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ANTOLOGIA DE POESIA MARGINAL E PÓS-MARGINAL

Prof. Wilberth Salgueiro [wilberthcfs@gmail.com.br]

OBS.: poemas citados (e, alguns, analisados) em SALGUEIRO, Wilberth. Forças & formas: aspectos da poesia brasileira (dos anos 70 aos
90). Vitória: Edufes, 2002.

ANTOLOGIA DE TEXTOS a adolescência germinou entre a fumaça


ANOS 70 do gás lacrimogêneo
a poesia escrita na poeira
a música das cachoeiras
o silêncio da esplanada
que viagem os rodamoinhos vermelhos.
ficar aqui os mimeógrafos não imprimiam mais panfletos,
parada1 mas poemas.4

Nós poetas perguntamos: ser marginal é não correr atrás de yellow Sunshine entrou pela janela
padrinhos literários de grandes editores? o dia era dourado
Ser marginal é não se sentar em fúnebres academias pra o sol de gelatina
molhar o biscoitinho? a terra cheirava a fumo & sexo escancarado
Ser marginal é não fingir de mudo surdo burro quando pisam
o seu pé? na parede a foto de Karl Marx
Ser marginal é tentar viver lutar e ganhar a vida com a boquinha de baton & broche na lapela
poesia minha alegria?
Ser marginal é não jogar esse jogo, então temos a declarar: gritamos de dor no escuro repentino
somos poetas marginais e mais, magistrais, e como tais dissemos sim eu te amo sim eu te amo
declaramos criada a POBRÁS — órgão que lutará pelos enquanto a vida derramava estrelas
direitos: em nossos beijos na banheira
1 - direito de ir e vir;
2 - direito de assistência médica, psiquiátrica e jurídica; bebo a qualquer hora
3 - ser reconhecido como trabalhador; o Louco Suco do Desbunde.5
4 - direito ao dinheiro;
5 - livre acesso a qualquer gráfica da união;
um dia, nos setenta
6 - livre acesso a botequins, cabarés e palácios da cidade;
7 - isenção de flagrante;
cheguei da rua
8 - abatimento no preço do papel;
carregando uma maçã
9 - aposentadoria com tempo indeterminado de serviço;
e seis meses de desemprego.
10 - acesso à informação e aos meios de comunicação;
li uma carta de minha mãe
11 - reconhecimento do registro da POBRÁS como
fechei as janelas
documento único e infalível.
a porta, a cara
Manifesto POBRÁS.2
deitei-me no chão
e abri o gás.
—ALÔ, É QUAMPA? esperei.
e, somente meia hora depois,
— não, é engano. descobri o gás cortado
— alô, é quampa? por falta de pagamento.
— não, é do bar patamar. levantei-me
— alô, é quampa? e comi a maçã:
— é ele mesmo. quem tá falando? nu e louco
— é o foca mota da pesquisa do jota brasil. gostaria de saber como o quadro da bienal.6
suas impressões sobre essa tal poesia marginal.
— ahhh... a poesia. a poesia é magistral. mas marginal prá
CLARO-ESCURO
mim é novidade. você que é bem informado, mi diga: a
poesia matou alguém, andou roubando, aplicou algum
Estava tão lúcido
cheque frio, jogou alguma bomba no senado?
que era um suicídio7
— que eu saiba não. mas eu acho que é em relação ao
conteúdo.
— mas isso não é novidade. desd’adão... ou você acha que disse: não concordo
alguém perde o paraíso e fica calado. nem o antonio. expliquei meu ponto de vista
— é verdade. mas deve haver algum motivo prá todos procurei fundamentar minhas razões
chamarem essa poesia de marginal. exemplifiquei
— qual, essa!? eu tou achando até bem comportada. sem argumentei
palavrão, sem política, sem atentado a moral cristantã. expliquei de novo
— não. não tô falando desse que se lê aqui. tô falando dessa me deu uma porrada na cara
outra que virou moda.
— ahhh............ dessa eu não tô sabendo. ando meio borra- hoje sei com quem estou lidando8
bosta porisso tenho ficado quieto em casa. rompi meu retiro
prá atender esse telefone. e já que ti dei algumas impressões, passos no corredor
você vai me trazer as seguintes ervas pra curar meus
4
dissabores: manacá carobinha jurubeba picão de praia amor CHAVES, Xico. PoETa clandestino. Rio de Janeiro: Ed.
do campo malva e salsa parrilha. até já foca mota.3 Núcleo 3, 1986, p. 8.
5
MERCADOR, Tonico. Itinerário da era do rock. Rio de
geração mimeógrafo Janeiro: Dazibao, 1988, p. 27.
6
AQUINO, Marçal. Por bares nunca dantes naufragados.
1
Campinas: RG, 1985, p. 38.
RUIZ, Alice. Navalhanaliga. Curitiba: Ed. ZAP, 1980. 7
MACHADO, Duda. Crescente: 1977-1990. São Paulo: Duas
2
Editorial do Almanaque Biotônico Vitalidade nº 1, publicado Cidades / Sec. de Estado da Cultura, 1990, p. 70. (Col. Claro
pelo Grupo Nuvem Cigana, em 1976. Enigma)
3 8
CHACAL. Quampérios. Rio de Janeiro: Edições Guarnicê, CARDOSO, Cesar. In: Folha de Rosto. Rio de Janeiro, 1976,
1986. [1977] p. 68.
2
4 esperanças perdidas
serão policiais ou 3 litros de sangue fervido
alunos atrasados 5 sonhos eróticos
devido ao trânsito?9 2 canções dos beatles

em 1968 Modo de preparar


eu não sabia nada
de história dissolva os sonhos eróticos
política nos dois litros de sangue fervido
socialismo e deixe gelar seu coração
guerrilha
tortura. leve a mistura ao fogo
adicionando dois conflitos
em 1968 de gerações às esperanças
eu tinha 14 anos perdidas
estava diante do video
vendo beto rockfeller corte tudo em pedacinhos
cheio de saudade e repita com as canções dos
seco pra chorar beatles o mesmo processo usado
com os sonhos eróticos mas desta
de 64 a 68 vez deixe ferver um pouco mais e
sem saber de nada mexa até dissolver
dava pra sentir
a barra no ar: parte do sangue pode ser
sumiu um professor substituído por suco de
marido da professora groselha mas os resultados
primária não serão os mesmos

depois sirva o poema simples


sumiu o professor ou com ilusões12
de matemática
delatado pelo professor en la lucha de clases
de física todas las armas son buenas
no fim piedras
sumiram os meninos noches
do grêmio ginasial poemas13
falava-se em porrada
mortes ameixas
e a palavra subversivo ame-as
comunista ou deixe-as14
soava mais perigosa
que qualquer tabu
Propriedade privada
zona proibida
das fantasias
não tenho nada comigo
infantis e adolescis.
só o medo
e medo não é coisa que se diga15
era, como sei agora,
a realidade
uma barra pesada
impossível de retocar10 os poetas novos
na minha terra
são idealistas falidos
(...) Não era fácil
escritores fudidos
fazer o amor
ou surfistas
entre tantas metralhadoras
na crista da onda
panfletos, bombas
comendo peras de bobeira
apreensões fatais
e os cinzeiros abarrotados
depois todos vão dançar
eternamente com o teu Continental,
um rock enfezado
preferência nacional.
com suas minhocas oportunistas
os cornos cheios de pico
Era tão irracional
cagando pro desempenho
gemer de prazer
mas temendo
nas vésperas de nossos crimes
a paulada na moleira...16
contra a segurança nacional
era duro rimar orgasmo
com guerrilha que não seja o medo da loucura
e esperar um tiro que nos obrigue a baixar
na próxima esquina. (...)11 a bandeira da imaginação17

Receita Cogito
12
Ingredientes Nicolas Behr.
13
Paulo Leminski.
2 conflitos de gerações 14
Paulo Leminski
9 15
CHACAL. Boca roxa. Rio de Janeiro: Nuvem Cigana, 1979. Luis Olavo Fontes. Papéis de viagem.
10 16
BUENO, André. Brasa Brasil. Veia poética produções Adauto de Souza Santos
artísticas ilimitadas, 1979. 17
Guilherme Mandaro. Este poema epigrafa Retrato de época,
11
POLARI, Alex. Inventário de cicatrizes, 1978. de Messeder.
2
3
deixa comigo que eu apresento
eu sou como eu sou guarda o finzinho pra depois
pronome tudo gente fina
pessoal intransferível de repente é um lance maneiro
do homem que iniciei combinado, não tem erro
na medida do impossível quê que é isso, xará
aqui não pinta esse vacilo
eu sou como eu sou é tipo escancaro
agora tudo em cima, sabe como?
sem grandes segredos dantes numa naice23
sem novos secretos dentes
nesta hora para curar um amor platônico
só uma trepada homérica24
eu sou como eu sou
presente
Epopéia
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
O poeta mostra o pinto para a namorada
e proclama: eis o reino animal!
eu sou como eu sou
vidente
Pupilas fascinadas fazem jejum.25
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.18
BOA DE CAMA
Estilos de época
Suas pernas
me enlouquecem
Havia
seus seios
os irmãos Concretos
me enlouquecem
H. e A. consangüíneos
seu pescoço
e por afinidade D. P.,
me enlouquece
um trio bem informado:
seus lábios
dado é a palavra dado
me enlouquecem
E foi assim que a poesia
deu lugar à tautologia
Você me enlouquece
(e ao elogio à coisa dada)
e dorme26
em sutil lance de dados:
se o triângulo é concreto
já sabemos: tem 3 lados.19 Ipanema — Voyeur

de segunda a segunda
Carnaval 74
gingando gingando
pra lá y pra cá
como é que é meu caro ezra pound? vou acender
em tangas ou sungas
um cigarro daqueles para ver se consigo lhe dizer isto.
vagam vaga-
andei fazendo um pouco de tudo aquilo que você aconselhou
bundas bundas27
para desenvolver a capacidade de bem escrever. estudei
Homero; li o livro do Fenollosa sobre o ideograma chinês,
tornei-me capaz de dedilhar um alaúde; todos os meus Ecologia
amigos agora são pessoas que têm o hábito de fazer boa
música; pratiquei diversos exercícios de melopéia, fanopéia um dia é da caça
e logopéia, analisei criações de vários dos integrantes do seu o outro é da
paideuma. pesca28
continuo, no entanto, a sentir a mesma
dificuldade do início, uma grande confusão na cabeça tão o ai
infinitamente grande confusão um vasto emaranhado de quando um filho
pensamentos misturados com as possíveis variantes que se 29

completam antiteticamente20

melecas uma
palavra
melecas, as tenho em várias cores e feitios, escrita é uma
mas não estão à venda, durmo com elas, às vezes palavra não dita é uma
tiro uma e como. quando tem gente, enrolo e palavra maldita é uma palavra
jogo fora pra não ganhar fama de porco21 gravada como gravata que é uma palavra
gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa30
Este as futuras gerações
vão achar muito hermético: Traquinagem

Fissurado em ti
entrei numas de horror 23
AUGUSTO, Eudoro. Cabeças — 88 poemas. Rio de Janeiro:
enquanto você nem tchans.22 Janex, 1981, p. 37.
24
Eduardo Kac.
25
Cacaso.
18 26
O poema de Torquato encontra-se em Os últimos dias de MARTINS, Fernando. In: Folha de Rosto. Rio de Janeiro,
Paupéria. 2 ed. São Paulo: Max Limonad, 1982. [Há uma 1976, p. 85.
edição de 1973 pela Eldorado Tijuca.] 27
TRINDADE, Cairo. In: Poesia jovem anos 70.. São Paulo:
19
Cacaso. Abril, 1982. (Literatura comentada)
20 28
Rogério Duarte. Cesar Cardoso.
21 29
Chacal. Alice Ruiz.
22 30
Ulisses Tavares. Chacal.
3
4
como papai passou muito mal à noite
resolvemos matá-lo31 ANTOLOGIA DE POEMAS
DOS ANOS 80 E 90
É PROIBIDO
PISAR NA GRAMA será que 80 dará pé pra mim?
32
O jeito é deitar e rolar. q vou andar de disco voador
q terei o metal infernal afinal
Boemia q reencontrarei os seres de meu
planeta de origem
Acho que hoje já é q vou ter automóvel
amanhã33 q fará ninho em mim uma paixão terrível
q publicarei um livro com letras iluminadas
Viking I pra se ler no escuro
o futuro, esse mistério.39
Queria reler Vico mas não posso / queria ler fico mas não
fossa / queria tomar pico mas na roça / queria virar mico Trânsito
sem a coça / queria ouvir Chico lá na choça / queria ficar
rico sem a joça / queria ver o Angico na palhoça / queria ser Levar ao poema o lema
Cristo mas na nossa / queria ser lírico na poça / queria mais Do aviso rodoviário
um tico dessa troça.34 Que diz: fale ao motorista
Somente o indispensável.
Sendas estelares Tentar não o perder de vista
Falando ao leitor ao lado:
Eu fui um dia rainha Falar,
e o meu reino se estendia Se calar é inviável.40
do quarto até a cozinha,
mas depois foi restringido: a solidão sempre aparece com beijos & bombons
em vez de amante, o marido, a solidão faz visitas regulares a seus amigos íntimos
em vez de gozos, extratos. a solidão procura o inverno em pleno verão
Agora nem isso tenho. a solidão brinca no mar com seus dedos de açúcar
Apenas restam-me os pratos.35 a solidão vive sorrindo pra desconhecidos
a solidão ainda se emociona com filmes antigos na televisão
nocaute a solidão tem olhos escuros, a solidão tem olhos azuis
a solidão tem uma cerca branca com rosas e uma bicicleta
exagerei no decote a solidão imagina gueixas cujos olhos são borboletas de
sapequei-lhe vidro
um verso de goethe a solidão é uma loucura e arrebata concursos de beleza
saí de fininho36 a solidão bebe em meu corpo seu próprio desespero
a solidão adora esconde-esconde e amarelinha
a solidão coleciona diários e discos do coltrane
Macho aprendizado a solidão usa pijamas de bolinhas e óculos quebrados
a solidão depois do sexo ainda se sente sozinha
nos ensinaram assim: a solidão e eu somos apenas bons amigos
carregar à frente a solidão corta meus pulsos com uma gilete de sal
hasteada a bandeira do pênis depois sai chapada pelas ruas
nos ensinaram assim: com uma folha de alface na lapela41
carregar atrás
um ânus com armadura
nos ensinaram assim: Cheiro forte
carregar ao passar pelo corpo
meia vida à frente que me atrai,
meia morte atrás como estreito os lábios
nos ensinaram tudo pela metade37 contra a polpa
de
black, out Agarro a solidão
como a uma faca
Não há preconceito de cor, depois do garfo.42
se costuma comentar.
No entanto, se preto for,
até gato dá azar... Esta solidão me rói
Hipócrita pantomima difícil de desfazer: o fundo da boca
negro em cima só nas fitas me corta os cantos da alma
de máquina de escrever.38 me sufoca num conforto.
Eu sofro muito
mas nem me importo.43

À TELEVISÃO
31
Pedro Laje. Teu boletim meteorológico
32
Chacal. 39
33 Chacal. Olhos vermelhos. 1979.
Cacaso. 40
34 Pedro Amaral. Vívido.
PIVA, Roberto. Quizumba. São Paulo: Global, 1983, p. 27. 41
(Col. Navio Pirata). LOPES, Rodrigo Garcia. Solarium. São Paulo: Iluminuras,
35 1994, p. 49.
Leila Míccolis. 42
36 SANTIAGO, Silviano. Cheiro forte. Rio de Janeiro: Rocco,
Ledusha.
1995, p. 22.
37
Ulisses Tavares. 43
ALMINO, José. Maneira de dizer. São Paulo: Brasiliense,
38
Leila Míccolis. 1991, p. 32.
4
5
me diz aqui e agora praticamente não disse nada
se chove ou se faz sol. e ficou por isso mesmo48
Para que ir lá fora?
Silêncio entre homens que estão conversando.
A comida suculenta Silêncio enquanto eles estão falando.
que pões na minha frente Silêncio entre um som e outro
como-a toda com os olhos. som.
Aposentei os dentes. Silêncio entre som e
um outro
Nos dramalhões que encenas somem.
há tamanho poder Silêncio entre;
de vida que eu próprio não silêncio em.
nem me canso em viver. Silêncio vento;
não silêncio vem.
Guerra, sexo, esporte Silêncio ventre;
— me dás tudo, tudo. não silêncio sêmen – Silêncio sem.
Vou pregar na minha porta: Silêncio entre silêncios
já não preciso do mundo.44 entrem49.

quando estar sozinho silêncio


ficar sozinho
e só não
ficar sozinho
quando estar sozinho45 se lê50

SEM TÍTULO ENSAIOS DE SILÊNCIO


Momento vazio Tento sempre o silêncio
sem nenhum desejo insisto no silêncio
azulejo sem qualquer desenho aquele do silêncio último
uma espécie fina de silêncio final e inapelável
tento a música pura
Qualquer verso que se faça precioso musgo
é um gesto rude soberano limbo
tamanha é a suavidade do nada46 silêncio claro e distinto
ouça o cartesiano de pausas aflitas
Definição imprópria silêncio grito51

Não sei palavra mais perto do silêncio: o grafito do inferno


cilício. (copyright by dante alighieri)
Rasgo de boca cava sobre o interdito
limiar onde o céu é inferno gozoso Lasciate
e a carne vai vergando em espírito. Ogni Speranza
Voi Che
A dor dispõe nela de vogais iradas E n t r a t e52
(ásperas, monocórdias)
mas hinos de catecismos se impõem
janelas
domesticando a letra com fervor de ritmo.
Minha amada me diz: — Mete.
Embora sibilante, tem natureza velada —
Céus! Me sinto um meteoro —
o arame farpado da testa do Cristo
e vou indo, feito um globo,
escorrega até minha cintura (sem alarde)
feito um bobo, uma vedete,
por baixo do vestido
um luminoso sinistro.
e o prodígio consiste apenas nesta coisa simples:
Ela quer, alguém diria
em eu ser eu, sendo no entanto outra.
(quem diria?), ela reflete
compenetrada alegria
Não sei palavra mais perto do silêncio:
por me sentir tão minério,
feminino.47
penhascos e companhia:
essa praia e seus mistérios.
ARTE DO CHÁ A natureza copia
o que inventamos, aéreos.
ainda ontem Minha amada me diz: — Vem.
convidei um amigo Um turbilhão nos trabalha.
para ficar em silêncio O mesmo nos atrapalha,
comigo como quem diz: — Eu também.
Palavras giram no avesso
ele veio e nelas nos reconheço
meio a esmo alados, entrelaçados
e realçados por essas
44
PAES, José Paulo. Prosas seguidas de Odes mínimas. São sombras de traços,
Paulo: Cia. das Letras, 1992, p. 71. 48
45 LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. São Paulo:
ANTUNES, Arnaldo. Nome. Edição da BMG Ariola
Brasiliense, 1987, p. 32.
Discos Ltda. Capa, criação e produção gráfica de Arnaldo 49
Antunes, Celia Catunda, Kiko Mistrorigo e Zaba Moreau. São ANTUNES, Arnaldo. Tudos. São Paulo: Iluminuras, 1990.
Paulo, 1993. 50
Arnaldo Antunes.
46
FERRAZ, Eucanaã. Livro primeiro. Rio de Janeiro: E. 51
BRITO, Ronaldo. Quarta do singular. São Paulo: Duas
Ferraz, 1990, p. 35. Cidades, 1989, p. 23. (Coleção Claro Enigma)
47
FARRA, Maria Lúcia Dal. Livro de auras. São Paulo: 52
Iluminuras, 1994, p. 55. Geraldo Carneiro. Folias metafísicas.

5
6
espaços Ula era casta
de intraduzíveis janelas.53 Porque de passarinha
Era careca.
À noite alisava
Casamento O monte lisinho
Há mulheres que dizem: Co’a lupa procurava
Meu marido, se quiser pescar, pesque, Um tênue fiozinho
mas que limpe os peixes. Que há tempos avistara.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto, Ó céus! Exclamava.
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar. Por que me fizeram
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha, Tão farta de cabelos
de vez em quando os cotovelos se esbarram, Tão careca nos meios?
ele fala coisas como ‘este foi difícil’ E chorava.
‘prateou no ar dando rabanadas’ Um dia...
e faz o gesto com a mão. Passou pelo reino
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez Um biscate peludo
atravessa a cozinha como um rio profundo. Vendendo venenos.
Por fim, os peixes na travessa, (Uma gota aguda
vamos dormir. Pode ser remédio
Coisas prateadas espocam: Pra uma passarinha
somos noivo e noiva.54 De rainha.)
Convocado ao palácio
Ula fez com que entrasse
Trepar com você
No seu quarto.
é uma viagem:
Não tema, cavalheiro,
noturno expresso
Disse-lhe a rainha
de veludo
Quero apenas pentelhos
que entra por dentro
Pra minha passarinha.
do tempo, do túnel
Ó senhora! O biscate exclamou.
que não sei se parte
É pra agora!
ou chega
E arrancou do próprio peito
se vai ou vem
Os pêlos
se é ida ou volta
E com saliva de ósculos
pela mesma linha
Colou-os
como um raio
Concomitantemente penetrando-lhe os meios.
— um trilho assovia único —
UI!UI!UI! gemeu Ula
sem contudo deixar
De felicidade.
de curtir
Cabeluda ou não
de sentir cada segundo
Rainha ou prostituta
cada estação do percurso.55
Hei de ficar contigo
A vida toda!
CONFISSÃO BANAL Evidentemente que aos poucos
despregou-se o tufo todo.
Sempre que a vejo Mas isso o que importa?
quero me aproximar Feliz, mui contentinha
com a simplicidade A Rainha Ula já não chora.
de quem pede fogo
Moral da estória:
Beijar seu beijo Se o problema é relevante,
tocar seu corpo apela pro primeiro passante.58
como quem acende
um cigarro no outro56
9.7.4.
Si no hubiera mujeres,
imagem los homosexuales podrían vivir como dioses.
En cambio, si no hubiera hombres,
Sou tarado por você. Nossa! Isso sim é tesão. los homosexuales podrían vivir como hombres.
Só pensar, viro menino Gracias a Dios hay hombres y mujeres
masturbador, que nasce pêlo na mão. e los homosexuales pueden vivir
Me amarro nos teus peitinhos, como homosexuales.59
xoxota que sai caldinho,
asas da imaginação!
“Borzeguins ao leito”
Só porque digo em poesia
1. Na boca da avenida, bem no centro da cidade,
é exagero? Não é não.57
lá vem ela com pinta de estudante calourinha.
Não sei de que colégio, que cursinho ou faculdade,
A RAINHA CARECA só sei que o que eu queria é que ela fosse aluna minha.
O cabelinho dela é uma tentação pro trote:
De cabeleira farta levinho, liso e loiro, escorrendo no decote.
De rígidas ombreiras E o que me põe mais bobo, mais doido, mais tonto nela
de elegante beca é aquele tênis preto amarrado na canela.
53
TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. A letra descalça. São 2. (instrumental)
Paulo: Brasiliense, 1985, p. 31. 1. Franjinha sobre o óculos, boquinha de chiclete,
54
PRADO, Adélia. Poesia Reunida. Terra de Santa Cruz. 3 ed. nariz arrebitado, saia acima do joelho.
São Paulo: Siciliano, 1991, p. 252. Deve ter mais de vinte e aparenta dezessete.
55
FREITAS FILHO, Armando. Longa vida. Rio de Janeiro: Se ela é coelhinha, eu queria ser coelho.
Nova Fronteira, 1982, p. 73. A cinturinha dela parece de tanajura,
56
MASSI, Augusto. Negativo: 1982-1990. São Paulo: Cia. das
58
Letras, 1991, p. 97. HILST, Hilda. Bufólicas. São Paulo: Massao Ohno Ed.,
57 1992, p. 7-11 e 13-6.
TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. Retrovar. São Paulo:
59
Iluminuras, 1993, p. 23. Glauco Mattoso.
6
7
de olhar já dá formigamento na musculatura. Chega dos valores desta escala:
Mas o que deixa ouriçadíssimo este magricela muito falo e pouca fala.
é aquele tênis preto amarrado na canela. Se afinal é preciso mudar tudo,
que se tire então do homem, o H mudo.63
2. (instrumental)
1. Eu fico só pensando nela sem aquela blusa: exigência
mamãe me amamentando e eu encolhido no colo.
Sem saia deve ser alguma coisa tão confusa Meu homem eu quero,
que nem Serra Pelada com metrô no subsolo. enquanto puder,
Nua de corpo inteiro é uma fotografia aérea molhado e úmido
da Via Anchieta atravessando a Sibéria... como mulher.64
Só tem mesmo uma coisa que eu não tirava dela:
é aquele tênis preto amarrado na canela.60
iniciação
REIVINDICAÇÃO Não há razão pra t(r)emeres:
se podias ser meu filho,
Libera para sua amiguinha aproveita por não seres...65
metaleira.
Libera, Virgininha.
o amor, esse sufoco,
Você a enrolou
agora há pouco era muito,
a noite inteira
agora, apenas um sopro
em sua teia.
Sedução é crime.
ah, troço de louco,
Pra depois lhe dizer:
corações trocando rosas,
“Eu bem que poderia ter
e socos66
uma noite de amor com você”.
Libera
para sua amiguinha.61 Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
MULHERES
O que eu sei
é que se transforma
Por que temos que amar tanto as mulheres?
numa matéria-prima
Viveríamos decerto mais tranqüilos
que a vida se encarrega
— a mulher é um jantar de mil talheres —
de transformar em raiva.
em companhia apenas de um ou dois livros.
Ou em rima.67
Pound percebia o ronronar de invisíveis
antenas estando em companhia delas. rio do mistério
A mulher é uma lista de impossíveis: que seria de mim
é ela o verdadeiro mundo às avessas. se me levassem a sério?68

E que não venham chamar de misógeno GRADUATE STUDENT


este que, no máximo, é um misantropo Acordou com a amiga em pranto
(deseja estar sozinho, ma non troppo) porque havia descoberto uma tautologia
no terceiro capítulo da tese.69
e que ama tanto o sexo feminino
sem que uma boa razão para isso exista botânica ao pé da letra
que chega a ser um fero feminista.62
— Estas plantinhas são mudas?
super-heróticos — Pelo que me disseram, não.
— E o que foi que elas disseram?70
Enquanto o Incrível Hulk
cresce na parte de cima Do riso
verde que nem perereca,
a pobre parte de baixo, Me lembro de quando
vermelhinha de vergonha, A leveza do riso
não rasga nem a cueca. Não me era
Já o Homem Invisível Algo
tem um troço tão encolhido
que ganhou este apelido. Assim tão preciso
E o Homem Aranha? Coitado!
Dia e noite, noite e dia Como uma janela
só na luta contra o mal, Aberta para esta
deve ter peias no pau... Sala, ou uma tábua
Eta turminha sem sal! Para quem navega
Não é ridículo? 63
Ninguém agüenta mais os Super-Homens, Leila Míccolis.
64
com seus cintos de utilidades Leila Míccolis.
e estreitas mentalidades... 65
MÍCCOLIS, Leila. O bom filho a casa torra. RJ: Blocos;
Homens com maiúsculos agás, SP: Edicon, 1992, p. 49, 50 e 60.
gagás. 66
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. São Paulo:
Brasiliense, 1987, p. 46.
60 67
MATTOSO, Glauco. In: Artes e ofícios da poesia. Org. por LEMINSKI, Paulo. Caprichos & relaxos. São Paulo:
Augusto Massi. Porto Alegre: Artes e ofícios, 1991, p. 174. Brasiliense, 1983, p. 89.
61 68
SOALHEIRO, Luci. Falo feminino. Belo Horizonte: Ed. do Paulo Leminski.
Leminski. Distraídos venceremos.
69
Autor, 1994. José Almino. Maneira de dizer.
62 70
MOURA JR., João. Páginas amarelas. São Paulo, Duas TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. A letra descalça. São
Cidades, 1988, p. 27. (Col. Claro Enigma) Paulo: Brasiliense, 1985, p. 37.
7
8
E naufraga71 , daí talvez ele
ser chamado clássico, ou
Bandeira 2 quem sabe é porque é o que serve
melhor para se observar
simone é o nome do desejo 15 o que se passa ao redor,
que também pode ser sérgio isto é, fotografá-lo, ou
ser sônia célia, pode até — evitando o anacronismo,
sidônio, pode atar cinara e já que falamos de água —
pode ater-se em sílvio espelhá-lo, visto que o
20 espelho é por excelência
quando o desejo é todo cosme a metáfora do clássico.
por mais que eu ivete Nadar é como uma cobra:
eu teodoro72 um constante enrodilhar-se
em pensamentos por vezes
aqui 25 nada sublimes (que belo
traseiro ali adiante, etc.);
nesta pedra daí, em vez de estilo clássico,
talvez fosse mais correto
alguém sentou falar-se em mescla de estilos.
olhando o mar 30 Nadar: um poema longo
em redondilha maior
o mar com andamento de prosa
não parou em que é difícil manter
pra ser olhado o mesmo ritmo sempre
35 (Poe não dizia que um poema
foi mar deve necessariamente
ser breve?). Começa-se a
pra tudo quanto é lado73 arfar, os músculos pesam,
respira-se irregular-
40 mente, o nado, apesar de
clássico, agora assemelha-se
oswald a um poema moderno
pôs o pau (ou a um desaprendizado),
brasil pra fora74 um poema que tivesse
45 uma piscina por tema,
KOAN e um nadador que insistisse,
já que escrever poesia
em boca fechada não entra (principalmente hoje em dia)
mosc- é uma espécie de nada.
ugh!75) 50 Nada. Nada. Nada. Nada.77

Há milhares de _______s. MINIMA POETICA


Um ______ acontece quando se vai longe demais.
A miragem que um sujeito cava pra si mesmo é a face Poesia como forma de dizer
escura do ___. o que de outras formas é omitido —
A face clara do ______ é o _______. não de calar o que se vive e vê
O _______ é o lugar de se cultivar a sede. e sente por vergonha do sentido.
Não há _______s quentes. Poesia como discurso completo,
O Saara e o Pólo são _______s frios, ao mesmo tempo trama de fonemas,
como tudo que a distância faz. artesanato de éter, e projeto
No _______ se anda em círculos. sobre a coisa que transborda o poema
Não se sabe o tamanho de um _______, (se bem que dele próprio projetada).
se ele vai mais fundo. Palavra como lâmina só gume
De dentro tem o tamanho do mundo.76 que pelo que recorta é recortada,
cinzel de mármore, obra e tapume:
NADANDO a fala — esquiva, oblíqua, angulosa —
1 Por incrível que pareça, do que resiste à retidão da prosa.78
talvez o melhor estilo
para um poeta moderno joão cabral de melo neto
seja o estilo clássico, ou
5 nado de peito. Ele exige Asperamente, na acepção
certa contenção. Você exata não de ainda úmida
desliza n’água mansa- pedra, mas de verso sem metro
mente, como se hesitasse. fácil nem rima de costume,
Ao atingir a borda, é
10 impossível virar cam- João fala concreto armado
até os dentes cuja acústica
71
fere o ouvido não como lâmina
AMARAL, Pedro. Vívido. Rio de Janeiro: Sette Letras, de faca, mas palavra justa,
1995, p. 38.
72
CARVALHO, Raimundo Nonato Barbosa de. Sabor plástico. num ritmo todo arestas onde
Belo Horizonte: Ed. do Autor, 1983. sopesa a flor durante a faina
73
Paulo Leminski. para agarrar à unha o touro,
74
SILVESTRIN, Ricardo. Bashô um santo em mim. Porto trazê-lo ao Recife, de Espanha,
Alegre: Tchê!, 1988, p. 49.
75
PAES, José Paulo. A poesia está morta mas juro que não fui 77
MOURA JR., João. In: Artes e ofícios da poesia, p. 176-7.
eu. São Paulo: Duas Cidades, 1988, p. 25. (Coleção Claro
(Numerei os versos para agilizar a localização deles.)
Enigma) 78
76 BRITTO, Paulo Henriques. Mínima lírica. São Paulo: Duas
Arnaldo Antunes. Psia. Cidades, 1989, p. 91. (Col. Claro Enigma)
8
9
pois, apto a despertar sentidos tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
dormentes, torná-los intensos, no meio da faixa de terreno destinada a trânsito
raio X ele ensina aos cinco tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
e, ademais, à mudez, silêncio.79 no meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha
um mineral da natureza das rochas duro e sólido.
FIM DAS CONTAS
Nunca esquecerei deste acontecimento
Tudo o que conta é menos na vida de minhas membranas oculares internas em que
que o mais indivisível, estão as células nervosas que recebem estímulos
mais ínfimo fragmento luminosos e onde se projetam as imagens produzidas
que, menos que o pensado, pelo sistema ótico ocular, tão fatigadas.

menos que o dito, menos Nunca me esquecerei que no meio da faixa de terreno
que o escrito, ainda menos destinada a trânsito
que o extrato publicado tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
do irredutível mínimo tinha um mineral da natureza das rochas duro e sólido
no meio da faixa de terreno destinada a trânsito
sumário do mais breve no meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha
que a máxima, epigrama um mineral da natureza das rochas duro e sólido.83
gravado em grão de areia,
partícula invisível
pedra lume
ao olho não só nu pedra lume
como vestindo lentes pedra
de exorbitante aumento, esta pedra no meio do
resume-se à parcela caminho
ele já não disse tudo,
menor da mais lacônica então?84
sinopse taquigráfica
de um aforismo expresso
pelo estilhaço mais uma pedra a mais
bem no meio da lagoa
minúsculo da mais – minhas digitais85
subdividida inter-
jeição quase inaudível
que diz mais do que fala um dia
a gente ia ser homero
e mais cala que diz a obra nada menos que uma ilíada
nas entrelinhas, entre
um som mal concluído depois
e um outro nem sequer a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
bem começado, ponto um ungaretti um fernando pessoa qualquer
de fuga do mais mudo um lorca um éluard um ginsberg
fonema do silêncio:
tudo o que conta é menos.80 por fim
acabamos o pequeno poeta de província
definição de poesia que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
Poesia, ponte em cima que o tempo tratou como a flores86
de abismos não abertos
ainda ou flor que anima M, DE MEMÓRIA
a pedra no deserto
Os livros sabem de cor
e a deixa logo prenha, milhares de poemas.
é régua que calcula a Que memória!
linguagem e lhe engenha Lembrar, assim, vale a pena.
modelos de medula.81 Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
EPITÁFIO assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
poeta menormenormenormenor Um dia, o diabo veio
menormenormenormenormenor enorme82 seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
A LEITURA QUE FALTAVA
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
No meio da faixa de terreno destinada a trânsito tinha
Rimbaud se mandou pra África,
um mineral da natureza das rochas duro e sólido
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
79
ASCHER, Nelson. O sonho da razão. Rio de Janeiro: Ed. Já sabem deste dilema.
34, 1993, p. 79.
80
Nelson Ascher. 83
81
AZEVEDO, Carlito. Collapsus linguae. Rio de Janeiro:
Nelson Ascher. LYNX, 1991, p. 48.
82 84
PAES, José Paulo Um por todos (poesia reunida). São Paulo: CESAR, Ana Cristina. Inéditos e dispersos. 2 ed. São
Brasiliense, 1986, p. 38. O poema de Paes, datado de 13 de Paulo: Brasiliense, 1991, p. 193.
outubro, morte de manuel bandeira (1956), reverte a glosa do 85
BITH. Digitais. Rio de Janeiro: Portopalavra, 1990, p. 68.
São João Batista do Modernismo que, um dia, com a modéstia 86
de quem sabe fazer, se autodefiniu um poeta menor. Pode? LEMINSKI, Paulo. Caprichos & relaxos. São Paulo:
Paes gasta o menor até que se torne: enorme. Brasiliense, 1983, p. 50.
9
10
Só não sabem que, no fundo, I am tupinik, eu falo em tupinik.91
ler não passa de uma lenda.87
METASSONETO OU O COMPUTADOR IRRITADO
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA
abba
a poesia está morta baab
cdc
mas juro que não fui eu dcc

eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la aabb
bbaa
imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres ccd
carlos drummond de andrade manuel bandeira murilo dcd
mendes vladimir maiakóvski joão cabral de melo neto
paul éluard oswald de andrade guillaume apollinaire cdc
sosígenes costa bertold brecht augusto de campos dcc
abab
não adiantou nada baba

em desespero de causa cheguei a imitar um certo (ou ccd


incerto) josé paulo paes poeta de ribeirãozinho estrada dcd
de ferro araraquarense abba
baab
porém ribeirãozinho mudou de nome a estrada de ferro blablablablablablablablablablablablablablablabla92
araraquarense foi extinta e josé paulo paes parece
nunca ter existido __ _ ___ __ __ _ ___ ___ _ _ __ _____ unda
88
__ __ _______ _ _ _ _ _ _____ _________ __ erda
nem eu __ _ ___ __ __ _ ___ ___ _ _ __ _____ __ orra
___ ___ ___ ___________ __ _ _ _ _ _ ____ ete
DA INSPIRAÇÃO
__ _ ___ __ __ _ ___ ___ _ _ __ _____ alho
Desconfiar do estalo __ __ _______ _ _ _ _ _ _____ _________ __ota
antes de utilizá-lo __ _ ___ __ __ _ ___ ___ _ _ __ _____ __ elho
___ ___ ___ ___________ __ _ _ _ _ _ ____ oda
mas sendo impossível
de todo aboli-lo
__ _ ___ __ __ _ ___ ___ _ _ __ _____ ica
desconfiar do estalo __ _ ___ __ __ _ ___ ___ _ _ __ _____ __ u
dar ao estalo estilo89 ___ ___ ___ ___________ __ _ _ _ _ _ ____ eta

FORNO & FOGÃO __ _ ___ __ __ _ ___ ___ _ _ __ _____ ica


__ __ _______ _ _ _ _ _ _____ _________ __ u
tirou o sonet do forn e serviuo com arroz d __ _ ___ __ __ _ ___ ___ _ _ __ _____ __ eta93
forn. ao pai coub o primeir quartt, ela comeu
o segund e cad filh deixou num cant do prat, aqui jaz
cuidadsmnt, um tercet q esfriou lentmnt e foi para o seu deleite
jogad no lix. à noit, um gat revirou a lat, sebastião
cheirou os verss e deixouos de lad, preferind uchoa
uma espinh de sardin com a ql morreu engasgad.90 leite94

Spik (sic) tupinik o barro


toma a forma
Rebel without a cause, vômito do mito que você quiser
da nova nova nova nova geração,
cuspo no prato e janto junto com palmito você nem sabe
o baioque ( o forrock, o rockixe), o rockão. estar fazendo apenas
o que o barro quer95
Receito a seita de quem samba e roquenrola:
Babo, Bob, prop, pipoca, cornflake; apagar-me
take a cocktail de coco com cocacola, diluir-me
de whisky e estricnina make a milkshake. desmanchar-me
até que depois
Tem híbridos morfemas a língua que falo, de mim
meio nega-bacana, chiquita maluca; de nós
no rolo embananado me embolo, me embalo, de tudo
soluço — hic — e desligo — clic — a cuca. não reste mais
que o charme96
Suo luxo, chulo e chic, caçula e cacique.

87 91
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. São Paulo: MATTOSO, Glauco. In: Artes e ofícios da poesia. p. 173.
Brasiliense, 1987, p. 91. 92
88
PAES, José Paulo Um por todos (poesia reunida). São Paulo:
PAES, José Paulo. A poesia está morta mas juro que não fui Brasiliense, 1986, p. 80.
eu. São Paulo: Duas Cidades, 1988, p. 9. (Col. Claro Enigma) 93
89
TRINDADE, Cairo Assis. Liberatura. Rio de Janeiro: Gang
AZEVEDO, Carlito. Collapsus linguae. Rio de Janeiro: Edições, 1990.
LYNX, 1991, p. 14. “Traduzir”, o poema seguinte, está na 94
Sebastião Uchoa Leite.
página 13. 95
90 LEMINSKI, Paulo. Caprichos & relaxos. São Paulo:
NUNES, Sebastião. In: Temporada de poesia. v. 5:
Brasiliense, 1983, p. 92.
Sebastião Nunes: Um fascículo mamaluco. Belo Horizonte: 96
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, 1994. Paulo Leminski.
10
11
(...) porque não tens mensagem
e teu conteúdo é tua forma
e porque és feita de palavras
e não sabes contar nenhuma estória
e por isso és poesia
como cage dizia

ou como
há pouco
augusto
o augusto:

que a flor flore


o colibri colibrisa
e a poesia poesia97

97
Haroldo de Campos.
11

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