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Resumo para a prova de Estética

Questões

1) O que é a mímesis em Platão e por que a arte mimética seria expulsa da


cidade ideal?

Em Platão, o conceito de mímesis está presente na explicação dos estilos da


poesia. A forma em que esse tipo de arte se expressa, seja a poesia trágica ou
a comédia, é através da imitação, quando o poeta discorre como se fosse o
próprio personagem e usa dos meios ao seu alcance para disso nos convencer.
A contraposição a esse tipo de discurso, é o discurso narrativo, que geralmente
entrecorta nos ditirambos. Um discurso que reproduz uma mistura dessas duas
formas está presente nas epopeias.

No Livro III da República, após fazer as distinções adequadas aos tipos de


discursos utilizados pela expressão artística da época, o diálogo passa a
considerações sobre até que ponto, ou sequer minimamente, seria permitido o
uso de discursos imitativos pelos habitantes de sua cidade ideal. A primeira
categoria de cidadão considerado é o do guerreiro, que deveria ser bom em
apenas uma coisa, e que poderia ter essa sua habilidade prejudicada caso fosse
introduzida uma forma de expressão que permitisse imitar muitas coisas, pois
assim não se seria bom em nenhuma. Como exemplo dessa impossibilidade,
Platão cita os poetas trágicos e das comédias, que não podem ser bons
simultaneamente nas duas modalidades. E isso porque a “natureza humana [...]
é dividida em pedacinhos ainda menores, de forma que é impossível a qualquer
pessoa imitar bem muitas coisas ou fazer as próprias coisas que a imitação
reproduz” (p. 18).

A única ressalva à proibição da imitação pelos guerreiros é a das ações que


retratem a coragem, temperança, santidade e liberdade, sendo todo o restante
incluído em uma lista não exaustiva e vedada à imitação, em que se encontra a
imitação das mulheres, dos pusilânimes, dos loucos, dos animais, dos
fenômenos da natureza, dos apaixonados, dos embriagados, dos infelizes, dos
doentes, etc. Em suma, nos discursos longos as ações boas podem ser imitadas
e o devem, já as ações consideradas más ou inferiores, devem apenas
raramente o serem e sem tanta disposição a conferir-lhes veracidade na
representação, mas, de qualquer forma, a maior parte da exposição deve-se ater
apenas na narrativa, e não, na imitação.
Qualquer indivíduo que na cidade fizesse imitações dessas proibidas, que estão
muito aquém do ideal, seria convidado a se retirar, depois de reverenciado.

Posteriormente e por extensão, são proibidos certos instrumentos musicais,


como a flauta e a harpa, certas harmonias, como as que incitam as mesmas
atitudes expostas no parágrafo anterior, e também certos ritmos, fazendo com
que tudo se encaixe nos padrões propostos para cidadãos de almas simples que
irão compor formar a boa cidade.

Assim, a finalidade da música estaria em servir de ferramenta pedagógica para


formar cidadãos bons, uma vez que o ritmo e a harmonia, quando empregados
com esse intento, são capazes de “calar fundo na alma [...] e aderir nela
fortemente” (p. 26). Esse processo pedagógico se serve da consideração de que,
da mesma forma que as letras são as menores e indispensáveis unidades para
o reconhecimento de qualquer texto, as virtudes e os vícios estão presentes
como as unidades que compõem a música através da letra, da harmonia e do
ritmo, e por isso se faz importante vigiar essas manifestações na cidade ideal.

Essas considerações sobre a imitação no âmbito da arte, no entanto, não


explicam o porquê de Platão a enxergar depreciativamente, em toda a sua
profundidade. Apenas no livro X da República o filósofo investiga qual a natureza
das imitações em si mesmas e é também onde reserva as críticas mais severas
à Homero. Com o exemplo de um leito, que foi primeiramente criado por deus,
depois imitado pelo artesão e, de novo, imitado pelo pintor, Platão explica que
apenas o primeiro efetivamente criou o leito e, portanto, possui a verdade a seu
respeito. Os outros dois, na sequência, apenas copiaram, estando, um depois
do outro, mais afastados da verdade por simplesmente copiarem o verdadeiro.
Por isso, a imitação dos pintores pode ser considerada “três pontos afastada da
natureza” (p. 437) ou da realidade. O pintor teria ainda a desvantagem, em
relação ao marceneiro do exemplo, de representar as coisas apenas a partir de
certos ângulos, certas perspectivas, o que o distanciaria ainda mais da verdade
em relação aos outros imitadores, pois ele imita a aparência e não as coisas em
si mesmas. Um fato que ilustra muito bem esse distanciamento da verdade do
pintor é a sua capacidade de, em sendo um bom artista, ilustrar muito bem um
carpinteiro sem, no entanto, conhecer nada de carpintaria.

A isso deve-se adicionar, ainda, que apenas aquele que faz uso dos objetos, por
exemplo de instrumentos musicais, é quem realmente pode, pela sua prática,
oferecer ao que o fabrica, as verdadeiras instruções e roteiros para a sua
construção. Assim vemos que mesmo quem fabrica os objetos, é alguém que
desconhece, de certo modo, a natureza daquilo que faz, estando, por isso,
totalmente subordinado a quem o utiliza. Se assim se dá com o fabricante, que
diríamos do pintor, que apenas o representa e de nada adianta saber como é
utilizado o objeto ou como é construído. Mais afastado ainda, portanto, este se
encontra da verdade.

Da mesma forma, o poeta também está afastado da verdade, pois a sua imitação
está mais voltada para aquilo que deve agradar a multidão, do que para o
princípio racional da alma. E representa mais o múltiplo e aquilo que é menor em
nós, do que o nosso lado superior e racional. Importante citar uma passagem
que demonstra de que forma a poesia faz isso e que, adiante, pode servir para
contrapor a visão aristotélica:

Quando os melhores dentre nós vêem Homero ou qualquer dos


poetas trágicos imitando algum herói em situação aflitiva, que se
derrama em lamentações infindáveis ou canta suas mágoas e
bate no peito, bem sabes que nos deleitamos com isso e o
acompanhamos com simpatia, e, tomando a sério a
representação, louvamo-lo como a poeta primoroso que
conhece o segredo de suscitar todas essas emoções. (p. 449)

Essa nossa tendência ao deleite dessas emoções, no entanto, revela que:

As paixões alheias de que participamos atuam necessariamente


sobre nós. Depois de alimentar e fortificar nossa sensibilidade
no sofrimento dos outros, não é fácil conter a nossa em limites
razoáveis. [...] [A imitação poética] alimenta e irriga o que devia
ficar seco; fá-las [as paixões] dominar sobre nós, quando elas é
que deviam ser mandadas, para que nos tornemos melhores e
mais felizes, em vez de maus e miseráveis. (p. 450-1)

Por essas considerações, esses tipos de imitação devem ficar apartados da


cidade, pois fazem com que predominem sobre a alma humana aquilo a que ela
devia submeter, servindo de obstáculo à harmonia da cidade e bem-estar dos
cidadãos.

2) O que é a mímesis em Aristóteles?

A poesia, para Aristóteles, deriva-se da imitação, e pode ser categorizada


conforme os meios de que se utiliza, os modos por que se expressa e os objetos
que representa. Quanto a sua origem, Aristóteles diz:
Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, geraram a
poesia. O imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros
viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação,
aprende as primeiras noções), e os homens se comprazem no
imitado (p. 35)

Nesse aspecto, Aristóteles iguala as causas da poesia e do conhecimento em


geral, e diz que, inclusive, essa capacidade é a que diferencia o ser humano dos
outros animais, não tanto por sua existência apenas na espécie humana quanto
pela intensidade com que se manifesta. Além dessa causa e em consonância
com o que admite Platão, Aristóteles aponta a capacidade de obter prazer como
um fator que nos leva à contemplação artística.

3) O que é o Belo em Aristóteles?

Em Aristóteles, o belo não é uma forma ideal além do mundo sensível, no qual
as coisas consideradas belas participam e tiram disso a sua beleza, mas consiste
justamente na figura e na ordem das partes em um todo qualquer, como no
trecho abaixo.

Além disto, o belo – ser vivente ou o que quer que se componha


de partes – não só deve ter essas partes ordenadas, mas
também uma grandeza que não seja qualquer. Porque o belo
consiste na grandeza e na ordem, e portanto um organismo
vivente, pequeníssimo, não poderia ser belo (pois a visão é
confusa quando se olha por tempo quase imperceptível); e
também não seria belo, grandíssimo (porque faltaria a visão do
conjunto, escapando à vista dos espectadores a unidade e a
totalidade; imagine-se, por exemplo, um animal de dez mil
estádios...). (p. 40)

4) Compare a boa poesia a partir de Platão e Aristóteles.

Platão também considera os poetas bons naquilo que fazem se eles se


adequarem a certos princípios. Portanto, apesar de considerar em si a poesia
uma imitação de terceira ordem, sabe que aquele que faz poesias deve ter
conhecimento sobre as coisas que representa, do contrário, não será bom poeta.

“Porque um bom poeta, para desenvolver a contento qualquer


assunto terá forçosamente de conhecê-lo a fundo, ou não será
poeta coisa nenhuma” (p. 438).
O trecho acima, retirado da República, de certa forma se coaduna com o
pensamento de Aristóteles, pois é a partir dessa perspectiva – mas, diferente de
Platão, apenas a partir dela – que o filósofo considerará qualificar a arte
mimética.
Ou seja, se Aristóteles considera o belo na arte como aquilo que se adequa a
certos princípios, ou melhor, ao gênero de arte que se pretende representar, tal
como a tragédia, a comédia ou a epopeia, então poderíamos dizer que Platão
também concordaria que existem bons poetas, mas contestaria o fato de ser bom
que tenhamos todos os tipos de bons poetas na cidade. Afinal, a poesia pode
incitar as paixões e subjugar a razão e não é um caminho para a verdade.
5) Apresente uma possível refutação que Aristóteles indicaria ao Platão no
que diz respeito a sua concepção de poesia.
Ao contrário de Platão, a poesia para Aristóteles chega a ter afinidades com a
filosofia, como visto neste trecho:
Pelas precedentes considerações se manifesta que não é ofício
de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que
poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a
verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não diferem o
historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (pois que
bem poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto, e nem
por isso deixariam de ser história, se fossem em verso o que
eram em prosa) – diferem, sim, em que diz um as coisas que
sucederam, e outro as que poderiam suceder. Por isso a poesia
é algo de mais filosófico e mais sério do que a história, pois
refere aquela principalmente o universal, e esta o particular. Por
‘referir-se ao universal’ entendo eu atribuir a um indivíduo de
determinada natureza pensamentos e ações que, por liame de
necessidade e verossimilhança, convêm a tal natureza; e ao
universal, assim entendido, visa a poesia, ainda que dê nomes
às suas personagens; particular, pelo contrário, é o que fez
Alcibíades ou o que lhe aconteceu. (p. 42)
O trecho acima demonstra, de forma sutil, que Aristóteles poderia opor à Platão
que a poesia está a três graus de distância da verdade, em virtude de ser uma
mímesis, pois por se tratar de uma representação do verossímil e necessário,
aduz raciocínios em relação aos eventos que poderiam acontecer, e isso a põe
em busca de tipos universais do mesmo modo que a filosofia.
Resumo

A CRÍTICA DE PLATÃO À POESIA DE HOMERO

Platão em sua obra “A República”, especificamente no Livro III e X, tratará a


respeito da educação dos guardiões e realizará uma crítica às artes miméticas.

Em sua polis, Platão expulsa os poetas e recusa todos os prazeres advindos da


mímesis, pois para ele os valores relativos ao prazer da poesia são deixados de
lado, em favor dos valores pedagógicos.

Platão tece críticas em relação aos trabalhos dos poetas, dentre eles Homero e
Hesíodo, no diálogo A República. Logo no inicio do Livro X, Platão refere-se à
poesia Homérica. Ele afirma: “Nosso Estado possui muitas características que
me certificam que estávamos totalmente certos em fundá-lo e organizá-lo como
fizemos. Quando afirmo isso, refiro-me particularmente a poesia” (PLATÃO,
2012, p. 397).

Gláucon pergunta por que a poesia. Como resposta, Platão diz que, por se tratar
de imitação, a poesia deveria ser “completamente abolida”. Segundo este, a
poesia desperta sentimentos e não contribui para o desenvolvimento da
razão; logo, uma cidade ideal jamais poderia ser formada por poetas.

“Toda essa poesia provavelmente distorce o pensamento de qualquer pessoa


que a ouça, a menos que possua o conhecimento de sua verdadeira natureza
que atue como um antídoto” (PLATÃO, 2012, p. 397). Platão alegava que os
gregos não seriam capazes de distinguir a ficção da falsidade. Dessa forma,
aceitam a poesia como verdade absoluta permitindo que a mesma destrua a
inteligência, pois é uma enfermidade para a alma, um veneno ao intelecto e
inimiga da verdade; portanto, é um perigo moral, bem como, intelectual a todos
os indivíduos.

“Um certo amor e respeito que tenho por Homero desde criança me deixa
hesitante quanto a falar. Ele parece ter sido o primeiro mestre e guia de todos
esses belos trágicos” (PLATÃO, 2012, p. 397). No entanto, Platão afirma que a
poesia desenvolve a pior parte da alma do homem, levando-o a se
distanciar da razão e das ideias perfeitas, bem como da justiça e do belo.
Na seqüência, sobre a poesia Platão conclui: “Atingimos um consenso sobre os
imitadores” (PLATÃO, 2012, p. 401). Aqui Platão classifica o poeta como um
enganador, profanador de mentiras e ilusões.

É clara a aversão de Platão em relação à poesia, mesmo tendo grande


admiração por Homero e toda a sua influência. Aquele não hesitou em
desmoralizar e classificar a poesia de Homero como “imitação de aparências”.
Dessa forma, Platão conclui que “a imitação está muitíssima distanciada da
verdade, uma vez que toca somente uma pequena porção de cada coisa, parte
essa que é ela própria apenas uma imagem. E isso, parece, é a razão de poder
ela produzir tudo” (PLATÃO, 2012, p. 401-402).
Para Platão (2012), a poesia pode iludir crianças, bem como, pessoas tolas.
Segundo o filósofo, é necessário que se saiba distinguir o conhecimento da
ignorância e da imitação para se alcançar o verdadeiro conhecimento do
Imutável.

Dessa forma, o autor coloca a poesia num plano inferior à filosofia. “Dizem que
se um bom poeta produz boa poesia, é forçoso que conheça as coisas sobre as
quais escreve, caso contrário seria cabalmente incapaz de produzi-la” (PLATÃO,
2012 p. 402).

Platão acusava os poetas de não possuírem conhecimento daquilo que faziam.


Eles apenas imitavam algo já existente, sem nenhuma preocupação e
comprometimento com a verdade, apenas com objetivo de emocionar a platéia.
Principalmente “no que toca as coisas mais importantes e mais belas sobre as
quais Homero se empenhou em falar” (PLATÃO, 2012, p. 403). Dessa vez,
Platão se refere aos poetas e rapsodos que andavam por toda a Grécia entoando
e recitando os poemas de Homero, para Platão essa poesia não acrescentaria
em nada para o desenvolvimento do Estado e não seria essa ideal para a
formação do homem. Platão diz que não foi capaz de educar pessoas, pois não
detinha o conhecimento.

Para ele, um imitador não possui nenhum conhecimento valioso daquilo


que imita. Sendo assim, o autor diz: “Então a imitação é algo inferior que
se associa a outra coisa inferior para gerar um produto inferior” (PLATÃO,
2012, p. 409). Para Platão, a poesia não poderia contribuir para a formação do
homem, pois é uma imitação da imitação, assim como o pintor que se inspira em
algo para produzir seu quadro. A poesia é construída com fundamentos no que
já aconteceu. Sendo esta uma imitação, logo não contribuirá de maneira positiva
na formação do homem idealizado por Platão.

O poeta cria sua poesia baseada em alguma coisa, seja um objeto ou um


personagem. “Como o pintor, suas criações são inferiores sob o referencial da
verdade e recorrem a uma parte da alma que é, analogicamente, inferior e não
a melhor parte” (PLATÃO, 2012, p. 412). Sendo assim, despertando e
alimentando a pior parte da alma do homem, a poesia destrói a parte superior
da alma, parte racional. Com isso, o Estado também será destruído, pois a
poesia qualificará os piores para governar.

Percebe-se que Platão não aceita que o indivíduo seja formado pelos
poetas, pois a poesia destrói o racional do homem e, conseqüentemente,
destrói a melhor espécie de cidadãos, já que não possuem conhecimento
do que fazem e não conhecem a essência daquilo que imitam. Eles se
preocupam somente com a aparência, prejudicando a alma dos ouvintes e,
por isso, deveriam ser expulsos da cidade.

Platão ao fazer essa repreensão severa com a poesia homérica tinha como
objetivo idealizar um sistema educacional perfeito e para que isso se efetivasse
a poesia trágica deveria ser totalmente eliminada.
De acordo com Haverlock (1996), na obra Prefácio a Platão livro X da República,
identifica-se que Platão trata da questão da poesia fazendo uma comparação
entre o poeta e o pintor. Para Platão, o artista produz uma versão da experiência
a qual esta afastada da realidade. Com base nessa tese, os maiores poetas
gregos, “de Homero a Eurípedes, devem ser excluídos do sistema educacional
da Grécia” (HAVERLOCK, 1996, p. 20).

Entretanto, em Platão a arte é uma forma de conhecimento a qual não melhora


o homem, ela corrompe, pois é mentirosa e não educa, enfim, ela deseduca.
Segundo Platão, a arte se volta para a parte inferior da alma, ou seja, para o
irracional. No poeta não há virtude, uma vez que a virtude deriva do
conhecimento. Ignora totalmente a razão do que faz e não sabe ensinar o outro
aquilo que faz. A poesia esta a três graus de distância da verdade, por isso é
inferior à filosofia.

Platão divide, assim, a realidade em dois universos distintos: o inteligível e o


sensível. O primeiro contém as formas puras, as essências e o fundamento da
existência dos seres do segundo. Assim, tanto os seres da natureza quanto os
homens são cópias sensíveis de modelos originais inteligíveis.

É a partir disso que Platão faz sua crítica à arte. Cada ser particular participa das
ideias (a participação é a relação entre o todo e as partes) sem se confundir com
elas, que são, pois, absolutas. O mundo é uma cópia do real e esse afastamento
do verdadeiro já é uma Dessemelhança, ainda que natural. Entretanto, Platão
julga a arte como imitação, capaz de enganar, uma vez que a realidade sensível
já é uma imitação do inteligível. A arte afasta ainda mais do real, pois imita a
cópia. A imitação da cópia é o que Platão chama de Simulacro, que introduz
uma desmedida maior do que a própria existência do mundo natural. Por isso
Platão rejeita a arte em seu estado ideal, querendo, com isso, substituir a Poesia
pela Filosofia.

De acordo com Havelock (1996), nota-se que, para Platão, o teatro é visto como
“tragédia”, uma vez que representa a arte dramática. O teatro define seu ataque
como “ações forçadas ou voluntárias, e que, em conseqüência de as terem
praticado, pensam ser felizes ou infelizes, afligindo-se ou regozijando-se em
todas essas circunstancias” (HAVELOCK, 1996, p. 24).

Observa-se que os ataques de Platão em relação à poesia não estão só no Livro


X da República. Ele já cita em seu prefácio a poesia “de caráter mimético”. No
livro III da República, “Esse ataque iniciaria antes do fim do Livro II, quando
Platão propôs um programa de censura severa e radical dos poetas gregos
passados e presentes” (HAVELOCK, 1996, p. 26).

Há um tipo de poesia e fabulismo que emprega imitação somente – a tragédia e


a comédia, como dizes. Um outro tipo emprega somente a narração feita pelo
próprio poeta – o que encontras maximamente nos ditirambos; um terceiro tipo
utiliza ambas, como na poesia épica e muitos outros casos. (PLATÃO, 2012, p.
130).
Sobre a crítica de Platão a tradição educacional da Grécia Antiga Haverlock
descreve:
Trata-se de uma acusação à tradição e ao sistema educacional gregos. As
principais autoridades citadas como responsáveis por esse tipo de moralidade
questionáveis são os poetas. Homero e Hesíodo são mencionados e citados,
dentre outros. Conseqüentemente, a República estaria se colocando claramente
um problema que não é tanto filosófico no sentido restrito do termo quanto social
e cultural. Ela questiona a tradição grega como tal e as bases sobre as quais se
construiu (HAVERLOCK, 1996, p. 28).

Para Platão, a poesia tradicional oferecia pouca orientação moral, além de ser
um perigo, pois a repetição influenciaria as mentes jovens à imitação. A poesia
é classificada em três grupos: “ou ela narra o que está ocorrendo, pela própria
boca do poeta, ou dramatiza o que está ocorrendo deixando que os personagens
em pessoa falem, ou utiliza ambos os modos” (HAVERLOCK, 1996, p. 26).

Para o autor, a preocupação de Platão em relação à poesia está direcionada


a repetição, bem como a imitação das coisas que acabam influenciando as
mentes dos jovens, pois os escritos de Platão são voltados para a razão e
buscam a verdade. Para o autor, a poesia não seria capaz de alcançar essa
verdade absoluta e ainda como disciplina educativa apresenta um perigo moral
e intelectual. Dessa forma, a poesia não poderia fazer parte da formação do
homem, segundo Platão. Assim, seu ataque volta-se para a forma e para a
essência do discurso poético, suas imagens, seu ritmo, sua qualidade como
linguagem poética, pois descreviam principalmente o comportamento de deuses
e heróis, aos quais os gregos nutriam respeito e admiração desde a infância.

4.1CRÍTICA AO COMPORTAMENTO DOS DEUSES.

Na República pode-se notar a critica que Platão faz aos deuses e a mitologia
grega. Os deuses estavam presentes, cada um com sua especificidade e
percurso histórico, tais histórias faziam parte de toda a Grécia. Havia um deus
responsável para cada área da vida humana, esses deuses surgiam à medida
que os gregos buscavam um sentido para a vida num mundo totalmente mutável.
Portanto, para Platão essa influência dos deuses na formação do homem grego
não significava algo saudável para a alma do indivíduo.

Com isso, Platão começa a selecionar as fábulas contadas as crianças, para que
não cresçam acreditando em falsas crenças em suas almas;
Consequentemente, teremos de, antes de mais nada, supervisionar os
contadores de histórias e executar uma censura de suas histórias. Faremos uma
seleção de fábulas, aprovando as boas ou belas e rejeitando as que não são.
Convenceremos, em seguida, as amas e mães a contar as suas crianças às
fábulas que selecionamos, uma vez que elas moldarão as almas de suas
crianças por meio de histórias bem mais do que os corpos dessas manuseando-
os. Muitas das fábulas que lhes contam agora, entretanto, tem de ser rejeitadas
(PLATÃO, 2012. p. 105).

Platão se refere às histórias contadas por Homero, alegando serem falsas e


imitativas, sem nenhum beneficio a contribuir para a educação da alma.
“Digamos, quando o mito exprime uma imagem negativa da natureza dos deuses
e heróis, como um pintor cujas pinturas não têm semelhança com seus modelos”
(PLATÃO, 106), corrompem-se as almas que ouvem tais impropérios.
Platão se preocupava com a formação dos jovens e os mesmos não poderiam
ouvir as histórias que ele considerava falsas, admitindo que as mesmas
passavam uma imagem negativa a quem as ouvia. O autor, referindo-se
diretamente a Hesíodo: “conta como Urano se comportou, como Cronos o
castigou por isso e como esse último, por sua vez, foi punido por seu próprio
filho. Mesmo que fosse verdadeiro, devia passar em silêncio e não ser narrado
[leviamente] a jovens tolos” (PLATÃO, 2012, p. 106). Portanto, Platão condena
a história contada por Hesíodo aos jovens alegando que é falsa e corrompe a
mente dos jovens, a imitação afasta- os da verdade, logo, afasta-os também do
conhecimento.

No livro III da República, argumenta sobre a necessidade de selecionar os


poemas aos futuros guardiões, concebendo que nem todos eram positivos na
formação das crianças. Muitos poderiam confundi-los negativamente
conduzindo-os a outros caminhos distantes da verdade.

Tais, portanto, observei, são os tipos de histórias ou fábulas que julgo os futuros
guardiões deveriam e não deveriam ouvir a respeito dos deuses desde sua
infância, se pretendemos que honrem aos deuses e aos pais e não tenham a
amizade deles nivelada com outras em baixa estima (PLATÃO, 2012, p. 117).

Platão se refere a histórias temerosas sobre a morte. Essas seriam eliminadas


por não ser benéficas aos futuros guerreiros. “Pediremos a Homero e aos outros
poetas que não fiquem zangados se eliminarmos essas passagens e todas as
semelhantes” (PLATÃO, 2012, p. 119).

Platão se dirige aos poetas, afirmando que transmitem medo da morte:


“Não é que não sejam poéticas nem agradáveis à maioria dos ouvintes,
mas quanto mais poéticas forem menos convenientes serão aos ouvidos
de crianças e homens que se supõe sejam livres e temam a escravidão
mais do que a morte” (PLATÃO, 2012, p. 119). Seguindo a linha de
pensamento do autor, nota-se que o mesmo se refere às histórias narradas,
classificando-as como sendo mentirosas e ilusórias.

No Estado perfeito Platão não reconheceu os contos alegóricos, proibindo


que os guardiões ouvissem essas histórias as quais chamou de
problemáticas “não deveremos admitir história alguma sobre deuses que
guerreiam, que lutam e fazem ou fazem intrigas e conspirações entre si,
pois tais histórias não são verdadeiras” (PLATÃO, 106).

Segundo Platão, tais histórias explicitam a batalha de deuses e exerciam o ódio


contra suas próprias famílias. “Os jovens não são capazes de distinguir o que é
alegórico do que não é, e as opiniões que absorvem na sua idade são de difícil
eliminação e tendentes a se manter inalteradas” (PLATÃO, 2012, 106). Por isso,
o cuidado com as primeiras histórias a serem contadas deveria compor em si
reflexões a respeito da virtude.
Sempre que quem quer que seja disser tais coisas sobre um deus, nos
indignaremos com essa pessoa, lhe recusaremos um coro e não permitiremos
que sua poesia seja utilizada na educação dos jovens, de modo que nossos
guardiões serão tão tementes dos deuses e semelhantes a esses quanto o
possam ser seres humanos (PLATÃO, 2012. p. 116).
No entanto, essa preocupação de Platão com a formação dos futuros guardiões
do Estado perfeito se dava pelo fato de que julgava necessário ensinar desde a
infância sobre a virtude, afastando as lamentações sobre a morte.

Solicitaremos a Homero e aos outros poetas para que não representem Aquiles,
o filho de uma deusa... Deitado ora de lado, ora de costas, ora novamente de
bruços, depois se levanta e se põe a perambular distraidamente por um caminho
ou outro da praia do mar infecundo (PLATÃO, 2012. p. 120).

Tais passagens Platão julga que Homero não deveria descrever, pois levaria os
jovens a sofrimentos desnecessários e insignificantes. Então sugere que não se
aprove a poesia de Homero nem o próprio poeta quando se referir aos deuses
nestes termos: “E um riso inextinguível irrompeu entre os deuses bem-
aventurados ao verem Hefaístos coxeando [ao mover-se] pela sala” (PLATÃO,
2012. p. 122).

Compreende-se que a crítica que Platão direcionou a poesia de Homero


tem forte relação com seu projeto de estado ideal e que a forma com que a
poesia apresentava os deuses se tornava um problema essencial da
educação. Assim se a Grécia antiga quisesse transformar-se em correlato
de areté e eudaimonia deveria certamente abolir a influência dos poetas
que relatavam ações divinas como meros correlatos da ambição humana.
Autor: Aristóteles
Tema: Arte

Resumo das Palestras do Curso de Estética de Oxford pelo professor


James Grant

⁃ Aristóteles

A Poética é uma obra fragmentária de Aristóteles. Ou seja, originalmente


possuía mais partes do que dispomos atualmente. Temos razões para acreditar
que discorria também sobre a comédia. A parte de que dispomos trata,
principalmente, da tragédia e um pouco da comédia e do épico. Sua escrita não
é muito boa e acredita-se que se trate de notas de palestras dadas por Aristóteles
em seu Liceu.

Em primeiro lugar, trataremos sobre como a poesia se originou. Depois,


definiremos alguns dos gêneros de poesia, identificando os seus principais
elementos, partes e espécies. E diremos o que faz de um poema um bom poema.
Por fim, elencaremos alguns dos gêneros de poesia e diremos que a tragédia é
uma forma artística superior ao épico. A composição da poesia (elementos,
partes e espécies) e a apresentação de todos os seus tipos não serão tratados
aqui.

A abordagem de Aristóteles está consoante ao que ele denomina de


quatro causas, que são 4 tipos de explicações que se podem oferecer sobre um
fenômeno. A primeira delas é explicar o fenômeno pela sua origem, a chamada
causa eficiente, que consiste em explicar, por exemplo, que há uma cratera em
tal região porque um meteoro a atingiu algum tempo atrás. A segunda forma é
explicar a essência de algo, ou a causa formal, que consiste em explicar que
uma forma tem ângulos internos que somam 180 graus, porque é um triângulo.
Em terceiro lugar, explica-se o propósito, ou causa final, que consiste em explicar
que uma superfície é afiada, porque serve para o corte. Por último, explica-se a
constituição material da coisa, ou causa material, que consiste em dizer que um
objeto conduz eletricidade porque ele é um metal, e metais conduzem
eletricidade. Na Poética, pelo menos as 3 primeiras causas estão presentes na
explicação da poesia.

Primeiro, abordemos como se origina a poesia de forma geral. Como


primeira causa, temos a nossa propensão natural a imitar os outros. É também
através dessa propensão à imitação que adquirimos o conhecimento. Se, em
Platão, há um rebaixamento do caráter epistêmico da arte, pois, para ele, a arte
é cópia das cópias, em Aristóteles, no entanto, o impulso da imitação, que
garante as primeiras bases do conhecimento nas crianças, por exemplo, e que
nos caracteriza enquanto seres humanos, é também o fundamento que nos
permite criar a arte. Isso porque a imitação é vista como o primeiro passo para a
aprendizagem.
A segunda causa da poesia é o prazer que obtemos a partir de sua
contemplação e imitação. Aristóteles diz que nós, inclusive, apreciamos imagens
que representam fenômenos que, em si mesmos, nos causam desconforto,
como as imagens de cadáveres. Aristóteles associa isso ao nosso impulso por
conhecimento, que nos permite aplicar a razão e o entendimento às imitações e
nos faz capazes de diferenciar, na representação do cadáver, por exemplo, a
forma, as posições relativas dos olhos e do nariz desses cadáveres e obter
prazer dessa apreciação.

Quanto aos diferentes gêneros de poesia, temos que qualquer gênero


de arte mimética pode ser definido através da identificação de 3 características.
Primeiro, que tipo de coisa ela representa. Em Aristóteles, a palavra ‘mimésis’
tende a significar ‘representação’, de uma forma muito mais clara do que era
entender esse termo em Platão. Em segundo lugar, é necessário identificar qual
o material ou meio utilizado pela arte para representar o seu objeto. E, por último,
deve-se identificar como a arte usa o seu meio específico para representar o seu
objeto.

Nesse sentido, Aristóteles nos fornece a sua definição de tragédia.


Como objeto, a tragédia representa uma ação grave, completa e de certa
magnitude. Por grave, pretende-se dizer uma ação eticamente grave, como a de
um indivíduo que assassina o seu pai e dorme com a sua mãe. Por uma ação
completa, dizemos uma ação cujo começo, meio e fim é representada. Por uma
ação de certa magnitude, dizemos uma ação que tem certa duração, ou seja,
não é instantânea.

O meio da tragédia é a linguagem, de forma falada metrificada e poesia


lírica. O seu modo é o da atuação dramática, que, por sua vez, remete à distinção
de Platão, no livro III da República, em que é falado sobre os modos de narrativa,
discurso direto/imitação, e uma mistura dos dois. Aristóteles está dizendo que
não é uma narrativa, é uma atuação dramática, ou seja, o que Platão descreve
como mímesis.

Agora, entraremos em uma discussão que causou grandes


controvérsias. Tendo dito sua definição de arte e fornecido os três elementos da
tragédia, Aristóteles adiciona algo. Essa adição consiste em dizer que o objetivo
da tragédia é de, através da piedade (piety) e do medo, produzir a catarse dessas
emoções. Essa palavra “catarse” foi, através dos tempos, traduzida com outros
significados. Em grego (e tal como utilizada por Aristóteles) ninguém sabe ao
certo o seu significado. Claramente, o autor está falando de forma metafórica e
está usando um substantivo, derivado de um verbo que, por sua vez, quer dizer
‘purificar’; só que o está aplicando às emoções. Assim, uma tradução literal seria
dizer que se trata de uma purificação de emoções.

A tentativa de interpretação dessa metáfora de purificação de emoções


foi tarefa assumida por muitos comentadores. Em verdade, portanto, é pouco
provável que saibamos com certeza o que Aristóteles queria dizer. Aqui,
tentaremos apresentar um panorama de algumas interpretações sobre a catarse.

Uma das coisas que chama a atenção é a possível resposta à Platão ao


se tratar sobre os efeitos emocionais da arte/poesia. E isso porque no restante
da Poética, Aristóteles não comenta muito sobre os efeitos emocionais da
poesia, em termos que poderiam satisfazer uma réplica à Platão. Portanto, é
provável que aqui ele esteja fazendo isso.

A primeira interpretação para essa purificação é de que, como as


emoções de piedade e medo são dolorosas, ao final da tragédia, o espectador
geralmente sente algum tipo de alívio e a dor se esvai. O que Aristóteles está
dizendo é que a purificação seria a remoção da dor das emoções de piedade e
medo. Isso se encaixa bem com o que é dito por Aristóteles, pois, como será
dito, ele pensa que a tragédia deve produzir um prazer derivado da piedade e do
medo. Portanto, é possível que esse prazer advenha do alívio dessas emoções.

Uma forma de objeção a este argumento é dizer que não parece que a
dor seja uma impureza na emoção de piedade e de medo, pois essas emoções
são dolorosas na sua essência. Tal como Aristóteles concebe a tragédia, os
acontecimentos por ela descritos devem despertar emoções dolorosas.
Atualmente, essa posição não é mais defendida.

A interpretação que tem obtido mais aceitação é a de um filósofo


chamado Jacob Bernay, do século XIX, da qual a catarse deve ser entendida
como uma metáfora de purgação. A palavra “catarse” era utilizada no contexto
médico para significar a purgação de fluidos vulnerantes do corpo. Logo, uma
purificação do corpo. Bernay, em defesa dessa tese, indica outras passagens,
de obras de Aristóteles, em que o autor fala da catarse de forma mais detida.

Na Política, Aristóteles diz:


Já que aceitamos a classificação das melodias feita por alguns
filósofos, ou seja, melodias de efeito moral, de efeitos práticos e
inspiradoras de entusiasmo, distribuindo as várias harmonias
entre estas classes de melodias como sendo naturalmente afins
a uma delas, diremos que o emprego da música não se limita a
uma única espécie de utilidade, e que, ao contrário, deve haver
muitas. Com efeito, ela pode servir à educação e à catarse – no
momento usamos o termo ‘catarse’ sem maiores explicações,
mas voltaremos a discutir mais claramente o significado que lhe
atribuímos [essa explicação nunca foi dada] – e em terceiro lugar
ela serve de diversão, atuando como relaxante de nossas
tensões e aliviando-as.
É evidente que devemos usar todas as harmonias, sem todavia
empregá-las de maneira idêntica, e sim recorrendo às de efeito
moral para fins educativos e às de efeitos práticos e inspiradoras
de entusiasmo para audição quando executadas por outros.
Esta predisposição a ser afetado pela música, tão intensa em
certas pessoas, existe em todas elas, e só difere para menos ou
para mais – por exemplo, a piedade, o temor e também o
entusiasmo são manifestações dela; de fato, algumas pessoas
são muito susceptíveis a estas formas de emoção, e sob a
influência da música sacra vemo-las, quando ouvem melodias
que lhes excitam a alma, lançadas num estado semelhante ao
dos doentes que encontram um remédio capaz de livrá-los de
seus males; a mesma sensação devem experimentar as
pessoas sob a influência da piedade e do terror e as outras
pessoas emotivas em geral, na proporção em que elas são
susceptíveis a tais emoções, e todas devem passar por uma
catarse e ter uma sensação agradável de alívio; da mesma
forma as melodias catárticas proporcionam um sentimento de
prazer sadio aos homens.
Bernay, portanto, acredita que se deve utilizar essa passagem para ter
uma ideia do que a Poética está dizendo. Para ele, a catarse não se trata da
purgação das emoções em si mesmas, mas da inclinação em senti-las. É como
se a catarse proporcionasse a purgação da inclinação de sentir essas emoções,
amenizando essa tendência ao provocar a ocorrência desses sentimentos
através da tragédia. Para Bernay, isso estaria em consonância com a passagem
acima da Política.

Uma implicação dessa interpretação de Bernay é que faz parecer que a


utilidade da catarse seria apenas sobre as pessoas super-emotivas. Dessa
forma, não faria sentido Aristóteles incluir essa argumentação na utilidade da
tragédia de forma geral e, até, incluir na própria definição de tragédia, pois a sua
utilidade seria apenas para alguns da espécie humana. Para contornar essa
objeção se poderia dizer, em lugar, que a catarse é a purgação das emoções de
piedade e medo, e não da inclinação para essas emoções típica das pessoas
super-emotivas. Assim, as demais pessoas também estariam incluídas na
utilidade catártica da tragédia.

Por último, a catarse pode ser vista como uma espécie de clarificação
ou educação das emoções. Para esse sentido, é possível apontar que o ideal de
pessoa virtuosa, em Aristóteles, englobava a habilidade de sentir as emoções
certas em relação aos objetos adequados, em níveis adequados e em momentos
convenientes. Portanto, a catarse se referiria a uma espécie de educação dos
sentimentos. Nesse aspecto, o herói trágico seria, de fato, uma figura
merecedora da piedade dos expectadores. Por outro lado, a tragédia
representaria acontecimentos genuinamente aterrorizantes. Assim, essa arte
nos educaria a sentir as emoções certas pelos objetos adequados, como se
fosse através de um treinamento. Esse ponto de vista serve como uma resposta
à Platão e sua ideia de censura às artes. E, no mesmo sentido, o prazer advindo
da contemplação da tragédia poderia ser explicado, pois ao educarmos nossas
emoções, o prazer daí advindo seria derivado de uma contemplação que produz
os sentimentos adequados aos seus objetos.

Uma pequena objeção a esse ponto de vista é que Aristóteles, no trecho


citado da Política, lista, ao lado de “catarse” o próprio termo “educação”, o que
dá a entender que, caso se opte por uma interpretação mais estrita do texto, a
‘catarse’ não poderia ser entendida como um tipo de educação, já que ela vem
listada ao lado desta no texto do filósofo.

Até aqui vimos questões que surgem da consideração da tragédia,


quase todos repousando sobre o conceito de catarse. Passemos, agora, à
discussão sobre o que faz de um poema um bom poema.

Em Platão, vimos que há uma distinção sobre a poesia ser algo bom ou
não. Aristóteles, ao contrário, se pergunta sobre quando o poema é um bom
poema. Essas não são exatamente as mesmas questões. Por exemplo, nós
poderíamos concordar sobre quais são os métodos de tortura mais eficientes,
enquanto, ao mesmo tempo, poderíamos discordar sobre a tortura em si ser uma
coisa boa.

De forma análoga - mas menos dramática -, Platão poderia concordar


sobre os qualitativos de uma boa poesia, mas discordar sobre a existência da
poesia. Ressalte-se, no entanto, que Platão não está totalmente alheio aos
critérios de uma boa poesia. Na obra Leis, Platão alega que boa poesia só o é
aquela que representa as coisas corretamente e que tem um valor moral, e o
prazer que ela gera é irrelevante. A razão para esta última afirmação é a de que,
se a poesia não fosse uma arte mimética e não produzisse nenhum mal, nós só
então poderíamos julgá-la pelo fato dela produzir prazer ou não. Mas, por ser
uma arte representativa, devemos julgá-la pelo fato de representar
verdadeiramente ou não seus objetos.

Aristóteles, por outro lado, diz que a boa poesia deve representar, de
forma plausível, o que o poeta pretende representar. Como corolário dessa
afirmação, temos que não é necessariamente uma falha o fato de um poema não
representar as coisas como elas, de fato, são, ou que ele represente ações
imorais. Para Aristóteles, por exemplo, é apropriado que a poesia represente as
coisas como elas um dia foram (há o exemplo da representação dos costumes
militares tal qual foram um dia), ou como elas devem ser (o exemplo da obra de
Sófocles), ou dado que não exista uma melhor forma de provocar as emoções
adequadas ao gênero artístico em questão. Todas essas são maneiras
aceitáveis de representação artística, apesar de não representar as coisas como
elas de fato são. Feitas essas ressalvas, Aristóteles diz que os poetas não
poderiam representar as coisas como elas não são. Por ser uma restrição muito
frouxa, parece que não há, realmente, problema em representar as coisas como
elas não são, ou coisas imorais, mas apenas em representar as coisas de forma
implausível.

A boa poesia é a que produz emoções adequadas ao seu gênero.


Portanto, há emoções apropriadas para a comédia, para a tragédia, etc. Essa
característica da poesia é muito importante, pois ela pode relativizar o peso de
outros critérios de boa poesia.

Veremos agora a aplicação desses critérios à tragédia. O critério da


plausibilidade se aplica à tragédia no que diz respeito à obra apresentar uma
sequência provável ou necessária de eventos. Em uma passagem, Aristóteles
diz que a poesia trata de universais, o que quer dizer que ela representa tipos
gerais de pessoas, de ações, etc. Por exemplo, há uma peça chamada Mercante
de Veneza, na qual é apresentado um personagem judeu e ambicioso, e que foi
muito criticada. Em nenhuma das defesas dessa obra, tenta-se justificá-la
dizendo que a obra não está dizendo que os judeus são ambiciosos, mas apenas
que aquele único personagem é ambicioso e, por acaso, judeu. O motivo de não
defendermos a obra assim – e é possível defendê-la de outras formas -, é porque
acreditamos que há uma afirmação implícita do seu autor que aponta, a partir do
personagem judeu ambicioso, para um tipo “judeu ambicioso” que representaria
todos os judeus.
É interessante pensar, também, em que medida esses tipos são
representados pelos particulares apresentados pelas obras artísticas, pois se a
obra acima citada representasse uma pessoa de 1,82 m que é também
ambiciosa, é pouco provável que fosse acusada de estar afirmando que pessoas
com altura são geralmente ambiciosas.

De qualquer forma, Aristóteles parece estar correto ao dizer que os tipos


são representados nas obras artísticas. Uma das formas de indicar isso é através
de seu mecanismo de produção. Para que um artista faça uma peça, ele deve
ter um conhecimento geral sobre como é (ou como ele acredita que seja) certo
tipo de pessoa e como ela reagiria em certas circunstâncias, pois o autor
pretende fazer um retrato plausível de uma sequência de acontecimentos.
Portanto, quando vemos um personagem agir, estamos justificados em inferir
que a sua atitude se baseia na convicção de plausibilidade sobre aquele tipo de
pessoa que quem criou o personagem acredita. Ademais, essa é uma maneira
de relacionar a alegação de que a tragédia deve apresentar uma sequência
plausível de eventos com a alegação de que as obras artísticas tratam de tipos
universais.

Aristóteles afirma, ainda, que a poesia se inclina mais à filosofia que a


história, pois a história apenas se preocupa com particulares. Isso parece
também se dirigir à Platão. Da mesma forma que o empírico sabe que certa raiz
recuperou a febre de fulano e de ciclano, ao mesmo tempo que não sabe como
isso aconteceu, mas apenas aquele que consegue formular um universal sobre
a quem essas raízes fariam bem; a história poderia ser comparada com a
filosofia, pois a primeira trata apenas do particular, e a segunda, do universal.
Essa é uma resposta um tanto sutil à Platão sobre o caráter epistemológico da
poesia.

Agora falaremos sobre o prazer resultado da tragédia. Um dos motivos


que Aristóteles pensa que a tragédia é uma boa arte é pelo prazer derivado das
emoções (medo e piedade) que esse gênero artístico produz. Rigorosamente,
Aristóteles não fala muito sobre o prazer derivado dessas emoções, mas mais
sobre como deve ser o herói trágico e dá dicas de enredos para as obras desse
tipo. Um problema com isso é que não é respondida a questão sobre como
emoções essencialmente dolorosas podem fazer surgir o prazer. E esse é um
problema não restrito à tragédia, já que também gostamos de filmes de terror,
por exemplo.

Uma das respostas tentadoras é o apelo à catarse. Assim, portanto, o


prazer derivado dessas emoções é igualado com a catarse, qualquer que seja o
conceito de catarse utilizado.

Muitas outras respostas foram dadas a essa questão. Hume, por


exemplo, em um ensaio chamado Of Tragedy, dá uma solução peculiar a esse
problema. Para ele, há vários elementos prazerosos na tragédia. A habilidade
com a qual o artista representa o que ele representa, a beleza da linguagem, a
força de expressão e a imitação, são exemplos. Na tragédia, para Hume, o
prazer derivado desses aspectos é superior às emoções de piedade e medo.
Portanto, assim entendida a tragédia, a dor dessas emoções se converte em
prazer. Um dos problemas com essa visão é que parece desconsiderar o aspecto
doloroso da tragédia.

Um outro filósofo fornece uma visão sobre esse aspecto prazeroso. Para
ele, por sabermos que se trata de uma obra de ficção, o nosso medo e a nossa
dor são superados. E, também, no caso da tragédia, nós gostamos de nos
identificar com os personagens superiores, como os heróis trágicos.

Uma das outras visões sobre essa dualidade do prazer e da dor está em
afirmar que nós sentimos prazer por sentir a emoção dolorosa da piedade, pelo
prazer que se deriva de nos identificarmos como sujeitos compassivos, que são
capazes de se identificar com os outros. Uma das objeções a essa visão é que
não parece ser esse o motivo de sentirmos prazer por meio dessas emoções.
Outra objeção é que essa alegação pode explicar o prazer de emoções como a
piedade, mas não explica emoções como o medo, pois parece não haver um
prazer associado ao fato de nos descobrirmos capazes de sentir medo em certas
situações. De todo modo, essas duas objeções parecem indicar algo subjacente,
que é o fato de o prazer derivado das emoções ser apenas auto-congratulatório
e não parece ser uma representação adequada da piedade o fato de considerá-
la auto-congratulatória.

A última visão apresentada é a de Malcom Bud. Malcom acha que a


questão deve ser reconcebida, pois ainda que a tragédia não produza as
emoções derivadas da piedade e do medo, há melhores razões para valorar a
experiência geral com a tragédia, do que o prazer recebido dela. Portanto,
parece ser uma representação inadequada a da valoração da obra apenas pelo
prazer que se deriva de sua contemplação. A pergunta, pois, deve ser: quais as
razões existem para valorizar a experiência da tragédia de modo geral? Fixar-se
no aspecto prazeroso ou doloroso é fixar-se apenas em um aspecto da obra.

Uma dessas razões gerais (um tanto aristotélica) é que a tragédia nos
permite adentrar de uma forma muito mais plena na mente das pessoas que
sofrem. Uma das razões para ser assim é que, por ser uma representação, ela
nos permite um certo distanciamento, que dá origem a uma apreciação e
compreensão maiores através da obra de arte, do que se fosse algo
efetivamente acontecendo conosco.

Outro fator a ser levado em conta, é que a tragédia geralmente


representa ações extraordinárias, as quais suscitam emoções superlativas, de
uma forma que não é tão comum acontecer ou de ver as pessoas reagirem.
Desse modo, poderíamos adentrar mais plenamente na mente das pessoas que
passam pelo que é retratado nas obras, mas pagando o preço d também sofrer
as emoções que nos suscitam. Por fim, essa experiência seria valorizada porque
valorizamos um outro aspecto, a verdade – ou seja, valorizamos saber como
realmente seria se o que está sendo representado acontecesse.
_____________________

Já para Aristóteles, esse modelo platônico é inútil e insustentável. Para ele, a


realidade é o sensível e “o ser se diz de várias maneiras”. Quer dizer que se
denominam os seres sempre em relação a uma categoria e a um gênero
universal abstraído dos seres particulares. A imitação, pois, torna-se até benéfica
porque representa uma composição de narrativas que mostram experiências
possíveis. A imitação tem um caráter pedagógico, pois que seu efeito (catarse)
promove uma identificação com o personagem, criando ou despertando
sentimentos que purificam e educam, caracterizando normas de ações.
Nesse sentido, diz-se que a experiência artística se apoia em situações que
possuem uma Verossimilhança, não com fatos ou atos reais, mas também com
os que são possíveis de acontecer, ou seja, que estão em potência. Aristóteles
utiliza a tragédia acima das outras formas de arte, porque ela trata dos dramas
humanos em que só os melhores conseguem ser felizes resolvendo tais dramas.
Portanto, enquanto a dessemelhança, ou melhor, a sua produção, afasta cada
vez mais do real, a verossimilhança (embora ontologicamente diferente) é a
possibilidade de se tornar uma realidade. A primeira deseduca, enquanto a
segunda prepara para a vida em comunidade, despertando sentimentos comuns
e universais.
Autor: Kant
Tema:

⁃ Kant

A crítica do juízo é dividida em duas grandes partes. Uma parte é sobre estética
(crítica do juízo estético) e a outra sobre filosofia da ciência (crítica do juízo
teleológico). Não comentaremos sobre a segunda parte, apenas a primeira.
Sobre a primeira parte, muitos assuntos são abordados, e aqui apenas
trataremos das seções de 1 a 40. Temas como a boa arte (fine art) e o gênio não
serão abordados, apesar de fazer parte dessa primeira seção da obra, por
motivos de tempo.

Kant é um autor muito difícil de ser lido. É importante notar os motivos por trás
dessa dificuldade.
Em muitas partes de sua obra, Kant aplica termos indistintos a coisas de
significados meramente semelhantes, sem atentar para as distinções
necessárias entre os objetos. O que mais se destaca, é que, muitas vezes,
sequer parece que o próprio autor está ciente dessas distinções. Então, é
importante lembrar dessa “tendência” kantiana ao fazer suas leituras.
Essa tendência deve ser ligada ainda a uma outra. A das considerações
arquitetônicas de sua obra filosófica. Ou seja, Kant tenta criar sistemas muito
elegantes, ordenados em grupos de 3 e 4 itens, de forma a melhor expor suas
visões. Muitas vezes, na tentativa de dar esse aspecto arquitetônico a sua obra,
ele distorce palavras ou as combina de formas um tanto curiosas.

Dito isso, é importante destacar que Kant tem uma terminologia própria muito
vasta. Sobre a estética em específico, devemos ressaltar que esta está
encaixada no restante do seu sistema filosófico, compondo apenas uma parte
deste último e em harmonia com todo o resto. Não é incompreensível a sua
estética sem o restante da sua filosofia, mas é de grande valia compreender suas
outras visões filosóficas para melhor compreender sua estética.

Hoje, portanto, discutiremos várias dessas informações relevantes sobre a obra


de Kant para melhor entender seus posicionamentos estéticos. Uma das
primeiras coisas a se notar ao se iniciar a leitura da Crítica do Juízo é o uso do
conceito de representação. Para Kant, uma representação é um item mental
dividido em dois tipos principais. O primeiro tipo são as intuições, e o segundo,
os conceitos (a palavra “intuição” nada tem a ver com o uso contemporâneo e
cotidiano do termo).
As intuições são representações de objetos particulares dados pelos sentidos
(com algumas exceções). Em sua maior parte, portanto, ao se falar de
representações, kant está falando de intuições.
O outro tipo principal de representação é o conceito. O que Kant quer dizer com
esse termo é o que geralmente designamos por ele. Trata-se de uma
representação geral, em oposição a uma representação particular (intuição). Por
exemplo, a ideia de cachorro, ou a categoria de cachorro, em oposição à imagem
(representação) de um cachorro específico (intuição particular). Portanto, o
conceito é a representação através da qual os objetos são pensados, em
oposição à representação através da qual os objetos nos são dados pelos
sentidos (intuição).

Outro termo importante a ser clarificado é o termo “a priori”. Kant, por exemplo,
acredita que vários conceitos e intuições são a priori. O conhecimento a priori é
aquele que não é justificado pelos sentidos. Portanto, há o conhecimento
empírico (justificado pelos sentidos), como o conhecimento de que está
chovendo lá fora, que é justificado pela nossa percepção de ver a chuva caindo;
e há o conhecimento a priori, que não é justificado pela experiência sensível. Por
exemplo, o conhecimento matemático e certos princípios da física (como todo
evento tem uma causa). Há duas formas de se identificar o que é conhecimento
a priori, que é através da universalidade e da necessidade. Universalidade quer
dizer quando sabemos que algo é sempre de tal modo, sem exceções e não se
pode saber aquilo através da experiência. Outra marca do conhecimento a priori
é a necessidade, que é quando sabemos que algo é de tal forma
necessariamente. Não podemos saber isso através da experiência. Pela
experiência apenas sabemos que algo é de tal modo, não que deve ser de tal
modo.

Na obra Crítica do Juízo, Kant primeiramente identifica certas particularidades


do que se denomina juízo estético, numa sessão denominada analítica do juízo
estético. E em seguida, Kant aponta uma característica enigmática dos juízos
estéticos. E boa parte da obra é uma tentativa de resolver esse ponto
problemático que deriva de sua caracterização dos juízos estéticos. Essa
resolução é dada na sessão chamada de dedução dos juízos estéticos.

Quando se fala em juízos estéticos, não se pretende falar apenas das coisas que
são belas, como naturalmente se deduz. Na verdade, para Kant, há pelos menos
3 tipos de juízos estéticos. O juízo de gosto (que dizem respeito à beleza); o juízo
do sublime; e o juízo do aprazível. O que torna todos esses juízos em juízos
estéticos é que eles possuem fundamentos subjetivos. São baseados em algo
relacionado ao sujeito (julgador), ao invés do objeto. Em cada um desses casos
os juízos se baseiam em sensações, ao invés de propriedades dos objetos.

O que pretendemos hoje é focar em algumas características dos juízos de gosto.


Ao reunir características dos juízos seremos capazes de resolver o problema
proposto por Kant, como faremos na próxima palestra. De acordo com Kant, são
apenas os juízos de gosto que colocam esse problema que carece de uma
solução. Os juízos do sublime, por exemplo, não necessitam de uma dedução
específica, por motivos que discutiremos na próxima palestra.

Juízos de gosto são juízos estéticos. O que significa dizer que são juízos
baseados no prazer. Como vimos em Hume, a beleza não é uma propriedade
do objeto belo. Hume ofereceu algumas argumentações em favor desse
posicionamento e Kant simplesmente assume esse posicionamento sem outras
explicações. Portanto, a beleza depende de uma sensação que o objeto nos
causa. E é por esse motivo que os juízos de gosto são juízos estéticos. Isso os
distingue dos juízos lógicos e teóricos.
Os juízos teóricos são possíveis mediante a conexão de percepções com
conceitos; os juízos estéticos, mediante a de percepções com sensações. Essa
identidade, estabelecida por Kant, entre a relação das percepções com os
conceitos e das percepções com as sensações é um tanto problemática, pois
em um nível intuitivo, não nos parece que sejam relações do mesmo tipo.

O segundo ponto fundamental é que não apenas os juízos de gosto são


baseados no prazer, mas eles não são baseados em conceitos. Os juízos de
gosto são baseados apenas no prazer, e em nada mais. Ou seja, nós não
fazemos esse tipo de juízo aplicando um conceito ou uma propriedade ao que é
dado no sentido. Por exemplo, não julgamos que algo é bonito a partir da
aplicação do conceito de o quão quadrado ou sobre como é a forma de um objeto
para que algo seja bonito. Nosso juízo de gosto não é baseado em nenhuma
aplicação prévia de um conceito. Portanto, não só não há um conceito de belo,
como ao se fazer um juízo sobre o que é belo, não aplicamos nenhum conceito
a ele, pois ele se baseia apenas no sentimento de beleza.

A argumentação de kant, nesse ponto, vai mais no sentido de sugerir que os


juízos desse tipo não se baseiam em conceitos, pois os prazeres em que se
baseiam, por sua vez, não se baseiam em conceitos.
Portanto, não obtemos o prazer derivado da apreciação de uma obra de arte em
função de uma certa propriedade conceitual que a obra possui ou demonstra,
mas é um prazer que está imediatamente conectado ao que é dado na intuição
- a representação. Ainda mais, você sente o prazer simplesmente porque você
dispõe da representação do objeto, e não porque ele possui uma tal ou qual
propriedade.
De fato, ainda que você saiba do que se trata o objeto que te causa um prazer
estético, você deve deixar essa consideração de lado. Kant dá o exemplo de um
botânico que dispõe de uma flor, e sabe que ela é o órgão reprodutor de uma
planta, não faz um juízo estético sobre a planta baseado nesse conhecimento.
O prazer estético pela flor não advém do fato dele identificá-la como o órgão
reprodutor de uma planta.

Para melhor entender esse ponto, Kant vai contrastar prazer na beleza, com
prazer no bom e prazer no agradável. Para julgar que algo é bom (útil), deve-se
saber se o objeto em questão é de fato o que ele deve ser. Por exemplo, se a
faca é de fato um objeto que corta. Para julgar algo como bom (útil), devemos
aplicar o conceito do que o objeto deve ser. Se ele é o que deve ser, então ele é
bom. Portanto, se você tem prazer no fato desse objeto ser útil para o que ele se
propõe, seu prazer deriva do conceito que você aplicou ao objeto. Isso é o que,
mais propriamente, se trata quando dizemos que o prazer é baseado em
conceitos. E, também, é exatamente o que o prazer derivado do belo não é.
Lembrando o caso do botânico, não há problema que você saiba qual a função
da flor para a planta, mas que o seu prazer em sua beleza não se deriva de saber
isso.

Se o prazer no belo é distinto do prazer no útil, veremos que ele é mais


semelhante do prazer no agradável. Para julgar algo agradável, como comida
apimentada ou algo como saúde, precisamos apenas considerar se o objeto nos
agrada, ou pelo menos não nos causa dor quando o experienciamos. Não
precisamos de reconhecer alguma propriedade da comida apimentada ou
categorizá-la como um tipo de comida, de forma a acharmos prazerosa. Basta
experimentarmos-na e a consideraremos prazerosa ou não.
Em contraste, caso você pretenda julgar se a comida apimentada é boa para
você, você terá que aplicar conceitos a ela. Por exemplo, os conceitos das
consequências que ela terá para você e para sua saúde pode fazer com que,
apesar de você a ache prazerosa, você não a ache saudável e, portanto, má
para você.

O prazer provindo do belo é singular. Isso quer dizer que o prazer que obtemos
a partir da apreciação estética de alguma coisa depende exclusivamente da
representação daquele objeto e não de qualquer generalização a partir daquele
objeto. Por exemplo, é possível dizer: “esta tulipa é bela”. Essa é uma afirmação
que constitui um juízo estético. Já a que diz “todas as tulipas são belas”, não
pode ser um juízo estético, pois é uma generalização.
Portanto, é muito importante ressaltar aqui, que um juízo estético não pode ser
qualquer juízo em que se atribui beleza a algo, pois isso pode ser feito,
inadvertidamente, a partir da generalização de um objeto, a qual, por sua vez,
não é a representação imediata de uma tulipa - muito menos na de todas as
tulipas (!). Além do mais, dizer que todas as tulipas são belas é julgar a beleza a
partir dos juízos de gosto anteriores; e o fato de se basear em juízos estéticos
não faz desse juízo (generalizante), um juízo estético. Na verdade, esse juízo do
exemplo é um juízo teórico.
Importante, também, ressaltar que Kant não está dizendo que não é possível
fazer esses juízos generalizantes, mas apenas que eles não são juízos estéticos,
mas juízos lógicos.

Segundo ponto para melhor aclarar esses juízos (e aqui acreditamos que Kant
está se dirigindo a alegações de Hume). Os juízos estéticos (of taste) não podem
ser demonstrados (proved). Hume sugere que é possível demonstrar que
alguém não tem um bom gosto a partir de princípios gerais. Por exemplo, Hume
diz que é possível demonstrar que um objeto que uma pessoa não acha bonito,
é porque a pessoa não tem um bom gosto, pois existem princípios gerais que
demonstram que o objeto é belo.
Kant se opõe totalmente a esse procedimento de Hume. Portanto, como seria
oferecer um argumento de que algo é belo? Como deveríamos proceder para
justificar um juízo estético? Deve-se tomar a seguinte forma:
1.a premissa: tudo com alguma forma x é belo.
2.a premissa: Este objeto tem a forma x.
Conclusão: Este objeto é belo.
Para Kant, esse procedimento não é possível. E a contemporaneidade talvez
deva um pouco dessa mesma postura à Kant. No entanto, muitos autores
tentaram fazer esse julgamento dessa forma, seja através de conceitos como o
do padrão áureo. Kant, no entanto, discorda disso. De novo, pela mesma razão
já expressa anteriormente, de que afirmar isso seria dizer que os juízos estéticos
são baseados em conceitos. Mas se os juízos estéticos são apenas baseados
no prazer, e não nos conceitos, então não é possível apontar leis gerais que as
coisas belas representem.

Kant também diz que os juízos estéticos não podem ser justificados pelos juízos
estéticos de outras pessoas. Todos os experts dizerem que algo é belo não dá
qualquer suporte para a afirmação de que algo é bonito (mais uma provável
afirmação contra Hume).
De fato, no entanto, Kant parece aceitar que o juízo estético de pessoas que, por
exemplo, são exímias apreciadoras de obras de arte oferece alguma base para
o argumento de que o juízo tem algum fundamento. Contudo, mais uma vez, é
imprescindível compreender que esse não seria um juízo estético em si mesmo,
apesar de ser uma afirmação sobre a beleza do objeto.

A próxima conclusão que Kant retira de sua argumentação é que o belo não é
um tipo de perfeição. O motivo para ele dizer isso é que, anteriormente em seu
século, alguns filósofos cristãos, como Cristian Wolf e outros, mantinham que,
quando percebíamos o belo, estávamos de alguma forma percebendo algum tipo
de perfeição. Kant diz que isso não é possível, pois para julgar que algo é perfeito
em algum aspecto, devemos saber que tipo de coisa o objeto é e quais os seus
propósitos/finalidades, para saber se ele cumpre essa finalidade, o que nos faz
ter que aplicar esses conceitos ao objeto.

A última conclusão de Kant nessa seção é que o belo não pode ser definido,
pelos menos caso você esteja utilizando conceitos de propriedades a partir das
quais deva categorizar o objeto de forma que ele seja considerado belo.
E, por fim, Kant diz que é possível se achar evidência empírica para o que os
povos de diferentes épocas consideraram bonitos, mas sem que isso seja um
juízo estético propriamente dito.

Dito tudo isso, Kant procede a uma distinção consistente com o alegado até aqui.
É a distinção entre a belo livre e o belo dependente. Quando se diz, por exemplo,
um belo guerreiro, um belo cavalo, belos seres humanos, o que se diz é que
esses objetos são representados de forma a se adequar as suas funções.
Guerreiros são desenhados de forma assustadora, os cavalos de forma a
demonstrar propriedades de que eles são bons de corrida. Tais objetos
combinam tanto o útil quando o belo. Aqui parece que Kant está fazendo uma
ressalva a sua ideia de que os juízos estéticos devem ser baseados apenas no
prazer.
As pessoas leram isso de muitas maneiras. Uma das maneiras de dizer que essa
não é uma ressalva de seu pensamento é dizer que apesar de o juízo estético
não ser baseado no conceito, o motivo pelo qual o objeto assume determinada
forma é porque tem um conceito por trás. Por exemplo, uma igreja pode ser
construída de muitas maneiras belas, mas a igreja só possui a arquitetura que
possui, porque ela serve uma função específica. Não podemos construir uma
igreja de maneira aleatória, ou como qualquer outra construção bela. Portanto,
o juízo de que uma igreja é bela pode ser considerado um juízo complexo, em
que um de seus componentes é um juízo estético e o outro é um juízo de
utilidade. Essa é uma das formas de defender o ponto de vista de kant sobre os
juízos de gosto.
O belo livre, por sua vez, não pressupõe conceitos.

O outro ponto que Kant faz sobre os juízos estéticos é o de que o prazer obtido
a partir deles é desinteressado. Essa é uma doutrina muito influente.
Na verdade, esse termo ‘desinteressado’, ao invés de querer dizer um tipo de
indiferença, quer dizer algo como imparcialidade. Nesse contexto está dando o
seu próprio significado ao termo.
O interesse é o prazer conectado com a representação da existência de um
objeto e que deriva de um desejo de que o objeto exista.
O ponto parece ser que a gente deseja que o objeto exista, representamos um
tal objeto como existente, e isso nos dá prazer.
Isso não é o que o prazer do belo é.
O que Kant diz para embasar isso é através de um exemplo de um palácio.
Se perguntamos se um palácio é bonito e a pessoa diz que não devia existir
palácios, quando tem tanta gente morrendo de fome, ou que os palácios são
desperdícios de espaço, pois só precisamos de um espaço menos para o nosso
conforto. Kant diz que isso que a pessoa disse pode ser muito admirável, mas
não responde a pergunta sobre se o objeto é belo.
Pois o que se deve considerar não é o prazer (na verdade, desprazer nesse
caso) derivado da existência do palácio, mas se a mera representação da
percepção do palácio te agrada ou não.

Na verdade, há duas formas de se ler essa passagem.


Pode ser que Kant esteja dizendo que devemos ser indiferentes à existência do
objeto para que possamos fazer um juízo estético.
Outra forma, mais plausível, é que não podemos basear o nosso prazer no
desejo que temos pela existência ou não do objeto do juízo estético.
Muitas pessoas entenderam Kant a partir da primeira interpretação e o criticaram
por isso.

O prazer derivado do agradável é derivado de um interesse de que o objeto


exista. No caso de uma comida agradável, de que a comida exista. Da mesma
forma, o prazer no útil também deriva de um interesse, pois não podemos
apreciar a utilidade de um objeto sem considerar a sua existência.

Há uma conclusão muito grande agora que é o que coloca o grande problema
que é a principal função da crítica resolver.
Quando julgamos algo como belo estamos comprometidos com a alegação de
que o mesmo objeto deve ser agradável a todos.
Isso, Kant diz, dá aos juízos de gosto a qualidade de universalidade, que é a
marca dos juízos a priori.
Não está muito claro se isto está implícito no que foi dito anteriormente ou é o
conteúdo do que ele disse.

A primeira premissa que Kant embasa essa alegação é a partir do fato de que,
se nós contemplamos uma obra esteticamente aprazível e o nosso prazer é
desinteressado (como deve ser), nós, implicitamente, sabemos que não há nada
nessa obra que nos faz ser prazerosa por uma característica dependente de nós
mesmos, como o nosso desejo por algo, que os outros podem não partilhar.
O segundo ponto, é que se estamos cientes que não há nada que faça que a
obra seja prazerosamente apenas a nós mesmos, então devemos inferir que o
nosso prazer deriva de algo que é de nós, mas que partilhamos com todos os
outros.
A terceira premissa é que se estamos cientes que a fonte do prazer é algo em
nós que partilhamos com todos os outros, então devemos acreditar que todos os
outros devem concordar com o nosso juízo estético.
É assim que Kant deriva a universalidade do desinteresse.

⁃ Aula 2 do Kant

Hoje veremos a solução para o problema do juízo de gosto visto na última aula
na Analítica do Belo. A estratégia é que na Analítica algumas características que
o juízo de gosto possui são identificadas e, supostamente, na Dedução uma
explicação da possibilidade de se ter essas características problemáticas é dada.
Como dito, é apenas supostamente dada porque o material que embasa esse
argumento está espalhado por toda a Crítica, nas duas seções intituladas
Analítica e Dedução.

O grande problema - ou a característica problemática - dos juízos de gosto é o


que Kant descreve como a sua universalidade subjetiva - ou a sua validade
subjetiva universal. Elas são subjetivas, de acordo com ele, pois não são
baseadas em conceitos, quer dizer, na perceção de uma propriedade do objeto,
mas, na verdade, baseiam-se em alguma característica de quem julga. No caso
dos juízos de gosto, são baseadas no prazer.
O que foi enfatizado na última palestra é que os juízos desse tipo se baseiam
apenas no prazer. E o prazer em si mesmo não é baseado em conceitos,
portanto, os juízos não são baseados em conceitos. E, por isso, o prazer está
conectado diretamente com a intuição (percepção sensorial) do objeto, a qual é
uma representação de um particular - ao invés da representação geral, que seria
o caso de um conceito. Assim, podemos dizer que os juízos de gosto são
subjetivos na medida do que foi dito.
Os juízos de gosto também têm uma característica de universalidade. Essa
universalidade é percebida quando fazemos um juízo de gosto e pretendemos
que todos devam concordar conosco. Portanto, o juízo é universal na medida em
que acreditamos que todos devem concordar com o nosso juízo. O que
discutimos no final da última aula é que Kant dá, pelo menos, duas razões para
que os juízos de gosto tenham essa característica. A primeira é por eles serem
baseados em um prazer desinteressado. O que quer dizer que o seu prazer no
objeto não deriva de um desejo pela existência ou não existência do objeto, o
qual pode ser peculiar apenas a você (enquanto julgador). A segunda razão é
justamente o fato de nós julgarmos o gosto dos outros como não sendo um bom
gosto, ao passo que não fazemos isso com os juízos do agradável, mas apenas
o do belo, como se houvesse uma medida universal para eles.

Como Kant esclarece na citação que se segue: “A alegação não é de que os


outros irão julgá-lo belo, mas ao invés de que todos devem assim julgá-lo
[parafraseei]”. Portanto, o juízo de gosto não é uma predição de que todos que
contemplarem o objeto irão concordar com o juízo, mas uma alegação de que
todos devem concordar com o seu juízo. De fato, Kant ressalta que a gente
muitas vezes insiste na universalidade do nosso juízo mesmo quando as
pessoas não concordam com ele, e assim o fazemos por imputar sua
universalidade aos outros. Então, se é uma imputação que independe das
evidências empíricas para que seja considerado universal, ela se baseia, na
verdade, nessa pretensão de universalidade que é subjetiva.
Kant acredita que esses juízos contrastam de uma forma interessante com os
juízos do agradável, pois, nesses, mesmo quando vemos que todos têm os
mesmos gostos (digamos por um prato de comida), nós não requeremos que
eles concordem nos seus juízos. Essa comparação ajuda a ressaltar,
paradoxalmente, os fundamentos da universalidade do juízo estético.

Um ponto que não foi comentado na aula passada é que Kant acredita que essa
característica de universalidade permite que falemos da beleza como se ela
fosse uma propriedade dos objetos, mesmo que não o seja. A palavra
‘belo’/‘bonito’ é um adjetivo que, pelo menos, normalmente, é usada para atribuir
propriedades objetos e, de várias maneiras, nós falamos da beleza como se
fosse propriedade dos objetos. Kant acredita que a razão para isso é essa
peculiaridade dos juízos estéticos de que os outros devem concordar com ele. E
isso faz com que, ao imputar essa universalidade aos outros, nós como que
estamos atribuindo propriedades do belo ao objeto, pois quando fazemos
julgamentos baseados em conceitos, nós também esperamos que os outros
concordem. Então, por exemplo, se olhamos para um objeto e o julgamos como
tendo uma forma quadrada, nós também acreditamos que os outros concordarão
com essa alegação. Portanto, os juízos lógicos ou conceituais também têm essa
característica de atribuição de universalidade.
É essa analogia que nos permite falar da beleza como se ela fosse uma
propriedade dos objetos. Por fim, é por causa dessa similaridade que nos é
apropriado falar da beleza assim.

É importante notar, de forma complementar, que Kant usa isso para defender
um tipo de formalismo sobre a beleza. Kant diz que se depreende do dito
anteriormente que as cores e os matizes não podem ser belos, eles podem
apenas ser agradáveis. A razão para isso é porque não podemos ter certeza que
todos veem as mesmas cores que vemos. Interessante que Kant também
defende, ao mesmo tempo, que a pureza das cores pode ser considerada bela,
porque ela é uma característica formal, homogênea (undiferentiated), passível
de ser atribuída universalidade. Já a experiência com as cores, não.

Até aqui, vimos que não podemos estar justificados em crer que uma coisa é
bela por causa do prazer que ela nos causa, pois essa é uma característica
intrinsecamente subjetiva, mas também não podemos nos justificar através de
uma prova, pois isso não seria um juízo de gosto - que não é baseado em
conceitos; e também não é baseado em uma evidência empírica de que o objeto
é belo para os outros (esse também seria um juízo baseado em gosto).

Então, Kant, conforme a sua abordagem típica, primeiro aponta várias


características de um certo fenômeno, ou de juízo ou conhecimento, que não
são aceitas como possível, para depois demonstrar de que forma elas são, na
verdade, possíveis, apesar das contradições a sua existência. Creio ser possível
explicar o que Kant está tentando fazer ao entender que se baseia no fato de
que estamos justificados não-empiricamente de que todos podem julgar um
objeto como sendo belo. Essa ideia se baseia em uma doutrina de que Kant se
utiliza que diz que ‘dever é poder’. Se nós atribuímos o juízo do belo
universalmente aos outros, quer dizer que os outros podem achar belo aquele
objeto. Importante ressaltar que esse princípio está presente, inclusive, na
filosofia moral kantiana. E, se somos capazes de concordar com o juízo de gosto,
nós também estamos comprometidos com a ideia de que somos capazes de
usufruir prazer a partir do objeto estético do qual estamos desfrutando.
E o que Kant passa a argumentar é como seria possível estar justificado em
acreditar que todos os outros são capazes de ter prazer com o objeto do qual
estamos tendo prazer. Mas, mais uma vez, como mencionei, se estamos
justificados em crer que todos podem obter prazer estético daquele objeto, essa
justificação não pode ser a experiência. Temos que justificar isso a priori. Essa
justificação a priori indica que o prazer estético daquele objeto sempre pode ser
usufruído por todos, sem exceção.

Em suma, podemos dizer: estamos justificados em crer que todos devem


concordar com o nosso juízo de gosto, se e somente se, pudermos estar
justificados a priori em crer que todos podem ter prazer no objeto. Então, a
questão passa a ser, como nós podemos estar justificados a priori em crer que
todos podem ter prazer no objeto?

“como é possível um juízo que, simplesmente a partir do sentimento próprio de


prazer em um objeto, independentemente de seu conceito, ajuíze a priori, isto é
sem precisar esperar por assentimento estranho, este prazer como unido à
representação do mesmo objeto em todo outro sujeito?” (seção 36 da Crítica do
Juízo)

Esta é a principal questão que a Crítica do Juízo tentará responder.

A resposta de Kant é incrivelmente obscura e muitas pessoas têm tido muita


dificuldade em entender o que foi dito pelo filósofo. Aqui, apresentarei uma
interpretação (que não sei se está correta). E vale a pena olhar a literatura
secundária sobre isso, para se ter um senso da dificuldade que até os melhores
acadêmicos kantianos enfrentam ao tentar entender isso - mas também para ver
a diversidade das interpretações de Kant. Um dos grandes trabalhos sobre a
Teoria de Gosto kantiana é de Paul Guyer, chamado Kant and the claims of taste.
Um outro grande trabalho é de Henry Allison, chamado Kant’s Theory of Taste.
Guyer também escreveu um artigo interessante sobre esse tópico, que faz um
levantamento de boa parte da literatura a respeito, chamado Harmony of the
faculties revisited, e está num livro seu chamado Values of Beauty.
Mas, basicamente, a resposta de Kant é que nós podemos estar justificados a
priori em pensar que todos podem ter prazer no objeto, se, e somente se,
pudermos estar justificados em acreditar que o nosso próprio prazer deriva do
que ele chama jogo livre e harmonioso da imaginação e do entendimento
(harmonious free play of imagination and understanding). Essa é a resposta à
questão.

Como Kant chega até isso? Um dos passos parece ser que nós apenas podemos
ter essa crença justificada de que todos podem ter prazer no objeto, caso
pudermos acreditar que o nosso próprio prazer deriva de um estado mental
(condição mental, atividade mental), que podemos conhecer a priori que todos
podem também estar quando perceberem o que a gente percebe. Essa é uma
alegação sobre a fonte do nosso prazer. Esse é um dos passos.
Esse passo relembra alguns apontamentos que fizemos sobre o desinteresse na
última palestra, a respeito de a fonte de nosso prazer não poder ser exclusiva de
nós.

O próximo passo é a alegação de que a única condição mental que podemos


conhecer a priori que todos podem ter ou estar quando perceberem o que nós
percebemos são condições mentais que nos permitem aplicar conceitos ao que
nós percebemos - estados mentais que nos permitem aplicar conceitos ao que
nos percebemos (juízos cognitivos). Esses são os únicos que podemos saber a
priori.

De novo, quando aplicamos um conceito ao que percebemos, nós acreditamos


que todos devem concordar com o nosso juízo, mas, além disso - dado que o
nosso juízo esteja justificado, pelo menos -, nós também estamos justificado a
priori em crer que todos os outros podem estar na mesma condição mental, que
nos permitiu aplicar um tal conceito ao que percebemos.
Então, há uma paralelo aqui, em dois aspectos, entre juízos cognitivos e o que
é verdadeiro nos juízos de gosto. Nos dois juízos, nós esperamos que todos
concordem, que todos devam concordar, com o nosso juízo. Portanto, o prazer
derivado do juízo estético é um prazer que se deriva da aplicação de um conceito
ao que nós percebemos - um juízo cognitivo.

Kant possui uma teoria sobre quais são esses estados mentais mencionados
acima, que é apresentada na Crítica da Razão Pura. De forma a aplicarmos um
conceito ao que percebemos, há duas faculdades que são imprescindíveis.
Primeiro, a imaginação (conceito similar ao que entendemos), que é a faculdade
de representar uma intuição de algo que não nos está presente. Adiante, é
preciso ressaltar que Kant também dá um papel central para a faculdade da
imaginação para a nossa percepção sensível. Em particular, de modo que
apliquemos conceitos ao que percebemos por meio dos sentidos, a imaginação
deve combinar ou sintetizar intuições. Portanto, o fato de a imaginação combinar
representações perceptivas distintas é um dos fatores que nos permite aplicar
conceitos ao que percebemos.

A chamada síntese da reprodução na imaginação é necessária para que


possamos aplicar conceitos ao que percebemos. Na Crítica da Razão pura, Kant
diz que para que possamos imaginar uma linha contínua, ou pensar um período
de tempo qualquer, nós temos que ser capazes reproduzi-lo em nossa
imaginação, de forma que o todo do objeto possa ser representado e que cada
momento de sua apreensão não se suceda sem ligação com o momento
anterior.. Essa reprodutibilidade do que imaginamos, para Kant, também está
presente na percepção sensorial, porquanto para que possamos observar um
fenômeno específico, é preciso que nossa imaginação traga à tona a imagem do
objeto em seu instante anterior, para que possamos contemplar integralmente o
fenômeno que está a ser observado. Kant não sugere que isso seja feito
conscientemente, a imaginação simplesmente combina essas intuições
múltiplas automaticamente.
A próximo passo na cognição é a chamada síntese do reconhecimento. Essa
síntese é a responsável por reconhecermos que aquilo que imaginamos ou
percebemos compõe uma unidade e, por isso, são a mesma coisa. De outro
modo, cada nova representação conforme os momentos que se passam seriam
reconhecidas como novas unidades, desconectadas das unidades anteriores, e
a síntese da reprodução na imaginação seria inútil. Esse processo também está
presente na matemática, quando contamos números, pois a consciência de que
um número somado ao outro constitui um total depende dessa mesma síntese.
Então, o processo de reprodução na imaginação depende da aplicação de um
conceito, por exemplo, na matemática. Se fôssemos apenas representar
subsequentemente as unidades, não tendo a ideia de uma unidade, que as
integra, não poderíamos fazer a soma dos números.

Uma das complexidades aqui é que a imaginação e o entendimento trabalham


de forma integrada. A imaginação combina certas representações com certas
outras representações, ao invés de outras, porque a imaginação é guiada por
um conceito do entendimento. Não é como se a combinação acontecesse
primeiro e, depois, se notasse o que as representações têm em comum. Na
verdade, é o contrário, a imaginação é guiada pelos conceitos de forma a fazer
as combinações que faz. Portanto, o exposto no parágrafo anterior é apenas
uma análise de como é o processo, e não uma explicação temporal de estágios
sucessivos.

Portanto, para que a experiência seja possível a aplicação de um conceito ao


que percebemos, é preciso que o processo explicado aconteça. E, nesse
sentido, é de uma condição mental (estado mental) como essa que se deriva o
nosso prazer do belo. Mas, é claro, não pode ser apenas uma questão de aplicar
um conceito ao que percebemos, porque o nosso prazer não é baseado em
conceitos. Então, deve ser algo como o que foi descrito, mas excluindo a parte
em que o conceito é aplicado.
Isso implica que é apenas a imaginação combinando, agrupando,
representações, mas sem aplicar conceitos que representem o que estas coisas
agrupadas têm em comum.

Paul Guyer crê ter encontrado uma passagem onde Kant dá um exemplo desse
processo (seção 53 da Crítica do Juízo). Nessa passagem, Kant está falando
sobre música e a experiência da melodia e da harmonia.

“A esta forma matemática, embora não representada por conceitos


determinados, unicamente se prende a complacência que a simples reflexão
conecta - acerca de um tão grande número de sensações que se acompanham
ou sucedem umas às outras - com este jogo delas como condição de sua beleza,
válida para qualquer um; e somente segundo ela o gosto pode arrogar-se um
direito de pronunciar-se antecipadamente sobre o juízo de qualquer um.
“Mas no atrativo e no movimento do ânimo, que a música produz, a matemática
não tem certamente a mínima participação; ela é somente a condição
indispensável (conditio sine qua non) daquela proporção das impressões, tanto
em sua ligação como em sua mudança, pela qual se torna possível compreendê-
las e impedir que elas se destruam mutuamente, mas concordem com um
movimento contínuo e uma vivificação do ânimo através de afetos consonantes
com eles e assim concordem com uma agradável autofruição.” (p. 172)

O pensamento básico aqui parece ser, da mesma forma que a harmonia agrupa
as notas para produzir os sons, a nossa imaginação agrupa certos elementos
que produzem o nosso prazer pela beleza, mas sem um conceito que represente
o que esses elementos possuem em comum. O fato de que há um conceito
unificador por trás da experiência com o belo, é o que Kant tenta demonstrar
aqui com a matemática. Esses tons agrupados, de fato, estão em certas relações
uns com os outros e que podem ser descritas, mas o ponto é que não
representamos esses tons com um conceito que os unifique, enquanto ouvimos
a música e a fruímos - e mesmo que entendamos a teoria musical por trás do
que está sendo tocado, não é daí que vem nosso prazer.
Isso parece ser o que o jogo livro da imaginação e do entendimento se trata. É
um jogo, portanto, porque as faculdades utilizadas não estão sendo utilizadas
em função de adquirir conhecimento, mas como um jogo apenas. É um jogo livre
porque a imaginação está combinando diversas representações, mas não está
sendo guiada pelos conceitos. É harmonioso porque, conforme Guyers, a
imaginação satisfaz a requisição usual do entendimento por algumas
combinações de representações, mesmo que o entendimento não aplique um
conceito. E isso é um estado de mente que todo mundo pode estar, quando se
depara com um certo objeto. E é pelo jogo livro que nos justificamos a priori de
que todos podem ter o prazer ao contemplar o mesmo objeto.

Inúmeros pontos podem ressaltar dessa teoria de Kant. Não está muito claro
quando Kant está apenas tentando explicar quando algo é possível, já
assumindo que é possível premeditadamente, ou se ele tentar explicar, inclusive,
a possibilidade de algo. Portanto, não sabemos aqui se Kant já acredita na
possibilidade do juízo estético universal ou se ele está demonstrando a sua
possibilidade através de sua teoria.

Kant, ainda, sabe que é possível que nós não saibamos quando estamos
justificados em crer que o nosso prazer se deriva do jogo livre da imaginação e
do entendimento ou de algum interesse. Da mesma forma, na filosofia moral
kantiana, há a afirmação de que não temos como saber indubitavelmente que
estamos agindo por juízo moral ou simplesmente pelas nossas inclinações. No
entanto, ainda não podendo ter certeza, podemos tentar justificar o nosso prazer,
pela análise de se ele provém de algum interesse ou não. Portanto, a falta de
certeza não nos deixa numa condição de completa ignorância sobre a natureza
do nosso prazer.

Finalizaremos discutindo sobre os juízos do sublime. No século XVIII, além dos


juízos estéticos, o sublime era uma importante característica da propriedade ou
experiência estética. E de certa forma significa um sentimento perturbador de
terror, quando, por exemplo, contemplamos as tempestades no mar, castelos
em ruínas, vulcões, cachoeiras, tornados, etc. Todas essas coisas que os
românticos desfrutariam indubitavelmente. Muito disso intrigava o século XVIII.
E Edmundo Burke, um autor das revoluções na França, e um intelectual
precursor do conservadorismo político atual, no início de sua carreira, escreveu
um trabalho sobre estética acerca do belo e do sublime, o qual foi lido por Kant.
E Burke pensava que chamamos algo de sublime, porque causa um sentimento
de prazer (delight), em função de parecer doloroso e perigoso, mas é percebido
por uma distância segura. E Kant terá uma formulação própria sobre esse
sublime.

Kant acha que existem várias semelhanças entre os juízos de gosto e do


sublime, as quais daremos uma rápida olhada. Ambas se baseiam no prazer,
não em conceitos. Portanto, baseiam-se no prazer conectado com a intuição do
objeto, e não baseado em conceitos. Juízos do sublime também são juízos
singulares. E, também, possuem a característica de universalidade de que todos
devem concordar. Mas, mais importante, o prazer do sublime deriva de um certo
acordo a imaginação e uma certa faculdade dos conceitos, mas não do
entendimento. É da faculdade chamada Razão. No vocabulário kantiano, a
Razão tem uma série de conceitos próprios, os quais Kant chama de Ideias
racionais. Essas são conceitos a partir dos quais não é possível que tenhamos
uma intuição correspondente. Por exemplo, o conceito de Deus é uma Ideia, o
de Liberdade, o de Imortalidade, de Infinito. Todos esses são Ideias (conceitos
especiais associados à faculdade da Razão). Em várias partes do nosso
pensamento, essas Ideias têm um papel. Por exemplo, a ação moral é só
possível a partir da pressuposição de que sejamos livres. Mas claro, não temos
evidência empírica da nossa liberdade, porque no mundo da experiência tudo é
guiado pela necessidade causal. Portanto, é uma Ideia.

Essas Ideias serão importantes para a explicação do sublime. Há dois tipos de


sublime. Primeiro, o sublime matemático (são absolutamente grandes, ou
grandes sem qualificação), com os quais qualquer coisa a ser comparada será
pequena. Kant chega a afirmar: “Nada do que vemos é, estritamente falando,
sublime”, porque tudo o que pudermos imaginar ou experienciar, também
poderíamos imaginar ser pequeno quando comparado com alguma outra coisa.
No entanto, algumas vezes, na experiência, percebemos alguma coisa que a
imaginação não pode apreender em sua inteireza. Quando imaginamos uma
linha, podemos contemplar toda sua extensão, dependendo de seu tamanho. No
entanto, existem objetos com os quais não podemos fazer essa contemplação
total através da imaginação. Algumas coisas são tão grandes que não
conseguimos contemplar toda ela sem deixar de apreender o seu início. Kant dá
o exemplo das pirâmides que, contempladas nem tão distante nem tão próximo,
não podem ser apreendidas na nossa imaginação, conforme a contemplamos.
Essas coisas não são, claro, absolutamente grandes, mas o que elas fazem é
trazer a nossa mente a ideia de infinito, ou o que é propriamente sublime. E o
fato de que podemos pensar sobre o infinito nos indica que temos uma faculdade
que não é limitada pelos sentidos. E isso nos dá prazer. Mas só podemos ter um
prazer desse tipo a partir de uma espécie de desprazer em não sermos capazes
de imaginar todo o fenômeno apreciado.
Uma estratégia semelhante vale para o Sublime DinÂmico. Esse é a natureza
vista como algo poderoso e amedrontador, mas que não tem domínio sobre nós
e que, portanto, não nos amedrontamos. Vemos a natureza dessa forma quando
vemos algo extremamente poderoso naturalmente, mas de uma posição segura.
E isso nos traz à mente a nossa habilidade de superar a natureza. E onde está
isso? Na nossa ação moral, que ultrapassa as nossas inclinações e a ordem da
necessidade causal (pois temos liberdade). E a vista de alguma natureza muito
forte traz a mente esse fato sobre nós, ou seja, a nossa capacidade de superar
a natureza dentro de nós e fora de nós. E isso é prazeroso. Esse pensamento
de vocação moral é prazeroso. E isso explica, também, porque apenas a mente
humana é sublime, não a natureza. E é por esse elemento moral que esperamos
que todos devem concordar com os nossos juízos do sublime.

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