Sei sulla pagina 1di 10

Uma reflexão sobre a formação do professor da

escola básica*

José Mário Pires Azanha

A questão dos fundamentos da sar esse limite e tentar estabelecer normas ge-
formação docente rais pode acabar conduzindo à formulação de
um modelo abstrato inviável na ampla varieda-
Há décadas discute-se em congressos, de da situação nacional.
seminários, cursos e outros eventos semelhan- Quanto à segunda tendência, o proble-
tes, qual a formação ideal ou necessária do ma é ainda mais grave porque as discussões e
professor do ensino básico (fundamental e propostas que surgem em congressos, seminá-
médio), numa demonstração ostensiva de insa- rios e outros eventos têm se detido na carac-
tisfação generalizada com relação aos modelos terização da figura abstrata de um profissional
formativos vigentes, principalmente nos cursos dotado de determinadas qualidades como sen-
de licenciatura. do um ideal de formação.
No entanto, dessa ampla e continuada Nessa linha, as preocupações sobre a
discussão, não têm emergido propostas que ul- formação docente aproximam-se da concepção
trapassem o nível de recomendações abstratas de Comênio (Didática Magna, 1657), segundo
sobre a necessidade de “sólida formação dos a qual o “bom professor” seria aquele capaz de
educadores”, da “integração de teoria e práti- dominar a “arte de ensinar tudo a todos”.
ca”, da “interdisciplinaridade” etc. É claro que Comênio, como um baconista convicto, tinha
sugestões dessa natureza são capazes de entre- uma profunda confiança no poder do método,
ter colóquios e debates, mas a sua utilidade não achava possível que a arte de ensinar fosse
vai além desses efeitos retóricos. codificável num conjunto de prescrições cuja
Nessas discussões, quase sempre se parte observância estrita faria de uma pessoa interes-
de uma noção vaga e impressionista de “escola sada um professor competente, ele queria im-
brasileira”, caminha-se para a afirmação da neces- plantar no campo da educação a reforma pre-
sidade de uma “política nacional de formação de tendida por Bacon no domínio das ciências.
professores” e, em seguida, desenha-se o “perfil Como para Bacon fazer ciência era aplicar um
profissional” desses professores por meio de um método, Comênio imaginou que ensinar era
arrolamento de competências cognitivas e docen- também a aplicação de um método.
tes que deveriam ser desenvolvidas pelos cursos Contudo, quando Comênio falava em
formadores. Embora esse traçado das discussões método de ensino era no sentido claro e forte de
seja um pouco simplificado, ele capta duas ten- uma transposição para a educação da concep-
dências sempre presentes no encaminhamento ção baconiana de método científico. Essa idéia,
do tema da formação de professores: o vezo embora equivocada, pois respaldava-se numa
centralizador das normas gerais e a fixação na discutível analogia entre o desenvolvimento do
figura individual do professor. conhecimento individual e o desenvolvimento
Com relação à primeira tendência, talvez social da ciência, sobreviveu pelo menos até os
seja sensato convir que, num país com tão trabalhos de John Dewey, neste século. Mas, nos
grandes diferenças econômicas, sociais e cultu-
rais, a única política nacional de formação de
* Este texto foi apresentado como uma indicação (n. 07/2000) ao Conselho
professores deva ser uma simples indicação de Estadual de Educação do Estado de São Paulo em 21/06/2000 e serviu de
rumos, tal como a própria LDB já fez. Ultrapas- fundamento para a elaboração da deliberação CEE 08/2000.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, p. 369-378, maio/ago. 2004 369
últimos tempos, essa vinculação direta entre naqueles casos em que reiteradas comprovações
método de conhecimento e método de ensino empíricas parecem dar sustentação e credibilidade
teve o seu significado original substituído por a algumas teorias ou hipóteses científicas, perma-
uma pletora de metáforas sobre conhecimento nece a questão propriamente educacional de
das quais se fazem enigmáticas ilações sobre saber se uma determinada atuação pedagógica
ensino. deve ser posta em prática apenas porque teria
No que diz respeito às propostas de for- algum respaldo científico. O valor de programas
mação docente, o estado de coisas está tão de- educacionais exige uma avaliação mais
sarranjado que, quando se fala em metodo- abrangente. Enfim, a validade científica de uma
logias e estratégias de ensino, não se consegue teoria não constitui base suficiente para formu-
discernir entre possíveis relações conceituais lação de diretrizes educativas que sempre exi-
entre conhecimento, ensino e valores e hipoté- gem opções entre valores. Pense-se, por exem-
ticas relações entre capacidade de aprender e plo, na educação sexual, que jamais poderá ser
supostas fases de desenvolvimento psicológico. conduzida a partir apenas de informações sobre
Enfim, nem sempre se procura e se consegue desenvolvimento e fisiologia do sexo.
distinguir entre o que são exercícios de um jar- Esse é o ponto que realmente importa. A
gão na moda daquilo que tem respaldo em in- adequada formação do professor não pode ser
vestigações teóricas e empíricas. imaginada como a simples e direta aplicação à
A idéia de que ensino eficaz é basica- situação de ensino de um saber teórico. Não se
mente a aplicação competente de um saber trata de substituir uma orientação psicológica
metodológico, epistemologicamente fundamen- por outra nem de ampliar os estudos de ciên-
tado em outros saberes, principalmente de na- cias sociais como a Sociologia, a Antropologia
tureza psicológica, é altamente discutível. e outras.
Teorias da aprendizagem, da inteligência O ponto de vista pedagógico não é uma
e do desenvolvimento cognitivo e emocional soma de parcelas de saberes teóricos que,
da criança e do adolescente aparecem, entram embora necessários, nunca serão suficientes
em moda e saem de moda. Pouco há de segu- para alicerçar a compreensão da situação esco-
ro, nessas áreas do conhecimento, que permi- lar e a formação do discernimento do educador.
ta fundamentar a formação do professor. Além Nesses termos, é claro que não há fórmulas
disso, é preciso ainda chamar a atenção para o prontas para orientar essa formação, mas o
fato de que tentativas de derivar regras práti- próprio conceito de vida escolar é básico para
cas de teorias científicas são, na maior parte das que se alcance esse discernimento.
vezes, exercícios claudicantes do ponto de vista Aliás, Scheffler, no livro A linguagem da
lógico, por desconsideração das complexas educação (Saraiva/EDUSP, 1974, p. 45), após
questões implicadas no trânsito entre o conhe- examinar os enganos lógicos das tentativas de
cimento de fatos e possíveis regras que consis- derivar diretrizes educacionais de concepções
tiriam numa aplicação desse conhecimento. filosóficas de homem, mostra que
Essas duas dificuldades — a insuficiente
comprovação empírica de teorias disponíveis so- Uma observação análoga vale para a transfe-
bre as várias dimensões do fenômeno educativo rência de definições da ciência para a educação,
e o embaraço lógico de derivar dessas teorias transferência essa cujos perigos já notificamos.
recomendações metodológicas inequívocas — Observamos que as definições científicas estão
sugerem que talvez não convenha alicerçar a em continuidade com as teorias e com as evi-
formação de docentes sobre terreno tão move- dências próprias aos seus domínios respectivos,
diço. Mas, além dessas questões científicas e e que o melhor, portanto, é que sejam tratadas
lógicas, é preciso levar em conta que, mesmo à parte. (...) Elas devem ser julgadas, grosso

370 José Mário P. AZANHA. Uma reflexão sobre a formação do professor ...
modo, pela contribuição que fazem à adequa- final da década de 50, houve uma forte preocu-
ção das suas respectivas redes científicas com pação com a qualidade do ensino de ciências, de
relação à explicação dos fatos. Segue-se daí matemática e, por contaminação, com a das de-
que adotar uma definição científica para uso mais disciplinas no ensino fundamental e médio.
programático não significa evitar a necessidade Por razões que ainda não estão suficientemente
de uma avaliação do programa que esse uso estudadas, essa pretendida qualidade foi inter-
veicula. A adequação científica de uma defini- pretada como uma questão a ser resolvida
ção não é um signo do valor prático de tal pro- metodologicamente, por meio de procedimen-
grama (...). tos de ensino supostamente mais eficazes por-
que seriam apoiados em teorias psicológicas do
Além das considerações anteriores, uma desenvolvimento e da aprendizagem. O impac-
outra crítica muito grave que se pode fazer às to dessas idéias influiu fortemente nos cursos de
diferentes propostas de bases teóricas da forma- licenciatura, ampliando substantivamente o es-
ção docente está na unanimidade que apresen- paço curricular de disciplinas vinculadas às
tam ao focalizar a figura individual do professor. temáticas específicas de feição metodológica e
Traçar o perfil profissional do professor, detentor psicológica. Obviamente, tudo isso reforçou uma
de determinadas competências cognitivas e do- concepção de ensino preceptorial fundada numa
centes, é um exercício pedagógico para esboçar relação pessoal entre professor e aluno.
um “retrato imaginado” do que seria o professor O fulcro do problema, que ainda perma-
universal. Esse exercício seria tão útil para a edu- nece, está no caráter abstrato da concepção da
cação quanto a descrição do “espírito científico” relação pedagógica como se ela fosse uma rela-
para a ciência. ção entre dois — aquele que ensina e aquele que
aprende —, abstraída do contexto institucional.
A “natureza” da relação Ao considerar que a relação pedagógica pode ser
pedagógica orientada a partir de teorias que pretendem
descrever e explicar a natureza do conhecimen-
A maciça expansão das matrículas no to, que o professor ensina, e a natureza da
ensino fundamental desde há trinta anos, e no aprendizagem, que o aluno desenvolve, essa
ensino médio mais recentemente, inviabilizaram idéia ganha a fisionomia de um jogo abstrato
uma concepção da atividade de ensino fundada entre parceiros abstratos: o preceptor e o dis-
na relação professor-aluno, na qual a imagem cípulo. Na escola contemporânea, seja ela públi-
do “bom professor” era basicamente a daquele ca ou privada, o professor individual que ensi-
profissional que dominava um saber disciplinar na e o aluno individual que aprende são ficções;
que seria transmitido a um discípulo. O êxito seres tão imaginários quanto aqueles a que se
desse ensino dependia — pensava-se — de uma referem expressões como “homo oeconomicus”,
combinação de conhecimento disciplinar e de “aluno médio”, “sujeito epistêmico” e outras
preparo didático do professor. No quadro dessa semelhantes. Não se trata de discutir a neces-
concepção, nasceram e permaneceram durante sidade teórica ou prática de conceitos gerais
muitos anos os cursos de licenciatura no ensi- abstratos, mas a utilidade que eles possam ter
no superior brasileiro e em outros países. No para fundamentar e orientar práticas docentes
Brasil, a explosiva expansão do ensino de 1o grau, que devem ocorrer em situações escolares con-
desde 1971, exigiu também a expansão acelerada cretas muito diferentes entre si. No atual qua-
dos cursos de licenciatura que simplesmente dis- dro histórico — de ascensão das massas a uma
seminaram o modelo associado a essa concepção. educação cada vez mais ampliada — não há
Refletindo em grande parte as aflições lugar para essa visão elitista e petrificada da
norte-americanas com a corrida espacial no relação pedagógica.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, p. 369-378, maio/ago. 2004 371
Aliás, desde sua origem, a relação peda- a instituição que interpomos entre o domínio
gógica preceptorial foi uma condição distintiva privado do lar e o mundo com o fito de fazer
das elites, embora, ao longo dos séculos, tanto que seja possível a transição, de alguma forma,
o preceptor como o seu discípulo tenham sido da família para o mundo. Aqui, o compareci-
figuras sociais diferentes; num momento, eram mento não é exigido pela família, e sim pelo
o monge e o noviço, num outro, o cavaleiro e Estado, isto é, o mundo público, e assim, em
o pajem, num outro ainda, o homem de letras e relação à criança, a escola representa em certo
o príncipe da casa real ou o filho do nobre etc. sentido o mundo (...).
A relação pedagógica preceptorial nunca
foi, na verdade, uma relação escolar, isto é, o O preceptor atuava em nome da família,
seu contorno social natural não era a escola, o professor atua na escola (estatal ou particu-
mas a casa, o convento, o castelo etc. Há algu- lar) em nome de um mundo público. Por isso,
mas décadas, no Brasil principalmente, para a não é suficiente contrapor o caráter individual
nascente e escassa escola pública pretendeu-se do ensino preceptorial ao caráter coletivo do
— e se conseguiu, em parte — transplantar um ensino escolar.
estilo de relacionamento pedagógico que era, no A escola contemporânea é, pois, uma no-
seu aspecto geral, uma espécie de “preceptorado vidade social e cultural. Nesse novo espaço
coletivo”. Hoje, porém, a grande expansão do institucional, o desempenho do professor não
ensino fundamental deu origem a um tipo de mais pode ser pensado como uma simples ques-
escola que é uma novidade institucional, na qual tão de formação teórica de alguém que ensina,
as relações pedagógicas possíveis não podem ser como também o desempenho do aluno não mais
modeladas a partir apenas de métodos e proce- pode ser considerado como uma simples questão
dimentos de alguém que ensina e de habilida- de motivação e de esforços individuais. A escola
des, competências e qualidades psicológicas de de hoje é uma ruptura com a escola do passado,
alguém que aprende. sempre inspirada numa visão preceptorial da re-
A própria relação preceptorial desapareceu lação pedagógica. Analogamente, a família con-
como instituição educativa, mas não sem deixar temporânea é uma novidade social e cultural em
vestígios numa concepção idealizada da relação comparação com a família de algumas décadas
pedagógica. No entanto, essa contraposição en- atrás. As relações entre pais e filhos, nessa nova
tre a figura do preceptor e a do professor não situação, não podem tomar como modelo aque-
pode ter uma interpretação simplificada, que las vigentes no passado.
consistiria na idéia de que aquele estaria apenas Tanto no que diz respeito à escola como
empenhado numa relação de ensino individual, no que se relaciona com a família houve mu-
enquanto este, numa relação de ensino coletivo. danças e rupturas institucionais. Descrever esse
Essa passagem do ensino de feição preceptorial quadro como sendo de crise é uma apreciação
para o ensino escolar é muito complexa e não valorativa que pode ser um descaminho teóri-
se reduz à questão didática de um ensino in- co de análise e de investigações empíricas e,
dividualizado versus um ensino coletivizado. por isso mesmo, conducente a sérios equívocos
Essa redução seria fruto de uma confusão en- na fixação de diretrizes de atuação na esfera
tre individual e privado e entre coletivo e pú- pública ou privada.
blico, obscurecendo o fato essencial de que o A emergência de novidades não é neces-
preceptor era um agente da família e a escola sariamente uma indicação de crises institucionais,
é um agente social. mas talvez apenas de mudanças sociais inerentes
Como disse Hannah Arendt (Entre o pas- aos quadros da sociedade contemporânea. No
sado e o futuro , Perspectiva, 1972, p. 238-9), caso da escola, haveria crise se o mundo escolar,
a escola é que tem uma subcultura própria, permanecesse

372 José Mário P. AZANHA. Uma reflexão sobre a formação do professor ...
imobilizado num momento que é caracterizado pologia, da Administração e de outras áreas do
por fortes mudanças sociais e culturais. conhecimento que se propõem descrever e
A escola básica de hoje não é pois um explicar os “fatos” da vida escolar, mas também
retrocesso com relação à escola de ontem. É pelo desenvolvimento de um ponto de vista pe-
uma outra escola, principalmente por ser alta- dagógico que leve em conta esses fatos na or-
mente expandida, e suas alegadas deficiências denação desejável das atividades escolares.
precisam ser enfrentadas por um esforço per- Comunidades sociais como igrejas, par-
manente de investigação e busca. tidos políticos, Forças Armadas, associações
Nesse quadro, a questão da formação culturais ou recreativas e outras têm semelhan-
docente não será convenientemente encami- ças com a escola básica porque, como esta, são
nhada se insistirmos na busca alquímica de instituições empenhadas, de alguma forma,
panacéias pedagógicas. Não há dúvida de que num esforço de ensino e de transmissão cultu-
o professor deve ser um profissional competen- ral. Mas a escola tem um traço que a singula-
te, mas não há uma “estrada real” para conse- riza: a escolarização básica, que alcança a to-
guir esse desiderato. “Escola brasileira” é uma dos numa sociedade democrática, deve deixar-
expressão excessivamente abstrata para ter se impregnar extensivamente pela herança cul-
poder descritivo; consequentemente, uma po- tural e não pela parcialidade de propósitos
lítica nacional de formação docente poderá ser doutrinários, ideológicos ou de cultivo e de
um malogro se ignorar a imensa variedade da preparação para atividades específicas.
situação escolar brasileira. Outro traço distintivo da escola é que
As instituições formadoras de docentes ela sempre tem endereço e vizinhança, o que
têm de ver nessa variedade o ponto de partida afeta profundamente a sua convivência social
para formular suas propostas. Diferentemente de interna, muito além do que é possível ou dese-
outras situações profissionais, o exercício da jável em outras instituições. Cada escola, mes-
profissão de ensinar só é possível no quadro mo quando integra um sistema, desenvolve
institucional da escola, que deve ser o centro das uma comunhão espiritual a partir do seu enrai-
preocupações teóricas e das atividades práticas zamento numa situação local. Como disse M.
em cursos de formação de professores. O pro- Oakeshott,
fessor precisa ser formado para enfrentar os
desafios da novidade escolar contemporânea. a idéia de ‘escola’ é a de uma comunidade histó-
Nessas condições, qualquer proposta de rica de professores e alunos, nem muito grande
formação docente deve ter um sentido de inves- nem muito pequena, com tradições próprias que
tigação e de busca de novos caminhos. A dão origem a lealdades, obrigações e sentimentos
premência do problema educacional não justifica dedicados a iniciar sucessivas gerações de recém-
o apressamento de soluções, que devem ter chegados à condição humana (Education: The
sempre o caráter de tentativas. Nos casos dos engagement and its frustration. In: Education and
cursos de licenciatura, em face dos desafios des- the development of reason, Dearden, R.S. (org),
se novo quadro institucional, não há respostas Routledge e Kegan Paul, Londres, 1972, p. 26).
teóricas ou modelos práticos que possam orien-
tar com segurança qualquer esforço de renova- O ponto de vista pedagógico não deve,
ção de currículos, programas e métodos. A úni- pois, ser uma tentativa de aplicação de conhe-
ca certeza é que não há certezas. cimentos auferidos em possíveis descrições e ex-
Novas propostas de formação docente plicações de “fatos” escolares, mas um esforço
devem partir do próprio conceito de escola, de compreensão da escola como um projeto
não apenas como é formulado pela eventual institucional para transformar uma comunidade
contribuição de teorias da Sociologia, da Antro- de professores e alunos onde ocorrem encontros

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, p. 369-378, maio/ago. 2004 373
de gerações numa comunidade espiritual funda- mente heterogêneas e pretende eliminar dife-
da numa visão ética cujos efeitos educativos se renças por ordenações regulamentadoras bu-
prolongam além dos anos de escolaridade. rocráticas que, arrogantemente, confundem
poder administrativo com discernimento pe-
O novo quadro legal da dagógico. Tendo em vista quadro semelhante,
formação docente Anísio Teixeira, já em 1962, alertava:
“É por isto mesmo que tais pequenas vitórias
1. Quando a primeira Lei de Diretrizes e Bases precisam ser consolidadas na sua execução.
da educação nacional (Lei n. 4.024/61) foi fi- Não se julgue que isto seja automático. Se
nalmente sancionada, Anísio Teixeira publicou não houver visão e vigilância no cumprimento
um breve artigo no Diário de Pernambuco (re- da lei, a máquina administrativa poderá vir a
produzido na RBEP, vol. XXXVII, n. 86), cujo burlá-la completamente.”
título é “Meia vitória, mas vitória”. Nele o A necessidade da advertência torna-se maior
grande educador saudava a nova Lei que, quando já não se trata de “pequenas vitóri-
embora não “à altura das circunstâncias”, era as”, mas da grande mudança que a nova lei
“resultado de uma luta em que as pequenas introduziu ao preconizar que cada escola te-
mudanças registradas constituem vitórias e nha autonomia para elaboração de sua pró-
não dádivas ou modificações arbitrárias do pria proposta pedagógica. Se não houver “vi-
legislador”. são e vigilância”, a inovação ensejada pela lei
Trinta e cinco anos depois foi finalmente san- poderá ter como resultado apenas mais uma
cionada uma nova Lei (n. 9.394), que revogou imposição de papelada. Haja vista a escassa
não apenas a Lei n. 4.024, mas também algu- conseqüência que teve a introdução na rede
mas outras que versavam sobre a temática das pública paulista, no início de 1970, da idéia
diretrizes e bases da educação nacional. Não de planejamento das atividades escolares
se pretende aqui um estudo comparativo en- como preliminar ao ano letivo (Decreto de 29/
tre a nova lei e as anteriores, mas apenas as- 01/70 - Dispõe sobre planejamento de ativi-
sinalar que pelo menos em alguns pontos o dades escolares no ensino primário e médio).
que se conseguiu não foi uma “meia vitória”, Aliás, na escola pública brasileira sempre hou-
porém um grande avanço. ve pouca compreensão do caráter coletivo do
Pela primeira vez na legislação brasileira foca- trabalho escolar, provavelmente como reflexo
lizaram-se as questões da autonomia da esco- da concepção que focaliza esse trabalho como
la e de sua proposta pedagógica. O Art. 12, se fosse principalmente uma relação entre pro-
inciso I, estabelece como incumbência princi- fessor e aluno. A idéia de que uma boa escola
pal da escola a elaboração e a execução de é mais do que a simples reunião de bons pro-
sua proposta pedagógica e o Art. 13, inciso I, fessores tem sido de difícil penetração nas
e o Art. 14, incisos I e II, estabelecem que práticas escolares. Na verdade, tal como sem-
essa proposta é uma tarefa coletiva da qual pre ocorreu nos cursos normal e de licencia-
devem participar professores, outros profissi- tura, nem se suspeita que essas práticas pos-
onais da educação e as comunidades escolar sam ser algo mais do que ensino do aluno.
e local. O próprio período de planejamento escolar —
A relevância dessa abertura legal é maior para cuja introdução pioneira no ensino público
a escola pública que, a não ser em raríssimas paulista tinha por motivação a criação de uma
exceções, integra uma rede cuja administra- oportunidade de trabalho conjunto da escola
ção centralizada tem uma vocação inter- — na sua implantação transformou-se numa
vencionista que, continuamente, trata como rotina burocratizada que, nos casos de execu-
homogêneas situações escolares substantiva- ção com seriedade e êxito, não passou de for-

374 José Mário P. AZANHA. Uma reflexão sobre a formação do professor ...
mulação e apresentação de planos individu- novidade reside no delineamento de possibi-
ais de professores empenhados numa renova- lidades institucionais que, se bem aproveita-
ção metodológica de suas próprias disciplinas. das, poderão trazer algumas mudanças radi-
Esse tipo de resultado, não obstante o seu cais na educação brasileira. Dentre essas pos-
próprio mérito, não contempla e não aprovei- sibilidades, uma, como já vimos, é a atribui-
ta as possibilidades que a nova LDB delineou ção à própria escola da competência de ela-
na atribuição, como tarefa principal da esco- boração de sua proposta pedagógica; outras
la, da elaboração e execução da sua proposta vinculam-se à criação de novos cursos e ins-
pedagógica. Essa tarefa consiste principal- tituições escolares.
mente na definição dos problemas prioritários Com relação a estas últimas, os órgãos admi-
da escola. É neste momento que é indispen- nistrativos e normativos de níveis federal e
sável o que Anísio Teixeira chamou de “visão estaduais deveriam atuar com muita cautela e
e vigilância” para resistir às arremetidas buro- discernimento para não baralhar casos de
cratizantes e, também, aos pruridos cien- adequação de normas, conforme prazos esta-
ticistas dos “diagnósticos” e “levantamentos” belecidos no Art. 88 e parágrafos, e aqueles
intermináveis e inconclusivos. Os problemas outros referentes ao aproveitamento de novas
da escola são simplesmente aqueles que assim possibilidades criadas pela LDB.
são percebidos pelas comunidades escolar e Sem criteriosa distinção entre esses casos, cor-
local. Haverá, nessa percepção, enganos, re-se o risco de edição açodada de regula-
distorções, exageros etc. Mas é aí que se ins- mentações frustradoras de iniciativas interes-
tala a grande oportunidade para início da fun- santes dos próprios sistemas escolares. Esse
ção educativa de cada escola para construir a risco não é imaginário e infelizmente em oca-
sua identidade institucional, identificando e siões anteriores revelou-se muito concreto.
tentando resolver os seus problemas. Como Seria de toda conveniência que antes de qual-
dizia Mestre Anísio: “afinal, é na escola que quer regulamentação de uma simples possibi-
se trava a última batalha contra as resistênci- lidade legal, houvesse um exame abrangente
as de um país à mudança”. do quadro institucional atual que indicasse
Para se opor às resistências à mudança, o suas realizações e suas lacunas. Na verdade,
professor deve ser formado não como um já existem muitos estudos que podem permi-
portador de verdades a serem aplicadas a uma tir um criterioso ajuizamento das deficiências
situação escolar abstrata, mas incentivado a e possibilidades de melhoria das instituições
procurá-las na variedade social e cultural de existentes. Não convém modificar o quadro
escolas concretas. atual sem uma visão clara do que se quer e
de por que se quer. Ainda está na memória de
2. Atualmente, entretanto, há um outro peri- todos o estrago institucional feito a partir da
go inexistente naqueles tempos. Hoje, há um Lei n. 5.692/71, quando o antigo e respeitável
fervor mudancista que pode acabar atrope- curso normal foi substituído por uma mal
lando as reais oportunidades de mudança cri- concebida e confusa “habilitação para o ma-
adas pela Lei n. 9.394/96. Essas oportunida- gistério” no ensino de 2o grau.
des podem ser agrupadas, de um modo su- Em face dessas breves e preocupadas conside-
mário, em dois grandes blocos: o primeiro rações, o Conselho Estadual de Educação de
contém modificações que tornaram mais fle- São Paulo (CEE) propõe, nesta indicação, ape-
xíveis regulamentações anteriores muito rígi- nas delinear um quadro conceitual básico para
das e minuciosas, que ignoravam a imensa que a questão da possibilidade legal de uma
variedade de situações educacionais no país; nova instituição formadora de professores,
o segundo bloco abrange dispositivos cuja como é o caso dos institutos superiores de

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, p. 369-378, maio/ago. 2004 375
educação, possa ser encaminhada de maneira gente e incluir obrigatoriamente o próprio con-
interessante, sem nenhum atropelo das institui- ceito de relação pedagógica.
ções existentes. Ao contrário, o que se quer é
que as experiências já acumuladas possam de 3. O que se depreende da leitura do Art. 62
forma crítica convergir para uma efetiva busca da LDB é que o legislador distinguiu clara-
de renovação institucional. O CEE está con- mente entre a formação docente que se dá
vencido de que essa renovação somente deve- no âmbito das universidades daquela que
rá ser induzida e não imposta, para que haja a ocorrerá numa nova instituição, o instituto
mobilização de adesões críticas e não a de re- superior de educação. Com essa distinção pre-
sistências legítimas da parte do magistério. valeceu a sensatez de permitir que o ensaio
O Art. 62 da LDB é muito claro a respeito das de criação de nova instituição possa ser feito
instituições formadoras de docentes, em nível sem eventuais e desnecessários conflitos com
superior, para atuar na educação básica. So- as instituições universitárias, detentoras de
mente haverá dois caminhos para essa for- uma experiência acumulada na formação de
mação: a) aquela oferecida pelas universida- docentes do ensino básico, em nível superior.
des e b) aquela a ser ministrada em institutos Os institutos isolados de ensino superior, sem
superiores de educação. Dentro de um certo carreiras de pessoal docente e sem nenhuma
prazo — que a lei não estabelece qual seja — preocupação sistemática de titulação de seus
haverá apenas esses dois caminhos. Não con- professores em nível de mestrado e doutora-
vém, porém, que esse prazo seja muito curto, do, não chegaram a acumular num sentido
pois dentro dele devem ocorrer duas modifi- positivo experiências de formação de docen-
cações muito importantes no quadro insti- tes para o ensino básico, embora sejam os
tucional de formação de docentes: a implan- grandes provedores desses quadros e, em al-
tação de institutos superiores de educação e guns casos, há muito tempo. É, pois, nesse
o conseqüente desaparecimento de cursos de ponto nevrálgico dos sistemas brasileiros de
licenciatura não universitários, isto é, minis- formação de professores que se localiza a opor-
trados em unidades de ensino superior não tunidade histórica de uma mudança substantiva
integrados numa universidade. no quadro institucional dessa formação.
Essas modificações deverão ocorrer de forma As escolas isoladas de ensino superior, parti-
seqüencial e gradativa para que a implanta- culares e municipais, — inclusive aquelas mais
ção da nova instituição de formação não seja antigas — nunca tiveram autênticos projetos
uma operação cosmética de simples mudança de formação de professores nem se preocupa-
de nomes de cursos isolados existentes. A im- ram em reunir condições materiais e humanas
plantação da nova instituição emergente não que favorecessem um ensino atualizado e de
pode ser feita tumultuadamente absorvendo boa qualidade. Essas escolas nunca tiveram
os defeitos de grande parte dos atuais cursos boas bibliotecas e o corpo docente sempre foi
de licenciatura. Como ilustração desse risco, improvisado, a partir de circunstâncias locais,
tome-se, por exemplo, o problema da inte- mal remunerado e sem nenhuma perspectiva
gração de teoria e prática que seguramente não de carreira. Essa descrição sumária poderá
ocorrerá pelo simples aumento exor-bitante do até ser injusta para algumas escolas, mas não
número de horas da parte prática dos cursos. é para a grande maioria delas.
Sem uma revisão conceitual do que se entende Esse quadro sedimentado de improvisações, erros
por “prática”, o aumento do número de horas e descaso com as questões básicas da formação
poderá provocar apenas um raleamento da for- de docentes nos cursos não universitários de li-
mação teórica sem nenhum ganho assegurado. cenciatura reclama hoje uma tentativa radical de
Aliás, essa revisão conceitual deve ser abran- mudança institucional, possibilitada agora pelo

376 José Mário P. AZANHA. Uma reflexão sobre a formação do professor ...
Art. 62 ao distinguir entre a universidade que, tativa radical de uma mudança institucional de-
na sua autonomia, buscará seus próprios cami- verá ser feita a partir de um projeto institucional
nhos de reorganização da formação de professo- que congregue, esforços de três instâncias:
res, e os institutos superiores de educação que,
fora do âmbito e do peso das estruturas univer- · entidades mantenedoras de escolas municipais
sitárias, representarão a alternativa histórica de de ensino superior ou de escolas estaduais iso-
um ensaio institucional inteiramente aberto a ladas de ensino superior;
novas idéias sobre a formação docente. · órgãos centrais da administração pública da
Embora as universidades públicas paulistas educação, estadual ou municipal; e/ou
não possam contrapor à indigência pedagógi- · universidades públicas.
ca dos cursos isolados de licenciatura a exce-
lência dos seus próprios cursos, é inegável, É preciso não confundir a idéia desse pro-
por outro lado, que essas universidades con- jeto institucional com a singeleza de uma propos-
solidaram, ao longo dos anos, boas condições ta pedagógica que cada escola básica deve ela-
materiais e humanas de ensino e de pesquisa borar para enfrentamento de seus próprios pro-
e instituíram carreiras vinculadas a concursos, blemas. Cada projeto institucional será resultado
a programas de titulação acadêmica e de in- de uma complexa negociação entre as entidades
tercâmbio nacional e internacional. Como participantes com vistas a esboçar a fisionomia de
conseqüência da reunião dessas condições, uma nova instituição formadora a partir de uma
esse pequeno grupo de universidades públi- clara concepção do professor do ensino básico.
cas mais outro pequeno grupo de universida- Haverá tantos projetos institucionais
des privadas têm mantido viva a preocupação quantos institutos superiores de educação fo-
com a questão da formação de docentes para rem previstos numa primeira fase. Cada um
a rede de escolas básicas, credenciando-se desses projetos disciplinará a implantação au-
assim a um papel de liderança na busca e no tônoma de uma nova instituição formadora, o
encaminhamento de soluções para esse pro- que permitirá que, no fundo, haja diferentes ex-
blema, por meio da criação de institutos su- periências institucionais que apenas serão uni-
periores de educação. formes quanto às recomendações básicas do
CEE, a serem fixadas por uma deliberação que
Com base nessas considerações, o Conse- disporá, em termos amplos e flexíveis, sobre os
lho Estadual de Educação entende que essa ten- componentes indispensáveis desses projetos.

DELIBERAÇÃO CEE Nº 08/2000

Dispõe sobre credenciamento de Institutos Superiores de Educação no sistema de ensino do Estado de


São Paulo.

Artº 1º - A formação de professor para o ensino básico far-se-á em licenciaturas plenas em


universidades, centros universitários e institutos superiores de educação.
Parágrafo único - Para a educação infantil e para as séries de primeira à quarta do ensino fun-
damental essa formação far-se-á também em curso normal de nível médio.
Artº 2º - Os institutos superiores de educação manterão:
I - cursos de licenciatura, de formação de profissionais para a educação básica, inclusive curso
normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras
séries do ensino fundamental;

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, p. 369-378, maio/ago. 2004 377
II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que
queiram se dedicar à educação básica;
III - programas de educação continuada.
§ 1º - A organização de institutos superiores de educação ou a autorização dos cursos referidos
nos incisos I e II deste artigo terão caráter experimental, nos termos do Artº 81 da LDB, e deverão
ser aprovados pelo Conselho Estadual de Educação, conforme esta deliberação.
§ 2º - A justificativa do caráter experimental dos institutos superiores de educação e de seus
cursos estará no ensaio de novas possibilidades de formação docente, desde que obedecidas as
disposições da Lei nº 9.394/96.
§ 3º - O caráter experimental de que trata o § 1º deste Artigo terá o prazo fixado no projeto de
Formação de Docente, referido no Artº 4º desta Deliberação.
Artigo 3º - A criação de instituto superior de educação será proposta a partir de um Projeto
Institucional fundado na cooperação, no mínimo, entre as seguintes instâncias administrativas:
I - entidades mantenedoras de escolas municipais de ensino superior ou de escolas estaduais
isoladas de ensino superior,
II - órgãos centrais da administração pública da educação, estadual ou municipal e/ou
III - universidades públicas.
§ 1o - Os termos e as condições de colaboração financeira, administrativa e técnica, no que diz
respeito à coordenação e ao funcionamento do instituto superior de educação, serão estabele-
cidos por instrumento administrativo adequado, aprovado pelo Conselho Estadual de Educação.
§ 2o - O instituto superior de educação, além de cursos de nível superior, poderá manter, admi-
nistrar ou orientar escolas normais públicas de nível médio, conforme for previsto no Projeto
Institucional.
Artigo 4º - A solicitação de credenciamento de instituto superior de educação será instruída,
obrigatoriamente, por um projeto de formação docente para trabalho em escolas de ensino básico
e por propostas curriculares dos cursos pretendidos e de desenvolvimento da prática de ensino, com
as adequações necessárias aos diferentes níveis da educação básica, segundo as indicações e normas
deste Conselho, especialmente a Indicação CEE nº 11/97 e a Deliberação CEE nº 12/97.
Parágrafo único - A formação para a docência escolar será o eixo integrador para todas as
propostas curriculares e disciplinares, bem como para a coordenação pedagógica de cursos, áreas
e práticas de ensino, privilegiando o conceito de vida escolar, conforme a reflexão apresentada
na Indicação CEE nº 07/2000.
Artigo 5º - A constituição de instituto superior de educação, além das exigências estabelecidas
nesta Deliberação, obedecerá as normas já fixadas por este Conselho para as demais instituições
de ensino superior do sistema estadual de ensino, no que couber.
Artigo 6º - Esta deliberação entrará em vigor após a aprovação pelo Plenário e homologação pela
Secretaria de Estado da Educação.

378 José Mário P. AZANHA. Uma reflexão sobre a formação do professor ...

Potrebbero piacerti anche