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‘eia é um método terapéutico, compreendido jlogia Junguiana, que desperta grande interesse s a) Bates décadas. Na caixa de areia séo montados s coners senvol oi com figuras, por meio dos quais se realiza 0 ~ processo de projecdo das mais profundas camadas do jente, permitindo, ao mesmo tempo, a cura € 0 vimento da alma. K trabalho profundamente de alternativas vivenciais. Ruth Ammann, fapeuta experimentada, explica 9 método com trés séries de cenérios, usand ~ noC.G. Jung Institut de Zurique, ituando-o na cosmovisdo junguiana. Ao lado da entacdo tedrica, com 15 fotos em branco e preto, © funcionamento do método|com a apresenta- 32 fotos em cores, Jeitor experimentar praticamente o funciona- ymétodo. = UTH AMMANN, nescida em 1934, fo! discipula de Dora ‘Kalff, a criadora do método, Mae de trés filhos, desde 1979 ratica 0 Jogo de Arcia. # terapeuta supervisora e docente que ci desenvolve Titulo do original alemao Heilende Bilder der Seele Tradugao Dra, Marion Serpa Revisto Giselle Welter 10 Stomioio ida por Dr. Léon Bonaventure, Dra. Maria Elci Colegio AMOR E.PSIQ\ Spaccaquerche, Pe. Ivo Storniolo ‘Dados Internacionais de Catalogago na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Ammann, Ruth, 1994 ~ ‘Aterapia do Jogo de Areia — imagens que curam a alma e desenvolvam a personalidade / Ruth Amman; tradugo de Marion Serpal. So Paulo: Paulus, 2002. — (Amor e psique) Titulo original: Hellende bilder der seele ISBN 85-349-1857-0 1. Jago de areia ~ Uso terapautico ~ Estudo de casos |. Titulo. Il. Série. cop-616.8917 or-a216 ise : Medicina 616.8917 Medicina : 616.8817 ‘© PAULUS ~ 2002 ua Francisco Cruz, 229 -091 Sao Pauio (Brasil) 5084-3066 www paulus.com.br editoriat@ paulus.com.br ISBN 85-249-1857-0 ISBN 3-466-34219-8 (ed. original) INTRODUCAO A COLECGAO AMOR E PSIQUE Na busca de sua alma e do sentido de sua vida, 0 homem descobriu novos caminhos que o levam para a sua interioridade: o seu préprio espago interior torna-se um lugar novo de experiéncia. Os viajantes destes cami- nhos nos revelam que somente 0 amor é capaz de gerar a alma, mas também o amor precisa de alma. A: lugar de buscar causas, explicagdes psicopatolégicas as nossas feridas e aos nossos sofrimentos, precisamos, em primeiro lugar, amar a nossa alma, assim como cla é. Deste modo é que poderemos reconhecer que estas feri- das e estes sofrimentos nasceram de uma falta de amor. Por outro lado, revelam-nos que a alma se orienta para um centro pessoal e transpessoal, para a nossa unidade e a realizagao de nossa totalidade. Assim a nossa propria vida carrega em si um sentido, o de restaurar a nossa unidade primeira. Finalmente, nao é 0 espiritual que aparece primei- ro, mas 0 psiquico, e depois o espiritual. a partir do olhar do imo espiritual interior que a alma toma seu sen- tido, o que significa que a psicologia pode de novo esten- der a mao para a teologia. Esta perspectiva psicolgica nova é fruto do esforgo para libertar a alma da dominagao da psicopatologia, do espirito analitico e do psicologismo, para que volte a si 5 mesma, a sua propria originalidade. Ela nasceu de refle- PREFACIO A EDICAO BRASILEIRA xdes durante a pratica psicoterdpica, ¢ est comecando a renovar 0 modelo ¢ a finalidade da psicoterapia. E uma nova visdo do homem na sua existéncia cotidiana, do seu ‘tempo, e dentro de seu contexto cultural, abrindo dimen- ses diferentes de nossa existéncia para podermos reen- contrar a nossa alma. Ela poder alimentar todos aque- les que sao sensiveis & necessidade de inserir mais alma em todas as atividades humanas. ‘A finalidade da presente colecdo é precisamente res- tituir a alma a si mesma e “ver aparecer uma geragao de sacerdotes capazes de entender novamente a linguagem A técnica do Jogo de Areia vem preencher uma lacu- da alma”, como C. G. Jung 0 desejava. na dentro da psicologia analitica. A maior parte dos mé- todos terapéuticos dentro dessa abordagem exige do pa- ciente certo nivel de capacidade intelectual e de abstragio, tal como 0 método de associagao ou a técnica de imagina- cao ativa. Pacientes que tém dificuldade de sonhar, imaginar ou de sair do plano conereto por vezes queixam-se do que consideram ser “uma barreira” ou “deficiéncia” que, segundo eles, pode vir a prejudicar seu desenvolvimen- to terapéutico. Por outro lado, verificamos que pacien- tes com certas patologias, principalmente aquelas de expressdo nao-verbal, como as doengas organicas, ou aquelas que se originam num substrato mais primal da psique, beneficiam-se rapidamente de técnicas nao-ver- | bais. Entretanto, mesmo essas (pintura e modelagem, | por exemplo), por exigirem certa técnica, podem inibir 9/'-t,,. 5 paciente menos habilidoso e até mesmo aumentar sua 77 angustia. O Jogo de Areia, pelo contrério, por nao solici is} og tar nenhum esforgo especial, é altamente atraente para’ a maioria dos pacientes e vem se revelando cada vez mais uma técnica de extrema eficdcia tanto quanto ao tempo de duracdo quanto A qualidade do tratamento psicote- rapico. Léon Bonaventure 7 Lentamente, a comprova¢ao dessa pratica vem cons- truindo uma material cientifico precioso. B é nessa pers- pectiva que esse livro se insere. Ruth Ammann é uma das mais renomadas pesqui- sadoras e professoras dessa técnica, Ela é membro da SGFAP (Sociedade Suiga de Psicologia Analitica, filia- da a International Associacion for Analytical Psycholo- gy), membro da Associagao Suica de Psicoterapeutas ¢ da ISST (Sociedade Internacional de Terapia de Jogo de Areia). Formada originalmente em Arquitetura, Ruth tra- balhou nessa profisséio por 18 anos, construindo casas, escolas, bancos condominios. Em 1972 entrou no C. G. Jung Institute em Zurique onde se formou como analista junguiana. Sua tese de formatura sobre um caso de uma menina trabalhado com Jogo de Areia foi o resultado de vérios anos de treinamento com Dora Kalf, a criadora dessa técnica. Desde entao (1979), tem trabalhado em seu consultério, no Instituto C. G. Jung de Zurique, como pro- fessora e dado seminérios e treinamento em varios pai- ses. No Instituto de Zurique tem lecionado sobre: Funda- mentos da Psicologia Junguiana, Psicologia dos Sonhos, Psicologia dos Mitos e Contos de Fadas, Interpretacao de Desenhos, Jogo de Areia, Psicodindmica, e sobre a apli- cago clinica desses contetidos. Ruth também interessa- se pelas questdes do feminino e uma de suas palestras prediletas 6 sobre a linhagem feminina, uma homena- gem que faz a sua mae, & filha e a neta. Seu interesse pela arquitetura volta a partir de 1998, mais intensamente, ao unir psicologia com arqui- tetura, na sua pesquisa: “O significado do espaco e 0 ambiente construido em fungao do desenvolvimento psi- col6gico das pessoas”. Essa pesquisa levou-a a fotogra- far todos os lugares onde Jung viveu e trabalhou. Esse ‘material esta reunido numa série de diapositivos cha- 8 mada “Paisagens, casas ¢ salas onde C. G. Jung traba- Thou e viveu”. Uma amostra que, depois de ter sido estreada com muito sucesso no Congreso de Psicologia ‘Analitica em Zurique, tem sido apresentada em varias partes do mundo. Ruth Ammann é uma das conferencistas mais solici- tadas nos tiltimos anos. Convites internacionais a tem levado a dar palestras em varios pafses, participando do treinamento de intimeros analistas. Entre os paises por onde anda mais freqiientemente, temos: Inglaterra, Es- tados Unidos, Canada, Italia, Alemanha, Suiga, Dina- marca, e agora Brasil. Certamente esse livro seré um guia para todos aque- les que quiserem aprender nao s6 a técnica, mas também como um analista se desenvolve, se aprofunda e apreen- de seu paciente. A profundidade como os casos so des- critos, 0 detalhamento das imagens e 0 raciocinio elfnico levam-nos a participar do caso como se lé estivéssemos. Esse texto serve também para 0 leigo ou paciente que pode, por meio dos casos descritos, se identificar com 0 proceso, aprender mais sobre si mesmo ¢ até se motivar para iniciar seu proceso. Certamente, motivar é a pala- vra correta. Esse 6 um livro altamente motivador, nao s6 pola sua seriedade, como pela empatia e amor que Ruth demonstra ao longo de seu escrito. Té-lo agora em portu- gués, com a excelente e cuidadosa tradugao ¢ revisdo téc- nica das analistas Marion Serpa e Gisela Welter é um privilégio. Como o leitor vera, a autora pratica 0 que ele se pro- poe: une a compreensdo racional, técnica, tedrica e cient fica com a atitude humanista e empatica ~ unido im- prescindivel na formagao de todo bom psicoterapeuta. Guiados pela voz da autora, passeamos por imagens cria- tivas, sofridas e profundas. Aprendemos com ela os cami- nhos da interpretagdo, do estar junto e das relagdes transferenciais. Um avango na ciéncia e um roteiro para PREFACIO as complexidades da alma. Profa. Dra. Denise Gimenez Ramos ‘Vice-presidente da Internacional Associacion for Analytical Psychology Coordenadora do Programa de Pés-Graduagao em Psicologia Clinica da PUCSP. O Jogo de Areia 6 um método baseado na criagao pra- tica e criativa na caixa de areia. Quem brinca na caixa de areia, seja adulto seja crianga, cria varias imagens tri- dimensionais na areia, envolvendo-se nesse proceso com corpo, alma e espirito. ‘Gragas ao método “mao na massa” do Jogo de Areia, as dimensées espiritual e psicolégica nao sao apenas cons- teladas na pessoa, mas ao mesmo tempo lhes é conferida uma forma concreta através das maos da pessoa, Isso tem grande efeito curativo, principalmente em pessoas muito intelectualizadas. Por esse motivo, pessoas bloqueadas psicologicamente ou que nao estao em contato com sua forca imaginativa acham esse aspecto do Jogo de Areia particularmente terapéutico. O trabalho com as maos na >. caixa de areia mobiliza as energias criativas, fazendocom | %_ que fluam novamente] 2 O método terapéutico do Jogo de Areia foi desenvol- vido por Dora Kalff a partir do “Jogo do mundo” de Margareth Lowenfeldt, como também do “Teste do mun- do” de Charlotte Buhler ou o assim chamado “Método de Erica”, utilizado no diagnéstico psiquidtrico infantil na Suécia ha mais de 40 anos. Dora Kalff reconheceu que as séries de cenarios, elaboradas por criangas ou adultos, representam a confrontagao continua e pratiea com o in- 11 10 consciente, compardvel A série de sonhos ou a imagina- ¢do ativa que ocorrem no processo analitico. E evidente que o trabalho na caixa de areia desencadeia um proces- so psiquico holistico que leva cura e ao desenvolvimen- “to da personalidade. . 3¥ Neste método, desde 0 inicio me impressionou de maneira extraordinaria 0 fato deste método prover as bases para a interagéio entre corpo e mente, matéria e © espirito. O Jogo de Areia cria um campo comum no qual 0 _espirito e o corpo podem se influenciar mutuamente. Na forma de andlise classica verbal nao conhecemos esse tipo de interjogo direto entre psique e matéria, ao menos n&o {nessa forma. + Por essa razo, acredito que a anilise classica dos sonhos e o Jogo de Areia esto relacionados. Blas repre- sentam duas abordagens terapéuticas equivalentes, que nos permitem melhor adaptagao as necessidades psicolé- gicas do analisando. Ambos os métodos se baseiam na ‘psicologia de C. G. Jung. Dora Kalff também construiu 0 Jogo de Areia sobre esse fundamento. No seu capitulo “Confronto com o inconsciente” no livro “Memérias, so- nhos, reflexdes”, Jung descreve suas préprias experién- cias com o Jogo de Areia: ‘\ Os sonhos de entao me impressionavam muito, mas ndo me ajudavam a superar o sentimento de perplexida- de que se apoderava de mim. Pelo contrario, eu vivia como que sob dom{nio de uma pressio interna. As vezes ela era tao forte que cheguei a supor que havia em mim al- guma perturbacéo psiquica. Duas vezes passei revista toda a minha vida em todos os seus pormenores, deten- do-me particularmente nas lembrangas da infancia, pen- sando encontrar em meu passado alguma coisa que pu- desse ser a causa de uma possivel perturbagdo. Mas esta inspecdo foi infrutifera e tive de confessar a mim mesmo minha ignorancia. Pensei entdo: “Ignoro tudo a tal ponto 12 Jung: que simplesmente farei 0 que me ocorrer”. Abandonei- me assim, conscientemente, ao impulso do inconsciente. A primeira coisa que se produziu foi o aparecimento de uma lembranga da infincia, talvez dos meus dez ou doze anos. Nessa época eu me entregara apaixonadamen- te a brinquedos de construcdo. Lembrei-me com clareza que edificara casinhas e castelos, com portais ¢ abéba- das, usando garrafas como suportes. Pouco mais tarde, utilizei pedras naturais e terra argilosa como argamas- sa. Durante longos anos essas construgées mal haviam fascinado. Para minha surpresa, essa lembranga emer- giu acompanhada de certa emogdo. “Ah, ah! disse a mim mesmo, aqui hé vida! O garoto anda por perto e possui uma vida criativa que me falta. ‘Mas como chegar a ela?” Parecia-me impossfvel que 0 homem adulto transpusesse a distancia entre o presente e meu décimo primeiro ano de vida. Se quisesse, entre- tanto, restabelecer o contato com essa época de minha vida, s6 me restava voltar a ela acolhendo outra vez a crianga que entdo se entregava aos brinquedos infantis. Esse momento marcou um ponto crucial no meu des- tino. S6 me abandonei a tais brincadeiras depois de repulsdes infinitas, com sentimento de extrema resigna- go e experimentando a dolorosa humilhagao de nao po- der fazer outra coisa sendo brinear. Pus-me, entio, a co- lecionar pedras, trazendo-as da beira do lago ou de dentro da Agua; depois comecei a construir casinhas, um caste- Jo, uma cidade. Nesta época porém faltava a igreja; co- mecei ento uma construcao quadrada, encimada por um tambor hexagonal e por uma cipula de base quadrada. Ora, uma igreja comporta também um altar. Mas algo em mim relutava em edificé-lo. Preocupado em saber como resolveria este proble- ma, passeava um dia, como de costume, ao longo do lago e recolhia pedras por entre o cascalho da margem. De 13 repente, deparei com uma pedra vermelha, uma espécie de piramide de quatro lados, de uns quatro centimetros de altura. Era uma lasca de pedra que, de tanto ter sido rolada na agua pelas vagas, acabara por tomar essa for- ma, puro produto do acaso. Assim que a vi, soube que encontrara meu altar! Coloquei-a no meio, sob a cépula, e enquanto fazia isto me lembrei do falo subterraneo do meu sonho de infancia. Esta conexao despertou em mim um sentimento de satisfagao. ‘Todos os dias depois do almogo, se o tempo permitia, entregava-me ao brinquedo de construgao. Mal termina- daa refeigao, “brincava” até 0 momento em que os doen- tes comecavam a chegar; & tarde, se meu trabalho tives- se terminado a tempo, voltava as construgdes. Com isso meus pensamentos se tornavam claros e conseguia apre- ender de modo mais preciso fantasias das quais até en- tao tivera apenas vago pressentimento. Naturalmente, cogitava acerca da significagao de meus jogos e perguntava a mim mesmo: “Para falar a verdade, o que fazes? Constrdis uma pequena colénia e 0 fazes como se fosse um rito”. Eu nao sabia o que respon- der, mas tinha a certeza intima de trilhar 0 caminho que levava ao meu mito. A construgao representava apenas 0 infcio. Ela desencadeava toda uma seqiiéncia de fantas- mas que mais tarde anotei meticulosamente. Situagdes desse tipo repetiram-se em minha vida. Sempre que me sentia bloqueado, em pertodos poste- riores, pintava ou esculpia uma pedra: tratava-se sem- pre de um rite d’entrée que trazia pensamentos e tra~ balhos. Do meu meu ponto de vista deveriamos incluir cada vez mais o corpo e o mundo imaginativo ndo-racional na psicoterapia, porque essas dimenstes estdo adquirindo maior importancia e, portanto, devem continuar assim. Enquanto o valor do pensamento légico foi enfatizado 14 durante muito tempo, também se negou a importncia de outros valores. Os analistas junguianos compartilham essa visdo, mas freqtientemente ela nao é posta em préti- ca de modo suficiente. + Existe outra razao pela qual precisamos de método: terapéuticos complementares A nossa pratica analitic: usual. Em nossos consultérios vemos cada vez mais cli entes que sofrem claramente de disturbios nareisicos 0 distirbios enraizados na primeira infancia. Freqiiente- mente referem-se como disttirbios na relagdo primal, ou Urbeziehung, para usar o termo original de Neumann. Muitos distiirbios desse tipo podem ter sido causados pela énfase excessiva no lado racional (com seu foco voltado para o desempenho) em nosso tempo de escola e de de- senvolvimento de carreira. Como corolério, nossa vida sentimental, juntamente com nossas pulsdes instintivas naturais, foi pouco apoiada ou até atrofiada. Esse fend- meno pode ser observado hoje especialmente entre maes, muitas das quais tém grande dificuldade em amar o filho enquanto ele ainda esta no titero e na fase posterior de crescimento. Hoje em dia, muitas mies perderam a ca- pacidade de dedicar-se aos filhos, para que eles possam experienciar relacdo intima e amorosa com elas. Faltam a crianga o calor e 0 aconchego de que precisa, especial- mente no primeiro perfodo de vida. Nao quero, no entanto, apontar ou acusar mies e pais, pois também eles podem viver em inseguranga e sem amor numa sociedade como a nossa, que negligencia a compaixao e o desenvolvimento de uma comunidade de valores compartilhados. + O Jogo de Areia, portanto, ¢ especialmente adequa- do aos adultos e criangas que sofrem de distarbios da pri- meira infancia, pois leva a pessoa de maneira nao-verbal de volta as camadas mais profundas da psique da pri-| meéira infancia~ ~~~ ~~ a y\ { \ o wh No meu trabalho analitico ugo_simultaneamente andllise verbal e o Jogo de Areia. Mas também pode acon- tecer que um analisando percorra primeiro um processo na areia e mais tarde, apés a elaboragao analitica dos cenérios, continue com a andlise dos sonhos. Outra pos- sibilidade é 0 analisando trabalhar alternadamente com a andlise verbal e o Jogo de Areia. Pode criar num cené- rio momentos especialmente importantes do seu proces- so, ou abordar na areia temas ou passagens especialmente dificeis e especificos. O método do Jogo de Areia tocou-me de forma espe- cial desde o primeiro contato. Uma razao dessa minha atragdo esta no fato de gostar de imagens e formas tridimensionais. Isto sempre esteve perto do coragao, es- pecialmente por gostar de usar as maos. Outra razéo da minha preferéncia pode estar no fato de ter experiencia- do, desde cedo, 0 modo como alguém pode usar os senti- dos de modo diferenciado, sem palavras. Quando era criancinha observava meu avo em sua clinica médica com- portar-se exatamente dessa maneira. Certa experiéncia me marcou especialmente: meu avd, que era pediatra, também tinha consultério em casa, onde ocasionalmente recebia pacientes. Quando menina, observei uma vez pelo buraco da fechadura o modo como examinava um bebé. Inspecionou a crianga atentamente de todos os lados, to- cando-a, auscultando-a e testando-a. Para minha gran- de surpresa, entdo usou o nariz para cheirar a crianga. Mais tarde Ihe perguntei o que havia feito. Respondeu: “Criancas pequenas nao conseguem dizer onde déi. En- to tenho que usar todos os sentidos para descobrir do qué a crianca adoeceu”. Este pequeno epis6dio foi essencial para mim e du- rante meu estudo de psicologia pensei freqiientemente no meu avd, Nao sé experienciei nele alguém capaz de observagdo cuidadosa, mas também como pessoa com vat 16 grande respeito pela natureza e confianca profunda e re- ligiosa na natureza a nossa volta e dentro de nés. ‘Na psicoterapia, tanto adultos como criangas encon- tram dentro de si “a crianga pequena”, que nao consegue dizer “onde doi”. Nesse instante temos de usar nosso po- der de observacao e, figurativamente, usar todos os sen- tidos para descobrir o sofrimento recdndito da pessoa. + Em 1989 foi langado pela editora Késel, de Muni- que, meu livro “Imagens curativas da alma. O Jogo de Areia —o caminho criativo do desenvolvimento da per- sonalidade”, Naquela época 0 Jogo de Areia ainda era método utilizado por relativamente poucos terapeutas Somente em 1985 Dora Kalff fundou, juntamente com um miicleo de terapeutas de Jogo de Areia, a Sociedade ‘Internacional de Jogo de Areia, ISST. Ainda niio existia ima Sociedade suiga ou alema. Também no Instituto C. 'G: Jung de Zurique o Jogo de Areia era pouco ensinado. Asituagéio mudou nitidamente nos tiltimos doze anos. A sociedade internacional ISST cresceu, tornando-se co- munidade relativamente grande de terapeutas do Jogo de Areia, devendo porém ser mencionado que ela incluia nao somente analistas junguianos, e sim muitos tera- peutas de outras linhas, e que no Instituto C. G. Jung de Zurique, como na maioria dos institutes internacionais, 0 Jogo de Areia foi reconhecido ¢ integrado ao curriculo como complementagio valiosa da andlise verbal. Ha varias razées pelas quais gostaria de familiari- zar os psicoterapeutas, em particular os junguianos, com © método terapéutico do Jogo de Areia: primeiro, pela possibilidade de incluir o corpo, téo negligenciado na and- lise ou terapia. Através do trabalho manual criativo na caixa de areia 6 ativado e posto em movimento néo s6 0 corpo do analisando, mas também freqiientemente 0 es- tado fisico do analisando se torna nitidamente visivel através dos cendrios, 0 que nao acontece na mesma me- 17 ) dida na andlise dos sonhos. O analista também se movi- { “‘menta mais no espago do consultério com esse método, 0 \ que contribui bastante para o seu estado fisico. + Além do mais, podemos observar no Jogo de Areia a postura de parceria terapéutica que de qualquer manei- ra jé fundamenta 0 entendimento terapéutico junguiano. A base do método do Jogo de Areia repousa na confianga ” em relagao as possibilidades curadoras no ser humano e no conhecimento delas pelo analisando. Na primeira fase criativa da terapia, a atividade se concentra totalmente no analisando; o analista permanece atento, mas reser- vado. Nessa fase nada é avaliado ou interpretado, o que é enorme alfvio para pessoas com sofrimentos psiquicos. ‘Terapeutas do Jogo de Areia so psicoterapeutas que, em fungiio do setting especifico do Jogo de Areia, se apresen- tam primeiramente como seres humanos. > E, last but not least, considero que é valioso e didati- co poder acompanhar a dindmica dos processos psiquicos mediante séries de imagens tridimensionais. Nao saberia dizer onde seria possivel fazer melhor observacao direta o <@ da impressionante e acertada.capacidade de auto-regu- s lagdo ede autocura da psique humana, compreendendo- ga depois através da recuperagao das imagens, sendo no so dogo de Areia. Por razées de discriggo e porque ultrapassaria a ex- tensao deste livro, ndo me é possivel apresentar e inter- pretar processos de Jogo de Areia inteiros. Por isso nas descrigdes de casos chamarei a atencao para os pontos especialmente importantes e t{picos para a compreensao do processo do Jogo de Areia. A grande vantagem 6 0 fato de que os cenérios podem ser fotografados, tornando os processos psiquicos visualmente acessiveis para 0 leitor. ~Mesmo assim é dificil fazer com que os processos psiqui- cos sejam inteligiveis e compreenstveis para quem est de fora, pois 6 aqui que se pode justamente dizer que ape- 18 nas aquele que jé vivenciou algo similar pode realmente compreender. 4 + Saliento que, na Psicologia Analitica, a psicologia de| C. G. Jung, chamamos as pessoas que vém a0 nosso co1 sultério de analisandos. Isso significa, no sentido ori nal, que fazem uma andlise verbal. Mas utilizo essa ex- pressdo para todos os adultos no meu consultério. Quando \ 2, digo “analisando” e ndo “analisanda” nao ha nada de \ discriminatério nisso. Para mim a denominagdo “o anali- Ie sando” € neutra, aplicdvel a homens e mulheres quando ! . nGo se tratar de pessoa especifica. Por outro lado, ndo digo “analista de Jogo de Areia”, apesar de eu ser analis- ta junguiana, mas “terapeuta de Jogo de Areia”, pois faz mais jus & realidade de que ha também terapeutas de Jogo de Areia que chegaram a esse método através de outra formagao bésica. A cditora e eu concordamos que seria correto tornar esse livro inteligivel também para os leitores que ndo dis- poem de grande conhecimento especializado. Procuro es- crever de maneira clara e direta. Os termos técnicos que nao pude contornar estio explicados no glossario no fim do livro. Aprendi o método terapéutico do Jogo de Areia com Dora M. Kalffem Zollikon, primeiramente como experiéncia prépria, depois como sua assistente por meio do trabalho terapéutico do Jogo de Areia com pacientes. Devo muito a Dora Kalff, pois ela nao s6 me introduziu nesse método excepcionalmente valioso, mas também me transmitiu muito conhecimento basico em relacao ao desenrolar de processos psiquicos e A postura terapéutica do analista. ‘Neste momento agradego ao padre Ivo Storniolo e & Paulus Editora por publicar meu livro em portugués no Brasil. Com isso a Paulus Editora colabora para que esse valioso método do Jogo de Areia seja difundido na Améri- ca do Sul. 19 Agradego especialmente a Marion Serpa pela sua iniciativa de traduzir o livro para o portugués. Marion Serpa fez, traducdo cuidadosa, competente e carinhosa que podera auxiliar todos os que desejam conhecer 0 método do Jogo de Areia. Sou muito grata também a Giselle Welter, que fez a revisdo da tradugio. Aqui também agradego especialmente a Eva, Maria ¢ Elisabeth, assim como a todos os analisandos que me deram permissao de usar os diapositivos de seus cené- ios, sem os quais 0 livro nao exi 20 1 INTRODUGAO AO METODO DO JOGO DE AREIA A terapia classica junguiana é a andlise dos sonhos. Nela acontece uma discriminagdo entre o estado cons- ciente eo inconsciente do homem, que se manifesta prin- cipalmente nos sonhos, mas também em visoes, imagi- nagées ou imagens pintadas. Tais manifestagdes do inconsciente procuram ser esclarecidas pelo analista em conversas com o analisando. Dessa maneira ele o ajuda a ter acesso as partes de sua personalidade e aos conteti- dos do Inconsciente Coletivo, até entao desconhecidos. ‘Também os fenémenos de transferéncia e contratrans- feréncia, que resultam dessa colaboragao intensa entre analista e analisando, sao trabalhados. A andlise junguia- na é sempre processo que toca e exige de ambas as partes. + Aanélise realiza-se principalmente no didlogo entre analista e analisando, pois é forma verbal da terapia. Esta ito que a personalidade do analista pode influenciar © decorrer da anélise de determinada maneira, por meio da forga e do poder da palavra, O analisando pode usar suas potencialidades verbais de forma positiva, e tam- bém fazer mau uso delas, a fim de esconder seu verdadei- roser. Alinguagem verbal é uma possibilidade de expres. sdo humana, ligada prineipalmente A consciéncia racional. Pela maneira como a pessoa fala conosco podemos entender sua atitude mental, sua estrutura de pensamen- 21 Vi fag Pa I 2 S 9 » i to. Para a maioria das pessoas é muito mais dificil ex- pressar sentimentos por meio da verbalizago, a nao ser que tenham talento especial para isso. Aalegria e o sofrimento, assim como o medo, a raiva ou o amor tomam conta da pessoa inteira, do corpo todo. Muitas vezes 0 corpo reage até algum tempo antes de nos tornarmos conscientes de que uma emogdo tomou conta de nés, 0 que ela é e como foi ativada. A pessoa pode, por exemplo, ficar rigida e paralisada de medo — seu corpo fica rigido, frio, sem vida. Quem observa pereebe logo que a pessoa esta com medo«'Iodavia, a propria pessoa nado tem palavras para descrever sua situagdo, néo consegue oO ‘expressar verbalmente o que fez surgir seu medo, pois os) motivos lhe s&o inconscientes. No entanto, talvez suas (9 maos possam dar forma ao “inconsciente” por meio de y 4 , uma imagem e, assim, torné-lo visivel. Ne Quanto mais profundamente as emogées e os senti- mentos esto escondidos dentro de nés, tanto mais pro- fundamente nossas lembrangas estao mergulhadas no inconsciente, ou quanto mais distante da consciéncia se |. encontra uma parte da personalidade, tanto menos pala- vras encontramos para descrevé-la. Nao temos palavras, | mas temos outras possibilidades de expressdo. Podemos ?? dancar, contar, pintar e representar eriativamente o que nos toca. Podemos estabelecer conexdes com outras pes- > soas nao somente por meio da linguagem verbal, mas tam- bém por meio do corpo, especialmente das maos. As méos formam uma ponte entre nosso mundo interno e externo. Com_as mos podemos fazer carinho e bater, podemos_ ,trabalhar, construir, transformar e criar. As mags sao | mediadoras entre espirito e matéria, entre imaginagao™ interna e criagdo concreta. Pela agdo das méos as ener- gias existentes se tornam visfveis. O método terapéutico do Jogo de Areia se baseia no principio de que, através da criagdo com as maos, as for- 22 ina Maos como mediadoras entre espirito e matéria. Fig. 1: as que atuam nas profundezas da alma se tornam visi- veis e reconheciveis, e que através das maos o interior 0 exterior, o espfrito e a matéria se unem. No Jogo de Areia 7 predomina a ago; fala-se pouco, principalmente nao de/ocq modo imediato ou de maneira racional e interpretativa. > Dentro da moldura protetora da caixa de areia, que tem ./_ 0 tamanho aproximado de 50 x 70 em, o analisando cria oe; seu mundo particular, com areia seca ou molhada e mui- tas pequenas figuras que estao a sua disposicao, da ma- neira como ele est constelado internamente neste mo- mento. Cria seu microcosmo pessoal (fig. 2). As figuras representam as forcas que nele atuam. « O analista comporta-se como observador. Faz um esquema da imagem na areia e tira uma fotografia no final. Pede que 0 analisando conte 0 que Ihe vem a men- te, o que mexeu com ele ou o abalou durante o processo. Observa cuidadosamente a imagem com 0 analisando, talvez registre o que est vendo, mas, no momento, nao faz interpretagées. O importante 6 que, depois da sessao 23 i « Fig. ‘rocosmo, imagem na areia de uma senhora de 42 anos. de terapia, 0 analisandg carregue dentro de si o seu mun- do, o seu microcosmo. Af ele atua emocionalmente até o préximo encontro, quando novamente cria uma imagem. A imagem na areia sera desfeita pelo analista depois da sesso, pois ndo deve permanecer no mundo externo. No seria correto interpretar a imagem logo apés sua construgao, pois hé o perigo de se fixar intelectualmente e interromper as correntes emocionais e sentimentais. 0 analisando diz entao: “Sim, é isso af. Essa é a minha situa- cdo!” Todavia, ela ainda néo 0 é; ela ainda seré algo novo. Asimagens singulares representam somente estagdes num longo processo de mudangas psiquicas, que de modo ne- nhum deve ser atrapalhado ou bloqueado. A arte do ana- ista consiste em reconhecer 0 que acontece nessa fase da terapia, 0 que se passa com o analisando, em proteger e apoiar o processo, em interferir na emergéncia, mas prin- cipalmente em comentar apenas 0 suficiente a fim de que 24 o proceso do analisando possa se desenvolver. Expressando isso com uma imagem: o analista cuida que 0 fogo sob 0 caldeirao, onde o processo animico do analisando est sen- do cozido, nao apague, mas também para que néio cozinhe demais, e 0 contetido do caldeirdo se queime ou estrague. Quero acrescentar que uma postura similar do ana- lista também é adequada na terapia verbal. Também nela_ se pode interpretar o suficiente para que o analisando nao se sinta atropelado, mas sim apoiado e estimulado em seu proceso. Quanto a interpretagao, parece-me que existem di- versas possibilidades no Jogo de Arcia, Elas dependem do tipo de procedimento terapéutico. Segundo minha ex- periéncia, existem dois tipos de processos fundamental- mente distintos: 0 proceso curativo € o processo de trans: /y, formagdo da viséo pessoal do mundo. O processo curativo atua em pacientes que sofrem de disturbios ou feridas psiquicas, que se formaram jé antes do nascimento ou na primeira infancia. Sofrem do chamado distirbio da relagdo primal, que os impossi ta de crescer com saudével confianga no mundo e no seu préprio processo de vida. Nesses casos 0 proceso tera- péutico leva as camadas vivenciais profundas da primei- ra infancia, nao acessiveis ao consciente e a verbalizagao. ‘A energia psiquica retorna ao nticleo saudavel da alma. Essas imagens e forcas da totalidade imperturbada sao revitalizadas e passam a atuar novamente através do Jo- go de Areia, levando a formagao de uma base sadia, sobre a qual a reconstrugdo da personalidade € possivel (veja capitulo 7).1 ‘No processo curativo o analisando vivencia fortemen- te a mudanga em seu ser. Uma interpretagio imediata 1e Kinderanalyse anhand von Sandbildern. Tese de Ammann, Ruth, tut, Zurique, 1979. sma no C. G. Jung: 25 ou posterior seria desnecessdria ou perturbadora. Isso 6 valido para criangas e para adultos que no conseguem ou ndo querem tomar consciéncia do seu processo. Em outros casos, principalmente 0 de estudiosos que preci- sam se submeter a andllise didatica, acho que é impor- tante olhar, trabalhar e interpretar os slides da série de imagens apés 0 término do proceso transformador, isto 6, quando é alcangado novo nivel de desenvolvimento, da mesma maneira como fariamos com uma série de sonhos. Além do mais, tive a experiéncia impressionante de que muitos analisandos sao capazes de interpretar suas ima- gens apés 0 término de seu processo, que pode durar meses. Vivenciaram as forcas curativas resultantes da sua criagdo e tal experiéncia provoca crescimento inter- no e amadurecimento. O proceso transformador acontece de maneira dife- rente. Aqui se trata de pessoas que em principio tém base de vida saudavel e Bu estavel, mas cuja visio de mundo é estreita e unilateral demais, ou se tornou doentia, Elas sentem que algo dentro delas nao est em ordem, so irre- quietas, desanimadas ou até depressivas ou doentes. Al- gumas sentem claramente (talvez a partir de seus sonhos) que se realiza transformagao ou que sera necessario am- pliacao da consciéncia, e entram conscientemente no pro- cesso, sem serem levadas pelo seu sofrimento inconsciente. Fazem parte dos processos de transformagao 0 con- fronto com a sombra (ver fig. 3), processos de transfor- magio na drea do feminino (veja capitulo 8), 0 encontro com 0 Si-mesmo como imagem divina, entre outros. Es- sas transformagies psiquicas, que mudam profundamente a viséo de mundo da pessoa pressupdem consciéncia do Eu saudavel e autovalorizagao, formando degraus no pro- cesso de Individuagao do ser humano, Em tais casos o analisando se confrontaré com cada um de seus cenarios de maneira mais intensa, desta- 26 Imagem na areia de uma senhora de 40 anos. A Fig. direita, o mundo claro, plano e intelectual. A vida insipi- da se dirige através da ponte para a esquerda, numa re- gido tumultuada, ocupada por um mundo cheio de som- bras monstruosas. cando seu significado e tomando consciéncia dele. De- pois o analista também pode apresentar com mais énfase sua visio do cenario e cuidadosamente formular inter- pretagdes. Contudo, mesmo assim é necessario cuidado, pois ndo podemos esquecer que a visa do mundo ultra- passada precisa em primeiro lugar ser dissolvida e aban- donada, para que uma nova visdo possa ser formulada. O analista, através de sua longa experiéncia, freqiien- temente jé tem nogao dessa nova visdo, mas jamais de- veria atrapalhar solugao diferente e inesperada, langan- do mao de interpretagéo imprudente. Apés a conclusiio do processo parece-me também muito importante nes- ses casos trabalhar cuidadosamente os slides desses ce- nérios. eet, ee te oy Resumindo, no Jogo de Areia processo de transfor- magdo integral, que inclui psique e corpo, desenvolve-se através da construgao criativa com as mos, de modo prin- cipalmente néo-verbal, e somente apés sua conclusio seré interpretado verbalmente, conforme os conceitos da psi- \cologia analitica. Por isso, no meu entender, néo classifi- aria 0 método do Jogo de Areia como basicamente nao- \verbal.? Mas, como ja foi dito, no decorrer dessa terapia~ ha fases claramente distintas. Primeiro verifica-se a fase néo-verbal e nao-interpretativa de construgio criativa, - \ quando o analista assume postura protetora, continente,* néo-verbal e compreensiva. Ele se concentra totalmente no processo de seu analisando, transmitindo-lhe sua con- fianga no proceso autocurativo da psique através daqui- Jo que ele, analista, 6, e nao através daquilo que fala. Tais perfodos silenciosos numa sesso de terapia, onde nada se conversa, so extremamente belos e valiosos. Nao 6 osiléncio do constrangimento, mas o siléncio consciente. Analista e analisando dedicam-se juntos ao mundo inte- rior do analisando e, nesse momento, estao muito proxi- mos um do outro. Na fase seguinte, a elaboracao analitica dos slides { dos cendrios, o analista assume o lugar de parceiro de | diseussdio, que ajuda o analisando a réconhecer, ordenar © intérpretar, tudo com o objetivo de ligar a mensagem das imagens com a experiéneia do analisando. Poderiamos chamar essas duas posturas terapéuti- cas do analista como materna e paterna, ou matriarcal e patriarcal. Kathrin Aspersdistingue uma postura tera- ‘péutica especificamente materna e outra, especificamen- te paterna.’ Eu, de minha parte, nao gostaria de denomi- \s one” 2Weiri, Estelle, Images ofthe éelf. Boston, MA: Sigo Press 1983. *Asper, Kathrin, Verlassonheit und Selbstentfremdung. A.8.0. Insb. Kp. “Therapeutische Haltung”™. 28 nar a diferenca desse modo, pois com isso hé referéncia a papéis sexuais especificos. Como analista nao me sinto nem maternal nem paternal, mas sempre como mulher. No entanto, minha atitude em relagao ao analisando e seu processo adquire peso diferente. Durante a fase cria- tiva atuam em mim forgas instintivas e fisicas, baseadas numa percepgao sensorial sutil, mas também na sensa- 40 corporal e na intuigdo, proporcionando a ligagdo empatica e emocional com o analisando, Isso nao se d4 inconscientemente, mas através da dedicagao consciente a essa atitude mais receptiva que compreende o ser hu- mano como um todo. No processo de elaboragao analitica que segue, emprega-se mais as forgas discriminadoras e ordenadoras, a razéo e também o sentimento como fun- go subjetiva avaliadora. Podemos esclarecer melhor essas duas posturas di- versas através das diferentes fungdes dos dois hemisfé- rios cerebrais.* O hemisfério direito (que atua sobre o lado esquerdo do corpo) trabalha com imagens globais e nao- verbais, e desempenha papel importante na elaboragéio de informagées emocionais. Parece-me importante acres- centar o fato de que a imagem corporal esta alojada no lado direito do eérebro.® O hemisfério esquerdo (que atua sobre o lado direito do corpo) € orientado verbalmente e ligado ao pensamento 6gico e objetivo, Ele trabalha racional e analiticamente. ‘Assim, penso que nas diferentes posturas terapéuti- cas as vezes domina mais a fungdo do hemisfério direito e outras vezes mais a fungao do esquerdo. Nenhuma de- las € melhor ou pior, pois resultam de atitudes diferen- tes, relacionadas as diferentes exigéncias do processo 4Becles, John C., Das Gehirn des Menschen. Munique: Piper 1984. Achterberg, Jeanne, Die heilende Kraft der imagination. Munique: Schere 1987, Insb. Kp. “Wissenschaft und Imagination”. 29 et oe terapéutico. Nos processos que visam a transformagdo da visio de mundo, as duas atitudes serao necessérios de for- ma mais ou menos concomitante e de maneira equilibrada. ‘Neste momento menciono que 0 uso equilibrado dos dois hemisférios nao s6 beneficia o analisando, como tam- bém é essencial para a satide mental, psiquica e fisica do analista, Fiz a experiéncia de que fico muito menos can- sada ou esgotada nos dias em que se alternam terapias com Jogo de Areia e anélises oniricas classicas, do que nos dias em que uma anélise verbal segue a outra. Esta é uma das razées pelas quais veria com bons olhos se 0 método do Jogo de Areia fosse levado em maior conside- ragdo entre os analistas junguianos. Desse modo, na ana- lise verbal seriam usadas ndo s6 imagens esporadicamen- te pintadas, mas também se disporia de método proprio para processos que exigem tratamento em nivel ndo-ver- bal, imagético-criativo e emocional. Se nos pusermos no ponto de vista do analisando e observarmos rapidamente os dois acessos terapéuticos e sua reagdo, veremos o seguinte: na primeira fase, a cria- tiva, ele é afastado da consciéncia critica e racional. O pensamento intelectual que nao se tefere & realidade e segundo o qual muitas pessoas foram educadas e ao qual estao entregues em sentido negativo ndo sera solicitado x ‘x no Jogo de Areia, mas evitado através do método em si. ( Serao ativadas a forca imaginativa e imagética e a fun- ‘Gao da realidade, no caso os sentidos, principalmente 0 tato, sentido tao importante para o ser humano. Com a ativagdo das emogdes e dos sentimentos, a fora imagi- nativa e o contato com a realidade se unem para compor a imagem do cenério. Explicarei melhor a combinagéo sutil entre imaginagao, matéria e emogao no‘capitulo (quarto, sobre a imaginacao. - "— Na segunda fase, na elaboragao analitica dos cené- rios, serd ativada a capacidade de observacao do anali- 30 sando. Ele deve gravar cada figura na sua posicao e inter- relagdo, elaborando entao essas informagées por meio do sentimento e do pensamento, ao mesmo tempo. Esse tipo de pensamento ndo estd fora da realidade nem sofre in- fluéncia da opiniao dos outros, mas esta relacionado com o que ha de verdadeiro na imagem e com o que o anali- sando de fato vivenciou enquanto a elaborou. ‘Aexperiéncia mostra que o Jogo de Areia mobiliza 0 analisando em todos os niveis do seu ser, confrontando-o ~* com seus lados conscionte e inconsciente e,aomesmotem- , dos sentidos, principalmente a observagdo exata da rea- lidade, pois 0 mundo externo e conereto tem enorme re- (5) percussao sobre o mundo interno, ps{quicoXHstamos > acostumados a pensar que o mundo interno, animico ¢ | fr espiritual se expressa, podendo-se dizer que se encarna| 8 no mundo externo, mas o inverso também ¢ valido. O meio. Gry, \ ambiente criado pelo homem e pela natureza repereute| 1 f jaa alma. E troca constante entre dentro e fora, entre psi que e meio ambiente.® Por exemplo, a observacdo cuidadosa do mundo ve- getal, de sua esséncia e de seu crescimento, propicia 0 re- Ammann, Ruth, Traumbild Haus. Olten/Freiburg Br: Walter 1987. Insb. Kp. 1: "Die Weehselvirgung zwischen Mensch und Haus". conhecimento de ordem e legitimidade, seguranga e orien- tagdo. O conhecimento profundo e instintivo sobre o mun- do vegetal no decorrer da mudanga das estagées do ano sobre o morrer e renascer da natureza também traz para o homem seguranga em relagao a sua propria vida vegetativa. Ele, por exemplo, se torna consciente de que © crescimento do “vir-a-ser” requer tempo, paz e prote- 40. Nao importa se o “vir-a-ser” se trata de trabalho cria- tivo ou da renovagao da visao de mundo, talvez de uma andlise ou de uma gravidez; para aqueles que estao fa- miliarizados com a esséncia do crescimento nao haveré espaco para impaciéncia ou pressio. Eles se dedicardo ao “yir-a-ser” com paciéncia e atengao. Todavia, seré que justamente o saber e a observacao das leis da natureza ‘so deficientes hoje em dia? Quantas mulheres esperam uma crianga endo podem ou no querem dar psiquica e fisicamente a ela 0 espaco tranqiiilo e saudavel que ela requer para 0 seu desenvolvimento? Conforme dissemos, muitas pessoas que procuram nossa ajuda sofrem do chamado distiirbio das relagées pri- mrias, isto é, distirbio na relagao entre mae e filho desde tempo da gravidez. No entanto, a mae, ou sua substitu ta, representa no primeiro periodo da vida da crianga o contato mais significativo com 0 mundo — ela é o mundo para a crianga. Como pode ela transmitir ao filho seguran- cae confianga no mundo e na sua vida, se ela prépria ndo A tecnologia? Sou de opinido que nao é suficiente amar 0 filho, nutri-lo e protegé-lo. A boa mae ou o bom pai deve familiarizar o filho com a esséncia da “mae natureza”, externa e internamente. Principalmente a confianga na prépria alma e no proprio corpo, 0 conhecimento acerca da satide e a doenca e sobre a respeito da sexualidade a crianca jamais aprenderd na escola: esse conhecimento 6 transmitido através do modelo dos pais no dia-a-dia. Esse desprezo ou até desdém diante dos processos evidentes e nao espetaculares da natureza também se estende de maneira prejudicial para o corpo humano. O corpo se torna o irmao menosprezado do privilegiado es- pirito. Claro, no me refiro ao corpo como pega de exposi- do para modelagem ¢ beleza fisieas, mas ao corpo como parte da nossa totalidade, que est ligado ao mundo ma- terial conereto e sujeito As suas leis de desenvolvimento e decadéncia. = Pode-se dizer que corpo é menosprezado, mas tam- bém se pode dizer que o espirito é desligado das condigies humanas e materiais de maneira nociva. Podemos obser- var essas fantasias soltas ou vos espirituais de formas di- ferentes, por exemplo, no éxtase da droga ou do alcool, na teorizagao sem pé nem cabega, no ensimesmar-se em de- vaneios ou também em certas praticas psicolégicas que visam A inflagdo da personalidade. Na maioria dos casos podemos supor que as pessoas afetadas tentam escapar de suas condigées de vida insatisfatérias, Por tais moti- tem relacdo boa e confidvel em sua prépria natureza? . Parece-me que a desinformagao e o desinteresse pe- «| tos processos da natureza, aos quais também pertencem iy oe Perse = >| o-caminho do sol, da lua e a posigao das estrelas, podem | ser negatives para a confianga basica do ser humano em sua vida neste mundo, Nao parece 6bvio que o jovem ob- Vos nao podemos negligenciar o corpo como parte material °%, “da totalidade de nossa personaligade, nem o ambiente con-a*,,_ creto, no tratamento terapéutico, caso contrario haveré oé., perigo de ciséo entre o mundo abstrato, espiritual, ¢ 0 < mundo material. Pois, como j4 foi dito, hd troca constante @ __ serve e conheca primeiramente seu corpo, seu meio am- biente mais préximo, o reino vegetal e animal de sua ter- ra natal, antes de se dedicar ao conhecimento abstrato ¢ 34 entre o mundo espiritual e o mundo material. A negligén- cia de um produz caréncia no outro e a dedicagao cuidado- sa a um produz 0 enriquecimento do outro. 35 Acima me referi ao caminho do sol e a posicéo das estrelas. Apraz-me esclarecer, com pequeno exemplo, quéo importantes eles so, nao apenas em determina dos contos de fada, quando o heréi ou a herofna procu- ram ajuda e orientagdo no sol, na lua e nas estrelas. Certo menino de nove anos, que veio fazer terapia comi- go, entre outras coisas sofria de grandes medos, pois te- mia se perder na cidade grande, onde tenho o meu consul- t6rio, e nao encontrar de novo o caminho para casa. Naturalmente, seus medos expressavam também, mas nao s6, sentir-se perdido internamente. Desenhei para ele na areia um mapa aproximado da cidade. Depois colocamos uma rosa dos ventos com os quatro pontos cardeais. Ele entendeu que sua casa estava a leste do meu consultério. Mas como poderia saber onde € 0 les- te? Observamos e falamos sobre as caracteristicas das quatro estagdes do ano e o caminho do sol durante um dia, e relacionamos as mudangas de estagées. Rapida- mente o menino apreendeu onde se encontrava o sul e, partir disso, onde ficava o leste. E a noite, quando 0 sol nao brilha? Ele observou e apreendeu isso com seu pai, passando a saber que sempre ha determinada estrela que mostra onde fica o norte. Essa experiéneia com o sol e as estrelas Ihe proporcionou grande alivio e crescente seguranga para sua pequena personalidade dentro des- te mundo tao grande. O exemplo talvez parega insignificante. Contudo, quantos adultos sabem em que direcao se encontra a ja- nela da sua sala? Quais plantas, aves ¢ insetos habitam seu jardim? E quantos conhecem o jardim da sua alma? ‘Um cendrio de areia também é uma espécie de jar- dim aw alma, onde o dentro € o fora se encontram. Nele > Pua pessoa po v ‘i entre mundo interno e mundo externo, dentro de um es- x ‘pago protegido. y x 36 ee de observar e apreender a reciprocidade 4, Fig. 4: Jardim da alma. Cenario de uma senhora de 42 anos. Para enfatizar novamente a extraordindria importan- cia da natureza para a alma, gostaria de citar Laurens van der Post, escritor e conhecedor da natureza interna e externa: Ocxame da historia da Europa, da civilizagdo, das quais se originam a maioria de nossos valores, mostra que, com o tempo, surgiu uma ciséo catastrofica na cultura huma- na. Quanto mais racionais nos tornamos, tanto mais per demos 0 contato com a.confianca basica, o “ser conhecido” ea sensacdo de pertinéncia. Essa cisdo evocou a perda de sentido em nosso coragao e em nosso esptrito. E continua: Uma fonte de grandes desentendimentos em nosso mundo moderno consiste na fantasia de que tudo dentro de nds seja subjetivo e que o mundo verdadeiro e objetivo se en- contra fora de nds. Isto é tao absurdo quanto falso_Ngs Yemos um mundo incomensuravelmente objetivo dentro de nds, Esse 60 mundo com 0 qual recentemente os psicdlogos 37 estdo se ocupando cada vez mais. Eles jé constataram que a cisdo, o estado psiquico quase esquizofrénico da humani- dade de hoje, remonta é rejeicao, negligéncia e exploracao desse mundo interno, dessa formidavel selva natural, obje- tiva e maravilhosa dentro de nbs, 0 jardim da nossa alma. Carl Gustav Jung, talvez 0 tinico verdadeiramente gran- de homem que jé conheci, me contou como descobriu, ain- da crianea, para seu grande desgosto, que existem dois estados de consciéncia no mundo: um que ele chamou de consciéneia natural, ou do campo, e outro, consciéneia da cidade. Esta lhe pareceu, como me parece hoje, cada dia ‘menos real, assustador e como um pesadelo, ¢ seu desejo de retornar para a consciéneia natural ou do campo tor- | now-se cada vez maior e urgente. “Quanto mais me fami- |, Hiarizet com a vida assustadora das cidades, maior setornou minha conviceao de que aquilo que conheci como realidade nao era realidade, e sim distoreao e degeneracao do espiri- to humano que se fez passar pela ‘realidade’. Senti sauda- des dessa realidade que, conforme me pareceu, faltava ou | se perdeu. Queria ver realizada a visio do mundo como campo entre rios e florestas, com homens e animais, pe- quenas aldeias banhadas pelo sol, com nuvens pasando, noites claras e escuras — um mundo no qual podem ocor- rer coisas maravilhosas, incertas ¢ imprevisiveis. E 0 mun- do da natureza que nos cireunda seria a paisagem aberta, néo apenas um lugar no mapa, mas 0 mundo de Deus, ordenado por ele e repleto de significado secreto." Laurens van der Post descreve dessa forma os efei- y tosquea negligéncia da natureza externa e interna tém para a alma do ser humano. Também nos pensamentos de Jung, citados por Van der Post, aparece a saudade da .0,)eonseiéncia natural e o significado que Jung da & nature- za, ordenada por Deus e repleta de sentido. A introducao ao Jogo de Areia, do meu ponto de vis- ta, ndo seria completa sem mencionar o paralelismo acen- tuado do Jogo de Areia com a alquimia. Uma vez que pos- *Van der Post, Laurens: “Die Wildnis im Garten der Seele”, in: Sphins- ‘Magazin, H. 32 junhojjulho 1986. 38 so relacionar essa duas areas, intriga-me o fato de que, nos dois métodos, existe ligacdo importante entre a reali- zagao material e concreta com o trabalho teérico e psico- logico do proceso. Na/alquimia denominava-se a rea- ago concreta de “operatio” e 0 trabalho te6rico de “theoria”. Os dois se uniam no “opus”, a obra alquimica. Na alquimia, como também no Jogo de Areia, a imagina-L),, 40 desempenha papel importante, resultando da inter- relacdo de componentes materiais, fisicos e psiquicos. “Yz,__ Em suas Memérias,® Jung descreve no seu trabalho,,. . com os textos alquimicos como pereebeu uma estranha “® concordancia entre a psicologia analitica e a alquimia. Descobriu que a experiéncia dos alquimistas coincidia com as suas préprias, e que o mundo dos alquimistas em cer- to sentido era seu proprio mundo. Com isso encontrou a contrapartida histérica para sua psicologia do incons- ciente, conferindo-lhe dessa forma um fundamento his- t6rico. A possibilidade de comparacao com a alquimia, bem como a continuidade de volta até as correntes religiosas do gnosticismo, por ocasido do nascimento de Cristo, de- ram-lhe substéncia. Ocupando-se dos textos antigos, Jung encontrou lugar para tudo: 0 mundo pictérico da imagi- nagio, 0 material vivencial que ele coletou a partir da sua pratica e as conclusdes que disso tirou — tudo isso ‘comegou a se ordenar com sentido. Em outro lugar importante® Jung escreve que a al- quimia adiantou o trabalho para a psicologia do incons- ciente, e o fez de maneira significativa. De um lado, dei- xando involuntariamente a compilacao de seu simbolismo como valioso material ilustrativo para a moderna inter- Jung, C.G., Erinnerungen, Traume, Gedanken. Zurique’Stutigart: Rascher 1962, p. 208. Jung, C. G., “Mysterium Coniunetionis”, i Freiburg Br: Walter 1971, p. $36. (trad. brasileira: O.C. de C. G. Jung, Petropolis: Vozes 1990, Vol. 14/2, § 404.) 39

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