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Parnaíba-PI
ISSN 2447-7354
Alcebíades Costa Filho, Antônio Wallyson Silva & Enos Soares da Silva Neto
Sumário
Expediente .................................................................................. 03
Resenhas:
Abelheiras: Trezentos anos de história.
Márcio Douglas de Carvalho e Silva........................................................ 67
ISSN 2447-7354
Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano III, n. 05. Julho-Dezembro de 2017. Parnaíba-PI
Expediente
A Revista Piauiense de História Social e do Trabalho é um periódico científico de
acesso livre e gratuito, de edição semestral, vinculado à plataforma Mundos do
Trabalho Piauí, e tem como objetivo facilitar e difundir investigações teóricas, pes-
quisas e resenhas que contenham análises, críticas e reflexões sobre o Mundo do
Trabalho (urbano e rural), com enfoque no Estado do Piauí, nas mais diversas tem-
poralidades e temáticas variadas, como: formação do mercado de trabalho, traba-
lho escravo, diversificação do mundo do trabalho, movimento operário, imprensa
operária, cultura operária, dentre outros, aceitando também colaborações com aná-
lises de outras realidades em localidades distintas.
Corpo Editorial
Coordenação e Edição:
Prof. Alexandre Wellington dos Santos Silva
Prof. Msc. José Maurício Moreira dos Santos
Conselho Consultivo:
3
Profa. Msc. Amanda Maria dos Santos Silva
Profa. Msc. Ana Maria Bezerra do Nascimento
Prof. Msc. Francisco Raphael Cruz Maurício
Profa. Msc. Maria Dalva Fontenele Cerqueira
Prof. Msc. Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa
Prof. Msc. Yuri Holanda da Nóbrega
Foto de capa:
“Fachada do estabelecimento commercial da Ourivesaria Franco, de Raymundo Pereira
Franco. FLORIANO - PIAUHY”. In: FOLGUEIRA, Manoel Rodrigues (Org.) Ál-
bum artístico comercial do Estado do Piauí. 2ª ed. Teresina: Fundação Cultural
Monsenhor Chaves, 1987. p. 112.
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Alcebíades Costa Filho, Antônio Wallyson Silva & Enos Soares da Silva Neto
Resumo
A historiografia subestimou o papel da lavoura de alimentos no processo de forma-
ção da sociedade piauiense, valorizando a atividade de pecuária com base no reba-
nho de gado bovino. Documentos como o “Almanaque do Cariri” (1952), “Enci-
clopédia dos Municípios Brasileiros” (1959), “O Livro do Centenário de Parnaíba”
(1944), “O Piauí no Centenário de sua Independência: 1832 – 1923” (1923) “Cro-
nologia do Piauí Republicano: 1889- 1930” (1988) foram essenciais para a compo-
sição do texto. Desconstroem a imagem do Piauí vivendo exclusivamente da pecu-
ária, permitindo visualizar o papel do cultivo de alimentos, em especial da mandio-
ca e cana-de-açúcar, no contexto da economia piauiense, na primeira metade do
século XX.
4 Palavras chave: Lavoura de alimentos; Mandioca; Cana-de-açúcar.
Abstract
Historiography underestimated the role of food tillage in the process of formation of
Piauí society, promoting a livestock activity based on the cattle herd. Such docu-
ments as “Cariri Almanac” (1952), “Encyclopedia of Brazilian Municipalities
(1959)”, The Book of Parnaíba Centenary” (1944), “Piauí on the Centenary of its
Independence: 1832 - 1923” (1923) and “Chronology of the Republican Piauí:
1889-1930” (1988) were essential for a composition of the text. Such texts decons-
truct the image of Piauí as state that lives exclusively from livestock, allowing the
visualization of the role of food crops, especially manioc and sugarcane, without
the context of the Piauí economy in the first half of the 20th century.
Keywords: Food crops; Manioc; Sugar cane.
1
Professor Doutor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e da Universidade Estadual do Piauí
(UESPI). alcebiadescf@yahoo.com.br
2
Graduando do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Maranhão (UE-
MA). wallysonpoker@outlook.com
3
Graduando do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI),
aluno PIBIC. enosneto70@gmail.com
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Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano III, n. 05. Julho-Dezembro de 2017. Parnaíba-PI
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Piauí, Berlengas, Longá, Marathaoan, área centro norte do Piauí, não é mais o
Surubim, Jenipapo, Camurupim, São prolongamento da estiagem, entre um
Miguel e Portinho. Em geral, com nas- período e outro de chuvas, agora são
cente localizada no Piauí, muitos cursos anos de chuvas escassas. A partir da
d’água secam durante os meses de ve- década de 1870 e seguintes, a questão
rão. Rios que tem nascente no vizinho esteve na pauta de debates dos poderes
estado do Ceará como o Poti, Pirangi e administrativos do Império e Republica.
Piracuruca, também atravessam a regi- Nas primeiras décadas do século XX se
ão e de alguma forma se interligam ao evidencia as mazelas da seca de 1915
conjunto das águas do Parnaíba, princi- que além da falta de chuvas, provocou
pal rio perene que atravessa o centro diminuição na produção de alimentos,
norte do Piauí, concorrendo para fertili- uma parcela da população foi atingida
zar a terra. A região possui várias lagoas pela fome e o quadro de miséria se
aproveitadas para a pesca e suas mar- agravou devido à migração dos estados
gens para o cultivo. Em Buriti dos Lo- vizinhos4, faltou água potável para as
pes se destaca a lagoa Grande do Buriti pessoas e animais. Junto com a seca a
que é atravessada pelo rio Longá e, se- perda do cultivo e a crise de abasteci-
gundo o Almanaque do Cariri1, nos mento.
anos de 1950 era possível encontrar às Na primeira metade do século passa-
suas margens “maravilhosos campos de do a região também foi castigada por
cultura” de arroz. enchentes. Na década de 1920, invernos
Períodos de verão e inverno se alter- rigorosos entre 1924 e 19265 ocasiona-
1 4
Almanaque do Cariri, p. 590. Nascimento, 1988, p.189.
2 5
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, volume Nascimento, 1988, p.202-206.
6
XV, p. 456. O Piauí no centenário de sua independência,
3
O livro do centenário de Parnaíba, 1944, p. 111. 1923, p. 38, 74, 111.
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propriedade havia vários roçados, cada da, até que a vegetação alta não seja mais
morador ou agregado construía sua possível e os arbustos e a vegetação raquítica
própria roça e, dependendo do número proclamem a aridez e esterilidade da terra14.
de pessoas, pagando em produto e ser-
viço o uso da terra. Como se observa, a técnica de cultivo
A roça é a unidade de produção. Na era antiga e habitual utilizavam de ins-
primeira metade do século passado, na trumentos como enxadas, foices, ma-
região centro norte do Piauí, pela quan- chados, facões e outros. Como a técnica
tidade de rios fertilizando a terra, era de cultivo, os produtos cultivados eram
comum as vazantes e as roças de brejo, os mesmos das épocas mais remotas,
aproveitando os “baixios (alagadiços) invariavelmente, repetindo-se entre os
que se prestam admiravelmente à cultu- municípios. Nas mesorregiões centro-
ra do arroz e da cana de açúcar”13. As norte e norte do Piauí, cultivavam fei-
roças tiveram papel fundamental na jão, milho, arroz, mandioca e cana-de-
vida da população piauiense da primei- açúcar, cultivo consorciado. Embora se
ra metade do século XX, era de onde a tenha notícia de roças exclusivamente
população retirava o mantimento neces- de mandioca ou cana. Na década de
sário para a sua subsistência. Há um 1920, na mesorregião centro norte do
depoimento interessante sobre a lavoura Piauí, o pequeno município de São Pe-
de mantimentos, relativo ao município dro do Piauí era considerado o celeiro
de Miguel Alves. da microrregião do médio Paranaíba,
pela abundante produção de arroz, mi-
A agricultura pode dizer-se a principal indús-
tria do município... É ainda a lavoura exten-
lho, mandioca, feijão e fava15. Na déca-
da de 1950, em Barras do Maratahoan 9
siva, da foice, do machado e da enxada, - “a mandioca, o arroz, o feijão, o milho,
serviço muito primitivo, mas, ao que parece, a batata [...] a cana de açúcar e outros
destinado a perdurar ainda por dilatados produtos agrícolas são abundantes, sa-
tempos. tisfazendo plenamente as necessidades
De maquinas agrícolas só conhecemos, no de sua população e dos demais municí-
município, dois arados, um descaroçador, pios do norte do Estado, para onde são
uma grade e uma semeadeira... vendidos em grande partida”16.
O agricultor, sem descortino e atado (...) as Da produção agrícola, só o milho e
suas tradições rotineiras, não compreende feijão eram vendidos “in natura”, embo-
lavoura que não seja pela tremenda devasta- ra se tenha informação da transforma-
ção das derribadas anuais. ção do milho e do arroz em fubá. O ar-
E, assim, a foice, o machado e em seguida o roz antes de ser vendido, passava pelo
fogo, na sucessão dos anos, vão exercendo o processo de despolpamento, que consis-
seu terrível destino destruidor das matas, que te em tirar o grão da casca que o envol-
extinguem pelo empobrecimento das terras ve. A produção de cana-de-açúcar e
repetidamente encapoeiradas. mandioca, geralmente, era processada e
A natureza luxuriante e viçosa desta região comercializada na forma de novos pro-
tropical refaz com rapidez as capoeiras e dutos: farinha, tapioca, aguardente, ra-
queimadas, mas acontece que estas se suce-
dem, sem ordem, sem disciplina, sem previ- 14
dência, nos mesmos lugares mal refeitos ain- O Piauí no centenário de sua independência,
1923, p. 39-40.
15
O Piauí no centenário de sua independência,
13
O Piauí no centenário de sua independência, 1923, p. 39-40.
16
1923, p. 19. Almanaque do Cariri, p. 552.
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Alcebíades Costa Filho, Antônio Wallyson Silva & Enos Soares da Silva Neto
17
Almanaque do Cariri p.546.
18
O Piauí no centenário de sua independência,
19
1923, p. 261. Costa, 1974, p. 211.
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Quadro 01: Informações sobre engenhos na região Consideramos que esta informação se
centro norte do Piauí
refere à mesma usina da década de
1920.23
Mas a maior parte da produção de
cana era processada em pequenos enge-
nhos. A técnica de fabricação é também
muito antiga como se observa na cita-
ção abaixo.
Fonte: O Piauí no centenário de sua independência;
Almanaque do Cariri. A fabricação de rapaduras é feita pelos roti-
neiros processos ensinados pelos jesuítas do
No Piauí da primeira metade do sé- século XVI; moída a cana em toscos “enge-
culo passado, engenho é moenda, pe- nhos” de madeira, puxados pelos bois, dei-
quena máquina de madeira ou ferro xando no “bagaço” pelo menos 30% da saca-
para moer a cana, movida à tração ani- rina, vai o caldo para o fogo em tachos de
mal ou a força d’agua, como ficou o cobre, saindo com muitas impurezas, e ainda
registro em oito dos municípios em aná- em estado liquido, para uma gamela d’onde
lise. Embora não conste dados sobre vai para a forma. Para o fabrico da aguar-
engenhos em Parnaíba, ficou registrado dente usam “alambique” de cobre. “A fabri-
que nesse município os gêneros da cul- cação do açúcar não se conhece”24.
tura agrária também são os mesmos dos
outros municípios: cana, arroz, feijão, A produção nos municípios analisa-
milho, mandioca, gergelim, aipim, bata-
ta20. Em “O livro do centenário de Pa-
dos é basicamente de rapadura e aguar-
dente, mas também Regeneração fabri- 11
ranaíba” consta que a cana de açúcar cava açúcar, igualmente a Teresina e
constitui importante lavoura nas ilhas Parnaíba25. Vejamos o quadro 02, sobre
do delta21. E que nessa época havia uma a produção de rapadura e aguardente de
fábrica de açúcar no município. cana no Piauí em meados do século
A ausência de dados sobre Teresina passado.
não implica que não houvesse cultivo e
beneficiamento de cana no município.
Nos anos de 1920 esteva em funciona-
mento uma usina açucareira no sitio
Santa Anna de propriedade de Gil Mar-
tins Gomes Ferreira22. Segundo a “En-
ciclopédia dos municípios brasileiros”,
na década de 1950, no município de
Teresina estava em funcionamento uma
usina de produção de açúcar, “denomi-
nada Usina Santana, situada a 23 qui-
lômetros da capital, recentemente recu-
perada e aumentada consideravelmente
à área de plantio de cana-de-açúcar”.
23
Enciclopédia dos municípios brasileiros, 1959, p.
20
O Piauí no centenário de sua independência, 640.
24
1923, p. 74. O Piauí no centenário de sua independência,
21
O livro do centenário de Parnaíba, 1944, p. 110. 1923, p. 290.
22 25
O Piauí no centenário de sua independência, O Piauí no centenário de sua independência,
1923, p. 26. 1923, verbete Regeneração.
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Gutiele Gonçalves dos Santos
A CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA
ESCRAVA NO PIAUÍ COLONIAL:
Escravidão na cidade de Oeiras
do Piauí no século XVIII
Gutiele Gonçalves dos Santos1
Resumo
Este artigo busca compreender a escravidão, africana e mestiça, na capitania de São
José do Piauí tendo como base documental os registros de batismos e de casamen-
tos da freguesia de Nossa Senhora da Vitória da cidade de Oeiras durante os anos
de 1760-1800. Para tanto, observaremos aspectos como a demografia escrava, as
etnias africanas, a constituição da família escrava e as dinâmicas e conexões exis-
tentes entre a África e o Maranhão Colonial, espaço jurídico-administrativo portu-
guês no qual se inseria a capitania do Piauí.
Palavras-chave: Escravidão, Fontes paroquiais, Família escrava.
16 Abstract
This article aims understand slavery, African and mestizo, in the captaincy of São
José do Piauí having as evidence base baptisms records and weddings of Our Lady
parish Victory City Oeiras during years of 1760-1800. Therefore, we will see things
like the slave demographics, African ethnic groups, the establishment of a slave
family and the dynamics and connections between Africa and Maranhao Colonial,
legal and administrative space in which Portuguese was part the captaincy of Piaui.
Keywords: Slavery, Parochial sources, Slave Family.
1
Graduanda em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Piauí – Campus Senador Helvídio
Nunes de Barros, e integrante do NUPEDOCH – Núcleo de Pesquisa e Documentação em História e bol-
sista no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC. E-mail: gutielegoncal-
ves12@gmail.com
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Gutiele Gonçalves dos Santos
feito pela relação de desobriga do dito Mappa das cidades, vilas, lugares e freguezias das capi-
tanias do Maranhão e Piauhy: com o numero em geral
ano. No que se refere à cidade de Oei- os abitantes das ditas capitani-as... [S.l.: s.n.], 1787. 1
ras, o rol de desobriga seria entregue mapa ms., desenho a tinta nanquim, 62 x 48.
pelo vigário Dionísio José de Aguiar
onde informava ter averiguado: 324 fo-
gos; 169 fazendas 1411 pessoas livres e
1084 ditas cativas. A desobriga era o
meio utilizado pelos religiosos para ba-
tizar as pessoas em lugares onde não
havia igrejas e padres residentes, assim
os religiosos saiam em direção aos ser-
tões e batizavam nas casas, fazendas e
capelas. A desobriga, além de possibili-
tar a proximidade dos súbitos e demais
colonos com as regras da cristandade,
funcionava também como um meio efi-
ciente dos religiosos conhecerem os di- Fonte: <goo.gl/kf48JM>. Acesso em: 01 nov. 2016.
versos lugares da colônia.
No final do século XVIII de acordo Pelos registros de batismos e de ca-
com o mapa abaixo, produzido em 1787 samentos também nos é possível traçar
por José Teles da Silva, Governador do genealogias de famílias escravas, obser-
Maranhão e Piauí, tem o intuito de var as regras, as constituições de redes
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vés do tráfico negreiro, isso não seria escravos e que muitas vezes não eram
um impedimento para que a cultura brancos,9 em um dos registros de batis-
africana se disseminasse no Brasil6. mos a fala de Reis pode ser reafirmada:
Para Paul Gilroy, o “atlântico negro”
seria não só palco das circulações de Aos cinco dias do mês de agosto de mil sete-
mercadorias, de um lado a outro dos centos e noventa e um anos nesta igreja ma-
três continentes, mas também um agen- triz de Nossa Senhora da Vitoria da cidade
te demarcador de uma nova identidade de Oeiras do Piauí bispado do Maranhão
cultural, inscritas por escravos ladinos batizou solenemente e pus os santos óleos de
que preservariam e, em alguns casos, licença minha o padre Mathias da Costa
remodelariam tradições culturais do Pereira a preta Maria de nação umbaca de
sujeito moderno7. Porém essa cultura e idade de vinte anos pouco mais ou menos
costumes africanos não seriam trazidos escrava da preta Antônia Vieira [grifo meu]
intactos para o novo mundo. Para Sid- moradora nesta cidade foram padrinhos Bal-
ney W. Mintz e Richard Price, não há tazar dos Reis Pinto Casado e Liandra e
como afirmar a existência de uma Maria Solteira todos moradores nesta mesma
transposição da cultura africana para as cidade do que para constar fiz esse assento e
Américas sem a mesma fosse contami- assino.10
nada por outras culturas.
Vale ressaltar que relatos como esse
Nenhum grupo, por mais bem equipado que não amenizam as dificuldades que se
esteja, ou por maior que seja sua liberdade de tinha em viver em um sistema escravis-
escolha, é capaz de transmitir de um local
para outro, intactos, o seu estilo de vida e as
ta, apenas devolve ao escravismo sua
historicidade construída por agentes 19
crenças e valores que lhe são concomitantes. sociais múltiplos, entre eles senhores e
As condições dessa transposição, bem como escravos, esclarecendo-nos fontes co-
as características do meio humano e material munitárias de resistência frente à escra-
que a acolhe, restringem, inevitavelmente, a vidão11.
variedade e a força das transposições eficazes.
(MINTZ e PRICE 1992, p.19) Imposição dos Santos Óleos: Batismos de
escravos na cidade de Oeiras.
O universo escravo era bem mais Para Miridan Brito, autora de Escra-
complexo e diversificado do que antigas vos do Sertão, a introdução da escravaria
analises permitem vislumbrar8. A escra- no Piauí foi cercada por rituais de legi-
vidão se disseminou de tal modo que timidade de posse, indo do batismo – o
não só apenas eram donos de escravos tempo de surgir e nascer do escravo - até
os grandes proprietários de terras, onde a sua completa subordinação ao mundo
brancos escravizavam negros. Como do trabalho e dos ditames do senhor.
afirma o historiador João José Reis à Fazendo-nos pensar na importância do
escravidão estava amplamente dissemi-
nada por todo tecido social por que ha- 9
WEB TV UFBA. 721. CONECTA - A escravidão no
via proprietários de um, dois ou três Brasil e seus reflexos, por João José Reis. Disponí-
vel em: <goo.gl/evLq3C>. Acesso em: 01/10/2015.
6 10
DE CASTRO FARIA, Sheila. A colônia em movi- Registros de Batismos 1760-1790. Arquivo da
mento: fortuna e família no cotidiano colonial. Arquidiocese de Oeiras.
11
Editora Nova Fronteira, 1998. SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: espe-
7
GILROY, Paul. Atlântico negro, O. Editora 34, ranças e recordações na formação da família es-
2001. crava: Brasil Sudeste, século XIX. Editora Nova
8
Id.Ibidem. Fronteira, 1999.
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Gutiele Gonçalves dos Santos
“ser escravo no Piauí” e sua relação tural do escravo e dos africanos de dife-
com a estrutura política, econômica e rentes origens/etnias trazidos pelo tráfi-
religiosa local, cabia à igreja católica co, compreendendo sua vida na socie-
registrar tais rituais com o objetivo de dade escravista brasileira. A partir de
sacramentar o parentesco espiritual en- uma analise preliminar realizada em
tre batizados e batizandos. Apesar de vinte registros de batismos, pode-se
existir certa padronização dos registros compreender as principais característi-
de batismos as informações registradas cas e informações contidas nesses do-
nos ajudam juntamente com o auxilio cumentos paroquiais da cidade de Oei-
de outras fontes compreender uma soci- ras do período que vai de 1773-1801.
edade de um determinado período.
Além disso, é perceptível o esforço Gráfico 01: Informações dos registros de batismos,
Oeiras, 1773-1801
empreendido pela igreja católica junta-
mente com a Coroa Portuguesa de
normatizar e controlar a sociedade atra-
vés do batismo visto que visavam afas-
tar os costumes vindo da África consi-
derados inferiores reafirmando o sacra-
mento do batismo como primordial na
vida cristã.
As informações disponibilizadas nos Fonte: Registros de batismos - Arquivo da Arquidiocese
de Oeiras.
registros de batismo da freguesia de
20 Nossa Senhora da Vitória o documento
básico sempre consta local e data da Nos registros analisados consta o
realização do sacramento, nome do ce- nome de quarenta e dois escravos dentre
lebrante, nome do batizando e de seus pais, padrinhos e batizandos, vinte e um
pais e padrinhos, onde moravam e o escravos são do sexo masculino e vinte
nome do proprietário do escravo (a) que e um do sexo feminino, dentre eles pre-
estava sendo batizado. tos, crioulos e africanos. Os escravos
Os registros de batismos eram o úni- africanos são de etnias diversas como
co meio visto pelos senhores de escravos Angola, Mina, Jejes, Gentio da Guiné e
para comprovar que os nascidos em Umbaca. Em relação aos locais dos ba-
seus planteis eram efetivamente seus, tismos a maioria foram realizados em
uma vez que o inocente nascido de uma fazendas, o restante foram realizados na
escrava não havia nem um registro de Matriz de Nossa Senhora da Vitória, e
posse [matricula], pois, não tinha ocor- alguns em capelas da região. Consta o
rido uma transação comercial, além nome de quinze donos de escravos,
disso, segundo Faria o batismo signifi- além daqueles que possuíam a Real Ins-
cava a comprovação de ser a pessoa peção de Nazaré, Canindé e Piauí. Sete
filhos dos pais e da terra alegado12. batizados foram de filhos naturais e on-
Estas novas fontes documentais a ze foi o número de batizados que não
exemplo dos registros de batismos, pos- constam os nomes dos pais. Em um dos
sibilita-nos enxergar a humanidade cul- batismos os padrinhos eram um casal de
índios, e em cinco dos registros os pa-
drinhos eram escravos, os restantes ana-
12
DE CASTRO FARIA, Sheila. A colônia em movi- lisados os padrinhos não possuem ne-
mento: fortuna e família no cotidiano colonial. nhuma denominação, presumindo-se
Editora Nova Fronteira, 1998. p. 307 que fossem todos brancos. Dentre os
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13 15
Ver Sheila Castro Faria. GRUZINSKI, Sergio. O pensamento mestiço. São
14
Ver SLENES, Robert. W Paulo: Cia das letras, 2001
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Gutiele Gonçalves dos Santos
diferentes origens ou até mesmo entre sibilitaria uma estrutura para manter o
negros e índios. escravismo, ou seja, era vista pelos se-
Os registros de casamentos eram na nhores de escravos como um meio ou
sua maioria padronizados e nas infor- uma estratégia de assim garantir a “paz
mações constavam sempre data e local nas senzalas”, pois a família se tornaria
da celebração, nome do celebrante, no- uma espécie de refém do seu senhor
me dos noivos e na grande maioria logo evitando assim revoluções/conflitos
em seguida do nome dos noivos havia a entre a senzala e a casa grande, além
sua origem, qualificação pela cor ou sua disso, também existiam os casamentos
condição social, nome dos pais dos nu- endógamos que serviram como meio de
bentes, o nome das testemunhas que pacificação entre as senzalas uma vez
geralmente eram duas, e o nome do que a união de escravos da mesma ori-
proprietário dos noivos no caso dos ca- gem serviria para se isolarem dos afri-
tivos. canos recém-chegados de origens distin-
De acordo com Manolo Florentino e tas e também como um controle da Ca-
José Roberto Goes, vista as várias pos- sa-Grande17.
sibilidades das estratégias tecidas pelos Robert Slenes não compartilha desse
escravos através da formação da família argumento, pois segundo ele “essa paz”
ou dos casamentos formais (realizados seria apenas uma fachada, uma vez que
pela igreja) é possível observar que os os escravos e os senhores viviam experi-
donos de escravos também visavam al- ências de vida totalmente distintas não
gumas estratégias. Ao contrario do que sendo possível essa harmonia entre am-
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rás com fulana; e daí por diante os deixam pedimento algum. Em 1766 os pretos
conversar entre si como seja fossem recebidos forros Francisco de Matos de Franco e
por marido e mulher; e dizem que os não Eugenia ambos da nação jeje assumi-
casam porque temem que, enfadando-se do ram perante o concilio tridentino a con-
casamento, se matem logo com peçonha ou dição de casados. Porém, antes disso,
com feitiços, não faltando entre eles mestres Eugenia teve que apresentar ao vigário
insignes nesta arte. Outros, depois de estarem da freguesia de Nossa Senhora da Vitó-
casados os escravos, os apartam de tal sorte, ria prova de que seu ex-marido o preto
por anos, que ficam como se fossem solteiros, Domingos de Souza havia falecido e
o que não podem fazer em consciência. Ou- que ela estava agora desimpedida e
tros, são tão pouco cuidadosos do que perten- pronta para recomeçar uma nova vida.
ce à salvação dos seus escravos, que os têm O que confirma a hipótese de que a uni-
por muito tempo no canavial ou no engenho, ão formal era valorizada pelos escravos
sem batismo; e, dos batizados, muitos não e consequentemente pelos senhores de
sabem quem é o seu Criador. (ANTO- escravos, uma vez que, ambos visavam
NIL,171, pág. 32) interesses, com os sacramentos da igre-
ja.
Podemos ainda observar as Consti- Ainda com esse mesmo registro po-
tuições Primeiras do Arcebispado da demos fazer outra observação, mesmo
Bahia, documento eclesiástico que regu- os escravos sendo alforriados [livres] a
lava o casamento com orientações que denominação “preto forro” está presen-
servia para todo Brasil colonial. Segun- te, não só nesse registro citado acima
do essa legislação eclesiástica os escra-
vizados podiam unir-se com pessoas
mas, em todos os registros de batismos e
casamentos quando a condição do es- 23
cativas ou livres: cravo já é de liberto, denomina-se como
forro, e em alguns casos encontra-se
Conforme o direito divino e humano os es- registrado ainda o nome do seu antigo
cravos podem casar com outras pessoas cati- proprietário reforçando assim a condi-
vas ou livres e seus senhores lhe não podem ção de que já fora escravo.
impedir o matrimônio, nem o uso dele em Os autores do livro, Provas de liberda-
tempo e lugar conveniente, nem por este res- de: Uma odisseia atlântica na era da eman-
peito os podem tratar pior, nem vender para cipação, Rebecca J. Scott e Jean M. Hé-
outros lugares remotos, para onde o outro, brard pontuam que o termo alforriado
por ser cativo, ou por ter outro justo impedi- embora constatasse um estatuto de livre,
mento o não possa seguir19. (VIDE 1720, poderia ser intencionalmente desrespei-
pág.125) toso, lembrando publicamente que esse
indivíduo tinha sido escravizado em um
Em um registro de casamento da ci- determinado momento20.
dade de Oeiras podemos ver como um Em outro registro de casamento, po-
escravo poderia se casar mais de uma demos perceber o quanto a celebração
vez na igreja comprovando não ter im- do matrimonio era apreciado, sendo um
motivo de festa e alegria. No casamento
19
Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia de um casal de africanos, ambos do
feitas, e ordenadas pelo Ilustríssimo, e Reveren-
díssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide: 20
Provas de liberdade: uma odisséia atlântica na
propostas, e aceitas em o Synodo Diocesano, que era da emancipação. SCOTT, Rebecca J; HÉBRARD,
o dito Senhor celebrou em 12 de junho do ano de Jean M & JOSCELYNE, Vera. (2014). Campinas:
1707. Disponível em: <goo.gl/r843cA>. Acesso Editora da Unicamp, 2014.
em: 26 de Nov.2015.
ISSN 2447-7354
Gutiele Gonçalves dos Santos
Aos três dias do mês de outubro de mil sete- Um negro da maior fama de Vaqueiro, e que
centos e sessenta nesta matriz, fazendo às enquanto foi vivo fez sempre o papel de Rei
vezes de reverendo vigário, tendo se denunci- nas suas festas, se foi para lá esta vizinhança
ado os contraentes abaixo nomeados em três de seus Parentes para uma Serra, que se
dias festivos [Grifo meu], na missa da * que chama a Cumba, que por comumente seve de
se disse aos fregueses, na forma do sagrado muitas pares do Sertão, e daí saiam já as
concilio tridentino sem terem impedimento Estradas e fazendas a matar os brancos. Da-
algum todos moradores nesta cidade em mi- qui se firma uma razão; pela qual não con-
nha presença se receberam com palavras de vém negro sem amo; ficou porém ainda fugi-
presente, com presença de testemunhas Antô- do um Jozé Negro da Administração, que
nio Carvalho da Cunha, e de Antônio Alves amancebado com uma negra alheia inteirou
também moradores nesta cidade, Christovão dez anos nesses matos, do que tendo Eu noti-
do Rego, preto forro do gentio da guiné, com ciado botei fama compraria a Negra e os
Thereza preta forra do mesmo gentio, logo deixaria casar para se salvarem ao que saí-
lhes dei as benções conforme os ritos e ceri- ram logo eles cumprir a promessa, no que me
monias da santa madre igreja do que para botei apertar, porque diziam os mais haviam
constar, fiz este assento, que assino21. de fugir com Negras para terem semelhante
fortuna. Porém advertindo os males tempo-
Portanto, toda essa analise trazida rais, e também eternos que costumam provir
22
Memória de Domingos Gomes sobre a descrição
21
Registros de Batismos 1760-1790. Arquivo da das fazendas existentes no Piauí. AHU - PIAUÌ - CU
Arquidiocese de Oeiras. - 016, Cx. 7. Doc. 15. 02 de Dezembro de 1722.
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Hamanda Machado de Meneses Fontenele
Resumo
A presente pesquisa é desdobramento de uma pesquisa do Programa de Bolsas de
Iniciação Científica - PIBIC. O trabalho escravo no ciclo da cera de carnaúba cons-
titui-se como um problema que ganhou visibilidade após sucessivas denúncias ao
Ministério Público do Trabalho no Piauí. Data da década de 1930 a criação dos
primeiros aparatos legislativos de regulamentação do trabalho, paralelo a essa or-
ganização, destaca-se no Piauí o vulto econômico da produção cera de carnaúba.
Assim objetivamos compreender a aplicação da legislação na cadeia produtiva
através do paralelo entre a literatura sobre o ciclo produtivo da carnaúba e as do-
cumentações encontradas nos arquivos digitais, públicos e por meio de fontes orais,
para constatar que o trabalho escravo, nessa cadeia produtiva caracteriza-se como
contínuo, ocorrendo quando o sujeito perde direitos concedidos pela legislação ela-
Abstract
The present research is the result of a research of the Program of Scientific Initia-
tion Grants - PIBIC. The slave labor in the carnauba wax cycle constitutes a pro-
blem that gained visibility after successive denunciations to the Public Ministry of
Labor in Piauí. In the 1930s, the creation of the first legislative machinery for labor
regulation, parallel to this organization, stands out in Piauí the economic value of
the production of carnauba wax. Thus we aim to understand the application of le-
gislation in the production chain through the parallel between the literature on the
production cycle of the carnauba and the documentation found in the digital files,
public and through oral sources, to verify that the slave labor, in this productive
chain, is considered to be continuous, occurring when the subject loses rights gran-
ted by the legislation elaborated and applied by the State.
Keywords: work; slavery; carnauba.
1
Graduanda do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI.
Email: hamandafontenele@gmail.com
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uso das fontes orais, Alessandro Portelli vidão que se mantinham na sociedade
nos diz que: desde o final do século XIX2, nesse con-
texto, começou a vigorar a Consolida-
Fontes orais contam-nos não apenas o que o povo ção das Leis Trabalhistas, o Ministério
fez, mas o que queria fazer, o que acreditava está do Trabalho, Indústria e Comércio em
fazendo e o que agora pensa que fez. Fontes orais 1930 e da Justiça do Trabalho em 1934
podem não adicionar muito ao que sabemos, por em busca de fiscalizar e amparar a rela-
exemplo, ao custo material de uma greve para os ção trabalho-capital. Com isso, Ângela
trabalhadores envolvidos; mas contam-nos bas-
de Castro Gomes (Gomes 1982 p.151)
tante sobre os seus custos psicológicos. (POR-
TELLI, 1997, p.31) afirma que “os anos 1930 e 1940 são
verdadeiramente revolucionários no que
Compreendendo as objeções que di- diz respeito ao encaminhamento da
recionaram a elaboração desse estudo, é questão do trabalho no Brasil”.
preciso também compreender o contex-
to histórico a qual se insere. Trata-se Do trabalho escravo
inicialmente a primeira metade do sécu- ao trabalho análogo à escravidão
lo XX, momento em que o Brasil viven- Ao tratar dessa temática, é preciso
ciava uma efervescência política e eco- considerar e perceber a singularidade de
nômica em decorrência das eleições cada contexto, pois há um espaço entre
republicanas, bem como o surgimento a experiência vivida e a experiência nar-
de novos ideais políticos voltados espe- rada que permite-se alterar com as no-
cialmente para o âmbito do trabalho e vas concepções que o tempo apresenta,
28 dos trabalhadores. Segundo Nascimen-
to, (1994, p12-13 apud Pereira, 2015,
nesse sentido Edward P. Thompson
(Thompson, 1981, p.17) afirma que
p.50) “no Piauí esse movimento foi “frente a essas experiências, velhos sis-
marcado pela derrota dos “coronéis” temas conceituais podem desmoronar e
donos de latifúndios e pela vitória de novas problemáticas podem insistir em
um grupo que tinha suas atividades impor presença”. Assim, quando fala-se
mais ligadas ao comércio”. No Piauí, a sobre escravidão, tende-se a remeter a
primeira metade do século XX ficou discussões abolicionistas do século XIX,
marcado economicamente pelo declínio porém a abolição da escravidão é deri-
da pecuária e destaque dos ciclos extra- vado de um processo que advém do fi-
tivistas, principalmente da cera de car- nal do século XIX, voltado para uma
naúba, mas também de babaçu, algo- conjuntura de leis que propunham o fim
dão, maniçoba entre outros. Nesse sen- da escravidão negra e caracteriza-se
tido, a produção e exportação represen- como marco inicial no Brasil para liber-
tavam prosperidade para a receita esta- dade no que diz respeito ao trabalho.
dual, ainda que o referido momento No entanto a mentalidade escravocrata
fosse de corte orçamentário em decor- e de cerceamento da liberdade individu-
rência da crise derivada pela Segunda al permeiam nos dias atuais, nesse caso,
Grande Guerra (PIAUÍ, 1938, p.15).
No âmbito da política nacional, Ge- 2
A escravidão contemporânea analisada aqui é
túlio Vargas assumiu a presidência na- diferente da escravidão que se processava antes
cional através de um governo provisório da assinatura da Lei Áurea. Esta primeira não é
estendido de 1930 a 1934 a qual iniciou- caracterizada pela perda da liberdade, isto é, por
se a estruturação de um Novo Estado, ser propriedade, mas sim, pela perda dos direitos
de cidadania e não só de direitos sociais do traba-
onde tornaram-se vigentes políticas que lho (GOMES, 2012).
objetivavam apagar os traços de escra-
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centração motivado por conflitos de lho no Piauí, porém no ano de 1934 foi
gênero político e ideológico. São exem- implantado o Serviço de Identificação
plos desses campos, os gulags soviéticos Profissional pelo decreto-lei n. 21.175 a
espalhados na Sibéria e na Ucrânia, os qual o encarregado foi Luiz Gonzaga
campos de concentração Nazista na Menezes. Segundo informações do Cen-
Alemanha, Áustria e Polônia, o campo tenário da Parnaíba:
conhecido como Villa Grimaldi na Amé-
rica do Sul, Crystal City localizado na Em setembro de 1939, esteve em Parnaíba (umas
América do Norte, entre outros espa- das principais cidades produtoras de cera de car-
lhados pelo Globo. naúba) o Dr. Ubirajara Índio do Ceará, então
Segundo Norberto Ferreras (Ferreras, Delegado Regional do Trabalho, no Piauí. Teve
a oportunidade de verificar a vida dos parnaiba-
2016, p.496) ‘para a OIT a escravidão
nos, nos seus múltiplos aspectos do trabalho, e
significava uma forma extrema de de- compreendeu a necessidade da criação de um
gradação do ser humano, e portanto, Posto Permanente de Fiscalização do M.T.I.C.
não dizia respeito às suas condições, (O Livro do centenário da Parnaíba, p. 241)
vinculadas ao trabalho legal”. Desse
modo, o que estava em análise não era à Esse relato nos leva a questionar so-
liberdade, mas sim o trabalho, de modo bre o que foi visto pelo então Delegado
que o indivíduo é analisado através do Regional do Trabalho, principalmente
prisma da liberdade, ou seja, da capaci- os “múltiplos aspectos” levados em
dade de venda da força de trabalho e consideração para implantação de um
não da posse, isto é, do indivíduo en- posto fiscal permanente, pois sabe-se do
30 quanto propriedade de outro.
Em teoria, o trabalhador brasileiro
contraste entre a vida de trabalhadores e
empregados tanto no tempo presente
encontra-se amparado por uma legisla- quanto em décadas passadas sobre isso,
ção que objetiva a proteção da dignida- é inegável a nitidez do fato. Não obstan-
de humana. Esses sujeitos também en- te, somente no ano de 1952 foram insta-
contram-se salvaguardados pela Decla- lados três postos de fiscalização nas ci-
ração Universal dos Direitos Humanos dades de Parnaíba, Campo Maior e Flo-
(1948) a qual dispõe que “todos os ho- riano - até então, as grandes produtoras
mens nascem livres e iguais em dignidade e de cera - visando principalmente a higi-
direitos” e reafirma o princípio a qual ene e segurança do trabalho. (CARIRI,
“ninguém será mantido em escravidão ou 1952). Outro questionamento diz respei-
servidão”. Para além disso, houve a im- to a ação dos postos de trabalho, uma
plantação do Ministério do Trabalho, vez que ainda estava em estado inicial
uma das primeiras medidas trabalhistas de organização e trabalho.
implantada no Brasil no Estado Novo. Em contrariedade aos trabalhadores
Juntamente a esse órgão, foi implantada urbanos que passaram a ser alvo de todo
a Justiça do Trabalho, criada em 1934 aparelhamento legislativo e trabalhista
em decorrência do artigo n°122 da na década de 1930, os trabalhadores
Constituição de 1934, objetivando jul- rurais somente passaram a ser ampara-
gar e conciliar os conflitos surgidos, in- dos legalmente a partir da década de
dividual ou coletivamente, entre empre- 1960, sob a presidência de João Goulart
gados e empregadores, bem como (1961-1964), que junto ao Parlamento
quaisquer controvérsias surgidas no legitimou a lei n°4.214, denominada
âmbito das relações de trabalho. Estatuto do Trabalhador Rural, que dis-
Em 1935 inicia-se a organização do põe de forma sistemática sobre condi-
serviço regular do Ministério do Traba- ções políticas e econômicas do contrato
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interesse que o Europeu e o Norte Ame- pontos iniciais voltado para as finanças
ricano tomam em adquiri-la”. no governo de Leônidas de Castro Melo
Segundo Carlos Eugênio Porto (Por- estava voltado para estimulação da ri-
to, 1974 p.114) “a riqueza dos carnaú- queza para o desenvolvimento da pro-
bas gerou uma multiformidade na estru- dução no Estado. Com isso, o governo
tura econômica do Estado e desequilí- do Estado vinha se empenhando pelo
brio na uniformidade nos padrões soci- plantio e cultivo racional da carnaubei-
ais piauiense”, pois o valor obtido na ra, sendo já apreciáveis os resultados
comercialização da cera da carnaúba alcançados em alguns municípios na
trouxe para a sociedade uma nova clas- década de 1940.
se de ricos que reverteram suas riquezas Devido a seu incentivo às riquezas
em automóveis de luxo e objetos luxuo- estaduais apresentados pelo então inter-
sos e de pouca utilidade. O autor ainda ventor federal Leônidas de Castro Melo,
destaca que essa “nova classe de ricos” a exportação da cera de carnaúba se
é diminuta em relação ao povo, que em sobressaiu nacionalmente. Sua assistên-
sua maioria, não teve ganho significati- cia voltava-se principalmente aos produ-
vo. Porto (Porto, 1974, p.113) segue tores e a melhoramento das vias de
afirmando que “por volta da década de transporte para escoamento da produ-
1940, os trabalhadores eram remunera- ção, através de uma crescente malha
dos por três arrobas com o vencimento rodoviária e ativação do porto de Amar-
de 15 a 20 cruzeiros, sendo Inegavel- ração, bem como utilização do porto de
mente barata”. Passados mais de meio Tutóia no Maranhão, que no mais tar-
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2015). No entanto, a obrigatoriedade de ração não são tão díspares e que a falta
disposição de equipamentos de proteção de uma consciência sobre o conceito de
individual fornecidos pela empresa tor- exploração, permite que durante os anos
naram-se obrigatórios em 1977, como trabalhadores exerçam atividades em
parte do Artigo 158 da Consolidação condições degradantes tal qual citadas
das Leis Trabalhistas, incluído pela Lei ao longo dessa pesquisa.
n°6.514, de 22 de dezembro de 1977 a Outra questão relevante diz respeito
qual discorre que: ao descaso do Estado em relação ao
meio rural, que por sua vez constitui o
Cabe aos empregados: principal pilar econômico do país. Ao se
I - observar as normas de segurança e medi- colocar como responsável por sanar a
cina do trabalho, inclusive as instruções de escravidão e condicionar dignas condi-
que trata o item II do artigo anterior; ções de trabalho no meio rural, através
Il - colaborar com a empresa na aplicação da elaboração de leis e instituições, o
dos dispositivos deste Capítulo. Estado apresenta um retrocesso, enten-
Parágrafo único - Constitui ato faltoso do dendo que a vigência de uma legislação
empregado a recusa injustificada: vasta e com textos semelhantes em prol
a) à observância das instruções expedidas de uma única causa, sem acompanha-
pelo empregador na forma do item II do arti- mento de uma fiscalização que só pode
go anterior; ser empreendida unicamente pelo esta-
b) ao uso dos equipamentos de proteção indi- do, torna-se ineficaz. E assim como o
vidual fornecidos pela empresa. (LEI Nº ditado brasileiro para leis ou regras con-
6.514, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1977) sideradas demagógicas e que não são
cumpridas na prática, a legislação de 35
Como visto, segundo a legislação combate à escravidão torna-se “lei para
trabalhista, desde a década de 1970, inglês ver” bem como as primeiras leis
cabe ao empresário cumprir com a abolicionistas que tinham como função
norma de segurança e medicina do tra- ofuscar a prática escravocrata para o
balho, caso contrário, sofrerá penalida- mercado capitalista internacional.
de, tendo em vista que este torna-se res-
ponsável pelo empregado. Ainda assim, Referências:
a prática se distancia do que a legislação ALMANAQUE DA PARNAÍBA. Edi-
exige, como fica claro na fala do traba- ção do autor: Parnaíba, 1929.
lhador. ALMANAQUE DO CARIRI, 1952.
BRASIL. Decreto-Lei n. 5452, de 1º de
Considerações finais maio de 1943. Aprova a Consolidação
Ao nos depararmos com a fala de um das Leis do Trabalho. Diário Oficial
homem que vivenciou o trabalho em [dos] Estados Unidos do Brasil, Poder
carnaubais em temporalidades distintas, Executivo, Rio de Janeiro, DF, 9 ago.
é possível primeiramente reafirmar o 1943. Secção 1, p. 11937-11984.
esquecimento do trabalhador rural, visto D’ALVA, Oscar Arruda. O extrativis-
que o entrevistado por vezes denota um mo da Carnaúba no Ceará. 2004. Dis-
tom de surpresa em suas palavras refe- sertação (Mestrado em Desenvolvimen-
rentes a medidas trabalhistas e recebe to e Meio Ambiente) - Núcleo de Pós-
como novo o que permeia desde o início Graduação Programa Regional de Pós-
do século XX nos meios do trabalho. É Graduação em Desenvolvimento e
preciso reiterar também que do século Meio Ambiente, Universidade Federal
XX aos dias atuais, as práticas de explo- do Ceará, Fortaleza.
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Hamanda Machado de Meneses Fontenele
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Resumo:
O presente artigo se propõe a discutir a emergência do jornal Frente Popular no Piauí
como tentativa de constituição de uma imprensa contra-hegemônica no Piauí. Nes-
ta perspectiva, analisamos a importância da Frente de Mobilização Popular no Pi-
auí como lócus de gestação de estratégias contra-hegemônicas que se traduziram
através de palestras, ações legislativas e publicações impressas como o jornal Frente
Popular que contou com apenas uma edição. As reflexões de Antonio Gramsci
acerca das questões de hegemonia e contra-hegemonia são importantes aportes teó-
ricos que orientam a análise do referido jornal como espaço de construção de um
projeto político e cultural que buscava construir as bases de uma nova sociedade.
Palavras-chave: imprensa; Piauí; Contra-hegemonia.
Abstract:
This article proposes a question from the Popular Front newspaper in Piauí as an
attempt to establish a counter-hegemonic press in Piauí. In this perspective, they
analyze the Factor of Popular Mobilization in Piauí as a locus of gestation of coun-
37
ter-hegemonic structure that were translated in terms of laws, laws and printed pub-
lications like the Popular Front newspaper that had only one edition. As Antonio
Gramsci’s reflections on the issues of hegemony and counter-hegemony are im-
portant theoretical contributions that guide an analysis of the newspaper as a space
for building a political and cultural project that sought to build as a basis for a new
society.
Keywords: press; Piauí; Counter-hegemony.
1
Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí. Professor do Curso de Direito do Insti-
tuto Camillo Filho. Email: ramsespinheiro@hotmail.com
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Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa
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Um projeto audacioso: o jornal Frente Po- Nacional dos Estudantes, e Severo Sa-
pular no Piauí les, diretor daquela entidade. É possível
Por volta de junho de 1963, membros que estes universitários fossem os aludi-
da “Frente Nacional de Mobilização dos membros da FMP que vieram ao
Popular” procedentes do Estado da Piauí incentivar a organização desta
Guanabara estiveram no Piauí e estabe- entidade no Estado (LOPES, 1963a, p.
leceram contato com as “forças progres- 06).
sistas” deste Estado, sobretudo, com “os Este relato da criação da FMP no Pi-
setores operários, camponeses, estudan- auí foi escrito pelo jornalista Ribamar
tis e parlamentares”. O assunto que es- Lopes e publicado no jornal nacionalista
tes emissários da FMP vieram tratar O Semanário em junho de 1963. É im-
com os piauienses era “a instalação em portante enfatizar que a constituição
Teresina, do Comitê Estadual dessa desta frente no Piauí tornou-se possível
organização política destinada a traba- porque já havia um processo lutas soci-
lhar em favor das reformas de base”. ais em curso no Estado. Em 1961, foi
Tal proposta encontrou pronta recepção organizado o I Congresso Sindical dos
das “forças progressistas” do Piauí Trabalhadores e Camponeses do Piauí.
(LOPES, 1963a, p. 06). No ano seguinte, foi constituído o Con-
Pouco tempo depois, ocorreu a pri- selho Sindical de Teresina. Por sua vez,
meira reunião entre os membros da em 1963 os camponeses do Estado cria-
FMP e “os operários, camponeses, es- ram a União dos Camponeses do Piauí.
tudantes, parlamentares e demais entu- Em meio a este processo de diferentes
siastas da causa” na Câmara Municipal
de Teresina situada na Praça Rio Bran-
experiências organizativas dos trabalha-
dores piauienses, havia um personagem 41
co, no Centro da cidade. Na segunda comum: o Partido Comunista Brasileiro
reunião, promovida no dia 17 de junho (PCB).
no mesmo local, foi formado o Comitê Deste modo, argumento que a influ-
Estadual da FMP no Piauí por represen- encia do PCB foi tão ou mais importan-
tações “dos setores de classe mais nu- te que a influencia de Leonel Brizola no
merosos do Estado, como sejam os de processo de constituição da FMP no
operários, camponeses, estudantes, fun- Piauí. Esta tese se torna mais plausível
cionários públicos, e, ainda, representa- através da atuação do militante comu-
ções de associações de bairro, da im- nista Ribamar Lopes. Sua condição de
prensa e rádio e dois vereadores muni- correspondente de diversos jornais de
cipais de Teresina e dois deputados es- esquerda (Novos Rumos, O Semanário,
taduais” (LOPES, 1963a, p. 06). Terra Livre e Liga), bem como sua forte
A primeira Comissão Diretora da presença no movimento camponês, lhe
FMP no Estado foi constituída pelo conferiu um lugar especial na articula-
deputado Deusdedith Mendes Ribeiro, ção desta frente no Piauí. Em agosto de
como presidente; jornalista Ribamar 1962, a FMP piauiense lançou um
Lopes, como vice-presidente; universitá- “Manifesto pelas Reformas” que expli-
rio Francisco Celso Leitão, secretário- citava suas posições. Alguns trechos
geral; camponês José Esperidião Fer- deste documento foram compilados por
nandes, como tesoureiro-geral; e operá- Ribamar Lopes em matéria publicada
rio Fortunato Batista, como tesoureiro. no jornal Novos Rumos:
Nesta reunião falaram diversos militan-
tes, entre eles os universitários José Car- O manifesto passa a tratar da atuação que
los Brandão, Vice-presidente da União terá a FMP, no Piauí, dizendo que ela “fun-
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Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa
cionará no meio do povo, assim como se fosse sonagens, seja no esforço de utilizar
um comício permanente, pondo em descober- uma linguagem que lhes fosse familiar.
to as origens dos problemas e organizando o O esforço da FMP em estabelecer
povo para a batalha de solução, que os me- canais de diálogo com os trabalhadores
lhor informados já sabem qual é. A FMP e a população piauiense foi registrado
está, pouco a pouco, espalhando-se pelo Bra- no texto “Frente de Mobilização Popu-
sil inteiro, formando as forças populares que lar no Piauí”, escrito pelo jornalista Ri-
irão encaminhar as reformar até as últimas bamar Lopes e publicado no jornal Hora
consequências. No Piauí, a sua presença tem do Piauí em outubro de 1963:
o mesmo sentido que terá no Amazonas e no
Rio Grande do Sul, porque o sofrimento esta A FMP-PI reúne-se todas as terças feiras nas
no País inteiro e o desejo de melhoria esta em proximidades da Câmara Municipal de Te-
toda parte”. (LOPES, 1963b, p. 06). resina, em sessões públicas, para abordar os
problemas da política nacional e estadual,
O referido Manifesto ainda pontuava num debate amplo e honesto, com a finali-
que para alcançar seus objetivos, a FMP dade única de esclarecer a opinião pública do
propunha-se “a ensinar o povo o que Estado. Às quintas-feiras, vem promovendo a
são as Reformas e como pode consegui- realização de palestras nas principais ampli-
las”. Deste modo, o Comitê Estadual da ficadoras localizadas nos bairros de Teresina,
FMP demonstrava uma concepção co- oportunidades em que são explicadas ao povo
mum às organizações de esquerda deste as causas de suas dificuldades, de sua misé-
período, em especial do PCB, de colo- ria, indicando os caminhos da redenção na-
42 car-se como vanguarda de um projeto
revolucionário que deveria ser compre-
cional, através das reformas de base. (LO-
PES, 1963c, p. 08).
endido e assumido pelos trabalhadores.
Portanto, a FMP tinha o desafio de ela- É possível imaginar a enorme reper-
borar pedagogias para convencer os tra- cussão das atividades de propaganda
balhadores e a população piauiense so- dos militantes da FMP através das am-
bre a importância das reformas de base. plificadoras situadas nos bairros da capi-
Tal processo era fundamental na gesta- tal, uma vez que a cultura radiofônica
ção de uma nova hegemonia calcada atingia uma parcela gigantesca da popu-
nos interesses do povo. lação de Teresina. Por outro lado, a
Não é preciso ressaltar que a posição referida matéria também discorreu sobre
de vanguarda reivindicada pelas esquer- a importância que a Frente atribuía a
das, portanto pela FMP, tinha como “leitura popular”, o que nos leva a refle-
pressuposto uma evidente subestimação tir sobre o lugar dos jornais na estratégia
da capacidade dos trabalhadores de desta organização em fomentar um dis-
compreender e atuar sobre sua própria curso contra-hegemônico cuja ênfase
realidade através de suas experiências recaia sobre às reformas de base.
cotidianas (THOMPSON, 1987, p. 10). Neste sentido, a FMP nacional tinha
Todavia, é interessante acompanhar um órgão de propaganda próprio, o
como a elaboração de pedagogias pela Panfleto – o jornal do homem da rua perió-
FMP piauiense também implicou na dico que circulou entre os meses de fe-
construção de correspondências com as vereiro e março de 1964. Os militantes
experiências cotidianas dos trabalhado- da FMP no Piauí também constituíram
res piauienses, seja no tocante a aborda- seu próprio órgão de comunicação, tra-
gem de situações vividas por estes per- tava-se do jornal Frente Popular – o poder
para o povo. A única referencia sobre este
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Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano III, n. 05. Julho-Dezembro de 2017. Parnaíba-PI
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Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais Sousa
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um único ponto: criar uma opinião pú- Sabemos que a partir do grande Comício da
blica favorável às reformas de base. Tra- Guanabara em que o Presidente João Gou-
tava-se de investimentos em um discur- lart assinou aqueles históricos decretos, agu-
so contra-hegemônico visando gestar çou-se no país inteiro a campanha de agita-
uma nova hegemonia pautada pelos ção golpista dos inimigos das Reformas. Di-
interesses do povo piauiense, sobretudo, ante do gesto de coragem do Presidente da
dos camponeses. Sobre a relação entre a República, e da presença de centenas de mi-
imprensa e a opinião pública, Darnton lhares de brasileiros, aplaudindo em praça
argumentou que: pública os grandes lideres populares, a reação
entrou em pânico. (...)
Os sistemas de comunicação têm uma histó- O Piauí, nesse momento, é testemunha elo-
ria, ainda que raramente os historiadores a quente desse processo único e irreversível de
estudem. O poder dos meios de comunicação unidade e de luta, que estremece o Brasil de
em moldar fatos e dar-lhes cobertura foi um norte a sul. A nossa presença, é bem a prova
fator crucial na Revolução Francesa, quando de que também vivemos a intensidades destas
o jornalismo surgiu pela primeira vez como lutas decisivas para o destino da Pátria. Pois
uma força nos negócios de Estado. Os revolu- daqui, donde o latifúndio erguera a sua pra-
cionários sabiam o que estavam fazendo ça forte, lançamos corajosamente nossa pala-
quando carregavam prelos em seus desfiles vra de ordem, que é de absoluto apoio ao
cívicos, e quando reservavam um dia do ca- Presidente João Goulart e às Reformas por
lendário revolucionário para comemorar a ele iniciadas. (NOSSA, 1964, p. 08).
opinião pública (DARNTON, 1990, p. 16).
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1964, as tropas do General Mourão Fi- variantes e índices. Rio de Janeiro: Civi-
lho começaram a marchar rumo ao Rio lização Brasileira, 2002. 495 p. v. 6.
de Janeiro. O Golpe Militar havia inici- LOPES, Ribamar. I Encontro dos
ado. O jornal Frente Popular representou Camponeses e Comitê da Frente de
uma entre muitas tentativas de se cons- Mobilização Popular. O Semanário,
truir um mundo melhor naqueles tor- Rio de Janeiro, p. 06, 06-12 jun. 1963.
mentosos anos. É exatamente neste as- (a)
pecto que reside toda sua riqueza. A LOPES, Ribamar. FMP do Piauí: Ma-
história também é feita de tentativas, nifesto pelas Reformas. Novos Rumos,
ou, como ressaltou Thompson, daqueles Rio de Janeiro, p. 06, 02-08 ago. 1963.
“becos sem saída” (THOMPSON, (b)
1987, p. 13). LOPES, Ribamar. Frente de Mobiliza-
São estes “becos sem saída” que ção Popular no Piauí. Hora do Piauí.
guardam todo um universo de expecta- Rio de Janeiro, p. 08, 01-15 out. 1963.
tivas e sonhos que não se realizaram, (c)
mas que ainda mantém toda importân- MEDEIROS, Antonio José. Movimen-
cia para a compreensão das ações da- tos sociais e participação política. Te-
queles homens e mulheres que lutaram resina-PI: CEPAC, 1996.
por um mundo melhor. NOSSA posição. Frente Popular. Tere-
sina, p. 08, mar. 1964.
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______. Cadernos do cárcere - Literatu-
ra. Folclore. Gramática. Apêndices:
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Matheus França dos Santos
ESPAÇO PRATICADO:
desenvolvimento urbano de Teresina
Matheus França dos Santos1
Resumo
O objetivo desse trabalho é analisar as práticas espaciais e sua relação com o desen-
volvimento urbano de Teresina, a partir do extrativismo vegetal nos anos 1900 a
1930. Dentro desse estudo, observaremos o surgimento dos discursos e práticas es-
paciais, a partir das Mensagens de Governo do Piauí. Nessa proposta utilizamos e
trabalhamos teoricamente as definições das categorias de espaço e lugar em Michel
de Certeau (1998), caracterizando os relatos oficias do extrativismo com as obras
públicas de desenvolvimento da capital piauiense, dentro do recorte temporal que
marcam as três primeiras décadas do século XX.
Palavras-chave: Extrativismo Vegetal. Desenvolvimento urbano. Teresina.
Abstract
The objective of this work is to analyze the spatial practices and your relationship
with the urban development of Teresina, from the extraction of vegetable in the
years 1900 to 1930. In this study, we will look at the emergence of the speeches and
spatial practices, from the Government of Piauí messages. In this proposal we use
48 and work theoretically the definitions of the categories of space and place in Michel
de Certeau (1998), featuring the official reports of the extraction with the turnkey
development of the capital of Piauí, within the timeframe that mark the first three
decades of the 20th century.
Keywords: Agricultural extrativism. Urban development. Teresina.
1
Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI, Campus
Poeta Torquato Neto. E-mail: mathewsfranca1110@gmail.com
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públicas, como por exemplo, locais de mais já citadas. O Brasil nesse dado re-
lazer ou saneamento básico e até mes- corte temporal se encontrava como o
mo pelo o anseio de modernidade ad- principal fornecedor da borracha como
vinda da implantação de um determi- matéria-prima para o mercado interna-
nado sistema político, como o que ocor- cional, tendo como principal mercado a
reu na Primeira República1 no caso da Inglaterra, “No decênio 1901-10 a ex-
antiga capital brasileira, o Rio de Janei- portação da borracha será em média
ro, no início do século XX2. anual de 34.500 toneladas (...). O que
Dentro do contexto republicano, vem a representar 28% da exportação
mais precisamente entre 1900 e 1930, a total do Brasil.” (JÚNIOR, 1998, p. 236
capital piauiense, aparentemente sofreu - 237). Nesse determinado contexto a
em menor grau - isso comparado com o borracha era o segundo no ranking de
Rio de Janeiro ou São Paulo - com esse exportação brasileira, perdia somente
processo de urbanização. Essas melho- para o café que, desde o Império4 assu-
rias urbanas estavam de certa forma mia o posto, representando mais de cin-
ligados ao principal meio de produção quenta por cento da exportação total do
econômica do Estado do Piauí naquele Brasil.
momento, o extrativismo vegetal. Meio A extração da maniçoba nas décadas
de produção esse, que aliviou a econo- iniciais do século passado liderava a
mia do Estado, desafogando os seus tabela da economia piauiense, era a
cofres que desde o início do século XIX, principal matéria de exportação do Es-
vinha passando por uma profunda crise tado, deixando para traz até mesmo o
1
A República foi um sistema de governo implan-
Na fala do Governador do Estado
tado no Brasil em 1889. Álvaro de Assis Osorio Mendes, é visí-
2
Para entender tal contexto, indicamos a leitura vel a importância de tal produção para o
da obra de Nicolau Sevcenko: Literatura como Piauí no início do século passado. Álva-
missão tensões sociais e criação cultural na Pri-
meira República. 4
3
Período que vai de 1822 a 1889, nesse contexto
Para mais informação sobre essa crise que aba- o Brasil era comandado pela monarquia. Nesse
lou as estruturas econômicas piauienses, ler a período tivemos D. Pedro I e D. Pedro II como
obra de Agenor Martins, Piauí: evolução, realida- monarcas e governadores do Brasil.
de e desenvolvimento.
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Mais já que lugar não é espaço se- seja, as Mensagens de governo, que tal
gundo Certeau, o que viria então a ser a desenvolvimento limitou-se basicamente
definição de espaço? Para o pensador “o a duas obras dentro de um espaço de
espaço é o cruzamento de móveis. É de tempo de vinte anos, o abastecimento
certo modo animado pelo conjunto de de água e de energia elétrica, isto é, Te-
movimento que aí se desdobram” resina, apesar de ser a capital do Estado
(CERTEAU, 1998, p.202), ou seja, o do Piauí continuava praticamente com
espaço é onde ocorre o deslocamento de as mesmas estruturas e configurações do
tais objetos que estão posicionados em período imperial, sofrendo duas “mu-
seu lugar, por exemplo, o deslocamento danças significativas” até o início da
de um móvel dentro de um quarto, es- segunda década:
tabelecendo uma nova configuração
para o mesmo, faz daquele quarto não Com um orçamento que não attinge mil con-
mais um lugar, mas sim um espaço, tos de reis, onerado, além disso, até poucos
“Em suma, o espaço é um lugar praticado. tempos, por uma pesada divida fluctuante, è
Assim a rua geometricamente definida impossivel ao Estado attender aos mais ur-
por um urbanismo é transformado em gentes e inadiáveis trabalhos materiaes, por
espaço pelos pedestres. Do mesmo mo- mais justos e fundados que sejam os reclamos
do, a leitura é o espaço produzido pela da população. Por isso, apenas foram execu-
pratica do lugar constituído por um sis- tadas algumas obras na capital e estas ainda
tema de signos – um escrito” (CERTE- reduzidas a simples concertos nas repartições
AU, 1998, p.202). publicas e a conclusão do palacete contiguo a
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Obras Publicas, Dr. Antonino Freire da pode ser consideravelmente elevada, desde
Silva” [sic] (MENSAGEM DE GO- que possam ser convenientemente explorados
VERNO, 1904, p. 12). todos os nosso extensos e ricos carnahubaes
[sic] (MENSAGEM DE GOVERNO DO
O Governador Arlindo Nogueira ini- PIAUÍ, 1911, p. 55).
cia no fim de setembro de 1903, o pro-
cesso de instalação do sistema de abas- Já em 1911 ele se torna o segundo
tecimento d’agua, obra essa que em seu item mais exportado do Estado do Pi-
primeiro momento teria o intuito de ser auí. Nesse mesmo ano a borracha de
realizada através de um serviço particu- maniçoba começa a ter uma pequena
lar, o qual o senhor José Martins Teixei- queda no mercado internacional:
ra que, recebera autorização no governo
de Arthur de Vasconcellos pelo Decreto Como sabeis, a exportação da borracha de
nº 163, de 29 de Março de 1900, para maniçoba constitui hoje a nossa mais avul-
realizar as obras de abastecimento tanto tada fonte de renda e o mais importante ob-
de água potável quanto de iluminação jecto do nosso commercio. Os preços desse
da capital do Estado do Piauí, não rea- producto que em 1910 foram, na media, de £
lizou. 0.3.7, por libra, desceram este anno no pri-
Tal processo de abastecimento de meiro trimestre a £ 0.2.8, produzindo já sen-
água, agora daria um novo sentido ao sivel retração nos centros produtores e não
cotidiano e a configuração da cidade de pequenos prejuisos aos exportadores e á recei-
Teresina. Após a implantação de tal ta do Estado [sic] (MENSAGEM DE GO-
melhoria as condições de saúde da po-
pulação iriam melhorar, pois, a água
VERNO DO PIAUÍ, 1911, p.51).
53
deixaria de chegar às casas dos morado- Segundo a mensagem do Governa-
res através de jumentos - a água era car- dor Antonino Freire, há uma diminui-
regada em galões por jumentos – e pas- ção do preço da maniçoba no comércio
saria a chegar através de encanamentos. internacional “De 1901 a 1914, a borra-
De 1904 até o fim da primeira década cha contribuiu no conjunto da receita
do século XX, as obras públicas realiza- das exportações com a média de 48,8%.
das na capital piauiense limitaram-se a Sua participação mais acentuada é no
reformas de prédios públicos, ao início triênio 1909-1911, quando é responsável
da construção do Asylo de Alienados por mais de 60% dessa receita” (QUEI-
em 1908, a continuação do processo de ROZ, 2006, p. 147). Inicia-se, portanto,
abastecimento d’água, o serviço de já em 1911 uma crise no principal gêne-
abastecimento de energia e iluminação ro de exportação do Estado, crise essa
pública da capital que, por sinal foram que se agrava nos anos seguintes. Tal
as principais obras realizadas em Tere- situação se dá, por conta da produção
sina, dentro da primeira década do sécu- dos países do Oriente, que forneciam
lo passado. uma borracha de melhor qualidade e de
Ainda na primeira década, surge em menor preço aos países da Europa.
meio os relatos oficiais outro gênero de A queda da maniçoba no mercado
exportação de peso na economia pi- internacional abala os cofres do Piauí,
auiense: a cera de carnaúba: pois a mesma era a principal fonte de
renda do Estado. Tal crise não se torna
A cêra de carnaúba occupa o segundo lugar tão alarmante por conta da emergência
na ordem de importância dos nossos produtos da cera de carnaúba que surge como
de exportação. A sua produção, porem, ainda “substituta” - junto com a extração do
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sucessor desse gênero, o Estado pi- para tal ano. Sua arrecadação orçamen-
auiense, ainda não se encontrava em tária atingiu assim a quantia de
uma confortável situação financeira, 3.332.614$753 mil contos de reis em um
problema esse que, se estendeu até o ano que, a previsão orçamentária foi de
início da segunda década do século XX. 2.450:000$000 mil reis e em 1925 a ar-
Essa situação agrava-se pela queda da recadação foi ainda maior, chegando a
maniçoba no mercado internacional e 3.961:886$744 mil contos de reis em um
pelas consequências da Primeira Guerra orçamento de 2.655:000$0005. Por tanto
Mundial. no ano posterior a 1924 houve um au-
Tal contexto econômico impossibili- mento na arrecadação em 629:271$991
tou o Estado implantar novas obras, contos de reis.
pois não tinham finanças para isso. Em Com uma “economia em alta”
alguns momentos o desenvolvimento e houve a implantação de novas obras de
reparos do sistema de iluminação e infraestrutura na cidade de Teresina,
abastecimento d’água - que se arrasta- também foram retomadas as obras de
ram por vários anos, assim como cons- desenvolvimento e melhorias no abaste-
truções e reparos de alguns prédios pú- cimento de água e energia. Tal foi a re-
blicos - foram interrompidos como rela- tomada e realização de obras públicas
ta o Governador João Luiz Ferreira em que o Governador Luiz Ferreira afirma
mensagem apresenta à câmera legislati- que, “de meado do anno passado a esta
va no ano de 1923. Na mensagem apre- parte tem sido dada ás obras publicas
sentada em 1924 já encontramos uma estaduaes a maior amplitude. Acredito
melhor desenvoltura financeira: mesmo poder affirmar que nunca o Es-
tado passou por phase tão intensa de 55
Sob o aspecto financeiro acentuou-se no de- progredimento “ [sic] (MENSAGEM
curso do passado exercido a marcha ascensi- DE GOVERNO DO PIAUÍ, 1924, p.
onal da receita publica, que atingiu quase ao 20).
duplo da previsão orçamentaria, sem que Nesse ano de 1924, foi retomado a
para isso tivesse concorrido a creação de no- construção da Escola Normal que teve
vos tributos, ou siquer augmento dos existen- seu início em 1920 e estava parada des-
tes, o que bem traduz o esforço de uma crite- de 1922. Iniciou-se em 16 março a cons-
riosa gestão fazendaria, apoiada em melhor trução do prédio escolar Dr. Demons-
organisação fiscal, e o accrescimo da massa thenes Avellino e deu-se continuidade
tributável nas operações de intercambio, facto ao ajardinamento da praça Marechal
Em que, sobremaneira, focaliza e exalta a Deodoro6. Além dessas obras, foram
capacidade productora do povo piauhyense empreendidas as reformas das reparti-
[sic] (MENSAGEM DE GOVERNO DO ções e prédios públicos, melhoria e de-
PIAUÍ, 1924, p. 17). senvolvimento na rede de canalização e
abastecimento de água, também houve
Em 1924, o Governador Luiz
Ferreira apresenta uma nova situação 5
Essas informações orçamentarias foram retira-
financeira do Estado. Com a economia das do quadro na página 13 da Mensagem de
em ascensão - sendo que grande parte Governo do Piauí, apresentada à Câmara Legisla-
dos lucros adivinham da exportação dos tiva pelo Governador Mathias Olympio de Melo o
gêneros vegetais piauiense, principal- ano de 1928.
6
mente da cera de carnaúba – os cofres A Praça Marechal Deodoro fica localizada no
centro de Teresina em frente à Igreja da Nossa
piauienses chegaram a obter quase cin- Senhora do Amparo. Essa praça também é conhe-
quenta por cento a mais do valor orçado cida por praça da bandeira.
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tado a uma pequena parte da população TEAU, 1998, p. 203), ou seja, os relatos
do centro da cidade, e ao início da cons- ficcionam, dão sentido a um lugar os
trução da Penitenciária, dando conti- transformando em espaço ou vice-versa.
nuidade ao projeto elaborado no gover- Desse modo, as Mensagens de Go-
no de João Luiz Ferreira. verno transformam Teresina em um
espaço praticado ao narrarem às obras
Considerações finais realizadas, isto é, as obras públicas de
Por tanto, percebemos que tanto nos melhorias urbanas ocorridas nesse de-
anos inicias do século XX e nos anos terminado lugar, ou seja, Teresina. Sen-
finais da década de 20 até o ano de do assim, Teresina deixa de ser um lu-
1930, quase não foram registradas obras gar, um sujeito anônimo, e passa a ser
públicas, pelo menos é o que podemos espaço na medida em que as constru-
perceber na análise das Mensagens de ções estão sendo realizadas, modifican-
Governo referente ao determinado re- do as configurações do lugar em que se
corte temporal. Podemos observar tais encontra Teresina, ou seja, a torna um
feitos públicos, a partir de 1904, período lugar praticado.
em que foram realizados os empreen-
dimentos iniciais no tocante ao abaste- REFERÊNCIAS
cimento de água, energia e iluminação CERTEAU, Michel de. Invenção do
pública, obras essas que tomaram quase cotidiano: artes de fazer. 3ª edição –
que exclusivamente, até mais ou menos EDITORA VOZES, São Paulo, Brasil,
a segunda década, o interesse do Esta- 1998.
do.
Somente do início até um pouco
JÚNIOR, Caio Prado. História econô-
mica do Brasil. 45º reimpr. – São Pau-
57
mais da metade da segunda década, é lo: Brasiliense, 1998.
que novas obras são implantas na Capi- MARTINS, Agenor de Sousa. Piauí:
tal, como é o caso da construção de evolução, realidade e desenvolvimen-
prédios escolares, ajardinamento da to. 2. ed. – Teresina: Fundação CE-
praça e remodelação do Karnak. Pelo PRO, 2002. 286 p. (Estudos Diversos,
menos essas são as informações conti- 33).
das nas fontes que analisamos. Algumas PIAUÍ, Governador, 1900 – 1904, (Ar-
outras obras tiveram início nesse perío- lindo Francisco Nogueira). Mensagem:
do, mas elas foram realizadas por parti- apresentada à Câmara Legislativa do
culares e pela União. Piauí pelo governador Arlindo Fran-
Por tanto, ao pensar os relatos de de- cisco Nogueira, em 1 de junho de 1903.
senvolvimento urbano - ou de melhorias Teresina: Tip. do Piauí, 1903.
no espaço urbano da capital – na con- PIAUÍ, Governador, 1900 – 1904, (Ar-
cepção de espaço em Certeau, podemos lindo Francisco Nogueira). Mensagem:
perceber que tais relatos encontrados
apresentada à Câmara Legislativa do
nas Mensagens de Governo deram sen-
Piauí pelo governador Arlindo Fran-
tido à capital, transformando Teresina
cisco Nogueira, em 1 de junho de 1904.
em um espaço de práticas urbanas que
Teresina: Tip. do Piauí, 1904.
modificaram o layout, o design e o coti-
PIAUÍ, Governador, 1904 – 1907, (Ál-
diano da Capital do Estado do Piauí.
varo de Assis Osório Mendes). Mensa-
Segundo Michel de Certeau “Os relatos
gem: apresentada à Câmara Legislativa
efetuam, portanto, um trabalho que,
do Piauí pelo governador Álvaro de
incessantemente, transforma lugares em
espaços ou espaços em lugares” (CER-
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O HABITAR POSSÍVEL:
Arquitetura popular na “Parnahyba
dos Pobres” (1900-1920)
Alexandre Wellington dos Santos Silva1
Resumo
O presente artigo é parte de pesquisas ainda em desenvolvimento no Programa de
Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará. Objetivamos
aqui contribuir para a discussão do espaço, arquitetura e da habitação dos pobres
em Parnaíba-PI no início do século XX. Nosso intuito é colocar a população que
vivia no entorno da cidade no centro da ação, narrativa e exercício da ocupação
destes locais, onde as técnicas de construção aparecem como práticas possíveis de
luta pela garantia da sobrevivência. O trabalho divide-se em três partes: a primeira
discute a narrativa historiográfica parnaibana sobre o início do século XX. Além
disso, apresenta o conceito de “trabalhador pobre” (LAPA, 1996, 2008; PESA-
VENTO, 1994), utilizado ao longo da pesquisa. A segunda parte examina aspectos
do uso do espaço urbano pelos pobres, seus bairros, tipos de habitação e técnicas de
construção (CARLOS, 2008; CORREA, 1989; DAMATTA, 1997; GÜNTER,
2005). A terceira parte traz a conclusão, apresentando os resultados da pesquisa e
buscando refletir sobre as análises apresentadas.
59
Palavras-chave: Arquitetura popular, Pobreza, Trabalho.
Resumen
El presente artículo es parte de investigaciones aún en desarrollo en el Programa de
Post-Graduación en Historia Social de la Universidad Federal de Ceará. Objetiva-
mos aquí contribuir a la discusión del espacio, la arquitectura y la vivienda de los
pobres en Parnaíba-PI a principios del siglo XX. Nuestra intención es colocar a la
población que vivía en el entorno de la ciudad en el centro de la acción, narrativa y
ejercicio de la ocupación de estos lugares, donde las técnicas de construcción apare-
cen como prácticas posibles de lucha por la garantía de la supervivencia. El trabajo
se divide en tres partes: la primera discute la narrativa historiográfica parnaibana
sobre el inicio del siglo XX. Además, presenta el concepto de “trabajador pobre”
(LAPA, 1996, 2008, PESAVENTO, 1994), utilizado a lo largo de la investigación.
La segunda parte examina aspectos del uso del espacio urbano por los pobres, sus
barrios, tipos de vivienda y técnicas de construcción (CARLOS, 2008, CORREA,
1989; DAMATTA, 1997; GÜNTER, 2005). La tercera parte trae la conclusión,
presentando los resultados de la investigación y buscando reflexionar sobre los aná-
lisis presentados.
Palabras clave: Arquitectura popular, Pobreza, Trabajo.
1
Aluno do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará (UFC). Gra-
duado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Bolsista CA-
PES/CNPq. awss.phb@gmail.com
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somente a quantia dos “diversos”, isto (2008, p. 54), quando esta declara que
é, pessoas que vivem ou de suas rendas, “o tipo, local tamanho e forma de mo-
ou do trabalho doméstico e de “profis- radia vão depender e expressar o modo
sões não declaradas ou sem profissão” como cada indivíduo se insere dentro do
(BRASIL, 1930. p. 404-405). São 16.856 processo de produção material geral da
indivíduos que figuram nessa categoria. sociedade”.
Se somados, chegamos a cifra de 20.543 Tal configuração já é suficiente para
pessoas, sem contar com trabalhadores que no início do século XX, esta popu-
portuários, comerciários, operários de lação esmagadoramente maior que a
diversas origens e setores do poder pú- elite local fosse considerada como uma
blico que recebiam pouca ou quase ne- “classe perigosa”, constantemente vigi-
nhum subsídio estadual ou da munici- ada e apreendida pela repressão, higie-
palidade, como o caso dos professores nizada pelas novas práticas de saúde, e
públicos e policiais. A cidade nessa épo- distanciada das instâncias de poder ad-
ca contava com 24.152 habitantes, o ministrativo oficial. É essa população
que nos permite vislumbrar as diferen- que, empurrada cada vez mais para os
ças socioeconômicas e os limites de arrabaldes do município, distantes dos
uma possível Belle Époque em parnaiba- projetos arquitetônicos e higiênicos vin-
na. dos da Europa, desenvolve formas de
Chamaremos de “trabalhadores po- habitação peculiares e correlatas com as
bres” a população livre que vivia do da condições materiais existentes naquelas
própria força de trabalho sem ocupações regiões.
fixas, subsistindo entre um mercado de
trabalho não-oficial e flutuante, a pe- Desenvolvimento 61
quena plantação combinada da criação Para nossa investigação, analisamos
de animais, e os pequenos crimes. É o a arquitetura popular constituída nos
pobre que “trabalha, mantendo-se e aos arrabaldes da cidade de Parnaíba, região
seus, com parcimônia. Não lhe sobra que chamaremos de Parnahyba dos Po-
para aforro (...). Nesses casos, trata-se bres, materializando a existência de uma
de pessoas que nem sempre trabalham dupla cidade: a visível, saneada, embe-
ou que o fazem de maneira esporádica” lezada, e a invisível, o inverso da pri-
(LAPA, 2008. p. 31), ou os que “de- meira e oposta “à cidade racional, civili-
sempenham as tarefas menos qualifica- zada que é proposta pela emergência capi-
das e podem engajar-se ou não no mer- talista” (LAPA, 1996. p. 124). É também
cado formal de trabalho. (...) são ‘avul- conhecida como arquitetura vernacular
sos’, free-lancers, que vivem de ‘expedien- embora o termo tenha sentido pejorati-
tes’, biscates, pequenas tarefas” (PESA- vo, significando etimologicamente “es-
VENTO, 1994. p. 11). Em suas memó- cravo, bobo, patife e velhaco”. Por isso,
rias, Renato Castelo Branco (1981. p. “o qualificativo está sempre mal empre-
20-21) relembra que estes trabalhadores gado quando aplicado à arquitetura”.
pobres em Parnaíba eram “as lavadei- Por conta disso, utilizamos o termo ar-
ras, os meninos de recado, os carrega- quitetura popular, indicando “aquela que
dores de água e de lenha, os catraieiros, é própria do povo e por ele é realizada”
os estivadores, os vareiros, os ladrões de (GÜNTER, 2005. p. XL-XLI).
galinha, os mendigos e as prostitutas”. Essa Parnahyba dos Pobres se construía
Assim, percebemos que no perímetro no traçado “racional” da cidade em
marginal da cidade localizavam-se os quatro bairros, segundo o artigo 04 da
pobres, e concordamos com Carlos lei n. 120 de 1913: “ficam considerados
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como zona suburbana os bairros Corôa, nava-se um igarapé. A canoa vinha até
Tucuns e Campos bem como o restante a esquina da atual Praça Cel. Constan-
do bairro Nova Parnahyba” (DIARIO tino Correia. Era habitada por gente
DO PIAUHY. 09/06/1914. p. 04). pobre, em verdadeiro labirinto de case-
Além destes, É discriminado em 1910 o bres”. A origem do seu nome - Quaren-
bairro “Olaria ou Quarenta” (SEMA- ta - se dá por conta de uma prostituta
NA. 25/09/1910. p. 03). Branco (1981. “mulata, de idade já avançada, gorda e
p. 20) relata em suas memórias que es- baixa”, que oferecia sua filha aos ho-
tes bairros formavam “uma enorme cin- mens que passavam perto por quarenta
ta de palhoças e casebres, onde as ruas reais. Supomos que a outra nomenclatu-
não eram calçadas, não havia jardins ra atribuída ao local – Olaria – se deva a
nem praças arborizadas, e onde os fios empreendimentos cerâmicos situados na
elétricos não chegavam”. Nossa hipóte- região, em decorrência das propriedades
se é que estes espaços foram ocupados oferecidas por um solo argiloso, forma-
historicamente pelas camadas populares do a partir das constantes cheias do Iga-
da sociedade, onde a tomada do territó- raçu.
rio dos arrabaldes se dá pela necessida- Já o bairro da Coroa recebe esse no-
de de garantir mínimas condições para me por conta “das ‘coroas’ do rio, espé-
reprodução da existência, como indica cie de minúsculas ilhas, formadas ao
CORRÊA (1989, p. 30): leito do Igaraçu, quando diminui a sua
correnteza” (idem, p. 25). As enchentes
“a produção deste espaço é, antes de mais eram constantes nessa localidade, sendo
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Nelas habitavam, dentre outros, os tra- da cidade em 1920, Lima Rebello (1921,
balhadores ambulantes, misturados aos p. 49) destaca parte de sua análise para
ladrões e às vítimas da prostituição”. a casa dos trabalhadores da cidade:
No ano de 1939, uma “casa de cabo- “não ha um movel. Os apparelhos culi-
clo nordestino” é registrada nas páginas narios andam pelo chão, ao alcance dos
da Revista carioca O Malho (08/1939. cães e outros animaes domesticos”. Ro-
p. 17). Nela, percebemos a cobertura berto DaMatta (1997, p. 91-92) lembra
feita de palha, possivelmente das pal- que para o ideário da modernidade, “é
máceas existentes na região, sendo suas um sinal de pobreza (e mesmo de indi-
paredes erigidas com barro batido. Essa gência social) residir em um espaço in-
técnica de construção, conhecida como diferenciado interna ou externamente,
taipa de mão, vinculada a uma estrutura pois quem reside assim está certamente
de pau-a-pique, consiste em “amassar o sujeito a confusões e misturas, sinal de
barro molhado com os pés, as mãos ou alta inferioridade social”, e que “casas
outro meio, como patas de animais, até de um só cômodo podem levar ao que
adquirir a devida consistência, quanto chamamos de ‘bagunça’ ou estado típi-
então o barro é pressionado para dentro co de ‘sujeira’ ou confusão social”.
das frestas com a mão”. (GÜNTER, Outra modalidade de habitação po-
2005. p. 262). pular presente em Parnaíba eram as bal-
sas. Günter (2005, p. 68) indica que
Figura 1: Habitação popular em Parnaíba
“essas barcaças se destinavam ao transporte
de mercadorias entre vilas e cidades ribeiri-
nhas. Por serem de boa resistência (...), as 63
barcaças maiores podiam carregar várias
toneladas de carga ao mesmo tempo em que
serviam de moradia para as famílias dos
barqueiros”.
Fonte: O Malho. Rio de Janeiro-RJ. 08/1939, p. 17. Figura 2: Balsas no Rio Igaraçu
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“Abelheiras: trezentos anos de história” é uma obra publicada pelo médico e es-
critor Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco no ano de 2008 numa tiragem de 500
exemplares em comemoração aos trezentos anos de existência da fazenda histórica
Abelheiras. O livro enfoca em grande parte a formação histórica, política, econômi-
ca e social da Casa da Torre na Bahia que acabou levando a implantação da fazen-
da Abelheiras na região norte do Estado do Piauí entre 1697 e 1708 por Garcia
D’Ávila Pereira.
O livro está dividido em três partes principais: a primeira intitulada “Casa da
Torre” narra a formação genealógica da família Ávila, e as gerações seguintes,
dando enfoque para o poder concentrado na Casa da Torre na Bahia, o seu proces-
so de expansão sertão adentro, até a implantação da fazenda Abelheiras. Na segun-
da parte “A casa de São Domingos” Anfrísio Lobão, continua mostrando as gera-
ções que deram prosseguimento e desenvolveram Abelheiras, agora subordinada a
Casa de São Domingos. Na última, “Tempos Modernos” o autor aborda a situação 67
atual da fazenda e o seu processo de divisão entre os herdeiros.
No decorrer dos capítulos que na sua maioria são intitulados com o nome dos
descendentes da família Ávila, é perceptível que Anfrísio Lobão faz uso de uma
demanda diversificadas de documentos como fotografias atuais das ruínas da Casa
da Torre e das fazendas que se originaram de Abelheiras, além de fotos que se re-
metem a épocas mais distantes: de lugares, dos proprietários e descendentes que de
alguma forma estiveram envolvidos com Abelheiras. Faz uso também da primeira
Carta geográfica da Capitania do Piauí, onde já aparece a fazenda que é foco de
retrato do livro, além dessas imagens, traz mapas da fazenda e fotografias de suas
dependências internas atuais.
É claro na leitura que o autor fez uso de muitas fontes escritas, entre eles está o
translado de escritura da venda de Abelheiras em 1839 do Visconde de Pirajá, um
dos últimos a governar a Casa da Torre a Jacob Manoel de Almendra. Também é
possível encontrar no interior do livro, a árvore genealógica da família Ávila, assim
como a lista dos descendentes da família Castelo Branco.
O livro não se estende muito em número de páginas, somando 143 no total. As
fotografias em uma grande parte ocupam uma considerada porcentagem do corpo
do livro envolvendo páginas completas. A linguagem usada pelo autor é bem clara,
mesmo com a enorme quantidade de nomes de descendentes, seus idílios e resulta-
dos, não causa maiores conflitos no entendimento da obra.
1
Mestrando em Antropologia-UFPI, Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira e Africana-UESPI,
Licenciado em História UESPI. E-mail: conectadonomarcio@hotmail.com
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Márcio Douglas de Carvalho e Silva
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Denilson de Castro Pereira Santana
1
Graduando do II Período do Curso de Licenciatura Plena em História, da Universidade Estadual do Pi-
auí-UESPI, Campus Prof. Ariston Dias Lima, São Raimundo Nonato-PI. E-mail: denilsoncperei-
ras@gmail.com
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Messias Araújo Cardozo
1
Graduado em Licenciatura Plena em História da UESPI (Campus Alexandre Alves de Oliveira, 2016), foi
bolsista do Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES, subprojeto de História). E-mail:
messias.histsocial@gmail.com
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As famílias abastadas da cidade de Parnaíba-PI do período, que gozavam de prestígio social.
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Messias Araújo Cardozo
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tava de acordo com o local e o serviço corresponde ao seu lugar de classe e posição
na hierarquia social da sociedade do período.
A cidade partida, habitada por alteridades negadas (SILVA, 2012, p. 106)
era o símbolo do que a belle époque representou para a maioria. A presença da
prostituta no território do desejo, nos “antros” denuncia as formas de viver de al-
gumas mulheres se equilibrando na tensão entre a miséria e as condições mínimas
de existir. Segregadas duplamente (material e moralmente), as prostitutas como
“Evas Pecadoras”, alimentavam o amor pretensamente ilícito da noite do cais
(SILVA, 2012, p. 109).
O ressentimento com resistência no espaço de revolta buscado pelo historia-
dor foi um exercício singular de construção de uma historiografia que “[...] tentou
minimante dar conta de uma outra cidade que existia em contraste aquela do ‘Nor-
te do Brasil’, e que era marcada pela pobreza, pelo estigma e pelo desequilíbrio nas
relações de poder” (SILVA, 2012, p. 111). O essencial do ensaio como um todo,
acredito, reside quando o autor aponta que: “A pobreza urbana foi pensada aqui
como uma faceta da belle époque, mas em instante algum se buscou reduzir as pos-
sibilidades desses sujeitos de intervirem na sua própria realidade” (SILVA, 2012, p.
114).
Um único ponto falível foi se esquivar do conceito de classe. Mas isso foi
mais, acredito, uma estratégia do que esquiva, afinal este conceito é problemático e
para o objeto em questão até de discutível pertinência. Trabalhadores do rio deu
conta. O conceito de ideologia ausente também poderia compor a crítica da disser-
tação, mas isso são pormenores. Os aspectos de rigor conceitual, manuseio de fon-
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tes, análise de discurso literário, de contextualizar em termos econômicos e políti-
cos os pobres do cais, das margens nos anos 1930-50 em Parnaíba são os que me-
lhor afirmam o valor da obra e o quanto ela auxilia na compreensão da história
social de Parnaíba.
Uma cidade partida com seus Jessés comprimidos pela Belle Époque segre-
gadora. As prostitutas da “corenta” em uma palavra: Pobreza. O historiador con-
trapõe a bela época com os pobres excluídos, vivendo lá fora da modernidade. Sem
educação e possibilidades de ascensão, ressentidos e resistindo, agenciando suas
artes de viver. Os pobres na obra entram na cena histórica de onde nunca estiveram
ausentes.
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