruas
nos ensinaram assim: com uma folha de alface na lapela41
carregar atrás
um ânus com armadura
nos ensinaram assim: Cheiro forte
carregar ao passar pelo corpo
meia vida à frente que me atrai,
meia morte atrás como estreito os lábios
nos ensinaram tudo pela metade37 contra a polpa
de
black, out Agarro a solidão
como a uma faca
Não há preconceito de cor, depois do garfo.42
se costuma comentar.
No entanto, se preto for,
até gato dá azar... Esta solidão me rói
Hipócrita pantomima difícil de desfazer: o fundo da boca
negro em cima só nas fitas me corta os cantos da alma
de máquina de escrever.38 me sufoca num conforto.
Eu sofro muito
mas nem me importo.43
À TELEVISÃO
31
Pedro Laje. Teu boletim meteorológico
32
Chacal. 39
33 Chacal. Olhos vermelhos. 1979.
Cacaso. 40
34 Pedro Amaral. Vívido.
PIVA, Roberto. Quizumba. São Paulo: Global, 1983, p. 27. 41
(Col. Navio Pirata). LOPES, Rodrigo Garcia. Solarium. São Paulo: Iluminuras,
35 1994, p. 49.
Leila Míccolis. 42
36 SANTIAGO, Silviano. Cheiro forte. Rio de Janeiro: Rocco,
Ledusha.
1995, p. 22.
37
Ulisses Tavares. 43
ALMINO, José. Maneira de dizer. São Paulo: Brasiliense,
38
Leila Míccolis. 1991, p. 32.
4
5
me diz aqui e agora praticamente não disse nada
se chove ou se faz sol. e ficou por isso mesmo48
Para que ir lá fora?
Silêncio entre homens que estão conversando.
A comida suculenta Silêncio enquanto eles estão falando.
que pões na minha frente Silêncio entre um som e outro
como-a toda com os olhos. som.
Aposentei os dentes. Silêncio entre som e
um outro
Nos dramalhões que encenas somem.
há tamanho poder Silêncio entre;
de vida que eu próprio não silêncio em.
nem me canso em viver. Silêncio vento;
não silêncio vem.
Guerra, sexo, esporte Silêncio ventre;
— me dás tudo, tudo. não silêncio sêmen – Silêncio sem.
Vou pregar na minha porta: Silêncio entre silêncios
já não preciso do mundo.44 entrem49.
5
6
espaços Ula era casta
de intraduzíveis janelas.53 Porque de passarinha
Era careca.
À noite alisava
Casamento O monte lisinho
Há mulheres que dizem: Co’a lupa procurava
Meu marido, se quiser pescar, pesque, Um tênue fiozinho
mas que limpe os peixes. Que há tempos avistara.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, Ó céus! Exclamava.
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. Por que me fizeram
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, Tão farta de cabelos
de vez em quando os cotovelos se esbarram, Tão careca nos meios?
ele fala coisas como ‘este foi difícil’ E chorava.
‘prateou no ar dando rabanadas’ Um dia...
e faz o gesto com a mão. Passou pelo reino
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez Um biscate peludo
atravessa a cozinha como um rio profundo. Vendendo venenos.
Por fim, os peixes na travessa, (Uma gota aguda
vamos dormir. Pode ser remédio
Coisas prateadas espocam: Pra uma passarinha
somos noivo e noiva.54 De rainha.)
Convocado ao palácio
Ula fez com que entrasse
Trepar com você
No seu quarto.
é uma viagem:
Não tema, cavalheiro,
noturno expresso
Disse-lhe a rainha
de veludo
Quero apenas pentelhos
que entra por dentro
Pra minha passarinha.
do tempo, do túnel
Ó senhora! O biscate exclamou.
que não sei se parte
É pra agora!
ou chega
E arrancou do próprio peito
se vai ou vem
Os pêlos
se é ida ou volta
E com saliva de ósculos
pela mesma linha
Colou-os
como um raio
Concomitantemente penetrando-lhe os meios.
— um trilho assovia único —
UI!UI!UI! gemeu Ula
sem contudo deixar
De felicidade.
de curtir
Cabeluda ou não
de sentir cada segundo
Rainha ou prostituta
cada estação do percurso.55
Hei de ficar contigo
A vida toda!
CONFISSÃO BANAL Evidentemente que aos poucos
despregou-se o tufo todo.
Sempre que a vejo Mas isso o que importa?
quero me aproximar Feliz, mui contentinha
com a simplicidade A Rainha Ula já não chora.
de quem pede fogo
Moral da estória:
Beijar seu beijo Se o problema é relevante,
tocar seu corpo apela pro primeiro passante.58
como quem acende
um cigarro no outro56
9.7.4.
Si no hubiera mujeres,
imagem los homosexuales podrían vivir como dioses.
En cambio, si no hubiera hombres,
Sou tarado por você. Nossa! Isso sim é tesão. los homosexuales podrían vivir como hombres.
Só pensar, viro menino Gracias a Dios hay hombres y mujeres
masturbador, que nasce pêlo na mão. e los homosexuales pueden vivir
Me amarro nos teus peitinhos, como homosexuales.59
xoxota que sai caldinho,
asas da imaginação!
“Borzeguins ao leito”
Só porque digo em poesia
1. Na boca da avenida, bem no centro da cidade,
é exagero? Não é não.57
lá vem ela com pinta de estudante calourinha.
Não sei de que colégio, que cursinho ou faculdade,
A RAINHA CARECA só sei que o que eu queria é que ela fosse aluna minha.
O cabelinho dela é uma tentação pro trote:
De cabeleira farta levinho, liso e loiro, escorrendo no decote.
De rígidas ombreiras E o que me põe mais bobo, mais doido, mais tonto nela
de elegante beca é aquele tênis preto amarrado na canela.
53
TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. A letra descalça. São 2. (instrumental)
Paulo: Brasiliense, 1985, p. 31. 1. Franjinha sobre o óculos, boquinha de chiclete,
54
PRADO, Adélia. Poesia Reunida. Terra de Santa Cruz. 3 ed. nariz arrebitado, saia acima do joelho.
São Paulo: Siciliano, 1991, p. 252. Deve ter mais de vinte e aparenta dezessete.
55
FREITAS FILHO, Armando. Longa vida. Rio de Janeiro: Se ela é coelhinha, eu queria ser coelho.
Nova Fronteira, 1982, p. 73. A cinturinha dela parece de tanajura,
56
MASSI, Augusto. Negativo: 1982-1990. São Paulo: Cia. das
58
Letras, 1991, p. 97. HILST, Hilda. Bufólicas. São Paulo: Massao Ohno Ed.,
57 1992, p. 7-11 e 13-6.
TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. Retrovar. São Paulo:
59
Iluminuras, 1993, p. 23. Glauco Mattoso.
6
7
de olhar já dá formigamento na musculatura. Chega dos valores desta escala:
Mas o que deixa ouriçadíssimo este magricela muito falo e pouca fala.
é aquele tênis preto amarrado na canela. Se afinal é preciso mudar tudo,
que se tire então do homem, o H mudo.63
2. (instrumental)
1. Eu fico só pensando nela sem aquela blusa: exigência
mamãe me amamentando e eu encolhido no colo.
Sem saia deve ser alguma coisa tão confusa Meu homem eu quero,
que nem Serra Pelada com metrô no subsolo. enquanto puder,
Nua de corpo inteiro é uma fotografia aérea molhado e úmido
da Via Anchieta atravessando a Sibéria... como mulher.64
Só tem mesmo uma coisa que eu não tirava dela:
é aquele tênis preto amarrado na canela.60
iniciação
REIVINDICAÇÃO Não há razão pra t(r)emeres:
se podias ser meu filho,
Libera para sua amiguinha aproveita por não seres...65
metaleira.
Libera, Virgininha.
o amor, esse sufoco,
Você a enrolou
agora há pouco era muito,
a noite inteira
agora, apenas um sopro
em sua teia.
Sedução é crime.
ah, troço de louco,
Pra depois lhe dizer:
corações trocando rosas,
“Eu bem que poderia ter
e socos66
uma noite de amor com você”.
Libera
para sua amiguinha.61 Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
MULHERES
O que eu sei
é que se transforma
Por que temos que amar tanto as mulheres?
numa matéria-prima
Viveríamos decerto mais tranqüilos
que a vida se encarrega
— a mulher é um jantar de mil talheres —
de transformar em raiva.
em companhia apenas de um ou dois livros.
Ou em rima.67
Pound percebia o ronronar de invisíveis
antenas estando em companhia delas. rio do mistério
A mulher é uma lista de impossíveis: que seria de mim
é ela o verdadeiro mundo às avessas. se me levassem a sério?68
menos que o dito, menos Nunca me esquecerei que no meio da faixa de terreno
que o escrito, ainda menos destinada a trânsito
que o extrato publicado tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
do irredutível mínimo tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
no meio da faixa de terreno destinada a trânsito
sumário do mais breve no meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha
que a máxima, epigrama um mineral da natureza das rochas duro e sólido.83
gravado em grão de areia,
partícula invisível
pedra lume
ao olho não só nu pedra lume
como vestindo lentes pedra
de exorbitante aumento, esta pedra no meio do
resume-se à parcela caminho
ele já não disse tudo,
menor da mais lacônica então?84
sinopse taquigráfica
de um aforismo expresso
pelo estilhaço mais uma pedra a mais
bem no meio da lagoa
minúsculo da mais – minhas digitais85
subdividida inter-
jeição quase inaudível
que diz mais do que fala um dia
a gente ia ser homero
e mais cala que diz a obra nada menos que uma ilíada
nas entrelinhas, entre
um som mal concluído depois
e um outro nem sequer a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
bem começado, ponto um ungaretti um fernando pessoa qualquer
de fuga do mais mudo um lorca um éluard um ginsberg
fonema do silêncio:
tudo o que conta é menos.80 por fim
acabamos o pequeno poeta de província
definição de poesia que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
Poesia, ponte em cima que o tempo tratou como a flores86
de abismos não abertos
ainda ou flor que anima M, DE MEMÓRIA
a pedra no deserto
Os livros sabem de cor
e a deixa logo prenha, milhares de poemas.
é régua que calcula a Que memória!
linguagem e lhe engenha Lembrar, assim, vale a pena.
modelos de medula.81 Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
EPITÁFIO assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
poeta menormenormenormenor Um dia, o diabo veio
menormenormenormenormenor enorme82 seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
A LEITURA QUE FALTAVA
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
No meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha
Rimbaud se mandou pra África,
um mineral da natureza das rochas duro e sólido
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
79
ASCHER, Nelson. O sonho da razão. Rio de Janeiro: Ed. Já sabem deste dilema.
34, 1993, p. 79.
80
Nelson Ascher. 83
81
AZEVEDO, Carlito. Collapsus linguae. Rio de Janeiro:
Nelson Ascher. LYNX, 1991, p. 48.
82 84
PAES, José Paulo Um por todos (poesia reunida). São Paulo: CESAR, Ana Cristina. Inéditos e dispersos. 2 ed. São
Brasiliense, 1986, p. 38. O poema de Paes, datado de 13 de Paulo: Brasiliense, 1991, p. 193.
outubro, morte de manuel bandeira (1956), reverte a glosa do 85
BITH. Digitais. Rio de Janeiro: Portopalavra, 1990, p. 68.
São João Batista do Modernismo que, um dia, com a modéstia 86
de quem sabe fazer, se autodefiniu um poeta menor. Pode? LEMINSKI, Paulo. Caprichos & relaxos. São Paulo:
Paes gasta o menor até que se torne: enorme. Brasiliense, 1983, p. 50.
9
10
Só não sabem que, no fundo, I am tupinik, eu falo em tupinik.91
ler não passa de uma lenda.87
METASSONETO OU O COMPUTADOR IRRITADO
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA
abba
a poesia está morta baab
cdc
mas juro que não fui eu dcc
eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la aabb
bbaa
imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres ccd
carlos drummond de andrade manuel bandeira murilo dcd
mendes vladimir maiakóvski joão cabral de melo neto
paul éluard oswald de andrade guillaume apollinaire cdc
sosígenes costa bertold brecht augusto de campos dcc
abab
não adiantou nada baba
87 91
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. São Paulo: MATTOSO, Glauco. In: Artes e ofícios da poesia. p. 173.
Brasiliense, 1987, p. 91. 92
88
PAES, José Paulo Um por todos (poesia reunida). São Paulo:
PAES, José Paulo. A poesia está morta mas juro que não fui Brasiliense, 1986, p. 80.
eu. São Paulo: Duas Cidades, 1988, p. 9. (Col. Claro Enigma) 93
89
TRINDADE, Cairo Assis. Liberatura. Rio de Janeiro: Gang
AZEVEDO, Carlito. Collapsus linguae. Rio de Janeiro: Edições, 1990.
LYNX, 1991, p. 14. “Traduzir”, o poema seguinte, está na 94
Sebastião Uchoa Leite.
página 13. 95
90 LEMINSKI, Paulo. Caprichos & relaxos. São Paulo:
NUNES, Sebastião. In: Temporada de poesia. v. 5:
Brasiliense, 1983, p. 92.
Sebastião Nunes: Um fascículo mamaluco. Belo Horizonte: 96
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 1994. Paulo Leminski.
10
11
(...) porque não tens mensagem
e teu conteúdo é tua forma
e porque és feita de palavras
e não sabes contar nenhuma estória
e por isso és poesia
como cage dizia
ou como
há pouco
augusto
o augusto:
97
Haroldo de Campos.
11