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Marcelo Andrade Cattoni

de Oliveira
Prefácio

Alexandre Gustavo Melo


Franco Bahia
Dierle José Coelho Nunes

DEVIDO PROCESSO
LEGISLATIVO

Uma justificação democrática


do controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis e do
processo legislativo

3ª edição revista, ampliada e atualizada

Belo Horizonte

2015

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© 2000 1ª edição Mandamentos.
2006 2ª edição
© 2015 3ª edição Editora Fórum Ltda.

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O48d Oliveira, Marcelo Andrade Cattoni de.

Devido processo legislativo: uma justificação democrática do controle


jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. /
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira – 3. ed. rev. ampl. e atual. – Belo
Horizonte: Fórum, 2015.

217 p.
ISBN 978-85-450-0064-8

1. Direito Constitucional. 2. Teoria da Constituição. 3.Filosofia do


Direito. 4. Teoria Geral do Processo.
I. Título. II. Oliveira, Marcelo Andrade Cattoni de.
CDD: 342
CDU: 342

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Devido processo legislativo: uma justificação
democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo.
3. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: F17p.

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Ao meu querido avô, Olavo Jaime de Andrade: “You
don’t need many heroes if you choose carefully”.

(ELY, 1980).

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Agradeço a todos os meus interlocutores, alunos e colegas,
que contribuíram para a geração e para o aperfeiçoamento
posterior desta obra, em especial a Lenio Luiz Streck,
a Menelick de Carvalho Netto e a Theresa Calvet de
Magalhães.

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Quando se entende a constituição como interpretação e configuração de um
sistema de direitos que faz valer o nexo interno entre autonomia privada e
pública, é bem-vinda uma jurisdição constitucional ofensiva (offensiv) em
casos nos quais se trata da imposição do procedimento democrático e da forma
deliberativa da formação política da opinião e da vontade: uma tal jurisprudência
é até exigida normativamente. Todavia, temos que livrar o conceito de política
deliberativa de conotações excessivas que colocariam o tribunal constitucional
sob pressão permanente. Ele não pode assumir o papel de um regente que entra
no lugar de um sucessor menor de idade. Sob os olhares críticos de uma esfera
pública jurídica politizada – da cidadania que se transformou na ‘comunidade dos
intérpretes da constituição’ (Häberle) –, o tribunal constitucional pode assumir,
no melhor dos casos, o papel de um tutor. A idealização desse papel, levada a
cabo por juristas ufanos, só faz sentido quando se procura um fiel depositário
para um processo político idealisticamente acentuado. Essa idealização, por
sua vez, provém de um estreitamento ético de discursos políticos, não
estando ligada necessariamente ao conceito de política deliberativa. Ela não é
convincente sob pontos de vista da lógica da argumentação, nem exigida para
a defesa de um princípio intersubjetivista.

(HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 347)

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SUMÁRIO

PREFÁCIO da TERCEIRA EDI ÇÃO.......................................................... 13


NOTA DO AUTOR À TERCEIRA EDI ÇÃO.............................................. 20

CAPÍTULO 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA
ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITI MIDADE DO
CONTROLE JUDICIAL DE CO NSTITUCIO NALIDADE DAS LEIS E
DO PROCESSO LEGISLATIVO ............................................................................ 21

1.1 Introdução........................................................................................................... 21
1.2 A problemática acerca do controle de constitucionalidade das leis e do
processo legislativo no Brasil........................................................................... 25
1.3 A problemática acerca da justificação do controle de constitucionalidade
das leis e do processo legislativo no direito comparado............................. 36
1.4 Traçando hipóteses de trabalho....................................................................... 40
1.5 Estrutura da argumentação.............................................................................. 51
CAPÍTULO 2
REPUBLICANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE
CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA NO MARCO DAS
TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO........................ 53

2.1 Introdução........................................................................................................... 53
2.2 Republicanismo e Liberalismo......................................................................... 58
CAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO NO MARCO DO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: DA NECESSIDADE DE
SUPERAÇÃO DAS TRADIÇÕES REPUBLICANA E LIBERAL POR
MEIO DE UMA VISÃO PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E DA
POLÍTICA DELIBERATIVA ................................................................................... 71

3.1 Introdução........................................................................................................... 71
3.2 A teoria discursiva da democracia, de Jürgen Habermas............................ 76
3.3 A inter-relação entre democracia e constitucionalismo numa visão
procedimentalista do direito e da política deliberativa –
uma aproximação.............................................................................................. 80
CAPÍTULO 4
TEORIA DISCURSIVA DA CO NSTITUI ÇÃO E PROCESSO
CONSTITUCIONAL................................................................................................. 87

4.1 Introdução........................................................................................................... 87
4.2 Teoria Discursiva da Constituição................................................................... 89
4.3 Constituição e processo.................................................................................. 104

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4.4 O processo constitucional como instrumento da Jurisdição
Constitucional.................................................................................................. 112
4.5 Constituição: reserva de Justiça? Justiça Constitucional ou Jurisdição
Constitucional? – uma pequena discussão.................................................. 122
CAPÍTULO 5
CONCLUSÃO............................................................................................................ 127
O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DO
CONTROLE JUDICIAL DE CO NSTITUCIO NALIDADE DAS
LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO NO MARCO DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO ........................................................................... 127

5.1 Introdução......................................................................................................... 127


5.2 O guardião da Constituição e a sociedade aberta de
intérpretes da Constituição: como deve ser compreendido o papel da
Jurisdição Constitucional e do controle judicial de constitucionalidade
das leis e do processo legislativo no marco do Estado Democrático de
Direito?.............................................................................................................. 128
5.3 Caracterização geral do controle judicial de constitucionalidade, em via
incidental e em via principal, como atividade jurídico-processualmente
institucionalizada de aplicação jurídico-normativa, no marco do Estado
Democrático de Direito................................................................................... 132

POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO (2006)........................................................ 141


Referências.......................................................................................................... 155
APÊNDICE.................................................................................................................. 177
ESTUDOS CO MPLEMENTARES....................................................................... 177

1 Minorias e Democracia no Brasil................................................................... 179


Referências........................................................................................................ 193
2 A Súmula Vinculante nº 4 do STF e o “Desvio” Hermenêutico do TST:
Notas programáticas sobre a chamada “nova configuração”
da Jurisdição Constitucional brasileira nos vinte anos da
Constituição da República.............................................................................. 195
2.1 Por uma reafirmação da dignidade da teoria jurídica em face da
jurisdição e da legislação................................................................................ 195
2.2 Súmula vinculante e repercussão geral: a Súmula nº 4 do STF
e o “desvio” hermenêutico do TST............................................................... 196
2.3 Considerações finais: representação argumentativa e
déficit democrático.......................................................................................... 202
Referências........................................................................................................ 206
3 Democracia, Jurisdição Constitucional e Judicialização da Política:
considerações a partir da PEC nº 3, de 10 de fevereiro de 2011................ 211
Referências........................................................................................................ 216

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PREFÁCIO da TERCEIRA EDI ÇÃO

Foi com grande honra que recebemos o convite para elaboração


do prefácio da 3ª edição da obra de nosso eterno orientador, o Prof. Dr.
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira.
Na posição de discípulos, não podemos deixar de vislumbrar nesta
nova edição todos os caracteres que tornam o jurista Marcelo Cattoni um
dos principais expoentes da nova geração de constitucionalistas brasileiros.
Sua trajetória acadêmica dentro da Universidade Federal de
Minas Gerais, mediante suas pesquisas envolvendo o trinômio teoria
do direito, constitucionalismo e processo, mostra a sofisticação própria
dos grandes mestres.
Esta obra é somente mais um exemplo de sua profícua produção.
A presente obra intitulada “Devido Processo Legislativo:
uma justificação democrática do controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis e do processo legislativo” é fruto da
pesquisa desenvolvida para sua Tese de Doutorado, defendida em
1999 na Universidade Federal de Minas Gerais.
Desde sua 1ª edição, no ano 2000, a obra se mostra central
no debate acerca do papel do Judiciário ao fazer o controle de
constitucionalidade das leis. Papel este que não se “subsume” a apenas
se fazer uma comparação entre Constituição e norma 1de forma “abstrata”
e “objetiva”,2 mas vai além, concentrando-se – notadamente quando
referido ao controle concentrado de constitucionalidade –, ao controle
de legitimidade do processo legislativo.3

1
Aí a crítica de Carl Schmitt ao modelo de controle judicial de constitucionalidade, tal como
pensado por Kelsen. Sobre isso ver: BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Controle
Concentrado de Constitucionalidade: o guardião da Constituição no embate entre Hans
Kelsen e Carl Schmitt. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v.164, 2004, p. 96.
2
Na Alemanha, desenvolve-se a ideia de que o controle concentrado de constitucionalidade
é abstrato (não se refere a um caso concreto) e objetivo (sem partes). Tal doutrina chegou
ao Brasil principalmente por intermédio de Gilmar Mendes. Cf.: MENDES, Gilmar F.
Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e Alemanha. 2. ed., São
Paulo: Saraiva, 1998. Contra tal tese Marcelo Cattoni mostra que o controle concentrado
possui um “caso” a julgar, isto é, a regularidade do processo legislativo e que em tal
processo há verdadeiras partes, ativa e passiva.
3
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: uma justificação
democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo
legislativo. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 135.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
14 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

A centralidade do debate está em que, como observa Marcelo


Cattoni, o debate de europeus e norte-americanos em torno do controle
de constitucionalidade e de sua legitimidade “é conduzido quase
sempre em relação à distribuição de competências entre Legislativo e
jurisdição e, como afirma Habermas (1998, p. 314 et seq.), ‘nessa medida
ela é sempre uma disputa pelo princípio da divisão dos poderes’”.4
Essas questões, acerca da legitimidade do processo legislativo e
da própria legitimidade do Judiciário de proceder ao controle do que
é produzido (quanto ao conteúdo, mas também quanto à forma), são
possivelmente as mais atuais no que toca ao Direito Constitucional e,
de resto, do Direito, nos nossos dias.
Como mostra o plano de trabalho da obra, em seu Capítulo 1,
ao levantar alguns questionamentos:

Nesse sentido, como as bases do controle jurisdicional de constitucionalidade


das leis deverão ser reconstruídas sob o paradigma procedimentalista do
Estado Democrático de Direito? Ou seja, de que forma devemos reconstruir
a relação entre Poder Legislativo e Jurisdição Constitucional, da perspectiva
do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis? Afinal, o que
devemos compreender por Jurisdição Constitucional e por Democracia, à
luz de uma teoria discursiva do Direito e da Democracia?5

De um lado, a constatação da crise do sistema representativo


e a busca por soluções, que, num Estado Democrático de Direito6
supõe a democracia como constante processo de novas inclusões; de
outro, e justamente por isso, o fenômeno cada vez mais presente, do
deslocamento dos grandes debates de formação da opinião e da vontade
públicas (Habermas) do Legislativo para o Judiciário.
Marcelo Cattoni deixa claro que o Judiciário deve garantir que
o controle de constitucionalidade (em qualquer de suas modalidades)
ocorra com a participação (ou influência) da “sociedade aberta dos
intérpretes da Constituição” — de todos os possíveis afetados —, como
único meio de que suas decisões possam levar em consideração os mais

4
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo, 2006, p. 56-57.
5
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo, 2006, p. 136.
6
O Estado Democrático de Direito pode ser entendido, desde uma perspectiva discursiva,
como “institucionalização jurídica de canais de comunicação público-política a respeito
de razões éticas, morais, pragmáticas e de coerência jurídica. É precisamente esse fluxo
comunicativo que conformará e informará o processo legislativo de justificação e o
processo jurisdicional de aplicação imparcial do Direito democraticamente fundado”
(CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo, 2006, p. 130).

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Prefácio 15

variados argumentos subjacentes à interpretação da Constituição e,


de resto, de todo o ordenamento, de forma que se possa proceder a
uma “interpretação construtiva que compreenda o próprio Processo
Constitucional como garantia das condições para o exercício da
autonomia jurídica dos cidadãos”, 7 ao mesmo tempo autores e
destinatários das normas.
O Solipsismo metódico imperante, levado a cabo na prática
decisória, mostra-se como uma reminiscência odiosa da socialização
processual, que faz crer bastar a figura de um decisor sensível e sábio
para a busca da aplicação virtuosa do direito.
O autor mostra que é o processo constitucional que deve
viabilizar a formação das decisões judiciais e legislativas embasadas
numa concepção adequada dos direitos fundamentais processuais
presentes no modelo constitucional de processo brasileiro.
Para tanto, o autor faz uma reconstrução metódica do
pensamento Fazzalariano acerca do processo visto como procedimento
em contraditório.
No que toca ao controle difuso de constitucionalidade das leis,
muitos são os que defendem que, após 1988, esta forma de controle
passa a ser uma “exceção”, um “complemento dispensável” no
Brasil.8 Em sentido contrário, isto é, advogando que o controle difuso
permanece como a principal forma de controle de constitucionalidade
no Brasil, já há muito defende tal tese Marcelo Cattoni.9
Ademais, há de se perceber o aumento da importância qualitativa
do uso dos recursos para viabilizar tal controle difuso em face das
tendências de convergência entre sistemas de civil law e common law,
com suas diretas implicações no modo de aplicação do direito pelo
Supremo Tribunal Federal.
Para a 3ª edição, o autor traz três textos em anexo: “Minorias e
Democracia no Brasil”; “A Súmula Vinculante nº 4 do STF e o ‘Desvio’
Hermenêutico do TST: Notas programáticas sobre a chamada ‘nova

7
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo, 2006, p. 167.
8
Ver, e.g., MENDES, Gilmar. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no
Brasil e Alemanha. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 304.
9
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: uma justificação
democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo
legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 136. Tal tese, inclusive, que inspirou
a Dissertação, orientada pelo Prof. Marcelo Cattoni, de um dos presentes subscritores:
BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Controle judicial de constitucionalidade das leis
e atos normativos: contribuição para a construção de uma democracia cidadã no Brasil.
Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional). Faculdade de Direito, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
16 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

configuração’ da Jurisdição Constitucional brasileira nos vinte anos da


Constituição da República”; e “Democracia, Jurisdição Constitucional,
e Judicialização da Política: considerações a partir da PEC n.º 3, de 10
de fevereiro de 2011”. Gostaríamos de tecer alguns comentários, em
especial, aos dois últimos.
Em “A Súmula Vinculante nº 4 do STF e o ‘Desvio’ Hermenêutico
do TST: Notas programáticas sobre a chamada ‘nova configuração’
da Jurisdição Constitucional brasileira nos vinte anos da Constituição
da República”, o autor enfrenta o problema acerca da (in)eficácia das
Súmulas Vinculantes, pelo menos para o propósito aventado por
alguns de que, uma vez redigida uma Súmula Vinculante, conseguir-
se-ia “congelar” o sentido de determinado texto. Primeiramente,
o autor mostra que a pressa com que o STF tem produzido suas
Súmulas Vinculantes destoa do que deveria ser o instituto (e do que
expressamente dispõe a Constituição após a EC 45/04): o resultado do
amadurecimento de uma questão exaustivamente debatida nos vários
graus e mesmo naquele Tribunal até que se um certo entendimento se
forme. Não é assim que, muitas vezes, se tem feito e a Súmula Vinculante
nº 4,10 tratada no texto, é um ótimo exemplo disso.
Havia, no entanto, divergências no TST (apenas para citar esta
Corte trabalhista) a respeito do tema e a edição da Súmula Vinculante
nº 4 não resolveu o problema. Como é mostrado no texto, a 7ª Turma
do TST apenas se “adaptou darwinianamente” à Súmula, isto é, manteve
seu entendimento anterior (divergente ao que decidiu o STF), no
entanto, o fez afirmando estar aplicando a Súmula Vinculante nº 4!
Isso fez com que, alguns meses depois, o TST alterasse sua Súmula
nº 228 para adaptá-la à Súmula Vinculante nº 4. Na sequência, o STF,
liminarmente, suspendeu a Súmula nº 228, justamente por vislumbrar
possível afronta à Súmula Vinculante nº 4. No entanto, o TST continua
a defender que ele está, sim, aplicando o entendimento vinculante do
STF, apenas dando-lhe o correto sentido.
O caso apenas demonstra, como argumentado acima, que a
criação de uma Súmula, mesmo que vinculante, ou de precedentes
obrigatórios e repercussões gerais não resolve o “problema” da
interpretação do Direito – ao menos se esta for levada a sério. Apenas
um aplicador cínico se vincula da forma pretendida por aqueles que
acreditam no poder petrificador de súmulas e precedentes.

10
In verbis: “Salvos os casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado
como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado
nem ser substituído por decisão judicial”.

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Prefácio 17

Por fim, o texto ainda critica a assertiva, cada vez mais


difundida no Brasil, de que os Tribunais representam o povo
“argumentativamente” (ideia extraída da obra de Robert Alexy e que
tem encontrado eco no STF). Tal ideia torna problemática a democracia
institucionalizada no Parlamento como caixa de ressonância de
demandas vindas da periferia e coloca os Tribunais quase como que
uma “terceira instância”11 de deliberação política.
Já em “Democracia, Jurisdição Constitucional, e Judicialização
da Política: considerações a partir da PEC n.º 3, de 10 de fevereiro de
2011”, o Prof. Marcelo Cattoni analisa a polêmica Proposta de Emenda à
Constituição do Deputado Nazareno Fonteles que, a título de pretender
“preservar as competências” do Legislativo em face da “atribuição
normativa do Poder Judiciário”, pretende alterar o inciso V do art. 49
da Constituição.12 A proposta é dar ao Legislativo a competência de
sustar atos normativos do Judiciário que vão além do poder regulamentar ou dos
limites de delegação legislativa;13 é dizer, além do atual poder de sustar atos
regulamentares do Executivo que exorbitem os limites traçados pelas
leis, o Congresso também poderá anular decisões judiciais que considere
igualmente exorbitantes, o que, segundo a Justificativa da Proposta, traria
um equilíbrio entre os Poderes. Pela Proposta, o inciso V do art. 49 ficaria
assim redigido: “V – sustar os atos normativos dos outros poderes que
exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
A partir disso, o autor discorre sobre outro tema importantíssimo
nos dias atuais – e que é, como apontado pelo Deputado, a razão pela
qual foi proposta a Emenda –, que é a “judicialização da política”.
Mostra que essa é uma questão que surge do constitucionalismo do
pós-guerra, que traz Constituições programáticas, dirigentes, cujos
direitos fundamentais elencados (agora) se espalham sobre todos
os ramos do Direito e que atribuem ao Judiciário o poder de fazer o
controle de constitucionalidade, bem como ser caixa de ressonância
de reivindicações populares contra ações/omissões dos outros poderes
em “realizar” a Constituição – uma vez que, como lembra, os Direitos

11
Ou pior, o papel de “tutor” ou de “superego de uma sociedade órfã”. Sobre isso ver: MAUS,
Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na
“sociedade órfã”. Novos Estudos CEBRAP, nº 58, p. 183-202, nov. 2000.
12
Diz o texto atual: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...)
V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar
ou dos limites de delegação legislativa”.
13
O fundamento, segundo o Deputado estaria no inciso XI do art. 49 da CR/88: é da
competência exclusiva do Congresso Nacional: XI – zelar pela preservação de sua
competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
18 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Fundamentais deixam de ser apenas promessas à discricionariedade


do legislador ou da administração pública. A referência teórica para o
Judiciário exercer tal função é a “jurisprudência dos valores”.
Ao contrário, Marcelo Cattoni lembra que, já há alguns anos,
vem defendendo que o controle que a “Jurisdição Constitucional” deve
fazer diz respeito menos às opções valorativas do legislador e sim à
“garantia do devido processo legislativo”, é dizer:

[...] garantia das condições processuais para o exercício da autonomia


pública e da autonomia privada dos coassociados jurídicos, no sentido da
equiprimordialidade e da inter-relação entre elas. Essa tarefa densifica-
se nas seguintes perspectivas:
1 - Garantia do devido processo legislativo democrático; ou seja,
democracia e abertura nos discursos de justificação da validade das
normas jurídicas.
2 - Garantia do devido processo constitucional; ou seja, imparcialidade
e adequabilidade nos discursos de aplicação constitucional.
Ad 1 - Sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, a Jurisdição
Constitucional deve referir-se primeiramente aos pressupostos
comunicativos e às condições processuais para uma gênese
democrática do Direito. [...]
Ad 2 – Nessa perspectiva, a Jurisdição Constitucional deve garantir,
de forma constitucionalmente adequada, a participação nos processos
constitucionais de controle judicial de constitucionalidade da lei e do
processo legislativo, dos possíveis afetados por cada decisão, em matéria
constitucional, através de uma interpretação construtiva que compreenda
o próprio Processo Constitucional como garantia das condições para o
exercício da autonomia jurídica dos cidadãos.14

Somado a isso, percebe-se ainda o reforço do solipsismo


judicial e do julgamento solitário pelos Relatores como solução para
a celeridade/eficácia das decisões mediante a quebra da colegialidade
das decisões dos Tribunais.
Sobre a PEC, o autor lembra que, em uma democracia, é o
Parlamento o centro do regime político, devendo zelar por isso.
Contudo, discorda da proposta por não ver na mesma a melhor solução
para a judicialização da política. Como mostra, os “atos normativos”
que os demais poderes podem ter ou são delegação legislativa ou poder
regulamentar. Ora, quem possui tais poderes é a Administração Pública
(arts. 84, VI, “a” e “b” e 59, IV) e o Judiciário, quando este exerce função

14
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo, 2006, p. 167-168.

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Prefácio 19

administrativo-interna (isto é, função imprópria) (arts. 96, I, “a” e “b”,


103-B, §4º, I e 118-121).
Tais funções administrativas, sejam elas realizadas pela
Administração Pública, seja pelo Judiciário, podem ser objeto de controle
legislativo. Já a função jurisdicional não deve sê-lo. O autor menciona
como razões para isso, por exemplo, o que está disposto no art. 5º, XXXVI
e XL (e que, inclusive, não podem ser objeto de Emenda – art. 60, §4º).
Já a atividade judicial do STF não trata de “atividade
regulamentar”; logo, estaria fora do alcance do Congresso Nacional,
mesmo que aprovada a Emenda.
Se a PEC é ineficaz até mesmo para o que se propõe, como, então,
o Legislativo poderia “controlar” o Judiciário? Segundo Marcelo Cattoni,
primeiramente, o Legislativo deveria enfrentar temas polêmicos – e não
ficar na posição cômoda de deixar ao Judiciário que tenha o ônus político
de decidir – como nos exemplos por ele citados: interrupção de gravidez
em caso de anencefalia, revisão da Lei de Anistia, reconhecimento das
uniões estáveis homoafetivas,15 descriminalização do uso de drogas, etc.
Lembra que, se o Congresso Nacional quer diminuir poderes dos
juízes, ele tem em mãos tal oportunidade ao tratar do Novo Código de
Processo Civil. E ainda, que o meio institucional pelo qual o Legislativo
pode se opor a decisões do Judiciário é o próprio processo legislativo,
desde que respeitados os limites constitucionais.
Nesses termos, a obra se mantém atual e central no debate
acerca do novo constitucionalismo brasileiro, abordando os principais
temas acerca da tensão entre o constitucionalismo e democracia. Mais,
a atualização do texto e os novos diálogos trazidos a colocam como
obra de referência para todos os que se debruçam sobre o Direito
Constitucional atual e suas implicações nos vários ramos do Direito.

Belo Horizonte – Minas Gerais, Brasil, dezembro de 2014.

Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia


Dierle José Coelho Nunes

15
Sobre isso cf.: BAHIA, Alexandre; NUNES, Dierle. Crise da Democracia Representativa –
Infidelidade Partidária e seu Reconhecimento Judicial. Revista Brasileira de Estudos Políticos,
v. 100, p. 57-83, jan./jun. 2010; e: BAHIA, Alexandre. A não-discriminação como Direito
Fundamental e as redes municipais de proteção a minorias sexuais - LGBT. Revista de
Informação Legislativa, nº 186, p. 89-106, abr./jun. 2010.

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NOTA DO AUTOR À TERCEIRA EDIÇÃO

Esta edição, após quase quinze anos da primeira e nove anos da


segunda, revê e amplia, mais uma vez, esta obra e corrige alguns lapsos
e erros de editoração.
Merece destaque a inclusão de três estudos complementares, que
representam desdobramentos da tese ora exposta, a de que a jurisdição
constitucional democrática, no exercício do controle de constitucionalidade,
deve garantir o devido processo legislativo e o devido processo
constitucional, no sentido da garantia dos direitos fundamentais como
condições de institucionalização e de possibilidade da democracia, como
expressão da autonomia pública e privada dos cidadãos.
E, assim, ao garantir os direitos fundamentais como condições
de institucionalização da democracia e expressão das autonomias
pública e privada, a jurisdição constitucional deve retroalimentar e
reforçar a dinâmica democrática e o processo público deliberativo,
reconhecendo, inclusive, novos sujeitos e novos direitos, por meio de
uma interpretação inclusiva e aberta ao porvir da Constituição (art.
5º, §2º, da Constituição brasileira).
Aproveito a oportunidade para agradecer também a todos os
meus interlocutores, alunos e colegas, que contribuíram para a geração
e aperfeiçoamento posterior desta obra, em especial a Lenio Luiz Streck,
a Menelick de Carvalho Netto e a Theresa Calvet de Magalhães.

Belo Horizonte, 14 de julho de 2014.

Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

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CAPÍTULO 1

DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO:


A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA
JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE
DO CONTROLE JUDICIAL DE
CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E
DO PROCESSO LEGISLATIVO

1.1 Introdução
A sociedade deste início de século se caracteriza por uma
crescente diferenciação entre os vários subsistemas sociais e por uma
acentuada autonomização de antigas esferas normativas, tais como
as da Moralidade, da Ética e da Religião. É sociedade, cada vez mais
claramente, sem centro, o que pode ser visto da perspectiva de um avançado
processo de globalização ou de internacionalização na tematização e no
tratamento das questões econômicas, políticas, ecológicas, entre outras,
que mobilizam a opinião pública mundial e que transcendem tanto os
mercados regionais quanto os Estados nacionais (HABERMAS, 1995a).
Portanto, a sociedade atual é moderna. À diferenciação sistêmica,
à autonomização normativa e à perda de um centro acrescenta-se o
fato de a sociedade atual ser marcada por um pluralismo de formas de
vida e de visões de mundo as mais diferentes, até concorrentes e em
desacordo, acerca do que seja justo, do que seja ético ou do que seja o
sucesso. E, ainda mais, diversidades de formas de vida e de visões de
mundo são vistas como igualmente razoáveis e podem assim pretender
concorrentemente o reconhecimento de sua dignidade (RAWLS, 1993a).

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
22 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

É, pois, moderna, complexa, a sociedade atual, cujas distorções


são, inclusive, perversamente sentidas na periferia desse processo
mundial de modernização.
No entanto, a pluralidade semântica acerca da justiça e da felicidade,
do sucesso ou da prosperidade revela-se no problema pragmático-universal
que esse mesmo pluralismo postula: a questão acerca de como pode ser
possível a integração social em uma sociedade complexa, diferenciada,
descentrada, autonomizada e em crescente processo de globalização e
internacionalização. E, mais que isso, como se pode dar essa integração
em uma sociedade moderna que se pretende democrática?
Embora o Direito moderno não seja a única resposta para essas
indagações, é inegável a função que ele, após várias aquisições evolutivas
(LUHMANN, 1996), exerce nos processos de integração social, pois,
consoante a forma jurídica moderna, faz-se do Direito um referencial
normativo-padrão, operacional para a sociedade, que tem por função
realizar, com caráter coercitivo, a coordenação dos diversos planos de ação
dos vários atores na sociedade, por meio da estabilização de expectativas de
comportamento temporal e social, formal e materialmente generalizadas.
A complexidade da sociedade moderna, todavia, é de tal ordem
que pressupõe um Direito que, para realizar sua função no processo de
integração social, deve ultrapassar a perspectiva funcional-sistêmica e
possibilitar simultaneamente, não somente a densificação de princípios
morais universais na pluralidade das eticidades substantivas das
organizações políticas concretas,1 mas fazê-lo de tal modo a que
os destinatários de suas normas possam reconhecer-se como os
próprios coautores das mesmas (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 114). Tal
possibilidade de reconhecimento deve ser garantida, como veremos,
pelo processo legislativo acolhido, estruturado constitucionalmente.
Para dizer com Jürgen Habermas, a sociedade moderna busca,
portanto, organizar-se por meio de um Direito que, guardando uma
relação de complementaridade com uma “moralidade pós-convencional”2

1
Como veremos, “las razones que abonan la legitimidad del derecho, so pena de
disonancias cognitivas, han de estar en concordancia con los principios morales de una
justicia y solidariedad universalistas, así como con los principios éticos de un modo
de vida tanto de los individuos como de los colectivos, conscientemente proyectado y
asumido con responsabilidad” (HABERMAS, 1998a, p. 164).
2
Para a caracterização de o que seja moralidade pós-convencional, ver COLBY-KOHLBERG,
1987. Kohlberg, partindo de Jean Piaget, formula uma teoria construtivista-cognoscitivista
do desenvolvimento moral, segundo a qual este se daria por meio de níveis estruturais
cada vez mais sofisticados de aprendizagem e de raciocínio acerca de questões prático-
morais; o nível pré-convencional, caracterizado por uma perspectiva individual concreta;
o nível convencional, centrado nos papéis grupais e sociais; e o nível pós-convencional,

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 23
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

e se autonomizando de uma “eticidade substancial”, 3 pretende


justificar-se por meio de um processo legislativo constitucionalmente
estabelecido, em que forma jurídica moderna e princípio democrático
se interagem.4
É sob essa perspectiva que se apresenta a questão sobre a
legitimidade do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis.
Controle judicial de constitucionalidade das leis é uma expressão
comum e genericamente utilizada de modo polissêmico e um
tanto ingênuo não somente do ponto de vista do debate político-
constitucional, profissional ou institucional, mas também da perspectiva
do debate teorético-constitucional.
De uma perspectiva que designamos com Habermas de
reconstrutiva5 e que possui a vantagem, diante da Teoria e da Sociologia
do Direito tradicionais, de não se fechar a um único ponto de vista

que requer uma atitude crítico-reflexiva acerca de papéis, normas e instituições sociais,
a partir, quer dos direitos humanos e do bem-estar social, no estágio 5, quer a partir
do reconhecimento argumentativo de princípios morais universais, no estágio 6. Uma
moralidade pós-convencional é a aquela cujas normas se justificam à luz de um princípio
da universalização e que se aplicam no marco de um princípio formal de adequabilidade.
Acerca da recepção, pela teoria habermasiana, de trabalhos de psicologia social, realizados
por Kohlberg, ver HABERMAS, 1989, p. 143 et seq.
3
Em Habermas, a eticidade substancial consiste no conjunto de tradições, valores, formas
e modos de vida socialmente vigentes e “naturalizados”, que forma a identidade social,
grupal e individual. Na pré-modernidade, esta consistia num amálgama de normas,
valores e interesses que, com a crescente racionalização e problematização do seu
conteúdo, vindas com a modernidade, assume forma reflexiva, num mundo caracterizado,
para usar os termos de John Rawls (1993a), pelo “fato do pluralismo razoável” (acrescento,
pluralismo ético, ou seja, quanto às formas e aos modos de vida boa e digna).
4
Na explicação de Jiménez Redondo (JIMÉNEZ REDONDO, 1998), o princípio democrático
é uma densificação do princípio do discurso, segundo o qual “sólo son legítimas aquellas
normas de acción que pudieran ser aceptadas por todos los posibles afectados por ellas
como participantes en discursos racionales” quando aplicado a normas do agir com forma
jurídica (p.11). E forma jurídica moderna ou forma jurídica [moderna] das normas “se trata
de normas en las que se prescinde de la capacidad del destinatario de ligar su voluntad por
propia iniciativa; que se refieren a asuntos bien tipificados y que, por tanto, representan en
su materia una violenta abstracción respecto de la complejidad del ‘mundo de la vida’; y
en las que se prescinde de la motivación del agente a la hora de atenerse o no a la norma”
(p. 9). Acerca dessa compreensão do Direito, ver HABERMAS, 1997b.
5
Na explicação de Manuel Jimenez Redondo, uma teoria reconstrutiva ‘‘reconstruye la
idealidad inmanente a la facticidad de la realidad como aguijón y elemento de tensión
operante en esa misma realidad” (JIMENEZ REDONDO, 1998, p.13). Como veremos, um
enfoque reconstrutivo do Controle judicial de constitucionalidade das leis nos possibilitará
romper tanto com abordagens excessivamente normativas, quanto com abordagens
cépticas desse controle, ao permanecer aberto a diferentes pontos de vista metodológicos,
a diferentes objetos teóricos, a diferentes papéis sociais e a diferentes atitudes pragmáticas
de pesquisa, a fim de que uma abordagem normativa não perca seu contato com a realidade,
nem uma abordagem objetiva exclua qualquer aspecto normativo, mas permaneçam em
tensão. Sobre um enfoque reconstrutivo, ver HABERMAS, 1997b.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
24 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

disciplinar, o controle judicial de constitucionalidade das leis é uma


expressão utilizada para se referir a uma série de controles judiciais
que não se reduzem a um controle judicial de constitucionalidade “da
lei”, ou a um controle judicial de constitucionalidade “de emenda ou de
revisão constitucionais”, ou, ainda, a um controle “de atos normativos”,
nem sempre equiparáveis à lei, quanto à sua validade jurídica ou ao seu
âmbito normativo de incidência. E, mais que isso, o controle judicial de
constitucionalidade das leis deve ser fundamentalmente considerado
como controle jurisdicional de constitucionalidade e de regularidade do
processo de produção da lei. Ou seja, dos atos jurídicos que, ao densificarem
um modo jurídico-constitucional de interconexão prefigurada, constituem-
se em uma cadeia procedimental. Essa cadeia procedimental se desenvolve
discursivamente, ou, ao menos, em condições equânimes de negociação,
ou, ainda, em contraditório, entre agentes legitimados, no contexto de uma
sociedade aberta de intérpretes da Constituição, visando à formação e à emissão
de um ato público-estatal do tipo pronúncia-declaração, um provimento
legislativo que, sendo o ato final daquela cadeia procedimental, dá-lhe finalidade
jurídica específica.
Esse controle jurisdicional do processo legislativo, com a crise
de legitimidade e de operacionalidade dos paradigmas jurídicos,
liberal e de bem-estar social – os paradigmas de maior sucesso na
história constitucional –, é lançado no centro do turbilhão que assola as
ordens jurídicas deste início de século, em que questões constitucionais
tradicionais são, a todo momento, colocadas em pauta, e até em xeque,
no debate público, não somente nos países centrais, mas também nos
chamados países de modernidade periférica.
No contexto da sociedade complexa atual, como deverão ser
reconstruídas as bases do controle judicial de constitucionalidade das
leis, enquanto controle jurisdicional de constitucionalidade do processo
legislativo? Qual o papel, a tarefa e a função do controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis e do processo legislativo, um tema que já
se impõe como fundamental para aqueles que se dedicam ao estudo da
Jurisdição Constitucional?6 Os de uma “instituição contramajoritária”,
assim defensora dos direitos das minorias diante das decisões
dominantes, como é postulado pela tradição liberal? Ou os de

6
Sobre a importância do controle judicial de constitucionalidade para o estudo da jurisdição
constitucional, ver BARACHO, 1996. A presente investigação pretende seguir a linha de
pesquisa inaugurada pelo Professor José Alfredo de Oliveira Baracho acerca da jurisdição
e do processo constitucionais, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais.

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 25
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

“guardião” dos valores éticos de uma sociedade política e monitor do


processo político, como consideram os representantes do pensamento
republicano-comentarista e da “Jurisprudência dos Valores”?
É sobre o pano de fundo de tais abordagens reconstrutivas
que buscaremos contribuir para a reflexão acerca dessas e de outras
indagações, ao pretendermos apresentar uma justificação da legitimidade
democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e
do processo legislativo.

1.2 A problemática acerca do controle de


constitucionalidade das leis e do processo legislativo no
Brasil
A fim de resgatarmos reconstrutivamente, sem desprezarmos a
complexidade que possui, sobre o pano de fundo da sociedade atual, a
problemática sobre o controle judicial de constitucionalidade das leis e
de seu papel enquanto controle jurisdicional de constitucionalidade e
de regularidade do processo legislativo – processo legislativo que deve
possibilitar o reconhecimento da coautoria que justifica a legitimidade
do Direito e viabilizar a realização da função deste último no processo
de integração social – teremos, pois, de romper tanto com a teoria
tradicional do Direito, excessivamente normativa, quanto com a
sociologia tradicional do Direito, excessivamente objetivante.
Assim é que o tema do controle jurisdicional de constitucionalidade
das leis, num país como o Brasil, também está a requerer urgentemente
um tratamento adequado em termos reconstrutivos, sobretudo quando
se tem em vista os recorrentes momentos de inércia e de déficit de
integração social que, da perspectiva do participante em discursos
jurídicos de justificação e de aplicação, são tradicionalmente percebidos
e interpretados, pelas teorias jurídicas especializadas em questões
normativas, como um contraste ou hiato entre um Direito Constitucional
que se pretende legítimo e realidades político-sociais e econômicas
recalcitrantes, um contraste entre o ideal a ser buscado e a crua
realidade. Em momentos de grande agitação política, essa perspectiva
normativa pode chegar a se traduzir no mais veemente dos protestos:

Não sejamos ridículos. A Constituição de 1988 não está mais em vigor.


É pura perda de tempo discutir se a conjunção “e” significa “ou”, se
o “caput” de um artigo dita o sentido do parágrafo ou se o inciso tem
precedência sobre a alínea. A Constituição é hoje o que a Presidência

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
26 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

quer que ela seja, sabendo-se que todas as vontades do Planalto são
confirmadas pelo Judiciário.
As Ordenações Filipinas, que vigoraram entre nós por muito tempo,
cominavam dois tipos de pena capital: a morte natural e a espiritual. A
primeira atingia o corpo; a segunda, a alma. O excomungado continuava
a viver, mas só fisicamente: sua alma fora executada pela autoridade
episcopal, com a ajuda do braço secular do Estado.
Algo semelhante aconteceu com nossa Carta. Ela continua a existir
materialmente, seus exemplares podem ser adquiridos nas livrarias (na
seção das obras de ficção, naturalmente), suas disposições são invocadas
pelos profissionais do Direito no característico estilo “boca de foro”. Mas
é um corpo sem alma. Hitler, afinal, não precisou revogar a Constituição
de Weimar para instaurar na civilizada Alemanha a barbárie nazista:
simplesmente relegou às traças aquele “pedaço de papel”.
A única razão de ser de uma Constituição é proteger a pessoa humana
contra o abuso de poder dos governantes. Se ela é incapaz disso, porque
o governo dita a interpretação de suas normas ou as revoga sem maiores
formalidades, seria mais decente mudar a denominação – “o Presidente
da República, ouvido o Congresso Nacional e consultado o Supremo
Tribunal Federal, resolve: a Constituição da República Federativa
do Brasil passa a denominar-se regimento interno do governo”.
(COMPARATO, 1998, p. 3)

Entretanto, conquanto Fábio Konder Comparato tenha sido


capaz, numa perspectiva normativa, de apreender da forma mais clara o
sentimento difuso de uma situação constitucional brasileira, vivenciada
por todos nós, conducente ao perigo de um verdadeiro processo de
anomia e de desintegração social, é preciso buscar apreender algo
mais, algo que apenas um enfoque reconstrutivo nos permitirá ver,
precisamente para que possamos fazer jus à complexidade da questão,
pois não se trata apenas de uma suposta dualidade entre o ideal
constitucional e a realidade sociopolítica. Há toda uma idealidade já presente
na faticidade dos processos políticos e sociais, e que deverá ser tematizada,
por meio deste trabalho.
Com certeza, as tentativas bem-sucedidas de viabilização
de políticas governamentais por meio de reformas juridicamente
discutíveis da Constituição e da legislação; o uso abusivo e
descontrolado de medidas provisórias7 que pode acarretar uma
verdadeira redução do processo legislativo a uma função meramente
legitimadora de políticas governamentais; e a omissão do Supremo

7
Para uma discussão acerca do instituto da Medida Provisória, ver CLÈVE, 1993, p. 150 et
seq.

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 27
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

Tribunal Federal quanto ao controle dos atos processuais legislativos,


com base em uma compreensão inadequada ao paradigma do Estado
Democrático de Direito, dos limites de sua legitimidade política para
exercer um controle judicial mais efetivo do processo legislativo,
reduzindo este último a uma dimensão eminentemente político-
deliberativa, desprovida de caráter de juridicidade;8 tudo isso, ainda
somado às propostas que de forma recorrente se apresentam de se
proceder, seja a uma “revisão global”, seja “temática” da Constituição,
à margem da própria Constituição, termina por fomentar o sistemático
desrespeito às normas constitucionais e regimentais, e a colocar em
risco não somente os direitos das minorias parlamentares, mas a
própria pretensão de legitimidade e de operacionalidade da ordem
democrático-constitucional; o que afeta a todos os cidadãos, na sua
autonomia pública e privada. Numa situação em que se poderia chegar à
perda da universalidade do código jurídico e da relação de reciprocidade,
de reconhecimento mútuo, pressupostos ao status civitatis, os direitos
fundamentais não se apresentariam efetivamente à disposição dos
indivíduos e dos grupos sociais, que, cada vez mais excluídos, teriam
sempre seus direitos, ao contrário de protegidos, violados:

[...] as disposições no campo do Estado de Direito assumem aqui


proporções estarrecedoras: por um lado se recorre à maior parte da
população, por outro lado não se investe essa parte da população
de direitos; por um lado a maior parte da população é ‘integrada’
na condição de obrigada, acusada, demandada, por outro lado ela
não é integrada na condição de demandante, de titular de direitos.
(MÜLLER, 1998, p. 95).

Assim, sob esse enfoque normativo, as normas constitucionais


manifestar-se-iam, para a grande maioria da população, meramente
como um limite à liberdade, e os direitos de participação política,
assim como o acesso à justiça, permaneceriam tão somente no papel.
Em contrapartida, grupos superintegrados, que constituiriam a menor
parte da população, estes, sim, disporiam, e de modo exclusivo, da
Constituição, no sentido de que a inconstitucionalidade dos atos
de “seus” políticos, peritos e milicianos não se tornaria objeto de
questionamentos no nível institucional e, portanto, não seria tematizada,

8
Acerca da redução, empreendida pelo Supremo Tribunal Federal, do processo legislativo
a uma dimensão eminentemente política, desprovida de juridicidade, ver CARVALHO
NETTO, 1992.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
28 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

no sentido forte do termo. A Constituição, assim, não poderia impor o


código licitude/ilicitude (CHAMON JÚNIOR, 2005, p. 267), diante do
metacódigo inclusão/exclusão:

Na medida da sua dominância efetiva a superestrutura constituída de


superintegração/subintegração (inclusão/exclusão) deslegitima uma
sociedade constituída não apenas no âmbito do Estado de Direito, mas
já a partir da sua base democrática (MÜLLER, 1998, p. 95).

Usando uma linguagem própria da Teoria dos Sistemas, Friedrich


Müller considera, em face de tais circunstâncias, que se poderia afirmar:

O código jurídico está subordinado [untersteht] ao código político,


o direito está subordinado à economia, o Estado está subordinado à
atividade econômica – com as consequências já insinuadas para os
economicamente fracos, quer dizer, para a maior parte da população.
Então já não admira mais que a reivindicação de direitos de cidadania
por parte de subcidadãos excluídos, subintegrados, seja ‘identificada
constantemente com subversão’ [Velho, Gilberto. ‘Violência e
cidadania’. Dados, Revista de Ciências Sociais, 1980, p. 361 et seq. 364].
(MÜLLER, 1998, p. 96).

No que se refere, especificamente, à problemática acerca do


controle judicial de constitucionalidade e de regularidade do processo
legislativo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro,
há pelo menos vinte anos, tem oscilado entre um formalismo jurídico e
uma desjuridicização das questões de regularidade regimental do processo
legislativo (VELLOSO, 2004). O formalismo jurídico se revela no modo
de apreciação da validade jurídica dos atos processuais legislativos
(uma questão tida como meramente formal), isolando-os e separando-
os da cadeia procedimental a que pertencem. A desjuridicização das
questões acerca da regularidade regimental do processo legislativo é
realizada com base num sistemático alargamento por parte do Supremo
Tribunal do que se deve compreender como “matéria interna corporis”
ao Legislativo: as questões acerca da regularidade regimental não
seriam passíveis, em sua maioria, de verificação por parte do Judiciário,
porque a interpretação e a aplicação do Regimento Interno das Casas
Parlamentares fariam parte da reserva de competência exclusiva delas.
Um caso clássico de formalismo jurídico, e que mereceu a crítica
arguta de Menelick de Carvalho Netto (CARVALHO NETTO, 1992,
p. 264), é o do modo com que o Supremo Tribunal Federal trata de
questões que se referem a vícios de iniciativa legislativa. Contrariando

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 29
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

entendimento jurisprudencial já assentado na antiga Súmula nº


5, o Supremo Tribunal passa a assumir, a partir da Representação
de Inconstitucionalidade nº 890/1974, a posição segundo a qual
o descumprimento de normas constitucionais que estabelecem a
iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo por parte
de parlamentares macularia de forma insanável o processo legislativo
e, assim, a lei dele resultante, ainda que, por meio da sanção, o Chefe de
Estado e de Governo aquiescesse com a propositura da lei (CARVALHO
NETTO, 1992, p. 273). Esse entendimento jurisprudencial não considera
nem a iniciativa nem a sanção como atos jurídicos que fazem parte de
fases diferentes de uma mesma série procedimental, estruturada por
uma forma específica de interconexão constitucional e regimentalmente
prefigurada, cuja validade e eficácia devem ser analisadas a partir da
unidade de cada procedimento legislativo (princípio da unicidade do
procedimento) e com referência à finalidade específica desse último, ou
seja, da perspectiva da preparação (ou do fazer-se) de um determinado
provimento legislativo (princípio da economia procedimental,
combinado com o princípio da continuidade ou da dependência
funcional da série procedimental).9 Assim, é que a iniciativa legislativa
e a apresentação de emendas a projetos de lei, que também se encontra
na fase de propositura, têm por finalidade instaurar o procedimento,
e a sanção, assim como a aprovação do projeto de lei nas Casas do
Congresso, que também está na fase de perfecção e constituição da lei,
tem por finalidade constituir ou perfazer a lei. E é assim que, seguindo
o entendimento de Menelick de Carvalho Netto, cabe concluir que:

[...] em um Estado de sistema presidencial de governo, no qual se


concentram monocraticamente, na figura do Chefe de Estado, as
funções de Chefe de Estado e de Governo, cientificamente, por força
do princípio da unicidade e da economia procedimental, e tendo-se
em vista a vinculação direta, imediata e principal reservada à sanção
do Chefe de Estado, no tipo de procedimento legislativo caracterizado
pelo próprio instituto, frente ao caráter estruturalmente indireto,

9
Acerca dos princípios da unicidade, da economia e da continuidade procedimentais, ver
CARVALHO NETTO, 1992, p. 239-240. Considero adequado compreender esses princípios
a partir da posição doutrinária de Elio Fazzalari e Aroldo Plínio Gonçalves, tendo em vista
o “princípio do contraditório” (GONÇALVES, 1992) e a compreensão por eles apresentada
de procedimento. Assim, teremos o “princípio da finalidade” e o “princípio da ausência de
prejuízo” (GONÇALVES, 1993), para o caso da análise da validade e da eficácia dos atos do
próprio processo (“procedimento realizado em contraditório”) legislativo, guardadas as
especificidades desse em relação ao processo jurisdicional. Acerca da aplicação adequada
do princípio do contraditório ao processo legislativo, ver, infra, capítulo 4.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
30 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

mediato e secundário de que se reveste a iniciativa no procedimento


legislativo, outra não poderia ser a conclusão do que a da sanabilidade
do vício. O ato total daí resultante revela-se como perfeitamente
idôneo precisamente por contar com a aquiescência daquele a quem
competia iniciá-lo, no momento mesmo da constituição. Idoneidade
de tal forma confirmada pela reconstrução do percurso no qual se
realizam os elementos singulares da série, que repugnaria ao princípio
da unidade e da economia procedimental solução contrária. Não se
justificaria supor que seria duplicar, repetir toda a série procedimental,
reiterar as mesmas atividades, se não obstante o defeito, o ato persiste
substancialmente idôneo enquanto instrumento de realização dos fins
colimados. Daí resulta a perfeita sanabilidade do vício em exame.
(CARVALHO NETTO, 1992, p. 249-250).

O formalismo jurídico não é nada inofensivo. Nesse caso, como


mostra o Professor Menelick, contribuiu para uma redução do processo
legislativo a um mero rito legitimador de decisões já tomadas no
interior das burocracias do Estado ditatorial, sobre o pano de fundo de
uma compreensão autoritária da representação política (CARVALHO
NETTO, 1992, p. 289-290).
A questão do alargamento da noção de o que seja “matéria
interna corporis” não é menos séria. Esse alargamento se revela
através de posições jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal
segundo as quais a interpretação e aplicação do Regimento Interno
das Casas Parlamentares seriam procedimentos que se resolveriam,
privativamente, no interior das próprias Casas. Nesse sentido, o controle
judicial de regularidade do processo legislativo só poderia ser exercido
se imediatamente referido a requisitos procedimentais previstos diretamente
pelo texto constitucional (como no caso do disposto nos §1º, do art. 47,
da Constituição de 1967/69, e §4º, do art. 60, da Constituição de 1988), e
não simplesmente com base nos referidos Regimentos, como afirmado,
em 1980, no MS nº 20.257-DF e, assim, repetidas vezes, p. ex., nos MS
nº 21.642-5-DF e MS nº 21.648-4-DF (DJ, 19/09/1997). Esse é, também, o
entendimento jurisprudencial confirmado pela decisão, do Supremo
Tribunal Federal, no MS nº 22.503-DF, de 06/06/1997, cuja ementa do
acórdão é a seguinte:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA


ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, RELATIVO
À TRAMITAÇÃO DE EMENDA CONSTITUCIONAL. ALEGAÇÃO
DE VIOLAÇÃO DE DIVERSAS NORMAS DO REGIMENTO
INTERNO E DO ART. 60, §5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 31
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

PRELIMINAR: IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA QUANTO


AOS FUNDAMENTOS REGIMENTAIS, POR SE TRATAR DE
MATÉRIA INTERNA CORPORIS QUE SÓ PODE ENCONTRAR
SOLUÇÃO NO ÂMBITO DO PODER LEGISLATIVO, NÃO SUJEITA
À APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO; CONHECIMENTO
QUANTO AO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
MÉRITO: REAPRESENTAÇÃO, NA MESMA SESSÃO LEGISLATIVA,
DE PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DO PODER
EXECUTIVO, QUE MODIFICA O SISTEMA DE PREVIDÊNCIA
SOCIAL, ESTABELECE NORMAS DE TRANSIÇÃO E DÁ OUTRAS
PROVIDÊNCIAS (PEC Nº33-A, DE 1995). (grifos meus).

Vale grifar, segundo o Supremo Tribunal Federal, é somente nos


casos de descumprimento direto de normas constitucionais referentes
às formalidades do processo legislativo que os parlamentares teriam
legitimação ativa para impetrar mandados de segurança contra
atos processuais legislativos que imediatamente descumprissem a
Constituição, porque lhes assistiria um direito público subjetivo,
“enquanto copartícipes do procedimento de elaboração das normas
estatais” (para usar as palavras do Ministro Celso de Mello, no MS nº
21.642-5-DF), de não terem de votar projetos de lei ou propostas de
emenda que julguem inconstitucionais.
De qualquer forma, colocada nesses termos, pelo Supremo
Tribunal, a questão acerca da irregularidade e da inconstitucionalidade
da tramitação de um projeto de lei ou de uma proposta de emenda
constitucional acabaria sendo reduzida a um interesse particular e
exclusivo dos deputados e senadores, enquanto “condições para o
exercício de sua [sic] atividade parlamentar”, e jamais referida à
produção da lei como afeta à cidadania em geral.
Esse entendimento jurisprudencial vem sendo, inclusive,
reafirmado pelo mesmo Tribunal, no julgamento de mandados de
segurança impetrados por parlamentares, que têm por objeto impugnar
irregularidades presentes nas tramitações das recentes propostas de
Emenda à Constituição. É assim que nos termos do voto do Relator
Ministro Mauricio Correa, no já referido MS nº 22503-DF, de 06/06/1997,
decide o Supremo Tribunal Federal:

Impugnação de ato do Presidente da Câmara dos Deputados que


submeteu à discussão e votação emenda aglutinativa, com alegação
de que, além de ofender ao parágrafo único do art. 43 e ao §3º do art.
118, estava prejudicada nos termos do inc. VI do art. 163, e que deveria
ter sido declarada prejudicada, a teor do que dispõe o nº1 do inc. I do

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
32 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

art. 17, todos do Regimento Interno, lesado o direito dos impetrantes de


terem assegurados os princípios da legalidade e da moralidade durante
o processo de elaboração legislativa. A alegação, contrariada pelas
informações, de impedimento do relator – matéria de fato – e de que a
emenda aglutinadora inova e aproveita matéria prejudicada e rejeitada,
para reputá-la inadmissível de apreciação, é questão interna corporis
do Poder Legislativo, não sujeita à reapreciação pelo Poder Judiciário.
Mandado de segurança não conhecido nesta parte. Entretanto, ainda
que a inicial não se refira ao §5º do art. 60 da Constituição, ela menciona
dispositivo regimental com mesma regra; assim interpretada, chega-se
à conclusão que nela há ínsita uma questão constitucional, esta, sim,
sujeita ao controle jurisdicional. Mandado de Segurança conhecido
quanto à alegação de impossibilidade de matéria constante de proposta
de emenda rejeitada ou havida por prejudicada poder ser objeto de nova
proposta na mesma sessão legislativa. (grifos meus).

Afinal o que são irregularidades e inconstitucionalidades do


processo legislativo? Vícios meramente formais? Por que o Supremo
Tribunal Federal continua reafirmando um caráter ou um interesse
meramente corporativo dos parlamentares, ao apreciar questões de
regularidade e inconstitucionalidade de atos processuais legislativos?
Ao contrário do que sustenta o entendimento jurisprudencial
do Supremo Tribunal Federal, esses requisitos formais são, de uma
perspectiva normativa, condições processuais que devem garantir
um processo legislativo democrático, ou seja, a institucionalização
jurídica de formas discursivas e negociais que, sob as condições de
complexidade da sociedade atual, devem garantir o exercício da
autonomia jurídica – pública e privada – dos cidadãos. O que está em
questão é a própria cidadania em geral e não o direito de minorias
parlamentares ou as devidas condições para a atividade legislativa
de um parlamentar “X” ou “Y”. Não se deve tratar o exercício de um
mandato representativo como uma questão privada, ainda que sob o
rótulo de “direito público subjetivo” do parlamentar individualmente
considerado, já que os parlamentares, na verdade, exercem função
pública de representação política; e é precisamente o exercício
necessariamente público, no mínimo coletivo ou partidário, dessa
função, que se encontra em risco. Trata-se da defesa da garantia do
pluralismo no processo de produção legislativa, da defesa da própria
democracia enquanto respeito às regras do jogo, da possibilidade
de que a minoria de hoje possa vir a se tornar a maioria de amanhã.
No Brasil, essas posições assumidas pelo Supremo Tribunal
Federal, competente para controlar a constitucionalidade da atuação

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 33
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

(e da não atuação) dos órgãos de cúpula do Estado, revelada por um


entendimento jurisprudencial inadequado ao paradigma do Estado
Democrático de Direito, têm levado, de uma perspectiva não somente
normativa, mas também sociológica, ao surgimento de verdadeiras ilhas
corporativas de discricionariedade, o que estará resultando numa quase
total ausência de parâmetros normativos, abrindo espaço, dessa forma,
para um exercício cada vez mais arbitrário do poder político. Estaria
faltando à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a coerência,
por um lado, e o senso de adequabilidade, por outro, necessários para
a realização daquilo que Ronald Dworkin chama “Integridade” e que é
própria de um efetivo Estado Constitucional (DWORKIN, 1986, p. 176).
Podemos afirmar, portanto, que nessas decisões judiciais, o que
estaria em jogo seria a própria sobrevivência do Estado de Direito
entre nós.
Análises do ponto de vista da Sociologia Jurídica, no Brasil,
têm procurado demonstrar, de uma perspectiva “realista” ou
“objetiva”, como decisões arbitrárias desestabilizam tanto um sistema
político organizado constitucionalmente quanto um Direito que
necessita do aparato estatal para garantir expectativas generalizadas
de comportamento (a certeza nas relações).10 Tal questão levanta o
problema do chamado déficit de legitimidade e de operacionalidade de um
Poder Judicial controlador das decisões do legislativo eleito por uma
vontade popular/nacional majoritária, que não poderia ser reduzido ao
problema de uma pretensa falta de legitimidade de título. Posto que,
da quantidade à qualidade:

À medida que a constituição não é mais ‘querida’ [gewollt] enquanto


vinculante em extensão tão ampla, i.é, não é praticada, ela mesma
se submete com a sua pretensão de vigência à reserva da ‘vigência’
do metacódigo, da superestrutura de inclusão/exclusão. Com isso
a inclusão abrange o próprio ordenamento constitucional e jurídico, sem
que a universalidade do seu conceito de norma e sem uma pretensão
realizável de vigência não pode ser reconhecida como ordenamento
normativo moderno. A constituição reduz-se à ferramenta ocasional dos
superintegrados. Ela não foi ‘pensada’ para os subintegrados: não pode
mais constituir. (MÜLLER, 1998, p. 99).

10
É o que pode ser concluído, a partir das análises empreendidas do ponto de vista da
Sociologia Jurídica, por, entre outros, José Eduardo Faria, Boaventura de Sousa Santos, José
Reinaldo de Lima Lopes, Celso Campilongo (FARIA, 1997) e, em especial, JUNQUEIRA;
VIEIRA; FONSECA, 1997.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
34 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Todavia, a fim de não perdermos a perspectiva reconstrutiva,


é necessário não nos prendermos unilateralmente nem à perspectiva
normativa da Teoria do Direito, nem à perspectiva realista ou objetiva
da Sociologia Jurídica. Cabe assinalar, com Friedrich Müller, que a
positivação jurídico-moderna como “textificação é faca de dois gumes”
(1998, p. 102), “porque ela pode ser compreendida como desvirtuada no
sentido de um “constitucionalismo simbólico,”11 mas também pode ser
levada a sério, ou, nas palavras desse jurista alemão, “ao pé da letra”.
Afinal, o texto da Constituição brasileira de 1988 não somente não fala de
exclusão, senão que se pronuncia contra ela, principalmente nos títulos
que tratam dos princípios e dos direitos fundamentais,12 podendo revelar,
portanto, diferentemente de um contraste entre ideal e real, inclusão e
exclusão, uma tensão entre texto e contexto. Numa leitura reconstrutiva,
pode-se, inclusive, virar o texto constitucional contra a exclusão, que,
ao contrário de se ancorar numa lei natural, permanece vinculada à
pré-compreensão social e política, não problematizada, dos intérpretes
em geral (todos aqueles que vivenciam a Constituição) e dos juristas em
especial (constitucionalismo apenas simbólico, apenas nominal).
Ao contrário, portanto, de se manter, de forma unilateral,
tanto o enfoque teorético-normativo da teoria tradicional do Direito,
quanto o enfoque tantas vezes céptico e objetivante, realista, da
Sociologia Jurídica, é preciso explorar as tensões presentes nas práticas
jurídicas cotidianas e reconstruir, de forma adequada ao paradigma
procedimentalista do Estado Democrático de Direito, os fragmentos
de uma racionalidade normativa já presentes e vigentes nas próprias
realidades13 sociais e políticas: sem uma pré-compreensão da exclusão, por

11
Para uma análise do fenômeno chamado “constitucionalismo simbólico”, ver NEVES, 1994.
Para uma reflexão acerca de um caráter prospectivo, promocional, dos textos “simbólicos”,
bem como dos seus “efeitos sociais latentes”, sobretudo da perspectiva de uma tendência à
desneutralização do Judiciário, no sentido do paradigma jurídico do bem-estar social, ver,
também, VIANNA; CARVALHO; MELO, 1997, p. 26. Para uma crítica a essa noção, ver o
que se segue.
12
Como afirma Habermas (1997b, v. 2, p. 123-124), em relação às Constituições que surgem
após períodos de convulsão política, “diferindo do direito formulado ou desenvolvido por
juristas profissionais, o teor e o estilo dos direitos fundamentais revelam enfaticamente
a vontade de pessoas privadas que reagem a experiências concretas de repressão e de
ataque aos direitos humanos. Na maioria dos artigos referentes aos direitos humanos,
ressoa o eco de uma injustiça sofrida, a qual passa a ser negada, por assim dizer, palavra
por palavra”. Essa passagem de Direito e Democracia: entre facticidade e validade poderia ser
perfeitamente ilustrada pela Constituição de 1988.
13
Como veremos, um enfoque reconstrutivo se preocupa em reconstruir “la idealidad
inmanente a la facticidad de la realidad como aguijón y elemento de tensión operante en
esa misma realidad” (JIMENEZ REDONDO, 1998, p. 13).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 34 14/04/2015 11:04:40


Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 35
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

um lado, e sem a pré-compreensão de um consequente constitucionalismo


simbólico daí decorrente, os textos de normas constitucionais que excluem a
discriminação e a exclusão provavelmente não teriam sido incluídos de forma
tão veemente na Constituição de 1988 (por exemplo, os textos dos arts. 1º,
2º, 5º, §§1º e 2º). Como afirma Müller,

todo e qualquer sistema político necessita de legitimidade interna


bem como externa. Quanto maior a frequência com que se interprete a
constituição efetivamente ao pé da letra (contrariando certas tradições do
passado – e quanto mais frequentemente) isso ocorra publicamente, com
ressonância no plano internacional, tanto mais o próprio sistema político
deverá a longo prazo aceitar que ele mesmo seja tomado cada vez mais ao
pé da letra, com base na sua própria constituição. (MÜLLER, 1998, p. 103).

Quanto mais se rompa com a retórica do “constitucionalismo


simbólico” e com as tradições de exclusão advindas de um passado
que ainda se faz presente, tanto mais o próprio sistema político
deverá, ainda que a longo prazo, passar a se compreender e a ser
compreendido em termos constitucionais. Tal ruptura pode encontrar
curso, a todo momento e sem nenhum caráter de excepcionalidade,
através dos processos jurídico-políticos, de justificação e de aplicação
normativas, prefigurados constitucionalmente, se compreendidos de
modo adequado ao paradigma jurídico-democrático, como garantia
da possibilidade de problematização e explicitação dos pressupostos
paradigmáticos – liberais e de bem-estar social, por exemplo – que
tomaram curso na história não somente institucional do Direito
brasileiro. Essa perspectiva reconstrutiva não exclui, ao contrário,
só pode ganhar impulso integrando-se aos movimentos sociais, já
presentes, de fortalecimento da sociedade civil e ceder à pressão pela
maior abertura dos canais institucionais de decisão do centro do sistema
político às redes periféricas da esfera público-política.14
Nesse processo, a Teoria da Constituição e a Teoria do Processo,
enquanto teorias discursivas, reconstrutivas, poderão assumir
explicitamente o papel mediador, para a práxis, de toda teoria.
É nesse sentido que Menelick de Carvalho Netto adverte para
as dificuldades dessa empreitada, não somente teorética, que, embora
“premida e vacilante”, deve ser realizada:

14
A bibliografia brasileira acerca dos chamados “novos movimentos sociais”, que se
caracterizam pelo modo não corporativo de reivindicação política, vem se ampliando cada
vez mais. Como exemplo, STEDILE, 1997.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
36 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

São épocas difíceis para o constitucionalista aquelas em que o


sentimento de Constituição, para usar a expressão divulgada por Pablo
Lucas Verdú, é aniquilado não só pela continuidade e prevalência de
práticas constitucionais típicas da ordem autocrática anterior, como
pela tentativa permanente de alteração formal da Constituição, seja
pela via revisional, seja através de emendas. Práticas e tentativas essas
que, alcancem ou não o fim menor a que visavam, resultem ou não na
alteração pretendida, terminam sempre por ferir a aura de supremacia
de que se deve revestir a Constituição para que seja capaz de legitimar,
de validar, o Estado e o demais Direito que nela se assentam. Instaura-
se, assim, uma situação que tende a desvelar o paradoxo de o Direito
moderno fundar a si próprio (...) Situação também paradoxal em que
os próprios órgãos legitimados pela Constituição voltam-se contra
a sua base de legitimidade para devorá-la, revelando a face brutal
da privatização do público, do poder estatal instrumentalizado,
reduzido a mero prêmio do eleito, visto como “as batatas” a que
faz jus o vencedor, no dizer de Machado. É o sentimento de anomia
que passa a campear solto, vigoroso, alimentando-se a fartar
das dificuldades que encontramos em recuperar as sementes de
liberdade, mergulhadas em nossas tradições. (CARVALHO NETTO.
In: CATTONI DE OLIVEIRA, 1998, p. 12).

Recuperar o que o Professor Menelick chamou, poeticamente,


de “as sementes de liberdade, mergulhadas em nossas tradições”,
buscando explorar-lhes as potencialidades já atuais, é, justamente, o
que um enfoque reconstrutivo pretende realizar.

1.3 A problemática acerca da justificação do controle de


constitucionalidade das leis e do processo legislativo no
direito comparado
Uma reflexão, portanto, que busque superar os unilateralismos
tanto dos enfoques normativistas da teoria tradicional do Direito
quanto dos enfoques objetivantes da Sociologia Jurídica, por meio
de uma reconstrução mais profunda e constitucionalmente adequada
das questões que envolvem a problemática acerca de uma justificação
democrática do controle judicial de constitucionalidade das leis, ainda
está por ser realizada. De fato, o que há é uma enorme carência,
não somente no Brasil, de obras que tratem de modo específico e
sistemático de tais temas, e isso por razões que encontram raízes
no próprio modo de pensar o processo legislativo e o seu controle
judicial de constitucionalidade.

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 37
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

Como afirma Habermas (1997b, v. 1, p. 298), “a existência


de tribunais constitucionais” ou de uma jurisdição em matéria
constitucional não é autoevidente pois, em vários Estados de Direito,
eles não existem e, mesmo sob ordens constitucionais que os instituem,
“há controvérsias sobre o seu lugar na estrutura de competências da
ordem constitucional e sobre a legitimidade de suas decisões”.
Assim é que os debates norte-americano, europeu e de
outras partes do mundo acerca da caracterização e da legitimidade
do controle judicial de constitucionalidade são conduzidos
quase sempre em relação à distribuição de competências entre
Legislativo e jurisdição e, como afirma Habermas, “nessa medida
ela é sempre uma disputa pelo princípio da divisão dos poderes”
(HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 298), pressupondo o pano de fundo de
um regime constitucional-democrático. Tais controvérsias acerca
da legitimidade e de uma caracterização adequada do controle
judicial de constitucionalidade necessitam de maior clarificação
(HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 298), pois quase sempre se perdem em
um dilema no qual o constitucionalismo, compreendido como um
limite jurídico-moral à democracia reduzida ao governo da maioria,
leva a que se considere o controle judicial de constitucionalidade
das leis como uma instituição meramente contramajoritária, 15
defensora dos direitos humanos e das minorias sociopolíticas, a
tutelar paternalisticamente o processo político.16
Nos Estados Unidos, por exemplo, o filósofo John Rawls
sintetizava muito bem o pano de fundo sobre o qual tais questões são
levantadas. Os partidários do governo (democrático) majoritário e os
partidários do constitucionalismo apresentam posições concorrentes
no debate acerca da legitimidade das organizações políticas.
Considerava Rawls:

O debate entre os partidários do governo da maioria e os constitucionalistas


diz respeito principalmente às liberdades e direitos fundamentais que
não tomam parte, de modo evidente, do procedimento de governo
reconhecido; trata-se, por exemplo, do discurso do não-político, da
liberdade de pensamento religioso, filosófico e moral, da liberdade de
consciência e do livre exercício da religião. Antes de tudo, aquilo que

15
Para uma discussão acerca da caracterização, nos Estados Unidos, da jurisdição constitucional
como instituição contramajoritária, ver MISHLER-SHEEHAN (1993, p. 101).
16
É o que se pode concluir das análises empreendidas, nos Estados Unidos, entre outros, por
TRIBE (1990), ELY (1980) e PERRY (1994).

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
38 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

não faz parte da definição do procedimento democrático. Dar conta da


definição do governo da maioria, aposta do debate entre os partidários
do principio da maioria e os constitucionalistas, é saber se esse tipo
de governo assegura um procedimento equânime e protege os outros
direitos e liberdades evocados.
Os partidários do princípio majoritário pretendem que o governo da
maioria seja equânime e compreenda todos os direitos necessários
para poder oferecer uma legislação justa e os resultados razoáveis. Os
constitucionalistas dizem que o governo da maioria é inaceitável. A menos
que se organizem as restrições constitucionais para limitar a legislação
majoritária, e acrescentar a ela outros elementos, as liberdades políticas
de base e as outras liberdades não serão, segundo eles, corretamente
protegidas. A democracia não será mais firmemente sustentada e
não obterá o consentimento voluntário do povo. Os partidários do
princípio majoritário respondem que aceitam plenamente a importância
fundamental do discurso não político, da liberdade de pensamento e
de consciência, assim como o livre exercício da religião. Eles afirmam,
ao contrário, que as restrições constitucionais são inúteis e que, numa
sociedade e numa cultura autenticamente democrática, essas liberdades e
esses direitos serão respeitados pelo eleitorado. Dizem que, para que um
povo respeite as restrições de suas liberdades de base, nós deveremos, de
toda forma, ter confiança no espírito do eleitorado, e que ter confiança nos
dispositivos constitucionais enfraquece a própria democracia. (RAWLS;
HABERMAS, 1997, p.126) (Tradução livre do francês).

Esses pontos de vista, que chegam a conclusões divergentes acerca


de como um regime democrático pode assegurar um procedimento
político equânime e proteger os direitos e liberdades constitucionais,
em última análise, partem de pré-compreensões concorrentes do
que deve ser compreendido por Constituição e por Democracia, por
direitos humanos e por soberania popular, por autonomia pública e
por autonomia privada. Essas pré-compreensões também se refletem no
modo divergente de compreensão acerca do papel a ser desempenhado
pela Jurisdição Constitucional, no exercício do controle judicial de
constitucionalidade em geral, e não somente nos Estados Unidos.
Analisando a situação constitucional europeia, marcada não
apenas pela crise do paradigma do Estado Social, mas pelos desafios
postos pelo processo de integração europeia, o constitucionalista
português Gomes Canotilho busca apresentar alguns exemplos que
atestam os rumos incertos da chamada justiça ou jurisdição constitucional:

Na Alemanha, por exemplo, o Tribunal Constitucional viu-se obrigado


a recorrer a uma “justiça de valores” – a defesa da paz e dos princípios

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 38 14/04/2015 11:04:40


Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 39
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

humanitários – para responder à questão da legitimidade da utilização


de Forças Armadas fora das fronteiras. Em Portugal, e perante a
solicitação do Procurador-Geral da República, o Tribunal Constitucional
demonstra uma clara inadaptação no julgamento da existência de
organizações partidárias que perfilham a ideologia fascista. Na Europa
comunitária, os tribunais constitucionais legitimaram a posteriori a
bondade constitucional da decisão política normativamente cristalizada
no Tratado de Maastricht. (CANOTILHO. In: MIRANDA, 1996, p. 879).

Os problemas colocados pelas decisões a que se refere


Gomes Canotilho são os de se saber, primeiro, se os tribunais e
cortes constitucionais estão partindo de uma pré-compreensão das
Constituições como sistemas de normas ou como ordens de valores,
uma questão metodológica; e, segundo, o que tais distintas pré-
compreensões acarretariam para a discussão acerca da legitimidade da
Jurisdição Constitucional. Como afirma o constitucionalista português:

É que se a ideia de Wertordnüng é actualmente depreciada como


cânone metodológico espúrio, nem por isso a chamada atractividade
dos valores – o valor da paz, o valor da liberdade de associação, o
valor do ideal europeu, o valor da vida – deixa de impelir a jurisdição
constitucional para o acolhimento razoável de metapreferências
em vez de aplicar metodicamente as normas ou princípios jurídico-
constitucionais. Este “deslizar” não explicitado da retórica interpretativa
dos tribunais constitucionais no sentido de um discurso moral
realizador-concretizador de valores pode, segundo alguns, transformar
os tribunais em instâncias autoritário-decisórias transportadoras de uma
compreensão paternalista e moralizante da jurisdição constitucional.
(CANOTILHO, 1996, p. 879).

É a partir dessas reflexões que Canotilho considera possível


afirmar que os tribunais e cortes constitucionais estão passando por um
momento decisivo, o momento da chamada “viragem interpretativa”.
Isso poderia ser ilustrado, justamente, pela crítica empreendida na
Europa à chamada Jurisprudência dos Valores, que, no pós-guerra,
buscou viabilizar a construção de organizações estatais comprometidas
com a reconstrução da Europa destruída pela guerra e com os diretos
sociais, interpretados como bens ou valores éticos próprios à consecução
da seguridade e do bem-estar sociais. Hoje, a Jurisprudência dos Valores
é questionada, não apenas em seu ativismo judicial e em sua releitura
do princípio da separação dos poderes entre Cortes e Parlamentos,
mas também em sua base culturalista, pouco aberta ao pluralismo

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
40 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

social e ao transnacionalismo. Como afirma Friedrich Müller, em uma


Democracia Constitucional:

Direitos fundamentais não são “valores”, “privilégios”, “exceções’


do poder do Estado ou “lacunas” nesse mesmo poder, como o
pensamento que se submete alegremente à autoridade governamental
[obrigkeitsfreudiges Denken] ainda teima em afirmar. Eles são normas,
direitos iguais, habilitação dos homens, i. é, dos cidadãos, a uma
participação ativa [aktive Ermächtigung]. No que lhes diz respeito,
fundamentam juridicamente uma sociedade libertária, um estado
democrático. (MÜLLER, 1998, p. 63).

O que essas críticas podem evidenciar é que há tanto um


déficit de legitimidade quanto de operacionalidade da Jurisdição
Constitucional, e, entretanto, um retorno à velha Jurisprudência dos
Conceitos ou a qualquer interpretação juridicamente adequada a
um paradigma liberal de Estado, de sociedade ou de jurisdição, que
levaria a uma postura meramente autorrestriva por parte das cortes
e tribunais, seria impossível, dada a complexidade apresentada
pelos atuais problemas de integração social (conflitos étnicos,
coletivos, bem como a superação das organizações nacionais, de
base pretensamente monocultural), que termina por requerer uma
postura aberta e construtiva por parte da Jurisdição Constitucional.
Afinal, quais os “pressupostos de legitimidade” e os “pressupostos
metodológicos”, a partir dos quais a Jurisdição Constitucional, no
exercício do controle judicial de constitucionalidade das leis e do
processo legislativo, deve desempenhar sua função, desenvolver
sua atividade e exercer seu poder jurisdicional no contexto de um
regime democrático-constitucional?

1.4 Traçando hipóteses de trabalho


A que se deve a escolha do título deste trabalho, Devido Processo
Legislativo: uma justificação democrática do controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis e do processo legislativo?
Em obra anterior (CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 95-97),
não foi possível tornar suficientemente claro por que o controle judicial
de constitucionalidade deveria ser compreendido como um processo
jurisdicional de aplicação jurídico-constitucional, em seus pressupostos
de legitimidade e metodológicos. Ali encontra-se apenas afirmado, mas
não devidamente problematizado, o seguinte:

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 40 14/04/2015 11:04:41


Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 41
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

De fato, sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, não


caberia ao Supremo legislar, ainda que subsidiariamente ou em nome
do Legislativo.
A questão nem é essa. Com o que afirmamos, não quisemos dizer que
não caberia ao Judiciário uma atividade de concretização do Direito.
Ao contrário, sim, cabe, só que da perspectiva da aplicação jurídica.
(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 95).

E então se coloca o problema:

Como veremos, a aplicação jurídica é sempre voltada para a solução de


um caso concreto e, como todo caso, um evento histórico irrepetível.17
No quadro da aplicação jurídica, não importa justificar a validade de
normas jurídicas, algo que se realiza através do procedimento legislativo
democrático, mas tendo em vista uma reconstrução do caso concreto, e
tendo em vista esse mesmo caso, buscar qual norma é adequada [para
regê-lo]. (CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 95-96).

Mais adiante é lançada a semente do que poderá ser uma resposta


adequada a essa questão – embora naquele momento estivesse sujeita a
uma leitura idealizante, que poderia gerar equívocos. Ali já estaria um
grande desafio para esta obra, ou uma razão decisiva para escrevê-la:

O Supremo Tribunal Federal, posto que sua função precípua é a


guarda da Constituição, deve assumir, enquanto órgão aplicador do
Direito, a tarefa, que também é sua, de garantia de um processo político
democrático, na medida em que democracia é hoje, mais do que nunca,
como diria Bobbio (BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa
das regras do jogo, p.18 et seq. Para uma crítica ao enfoque empirista/
descritivo de Bobbio, ver Habermas, Jürgen. Between facts and norms,
capítulo 7, p. 303-304), respeito às regras do jogo. Não há democracia
que se sustente quando se desrespeitam as normas constitucionais.18
Sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, constitucionalismo
e democracia não se opõem, já que o constitucionalismo não pode ser
mais compreendido como a defesa da esfera privada contra a pública,

17
Qual é o “caso concreto”, tratando-se do controle de constitucionalidade? É a análise da
constitucionalidade da lei (em tese)? É famosa a crítica de Carl Schmitt à instituição de
um controle judicial de constitucionalidade das leis segundo a qual “não se subsume
uma norma à outra, mas somente condutas a normas” (SCHMITT, 1983); e a resposta de
Hans Kelsen segundo a qual a questão a ser analisada é “o processo de produção da lei”
(KELSEN, 1981). Sobre isso, ver, infra, capítulos 4 e 5.
18
Como poderemos afirmar, hoje e já naquela época: e vice-versa. Ou, em outras palavras,
“numa época de política inteiramente secularizada, não se pode ter nem manter um
Estado de direito sem democracia radical” (HABERMAS, 1997b, p. 13).

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
42 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

nem muito menos a democracia pode ser reduzida a um princípio da


maioria ou a um conceito clássico de regime representativo, nos termos
de um paradigma liberal de Estado, o que afeta a própria interpretação
do princípio da separação dos poderes. Somente uma reconstrução,
em termos discursivos, da separação dos poderes, que ultrapasse uma
leitura liberal, mas também uma republicana, da política e do Direito,
poderá romper, devidamente, com oposições como essa. Com isso,
resultará falsa a ideia segundo a qual o Supremo estaria desrespeitando
o princípio democrático ao assumir a tarefa de concretização dos
direitos fundamentais, determinada pela própria Ordem Constitucional.
(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 97).

Retomando e desenvolvendo a questão anteriormente


levantada de modo um tanto intuitivo, acerca da função do Supremo
Tribunal Federal na “guarda da Constituição”, parto do pressuposto
de que na raiz do dilema sobre a correta definição dos papéis a
serem desempenhados pelo processo legislativo democrático e
pela Jurisdição Constitucional, no exercício do controle judicial de
constitucionalidade das leis, assim como da relação entre eles, estão
presentes concepções de constitucionalismo e de democracia ainda
presas a modelos normativos pouco complexos de política deliberativa,
nem sempre conciliáveis, tradicionalmente desenvolvidos pelo
pensamento republicano, também na sua versão comunitarista,
como em Michael Perry ou Frank Michelman, e pelo pensamento
liberal, ainda que compromissado com políticas de bem-estar
social, como em John Rawls e Ronald Dworkin. Assim, o que
pretendo desenvolver nesta presente investigação é a tese de que a
superação desse dilema encontra-se, primeiramente, na assunção,
sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, do pressuposto
segundo o qual democracia e constitucionalismo não se opõem, já
que, em oposição ao Liberalismo, o constitucionalismo não pode mais
ser compreendido como a defesa da esfera privada naturalisticamente
concebida contra a esfera pública identificada com o Estado, e por
isso mesmo, tampouco a democracia pode ser reduzida a um mero
governo da maioria, o que afeta a própria compreensão dos princípios
da divisão de poderes, da soberania popular e da separação entre
Estado, mercado e sociedade civil. E esse pressuposto não leva à
submissão do discurso político a uma constrição ética, como sugerem
os republicanos comunitaristas, assimilando-se a política a um
processo hermenêutico de autocompreensão da identidade coletiva
e desconsiderando-se a relação fundamental que se estabelece com
a Modernidade entre Constituição jurídica e formas políticas.

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 43
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

Em segundo lugar, a superação do referido dilema relativo à


definição adequada dos papéis reservados ao Legislativo e ao Judiciário,
não pode nos conduzir ao risco de nos perdermos num dilema ou
paradoxo insolúvel, e chegarmos ao desespero, a ponto de termos de negar
normatividade à Constituição a fim de reconhecer-lhe normatividade,
em meio à indignação e ao protesto. Afinal, é de se concordar, mais
uma vez, com Friedrich Müller, que:

O que se afigura como risco a partir da exclusão herdada do passado,


configura ocasião para a luta legal e não-violenta, para a luta legitimadora
contra a exclusão: a ocasião de levar essa constituição a sério na prática.
Afinal de contas, não se estatuem textos de normas e textos constitucionais,
que foram concebidos com pré-compreensão insincera. Os textos podem
revidar [zurückschlagen]. (MÜLLER, 1998, p. 105).

A perspectiva que, do ponto de vista do participante, privilegia o


aspecto normativo do estudo do controle judicial de constitucionalidade,
deverá sofrer, portanto, um giro reconstrutivo. Ao contrário de se dar
continuidade à forma tradicional da Teoria da Constituição que,
por ver um hiato entre o Direito e a realidade, entre a Constituição
formal e a Constituição real, mantém-se cega à tensão entre faticidade
e validade, interna e externa ao Direito, será preciso identificar,
compreender e reconstruir teorias e práticas políticas e sociais como
fragmentos e vestígios de processos de racionalização social, cultural e
subjetiva já presentes e em curso nas sociedades modernas, assim como
reconhecer conteúdos normativos que já se encontram inscritos, ainda
que parcialmente, na faticidade social dos processos político-sociais,
no sentido da reconstrução, sob o paradigma do Estado Democrático
de Direito, dos fundamentos democráticos do controle judicial de
constitucionalidade das leis e do processo legislativo.
Como veremos, a Teoria do Discurso, de Jürgen Habermas,
terá um papel central nessa empreitada, em razão de seu enfoque
reconstrutivo. Será fundamental considerar, nos termos da teoria
habermasiana, a chamada tensão presente no Direito entre faticidade
e validade, da perspectiva do papel desempenhado pelo Direito nos
processos de integração social. E ao falarmos em tensão e não em
hiato, oposição, contradição ou até mesmo em dialética, entre norma ou
ideal e realidade ou fato, estamos abandonando a chamada teoria dos
dois mundos presente nas filosofias primeiras, sem a menor necessidade
de apelarmos para uma filosofia da história e seu teleologismo, vindos
de onde quer que seja: a realidade já é plena de idealidade, em

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
44 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

razão dos pressupostos contrafactuais presentes em toda interação


comunicativa; mas, nesse sentido, a transcendência é imanente, é
intramundana (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 21; v. 2, p. 50).
Em Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Jürgen Habermas
explica o que é essa “transcendência intramundana”, ao considerar,
primeiramente, que a racionalidade comunicativa, ao contrário da figura
clássica da razão prática, possui um conteúdo normativo, mas não é
fonte imediata de normas do agir. No que consistiria esse conteúdo
normativo? Segundo Habermas, a racionalidade comunicativa possui
um conteúdo normativo tão somente no sentido de que aquele que age
comunicativamente é obrigado a apoiar-se em pressupostos pragmáticos
do tipo contrafactual. Em outros termos, apesar da própria comunicação,
por meio da linguagem, parecer absolutamente implausível, se levarmos
em conta a impossibilidade fática e lógica de se explicar tudo o que se
diz, pois é claro que só podemos explicar o dito por meio de palavras,
de novos dizeres e, assim, sempre alargando cada vez mais o espaço
de silêncio sobre o qual se assenta tudo o que foi dito, quem se engaja
em uma interação linguística é obrigado a empreender idealizações, a
pressupor a atribuição de “significado idêntico a enunciados, a levantar
uma pretensão de validade em relação aos proferimentos e a considerar
os destinatários imputáveis, isto é, autônomos e verazes consigo mesmos
e com os outros” (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 20). Além disso, quem
age comunicativamente não se defronta, segundo Habermas, com o
“dever-ser” (Sollen) prescritivo de uma regra de ação e, sim, com o
“dever-ser” (Sollen) de uma coerção transcendental fraca, ou seja, de uma
coerção que se deriva da validade normativa de um comando moral, da
validade axiológica de um quadro de valores preferidos ou da eficácia
empírica de uma regra técnica. Num sentido correlato, os pressupostos
contrafáticos, dos quais os participantes de uma interação linguística
necessariamente partem, abrem, assim, uma perspectiva mediante a qual
se pode superar a contingência de seus contextos espaço-temporais e as
práticas de justificação então exercidas, o que equivale a dizer que eles
podem avançar pretensões de validade transcendentes de contexto; o
que não faz com que eles mesmos se coloquem a si próprios num reino
transcendental das ideias. A todo momento, quando nos engajamos em
uma interação linguística, partimos de pressupostos idealizantes, mas
no sentido de que,

[...] um leque de idealizações inevitáveis forma a base contrafactual de uma


prática de entendimento factual, a qual pode voltar-se criticamente contra
seus próprios resultados, ou transcender-se a si própria. Desse modo, a

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 44 14/04/2015 11:04:41


Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 45
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

tensão entre ideia e realidade irrompe na própria facticidade das formas


de vida estruturadas lingüisticamente. (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 21).

Assim, uma teoria discursiva é, pois, reconstrutiva dos vestígios


de racionalidade já presente e vigente nas práticas cotidianas, assim como
nas práticas jurídicas, por mais distorcidas que essas possam parecer.
Nas palavras de Habermas,

[...] ninguém pode descrever adequadamente o funcionamento de um


sistema político organizado constitucionalmente, mesmo num nível
empírico, sem fazer referência à dimensão da validade do Direito e à
força legitimadora da gênese democrática do Direito. (HABERMAS,
1997, v. 2, p. 9).

Nesse sentido, como as bases do controle judicial de


constitucionalidade das leis deverão ser reconstruídas sob o paradigma
do Estado Democrático de Direito? Ou seja, de que forma deveremos
reconstruir a relação entre Poder Legislativo e Jurisdição Constitucional,
da perspectiva do controle judicial de constitucionalidade das leis? Afinal,
o que deveremos compreender por Jurisdição Constitucional e por
Democracia, à luz de uma teoria discursiva do Direito e da Democracia?
Apresentarei as duas tradições político-democráticas básicas
que, em princípio, buscam responder a essas questões. A primeira, a
republicana, parte do pressuposto de que a Constituição reflete uma
ordem concreta de valores, que materializa a identidade ético-cultural, de
uma sociedade política que se quer homogênea, e que a Democracia nada
mais é do que uma forma política de plena realização dessa identidade,
por meio de um processo de autorreflexão conjunta e do diálogo entre os
cidadãos. Nesse sentido, o Republicanismo considera que a Jurisdição
Constitucional deve garantir certa virtude cívica ao processo legislativo,
zelando para que o legislador político não se afaste da tarefa maior
de realização da felicidade pública e do bem-estar, à luz dos valores
consagrados constitucionalmente.19 A essa tradição, contrapõe-se uma
segunda, que parte de pressupostos bastante distintos.

19
É possível caracterizar a forte influência culturalista no sentido do que em princípio poderia
ser, como bem mostra CITTADINO (1999 p. 15 et seq.), um pensamento político-jurídico
republicano comunitarista, de matriz social, nas obras de grandes juristas brasileiros
da atualidade, como José Afonso da Silva, Paulo Bonavides, Fábio Konder Comparato,
Roberto Siqueira Castro, Cândido Rangel Dinamarco e tantos outros. No Brasil, os
expoentes dessa corrente doutrinária são fortemente influenciados por autores centrais
do constitucionalismo português e espanhol, de 1976 e 1978, como Gomes Canotilho,

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 45 14/04/2015 11:04:41


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
46 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

A segunda tradição, a liberal, parte do pressuposto de que a


Constituição, como em John Rawls, apoiada em um “consenso por
sobreposição” (overlapping consensus), de base, entre as diversas
forças políticas de uma sociedade marcada pela pluralidade de
modos de vida, é concebida como um mecanismo ou instrumento de
governo (instrument of government), capaz de regular o embate entre
os vários atores políticos que concorrem entre si, e que a Democracia
nada mais é do que o processo de eleição e o exercício de um governo
legitimado pela maioria. Assim, o liberalismo, em geral, considera
que a Jurisdição Constitucional deve garantir a proteção da esfera
privada em face de ingerências estatais, a fim de que seja possível a
cada indivíduo, ou associação, participar da política e defender seus
pontos de vista, comuns e divergentes, resguardando a pluralidade
de modos e de projetos de vida, em face de interesses políticos
majoritários.20
Como veremos, tanto o modelo liberal quanto o modelo
republicano, apesar de tão diferentes, sofrem de uma mesma deficiência
que, em última análise, impõe-nos que os superemos. Ambos
compreendem a relação que se estabelece entre Poder Legislativo e
Jurisdição Constitucional de modo inadequado a uma compreensão
procedimentarista Estado Democrático de Direito, conquanto distinto,
em razão de seus respectivos pressupostos.
O modelo liberal, como analisaremos com mais atenção, tem a
vantagem de reconhecer o pluralismo característico das sociedades
modernas.21 Todavia, é excessivamente céptico, porque reduz o debate
político, à luz de um modelo econômico do mercado, a uma mera
disputa entre os atores políticos, e não explica, de modo consistente,
como atores voltados exclusivamente para a satisfação de interesses
próprios podem concordar sobre as normas que irão reger, de
forma imparcial, sua vida em comum. Nesse quadro, a Jurisdição
Constitucional teria uma função moralizante, resguardando a esfera
privada, pela manutenção dos “limites do razoável” (para usar uma
expressão de John Rawls) à atuação política legislativa.

Jorge Miranda, Vieira de Andrade, García de Enterría e Pérez Luño, e, por sua vez,
pelo constitucionalismo contemporâneo alemão de Bonn, desenvolvido à luz da
jurisprudência dos valores.
20
Para uma caracterização da tradição liberal no Brasil, ver PALM, 1998. Rui Barbosa, por
exemplo, é considerado um dos grandes expoentes do pensamento liberal brasileiro. Sobre
Rui Barbosa, ver ROCHA, 1995.
21
Acerca do pluralismo que marca as sociedades modernas, ver RAWLS, 1993a e GALUPPO,
1998, p. 9; p. 47; p. 148 et seq.; 264; e p. 265.

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 47
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

Já o modelo republicano possui a vantagem de compreender


a política como algo mais que uma simples concorrência entre
atores políticos que visam satisfazer interesses próprios, diversos e
divergentes. O modelo republicano procura resgatar a “dignidade da
política” (ARENDT, 1993), considerando-a como uma forma dialógica
de integração social. Todavia, é um modelo excessivamente normativo,
pois ao menor em sua versão comunistarista tende a reduzir o debate
político a um mero processo de autoesclarecimento coletivo sobre um
modo ou projeto de vida que se pressupõe comum, com base num
forte consenso ético. Ora, como discutiremos, os discursos éticos acerca
do bem fazem parte do debate político, mas este não se reduz àquele:
como assevera Habermas (1993b; 1995b), no contexto das sociedades
complexas modernas, marcadas por uma pluralidade de formas de
vida racionais, ou seja, pelo “fato do pluralismo [ético] razoável”
(RAWLS, 1993a), bem como, concomitantemente, por imperativos
sistêmicos, argumentos éticos sobre o que é o bem são temperados por
questões pragmáticas de interesse, à luz de razões morais acerca do que
é justo, possibilitando, senão a construção de consensos, ao menos a
formação de compromissos políticos sob condições equânimes. Para
o modelo republicano, a Democracia só seria possível em sociedades
culturalmente homogêneas, em que uma forte educação cívica
possibilitaria a formação de cidadãos conscientes e virtuosos, capazes,
por isso, de realizar os valores consagrados pela Constituição (PERRY,
1988; HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 286-289). Tal compreensão, que mais
uma vez não leva em consideração os desafios colocados por uma
sociedade plural e diferenciada, faz da Jurisdição Constitucional um
guardião dos valores éticos da sociedade e um monitor do processo
político, à espera do momento em que os cidadãos tomarão consciência
de sua forma de vida e conquistarão sua maioridade política.22
Nossa proposta é avançar, com base na Teoria Discursiva do
Direito e da Democracia, de Jürgen Habermas (1997b),23 uma terceira
resposta, que consideramos mais adequada ao paradigma do Estado
Democrático de Direito,24 para a questão sobre as bases do controle

22
No Brasil, tal perspectiva pode ser identificada nos debates constituintes, em entendimentos
jurisprudenciais e doutrinários. Sobre o assunto, ver CITTADINO, 1999, p. 60 et seq.
23
Sobre a Jurisdição Constitucional, ainda que sujeita a reservas quanto ao Direito
Comparado, HABERMAS, 1997, v.1, p. 297 et seq.
24
Sobre os paradigmas jurídicos modernos, o do Estado Liberal, o do Estado Social e o do
Estado Democrático de Direito, ver CARVALHO NETTO, 1996. Também, BARACHO
JÚNIOR, 1998, e CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 42 et seq.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
48 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

jurisdicional de constitucionalidade das leis em uma Democracia.


Mas para isso será necessário reconstruir a relação entre Constituição
e Democracia, no quadro do paradigma procedimentalista do
Estado Democrático de Direito, de forma a superar a um só tempo
a compreensão liberal e a republicana do problema da justificação
do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis em face do
exercício do poder legislativo democrático.
A Teoria Discursiva da Democracia reveste o processo
democrático de conotações normativas mais fortes que as encontradas
no modelo liberal, ou seja, busca superar seu ceticismo, mas mais fracas
que as encontradas no modelo republicano, ou seja, procura ultrapassar
a sua excessiva eticidade, o seu excessivo particularismo culturalista:

[...] a teoria do discurso dá destaque ao processo de formação política da


vontade e da opinião, sem, no entanto, considerar a Constituição como
elemento secundário. Ao contrário, concebe os princípios do Estado
Constitucional como resposta consistente à questão de como podem ser
institucionalizadas as exigentes formas comunicativas de uma formação
democrática da vontade e da opinião. (HABERMAS, 1995b, p. 117).

A partir do momento que se supera tanto a concepção republicana


quanto a concepção liberal de processo político, a Constituição,
para articular-se com uma visão discursiva da Democracia, deverá
ser compreendida, fundamentalmente, como a interpretação e a
prefiguração de um sistema de direitos fundamentais, que apresenta
as condições procedimentais de institucionalização jurídica das
formas de comunicação necessárias para uma legislação política
autônoma. Essa institucionalização jurídica das formas de comunicação
necessárias para uma legislação política autônoma deverá estabelecer,
em termos constitucionais, as condições para um processo legislativo
democrático,25 no qual a soberania popular e os direitos humanos,

25
Urge, aqui, e desde já, fazer um importantíssimo esclarecimento. O processo legislativo
democrático, que garante/corresponde às condições procedimentais de institucionalização
jurídica de discursos jurídico-normativos de justificação do Direito não pode ser lido
quer em termos meramente morais, quer em éticos. Em obra anterior, dissemos que
“os discursos de justificação se referem à validade das normas, à sua capacidade de
universalização dos interesses, segundo uma versão ‘fraca’ do Princípio da Universalização
(U)” (CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 134). De fato, isso só estará correto se estivermos
fazendo referência à Moral e não ao Direito. O princípio do discurso, que justifica em
última análise a legitimidade de todas as normas do agir, ganha densidade, à luz de
normas morais, enquanto princípio da universalização. Normas morais se justificam à luz
de argumentos que levam em consideração o interesse e o bem de todos. Contudo, isso
não ocorre no Direito. As normas jurídicas não se justificam tão somente à luz de razões ou

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 49
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

concebidos, desde o início, como princípios jurídico-constitucionais,


fazem valer o nexo interno entre autonomia pública e autonomia
privada dos cidadãos, estas também consideradas, desde o início, de
forma jurídica, cooriginárias e com igual relevância, em contraponto
com as tradições republicana e liberal, que relevam apenas uma delas e
as compreendem inicial e respectivamente ou como autodeterminação
ética, ou como autonomia moral. Essa compreensão buscará também
desfazer o que parece ser um paradoxo sobre os fundamentos de
legitimidade do Direito moderno, porque, para uma Teoria Discursiva
do Direito, os destinatários das normas jurídicas, enquanto sujeitos
privados, pelo processo democrático, enquanto cidadãos, devem tornar-
se autores dos seus próprios direitos e deveres (HABERMAS, 1997b, p.
113 et seq.), o que pode ser sintetizado no sentido de que “[s]omente as
condições processuais para a gênese democrática das leis asseguram a
legitimidade do Direito” (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 326).
Nesse quadro renovado, a tarefa da Jurisdição Constitucional,
especialmente no exercício do controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis, será a de garantir as condições processuais
para o exercício da autonomia pública e da autonomia privada dos
cidadãos.26 Nesse sentido, torna-se óbvio a importância desse controle
no que diz respeito às normas de produção das próprias leis. A mesma
tarefa será tratada das seguintes perspectivas:
a) garantia do devido processo legislativo democrático, ou seja,
democracia e abertura nos discursos de justificação;
b) garantia do devido processo constitucional, ou seja,
imparcialidade e adequabilidade nos próprios discursos de aplicação
processual constitucional.
Desse modo é que a garantia dos direitos fundamentais e a
garantia do direito das gerações futuras ao exercício da autonomia

argumentos morais, mas também com base em razões éticas e pragmáticas no contexto de
uma comunidade jurídica concreta. Nos discursos de justificação da validade de normas
jurídicas, o princípio do discurso ganha concretude, quando aplicado à forma jurídica
das normas, enquanto princípio democrático. O princípio democrático, diferentemente
do princípio moral da universalidade, não é uma regra interna à argumentação; ele é
desde sempre um princípio institucional, um princípio que garante as condições de
institucionalização das mais variadas formas discursivas e negociais, inclusive morais,
mas não somente morais, pelos quais os discursos de justificação jurídico-normativa
se desenvolvem. Assim, a passagem citada deve ser interpretada a partir do que está
corretamente afirmado às páginas 50 a 52, 144 a 146 da mesma obra. Sobre o assunto, ver
HABERMAS, 1997b, p. 145-147; p. 190 et seq
26
Sobre isso, ver, infra, capítulo 5.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
50 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

jurídica – autonomia política, capacidade para uma escolha racional e


autorrealização ética – que se ramifica no uso público das liberdades
comunicativas e no uso privado das liberdades subjetivas repousam
e são desenvolvidas nas duas garantias processuais básicas acima
elencadas.
Todavia, insistimos num ponto: embora a tarefa de garantir
as condições processuais para o exercício das autonomias pública
e privada dos cidadãos necessite de uma Jurisdição Constitucional
ofensiva, nos casos em que se deve impor o processo democrático e
a forma deliberativa da formação política da opinião e da vontade,
isso não pode fazer da Jurisdição Constitucional uma guardiã
republicana do processo político e da cidadania.27 Como veremos, uma
interpretação do processo político, que seja adequada à complexidade
da sociedade atual, não pode reduzir a política a um processo de
autorrealização ética, nem muito menos reduzir a Constituição a uma
ordem concreta de valores. A formação democrática da vontade e
da opinião, ao contrário do que pressupõe a tradição republicana,
não tira sua força legitimadora da convergência de convicções e de
razões éticas, mas dos pressupostos comunicativos e dos processos de
justificação normativa que possibilitam o aporte de razões e interesses
de amplo espectro, de tal modo a possibilitar a seleção dos melhores
argumentos. A autonomia pública, assim como o Direito, não pode ser
reduzida à autorrealização ética, o que justifica, segundo Habermas, o
fato de a Teoria do Discurso não precisar revestir o processo político de
condições excepcionais de um virtuosismo cívico.28 Assim, a Jurisdição
Constitucional não tem, portanto, que buscar sua legitimidade em
condições excepcionais (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 343-344). Ela
pode permanecer no quadro de sua autoridade para aplicar o Direito,
na certeza de que o processo democrático, que ela deve proteger, não
precisa ser descrito como um estado de exceção.
Como veremos, se compreendermos a Constituição democrática
como um sistema de direitos fundamentais, expressão da autonomia
pública e privada dos cidadãos, a Jurisdição Constitucional, no exercício

27
Embora discorde do viés historicista por vezes subjacente à sua análise, ver a arguta crítica
de CITTADINO (1999, p. 229 et seq.), ao “constitucionalismo comunitarista brasileiro”.
28
A crítica se destina diretamente tanto a Bruce Ackerman e seu modelo dualista de
democracia, quanto a Frank Michelman e sua caracterização do papel da Suprema Corte
norte-americana, mas pode estender-se ao republicanismo em geral. Assim, afirma
Habermas que: “A tradição republicana sugere um tal excepcionalismo, uma vez que liga
a prática política dos [cidadãos] ao ethos de uma comunidade naturalmente integrada. A
política correta só pode ser feita por [cidadãos] virtuosos.” (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 345)

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Capítulo 1
DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDO: A PROBLEMÁTICA ACERCA DE UMA JUSTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 51
DO CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO

do controle de constitucionalidade, deve garantir o devido processo


legislativo e o devido processo constitucional, no sentido da garantia dos
direitos fundamentais como condições jurídicas de institucionalização
da democracia. E é assim que, ao garantir os direitos fundamentais como
condições jurídicas de institucionalização da democracia, a jurisdição
constitucional deve retroalimentar e reforçar a dinâmica democrática e
o processo público deliberativo, reconhecendo, inclusive, novos sujeitos
e novos direitos, por meio de uma interpretação construtiva, inclusiva
e aberta ao porvir da Constituição vista como processo histórico de
aprendizado social com o Direito e com a política, de longa duração
(HABERMAS, 2001, p. 766-781; HONNETH, 2014, p. 339-446; CATTONI
DE OLIVEIRA. In: FONSECA, 2013, p. 72-73).
Teremos, portanto, de livrar nossa compreensão do
processo político de conotações excessivas, impostas por uma
concepção republicano-comunitarista, que colocariam a Jurisdição
Constitucional sob uma permanente pressão. Concordando com
Habermas, a Jurisdição Constitucional “não pode assumir o papel
de um regente que toma o lugar de um sucessor menor de idade
ao trono” (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 347). Sobre o pano de fundo
de uma esfera pública criticamente mobilizada – a da cidadania
que se transformou numa “sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição” (HABERLE, 1997) –, a Jurisdição Constitucional pode
assumir, no melhor dos casos, o papel de um “tutor”. Todavia, não se
deve idealizar esse papel, a não ser que se quisesse buscar “um fiel
depositário para um processo político idealisticamente acentuado”
(HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 347). Como afirma Habermas, num
trecho do texto escolhido para epígrafe dessa investigação,

[...] essa idealização, por sua vez, provém de um estreitamento ético


de discursos políticos, não estando ligada necessariamente ao conceito
de política deliberativa. Ela não é convincente sob pontos de vista da
lógica da argumentação, nem exigida para a defesa de um princípio
intersubjetivista. (HABERMAS, 1997b, v. 1. p. 347).

1.5 Estrutura da argumentação


Após uma introdução geral realizada no presente capítulo,
caracterizaremos, em linhas gerais, no capítulo 2, os dois modelos
normativos de Democracia que informam e conformam a relação
entre Democracia e constitucionalismo, nos últimos séculos. Quer
sob o ponto de vista do modelo liberal, quer sob o do modelo

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
52 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

republicano, constitucionalismo e democracia surgem como dois


conceitos inconciliáveis. Tal discussão foi exemplificada, tomando-se o
pensamento político de John Locke e o de Jean-Jacques Rousseau como
autores paradigmáticos. Buscaremos, então, explicitar, ainda que em
linhas gerais, os modos pelos quais esses conceitos foram construídos.
No capítulo 3, procederemos a uma crítica aos modelos
normativos analisados no capítulo anterior, tendo como marco teórico
a teoria habermasiana da Democracia. E será, também com base nessa
teoria, que procuraremos mostrar como pode ser compreendida e
redefinida a relação entre constitucionalismo e democracia no quadro
do paradigma procedimentalista do Estado Democrático de Direito.
Tal redefinição deverá superar, por um lado, os dilemas legados pelas
tradições políticas republicana e liberal, e, por outro, os impasses
diacronicamente considerados sob os paradigmas do Estado Liberal e
do Estado Social, no campo das relações entre Direito e política.
No capítulo 4, com base na redefinição da relação entre
constitucionalismo e democracia empreendida no capítulo 3,
apresentaremos, com base em uma Teoria Discursiva da Constituição,
de caráter reconstrutivo, e em diálogo com as incursões contemporâneas
da Teoria Geral do Processo, o que pode ser compreendido hoje como
o sentido democrático da Jurisdição Constitucional, assim como do
Processo Constitucional.
No capítulo 5, poderemos concluir este trabalho, reconstruindo
os fundamentos de legitimidade democrática do controle jurisdicional
de constitucionalidade das leis e do processo legislativo, de modo
adequado ao paradigma procedimentalista do Estado Democrático
de Direito.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 52 14/04/2015 11:04:41


CAPÍTULO 2

REPUBLICANISMO E
LIBERALISMO DA RELAÇÃO
ENTRE CONSTITUCIONALISMO
E DEMOCRACIA NO MARCO DAS
TRADIÇÕES DO PENSAMENTO
POLÍTICO MODERNO

2.1 Introdução
Na introdução à sua tradução de Faktizität und Geltung (Direito
e Democracia: entre facticidade e validade), de Jürgen Habermas, Manuel
Jiménez Redondo (1998) parte do pressuposto de que se poderia
considerar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789
como uma das expressões mais significativas do conteúdo normativo
da modernidade política. Analisando a Declaração, seria possível
reconhecer a marca das duas grandes tradições do pensamento político
moderno – a liberal e a republicana –, representadas, respectivamente,
nos embates políticos da Revolução Francesa, pelos girondinos e pelos
jacobinos (ELSTER, 1994, p. 57 et seq.).
Após o seu preâmbulo, que procura explicitar as razões pelas
quais os “representantes do povo francês” julgaram necessário “expor
em uma declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados
do homem” – ou seja, o esquecimento, a ignorância e o desapreço pelos
direitos do homem como causa de toda corrupção dos governos –, a
Declaração de 1789 passa a especificar uma série de princípios e de

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
54 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

direitos, entre os quais os direitos à igualdade jurídica, à liberdade,


à propriedade, à segurança e à resistência à opressão (arts. 1º e 2º); e
o objetivo de toda sociedade política: a conservação desses direitos
“naturais e imprescritíveis do homem” (art. 2º). O art. 4º esclarece que
“a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo o que não prejudique
a outrem; por isso, o exercício dos direitos naturais do homem não tem
outros limites que aqueles que assegurem aos demais membros de uma
sociedade o gozo dos mesmos direitos”.
Até esse ponto, a Declaração nada mais seria que a expressão
da ideia liberal lockeana fundamental, segundo a qual haveria um
conjunto de direitos pré-políticos, verdadeira fonte normativa natural,
que precederia, limitaria e condicionaria a lei, devendo esta ser tão
somente a encarnação e a expressão daqueles direitos. Assim, o art.
5º dirá que não cabe à lei senão proibir as ações nocivas à sociedade
que desrespeitem os fins para os quais a sociedade civil se constitui: a
garantia e a conservação dos direitos naturais do homem. E o restante
do art. 5º – “tudo o que não está vedado pela lei não pode ser impedido,
e ninguém pode ser forçado a realizar o que a lei não ordena” – e,
ainda, o art. 3º, “a soberania reside essencialmente na nação. Nenhum
indivíduo ou corporação poderão realizar o exercício de autoridade que
não emane expressamente dela”, podem, também, ser interpretados no
sentido liberal segundo o qual,

[...] para evitar os inconvenientes do ‘estado de natureza’ e com o


objetivo de uma melhor conservação dos direitos, se institui por pacto
uma commonwealth para cujo government se delega a faculdade que no
‘estado de natureza’ cada indivíduo tinha de fazer valer coercivamente
seus direitos; ao government dessa commonwealth compete agora
com exclusividade a função de fixar, interpretar e impor os direitos.
(JIMENEZ REDONDO, 1998, p. 21).

Todavia, segundo Jimenez Redondo, o art. 6º irá introduzir outra


fonte de normatividade e de legitimidade bastante distinta daquela que
os direitos naturais representam e que precederia a sociedade política,
na linha do pensamento não mais de Locke, mas de Rousseau: “A lei é a
expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer
para a sua formação pessoalmente ou por seus representantes”; sendo
assim, a lei “deve ser a mesma para todos, seja que proteja, seja que
castigue”. O art. 6º levanta a questão sobre o que deveria ocorrer com a
lei, que podendo considerar-se expressão da vontade geral vulnere os
direitos naturais. Com base no art. 5º, a lei que desrespeitasse direitos

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cAPÍTULO 2
REPUBLI CANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMO CRACIA NO 55
MARCO DAS TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

naturais deveria ser nula. Mas, desde a perspectiva do art. 6º, obter-se-ia,
por sua vez, um sentido bastante diferente que, inclusive, poderia estar
mais de acordo com o disposto no art. 3º. A questão é que, da perspectiva
do art. 6º, explica Jiménez Redondo,

a liberdade não consiste primeiramente, como disse o artigo quarto da


Declaração, ‘em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem; por
tanto, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites
que aqueles que assegurem aos demais membros da sociedade o gozo
desses mesmos direitos’ (art. 4); tampouco consiste em estar permitido
a qualquer um tudo aquilo que as leis do soberano não proíbem; senão
que primariamente consiste naquilo a que se faz referência n’O contrato
social [de Rousseau] ao assinalar o problema que o contrato resolve:
‘Encontrar una forma de associação que defenda, com toda a força
comum, a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um,
unindo-se a todos, não obedeça, todavia, senão a si mesmo’, isto é, a
liberdade consiste primariamente em autonomia pública, quer dizer, em
havendo de estar submetido a leis, não estar submetido a outras leis que
as que qualquer um haja podido impor a si mesmo, conjuntamente, com
cada um de todos os demais, podendo valer para todos e para qualquer
um. (JIMÉNEZ REDONDO, 1998, p. 23).

Todavia, segundo Jiménez Redondo,

[...] deste conceito positivo de liberdade deriva, certamente, outro


inteiramente subordinado a ele: ‘Tudo o que não está vedado pela lei
não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que
ela não ordena’ (art. 5), mas disso não resulta necessariamente o conceito do
artigo quarto (JIMÉNEZ REDONDO, 1998, p. 23). (grifos meus).

Afinal, um argumento é dizer que a lei não pode ferir os direitos


humanos naturais (ou fundamentais), baseados na noção de liberdade
segundo a qual esta consiste em fazer tudo o que não prejudique o
igual exercício da mesma liberdade pelos outros, e outro argumento
consiste em afirmar que a lei é a expressão da liberdade enquanto
autonomia política de cada um, que se exerce no interior ou no todo
da sociedade política. Para pontuar a importância de tal problemática
e da força que essas duas concepções ainda possuem na atualidade,
basta abrir a Constituição brasileira de 1988 e verificar, a princípio, um
certo paralelismo com a Declaração de 1789. Por um lado, o art. 5º da
Constituição brasileira dispõe que todos são iguais perante a lei, sendo
garantidos os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
56 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

à propriedade; e o art. 60, §4º, inciso IV, torna esses direitos um limite
ao exercício do Poder Legislativo, inclusive do Poder Constituinte de
Reforma da Constituição, ao determinar que não deverá ser (o texto, em
tom de declaração, diz, literalmente, “não será”) objeto de apreciação
por parte do Poder Legislativo proposta de emenda tendente a
abolir direitos e garantias individuais (isso, sem nos esquecermos
da normativa do inciso XXXVI do art.5º, que determina que a lei
não deverá prejudicar – “não prejudicará”, como está no texto – o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada). Por outro
lado, o art. 1º, parágrafo único, da Constituição dispõe que a fonte
de legitimidade do poder político é o povo, que o exerce por meio de
seus representantes eleitos ou diretamente; e o art.5º, II, estabelece que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei”. Como, ontem e hoje, compreender adequadamente
esses dispositivos normativos?
Diante dessa problemática, Isaiah Berlin, como outros autores,
no terreno da Filosofia Política, buscou sintetizar o que seria o grande e
duvidoso legado da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
de 1789 com as seguintes palavras:

A relação entre democracia e liberdade individual é bem mais tênue do


que pareceu a muitos defensores de ambas. O desejo de ser governado
por mim mesmo ou, pelo menos, de participar do processo através do
qual minha vida deve ser controlada, pode ser um desejo tão profundo
quanto o de uma área livre para a ação, e talvez historicamente mais
antigo. Mas não é um desejo relativo à mesma coisa. Na realidade, é
tão diferente, que levou, em última instância, ao grande conflito de
ideologias que domina nosso mundo. Pois é isto – a concepção ‘positiva’
de liberdade: não liberdade de, mas liberdade para – de levar uma forma
de vida prescrita – que os adeptos do conceito de liberdade “negativa”
imaginam seja, algumas vezes, nada mais do que um ilusório disfarce
para a tirania brutal. (BERLIN, 1981, p. 142).

Mas será essa a forma mais adequada, a uma compreensão


procedimentalista do Estado Democrático de Direito, para reconstruir o
conteúdo normativo moderno, que se expressa, por exemplo, por meio do
disposto pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
e que encontra ecos até hoje, como no Direito Constitucional brasileiro?
Tal indagação se impõe não somente por uma questão teórica,
mas também por uma questão prática, operacional, do Direito,
fundamental para a questão sobre uma justificação do controle judicial
de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. Posto que é

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cAPÍTULO 2
REPUBLI CANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMO CRACIA NO 57
MARCO DAS TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

algo bastante diferente tentar justificar, por um lado, de uma perspectiva


liberal, que tal controle se sustenta em razão da garantia dos direitos
liberais fundamentais diante do legislador e, por outro lado, buscar
justificar se é que é possível, sob uma perspectiva republicana, que esse
controle se baseia na garantia da manifestação de uma cidadania ativa.
Será impossível compreender de forma não concorrente o que
está disposto nos arts. 4º e 6º da Declaração, os direitos do homem e os
direitos do cidadão? Ou, em outras palavras, será possível conectar a fonte
normativa que emprestaria legitimidade às leis, que é representada
pelos direitos humanos (“naturais”), de liberdade, de propriedade e
de segurança, que o liberalismo buscou consagrar, e a fonte normativa,
destacada pelos republicanos, que representa o exercício democrático
da autodeterminação política, da qual as leis deveriam emanar?
Cabe dizer, desde já, que a tentativa histórica de solucionar tal
questão, pela divisão de papéis entre homem membro da sociedade
civil e cidadão membro da sociedade política não resolve o problema,
que poderia ser colocado por uma lei expressão da autonomia política
dos cidadãos que pudesse violar direitos humanos naturais (portanto,
comuns a todos, cidadãos ativos ou não), já que, em princípio, a
possibilidade de violação desses direitos permaneceria.
A fim de contribuir para a reflexão sobre essas indagações,
todas elas centrais para uma justificação democrática do controle
jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo,
teremos de reconstruir os conceitos de autonomia pública e de
autonomia privada, bem como os de constitucionalismo e de
Democracia a eles relacionados e mostrar que, no paradigma
procedimentalista do Estado Democrático de Direito, à luz de uma
teoria discursiva do Direito e da Democracia, tais conceitos não se
opõem, mas, ao contrário, estão intimamente implicados.
Antes disso, porém, neste capítulo, procuraremos explicitar
como as tradições político-democráticas modernas, a republicana e a
liberal, buscaram enfrentar esses problemas, e também como resultam
de suas construções compreensões político-constitucionais divergentes
acerca da relação entre constitucionalismo e democracia. Ao referir-
se a Constituição a valores éticos tradicionais de uma nação, sempre
carentes de estabilização, ou ao considerá-la um limite jurídico-moral
à atuação do legislador político, respectivamente, os republicanos
dão prioridade à autonomia pública em detrimento da privada e os
liberais à autonomia privada em detrimento da pública. Ao vincular-
se a uma noção de liberdade positiva, o republicanismo acentua a
autonomia pública e a interpreta em termos de autorrealização ética;

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
58 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

e o liberalismo, ao vincular-se a uma noção de liberdade negativa,


acentua a autonomia privada e a interpreta como autonomia moral ou,
então, como “escolha racional”. Nesse sentido, a Democracia surge ou
como uma forma político-instrumental que legitima um governo que
representa os interesses majoritários, como consideraram os liberais,
ou como a forma política de autorrealização ética de uma nação, como
compreenderam os republicanos.
Essas tentativas, todavia, empreendidas tanto por liberais
quanto por republicanos, são extremamente reducionistas, pois buscar
solucionar o conflito entre autonomia pública e autonomia privada,
por meio de uma pretensa fundamentação ética, ou então moral, da
relação entre constitucionalismo e democracia que, em última análise,
leva à prioridade de uma sobre a outra concepção da liberdade,
“negativa” ou “positiva”, é permanecer cego à conexão interna entre
autonomia pública e autonomia privada, à sua cooriginalidade e à sua
equiprimordialidade.

2.2 Republicanismo e Liberalismo


A tradição política republicana29 remete-se a Aristóteles, por meio
da filosofia romana republicana e do pensamento político italiano do
Renascimento (Humanismo Cívico).30 É recepcionada pelo pensamento
de James Harrigton,31 o famoso opositor de Thomas Hobbes, e, pela
obra de Harrigton e de outros, influenciou os debates norte-americanos
da Convenção de Filadélfia. Essa tradição do republicanismo cívico,
do Maquiavel dos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio,32 foi
transposta para a linguagem moderna do jusnaturalismo, na recepção
e atualização da obra de Jean-Jacques Rousseau, influenciando grandes
nomes da Revoluções Francesa e Americana. Mereceu as reflexões de
G.W.F. Hegel e do jovem Karl Marx e despertou, já no século XX, a
admiração e a recepção crítica nos escritos políticos e filosóficos de Carl
Friedrich (1967) e de Hannah Arendt (1958; 1990; 1992), entre outros.
Contemporaneamente, são considerados republicanos autores como

29
Para uma pequena genealogia da tradição republicana, ver MOUFFE, 1996, p. 85, e,
sobretudo, SANDEL, 1982.
30
Sobre o humanismo cívico, ver BIGNOTTO, 1991, p. 9 et seq. Também SKINNER, 1996, p.
91 et seq.
31
Sobre James Harrington, ver SABINE. In: HARRIGNTON, 1996.
32
Sobre Maquiavel e o republicanismo renascentista, ver BIGNOTTO, 1991, e SKINNER,
1996, p. 176-177; p. 201 et seq.

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REPUBLI CANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMO CRACIA NO 59
MARCO DAS TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

Charles Taylor (1993; 1997), Michael Walzer (1993; 1997), Michael Sandel
(1982) e Alasdair McIntyre, além de juristas como Neil MacCormick
(1995), Michael Perry (1990; 1994) e Frank Michelman (1988).
A tradição política liberal, de John Locke a Immanuel Kant, de
Emmanuel Sièyes e Thomas Paine a Benjamin Constant ou a John Stuart
Mill, e passado por Jeremy Benthan e outros, chega aos nossos dias
através dos ensaios de Isaiah Berlin e de obras tão diversificadas como
as de John Rawls (1971; 1993a), Robert Nozick (1991), Charles Larmore
(1996) ou Ronald Dworkin (1978; 1993). Contudo, é a obra filosófico-
política e moral de John Rawls que, atualizando o jusnaturalismo de
matriz kantiana e não utilitarista, reacendeu nos Estados Unidos o
debate,33 que mais tarde se alastrou pelo mundo, entre republicanos
(comunitaristas ou não) e liberais (sociais ou não).
Essas duas tradições, enquanto tradições do pensamento político
moderno, compartilham a ideia segundo a qual todos os cidadãos
são livres e iguais. Assim, ambas defendem não apenas a existência
de uma Constituição e de um regime democrático, mas também a
constitucionalização de direitos fundamentais. Todavia, isso não
significa que a Constituição, a Democracia e os direitos fundamentais
sejam interpretados da mesma forma por elas. Ao contrário, o que há
entre essas tradições políticas é uma série de divergências (CITTADINO,
1999), nem sempre conciliáveis, quanto aos conceitos de processo
político, cidadania (VIEIRA, 1997, p. 220), direitos, Constituição,
Democracia, etc. (HABERMAS, 1997b, v. 2. p. 19 et seq.).
Tomemos, de início, o pensamento de Jean-Jacques Rousseau e
de John Locke, que podem ser compreendidos como os autores que, em
primeiro lugar, fixaram – e a Declaração de 1789 pode ser considerada
como reflexo disso – os termos das questões filosófico-políticas que, a
essa altura das nossas indagações, devem ser discutidas.
Jean-Jacques Rousseau, assim como John Locke, é muito
conhecido, entre outros motivos, por ser um grande representante do
“contratualismo”.34

33
Sobre o debate ver, MOUFFE, 1996, p 37 et seq.; p. 83 et seq.; KUKATHAS; PETTIT, 1995;
HABERMAS, 1997b, em várias passagens; TOURAINE, 1996, em várias passagens, APEL
In: BLANCO FERNÁNDEZ; PÉREZ TAPIAS; SÁEZ RUEDA, 1994.
34
Para uma visão geral do “contratualismo” e de que “por tal termo se entende uma escola
que floresceu na Europa entre os começos do século XVII e os fins do século XVIII e teve
seus máximos expoentes em J. Althusius (1557-1638), T. Hobbes (1588-1679), B. Spinoza
(1632-1677), S. Pufendorf (1632-1694), J. Locke (1632-1704), J.-J. Rousseau (1712-1778), I. Kant
(1724-1804)”, ver o verbete de Nicola Matteucci Zn: BOBBIO; MATEUCCI; PASQUINO,
1994, p. 272. Matteucci adverte para o fato, bastante relevante para o presente estudo, de que

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
60 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Em seu livro, Do Contrato Social,35 Rousseau (1983a) traça uma


grande tese sobre a organização, ou do que deveria ser a organização,
política legítima.
“O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros”
(ROUSSEAU, 1983a, p. 22). Não há uma organização política que, não
tendo sido erguida em respeito à liberdade e à igualdade civis, exerça
um domínio legítimo sobre os homens. Somente um pacto ou contrato
social que, ao contrário de Hobbes, e num certo sentido na linha de Locke,
não aliena a um Leviathan, mas transforma e assegura os direitos
naturais poderá fundar uma organização política legítima.
Assim, não há como concordar com Bobbio (1992b, p. 46) e outros,
quando simplesmente afirmam que Rousseau se afastaria de Locke e se
aproximaria de Hobbes36 por compreender o contrato social como um
“ato de renúncia coletiva aos direitos naturais”, pois isso é desconsiderar
as críticas de Rousseau ao absolutismo. Cabe lembrar que, em primeiro
lugar, para Rousseau, o Direito não pode advir da força (ROUSSEAU,
1983a, p. 25-26), e que “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de
homem” (ROUSSEAU, 1983a, p. 27). Em segundo lugar, consideramos
possível compreender o que Bobbio, referindo-se a Rousseau, chama

por escola entende “não uma comum orientação política, mas o uso comum de uma mesma
sintaxe ou de uma mesma estrutura conceitual para racionalizar a força e alicerçar o poder no
consenso”. Contudo, vai-se tornando inegável, à medida que a análise de Matteucci avança,
a influência dessas referidas “orientações políticas divergentes” (verdadeiras pragmáticas)
nessa “estrutura conceitual”, que pouco resta como sendo a mesma, ainda mais em se
tratando da busca de “uma racionalização da força” ou de “um fundamento consensual do
poder”. Sobre as teorias contratualistas hoje, ver, por exemplo, KERN; MÜLLER, 1992.
35
A tradução do francês ao português, na publicação feita pela Abril Cultural, em sua
coleção “Os Pensadores”, é de Lourdes Santos Machado, com notas também redigidas por
Paul Arbousse-Bastide. Na primeira nota, os organizadores advertem de modo bastante
significativo: “Na edição Dreyfus-Brisac, famosa por ser a primeira a tentar a reposição do
texto segundo as fontes originais, figura um fac-símile da primeira folha do Manuscrito de
Genebra, primitivo esboço do Contrato Social. Aí se encontram as muitas variantes por que
passou o título da obra. Primeiro, foi mesmo Do Contrato Social. Depois, provavelmente para
fugir ao sabor individualista dessa expressão, foi ela riscada e substituída por Da Sociedade
Civil. A seguir, consciente da originalidade de sua interpretação do esquema contratual,
Rousseau retoma o primeiro título. Quanto ao subtítulo, encontramos sucessivamente
‘Ensaio sobre a Constituição do Estado’, ‘Ensaio sobre a Formação do Corpo Político’,
‘Ensaio sobre a Formação do Estado’ e ‘Ensaio sobre a Forma da República’. ‘Princípios do
Direito Político’ é novidade que só surge na versão definitiva do Contrato.”
36
Mesmo assim, a própria leitura de Hobbes, empreendida por Bobbio, carece de maiores
aprofundamentos. Como demostram os estudos mais recentes, Hobbes poderia ser visto
como um paradoxal defensor da esfera privada, que seria garantida por um governo
autoritário. Todavia, esse autoritarismo possui limites. O soberano somente realizaria suas
ações por meio da linguagem abstrata do Direito moderno, o que viabilizaria, portanto, o
direito de todos a iguais liberdades subjetivas. Assim, Napoleão Bonaparte corporificaria
a figura de um soberano como esse, e muito melhor do que qualquer um dos reis Stuart.

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REPUBLI CANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMO CRACIA NO 61
MARCO DAS TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

de “renúncia não em favor de um terceiro, mas em favor de todos”,


não como uma alienação pura e simples de direitos, mas como uma
transfiguração dos direitos naturais, em razão da institucionalização
jurídica desses no plano da comunidade política do Estado. Porque tal
institucionalização visa assegurar e realizar esses direitos e não a uma
mera transferência de poder em favor do Estado, Rousseau aproxima-
se de Locke, já que ambos compreendem, ao contrário de Hobbes, que
o contrato social visa assegurar os direitos naturais, por meio da sua
institucionalização jurídico-política. Isso, inclusive, pode ser ilustrado
com as mesmas passagens da obra rousseauniana citada por Bobbio
(1992b, p. 47), as duas primeiras do capítulo VI e a última do capítulo
VIII, Do Contrato Social:

‘Encontrar uma forma de associação que defenda e apóie com toda a


força coletiva a pessoa e os bens de cada um dos membros e por meio
da qual, cada um unindo-se a todos, obedeça somente a si mesmo e
permaneça livre como antes.’
‘Cada um oferecendo-se a todos não se oferece a ninguém, e porque
não existe membro algum sobre o qual não seja adquirido o mesmo
direito que lhe é concedido acima de nós, ganha-se o equivalente de
tudo aquilo que se perde, e mais a força para conservar o que se tem.’
‘O que o homem perde através do contrato social é a sua liberdade
natural e um direito ilimitado a tudo aquilo que causa desejo e que ele
pode obter: o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo
aquilo que possui.’

Entretanto, é correto afirmar que a aproximação de ambos vai


até o ponto em que se passa a discutir o que seria assegurar e realizar
direitos naturais, por meio de sua institucionalização jurídica, no nível
da comunidade política do Estado. E, nesse sentido, cabe destacar uma
diferença fundamental entre Rousseau e Locke, quanto ao “direito civil
de liberdade”, e que, com certeza, refletir-se-á na compreensão final
que cada um deles possui do contrato social, do Direito e da política – a
razão de tantos equívocos e análises apressadas.
Jean-Jacques Rousseau, na linha da tradição republicana,
compreende o direito à liberdade como direito à autodeterminação
política, que se realiza através do exercício da liberdade civil e da
soberania do povo, na construção de uma comunidade ou “corpo” ético-
político, enquanto John Locke, como autor do liberalismo, compreende
o direito de liberdade fundamentalmente como autodeterminação
privada quanto à propriedade e à felicidade, a ser assegurado
juridicamente perante outros indivíduos e à própria organização

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
62 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

político-estatal. Enquanto em Rousseau a liberdade é liberdade para


algo, em Locke é liberdade de ou diante de algo.37 Em Rousseau, a liberdade
natural se institucionaliza juridicamente, no âmbito da comunidade
política, como liberdade civil, no plano da e para a participação política
(pertinência à pólis), e que resgata a ideia de virtude cívica; em Locke,
a liberdade natural se institucionaliza juridicamente no plano da
comunidade política como liberdade civil, por meio do reconhecimento
e da garantia, pela comunidade político-estatal, da existência à parte
de uma esfera privada (separação entre Estado e sociedade).
Para Locke e Rousseau, o contrato social que constitui a organização
civil, ou sociopolítica, a constituição do Estado ou a constituição política,
tem finalidades comuns e finalidades diferentes. Para ambos, é a forma
de assegurar efetiva e legitimamente os direitos naturais dos indivíduos.38
Contudo, em Locke, o contrato ou pacto fundamental tem por finalidade
criar uma organização socal através da qual o indivíduo, compreendido
antes como sujeito de direitos privados do que como cidadão, possa exercer
com segurança e sem interferências os seus direitos à vida, à liberdade
privada e, principalmente, aos bens a que chama “propriedade”:39

124. O objetivo grande e principal, portanto, da união dos homens em


comunidades, colocando-se eles sob o governo, é a preservação da
propriedade. Para esse objetivo, muitas condições faltam no estado de
natureza. (LOCKE, 1983, p. 84).40

Para Locke, diferentemente de Rousseau, há que se diferenciar


o pacto fundamental do pacto que cria o governo (um governo

37
Usamos aqui, mais uma vez, as expressões de Isaiah Berlin (1981). Retomando o tema da
famosa conferência de Benjamin Constant, Berlin fala em liberdade em sentido positivo e
liberdade em sentido negativo. Todavia, tal distinção é problemática da perspectiva de uma
teoria discursiva da democracia.
38
O que o empirismo político característico das análises de Norberto Bobbio (1992b, p. 48)
não deixa ver é justamente o aspecto normativo da exposição tanto de Locke quanto, e
fundamentalmente, de Rousseau, acerca do pacto social: com este se funda a organização
política, por meio da institucionalização político-jurídica de direitos que passam a ser
reciprocamente reconhecidos, desde o início, quando da passagem do “estado de natureza”
para o “estado civil”.
39
Sobre o conceito de propriedade em John Locke, ver JORGE FILHO, 1992, p. 77 et seq.
Aqui, o contraste entre Locke e Rousseau é imenso. Basta lembrar que Rousseau considera
que a propriedade privada está na origem das desigualdades “morais” ou “políticas”
entre os homens (ROUSSEAU, 1983b, p. 259).
40
No original, “The great and chief end therefore, of Mens uniting into Commonwealths,
and putting themselves under Government, is the preservation of their Property. To which
in the state of nature there are many things wanting” (LOCKE, 1963, p. 395-396).

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cAPÍTULO 2
REPUBLI CANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMO CRACIA NO 63
MARCO DAS TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

representativo,41 eleito pela maioria dos membros da “comunidade


política” (Commonwealth),42 pois um é o processo político fundador,
outro o processo eleitoral de escolha de representantes. A dissolução,
por exemplo, do governo, não implica necessariamente dissolução da
sociedade, embora ocorra o contrário quando se dissolve a sociedade,
pois, nesse caso, o governo não encontraria como subsistir (LOCKE,
1963, p. 454; 1983, p. 118). E uma das razões pelas quais um governo
pode (e deve) ser dissolvido, se não for a razão principal, consiste
no descumprimento por este de suas finalidades e encargos, ou
seja,”quando tenta invadir a propriedade do súdito e tornar-se a si
mesmo ou a qualquer parte da comunidade senhor ou árbitro da vida,
liberdade ou fortuna do povo” (LOCKE, 1983, p. 121; 1963, p. 460).
Já Rousseau concebe tanto o pacto fundador quanto o processo
político e o processo eleitoral de modo diverso. O contrato social,
enquanto constituição política, consubstancia a formação de um corpo
político que, pela comunhão de seus membros (fraternité), exerce o direito
comunitário à autodeterminação, em busca da realização da felicidade, da
autorrealização ética.43 “Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de
homem” (ROUSSEAU, 1983a, p. 27). A garantia de cidadania, liberdade
e igualdade civis, na busca da felicidade, é a finalidade por excelência
do pacto social e da sociedade política que por meio dele se constitui:

Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu poder sob a
direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada
membro enquanto parte indivisível do todo’. Imediatamente, esse ato de
associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante,
um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os
votos da assembléia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu
eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, que se forma,
desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome

41
Cabe lembrar que, em Locke, o governo, composto de representantes ou de um representante
do povo, é exercido fundamentalmente pelo Poder Legislativo, existente ao lado do Poder
Executivo e do Poder Federativo, e se diferencia do seio do povo, não se confundindo com
este último. Sobre o tema, ver LOCKE 1963, p. 401 et seq.; 1983, p. 86 et seq.
42
É o próprio Locke quem explica o que significa Commonwealth, nesta passagem do seu
já citado livro: 133. “By Commonwealth, I must be understood all along to mean, not
a democracy, or any Form of Government, but any Independent Community which
the Latines signified by the word Civitas, to which the word which best answers in our
Language, is Commonwealth, and most properly expresses such a Society of Men, which
Community or City in English does not, for there may be Subordinate Communities in a
Government; and City among us has a quite different notion from Commonwealth”.
43
O jacobinismo e seu Comité de Saúde Pública representarão a quintessência desse ponto
de vista.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 63 14/04/2015 11:04:42


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
64 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

de cidade e, hoje, o de república ou corpo político, o qual é chamado


por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo, e
potência quando comparado a seus semelhantes. Quanto aos associados,
recebem, eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular,
cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto
submetidos às leis do Estado. (ROUSSEAU, 1983a, p. 33-34).

A cada momento que se expressa a vontade geral confirma-se o


pacto social e a constituição do corpo político. Em Rousseau, não há
lugar nem para o governo representativo no sentido lockeano, já que
“a soberania não pode ser representada pela mesma razão porque não
pode ser alienada”,44 e porque “há um único contrato no Estado, o da
associação, e, por si só, exclui todos os demais” (ROUSSEAU, 1983a,
p. 111),45 nem muito menos para a dissolução do autogoverno através
do exercício de um direito individual de resistência, possível em Locke
(1983, p. 114), porque a soberania popular não pode voltar-se contra si
mesma, nem a vontade geral pode errar,46 embora seja possível a censura
por meio de julgamento público (ROUSSEAU, 1983a, p. 135 et seq.) a
comissários do povo e a atos do governo. Enquanto, pois, em Locke
há lugar para dois pactos e o processo político, após a assinatura do
pacto fundamental, é praticamente reduzido a um processo eleitoral de
escolha de representantes, em Rousseau o processo político, mesmo o
que institui o governo (ROUSSEAU, 1983a, p. 112), é o centro que integra
e constitui o social, processo em que se expressa a vontade geral e se
confirma o pacto social, no sentido das suas finalidades ético-políticas.
Assim, é nesse sentido que podemos dizer que o processo político,
segundo o modelo liberal, ilustrado pelo pensamento lockeano, realiza
a tarefa de programar o governo de acordo com o interesse da sociedade,

44
Em Rousseau, a ideia de soberania inalienável e indivisível opõe-se ao governo
representativo no sentido de Locke. A íntegra do famoso trecho é: “A soberania não pode
ser representada pela mesma razão por que não pode ser alienada, consiste essencialmente
na vontade geral e a vontade geral absolutamente não se representa. É ela mesma ou é outra,
não há meio-termo. Os deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes;
não passam de comissários seus, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda lei
que o povo diretamente não ratificar; em absoluto, não é lei” (ROUSSEAU, 1983a, p. 108)
E num ataque frontal a Montesquieu e a Locke, afirma: “O povo inglês pensa ser livre e
muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez estes
eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso,
que dela faz, mostra que merece perdê-la” (p. 108). E explicitando as raízes medievais do
“governo representativo”, considera-o incompatível com o direito e com a liberdade civil.
45
Não há lugar, portanto, para um pacto secundário entre povo e governantes.
46
ROUSSEAU, 1983a, p. 46: “... a vontade geral é sempre certa e tende sempre à utilidade
pública”.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 64 14/04/2015 11:04:42


cAPÍTULO 2
REPUBLI CANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMO CRACIA NO 65
MARCO DAS TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

compreendendo-se o primeiro como um aparato administrativo e a


segunda como uma rede de interações entre sujeitos privados organizada
na forma do mercado. A política, como em Locke, tem a função de reunir
os interesses privados e encaminhá-los à Administração Público-Estatal,
cuja finalidade é utilizar-se do poder político para atingir objetivos
coletivos majoritários. Uma formação democrática da vontade e da opinião
tem, nesse contexto, a função de legitimar o exercício do poder político:
os resultados eleitorais são a concessão para se assumir o governo, ao
passo que o governo deve justificar o uso do poder ao público.
Já o republicanismo, ilustrado pelo pensamento de Rousseau,
concebe a política para além dessa função de mediação social, pois ela é,
em primeiro lugar, constitutiva dos processos societários em geral: é a
forma em que se reflete a vida ética real, o meio pelo qual os indivíduos
solidariamente se tornam conscientes de que dependem uns dos outros
e, agindo como cidadãos, modelam e desenvolvem suas relações de
reconhecimento recíproco, transformando-se numa associação de
coassociados livres e iguais perante o Direito. Segundo Habermas,

[...] com isso, a arquitetura liberal de governo e sociedade sofre uma


mudança importante: além das normas hierárquicas do Estado e
das regras descentralizadas do mercado, ou seja, além do poder
administrativo e dos interesses pessoais, a solidariedade e a orientação
para o bem comum aparecem como uma terceira fonte de integração
social [...] Na concepção republicana, a esfera público-política adquire,
juntamente com sua base na sociedade civil, uma importância
estratégica. (HABERMAS, 1995b, p. 108).

Com base nessas duas compressões concorrentes, é possível traçar,


em termos esquemáticos, duas concepções diferentes de cidadania. O
status de cidadão, para o liberalismo, é fundamentalmente determinado
por direitos negativos perante o Estado e em face dos outros cidadãos.
Como titulares desses direitos, eles gozam da proteção estatal à medida
que buscam realizar seus interesses privados nos limites estabelecidos
pela lei, e isso inclui a proteção contra intervenções estatais. Direitos
políticos, como o direito ao voto ou à liberdade de expressão, não têm
apenas a mesma estrutura, mas também um significado semelhante
enquanto direitos civis que fornecem um espaço no qual as questões
pragmáticas, por meio de um agir estratégico funcionalmente regulado,
tornam-se livres de coerção externa, fundando um processo político
moldado no funcionamento do mercado. Esses direitos

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 65 14/04/2015 11:04:42


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
66 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Enquanto a interpretação liberal vê o sentido de uma ordem jurídica


no fato de ela permitir constatar, no caso concreto, quais direitos
competem a quais indivíduos, a visão republicana considera que esses
direitos subjetivos resultam de uma ordem jurídica objetiva, a qual não
somente torna possível, como também garante a integridade de uma
convivência autônoma, com iguais direitos e que repousa no respeito
mútuo. (HABERMAS, 1997b, p. 336).

Ao contrário do liberalismo, o republicanismo considera que


o processo político não serve apenas para programar e fiscalizar a
atividade administrativa do Estado por cidadãos que já adquiriram
uma autonomia privada pré-social e pré-política, nem é um simples elo
entre Estado e sociedade, pois a autoridade da Administração Pública
não é também algo dado. Essa autoridade, ecolhida por um processo
eleitoral que conserva a lembrança do ato de fundação da sociedade
como comunidade política, emerge da práxis de autolegislação dos
cidadãos e se legitima no fato de ela proteger essa práxis, pelo processo
de institucionalização da autonomia cívica, das liberdades públicas.
“Para a política, no sentido de práxis de autolegislação cívica,
o paradigma não é o mercado, mas o diálogo” (HABERMAS, 1995b,
p. 110), um diálogo que gira não meramente em torno de preferências
e interesses, mas de valores comunitariamente compreendidos. Para
o republicanismo:

‘Política’ é entendida como forma de reflexão de um contexto vital


ético – como medium no qual os membros de comunidades solidárias,
mais ou menos naturais, tornam-se conscientes de sua dependência
recíproca e, na qualidade de cidadãos, continuam e configuram, com
consciência e vontade, as relações de reconhecimento recíproco já
existentes. (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 333).

Um governo republicano nunca estaria somente incumbido de


exercer um mandato amplamente aberto, como no modelo liberal,
mas também obrigado programaticamente a cumprir certas políticas,
permanecendo ligado à comunidade política que se autogoverna.

Assim, a raison d’être do Estado não reside fundamentalmente na


proteção de direitos privados iguais, mas na garantia de uma formação
abrangente da vontade e da opinião, processo no qual cidadãos livres e
iguais chegam a um entendimento em que objetivos e normas se baseiam
no igual interesse de todos. (HABERMAS, 1995b, p. 109).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 66 14/04/2015 11:04:42


cAPÍTULO 2
REPUBLI CANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMO CRACIA NO 67
MARCO DAS TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

A formação democrática da vontade se daria, pois, para o


Republicanismo, sob a forma de um discurso ético-político que conta
com um consenso de fundo estabelecido culturalmente e compartilhado
pelo conjunto dos cidadãos.
Quais são as visões de Estado e de sociedade subjacentes a essas
compreensões de processo político, cidadania e direitos? E, enfim,
quais os reflexos dessas concepções na compreensão da Constituição e
da Democracia, à luz das tradições republicana E liberal?
Tanto a tradição liberal quanto a republicana pressupõem uma
visão de sociedade centrada no Estado. Contudo, enquanto para a
primeira o Estado é o guardião de uma sociedade de mercado, para
a segunda o Estado é a institucionalização autoconsciente de uma
comunidade ética.
De acordo com os republicanos, a formação política da vontade
e da opinião dos cidadãos cria o meio pelo qual a sociedade se constitui
como uma totalidade política, onde não faz sentido distinguir-se
o Estado e a sociedade, pois “a sociedade é desde sempre, uma
sociedade política – societas civilis. Daí o fato de a democracia tornar-se
equivalente à auto-organização política da sociedade como um todo”
(HABERMAS, 1995b, p. 116).47
Assim, a Constituição é compreendida como a consubstanciação
da identidade ética e da auto-organização de uma sociedade política,
verdadeira “medida material da sociedade” ou “ordem fundamental
jurídica da coletividade”, para usar a conhecida expressão do
constitucionalista alemão Konrad Hesse (1998, p. 37). Sua realização se
dá pelo exercício conjunto da autonomia pública pelos seus membros.
Diferentemente, de acordo com os liberais, a separação entre
Estado e sociedade, que desperta uma reação polêmica por parte dos
republicanos, não pode ser eliminada, mas somente diminuída pelo
processo democrático. Assim, a Constituição, enquanto mecanismo ou
instrumento de governo (instrument of government) tem uma função de
compatibilização. O equilíbrio regulado entre poder político e interesses
sociais diversos necessita de um canal constitucional:

Espera-se que a Constituição controle o aparato estatal por meio de


restrições normativas (tais como os direitos fundamentais, a separação
de poderes, etc.) e o obrigue, mediante a competição de partidos
políticos, por um lado, e a competição entre governo e oposição, por

47
Sobre a compreensão de democracia, ver HANNAH ARENDT (1990), fundamentalmente,
capítulos 4 e 5.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 67 14/04/2015 11:04:42


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
68 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

outro, a levar em conta, adequadamente, os interesses concorrentes


e as orientações de valor [...] O modelo liberal depende não da
autodeterminação democrática de cidadãos capazes de deliberação, mas
da institucionalização jurídica de uma sociedade econômica encarregada
de garantir um bem comum essencialmente apolítico por meio da
satisfação de preferências particulares. (HABERMAS, 1995b, p. 117).

Tais compreensões sobre a relação entre Estado e sociedade,


segundo uma visão republicana ou liberal do processo político,
também projetam duas compreensões concorrentes da soberania
popular e da Democracia.
Como em Rousseau, a tradição republicana reavalia e se apropria
do conceito de soberania inicialmente associada aos regimes absolutistas
e a transfere para a vontade do povo unido, “[...] ao fundir a força do
Leviatã com a ideia clássica da autorregulamentação dos cidadãos livres
e iguais e ao combiná-la com seu conceito moderno de autonomia”
(HABERMAS, 1995b, p. 120).
Apesar disso, o conceito de soberania permaneceu ligado, como
em Rousseau, à noção de uma encarnação no povo fisicamente presente
e reunido, o que levou à concepção segundo a qual a soberania é, por
princípio, indelegável e, portanto, irrepresentável, como já analisado.
A isso se opõe o liberalismo, segundo o qual, no Estado de
Direito, toda autoridade emana do povo, que a exerce por meio de
seus representantes políticos eleitos, no quadro das competências
atribuídas constitucionalmente aos órgãos legislativos, executivos
e judiciários do Estado.
Em termos esquemático-comparativos, a tradição republicana,
por um lado, pressupõe uma concepção política segundo a qual a
Constituição, enquanto expressão da autonomia política do povo
signatário de um pacto fundamental, reflete a identidade de uma
sociedade política e a Democracia é a forma política de plena realização
dessa identidade, por um processo de autorreflexão conjunta e do diálogo
entre os cidadãos. O acento é, portanto, dado à autonomia pública
enquanto meio para a autorrealização ética da comunidade. E a tradição
liberal, por outro lado, pressupõe uma concepção política segundo a
qual a Constituição é um mecanismo ou instrumento de governo (instrument
of government) capaz de regular o embate entre os vários atores políticos
que concorrem entre si, e a Democracia é um processo pelo qual se elege
e se estabelece o exercício de um governo legitimado por decisão da
maioria. O acento é dado, agora, pelo liberalismo, à autonomia privada
enquanto exercício da autonomia moral e da escolha racional.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 68 14/04/2015 11:04:42


cAPÍTULO 2
REPUBLI CANISMO E LIBERALISMO DA RELAÇÃO ENTRE CONSTITUCIONALISMO E DEMO CRACIA NO 69
MARCO DAS TRADIÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO

Acentuando, assim, compreensões divergentes sobre o Direito (e


dos direitos), bem como da política, da Constituição e da Democracia,
as tradições republicana e liberal contribuíram para a formação da
linguagem e do imaginário políticos dos últimos séculos.
Entretanto, se nos próximos capítulos quisermos levar a
sério tanto a autonomia pública quanto a autonomia privada dos
coassociados jurídicos, em sua cooriginalidade e equiprimordialidade,
teremos de renunciar ao reducionismo representado pelas tentativas
republicanas e liberais de fundamentação ética ou então moral do
constitucionalismo e da democracia e, nesse sentido, reconstruir a
relação entre esses últimos e a autonomia, em todas as suas dimensões,
de forma que tais conceitos não mais se oponham, nem se excluam.
Teremos, justamente, de superar o paradoxal legado das duas grandes
tradições do pensamento político moderno.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 69 14/04/2015 11:04:42


CAPÍTULO 3

DEMOCRACIA E
CONSTITUCIONALISMO NO MARCO DO
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:
DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO
DAS TRADIÇÕES REPUBLICANA E
LIBERAL POR MEIO DE UMA VISÃO
PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E
DA POLÍTICA DELIBERATIVA

3.1 Introdução
Republicanismo e liberalismo são duas tradições do pensamento
político moderno que informam o debate político-jurídico dos últimos
séculos. Como vimos no capítulo anterior, apresentam modelos que,
preocupados não tanto em explicar ou descrever processos políticos
concretos, levantam a pretensão de fundar a política em termos
normativo-idealizantes.
Ta i s m o d e l o s t ê m p e r d i d o m u i t o d o s e u p o d e r d e
convencimento por não levarem em consideração a complexidade
da sociedade atual, ao manterem, por exemplo, um modelo de
sociedade composta por indivíduos e centrada no Estado, ou,
mais especificamente, no caso republicano, ao pressuporem uma
homogeneidade ético-cultural como base da democracia, pouco ou
nada são capazes de se articularem a uma análise empírica no nível
dos processos políticos concretos, em nossas sociedades complexas,
descentradas e pluralistas.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 71 14/04/2015 11:04:43


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
72 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Assim, apesar de o modelo liberal levar a sério o chamado


“fato do pluralismo razoável” (John Rawls), ele é excessivamente
céptico, porque tende a reduzir o debate político, à luz de um
modelo econômico do mercado, a uma mera disputa entre os atores
políticos, e não explica, de modo consistente, como atores voltados
exclusivamente para a satisfação de interesses próprios podem
concordar acerca das normas que irão reger, de forma imparcial,
sua vida em comum.
Essa afirmação deve ser tomada com certo cuidado, tratando-se da
posição de John Rawls, apresentada em Political Liberalism (1993a), pois
ela tende a romper com uma concepção “mercadológica” da política,
presente em outros autores liberais. Embora não seja necessário analisar,
aqui, de modo exaustivo a teoria política de Rawls, cabe ressaltar que a
Teoria Política da Justiça como Equanimidade (Justice as Fairness),48 em
sua versão mais atual, tende a abandonar uma perspectiva, tão presente
em 1971 (RAWLS, 1971, p. 4), de uma teoria da escolha racional. A partir
de trabalhos posteriores (RAWLS, 1993b) à obra A Theory of Justice (1971),
a teoria de John Rawls tem procurado tornar-se o que esse filósofo norte-
americano chama de “Construtivismo Político” (Political Constructivism)
(RAWLS, 1993a, p. 89 et seq.), em que a linguagem do contratualismo
ressurge como estratégia de exposição, a fim de explicar, por meio da
ideia de “posição original” (original position), que como um todo é um
“mecanismo de representação” (device of representation) dos cidadãos
livres e iguais em uma sociedade bem ordenada (RAWLS, 1993a, p.
22 et seq.), como os princípios da justiça49 podem ser selecionados e
não escolhidos pelas “partes”. Assim, um modelo do mercado estaria
abandonado, já que, para John Rawls,

48
Traduzimos o termo inglês fairness por equanimidade e não por equidade, para marcar o
contexto não aristotélico da Teoria da Justiça apresentada por John Rawls, uma concepção
que se pretende procedimental e não substantivista.
49
Segundo Rawls, os princípios da justiça selecionados pelas partes na posição original
devem ser, assim, enunciados: “a). Toda pessoa tem igual direito a um esquema
plenamente adequado de liberdades fundamentais iguais, o qual seja compatível com
um esquema similar de liberdades para todos; b). As desigualdades sociais e econômicas
devem satisfazer a duas condições. Primeiro, devem estar associadas a cargos e a posições
abertos a todos, em condições de uma equitativa igualdade de oportunidades; e, segundo,
devem proporcionar o maior benefício aos membros menos favorecidos da sociedade”
(RAWLS, 1993a, p. 291) A mudança em relação à anterior formulação do primeiro princípio,
explica Rawls, está em que a expressão “um esquema plenamente adequado” substitui a
expressão “o sistema total o mais extenso”, tal como se encontra em Theory (RAWLS,
1971, p. 250; p. 302), o que leva à inserção dos termos “o qual” antes de “compatível”. Tais
alterações visam, segundo Rawls, afastar um “critério de maximização” (maximin) das
liberdades, que poderia estar subjacente à formulação original (RAWLS, 1993a, p. 331).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 72 14/04/2015 11:04:43


cAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO:
DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DAS TRADIÇÕES REPUBLI CANA E LIBERAL POR MEIO DE UMA VISÃO
73
PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E DA POLÍTI CA DELIBERATIVA

[...] o que é fundamental [para a democracia] é um procedimento político


que assegure a todos os cidadãos plena e efetiva voz em um esquema
equânime de representação “(in a fair scheme of representation)”. Tal
esquema é fundamental porque a proteção adequada de outros direitos
fundamentais [além das liberdades de base] depende dele. A igualdade
formal não é suficiente. (RAWLS, 1993a, p. 361).

O liberalismo político, com essa compreensão do processo


político, pretende apresentar uma concepção política e liberal de
justiça, a fim de buscar resolver o que seria o grande tema da filosofia
política atual: o de como ordenar a sociedade de modo a que seja justa,
estável e democrática, dado o fato do pluralismo razoável de visões de
mundo e modos de vida (RAWLS, 1993a). Uma concepção política de
justiça, segundo Rawls, é caracterizada por três elementos. O primeiro
diz respeito ao seu objeto: embora contenha certos ideais, princípios
e standards, e que esses ideais, princípios e standards articulem certos
valores (nesse caso, valores políticos), Rawls esclarece que uma concepção
política de justiça não se aplica a qualquer coisa, mas tão somente à
“estrutura de base da sociedade” e, no seu caso, à estrutura de base de
uma sociedade democrática moderna (RAWLS, 1993a, p. 11). O segundo
elemento refere-se a uma concepção política de justiça que se apresenta
como uma “visão independente” (freestanding view) de qualquer doutrina
compreensiva (RAWLS, 1993a, p. 12). Já o terceiro elemento é o de que o
conteúdo de tal concepção é expresso por certas ideias fundamentais,
implícitas, segundo Rawls, na cultura política pública de uma sociedade
democrática: a sociedade é um sistema de cooperação no tempo, de
geração em geração; os cidadãos que cooperam são pessoas livres e
iguais; uma sociedade bem ordenada é uma sociedade efetivamente
regulada por uma concepção política de justiça (RAWLS, 1993a, p. 13-
14). Tais ideias, ainda, segundo Rawls, podem apoiar-se num “consenso
por sobreposição” (overlapping consensus), o que garantiria estabilidade e
viabilidade (RAWLS, 1993a, p. 15). E o que caracteriza, segundo Rawls,
o conteúdo de uma concepção política liberal de justiça? Primeiro, o fato
de especificar certos direitos, liberdades e oportunidades fundamentais;
segundo, a prioridade especial que atribui a esses direitos, liberdades
e oportunidades, especialmente diante de pretensões do bem geral e a
valores perfeccionistas; e, terceiro, por estabelecer meios que assegurem
a todos os cidadãos as condições adequadas para o uso efetivo desses
direitos, liberdades e oportunidades (RAWLS, 1993a, p. 6).
Todavia, um acentuado caráter monológico parece persistir, pois
o que, em última análise, garantiria a “razoabilidade” (o senso de justiça

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 73 14/04/2015 11:04:43


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
74 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

e a capacidade de honrar os termos da cooperação social) nos processos


de justificação/construção e de aplicação/estabilização dos princípios
da justiça seriam restrições formais e materiais impostas e dadas, desde
o início (RAWLS, 1993a, p. 103), à “racionalidade” (capacidade para se
ter uma concepção de vida boa), tanto dos cidadãos, no debate político,
quanto das partes que os representam, na posição original. Ainda que
a posição original seja tão somente um “mecanismo de representação”,
no sentido de esclarecer o que seria o ponto de vista político ou moral
da imparcialidade, ela torna o raciocínio prático extremamente solitário
e limitado quanto aos temas. Segundo Rawls, “podemos adentrar
essa posição a qualquer momento, simplesmente raciocinando por
princípios de justiça, de acordo com as restrições [...] de informação”
(RAWLS, 1993a, p. 27) acerca da nossa própria concepção do bem e da
situação social e cultural em que nos encontramos. Assim, também, a
concepção desenvolvida por Rawls de Public Reason, ou de “uso público
da razão”. Ela remete a política e a esfera pública ao Estado e aos seus
fóruns oficiais, excluindo de um “uso público da razão” os debates
empreendidos pela sociedade civil, bem como constrange as questões
públicas e políticas a uma agenda fechada e predefinida de temas, que
exclui qualquer questão que esteja relacionada às diversas formas ou
modos de vida presentes na sociedade (RAWLS, 1993a, p. 212 et seq.).
Faltam diálogo, abertura e discursividade à concepção da política e do
público proposta por Rawls (HABERMAS; RAWLS, 1997; CATTONI
DE OLIVEIRA, 1998b; KUKATHAS; PETIT, 1995).
A posição rawlsoniana poderia ser criticada, também, no sentido
de que pressupõe uma noção bastante restritiva, típica do liberalismo,
do que sejam “questões constitucionais essenciais”, inclusive e apesar
de Rawls dizer que seu objeto de análise é filosófico-político e não uma
“questão de Direito”.
O modelo republicano, por outro lado, embora possua a vantagem
de compreender a política como algo mais que uma simples concorrência
entre atores políticos, que visam satisfazer interesses próprios, diversos e
divergentes, e procure resgatar a “dignidade da política” (Hannah Arendt),
considerando-a como uma forma dialógica de integração social, é um
modelo excessivamente normativo, pois tende a reduzir o debate político
a um processo de autoesclarecimento coletivo, sobre um modo ou projeto de
vida que se pressupõe comum, com base num forte consenso ético. Assim,
embora autores republicanos comunitaristas como Michael Walzer (1993;
1997) e Charles Taylor (1993; 1997) se considerem defensores do pluralismo
social e cultural, é preciso lembrar que para eles as decisões políticas só se
justificam de forma relativa e à luz de valores comunitários prevalecentes,

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 74 14/04/2015 11:04:43


cAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO:
DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DAS TRADIÇÕES REPUBLI CANA E LIBERAL POR MEIO DE UMA VISÃO
75
PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E DA POLÍTI CA DELIBERATIVA

e nunca de forma imparcial. A justiça é, assim, considerada tão somente


como um bem coletivo entre outros, comunitariamente interpretado. A
importância do pluralismo residiria, no máximo, apenas na necessidade da
tolerância e do desenvolvimento de uma “política de reconhecimento” de
identidades e de diferenças entre as diversas comunidades ético-políticas
(TAYLOR, 1993; HABERMAS, 1998b, p. 203 et seq.; APEL, 1994). Ora, como
veremos neste capítulo, os discursos éticos acerca do bem fazem parte do
debate político, mas este não se reduz àqueles: como assevera Habermas
(1995b, p. 107-121), no contexto das sociedades complexas modernas,
marcadas por uma pluralidade de formas de vida racionais, bem como
por imperativos sistêmico-funcionais, argumentos éticos sobre o que é
o bem são temperados por questões pragmáticas de interesse, à luz de
razões morais sobre o que é justo, possibilitando, senão a construção de
consensos, ao menos a formação de compromissos políticos sob condições
equânimes. Para o modelo republicano, a Democracia só seria possível
em sociedades ou em comunidades culturalmente homogêneas, em
que uma forte educação cívica possibilitaria a formação de cidadãos
conscientes e virtuosos, capazes, por isso, de realizar os valores
consagrados e refletidos na Constituição.
Com isso não queremos dizer que a análise de processos políticos
possam prescindir de uma perspectiva normativa e renunciar, quer em
termos da teoria da ação, como é o caso da Teoria da Escolha Racional,50 quer
em termos da Teoria dos Sistemas,51 a qualquer abordagem participante, ou
que não seja possível reconstruir uma visão alternativa aos modelos liberal
e republicano, já que, com Habermas (1997b, v. 2, p. 9), acreditamos que
qualquer um que queira compreender adequadamente o funcionamento
de um sistema político organizado constitucionalmente, inclusive num
nível empírico, não pode deixar de referir-se à força legitimadora da
gênese democrática do Direito. Para isso, não é preciso compreender,
quer em termos de um hiato entre ideal e real a ser preenchido, quer em
termos de uma filosofia da história fundada numa dialética que tudo
reconcilia porque tudo suprime, a relação entre idealidade e faticidade dos
processos jurídicos e políticos em geral.
Este capítulo tratará, em primeiro lugar, de expor e de
desenvolver a teoria habermasiana da Democracia, que visa superar
os modelos normativos de política deliberativa legados pelas tradições

50
Para uma crítica ao realismo da Teoria da Escolha Racional, ver HABERMAS, 1997b v. 2,
p. 65 et seq.
51
Para uma crítica à Teoria dos Sistemas, ver HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 63-65; p. 74 et seq.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 75 14/04/2015 11:04:43


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
76 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

republicana e liberal. Isso será feito a partir da crítica ao que Habermas


chama de “sobrecarga ética dos discursos políticos”, levada a cabo
pelo republicanismo comunitarista. Num segundo momento, a partir
do marco teorético-discursivo, buscaremos construir uma visão não
conflitiva da relação entre autonomia pública e autonomia privada, e
entre constitucionalismo e democracia, já apontando para uma certa
mudança de perspectiva, que se realizará no próximo capítulo, com
o desenvolvimento de uma teoria da Constituição e uma teoria do
processo constitucional constitucionalmente adequadas ao paradigma
procedimentalista do Estado Democrático de Direito, visando construir
uma compreensão, da jurisdição constitucional e do controle judicial
de constitucionalidade das leis e do processo legislativo.

3.2 A teoria discursiva da democracia, de Jürgen Habermas


Jürgen Habermas introduz, reconstrutivamente, uma nova
concepção de política deliberativa e de Democracia, através da crítica a o
que ele chama de “sobrecarga ética da visão republicana” (HABERMAS,
1995b, p. 111).
Num certo sentido, quando comparado ao modelo liberal,
o modelo republicano de política deliberativa tem a vantagem
de preservar o significado original da democracia, no sentido da
institucionalização de um uso público da razão, exercida conjuntamente
pelos cidadãos, em sua prática política de autodeterminação. O
republicanismo leva, assim, em conta as condições comunicativas que
legitimam o processo político de formação da vontade e da opinião
públicas, condições estas sob as quais se pode esperar que o processo
político produza resultados razoáveis. A confiança republicana na
força legitimadora do uso público da razão contrasta com o ceticismo do
modelo liberal que, como vimos no capítulo 2, compreende o processo
político nos moldes de uma disputa, jurídico e moralmente regulada,
entre interesses estrategicamente orientados. O uso público da razão teria
por objetivo, segundo o modelo republicano, permitir que se discutam
interpretações e orientações de valor, bem como possíveis projetos de
superação de carências e de necessidades comuns.
Para Habermas, republicanos contemporâneos, como Charles
Taylor (1993; 1997), Michael Walzer (1993; 1997), Michael Sandel
(1982) e Alasdair McIntyre (1984; 1991), no entanto, tendem a dar uma
interpretação comunitarista a essa prática comunicativa (MULHALL-
SWIFT, 1997). Segundo Habermas, o modelo comunitarista seria

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 76 14/04/2015 11:04:43


cAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO:
DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DAS TRADIÇÕES REPUBLI CANA E LIBERAL POR MEIO DE UMA VISÃO
77
PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E DA POLÍTI CA DELIBERATIVA

excessivamente idealista, mesmo à luz de uma análise puramente


normativa. Sob tal modelo, o discurso político estaria reduzido tão
somente a questões éticas de autoesclarecimento e autorrealização, em
virtude de uma assimilação da política a um processo hermenêutico
de autorreflexão acerca de uma forma de vida ou de uma identidade
coletiva tidas como compartilhadas. O processo democrático estaria,
assim, dependente das virtudes de cidadãos devotados ao bem comum
e assegurado, em última análise, por um consenso ético de fundo.
Haveria, segundo a visão comunitarista, uma conexão necessária entre
Democracia e comunidade ética concreta consolidada, pois de outro
modo não se poderia explicar como a orientação dos cidadãos para o
bem comum seria possível.
Segundo a corrente comunitarista do republicanismo, uma pessoa
não poderia tornar-se consciente de sua coparticipação em uma forma de
vida específica, e com isso de seu vínculo social anterior, senão em virtude
de uma prática política exercida em comum com outras pessoas. Seria
por meio dessa prática que se obteria um sentido claro das identidades e
diferenças, de quem se é e de quem se gostaria de ser, da sua pertinência
ou não à comunidade política, ou seja, “por meio do intercâmbio
público com outros que devem suas identidades às mesmas tradições
e a processos formativos semelhantes” (HABERMAS, 1995b, p. 112).
Assim, essa é a concepção comunitarista pressuposta à crítica,
por exemplo, apresentada a John Rawls e ao liberalismo em geral,
por Michael Sandel (1982). Segundo Kukathas e Pettit, a essência do
argumento de Sandel é a seguinte:

Para os liberais como Rawls a justiça é a primeira das virtudes das


instituições sociais. Mas para que isso seja assim certas coisas devem ser
verdade: devemos ser ‘criaturas de um determinado tipo, relacionadas
de uma certa forma com as circunstâncias humanas’(Sandel). Temos de
ser pessoas independentes dos nossos interesses e afectos particulares,
capazes de recuar para nos perscrutarmos, apreciarmos e revermos.
Contudo, não é plausível que possamos olhar-nos dessa forma. No
mundo real não podemos libertar-nos dos interesses e lealdades que
não só determinam as nossas obrigações, mas também estabelecem
as nossas identidades. Os liberais como Rawls insistem em que nos
libertemos para podermos identificar os princípios através dos quais
organizamos a nossa associação e defendem que devemos julgar essa
associação pela conformidade com princípios justos. Ao fazê-lo, vivemos
segundo uma moral que escolhemos ou construímos e, por isso, somos
livres. No entanto, esta pretensão não faz sentido porque pressupõe uma
capacidade que não possuímos: a capacidade de escolher ou de construir

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 77 14/04/2015 11:04:43


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
78 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

uma moral sem autoconhecimento ou, na verdade, sem experiência


moral. Os argumentos de Rawls que defendem o primado da justiça
baseiam-se numa concepção do eu (self) que não faz sentido e que, por
isso, não pode fornecer as bases para avaliar as nossas instituições sociais
ou práticas morais. (KUKATHAS; PETIT, 1995, p. 116).

Para Sandel e demais comunitaristas, a finalidade, portanto,


para qual se deve voltar o “raciocínio moral e político” não é a da
formulação de uma normativa independente e neutra perante questões
éticas, como defendem os liberais. Esse “raciocínio” deve voltar-se
para a finalidade da autocompreensão, que só pode ser alcançada
pela autorreflexão conjunta das pessoas, enquanto membros de uma
sociedade, que molda as identidades de cada uma delas. O que importa,
segundo os comunitaristas, não é pretender construir princípios que
nada corresponderiam à nossa identidade ou à nossa comunidade, até
mesmo porque isso seria impossível; mesmo os princípios de justiça
formulados por Rawls pressupõem uma determinada forma de vida,
correspondente ao “atomismo do século XVII” (TAYLOR, 1997, p.
253-254). O que importa antes de tudo é perguntarmo-nos a respeito
de quem somos e do que é bom para nós, enquanto membros de uma
comunidade concreta, enquanto seres cujas identidades são moldadas
por essa comunidade. Quem somos e, daí, o que é bom para nós, estas
devem ser consideradas as indagações centrais da política e os objetos
centrais de nossas reflexões práticas.
É bastante longa a crítica de Habermas (1995b, p. 111 et seq.) à
concepção comunitarista de política deliberativa, mas que pode ser
resumida pelos seguintes pontos:
Tal redução dos discursos políticos a questões éticas não combina
com a função dos processos legislativos em que tais discursos surgem.
Razões éticas são levadas em consideração no processo legislativo
democrático e a legislação contém elementos teleológicos, mas isso não
significa que as leis representem meramente a explicação hermenêutica
de orientações de valor compartilhadas. Por sua própria estrutura, as
leis são determinadas, antes de tudo, pela questão de se saber quais
normas os cidadãos devem adotar para regular sua vida em comum.
As questões éticas são certamente parte importante da política.
Contudo, devem estar subordinadas às questões morais (de justiça)
e ligadas às questões pragmáticas (de interesse). Se por um lado, na
política legislativa, deve-se levar em consideração o que é bom não
somente para nós, enquanto comunidade concreta, mas abrir-se ao
que é justo, no igual interesse de todos – uma questão que transborda

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 78 14/04/2015 11:04:43


cAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO:
DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DAS TRADIÇÕES REPUBLI CANA E LIBERAL POR MEIO DE UMA VISÃO
79
PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E DA POLÍTI CA DELIBERATIVA

particularismos –, por outro há de se reconhecer que compromissos


constituem a maior parte dos processos políticos, sob as condições
políticas determinadas pelo pluralismo axiológico, cultural, religioso,
entre outras, na atual sociedade complexas. Muitos objetivos políticos
acabam por ser selecionados com base em interesses e orientações
de valor que não são, por vezes, compartilhados por todos, dando
margem a negociações e a orientações estratégicas, cujos âmbitos devem
encontrar-se previamente regulados. Segundo Habermas,

[...] diferentemente da constrição ética do discurso político, o conceito


de política deliberativa somente adquire referência empírica quando
levamos em consideração a multiplicidade das formas comunicativas
da formação política e racional da vontade [...] a política deliberativa
deve ser concebida como uma síndrome que depende de uma rede
bem regulamentada de processos de negociação e de várias formas de
argumentação, incluindo discursos pragmáticos, éticos e morais, cada
um deles tendo como base diferentes pressupostos e procedimentos
comunicativos. Na política legislativa, o fornecimento de informação
e a escolha racional de estratégias estão entrelaçados com o equilíbrio
de interesses, com a consecução de uma autocompreensão ética e a
articulação de fortes preferências, e com a justificação moral e as provas
de coerência legal. (HABERMAS, 1995b, p. 114).

Partindo desse conceito procedimentalista da política deliberativa,


à Teoria Discursiva da Democracia corresponde um modelo de
sociedade descentrada:

A teoria do discurso apropria-se de elementos dessas duas visões


[liberal e republicana], integrando-os no conceito de procedimento
ideal para deliberação e tomada de decisão. Entrelaçando considerações
pragmáticas, compromissos, discursos de autocompreensão e de
justiça, esse procedimento democrático tem a presunção de que, dessa
maneira, se obtêm resultados razoáveis e justos. De acordo com essa
visão procedimentalista, a razão prática afasta-se dos direitos humanos
universais, ou da substância ética concreta de uma comunidade
específica, para adequar-se às regras do discurso e às formas de
argumentação. Em última análise, o conteúdo normativo surge da
própria estrutura das ações comunicativas. (HABERMAS, 1995b, p. 115).

É nesse sentido que, segundo Habermas (1995b, p. 117), a Teoria


Discursiva da Democracia reveste o processo democrático de conotações
normativas mais fortes que as encontradas no modelo liberal, mas mais
fracas que as encontradas no modelo republicano:

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 79 14/04/2015 11:04:43


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
80 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Em consonância com o Republicanismo, a teoria do discurso dá


destaque ao processo de formação política da vontade e da opinião,
sem, no entanto, considerar a Constituição como elemento secundário.
Ao contrário, concebe os princípios do Estado Constitucional como
resposta consistente à questão de como podem ser institucionalizadas
as exigentes formas comunicativas de uma formação democrática da
vontade e da opinião. (HABERMAS, 1995b, p. 117).

Portanto, como afirma Habermas (1995b, p. 120), as tradições


republicana e liberal esgotariam as alternativas se tivéssemos de conceber
o Estado e a sociedade em termos do todo e suas partes, sendo o todo
constituído ou por um corpo soberano de cidadãos, como no modelo
republicano, ou por uma Constituição mecanicamente reguladora de
um processo político, pensado nos moldes do mercado, como no caso
do modelo liberal. Todavia, isso não é correto, nem necessário.

3.3 A inter-relação entre democracia e constitucionalismo


numa visão procedimentalista do direito e da política
deliberativa – uma aproximação
A perspectiva desenvolvida pela Teoria Discursiva da Democracia
é fundamental para a reconstrução de uma visão não conflitiva tanto
da relação entre autonomia pública e autonomia privada quanto da
relação entre constitucionalismo e democracia.
A Teoria Discursiva da Democracia sustenta que o êxito da política
deliberativa depende da institucionalização jurídico-constitucional dos
procedimentos e das condições de comunicação correspondentes,
e considera os princípios do Estado Constitucional como resposta
consistente à questão de como podem ser institucionalizadas as
exigentes formas comunicativas de uma formação democrática da
vontade e da opinião políticas.
Uma soberania popular reconstruída em termos
procedimentalistas e um sistema político ligado às redes periféricas da
esfera pública andam de mãos dadas com uma imagem de sociedade
descentrada. O modelo procedimental reinterpreta a esfera público-
política enquanto arena para a detecção, identificação e interpretação
dos problemas que afetam a sociedade.

No paradigma procedimental do direito, a esfera pública [não] é


tida [simplesmente] como a ante-sala do complexo parlamentar
[mas também] como periferia que [influencia] o centro político, [da]

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cAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO:
DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DAS TRADIÇÕES REPUBLI CANA E LIBERAL POR MEIO DE UMA VISÃO
81
PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E DA POLÍTI CA DELIBERATIVA

qual se originam os impulsos: ela exerce influência sobre o estoque


de argumentos normativos, porém sem a intenção de conquistar
partes do sistema político. Através dos canais de eleições gerais e de
formas de participação específicas, as diferentes formas de opinião
pública convertem-se em poder comunicativo, o qual exerce um
duplo efeito: a) de autorização sobre o legislador, e b) de legitimação
sobre a administração reguladora; ao passo que a crítica do direito,
mobilizada publicamente, impõe obrigações de fundamentação mais
rigorosas a uma justiça engajada no desenvolvimento do direito.
(HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 187).

A ideia de um “eu” coletivo, tanto uma volonté genérale que


reflete a totalidade e age em seu nome, como no modelo republicano,
quanto o de conjunto de atores individuais que atuam como
variáveis dependentes em processos sistêmicos que se desenvolvem
aleatoriamente, como no modelo liberal, desaparecem nas “formas
de comunicação sem sujeito”,52 que regulam o fluxo das deliberações,
de modo tal que seus resultados falíveis se revestem da presunção
de racionalidade. “[N]o Estado democrático de direito, tido como a
morada de uma comunidade jurídica que se organiza a si mesma, o
lugar simbólico de uma soberania diluída pelo discurso permanece
vazio” (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 188).
Como argumenta Habermas (1995b, p. 120), tal compreensão não
renuncia às intuições radicais ligadas à ideia de soberania popular, mas
a reinterpreta em termos intersubjetivos:53

A soberania popular, mesmo quando se torna anônima, retrocede


aos procedimentos democráticos e à implementação legal de seus
exigentes pressupostos comunicativos só para se fazer sentir como um
poder engendrado comunicativamente. No sentido estrito da palavra,
esse poder comunicativo deriva das interações entre a formação da
vontade institucionalizada juridicamente e os públicos mobilizados
culturalmente. Estes últimos, por seu turno, encontram fundamento
nas associações de uma sociedade civil completamente distinta tanto
do Estado quanto do mercado. (HABERMAS, 1995b, p. 120).

52
Segundo Habermas, “só uma democracia entendida nos termos da teoria da comunicação é
também possível sob as condições das sociedades complexas” (HABERMAS, 1997a, p. 147).
53
Para uma crítica fundada na Teoria dos Sistemas às “semânticas” da soberania popular,
liberal ou republicana, no sentido, inclusive, da sua superação, ver MAGALHÃES, 1998,
p. 361-369.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 81 14/04/2015 11:04:43


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
82 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

É nesse sentido que, sob o paradigma procedimentalista do Estado


Democrático de Direito e com base numa visão procedimentalista do
Direito e da política deliberativa, constitucionalismo e democracia não
mais se opõem.
O constitucionalismo e, portanto, a própria Constituição,
não pode mais ser compreendido, quer em termos liberais, como a
defesa de uma esfera privada e do exercício da autonomia enquanto
“liberdade negativa”, naturalisticamente concebidas, contra o
público; quer em termos republicanos, como a defesa de uma
estabilidade ético-política, que se realiza pelo exercício da autonomia
enquanto “liberdade positiva”.
E a Democracia não pode ser concebida, quer em termos liberais,
como uma mera disputa de mercado regulada mecanicamente por
regras que legitimam a escolha de um governo comprometido com os
interesses majoritários daqueles que supostamente representa; quer em
termos republicanos, como um processo autocompreensivo pelo qual
a identidade ética presumidamente homogênea de uma comunidade
concreta se realiza.
A partir do momento que se supera tanto a concepção republicana
de política deliberativa, como autorrealização ética, quanto a concepção
liberal de política deliberativa, como mera disputa de interesses, a
Constituição, do Estado Democrático de Direito, para articular-se com
uma visão procedimentalista da Democracia, não pode ser reduzida,
como no quadro do paradigma do Estado Liberal (BARACHO JÚNIOR,
1998, p. 13 et seq.; CARVALHO NETTO, 1996, p. 128-131; CATTONI DE
OLIVEIRA, 1998 a, p. 37 et seq.), a um mero instrument of government,
garantidor de uma esfera privada de livre-arbítrio perante o poder
administrativo-estatal. Sob as condições de uma sociedade complexa
como a atual, o sistema de direitos fundamentais não pode mais ser
interpretado à luz dos históricos direitos liberais de defesa da esfera
privada contra o Estado. O exercício da autonomia privada encontra-se
ameaçado não apenas por uma Administração Público-Estatal, tantas
vezes privatizada e desvinculada da formação do poder comunicativo,
mas também por posições de poder social e econômico (HABERMAS,
1997b, v. 1. p. 326). Estes últimos devem ser, também, domesticados
pelos princípios do Estado Democrático de Direito, por meio da garantia
de maior igualdade de oportunidades sociais, de acesso ao processo
de formação do poder político-estatal, da permanente redefinição
do público e do privado, pelo reconhecimento de “novos” direitos
fundamentais e da abertura constitucional a um processo público e
plural da interpretação jurídica.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 82 14/04/2015 11:04:43


cAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO:
DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DAS TRADIÇÕES REPUBLI CANA E LIBERAL POR MEIO DE UMA VISÃO
83
PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E DA POLÍTI CA DELIBERATIVA

Todavia, com isso não se pode conceber a Constituição, nos


termos do paradigma do Estado de Bem-Estar Social (BARACHO
JÚNIOR, 1998, p. 64 et seq.; CARVALHO NETTO, 1996, p. 138-140;
CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 40 et seq.), como uma ordem
jurídica total que estabeleceria, aprioristicamente, uma única forma
de vida à sociedade como um todo, como pretensa condição para
o exercício das liberdades individuais e políticas. Como considera
Habermas, “se ‘utopia’ é o nome do projeto ideal que configura
uma forma de vida concreta, então a Constituição, entendida como
um projeto, não é uma utopia social, nem um substitutivo para ela”
(HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 189).
Com o paradigma procedimentalista do Estado Democrático
de Direito,54 a partir do momento em que se supera tanto a concepção
de liberdade pública, “positiva”, como autodeterminação ética
(Republicanismo), quanto a de liberdade privada, “negativa”, como
autodeterminação moral ou como escolha racional (Liberalismo), e,
juridicamente, passa-se a compreender a liberdade pública e a liberdade
privada como faces da mesma moeda (BARACHO JÚNIOR, 1998,
p. 237 et seq.), a Constituição,55 para articular-se com uma visão
procedimentalista da política deliberativa e da Democracia, deve
ser compreendida, fundamentalmente, como a interpretação e a
configuração de um sistema de direitos fundamentais,56 que apresenta
as condições procedimentais de institucionalização jurídica das formas
de comunicação necessárias para uma legislação política autônoma;
ou seja, das condições procedimentais que configuram e garantem,
em termos constitucionais, um processo legislativo democrático
(HABERMAS, 1998b, p. 259).

54
Segundo Habermas, o paradigma procedimentalista do Direito se apoia nas seguintes
premissas: “a) o caminho de volta, propalado pelo neoliberalismo através do mote ‘retorno da
sociedade burguesa e de seu direito’, está obstruído; b) o apelo que nos incita a ‘redescobrir o
indivíduo’ é provocado por um tipo de juridificação no interior do Estado social, que impede
reconstruir a autonomia privada; c) o projeto do Estado social não pode ser simplesmente
congelado ou interrompido: é preciso continuá-lo num nível de reflexão superior. O que
se tem em mente é domesticar o sistema econômico capitalista, ‘transformando-o’, social e
ecologicamente, por um caminho que permita ‘refrear’ o uso do poder administrativo, sob
dois pontos de vista: o da eficácia, que lhe permita recorrer a formas mitigadas de regulação
indireta, e o da legitimidade, que lhe permita retroligar-se ao poder comunicativo e imunizar-
se contra o poder ilegítimo.” (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 147-148).
55
Sobre tal compreensão de Constituição, ver também o próximo capítulo.
56
Reconstrutivamente, segundo Habermas, esses direitos fundamentais são os seguintes:
a) direitos a iguais liberdades subjetivas; b) a iguais direitos de pertinência; c) à garantia
do direito à tutela jurisdicional; d) à elaboração legislativa autônoma; e e) direitos
participatórios (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 159 et seq.).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 83 14/04/2015 11:04:43


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
84 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Assim, a soberania popular assume forma jurídica, por meio do


processo legislativo democrático, que faz valer o nexo interno entre
autonomia pública e autonomia privada dos cidadãos, concebidas,
desde o início, como dimensões cooriginárias e equiprimordiais
da autonomia jurídica (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 310-311; 1998b,
p. 260). Em outros termos, uma soberania popular interpretada
procedimentalmente garante que as duas dimensões da autonomia
jurídica se articulem reciprocamente, pois os destinatários das normas
jurídicas vigentes, enquanto sujeitos jurídicos privados, pelo processo
legislativo democrático que se realiza por meio da mediação jurídica
entre canais institucionalizados e não institucionalizados de formação
da vontade e da opinião políticas, enquanto cidadãos, tornam-se os
autores dos seus próprios direitos e deveres (HABERMAS, 1997b,v. 1,
p. 113 et.seq.; 1998b, p. 260-261). Nesse sentido é que se pode dizer que
a separação entre autonomia privada e autonomia pública, as duas
dimensões da autonomia jurídica, resulta apenas do fato de o caráter
positivado, institucional, do Direito moderno exigir uma separação de
papéis não presente, por exemplo, na Moral (que apresenta um conceito
unitário de autonomia).
Sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, o exercício
da autonomia jurídica ramifica-se, assim, no uso público das liberdades
políticas (“liberdades comunicativas”) e no uso privado das liberdades
individuais (“liberdades subjetivas”), sem que se reduza à autonomia
moral ou à escolha racional, como consideram os liberais, e sem poder
ser interpretado simplesmente à luz do direito à autorrealização ética,
como advogam os republicamos. Vista em toda sua integridade, a
autonomia jurídica, em suas dimensões pública e privada, compõe-se,
então, de três elementos distintos: da autonomia dos cidadãos, exercida
em comum, da capacidade para uma escolha racional e do direito à
autorrealização ética (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 311), cujo nexo deve
ser garantido pelo processo de mediação jurídica que representa o
processo legislativo democrático.57
Sob o paradigma procedimentalista do Estado Democrático
de Direito, a Constituição e o Direito Constitucional não limitam a

Nesse sentido, pode-se dizer que, para uma teoria discursiva do Direito e da Democracia,
57

diferentemente da tradição republicana e de sua corrente comunitarista, a autonomia


jurídica é um direito e não um bem, entre outros, que tem por finalidade satisfazer a
necessidades humanas, ainda que primordiais. O seu exercício, enquanto garantia do
direito à autorrealização, é que pode viabilizar a satisfação de necessidades primordiais
e de vida digna. Sobre a complexidade do tema e acerca das múltiplas dimensões da
autonomia, ver GUSTIN, 1997.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 84 14/04/2015 11:04:43


cAPÍTULO 3
DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO:
DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DAS TRADIÇÕES REPUBLI CANA E LIBERAL POR MEIO DE UMA VISÃO
85
PROCEDIMENTALISTA DO DIREITO E DA POLÍTI CA DELIBERATIVA

Democracia; esta pressupõe aqueles, já que é por meio da mediação


jurídica entre canais institucionais e não institucionais, regulados e
não regulados, que a soberania popular se manifesta enquanto poder
comunicativo. Ao contrário de uma visão típica do liberalismo, os
direitos fundamentais, assim como os demais princípios constitucionais,
não podem ser considerados como uma restrição externamente imposta
ao exercício da soberania popular, pois são justamente esses princípios
e direitos constitucionais que possibilitam a institucionalização jurídica
do exercício de um uso público das liberdades políticas dos cidadãos
em sua prática cívica de autodeterminação (HABERMAS, 1998b, p. 259).
Assim, no próximo capítulo, poderemos afirmar que, por um
lado, no marco da Teoria Discursiva da Democracia, “[s]omente as
condições processuais para a gênese democrática das leis asseguram
a legitimidade do direito” (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 326) e que,
por outro lado,

[...] o substrato social, necessário para a realização do sistema de direitos,


não é formado pelas forças de uma sociedade de mercado operante
espontaneamente, nem pelas medidas de um Estado do bem-estar
que age intencionalmente, mas pelos fluxos comunicacionais e pelas
influências públicas que procedem da sociedade civil e da esfera pública
política, os quais são transformados em poder comunicativo pelos
processos democráticos. (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 186).

No próximo capítulo, procuraremos desenvolver e utilizar,


em termos teorérico-constitucionais, essa visão não conflitiva da
relação entre constitucionalismo e democracia, visando construir
uma compreensão constitucionalmente adequada ao paradigma
procedimentalista do Estado Democrático de Direito, da jurisdição
constitucional e do controle judicial de constitucionalidade das leis e
do processo legislativo.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 85 14/04/2015 11:04:43


CAPÍTULO 4

TEORIA DISCURSIVA DA
CONSTITUIÇÃO E PROCESSO
CONSTITUCIONAL

4.1 Introdução
No capítulo anterior, buscamos caracterizar, em linhas gerais,
uma Teoria da Democracia capaz de superar os dilemas a que foram
levadas as tradições liberal e republicana, quanto à compreensão da
relação entre autonomia pública e autonomia privada, por um lado, e,
fundamentalmente, entre constitucionalismo e democracia, por outro.
Como vimos, se quisermos, da perspectiva da Teoria Discursiva da
Democracia, levar a sério o nexo entre autonomia pública e autonomia
privada, enquanto duas dimensões em que a autonomia jurídica se
espraia, a soberania popular deverá ser vista como poder comunicativo
que, ao derivar das interações entre a formação da vontade política
institucionalizada e os públicos mobilizados culturalmente da sociedade
civil, é mediada juridicamente pelo processo legislativo democrático.
Desse modo é que a Constituição deverá ser compreendida como
a institucionalização de condições processuais para a formação da
vontade e da opinião políticas e como instância de reconhecimento
reflexivo de espaços públicos e privados abertos à interpretação que,
presente a tensão entre faticidade e validade, pretendem garantir o
exercício das autonomias pública e privada dos coassociados jurídicos.
Neste e no próximo capítulo, procuraremos, com base na
reconstrução da relação entre constitucionalismo e democracia,
empreendida a partir da Teoria Discursiva da Democracia, apresentar uma

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justificação democrática do controle judicial de constitucionalidade das


leis e do processo legislativo adequada ao paradigma procedimentalista
do Estado Democrático de Direito. Para isso, procuraremos demonstrar,
da perspectiva de uma Teoria da Constituição adequada ao paradigma
jurídico do Estado Democrático de Direito, em constante diálogo com
a Teoria Geral do Processo, como essa reconstrução poderá informar e
conformar a justificação democrática do referido controle.
O que pretendemos realizar, portanto, não é um estudo geral
ou sistemático do Direito Constitucional Processual,58 mas algo mais
específico. Antes de tudo, uma reflexão sobre o sentido democrático
da jurisdição constitucional e, mais especificamente, dos fundamentos
pós-metafísicos de legitimidade democrática do controle judicial de
constitucionalidade das leis e do processo legislativo, assim como do
conjunto de normas jurídicas que organiza e instrumentaliza o exercício
da jurisdição constitucional e, por consequência, do controle judicial de
constitucionalidade, o Direito Processual Constitucional.59
Contudo, para estudar a jurisdição constitucional e o controle
judicial de constitucionalidade das leis e do processo legislativo,
não poderemos prescindir da chave interpretativa (ANDOLINA;
VIGNERA, 1990, p. 13) do Direito Constitucional Processual, no marco
da Teoria da Constituição e da Teoria do Processo que possibilitem
sua reconstrução interpretativa adequada, pois é o estudo deste que
possibilita compreendemos não somente o Processo Constitucional,
mas todo e qualquer processo.
Afinal, qual Teoria da Constituição, que ao se ligar à Teoria Geral
do Processo, pode oferecer, em termos constitucionalmente adequados,
a chave interpretativa do Direito Constitucional Processual, com vista

58
O estudo do Direito Constitucional Processual (THEODORO JÚNIOR, 1987, p. 43), dos
princípios constitucionais que integram o chamado “modelo constitucional do processo”
(ANDOLINA; VIGNERA, 1990), é fundamental para a compreensão do papel que a
Constituição reserva para o processo jurisdicional, esse instrumento pelo qual não só é
exercido o Poder Jurisdicional, mas também é viabilizada a garantia constitucional de se
submeter uma (pretensão de) lesão, ou (de) ameaça de lesão, a direito, à apreciação do
Poder Judiciário. Somente por meio desse estudo é que se pode reconstruir adequadamente
os institutos do Direito Processual. Assim como há uma relação fundamental entre
Constituição e processo no plano jurídico-normativo, hoje, mais que ontem, a Teoria
Geral do Processo depende de uma Teoria da Constituição que a guie no seu trabalho não
somente jurídico-dogmático, mas também crítico-reflexivo.
59
Sobre a distinção entre Direito Constitucional Processual – “princípios constitucionais
do Direito Processual” – e Direito Processual Constitucional ou simplesmente Processo
Constitucional – “normas constitucionais que organizam e instrumentalizam o exercício
da Jurisdição Constitucional”, ver BARACHO, 1984, p. 126 et seq.; NÉRY JÚNIOR, 1996 e
THEODORO JÚNIOR, 1987, p. 44-45.

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
89

precisamente à compreensão do sentido especificamente democrático


da jurisdição constitucional, do controle judicial de constitucionalidade
das leis e do próprio processo legislativo, complementando e ao mesmo
tempo traduzindo as reflexões desenvolvidas no capítulo anterior, no
quadro da Teoria Discursiva da Democracia?

4.2 Teoria Discursiva da Constituição


Em sua famosa obra sobre a Constituição da República de
Weimar, Carl Schmitt (1927, p. 21) reclamava a necessidade de um
estudo sistemático acerca da Constituição,60 estudo esse, nas palavras
do autor, inexistente na Alemanha. Comprometendo-se a realizar tal
tarefa, Schmitt denominou-a Teoria da Constituição.
Mas por que Teoria da Constituição? Por que não Teoria do Estado,
denominação já consagrada, no Direito Público alemão, para o estudo
dos aspectos relacionados ao campo problemático em que Schmitt
gostaria de se deter?
Embora nesse momento, e daí em diante, fosse herdeira de
problemáticas levantadas pela Teoria (e teorias) do Estado, a Teoria da
Constituição proposta por Schmitt buscava justamente impor-se como
disciplina que se diferenciaria e até se oporia, em maior ou menor
medida, às teorias do Estado desenvolvidas em torno das obras de Georg
Jellinek (1954) e de Paul Laband (1901); de Hans Kelsen (1997) e sua
teoria lógico-positivista; de Hermann Heller (1987) e sua teoria partidária
do Constitucionalismo Social nascente; e dos enfoques assumidos pelas
críticas marxistas e por outras correntes ideológico-jurídicas presentes
no debate em torno do Processo Constituinte e dos primeiros tempos de
turbulenta vivência constitucional sob a Constituição de 1919. Para isso,
Schmitt propõe-se a desenvolver intuições que, para ele, já se encontrariam
presentes na obra de Rudolf Smend,61 em seu integracionismo.

60
Schmitt elenca, na primeira parte do seu livro, os conceitos absoluto (todo unitário),
relativo (pluralidade de leis particulares), ideal (em razão do conteúdo) e positivo de
Constituição, A Constituição como decisão de conjunto sobre o modo e a forma da unidade
política. Esse último é o que adota (SCHMITT, 1927, p. 50). Sobre o conceito positivo de
Constituição, ver SCHMITT, 1927, p. 23.
61
Em sua Teoria da Constituição (SCHMITT, 1927, p. 24.), assim se manifestava Schmitt,
acerca do livro de Smend (Constituição e Direito Constitucional): ...”está anunciado um
livro de Rudolf Smend sobre Teoria constitucional. Eu busquei no meu atual trabalho
enfrentar suas anteriores publicações e na confrontação experimentei a riqueza e grande
fecundidade de seus pensamentos. Por isso, lamento de modo singular não conhecer e
poder valorar a esperada exposição de Teoria constitucional”.

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90 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Mais do que uma mera questão quantitativa, de extensão do campo


das diversas disciplinas, estava em jogo, no mínimo, a tentativa de se
realizar uma alteração profunda de perspectiva epistemológica, o enfoque
problematizante típico da Teoria da Constituição.
Essa postura de ruptura, de superação do enfoque e dilemas da
chamada Teoria do Estado, caracterizará o desenvolvimento da Teoria
da Constituição como disciplina autônoma, mesmo em autores que a
partir do segundo pós-guerra e antes disso, tais como Karl Loewenstein
(1976), irão divergir das concepções teorético-políticas schmittianas.
Qual seria hoje, portanto, o campo problemático da Teoria da
Constituição? O que, precisamente, a diferenciaria, p. ex., da Teoria
Geral do Direito Público, das análises francesas das Institutions Politiques
e da Teoria do Estado?
Todas essas disciplinas possuem algo em comum: o estudo do
político da perspectiva de sua institucionalização jurídico-social.
A Teoria Geral do Direito Público trata tal temática a partir
de uma perspectiva interna, ou seja, desenvolve uma reflexão acerca
de quais seriam os princípios jurídico-públicos reconhecidos pelas
diversas ordens jurídicas e que estruturariam o assim chamado Direito
Público. Ou seja, a Teoria Geral do Direito Público pretende reconstruir
conceitualmente os institutos constitucionais em suas características
mais abstratas, genéricas e permanentes, abstraídas da rica diversidade
do constitucionalismo histórico em que os mesmos se densificam,
criando, assim, o que Santi Romano, na Itália, ou Pablo Lucas Verdú,
na Espanha, chamariam de Direito Constitucional Geral.
Todavia, a denominação Teoria Geral do Direito Público não é isenta
de problemas, pois, afinal, assenta-se sempre numa certa distinção entre
esfera pública e esfera privada que, ao contrário de ser algo natural,
embora por vezes naturalizado, é construção histórico-social, podendo ser
interpretada e compreendida através de diversos olhares paradigmáticos.
Não se pode negar, por isso, que as preocupações de uma Teoria Geral do
Direito Público ou a tentativa de delineamento de seu campo problemático
pressupõem categorias tais como público e privado, que entendidas em
termos de diferenciação social são sempre carentes de sentido unívoco.
O estudo das Instituições Políticas, por seu turno, irá analisar
a chamada institucionalização do poder político de modo externo,
de uma perspectiva a partir da qual um observador sociológico ou
cientista político poderia descrever ou compreender a conformação das
forças político-sociais pelo Direito Público, principalmente pelo Direito
Constitucional. E mais, se esse Direito refletiria, e até que ponto,
essas forças. A tentativa de superação da tensão entre um enfoque

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
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normativo e um enfoque empírico se faria, aqui, presente. Embora as


teorias institucionalistas busquem absorver essa tensão, tal ponto de
vista será um tanto temerário para o Direito Constitucional, devido ao
risco sempre presente de se confundir, por meio desse enfoque, validade
jurídico-normativa e facticidade social, legitimidade com mera legitimação.
Quanto à distinção entre Teoria da Constituição e Teoria do
Estado, cabe fazer considerações mais detidas. A Teoria do Estado,
e isso não é um mero jogo de palavras, centra suas análises, acerca
da institucionalização jurídico-social do poder político, no Estado.
O Estado é compreendido como o núcleo de organização política da
totalidade da sociedade. Todas as relações sociais teriam, assim, uma
referência à estrutura do Estado, visto como ponto de convergência da
vida social e das atividades humanas.
Tal concepção que poderemos chamar até certo ponto republicana,
bastante tributária de G.W.F. Hegel, mas também de Aristóteles, tornou-se
mais que problemática com o aumento cada vez maior de complexidade
das sociedades modernas, com o crescente impacto do multiculturalismo,
da globalização e dos desafios colocados pela formação de novos
blocos econômicos e políticos, como é o caso da União Europeia.62 A
anacronicidade desse enfoque torna-se ainda mais evidente se levarmos
em conta o próprio desenvolvimento do instrumental teorético-análitico
da sociologia contemporânea a partir de Talcott Parsons.63
Por um lado, não é mais possível compreender o Estado como a
corporificação e a instância única de estabilização de uma identidade ética,
de uma dada forma de vida e de certos padrões de vida boa (concepção
ainda presente em Smend, Schmitt e mesmo em Loewenstein). Não há
mais, pois, como restringir a esfera pública ao Estado, como atestam os
chamados direitos fundamentais de terceira geração. O público tem que ser
visto hoje como uma dimensão bem mais complexa do que simplesmente
a de um locus estatal, e sim como dimensão discursiva de mobilização
e expressão dos diversos fluxos comunicativos, políticos, artísticos,
científicos, enfim, culturais; o que, inclusive, requereu a profunda revisão
por que passa toda a teoria jurídico-processual.64

62
HABERMAS, 1995a. Sobre o impacto dessas questões no âmbito da Teoria do Estado, ver
LUCAS VERDÚ, 1974, v. 2, p.34 et seq.
63
Exemplos desse desenvolvimento: HABERMAS, 1987 e LUHMANN, 1991. Sobre o
impacto da sociologia contemporânea no estudo do fenômeno estatal, ver CANOTILHO,
1995, p.15-18.
64
P. ex., no Direito brasileiro, com o surgimento da Ação Civil Pública (Lei Federal nº
7.347/85), do Mandado de Segurança Coletivo (Constituição da República, art.5º, LXX) e
das novas ações coletivas do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90).

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92 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para
a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela
os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se
condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos [...]
a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando
apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com
a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana [...] A
esfera pública constitui principalmente uma estrutura comunicacional
do agir orientado pelo entendimento, a qual tem a ver com o espaço
social gerado no agir comunicativo, não com as funções nem com os
conteúdos da comunicação cotidiana. (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 92)

Por outro lado, se até um passado bastante recente, a


homogeneidade artificialmente levada a efeito pelo processo de
formação do chamado Estado-Nação, que propiciara a constituição
de uma identidade política, era vista como indispensável para a
garantia e a manutenção de uma república de cidadãos livres, hoje, a
autoconsciência por parte de uma coassociação de cidadãos livres e
iguais perante o Direito requer o reconhecimento do pluralismo social e
cultural (HABERMAS, 1996b) Assim, a autonomia pública dos cidadãos
não pode mais fundar-se, como quer o Republicanismo, em razões
puramente éticas, presumivelmente compartilhadas. Habermas afirma,
contra autores como Carl Schmitt ou Charles Taylor (1997; 2000),65
tendo a crise do Estado Social, do próprio Estado-Nação e o processo
de unificação europeia como pano de fundo, que:

[...] uma cultura política, construída sobre princípios constitucionais, não


depende necessariamente de uma origem étnica, linguística e cultural
comum a todos os cidadãos. (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 289)

O que não quer dizer que se possa desconsiderar a autonomia


quanto a formas de vida ou a uma “cultura étnica”, desde que
compatíveis com uma “cultura política liberal” (pluralista):

Uma cultura política liberal forma apenas o denominador comum de um


patriotismo constitucional capaz de agudizar, não somente o sentido para
a variedade, como também a integridade das diferentes e coexistentes
formas de vida de uma sociedade multicultural. (HABERMAS, 1997b,
v. 2, p. 289)

65
Sobre a influência de Taylor nas discussões sociológicas brasileiras, ver SOUZA, 2000.

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
93

Em outras palavras, o desafio atual da universalização dos


Direitos Fundamentais e da base de legitimidade das decisões políticas,
inclusive em face da formação de Comunidades de Direito,66 de base
multicultural, está cobrando, mais uma vez, a devida distinção entre
Direito e eticidade. O Direito deve fundar-se tão somente no princípio
democrático, não mais compreendido como um mecanismo liberal
de decisão majoritária ou a partir de uma pretensa “vontade geral”
republicana, mas como institucionalização de processos estruturados
por normas que garantam a possibilidade de participação discursiva
dos cidadãos no processo de tomada de decisões.
As teorias políticas contemporâneas – e nisso reside a sua
importância para a compreensão do Direito Constitucional vigente –
estão colocando em xeque as bases filosóficas da tradicional Teoria do
Estado – que nasceu e teve a sua primeira sistematização em torno do
estudo dos Estados monárquicos formadores do Império Alemão de
1870 (CARVALHO NETTO, 1992, p.156 et seq.) – na medida em que
buscam fundamento em teorias sociais mais sofisticadas que procuram
refletir acerca da hiperdiferenciação das sociedades complexas atuais.
Todavia, assim como não há mais como recorrer à tradição
republicana e compreender a sociedade em termos de um todo
societário que giraria em torno do Estado, tal como na famosa teoria
dos três elementos estatais – povo, território e poder soberano –, não há
mais como recorrer à tradição liberal e compreender a sociedade em
termos meramente dualistas, Estado, de um lado, sociedade civil,
reduzida à esfera do mercado e da família, do outro. Com base numa
teoria discursiva da democracia, há que se reconstruir, por um lado,
tanto um conceito de esfera pública que não se reduza ao Estado,
quanto, por outro lado, um conceito de sociedade civil que não se
reduza ao mercado e à família, em que os processos societários sejam
encarados de modo mais amplo.
Quanto ao conceito de sociedade civil autônoma, cabe,
inclusive, considerar que, em seu atual significado, ele não coincide
com o de sociedade burguesa, que Hegel uma vez chamou de “sistema
das necessidades”,67 do trabalho social e do comércio de mercadorias

66
Acerca dessa denominação, um termo já usual na linguagem comunitária européia, ver
CARRERAS SERRA, 1995, p. 207.
67
Sobre o conceito hegeliano de sociedade civil como “sistema das necessidades”, ver as
análises desenvolvidas em SALGADO, 1996, p. 365 et seq. Segundo Salgado, em Hegel, “O
ser para si existente que caracteriza a sociedade civil é o bourgeois, o indivíduo do ponto de
vista das suas necessidades econômicas. Inversamente ao cidadão, o bourgeois é o indivíduo
que na sociedade cuida dos seus interesses particulares, sem qualquer consideração da

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94 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

numa economia de mercado, nem mais inclui a economia regulada


pelo Direito Privado e dirigida por meio do trabalho, do capital e
dos mercados de bens, como na época do surgimento do marxismo.
ARATO; COHEN, 1994a, p. 345 et seq.) O núcleo institucional da
sociedade civil é hoje formado por grupos, movimentos, associações
e organizações não estatais e não econômicas, que conectam
as estruturas de comunicação da esfera pública aos diversos
componentes sociais do mundo da vida:

A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e associações,


os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas
privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera
pública. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação
que institucionaliza os discursos capazes de solucionar problemas,
transformando-os em questões de interesse geral no quadro de esferas
públicas. (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 99)

Hoje, a Teoria da Constituição encontra mais desafios do que


os colocados no passado. Tradicionalmente, os temas do Direito
Constitucional têm sido percebidos e interpretados por teorias jurídicas
especializadas em questões normativas, através da identificação de
contrastes ou hiatos entre um Direito Constitucional que se pretende
legítimo e realidades político-sociais e econômicas recalcitrantes, um
ideal a ser buscado e uma crua realidade. Essa perspectiva, por perpetuar
a chamada teoria dos dois mundos, o mundo real e o mundo ideal, presente
nas filosofias primeiras, preocupadas com uma fundamentação última para
o conhecimento, para a moralidade, para o Direito ou para as artes,
pouco contribui para uma compreensão mais sofisticada do Direito
e da Constituição, e mostra-se empiricamente inoperante, diante de
entraves e obstáculos a uma convivência constitucional e democrática,
tantas vezes presentes nos contextos sociais atuais – e não somente
num país como o Brasil, com recorrentes momentos de inércia e de

ordem pública como um bem comum. Seu interesse é sempre oposto ao da comunidade
e só aproveita à comunidade porque sua atividade está inserida num sistema de
interdependência, pelo qual o que ele produz é socializado, ou seja, aproveita indiretamente
à sociedade.” (SALGADO, 1996, p. 365). “Assim, a sociedade civil estrutura-se segundo o
jogo das necessidades reciprocamente determinadas. Não há a convergência de todos para
um mesmo interesse; obedece-se à regra da oferta e da procura e aos seus processos de
compensação e acomodação de interesses” (SALGADO, 1996, p. 367). Vale a pena contrastar
o conceito hegeliano com a noção contemporânea de sociedade civil (ARATO; COHEN,
1994a, p. 345; HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 99), adotada aqui, e que se segue.

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
95

déficit de integração social, que pedem uma efetiva alteração de


postura perante eles.68
Menelick de Carvalho Netto vem destacando, ao longo de sua
obra, a necessidade de superação do enfoque tradicionalmente dado
ao tema da legitimidade e efetividade constitucionais, por exemplo, em
Karl Loewenstein e em Biscaretti di Ruffia, e que também está presente
em autores que defendem uma jurisprudência dos valores.
Tanto Loewenstein quanto Di Ruffia, ao tratarem da expansão
do constitucionalismo moderno no pós-guerra, irão preocupar-se com
o modo com que princípios constitucionais, originalmente próprios
aos Estados da Europa ocidental (França e Inglaterra) e aos Estados
Unidos da América, seriam vivenciados no sul e no oriente, marcados
por diferentes contextos socioeconômicos e culturais. Para eles, haveria
um hiato constante entre o ideal constitucional, importado do norte
ocidental, e a realidade político-social concreta, posto que a própria
realidade, quer meridional quer oriental, poderia constituir-se em
obstáculo quase intransponível para a realização desses princípios.
Todavia, Loewenstein e Di Ruffia não estariam, em princípio, ao
denuciar o que seria esse hiato, ao sul e ao leste, propondo uma Teoria
da Constituição ou uma Teoria Geral do Direito Público que não
pudesse ser universal, ainda que se considerassem as especificidades
do sul e do oriente, pois, por mais paradoxal que isso pudesse parecer,
o critério normativo de referência para ambos permanecia sendo o
constitucionalismo moderno ocidental. Loewenstein e Biscaretti não
são, nesse sentido, Carl Schmitt, pois eles não têm a menor dúvida
quanto à legítima função da Constituição e do Direito, própria do
constitucionalismo moderno: a da garantia dos governados em face
dos governantes. Eles permanecem, assim, diferentemente de Schmitt,
como representantes da tradição do constitucionalismo liberal e social.
O problema é que Loewenstein e Biscaretti não conseguem
perceber que o próprio modo com que colocam o problema da
legitimidade/efetividade constitucionais, o hiato entre ideal e real,
contribui ainda mais para o agravamento daquilo que se pretende
denunciar. Ou seja, ao idealizarem tanto a realidade político-social dos
países meridionais e orientais na forma quase-natural de um obstáculo
intransponível, quanto ao sobrecarregarem os princípios constitucionais

68
Nesse sentido, também: CARVALHO NETTO, 2001, p. 41 et seq. Do mesmo autor, “A Revisão
Constitucional e a cidadania: A legitimidade do Poder Constituinte que deu origem à
Constituição da República Federativa de 1988 e as potencialidades do Poder Revisional nela
previsto”. Revista Fórum Administrativo, Belo Horizonte, v. 1, n. 7, p. 882 et seq., set. 2001.

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96 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

modernos, desconsideram exatamente o caráter vivido, ou melhor,


o caráter hermenêutico das práticas jurídicas cotidianas. O Direito,
como afirma Ronald Dworkin, é uma prática social, interpretativa
e argumentativa, de tal modo que não há como compreendê-la da
perspectiva de um observador externo que não leva a sério o ponto
de vista normativo dos implicados, das pretenções jurídicas levantas
pelos próprios participantes dessa prática. A realidade social é uma
construção dinâmica, hermenêutica, histórica, social, da qual o
Direito faz parte. O Direito não está pairando estaticamente sobre
uma sociedade estática. E, como tal, deve lidar, inclusive, com o risco
próprio a ele mesmo de ser descumprido a todo e qualquer momento.
A noção de paradigma jurídico, introduzida por Habermas,
num diálogo, dentre outros, com a epistemologia pós-popperiana,
sobretudo com Thomas Kuhn, pode desempenhar, nessa discussão,
um importante papel. Uma reconstrução paradigmática do Direito,
como bem nos mostra Menelick de Carvalho Netto, possibilita
reconhecer a existência de um horizonte histórico de sentido, ainda que
mutável, para a teoria do Direito e para a prática jurídica concreta, que
pressupõe uma determinada “percepção” do contexto social do Direito,
a fim de que se possa compreender em que perspectiva as questões
jurídicas devem ser interpretadas, para que o Direito possa cumprir
seu papel nos processos de integração social. Paradigmas do Direito
constituem internamente a prática e a teoria do Direito, orientando
seus desdobramentos. O reconhecimento desses paradigmas exige
a superação da forma tradicional de lidar com questões normativas,
rompendo com a dicotomia real/ideal, assim como exige uma
reflexão hermenêutica crítica em face de nós mesmos, que não pode
desconsiderar as pretensões normativas concretamente articuladas
pelos próprios envolvidos em questões jurídicas.
Com base numa Teoria Discursiva do Direito e da Democracia, que
não se deixa vincular a um único ponto de vista disciplinar, mas, pelo
contrário, permanece aberta a diferentes pontos de vista metodológicos
(participante X observador), a diferentes objetivos teóricos (explicação
interpretativa e análise conceitual X descrição e explicação empírica),
a diferentes papéis sociais (do juiz, dos políticos, dos legisladores, dos
clientes e dos cidadãos) e a diferentes atitudes pragmáticas de pesquisa
(hermenêuticas, críticas, analíticas, etc.), a fim de que uma abordagem
normativa não perca o seu contato com a realidade, nem uma abordagem
objetiva exclua qualquer aspecto normativo, mas permaneçam em tensão
(HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 23), a perspectiva da Teoria do Direito e da
Constituição que privilegia o aspecto normativo deverá passar por um

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TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
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giro reconstrutivo, se quiser levar a sério a tensão presente no Direito entre


facticidade e validade, assim como o papel desempenhado pelo Direito nos
processos de integração social.
E ao se falar em tensão e não em hiato, oposição, contradição ou até
mesmo em dialética, entre norma ou ideal e fato ou realidade, estar-
se-á abandonando a chamada teoria dos dois mundos, sem a menor
necessidade de se apelar para uma filosofia da história e seu teleologismo,
vindos de onde quer que seja, quer de Hegel, quer de Marx: a realidade
já é plena de idealidade, em razão dos próprios pressupostos linguísticos
contrafactuais presentes em toda interação comunicativa; mas, nesse
sentido, a transcendência é imanente, é intramundana:69

69
Não é correto compreender a “situação ideal de fala” em Habermas como uma espécie
de sucedâneo do “reino dos fins” ou mesmo como uma “ideia reguladora” que “serve
como guia para discursos empíricos” e “torna possível criticar resultados neles obtidos”
(GOMES; MERLE, 2007, p. 69). Ora, a “situação ideal de fala” nada mais é, segundo
Habermas, do que um “experimento de pensamento” [ein Gedankenexperiment], uma “ficção
metodológica”, e representa, assim destituída de toda e qualquer conotação essencialista,
tão somente uma projeção empreendida por meio da reconstrução dos pressupostos
idealizantes, de caráter contrafactual, da racionalidade comunicativa, já presentes na
facticidade dos processos sociais, subjacentes, portanto, a toda interação linguística voltada
ao entendimento; aqui, pois, a transcendência é imanente, é intramundana. Nas palavras
de Habermas: “Os pressupostos contrafactuais de que têm de partir os participantes
na argumentação abrem, é claro, uma perspectiva que permite a eles [os participantes]
transcender a inevitável provincialidade de seus contextos espaço-temporais, na ação
e na experiência, ir além das práticas locais de justificação e, portanto, fazer justiça à
significação [Sinn] das pretensões de validade transcendendo-contextos. Mas com as
pretensões de validade transcendendo-contextos, eles próprios [os participantes] não
são transportados para o mais além transcendente de um reino ideal de seres inteligíveis.
Em contraste com a projeção de ideais, à luz dos quais podemos identificar desvios, “os
pressupostos idealizantes que nós já sempre temos de adotar, se pretendemos alcançar o
entendimento mútuo, não envolvem qualquer tipo de correspondência ou de comparação
entre ideia e realidade” [Brunkhorst]. Por outro lado, é legítimo usar tal projeção para
um experimento de pensamento [Peters]. O mal-entendido essencialista é substituído
por uma ficção metodológica elaborada para dispor de um pano-de-fundo sobre o qual
o substrato de complexidade societária inevitável torna-se visível” (HABERMAS, 1992, p.
392). Assim, toda a discussão empreendida em Travessoni/Merle revela-se ainda presa
a uma metafísica dos dois mundos, típica de uma tradição filosófica que é anterior ao
linguistic turn. Ao lançar mão de dicotomias tais como “consenso empírico/consenso
ideal”, “mundo real (empírico)/mundo ideal”, toda essa discussão se reduz a uma série
de equívocos no que diz respeito à compreensão do projeto filosófico habermasiano de
uma pragmática formal; e assim fracassa perdendo todo o seu sentido, despendendo
inutilmente um enorme esforço que tem a intenção de pretenciosamente defender
Habermas da descabida acusação de um “idealismo ingênuo”. Tal labuta demonstra,
também, uma certa falta de background quanto ao estado da arte das discussões em
torno do pensamento habermasiano; e, naquilo que seria decisivo à argumentação, nem
mesmo se dá ao trabalho de se remeter diretamente ao próprio Habermas. Estamos aqui,
portanto, diante de um problema, no mínimo, hermenêutico-filosófico. Eis, assim, como em
Travessoni/Merle não se compreendeu adequadamente sequer o sentido da própria tese,
presente desde o título da obra teorético-jurídica de Habermas: a tensão – e não uma
contraposição ou mesmo um hiato! – entre facticidade e validade.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 97 14/04/2015 11:04:44


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
98 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Na vida cotidiana, o entendimento mútuo entre sujeitos que agem


comunicativamente se mede por pretensões de validade que – sobre
o maciço pano de fundo de um mundo da vida compartilhado
intersubjetivamente – levam a uma tomada de posição em termos
de sim/não. Tais pretensões de validade estão abertas à crítica e
contêm, juntamente com o risco de dissenso, a possibilidade de um
resgate discursivo. Neste sentido, o agir comunicativo refere-se a
um processo de argumentação no qual os participantes justificam
suas pretensões de validade perante um auditório idealmente
sem fronteiras. Os participantes de uma argumentação partem da
suposição idealizadora de que, no espaço social e no tempo histórico,
existe uma comunidade de comunicação sem fronteiras. E, segundo
uma formulação de Karl-Otto Apel, esses participantes têm que
pressupor a possibilidade de uma comunidade ideal no interior de
sua situação social real... Os pressupostos contrafactuais de que
têm de partir os participantes na argumentação abrem, é claro,
uma perspectiva que permite a eles [os participantes] transcender
a inevitável provincialidade de seus contextos espaço-temporais,
na ação e na experiência, ir além das práticas locais de justificação
e, portanto, fazer justiça à significação [Sinn] das pretensões de
validade transcendendo-contextos. Mas com as pretensões de validade
transcendendo-contextos, eles próprios [os participantes] não são
transportados para o mais além transcendente de um reino ideal de
seres inteligíveis. (HABERMAS, 1996a, p. 322-323)

Ao contrário, pois, de se dar continuidade à forma tradicional


de teorias constitucionais especializadas em questões normativas que,
por verem um hiato entre o Direito e a realidade, entre a “Constituição
formal” e a “Constituição real”, mantêm-se cegas à tensão entre facticidade
e validade, uma renovada Teoria da Constituição, ao assumir a tarefa
fundamental de reconstruir, sob o paradigma procedimentalista
do Estado Democrático de Direito, os diversos temas do Direito
Constitucional, deverá manter-se aberta, a um só tempo:
a) a uma sociologia reconstrutiva, que busca identificar,
compreender e reconstruir os fragmentos e vestígios dos processos
de racionalização social, cultural e subjetiva já presentes e em curso
nas sociedades modernas, assim como identificar, compreender e
reconstruir os conteúdos jurídico-normativos que já se encontram
inscritos, ainda que parcialmente, na facticidade social dos processos
político-sociais;
b) a uma filosofia prática pós-metafísica, cuja tarefa consiste no
esclarecimento do ponto de vista moral e do processo democrático, da
análise das condições necessárias aos discursos e às negociações racionais:

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 98 14/04/2015 11:04:44


cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
99

Nessa perspectiva, as formas de comunicação da formação política


da vontade no Estado de direito, de legislação e de jurisprudência,
aparecem como partes de um processo mais amplo de racionalização
dos mundos da vida de sociedades modernas pressionadas pelos
imperativos sistêmicos. Tal reconstrução coloca-nos nas mãos uma
medida crítica que permite julgar as práticas de uma realidade
constitucional intransparente. (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 22)

No prefácio a Facticidade e validade, Habermas afirma, numa


referência velada a Kant em O conflito das faculdades, que “há muito
a Filosofia do Direito vem deixando de ser coisa tão somente de
filósofos”. Se por um lado, a discussão atual mostra que a Filosofia,
para ser, hoje, Filosofia, deve, como afirma Habermas, deixar, como
vimos, o seu lugar de indicador de lugar para as ciências e de tribunal
supremo da cultura e, neste caso, aprender com a Teoria e com a
Ciência do Direito; por outro lado, não precisa abandonar a pretensão
de racionalidade, de verdade, de correção e de veracidade, afogando-
se num “misticismo ressentido” como em Heidegger ou ceder cética
ou cinicamente à política como em Rorty.
Assim, a Teoria do Discurso é uma das grandes possibilidades
de resgate do papel da Filosofia na alta modernidade, como “guardiã
de lugar da racionalidade científica e intérprete mediadora do mundo
da vida” (HABERMAS, 1989, p. 30 e 33). Na medida em que pretende
fazer jus à necessidade de reconstruir “as sementes de liberdade
mergulhadas em nossas tradições”, como nos convida Menelick de
Carvalho Netto, resgando e explicitando criticamente nossas próprias
vivências constitucionais e democráticas, uma Teoria Discursiva
da Constituição e do Direito inaugura um novo paradigma, capaz
de lidar construtivamente com os problemas legados pela velha
teoria constitucional, e pode contribuir decisivamente como chave
interpretativa do Direito Constitucional, que sirva adequadamente de
suporte para a perspectiva operacional de uma Dogmática Jurídica
comprometida com o projeto constituinte/constitucional de um Estado
Democrático de Direito entre nós.
Isso tudo leva a Teoria da Constituição a romper com uma
abordagem unilateral, quer num sentido – Teoria Geral do Direito
Público –, quer noutro – Instituições Políticas – e a superar a abordagem
e os enfoques tradicionais da Teoria do Estado – Estado como centro
da sociedade, sociedade holisticamente compreendida em termos da
dialética do todo e de suas partes.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 99 14/04/2015 11:04:44


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
100 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

A Teoria da Constituição deve assumir as seguintes perspectivas:

a) a perspectiva interna ao Direito Constitucional ao possibilitar


uma “dogmática geral (adequada) do Direito Constitucional” (Lucas Verdú);
b) a perspectiva externa da relação entre facticidade social e
autocompreensão do Estado Constitucional ao se consubstanciar em
uma teoria pós-ontológica da Constituição.70
A perspectiva simultânea da tensão interna (a) e externa (b)
ao Direito Constitucional, requer precisamente que a Teoria da
Constituição se assuma como uma teoria crítico-reflexiva da Constituição,
problematizadora e explicitadora de pré-compreensões e de paradigmas
acerca da sociedade, da política e do Direito. (CANOTILHO, 1998,
p.1.188) Desse modo é que ela sempre apresentará uma dimensão
metateórica acerca dos seus próprios pressupostos teoréticos, revelando-
se uma metateoria da Constituição. Por isso mesmo, não se poderá ignorar
sua dimensão pragmático-política, a requerer do operador jurídico que
a assuma como uma teoria político-constitucional em sentido fraco.
Ad a) A Teoria da Constituição deve assumir a perspectiva
do sistema jurídico-constitucional e analisar a tensão interna entre
facticidade e validade, ou seja, entre positividade e legitimidade do
Direito, reconstruindo os princípios, as regras, os procedimentos,
a compreensão, a justificação e a aplicação desses, resgatando a
normatividade constitucional e a função primordial do Direito
moderno, presente no Direito Constitucional de modo ímpar: a função
de integração social, numa sociedade em que tal problema só pode ser
enfrentado e solucionado pelos seus próprios membros, na medida em
que instauram um processo em que se engajam na busca cooperativa de
condições recorrentemente mais justas de vida, no qual questões acerca
de sua autocompreensão ético-política e de sua autodeterminação
prático-moral, além de seus interesses pragmáticos, devem encontrar
vazão, mediante, inclusive, a institucionalização de formas discursivas
e de negociação no nível do Estado.
Pode-se reconstruir assim a compreensão normativa do Estado
de Direito, do Estado Constitucional, como institucionalização jurídica
de canais de comunicação público-política acerca de razões éticas,
morais, pragmáticas e de coêrencia jurídica. É precisamente esse fluxo
comunicativo que conformará e informará o processo legislativo de

70
Ou seja, uma superação da “classificação ontológica da Constituição”, desenvolvida por:
LOEWENSTEIN, 1976.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 100 14/04/2015 11:04:44


cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
101

justificação e o processo jurisdicional de aplicação imparcial do Direito


democraticamente fundado, bem como uma Administração Pública
descentralizada e participativa. Garante-se, desse modo, a abertura
para uma esfera pública mais ampla, em que atuam os movimentos
sociais em geral. (HABERMAS, 1997b, v. 1, p.169 et seq; v. 2, p.170 et seq.)
Com isso, também, o conceito de Estado de Direito, como
organização política moderna, não pode mais ser pensado a partir
de um conceito naturalizado de nação ou de nacionalidade, via cor,
raça, ancestrais comuns ou mesmo lugar de nascimento comuns (na
tradicional distinção entre jus sanguinis e jus soli), mas a partir de um
conceito contemporâneo de cidadania, não mais compreendida como
condição daquele que seria membro natural de uma comunidade ética
e política concreta, que compartilharia um mesmo e único ideal de vida
boa, mas como sinônimo de titularidade de direitos reciprocamente
reconhecidos e que se garantem através dessa institucionalização de
procedimentos capaz de possibilitar a formação democrática da vontade
coletiva, a formação imparcial de juízos de aplicação jurídico-normativa
e a execução de programas e de políticas públicas, sem impor-se um
único modelo de vida boa, embora os mesmos devam garantir aos
cidadãos, no exercício de sua autonomia pública, a possibilidade de
realização de um projeto cooperativo de fixação de condições de vida
recorrentemente mais justas.
Ad b) Da perspectiva externa da tensão entre facticidade social e
autocompreensão do Estado Constitucional, a Teoria da Constituição
deve alterar seu enfoque interno ao Direito e complementá-lo por meio
do diálogo com as teorias da sociedade e com as teorias políticas,
a fim de que possa ultrapassar as abordagens tradicionais acerca
da efetividade do Direito Constitucional quer no sentido de uma
classificação ontológica da Constituição (Karl Loewenstein), quer no sentido
da eficácia social das normas constitucionais (José Afonso da Silva),71 algo
de fundamental importância não somente em países como o nosso de
pouca tradição democrática e constitucional.

De um lado, a teoria do direito, fundada no discurso, entende o Estado


democrático de direito como a institucionalização de processos e
pressupostos comunicacionais necessários para uma formação discursiva
da opinião e da vontade, a qual possibilita, por seu turno, o exercício
da autonomia política e a criação legítima do direito. De outro lado,

71
Mas superar também as abordagens no sentido de um constitucionalismo simbólico
(Marcelo Neves).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 101 14/04/2015 11:04:44


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
102 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

a teoria da sociedade fundada na comunicação entende o sistema político


estruturado segundo o Estado de direito como um sistema de ação entre
outros. Este pode compensar os eventuais problemas de integração na
sociedade global, colocando a formação institucionalizada da opinião
e da vontade em contato com comunicações públicas informais, pois
está inserido nos contextos de um mundo da vida através de uma esfera
pública ancorada numa sociedade civil. Finalmente, uma determinada
compreensão do direito estabelece a relação entre a abordagem normativa
e a empírica. Segundo essa concepção, a comunidade jurídica pode
ser entendida como um medium através do qual as estruturas de
reconhecimento concretizadas no agir comunicativo passam do nível
das simples interações para o nível abstrato das relações organizadas. A
rede tecida pelas comunicações jurídicas é capaz de envolver sociedades
globais, por mais complexas que sejam. (HABERMAS, 1997b, v. 2, p.181)

A Teoria da Constituição, portanto, não pode perder a dimensão


fundamental de teoria problematizante e explicitadora de pré-
compreensões e de paradigmas, pois:

Os paradigmas do direito permitem diagnosticar a situação e servem de


guia para a ação. Eles iluminam o horizonte de determinada sociedade,
tendo em vista a realização do sistema de direitos. Nesta medida, sua
função primordial consiste em abrir portas para o mundo. Paradigmas
abrem perspectivas de interpretação nas quais é possível referir os
princípios do Estado de direito ao contexto da sociedade como um
todo. Eles lançam luz sobre as restrições e as possibilidades para a
realização de direitos fundamentais, os quais, enquanto princípios não
saturados, necessitam de uma interpretação e de uma estruturação
ulterior. (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 181)

Quanto a considerar uma dimensão pragmático-política da Teoria


da Constituição, cumpre ressaltar, contudo, que não se deve assumir
uma compreensão equivocada desse aspecto, pois não se trata, em
hipótese alguma, de atribuir normatividade à teoria, transformando-a
numa doutrina, o que resultaria, com certeza, numa ruptura com um
enfoque teorético-discursivo. O que gostaríamos de salientar é que
a Teoria da Constituição pode representar importante aporte para
discussões institucionais-instituintes, na medida em que se explore
o caráter pragmático das reflexões teorético-constitucionais. Daí
a necessidade de o operador jurídico assumi-la como uma teoria
político-constitucional em sentido fraco: o teórico da Constituição não
deve assumir a atitude performativa do doutrinador iluminado, a ditar
soluções para uma massa de ignorantes, já que admitir isso seria, a essa

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 102 14/04/2015 11:04:45


cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
103

altura de nossas reflexões, uma grande incoerência. Uma teoria político-


constitucional pode fornecer ao jurista, no máximo, a perspectiva do
operador do Direito comprometido com o desenvolvimento constitucional
que, no seu papel de intelectual e não de especialista, pode contribuir e
participar das controvérsias político-constitucionais pelas quais todos
os coassociados jurídicos, inclusive ele, como cidadãos, podem refletir
e definir sua vida em comum.72
Assim é que a Teoria da Constituição, enquanto Teoria Discursiva
da Constituição, e ao se ligar aos enfoques contemporâneos da Teoria
Geral do Processo, poderá oferecer, em termos constitucionalmente
adequados, a chave interpretativa do Direito Constitucional Processual,
com vista precisamente à compreensão do sentido especificamente
democrático da jurisdição constitucional e a uma justificação do controle
judicial de constitucionalidade das leis e do próprio processo legislativo,
complementando e ao mesmo tempo traduzindo as reflexões desenvolvidas
no capítulo 3, no quadro da Teoria Discursiva da Democracia. Agora,
então, será possível demonstrar como a reconstrução da relação entre
constitucionalismo e democracia poderá informar e conformar a
justificação democrática do referido controle.
Nos próximos pontos do presente capítulo, a fim de apresentar uma
justificação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade
das leis e do processo legislativo, procederemos, com base numa Teoria
Discursiva da Constituição, nos termos apresentados, a uma reconstrução
do sentido especificamente democrático da jurisdição constitucional.
Primeiramente, analisaremos a relação entre Constituição e processo
(4.3), destacando, mais uma vez, a compreensão da Constituição
como processo, sob o paradigma jurídico-procedimentalista, assim
como o papel do processo legislativo na justificação democrática
do Direito moderno; em seguida, reconstruiremos o papel do
processo constitucional como instrumento do exercício da jurisdição
constitucional, o que possibilitará traçar um paralelo entre o exercício
da jurisdição constitucional por meio do processo constitucional
e o exercício do Poder Legislativo pelo processo legislativo (4.4); e
finalmente, discutiremos se há sentido falar da “Constituição como
reserva de Justiça”, bem como o que se pode compreender pela
expressão “Justiça Constitucional”, no que se refere às finalidades da
jurisdição constitucional (4.5).

72
Nesse sentido é que CANOTILHO fala, com base em Robert Alexy, de uma “teoria da
Constituição” e de um “constitucionalismo constitucionalmente adequado”. (CANOTILHO,
1998, p. 1.036).

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
104 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

4.3 Constituição e processo


Vários teóricos contemporâneos têm buscado trabalhar a
relação entre Constituição e processo (BARACHO, 1984; 1995, 1996;
THEODORO JÚNIOR, 1987). Uma das primeiras preocupações de
muitos desses autores encontra-se no terreno específico da efetividade
constitucional. Quais seriam os melhores instrumentos processuais
para assegurar a realização de normas constitucionais? Quais seriam
os melhores instrumentos processuais para garantia de direitos
fundamentais dos cidadãos? Hoje, a bandeira política do chamado
“garantismo” parece tremular sobre nossas cabeças, pairando não
somente como um manto protetor, mas também como uma espada, a
cobrar não apenas dos doutrinadores, mas dos diversos profissionais
do Direito uma responsabilidade ética para com o tema. Ao ideal do
“garantismo” correlaciona-se à problemática acerca do acesso à justiça,
considerado contemporaneamente como “acesso à ordem jurídica justa”
e como “eficácia do processo” (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER,
1997, p. 33 et seq.), amplamente discutida por processualistas de grande
renome e importância para o desenvolvimento do Direito Processual,
entre outros, Mauro Cappelletti (1988), Luiz Guilherme Marinoni (1999),
Cândido Rangel Dinamarco (1993) e Humberto Theodoro Júnior (1987,
p. 72-73; 1996, p. 23-26), procurando mostrar as barreiras, assim como as
possíveis soluções, no sentido de viabilizar-se não somente o acesso ao
processo, em igualdade de condições, tendo em vista as desigualdades
sociais, econômicas, culturais e psicológicas das partes:

O que mudou de lá para cá, na mentalidade do processualista, foi


a sua atitude em face das pressões externas sofridas pelo sistema
processual: ele quer que o processo se ofereça à população e se realize
e se enderece a resultados jurídico-substanciais, sempre na medida e
pelos modos e mediante as escolhas que melhor convenham à realização
dos objetivos eleitos pela sociedade política. Como escopo-síntese da
jurisdição no plano social, pode-se então indicar a justiça, que é afinal
expressão do próprio bem comum, no sentido de que não se concebe o
desenvolvimento integral da personalidade humana, senão em clima
de liberdade e igualdade. (DINAMARCO, 1996, p. 156).

Como se pode perceber, em vários processualistas contemporâneos,


a marca de um modelo processual de bem-estar social, nitidamente
“comunitarista” e, no Brasil, bastante tributário da Jurisprudência dos
Valores, faz-se presente em maior ou menor medida. Em Dinamarco
(1993), por ex., a jurisdição e o processo devem ser compreendidos como

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
105

instrumentos que têm por finalidade realizar “os valores sociais e políticos
da nação” (DINAMARCO, 1993, p. 12). E a liberdade e a igualdade,
enquanto valores a serem realizados pela jurisdição, encontram seu
sentido tão somente à luz das identidades culturais e tradicionais de
cada nação, e que modelam “o modo de ser político de cada Estado”:

Na determinação dos fins do Estado e (consequentemente) dos escopos


da jurisdição é indispensável, por isso, ter em vista as necessidades e
aspirações do seu povo, no tempo presente. Entra aí, dessa forma, o
elemento cultural, a determinar concretamente os conceitos de bem
comum, de justiça e, particularmente, de justiça social. O agregado
humano é visto, agora, como nação, ou seja, como unidade cultural; e do
modo de ser da nação deriva a indicação do que ela espera do Estado que
a envolve e do processo posto a seu serviço. (DINAMARCO, 1993, p. 157).

Assim como para o jurista neoaristotélico Michael Perry (1988,


p. 134-135), Dinamarco afirma que é necessário, portanto, que o juiz,
no exercício da função jurisdicional do Estado, busque as aspirações
ou o espírito da lei, representados por um “juízo axiológico que
razoavelmente se pode considerar como instalado no texto legal”
(DINAMARCO, 1993, p. 294). A atividade de interpretação e aplicação
jurisdicional do Direito possuiriam, inclusive, um papel corretivo das
desvirtudes da legislação (“envelhecida” ou “malfeita”), pelo apelo
aos compromissos éticos do juiz, às finalidades políticas do processo e
a um uso alternativo do direito (DINAMARCO, 1996, p. 294-295). Nesse
sentido, ao compreender o juiz como “um canal de comunicação entre
a carga axiológica atual da sociedade em que vive e os textos” legais,
assim Dinamarco concebe a relação entre o juiz e a lei, no exercício da
jurisdição:

Ser sujeito à lei não significa ser preso ao rigor das palavras que os textos
contêm, mas ao espírito do direito do seu tempo. Se o texto aparenta
apontar para uma solução que não satisfaça ao seu sentimento de
justiça, isso significa que provavelmente as palavras do texto ou foram
mal empregadas pelo legislador, ou o próprio texto, segundo a mens
legislatoris, discrepa dos valores aceitos pela nação no tempo presente.
Na medida que o próprio ordenamento jurídico lhe ofereça [ao juiz]
meios para uma interpretação sistemática satisfatória perante o seu
senso de justiça, ao afastar-se das aparências verbais do texto e atender
aos valores subjacentes à lei, ele [o juiz] estará fazendo cumprir o direito.
(DINAMARCO, 1996, p. 294, nº 6).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 105 14/04/2015 11:04:45


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
106 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Muitas críticas podem ser feitas a esse enfoque, como já pudemos


ver e ainda veremos no desenvolvimento desta investigação. E como
já afirmavam Cappelletti e Garth, no final da década de 1970, a pressa
em garantir, contudo, nem sempre corresponde à certeza da garantia.
Esses autores já asseveravam que as próprias reformas processuais que
se destinavam a destruir um ou outro obstáculo ao “acesso à justiça”
poderiam ao mesmo tempo criar outras barreiras.73 A sede de eficácia,
de justiça, nem sempre é acompanhada pela devida reflexividade
diante das questões jurídicas (GONÇALVES, 1992, p. 8 et seq.). Se a
crença no Direito deve ter seus limites, e o Direito Processual também
os tem, com muito maior razão a crença na capacidade dos “juristas”
ou “operadores jurídicos” deve ser matizada.
Em verdade, esse necessário grau de ceticismo é exigência de
um fundamento democrático: há muito tempo questões jurídicas
deixaram de ser tão somente um problema de experts para se
tornarem questões de cidadania. Hoje, buscar sustentar a crença
na bondade ou na maldade intrínsecas das decisões, na bondade ou
maldade intrínsecas do juiz, ainda mais do juiz constitucional, é até
ingênuo, já que não só os fatores, mas os sujeitos que participam
ou influenciam uma decisão judicial são – e devem ser – múltiplos,
a começar por aqueles que por essa decisão serão afetados. Assim é
que os juízes não devem comportar-se (embora tantos se comportem)
como donos da verdade e guardiões da virtude, postura incompatível
com um conceito procedimentalista de democracia. Como veremos,
ao longo deste capítulo,

73
Cappelletti é um dos poucos processualistas que, ao tratar do tema do “acesso à justiça”,
refere-se aos limites e aos riscos desse enfoque. Em seu clássico trabalho, com Bryant
Garth, sobre o tema, ele afirma, entre outras coisas, que “as reformas judiciais e processuais
não são substitutos suficientes para as reformas políticas e sociais” (CAPPELLETTI;
GARTH, 1988, p. 161); que “as reformas não podem (e não devem) ser transplantadas
simploriamente de seus sistemas jurídicos e políticos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p.
162); que “os sistemas jurídicos não podem introduzir órgãos e procedimentos especiais
para todos os tipos de demandas”, as competências podem ficar confusas, a especialização
e consequente isolamento e estreiteza de perspectiva do juiz (CAPPELLETTI; GARTH,
1988, p. 162-163). E o pior de todos, “o risco de que procedimentos modernos e eficientes
abandonem as garantias fundamentais do processo civil – essencialmente as de um
julgador imparcial e do contraditório” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 163). De fato,
não se quer negar a importância do “acesso à justiça”, a necessidade de reformas no
sistema processual brasileiro ou que a superação de um enfoque formalista do processo
e da jurisdição seja necessária. Ao contrário, é urgentíssimo. Contudo, para isso não é
preciso, nem se deve, por um lado, abandonar as garantias processuais e, por outro, adotar
uma compreensão idealizante e paternalista do papel do juiz ou do próprio Estado, como
transparece na análise de alguns autores brasileiros.

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
107

16. enquanto não se podia pensar a função jurisdicional com a


participação das partes na fase de preparação da sentença, a reflexão
jurídica se ateve à missão do juiz, e projetou nele a grande esperança
de se retificarem as injustiças do Direito positivo.
17. Com as novas conquistas do Direito, o problema da justiça no
processo foi deslocado do ‘papel-missão’ do juiz para as garantias
das partes. O grande problema da época contemporânea já não é o da
convicção ideológica, das preferências pessoais, das convicções íntimas
do juiz. É o de que os destinatários do provimento, do ato imperativo
do Estado que, no processo jurisdicional, é manifestado pela sentença,
possam participar de sua formação, com as mesmas garantias, em
simétrica igualdade, podendo compreender por que, como, por
que forma, em que limites o Estado atua para resguardar e tutelar
direitos, para negar pretensos direitos e para impor condenações.
(GONÇALVES, 1992, p. 194-195).

Chega-se desse modo, então, à indagação acerca de como seria


possível pensar, hoje, a relação entre Constituição e processo, para além
de um compreensível embora discutível populismo processual. A resposta
a essa indagação requer uma outra investigação. A pesquisa recai agora
sobre a própria compreensão que se pode ter em relação ao papel do
Direito e não apenas do da Constituição. Afinal, o Direito tem finalidades?
Qual pode ser a função do Direito numa sociedade como a nossa?
Duas grandes crises do Direito e da sociedade apontam caminhos
para que se responda a essas indagações: a crise do paradigma liberal
e a atual crise do paradigma do bem-estar social. Podemos aprender
com essas duas crises pelo menos dois aspectos muito importantes.
Primeiramente, o Direito ou, simplesmente, a fé no Direito, não
move montanhas: sem a necessária atuação no âmbito das políticas
públicas e todo um processo de alteração de práticas sociais nos mais
diversos níveis, sem uma constante “luta pelo Direito”,74 dispositivos
“programáticos substantivos” podem significar apenas sobrecarga e
desgaste normativo para o próprio Direito, pois, afinal, não se muda
a “realidade” por decreto. E, em segundo lugar, esse mesmo desgaste
normativo não se esgota em si mesmo, mas revela-se socialmente como
crise de legitimidade na articulação do Direito com a política.
A tarefa primordial do Direito nas sociedades modernas foi e
ainda é a de ser uma das formas de integração social (HABERMAS,

74
O título da famosa obra de Von Ihering pode ser retomado, no sentido dado por Bobbio
(1992a) – a necessidade de reconquista constante e cotidiana dos direitos humanos para
além da consagração destes em diplomas normativos.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
108 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

1997b, v. 1, p. 44 et seq.). Assumindo e transcendendo o papel que a


religião ou as tradições imemoriais detinham no passado das sociedades
pré-modernas, o Direito deve a um só tempo: a) garantir a certeza
nas relações, ou, numa linguagem mais atual, manter as expectativas
generalizadas de comportamento, erigindo padrões de conduta, e b)
pretender ser o fundamento de si mesmo,75 já que não possui mais um
fundamento absoluto, a religião ou a tradição, para legitimá-lo. E
essa perda de fundamento ocorre, justamente, como diria John Rawls,
em razão do “fato do pluralismo razoável”, da existência, na cultura
política das sociedades democráticas, de diversas, opostas e até mesmo
inconciliáveis doutrinas morais, filosóficas e religiosas razoáveis (1993a,
p. 4). Mas o que significa dizer que o Direito deve realizar a pretensão
de fundar a si próprio? Como decifrar essa tautologia?
Como já vimos no capítulo 3, ao reconstruirmos, com Habermas,
a relação entre democracia e constitucionalismo, o Direito, por meio
da institucionalização jurídico-constitucional de formas comunicativas
político-democráticas de formação da vontade e da opinião, estrutura os
processos de justificação da sua própria validade, realizando a pretensão
de garantir as condições procedimentais da sua própria legitimidade,
as quais se referem a uma prática política deliberativa de cidadãos que
no exercício de sua autonomia pública são os autores de seus próprios
direitos e deveres. Esses processos não estão surdos a interesses, nem a
questões éticas e nem a questões morais, mas não se reduzem a nenhuma
delas. Como vimos, o processo democrático deve estar aberto a toda e
qualquer questão que se torne problemática para a sociedade.
Contudo, o Direito não pode ser a política nem a política
ser o Direito. Pressupondo-se um modelo de sociedade complexa,
descentrada e pluralista, tanto o Direito quanto a política desempenham
papéis próprios nos processos de integração social, buscando preencher
quer falhas funcionais, quer déficits de integração.

De um certo modo, a política tapa buracos funcionais que se abrem


devido à sobrecarga advinda de outros mecanismos de integração
social. Nisso ela se utiliza da linguagem do direito. Pois o direito é o
medium que possibilita o translado das estruturas de reconhecimento
recíproco – que reconhecemos nas interações simples e nas relações de
solidariedade natural – para os complexos e cada vez mais anônimos
domínios de ação de uma sociedade diferenciada funcionalmente,
onde aquelas estruturas simples assumem uma forma abstrata, porém

75
De uma perspectiva descritiva, ver Luhmann (1996, p. 83).

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
109

impositiva. Internamente, porém, o direito se estrutura de tal forma


que um sistema político, configurado juridicamente, só pode continuar
as realizações naturais de integração – que se realizam sob o nível de
articulação do direito formal – num nível reflexivo. Ou seja, a integração
social, realizada politicamente, tem que passar através de um filtro
discursivo. Onde outros reguladores fracassaram – como é o caso dos
padrões de coordenação convencionais – a política e o direito conseguem
elevar, de certa forma, os processos solucionadores de problemas acima
do limiar da consciência. O processo político soluciona o mesmo tipo de
problema enfrentados pelos sobrecarregados processos sociais que ele
substitui. (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 45-46).

No desempenho dessa tarefa de integração o Direito não pode


simplesmente condicionar a atuação de atores sociais movidos por
interesses egoísticos, como no caso do paradigma liberal, nem impor
aprioristicamente uma única forma de vida como válida para a sociedade,
como no caso do paradigma do bem-estar social. A integração social
não pode ser confundida com o modelo harmônico do mercado, como
tantas vezes o foi no século XIX, tampouco com a homogeneização ou a
uniformização, como tantas vezes se pretendeu no século XX.
Nesse contexto, o processo legislativo, jurisdicional ou
administrativo, enquanto conceito renovado – “procedimento realizado
em contraditório” (FAZZALARI, 1994, p. 74 et seq.; GONÇALVES, 1992,
p. 102 et seq.)76 entre os que serão afetados pela decisão a ser assim
preparada –, tem um papel fundamental.
Nem reduzido a uma mera ritualística ou a um instrumento
legitimador de decisões políticas, nem esgotado no momento da
decisão, mas entendido como “procedimento realizado em igualdade”,
o processo é a dinâmica do Direito.77 Para uma teoria do Direito e da
Democracia que ultrapassa os paradigmas jurídicos liberal e de bem-
estar social, o Direito deverá ser compreendido, fundamentalmente,
como processo, ou em termos procedimenta-listas. E a Constituição,
por meio de uma interpretação e elaboração do sistema de direitos, no
qual as autonomias pública e privada são internamente relacionadas e
simultaneamente asseguradas (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 346-347),
regula, institucionaliza, juridicamente processos pelos quais se deve dar

76
Quanto a essa concepção de processo, cabem algumas ressalvas, que serão desenvolvidas
infra.
77
Nesse sentido, este trabalho procura distanciar-se dos enfoques tradicionais da doutrina
e da jurisprudência nacionais sobre o processo legislativo, tal como os classicamente
apresentados por Ferreira Filho (1995), e Sampaio (1996).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 109 14/04/2015 11:04:45


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
110 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

a dinâmica democrática do Direito gerando, fundando, o próprio Direito.


Não se trata, assim, simplesmente de uma relação Constituição, por
um lado, processo, por outro, mas a construção de uma compreensão
procedimentalista da Constituição como processo, como a regulação,
institucionalização, jurídica de processos, por meio da consagração das
autonomias pública e privada dos cidadãos.
Nesse quadro, o processo legislativo, enquanto processo de
justificação democrática do Direito, pode ser caracterizado como
uma sequência de diversos atos jurídicos que, formando uma cadeia
procedimental, assumem seu modo específico de interconexão,
estruturado em última análise por normas jurídico-constitucionais, e,
realizados discursiva ou ao menos em termos negocialmente equânimes
ou em contraditório entre agentes legitimados no contexto de uma
sociedade aberta de intérpretes da Constituição, visam à formação e emissão
de ato público-estatal do tipo pronúncia-declaração, nesse caso, de
provimentos normativos legislativos, que, sendo o ato final daquela
cadeia procedimental, dá-lhe finalidade jurídica específica.78
Todavia, não se poderá correr o risco de cair numa idealização
comunitarista, segundo a qual o único processo verdadeiramente
democrático assumiria caracteres concretistas, plebiscitários. Para
apreender, adequadamente, toda a amplitude das categorias “processo”
ou “contraditório”, principalmente quando aplicadas ao processo
legislativo democrático, será preciso abandonar, desde já, uma
compreensão concretizante da soberania popular e compreendê-la
como fluxo difuso apreensível tão somente em termos procedimentais. É
importante salientar que o processo legislativo vincula-se aos discursos
de justificação normativa, que não se prendem ao contexto histórico
das decisões, como ocorre com os discursos de aplicação no processo
jurisdicional, que têm por finalidade reconstruir o Direito à luz de
casos concretos. O processo legislativo situa-se em um nível discursivo
em que argumentos de grande generalidade e abertura são acolhidos,
e, na verdade, funcionam como pontos de partida para a construção
do discurso jurídico, inclusive do doutrinário, do jurisdicional e do
administrativo. Assim, a “participação em simétrica paridade”, dos

Tal compreensão do processo legislativo funda-se numa tentativa explícita de combinar


78

as análises de Elio Fazzalari (1994), de Serio Galeotti (1985) e, num certo sentido, de
Peter Haberle (1997), à luz da Teoria Discursiva do Direito e da Democracia apresentada
por Jürgen Habermas. Cabe registrar, também, que procura desenvolver, criticamente,
preciosas intuições apresentadas em Galuppo (1995). Sobre os conceitos de procedimento
e de processo adotados aqui, ver neste capítulo, infra.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 110 14/04/2015 11:04:45


cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
111

possíveis afetados pelo provimento legislativo, no procedimento que


o prepara, garantida pelo princípio constitucional do contraditório,
é possibilidade de participação na discussão política, mediada
processualmente e não necessariamente atual e concreta.
Sob o paradigma do Direito procedimentalizado do Estado
Democrático de Direito, um processo político deliberativo legítimo,
conformado constitucionalmente, só pode ser compreendido, sob
as condições de uma sociedade complexa, em termos de teoria da
comunicação, como um fluxo comunicativo que emigra da periferia
da esfera pública – cujo substrato é formado pelos movimentos sociais
e pelas associações livres da sociedade civil, surgidos das esferas de
vida privada – e atravessa as comportas ou eclusas (VIEIRA, J. R., 1997,
p. 221-222) dos procedimentos próprios à Democracia e ao Estado de
Direito, ganhando os canais institucionais dos processos jurídicos não
somente legislativos, mas também jurisdicionais e até administrativos,
no centro do sistema político (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 86-91).
Citando Bernhard Peters, Habermas esclarece:

Para poderem ser transpostas com autoridade, decisões impositivas


têm que atravessar os canais estreitos do núcleo: ‘Todavia, a
legitimidade das decisões depende de processos de formação da
opinião e da vontade na periferia. O centro constitui um sistema de
comportas, a ser atravessado por muitos processos no âmbito do
sistema político-jurídico; porém ele só pode controlar a regulação e a
dinâmica desses processos até certo ponto. Modificações podem surgir,
tanto na periferia, como no centro[...] A ideia de democracia repousa,
em última instância, no fato de que os processos políticos de formação
da vontade, que no esquema aqui delineado têm um status periférico
ou intermediário, devem ser decisivos para o desenvolvimento
político.’ (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 88).

A soberania popular, portanto, assumindo forma jurídica,


por meio dos processos legislativos de justificação do Direito,
estruturados constitucionalmente, retrocede, como dito no item
3.3, aos processos democráticos e à implementação jurídica de seus
exigentes pressupostos comunicativos e se faz sentir como um poder
gerado comunicativamente, que deriva das interações/ mediações
entre a formação da vontade institucionalizada juridicamente e
os públicos mobilizados culturalmente, fundados nas associações
da sociedade civil, distinta tanto do Estado quanto do mercado
(HABERMAS, 1995b, p. 120).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 111 14/04/2015 11:04:45


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
112 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

4.4 O processo constitucional como instrumento da


Jurisdição Constitucional
O processo jurisdicional é visto, muitas vezes, sob duas
perspectivas: uma, como instrumento da jurisdição outra, como
instrumento de garantia de direitos. Por quê? Para responder a essa
questão é preciso desenvolver a concepção de processo avançada no
item 4.3. Afinal, como compreender o processo jurisdicional?
O processo jurisdicional é tradicionalmente definido pela
doutrina como o instrumento através do qual a jurisdição opera (CINTRA;
DINAMARCO; GRINOVER, 1997, p. 279). Seguindo um critério
teleológico, a mesma doutrina distingue processo e procedimento
em razão de o primeiro ser, ao contrário do segundo, essencialmente
teleológico e não meramente uma forma. Assim, processo seria o
instrumento pelo qual se exerce a jurisdição, e procedimento seria a
forma pela qual os atos e as fases processuais se sucedem (CINTRA;
DINAMARCO; GRINOVER, 1997, p. 279). E qual seria a natureza jurídica
do processo? Para a doutrina tradicional, o processo é uma relação jurídica
que, angular ou triangular, realiza-se entre o autor, o Estado-juiz e o réu
(CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER; 1997, p. 284 et seq.; GONÇALVES,
1992, p. 70 et seq.; TORNAGHI, 1987, p. 2; CHIOVENDA, 1965, p. 56;
LIEBMAN, 1984a, p. 33 et seq.; CARNELUTTI, 1971, p. 40-41). A relação
jurídico-processual se diferenciaria da relação jurídico-material em
razão de pressupostos ou condições de existência específicos, quanto aos
sujeitos e ao objeto. E é nesse sentido que os autores falam em pressupostos
processuais (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 1997, p. 291).
Essas duas compreensões – a distinção entre processo e procedimento
com base num critério teleológico e a da natureza jurídica do processo como
relação jurídica – podem ser duramente criticadas (GONÇALVES, 1992,
p. 64-66; p. 81 et seq.). A primeira, não só porque se esquece que mesmo
dentro do seu próprio quadro conceptual o procedimento não seria uma
mera exterioridade, já que teria a mesma finalidade do processo a que
se prestaria, mas também por lidar com um conceito não só restrito mas
pouco sofisticado de procedimento; e a segunda porque ao conceber o
processo como relação jurídica expõe-se às críticas levantadas no plano da
Teoria Geral do Direito, quer fundadas em Hans Kelsen (1987, p. 176-181),
quer na teoria das situações jurídicas (ROUBIER, 1946; DUGUIT, 1975).79

Cabe considerar que as divergências com o enfoque kelseniano são múltiplas e


79

necessitariam toda uma digressão à parte. Várias delas serão objeto de exposição e de
análise, durante o desenvolvimento deste e do próximo capítulo. Discordaremos, p. ex., da

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
113

A concepção de processo apresentada no ponto 4.3 deste trabalho


não distingue o processo e o procedimento por meio de um critério
teleológico nem compreende o processo como relação jurídica ou o
procedimento como mera forma. Assume, da perspectiva reconstrutiva da
Teoria Discursiva do Direito e da Democracia, de Jürgen Habermas (1997b),
a tese de Elio Fazzalari (1994), exposta e desenvolvida por Aroldo Plínio
Gonçalves (1992), segundo a qual o processo se diferencia do procedimento
porque este último é um conceito mais amplo; procedimento é gênero do
qual o processo é espécie. Para chegar a essa distinção, há que se partir tanto
de um conceito renovado de procedimento quanto de processo, condizente
não somente com o estágio atual da Teoria Geral do Direito, quanto com
o sistema normativo em que esses conceitos surgem.
Procedimento (FAZZALARI, 1994, p. 76 et seq.; GONÇALVES,
1992, p. 102 et seq.), assim como processo, é categoria da Teoria Geral
do Direito. Procedimento é a atividade de preparação de provimentos
estatais. Provimentos estatais são atos de caráter vinculante do Estado
que geram efeitos sobre a esfera jurídica dos cidadãos. Provimentos
podem ser legislativos, jurisdicionais ou administrativos, dependendo
do procedimento que os prepara. Todavia, o procedimento não se esgota
na simples preparação do provimento, ele possui uma característica
fundamental, a forma específica de interconexão normativa entre os atos
que o compõem. Visando à preparação do provimento, o procedimento
possui sua específica estrutura constituída da sequência de normas, atos,
situações jurídicas e posições subjetivas, em uma determinada conexão,
em que o cumprimento de uma norma da sequência é pressuposto da
incidência de outra norma e da validade do ato nela previsto.
O processo (FAZZALARI, 1994, p. 82 et seq.; GONÇALVES, 1992,
p. 115 et seq.) caracteriza-se como uma espécie de procedimento pela
participação na atividade de preparação do provimento dos interessados,

justificação “pragmática”, apresentada por Kelsen, para a instituição de Tribunais e Cortes


Constitucionais, bem como da caracterização do processo constitucional e do controle de
constitucionalidade, a sua tese do “legislador negativo”. Quanto a Roubier e a Duguit, caberia
problematizar os seus enfoques claramente vinculados ao paradigma do bem-estar social
(BARACHO JÚNIOR, 1998, p. 69). Não consideramos que o abandono da teoria clássica do
direito subjetivo leve necessariamente a uma assimilação dos direitos a bens juridicamente
atrativos, ainda que no sentido, inclusive, de “posições de vantagem” em relação a bens
(GONÇALVES, 1992, p. 93). Nisso, estamos, mais uma vez, com Dworkin e Habermas
(1997b, v. 1, p. 314), e consideramos que o sistema de direitos deve ser compreendido
deontologicamente e como garantidor da autonomia jurídica (ver capítulo 3), sob pena de se
instrumentalizar o processo, a jurisdição e o próprio Direito a escopos ético-políticos, como
em Dinamarco (1996). Remeto, também, tal discussão para CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a,
p. 138-143, no que se refere à distinção, e à sua importância para a aplicação jurídica, entre
norma e valor, direito e bem. Ver também, neste mesmo capítulo, infra.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
114 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

juntamente com o autor do próprio provimento, como no caso do


processo jurisdicional, ou dos seus representantes, como no caso do
processo legislativo. Os interessados são aqueles em cuja esfera jurídica
o provimento está destinado a produzir efeitos, mas essa participação
se dá de uma forma específica, dá-se em contraditório. Contraditório,
mais que a simples garantia de dizer e contradizer, é garantia de
participação em simétrica paridade. Portanto, haverá processo sempre
onde houver o procedimento realizando-se em contraditório entre os
interessados, e a essência deste está justamente na simétrica paridade de
participação, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele
são interessados porque, como seus destinatários, sofrerão seus efeitos.
Cabe, aqui, marcar uma certa diferença entre o pensamento de
Serio Galeotti (1985) e o de Elio Fazzalari (1994) quanto à caracterização
do processo e, portanto, de sua diferenciação em face do procedimento.
Embora ambos praticamente partam da mesma noção do que seja
procedimento e considerem o procedimento gênero do qual o processo
é espécie, Serio Galeotti utiliza outro critério que não o do modo de
participação dos afetados no processo para diferenciar esses conceitos: o
da finalidade. O processo é o procedimento jurisdicional, que visa a um
ato específico, o provimento jurisdicional. O termo processo é, assim,
reservado para o exercício do Poder Jurisdicional. Esclarece Menelick
de Carvalho Netto que, para Serio Galeotti,

[...] consoante ao papel e à posição que sejam assinalados aos sujeitos


privados no devir da categoria do ato total, será possível proceder a úteis
distinções e classificações no interior do gênero procedimental as quais
certamente virão emprestar maior rigor e precisão à tarefa de distinguir,
no gênero, a espécie mais complexa que se consubstancia no procedimento
jurisdicional ou processo propriamente dito. Esse deverá ser caracterizado
não mais com base apenas no critério da cooperação que as pessoas privadas
exerceriam na elaboração do ato total, ou seja, da participação necessária
dos destinatários do mesmo. (CARVALHO NETTO, 1992, p. 235).

E por quê? Porque para Galeotti o próprio procedimento,


enquanto cadeia de atos que tem sua unidade de referência no ato final
que esta prepara, sob o influxo dos princípios democráticos,

[...] é requerido não apenas pela complexidade da necessária articulação


estrutural do Estado moderno, mas também, e quase na mesma medida,
pelo fato de que o ordenamento condiciona o exercício das funções públicas,
de forma e intensidade variadas, à cooperação dos destinatários do ato
pronúncia-declaração estatal” (CARVALHO NETTO, 1992, p. 234).

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
115

Portanto,

[...] para Galeotti, a especificação deveria ser aprofundada mediante a


análise da peculiaridade com que cada uma das características específicas do
procedimento, enquanto gênero, é enriquecida na figura do procedimento
processual, peculiaridade do nexo processual, peculiaridade do ato total,
ou seja, da sentença, do acórdão. (CARVALHO NETTO, 1992, p. 235).

Essas considerações devem ser levadas a sério, mas no sentido


de que, ao se reconstruírem as “finalidades” do processo legislativo
(“procedimento legislativo”, na expressão de Serio Galeotti) e do
processo jurisdicional, é necessário destacar a diferença entre eles
quanto à lógica da argumentação, pois o primeiro estrutura discursos de
justificação jurídico-normativa e o segundo, discursos de aplicação. Um
se refere à justificação da validade jurídica, o outro à adequabilidade de
uma normativa válida a uma situação de aplicação a um caso concreto.
Essa diferença, realmente, afeta o próprio modo pelo qual o “princípio
do contraditório” densifca-se em um e em outro processo.
De toda forma, partindo-se, ainda que com ressalvas, do conceito
renovado de processo como “procedimento realizado em contraditório”,
em que sentido poder-se-ia compreender a afirmação segundo a qual,
por um lado, o processo jurisdicional é instrumento do exercício da
jurisdição e, por outro, é instrumento de garantia de direitos?
Primeiramente, cabe dizer que essas duas perspectivas,
muitas vezes, podem esconder uma compreensão estatalista da
jurisdição que a teoria do processo como procedimento realizado em
contraditório quer romper. Assim, deve-se resgatar, mais uma vez,
o papel e a finalidade do processo jurisdicional, sob o paradigma
do Estado Democrático de Direito
A tensão interna, sob o paradigma procedimentalista do
Estado Democrático de Direito, entre a pretensão de legitimidade e a
positividade do Direito manifesta-se, no exercício da jurisdição, como
o problema de um procedimento decisório que seja a um só tempo
correto e consistente. Tal tensão assume vida nova no nível pragmático
do próprio processo jurisdicional, porque as exigentes formas de
comunicação e do procedimento de argumentação devem harmonizar-
se com as restrições impostas pelo próprio Direito, pela necessidade de
fato de decisão. Nesse sentido:

O Direito mais uma vez deve ser aplicado a si mesmo na forma de normas
de organização, não somente para criar competências jurisdicionais, mas

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 115 14/04/2015 11:04:45


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
116 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

para estabelecer discursos jurídicos como componentes dos processos


jurisdicionais. Normas de Direito Processual institucionalizam o
processo de decisão judicial de tal modo que o julgamento e a sua
fundamentação possam ser considerados o resultado de um jogo
argumentativo governado por um programa específico. Mais uma
vez, os procedimentos jurídicos entrecruzam-se com processos de
argumentação, e de tal modo que o Direito Processual que institua
discursos jurídicos não deva interferir na lógica argumentativa interna
que caracteriza tais discursos. O Direito Processual não regula os
discursos jurídico-normativos enquanto tais, mas assegura nos aspectos
temporal, social e material a estrutura institucional que libera o caminho
do processo de comunicação governado pela lógica dos discursos de
aplicação. (HABERMAS 1996a, p. 234-235; 1997b, v. 1, p. 292).

No quadro do exercício do Poder Jurisdicional, o Direito realiza


sua pretensão de legitimidade e de certeza da decisão por meio, por um
lado, da reconstrução argumentativa no processo da situação de aplicação
e, por outro, da determinação argumentativa de qual, dentre as normas
jurídicas válidas, é a que deve ser aplicada, em razão de sua adequação,
ao caso concreto. Contudo, não só por isso. A argumentação jurídica pela
qual se dá a reconstrução do caso concreto e a determinação da norma
jurídica adequada está submetida à garantia processual de participação
em contraditório dos destinatários do provimento jurisdicional.
O contraditório é uma das garantias centrais dos discursos de
aplicação jurídica institucional e é condição de aceitabilidade racional
do processo jurisdicional:

Entre uma decisão ‘justa’, tomada autoritariamente, e uma decisão


‘justa’, construída democraticamente, não pode deixar de haver
diferença, quando se crê que a dignidade humana se realiza através da
liberdade. (GONÇALVES, 1992, p. 174).

Processo, portanto, é procedimento discursivo, participativo,


que garante a geração de decisão participada. Como afirma Aroldo
Plínio Gonçalves,

[...] a finalidade do processo jurisdicional é, portanto, a preparação


do provimento jurisdicional, mas a própria estrutura do processo,
como procedimento desenvolvido em contraditório entre as partes,
dá a dimensão dessa preparação: com a participação das partes, seus
destinatários, aqueles que terão os seus efeitos incidindo sobre a esfera
de seus direitos. A estrutura do processo assim concebido permite que
os jurisdicionados, os membros da sociedade que nele comparecem,

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cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
117

como destinatários do provimento jurisdicional, interfiram na sua


preparação e conheçam, tenham consciência de como e por que nasce o
ato estatal que irá interferir em sua liberdade; permite que saibam como
e por que uma condenação lhes é imposta, um direito lhes é assegurado
ou um pretenso direito lhes é negado.[...] A instrumentalidade técnica
do processo, está em que ele se constitua na melhor, mais ágil e mais
democrática estrutura para que a sentença que dele resulta se forme,
seja gerada, com a garantia de participação igual, paritária, simétrica,
daqueles que receberão os seus efeitos. (GONÇALVES, 1992, p. 171).

Assim, não se pode opor o exercício do Poder Jurisdicional


à garantia de direitos, pois é por meio do processo jurisdicional
realizado em contraditório entre as partes, com o juiz ou tribunal
autor do provimento, que o provimento jurisdicional é emitido e a
função jurisdicional é exercida.
Todavia, há, em segundo lugar, um problema quanto a
compreender o processo como garantidor, assim sem maiores
esclarecimentos e em termos tão concretistas, chiovendianos até, de
“direitos materiais”. Como afirma Aroldo Plínio Gonçalves,” os direitos
garantidos no processo não se confundem com o direito material que
será objeto de exame na sentença” (GONÇALVES, 1992, p. 176).
O processo jurisdicional é o instrumento pelo qual se dá o
exercício do Poder Jurisdicional e se garantem, nos termos analisados,
direitos de participação e de condições procedimentais que possibilitam
a geração legítima do provimento jurisdicional (CATTONI DE
OLIVEIRA, 1998a, p. 129 et seq.). Contudo, nem sempre o processo
jurisdicional é garantidor de direitos materiais, pois nem sempre
a jurisdição deverá tutelar ou atuar um direito. Apreciando uma
alegação de dano ou de ameaça de dano a direito, pode ser que pelo
processo se chegue à conclusão de que não há direito a ser atuado ou
garantido em face de lesão ou de ameaça. Todavia, pelo menos no caso
brasileiro, como lembra Aroldo Plínio Gonçalves (1992, p. 141; 164 et
seq.), o processo ter-se-á desenvolvido utilmente e até o provimento,
e a Jurisdição terá cumprido a sua finalidade, que é a de apreciar se
houve ou não ameaça ou lesão a direito, nos termos do art. 5º, XXXV,
da Constituição da República.
Contudo, superadas tais questões, cabe, por agora, perguntar:
Qual é a jurisdicionalidade da Jurisdição Constitucional? O exercício da
Jurisdição Constitucional se dá sempre por um processo constitucional?
E as questões a serem tratadas pela Jurisdição Constitucional sempre
envolvem, ainda que indiretamente, direitos fundamentais?

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
118 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Os autores apresentam um espectro bastante amplo da Jurisdição


Constitucional.80 Antes de mais nada, é preciso lembrar queestamos
diante de uma questão que deve ser vista também à luz do Direito
Positivo de cada comunidade jurídica concreta,81 embora seja possível
concluir algo da perspectiva de uma teoria geral.
Partindo de uma distinção bastante questionável, própria
dos sistemas jurídicos da Europa continental, entre direito objetivo e
direito subjetivo, os autores distinguem, fundamentalmente, dois grandes
setores de atuação da Jurisdição Constitucional: Garantia de direitos
fundamentais, a chamada Jurisdição Constitucional das Liberdades;82 e
garantia da Constituição,83 que envolve desde conflitos de competência
constitucionalmente configuradas até o chamado controle de
constitucionalidade da lei em tese. Gomes Canotilho assim esquematiza os
“campos problemáticos” da Jurisdição Constitucional, ressalvando-se as
particularidades concretas de cada ordenamento jurídico-constitucional:

1 – Litígios constitucionais (Verfassungstreitigkeiten), isto é, litígios entre


os órgãos supremos do Estado (ou entre entes com direitos e deveres
constitucionais);
2 – Litígios emergentes da separação vertical (territorial) de órgãos
constitucionais (ex.: federação e órgãos federados, estados e regiões);
3 – Controlo da constitucionalidade das leis e, eventualmente, de outros
actos normativos (Normenkontrolle);
4 – Protecção autónoma de direitos fundamentais (Verfassungsbeschwerde,
“recurso de amparo”);
5 – Controlo da regularidade de formação dos órgãos constitucionais
(contencioso eleitoral) e de outras formas importantes de expressão
política (referendos, consultas populares, formação de partidos);
6 – Intervenção nos processos de averiguação e apuramento da
responsabilidade constitucional e, de um modo geral, a defesa
da constituição contra crimes de responsabilidade (“Verfassungs-
chutzverfahren”)? (CANOTILHO, 1998, p. 789).

80
Por exemplo: BARACHO, 1995; DANTAS, 1996; MENDES, 1998a; CANOTILHO, 1995
p. 953 et seq.; 1998, p. 781 et seq.; CAPPELLETTI, 1992; FAVOREU, 1994; KELSEN, 1981;
COMBELLAS, 1995; FIX-ZAMUDIO, 1995; HERDEGEN, 1995; STEIN, 1996; ABAD
YUPANQUI, 1996; BREWER-CARÍAS, 1996; LÕSING, 1996; FERNANDEZ SEGADO,
1996; CARLUCCI-MOSSO, 1996.
81
Por exemplo, PIZZORUSSO, 1987; SCHLAICH, 1987; OEHLINGER, 1987; CAPPELLETTI,
1992; BOUZAT, 1991; MENDES, 1998.
82
Por exemplo, CAPPELLETTI, 1976; FIX-ZAMUDIO, 1995; BOREA ODRÍA, 1995;
ALCALÁ, 1997; TORREALBA SANTIAGO, 1997; AYALA CORAO, 1996; ALEXY, 1993.
83
Por exemplo, GALLEOTTI, 1950; ANTUNES, 1993; CLÈVE, 1995; DANTAS, 1996;
STREINZ, 1997; COLAPIETRO, 1996.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 118 14/04/2015 11:04:46


cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
119

Já vimos como a utilização do termo garantia deve ser esclarecida


para não cairmos numa armadilha conceitual. Vamos, agora, enfrentar
o desafio de aplicar os princípios constitucionais do processo à Jurisdição
Constitucional.
A pergunta acerca da jurisdicionalidade da Jurisdição Constitucional
levanta a questão da separação de poderes e da divisão de funções entre
os órgãos que exercem a Jurisdição Constitucional e principalmente os
órgãos legislativos (HABERMAS, 1997b, p. 297 et seq.; DWORKIN, 1986;
ELY, 1980; TRIBE, 1985; PERRY, 1994; RICHARDS, 1989). O que diferencia,
fundamentalmente, a Jurisdição Constitucional do Poder Legislativo, o
Processo Jurisdicional Constitucional do Processo Legislativo? Afinal, a
Jurisdição Constitucional concorre com o Poder Legislativo?
A famosa caracterização da Corte Constitucional como legislador
negativo é de Hans Kelsen (1981, p. 256). Em resposta às críticas de Carl
Schmitt (1983), Kelsen, movendo-se do terreno metodológico para o da
política, apresenta uma sofisticada leitura, em termos formais, do controle de
constitucionalidade das leis, segundo a qual o objeto do controle não seria
uma norma jurídica, mas o processo de produção da norma (KELSEN, 1981, p.
246 ss.). E, em última análise, toda questão de inconstitucionalidade material
seria uma questão de inconstitucionalidade formal (KELSEN, 1981, p. 154).
Todavia, tal posição, que poderia sugerir uma leitura
procedimentalista do Direito, permanece problemática, pois a
compreensão de um legislador negativo pressupõe uma leitura do
princípio da separação dos poderes, que ainda se move do paradigma do
Estado Liberal ao paradigma do Estado de Bem-Estar-Social.
Em La garanzia costituzionale della costituzione (La giustizia
costituzionale), Kelsen assim esclarece seu ponto de vista, quanto à
caracterização da função de uma Corte Constitucional independente,
em face da separação de poderes:

Certamente, a anulação de um ato legislativo por parte de um órgão


diverso constitui invasão do ‘poder legislativo’, para dizer em termos
correntes. Mas isso aparece como argumentação bastante problemática
não apenas se se considera que o órgão a que é confiada a anulação das leis
inconstitucionais, também – em razão da independência dos seus membros
–, vem organizado em forma de tribunal, que não exerce em realidade uma
verdadeira função jurisdicional. Embora se possa distinguir a diferença entre
a função jurisdicional e a função legislativa, essa diferença consiste antes
de tudo no fato de esta criar normas gerais enquanto aquela cria somente
normas individuais (Possamos aqui sublinhar o fato de que também essa
não é uma distinção de princípio...). Ora, anular uma lei significa editar uma
norma general, já que tal anulação tem o mesmo caráter de generalidade da

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
120 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

formação da lei, sendo por assim dizer uma formação com sinal negativo e,
portanto, uma função legislativa. E um tribunal que possui o poder de anular
as leis é por consequência órgão do Poder Legislativo. A anulação das leis
por um tribunal poderia ser, portanto, considerada tanto como repartição
do poder legislativo quanto como invasão do Poder Legislativo[...] Se
se quer manter [o princípio da separação dos poderes] numa república
democrática, pode ser somente tomando razoavelmente em consideração,
dentre os vários, o significado que exprime a expressão ‘divisão de poderes’,
melhor do que a de separação, a idéia, a saber, da repartição do poder
entre órgãos diversos, não tanto para isolá-los reciprocamente, quanto
para consistir num controle de uns sobre os outros. E isso não somente
para impedir a concentração de um poder excessivo nas mãos de um só
órgão – concentração que seria danosa para a democracia –, mas para
garantir outrossim a regularidade do funcionamento dos diversos órgãos.
Mas agora a jurisdição constitucional não contrasta completamente com
o princípio da separação de poderes, em vez disso é uma afirmação. [...]
A sua independência tanto perante o parlamento quanto em relação ao
governo é um postulado evidente. É realmente correto que o parlamento e o
governo, os órgãos que participam do procedimento legislativo, devam ser
controlados pelo órgão da justiça constitucional. (KELSEN, 1981, p. 172-174).

Dissertando acerca da legitimidade e da conveniência jurídica


da criação de Cortes Constitucionais, Kelsen assim desloca suas
preocupações metodológicas para o campo pragmático da política,
após buscar caracterizar o que poderia ser uma leitura “formal”
do controle de constitucionalidade, mas que só seria efetivamente
possível se realizada de um ponto de vista procedimental adequado.
Apontando o argumento decisivo segundo o qual é politicamente
conveniente não encarregar o parlamento ou o governo do controle
de constitucionalidade das leis e regulamentos, afirma:

Uma vez que nos casos mais importantes de transgressão da constituição


o parlamento e o governo passam a ser partes litigantes, recomenda-
se apelar para uma terceira instância para decidir o conflito, a qual
esteja acima dessa oposição, impossibilitada ela mesma de exercer o
poder, a qual divide essencialmente a constituição entre o governo e o
parlamento. Isso confere inevitavelmente um certo poder a tal instância.
Porém o fato de atribuir a um órgão o simples poder de controlar a
constituição não é o mesmo que fortalecer ainda mais o poder de um
dos dois portadores principais do poder, conferindo-lhe o controle da
constituição. (KELSEN apud HABERMAS 1997b, v. 2, p. 302).84

84
Tal passagem, assim, completa-se: “Il vantaggio fondamentale di un tribunale
costituzionale sta in ciò, che esso, non partecipando sin dall’inizio all’esercizio del

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 120 14/04/2015 11:04:46


cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
121

Se compreendermos fundamentalmente a Constituição como a


regulação de processos que visam garantir o exercício da autonomia,
como ficou assentado, mais um vez, no item 4.3, de uma perspectiva
que supera tanto o paradigma liberal quanto o paradigma de bem-estar
social, de Constituição, poderemos reconstruir a tarefa da Jurisdição
Constitucional no exercício do controle de constitucionalidade como
primordialmente referida ao exame e à garantia de realização das
condições procedimentais da gênese democrática do Direito, como nos
mostra Habermas.85 Contudo, tal referência às condições procedimentais
do processo legislativo democrático não faz da Jurisdição Constitucional
um poder legislativo, ainda que negativo, porque sua perspectiva
lógico-argumentativa não deve ser a perspectiva do Legislativo, que
deve visar ao estabelecimento de programas e políticas para a realização
dos direitos constitucionais, mas a da aplicação reconstrutiva do Direito
Constitucional (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 322; p. 327-328; CATTONI
DE OLIVEIRA, 1998a, p. 96-97; p. 129 et seq.).86
Estamos diante de uma diferença qualitativa e não meramente
quantitativa: enquanto os discursos legislativos de justificação
normativa se referem à validade das normas, nos termos das condições
institucionais exigidas pelo princípio democrático (CATTONI DE
OLIVEIRA, 1998a, p. 50-52; p. 144-146; HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 145-
147; p. 190 et seq.), os discursos jurisdicionais de aplicação normativa se
referem à adequabilidade de normas válidas a um caso concreto, à luz de
visões paradigmático-jurídicas que cobram reflexividade (CATTONI DE
OLIVEIRA, 1998a, p. 144-146; HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 269-276). No
processo constitucional, não se trata de justificar a validade das normas
jurídicas legislativas, mas sim de averiguar a constitucionalidade e a
regularidade do processo legislativo, aplicando a Constituição. Há
uma diferença inafastável entre os processos legislativo e jurisdicional
constitucional quanto ao modo e a finalidades.
E o que se pode dizer acerca de a Jurisdição Constitucional ser
ou não exercida por meio de um processo, o Processo Constitucional?
Esta também é uma questão que deve ser analisada à luz dos diversos

potere, non si pone in contrasto necessario col parlamento o col governo.” (KELSEN,
1981, p. 270).
85
Ainda que sujeito a certas críticas no âmbito do Direito Constitucional Comparado, ver
HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 322-330. Como se verá, mais à frente, isso não faz da Jurisdição
Constitucional um guardião republicano do processo político (HABERMAS, 1997b, v. 1, p.
345-347).
86
Sobre o assunto, ver, fundamentalmente, o próximo capítulo.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 121 14/04/2015 11:04:46


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
122 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

ordenamentos jurídicos. Onde houver procedimento que se realiza em


contraditório, haverá processo, como no caso do modelo constitucional
brasileiro de controle judicial de constitucionalidade. Isso serve,
inclusive, para o controle concentrado, por via principal, apesar da
ideia geralmente divulgada de que controle concentrado, por via de
ação, sempre se realiza por meio de “processo objetivo”, ou seja, de
mero procedimento de “jurisdição voluntária”:

Em relação ao processo de apreciação de inconstitucionalidade da


lei em tese, as divergências doutrinárias sobre sua natureza, como
‘processo’ ou como processo de ‘jurisdição voluntária’, ou seja, simples
procedimento, não poderão ser resolvidas sem o exame do direito
positivo, que determina a estrutura do procedimento em que se dá o
controle da constitucionalidade. As dúvidas, entretanto, não alcançam
o Direito brasileiro, pois o contraditório ressalta do art.103 e parágrafos,
da Constituição da República de 05 de outubro de 1988, sendo que o
§3º expressamente determina a prévia citação do Advogado-Geral da
União, ‘que defenderá o ato ou o texto impugnado’, quando o Supremo
Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade em tese (abstrata)
de uma norma legal ou ato normativo. É, portanto, um verdadeiro
processo, e não um simples procedimento, ou um ‘processo de jurisdição
voluntária’. (GONÇALVES, 1992, p. 117-118).

4.5 Constituição: reserva de Justiça? Justiça Constitucional


ou Jurisdição Constitucional? – uma pequena discussão
A fim de avançarmos no estudo acerca do sentido
especificamente democrático da Jurisdição Constitucional, uma
outra questão, acerca de suas finalidades, impõe-se: a Jurisdição
Constitucional deve considerar a Constituição como uma “reserva
de Justiça”? E mais: a Jurisdição Constitucional seria a expressão
de uma Justiça Constitucional? Esse tema se relaciona, com certeza,
com a problemática do “acesso à justiça”. Afinal, tem sentido falar,
e em que medida, de “acesso à ordem jurídica justa”?
A expressão Justiça Constitucional é usada de dois modos
fundamentais: como o ideal ou a compreensão de justiça constitucionalmente
adotados ou como tribunal ou tribunais que exercem a Jurisdição
Constitucional. O segundo sentido não nos parece, a esta altura, o mais
problemático, pois está relacionado, fundamentalmente, ao critério
classificatório que Mauro Cappelletti (1992) chama de subjetivo e
à pergunta por quem exerce a Jurisdição Constitucional ou, mais
especificamente, o controle de constitucionalidade.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 122 14/04/2015 11:04:46


cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
123

Tratando-se do primeiro sentido, uma série de autores


contemporâneos fala em Justiça da Constituição ou em modelo de justiça
constitucionalmente adotado (VIEIRA, O. V., 1997; 1999), buscando
destacar o conteúdo moral (DWORKIN, 1996) ou o conteúdo ético
(PERRY, 1990; 1994) da Constituição, conforme estejam filiados a uma
corrente de pensamento político liberal ou comunitarista, no sentido
de marcar o que seria a normatividade constitucional, da perspectiva
de diversas teorias materiais da Constituição (CANOTILHO, 1982, p.
90 et seq.; 1995, p. 84; 1998, p. 1.192; HESSE, 1991; 1998).
Todavia, muitas vezes, no passado, ao se identificarem conteúdos
morais ou éticos em normas constitucionais, querer-se-ia assinalar o
contrário. Várias teorias jurídico-políticas que surgiram em Weimar
e, depois, desenvolvidas em uma perspectiva pessimista no pós-
Segunda Guerra vão questionar a normatividade e a juridicidade
das Constituições que surgem a partir do advento do Estado Social,
com base em argumentos que hoje muitos autores buscam utilizar
para justificar a tese contrária, a da força normativa da Constituição.
Embora tão diferentes, Max Weber (1987, p. 498 et seq.), interpretando
as Constituições e o Direito de Bem-Estar Social como verdadeiras
perversões da racionalidade jurídico-formal moderna, chamava atenção
para o processo de “materialização do Direito”, por meio de conteúdos
morais e éticos diversos; e Carl Schmitt (BONAVIDES, 1997, p. 208), que
afirmava que uma série de dispositivos constitucionais não passavam de
meras diretivas e conselhos morais à disposição do legislador. Também
as famosas teorias das normas constitucionais programáticas (SILVA, J.
A., 1982; BONAVIDES, 1997, p. 210 ss.; CANOTILHO, 1982) vão, muitas
vezes, negar normatividade a vários dispositivos constitucionais, em
razão da “estrutura”, da “abertura” ou da “generalidade” desses.
De uma perspectiva diferente, Kelsen irá tomar posição nessa
discussão ao dizer que se houver justiça no Direito, esta só poderia ser
entendida como a realização da coerência e da certeza do Direito, numa
compreensão da “justiça como legalidade”, em que se reafirmaria a
pretensa racionalidade formal do Direito:

Essa mudança de significado do conceito de justiça caminha lado a lado


com a tendência de retirar o problema da justiça da insegura esfera dos
julgamentos subjetivos de valor e de estabelecê-lo no terreno seguro de
uma ordem jurídica determinado. Nesse sentido, a ‘justiça’ significa
legalidade; é ‘justo’ que uma regra geral seja aplicada em todos os casos
em que, de acordo com seu conteúdo, esta regra deva ser aplicada.
É ‘injusto’ que ela seja aplicada em um caso, mas não em outro caso

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 123 14/04/2015 11:04:46


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
124 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

similar. A justiça, no sentido de legalidade, é uma qualidade que se


relaciona não com o conteúdo de uma ordem jurídica, mas com sua
aplicação. Nesse sentido, a justiça é compatível e necessária a qualquer
ordem jurídica positiva, seja capitalista ou comunista, democrática ou
autocrática. ‘Justiça’ significa a manutenção de uma ordem positiva
através de sua aplicação escrupulosa. Trata-se de justiça ‘sob o Direito’.
[...] Apenas com o sentido de legalidade é que a justiça pode fazer parte
de uma ciência do Direito. (KELSEN, 1992, p. 21).

Todas essas teorias, tanto as do passado quanto as do presente,


que com base numa compreensão moral, ética ou até formalista do
Direito irão confirmar ou negar normatividade ou vinculatividade à
Constituição, partem de um engano comum: de uma compreensão, de
uma forma ou de outra, fundada numa visão oitocentista de Direito
(BARACHO, 1985, p. 25 et seq.). Veremos, agora, por quê.
Se, por um lado, as teorias materiais da Constituição confundem o
Direito com a eticidade ou com a moralidade, reduzindo a Constituição
a uma ordem material de valores, na linha da Corte Constitucional
Federal alemã (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 316-317; LARENZ, 1983,
p. 139 et seq.; ALEXY, 1993b), ou fundando o Direito em princípios
morais, na linha do liberalismo (DWORKIN, 1996), por outro lado
as doutrinas positivistas, cépticas, mas também as decisionistas,
reduzem a complexidade de um ordenamento jurídico dinâmico e
aberto de regras e princípios a um sistema de regras, ao consagrarem,
de uma forma ou de outra, um modelo normativo de regras87 e não de
princípios (DWORKIN 1986; HABERMAS, 1997b). Desenvolveremos
tais afirmações com o que se segue.
O Direito não se confunde, em primeiro lugar, com a eticidade
porque, como vimos, as razões que o legitimam não se reduzem a
questões de identidade político-cultural, ou seja, àquilo que é bom a
médio e a longo prazos, para os membros de uma comunidade concreta.
Embora tendo vigência sobre comunidades específicas, o Direito se abre
também a razões morais universais, a o que seria bom não somente
para nós, para todos. Não pode, também, deixar de estar aberto a
questões pragmáticas, a interesses concorrentes, presentes no cenário
político, e a imperativos funcionais de vários sistemas sociais, como o
da política e o da economia. As razões que fundamentam o Direito são,
portanto, mais complexas. E, todavia, mais que isso: como vimos, o que
legitima o Direito no processo pelo qual o Direito desfaz o paradoxo

87
De um lado, Kelsen (1987) e Hart (1994), por outro, Schmitt (1927; 1988; 1992).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 124 14/04/2015 11:04:46


cAPÍTULO 4
TEORIA DIS CURSIVA DA CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CONSTITUCIONAL
125

do Direito gerando Direito é o processo legislativo democrático, que


deve ser estruturado no sentido de possibilitar a garantia do exercício
discursivo da autonomia pública dos cidadãos. Em segundo lugar,
o Direito não se confunde com a eticidade porque, embora razões
axiológicas e teleológicas informem os processos jurídicos, o código
do sistema jurídico, diferentemente do código ético, é deontológico
e não teleológico: segundo o Direito, assim como para a moralidade,
uma ação conforme normas é devida e não simplesmente preferida ou
convenientemente realizada, como no caso de ações conforme valores.
Contudo, o Direito, como já vimos, embora tenha um código binário,
deontológico, e esteja aberto a razões universalmente aceitáveis, não se
confunde, nem se reduz e nem é um mero subconjunto da moralidade
porque, como vimos, o Direito, além de estar aberto a razões éticas e
pragmáticas, tem uma natureza institucional e está em uma relação com
a política que a moralidade não está. Assim, enquanto a moralidade se
justifica por meio de discursos, cuja própria lógica da argumentação é
regida pelo princípio moral da universalização, o Direito justifica-se por
meio de processos democráticos institucionalizados que se abrem, dentro
de certos limites, à possibilidade para negociações, barganhas, em razão,
inclusive, da própria necessidade funcional de decisão:

Enquanto o princípio moral opera no nível da constituição interna


de um determinado jogo de argumentação, o princípio democrático
refere-se ao nível da institucionalização externa e eficaz da participação
simétrica numa formação discursiva da opinião e da vontade, a
qual se realiza em formas de comunicação garantidas pelo direito.
(HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 146).

A tensão presente no Direito entre a garantia da manutenção


de expectativas generalizadas de comportamento e pretensão de
legitimidade está, aqui, mais uma vez, fazendo-se presente. Confundir
Direito e moralidade é retornar ao jusnaturalismo e é desconsiderar a
complexa relação que existe entre política e Direito no marco do processo
legislativo democrático (HABERMAS, 1996a, p. 233 et seq.). O que há entre
eles é uma relação de complementaridade, em que o Direito dá suporte
institucional a razões morais e a moralidade abre ao Direito uma gama
de razões universalizáveis (HABERMAS, 1996a, p. 104 et seq.).
O Direito, também, não é, como o compreende o positivismo,
mas também o decisionismo, um sistema de regras, a ser política e
discricionariamente realizado, reduzindo-se a dinâmica jurídica a
um sistema escalonado de autorizações em branco, na falta de regras

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
126 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

precisas. A dinâmica do Direito escapa a todo positivismo e a todo


decisionismo porque, em primeiro lugar, o Direito é fundamentalmente
um ordenamento de normas prima facie (princípios), aplicáveis a uma
diversidade de situações possíveis, que concorrem no momento da
aplicação a reger um caso concreto (DWORKIN, 1978, p. 14 et seq.;
GÜNTHER,1993, p. 207 et seq.). E em segundo porque essa dinâmica,
como já dito no item 4.3 deste trabalho, é uma dinâmica processual e
argumentativa (HABERMAS, 1996a, p. 222 et seq.), da qual participam
uma pluralidade de sujeitos, sob o pano de fundo de uma “sociedade
aberta de intérpretes da Constituição” (HABERLE, 1997).
Mas, então, em que sentido se poderia falar em Justiça
Constitucional, no primeiro sentido considerado? A Constituição
poderia realmente consagrar um modelo ou ser uma reserva de justiça?
Como vimos, com base no paradigma do Estado Democrático
de Direito, a Constituição não pode mais ser vista como a imposição
de uma única forma de vida concreta à sociedade, como, por exemplo,
tantas vezes já se compreendeu a expressão “justiça social”, sob o
paradigma do Estado de Bem-Estar Social, se se reconhece a pluralidade
cultural e de vida das sociedades complexas atuais.
Contudo, não se pode retornar ao modelo liberal, cinicamente
insinuado pelos neoliberais, porque a Constituição não pode mais ser
compreendida como um mero instrumento de governo que limita o
poder do Estado e assegura, assim, a liberdade, porque os direitos
fundamentais não se encontram ameaçados somente pelo poder
administrativo, mas também pelo poder econômico e social.
Compreendendo a Constituição, fundamentalmente, como a
regulação de processos que, por meio da interpretação e elaboração de
um sistema de direitos básicos, possibilita o exercício discursivo das
autonomias pública e privada dos cidadãos, a Justiça Constitucional,
no sentido de Justiça da Constituição, também, só pode ser interpretada
em termos procedimentais, abertos a novas discussões e revisões,
e da perspectiva da relação de complementaridade, já destacada,
entre o Direito e uma moralidade também compreendida em termos
procedimentais. Ou seja, segundo Habermas:

[...] a constituição estabelece processos políticos de acordo com os quais


os cidadãos possam, no exercício do seu direito à autodeterminação,
perseguir, com sucesso, a realização do projeto cooperativo de
estabelecer justas (e recorrentemente mais justas) condições de vida.
(HABERMAS, 1996a, p. 263).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 126 14/04/2015 11:04:46


CAPÍTULO 5

CONCLUSÃO

O PAPEL DA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL E DO CONTROLE
JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE
DAS LEIS E DO PROCESSO LEGISLATIVO
NO MARCO DO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO

5.1 Introdução
Como vimos no item 4.4, se compreendermos fundamentalmente
a Constituição como a regulação de processos que visam garantir
o exercício da autonomia jurídica, numa perspectiva que supera
tanto o paradigma liberal quanto o paradigma de bem-estar social,
de Constituição e de autonomia, poderemos reconstruir a tarefa da
Jurisdição Constitucional como primordialmente referida ao exame
e à garantia de realização das condições procedimentais, das formas
comunicativas e negociais, para um exercício discursivo da autonomia
pública. Os direitos fundamentais exprimem essas condições,
possibilitam um consenso racional acerca da institucionalização das
normas do agir e tornam possível a gênese democrática do Direito.
Assim, como já dito, sobretudo, nos capítulos 3 e 4, soluciona-se, no
plano da autocompreensão normativa do Estado Democrático de Direito
e sobre a base de uma relação não conflituosa entre constitucionalismo

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
128 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

e democracia, por um lado, a tensão, que fora interpretada em termos


ético-políticos pelos republicanos ou em termos morais pelos liberais,
entre autonomia pública e autonomia privada, bem como desfaz-se,
por outro lado, o paradoxo da pretensão do Direito moderno fundar
o próprio Direito. Por meio da participação discursiva no processo
legislativo democrático, os próprios destinatários das normas jurídicas
são os autores dessas normas. Tal referência às condições procedimentais
do processo legislativo democrático não faz da Jurisdição Constitucional
um poder legislativo, ainda que negativo, tampouco a tornará, como
veremos, um guardião republicano de um processo político restrito
a questões ético-políticas. Após a crítica às teorias materiais da
Constituição e as devidas diferenciações entre a eticidade, o Direito
e a moralidade, com base numa compreensão procedimentalista
do Direito, caberá, agora, avançar ainda mais na nossa reflexão.
No item 5.2, procuraremos delinear, em termos analíticos, como
deve ser compreendido o papel da Jurisdição Constitucional e do
controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo
legislativo, no marco do Estado Democrático de Direito. No item 5.3,
buscaremos caracterizar, em linhas gerais, o controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis e do processo legislativo, em via principal
e em via incidental, como atividade de aplicação jurídico-normativa.

5.2 O guardião da Constituição e a sociedade aberta de


intérpretes da Constituição: como deve ser compreendido
o papel da Jurisdição Constitucional e do controle judicial
de constitucionalidade das leis e do processo legislativo
no marco do Estado Democrático de Direito?88
A tarefa geral da Jurisdição Constitucional e, especialmente, do
controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo
legislativo, no marco do paradigma procedimentalista do Estado
Democrático de Direito é a da garantia das condições processuais para
o exercício da autonomia pública e da autonomia privada dos coassociados
jurídicos, no sentido da equiprimordialidade e da interrelação entre
elas. Essa tarefa densifica-se nas seguintes perspectivas:

88
Em outros termos, poderíamos perguntar: Segundo a Constituição brasileira (art. 102,
caput), “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.
O que isso pode significar, sob o paradigma procedimentalista do Estado Democrático de
Direito?

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 128 14/04/2015 11:04:46


cAPÍTULO 5
O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DO CONTROLE JUDI CIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS 129
LEIS E DO PRO CESSO LEGISLATIVO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO

1. garantia do devido processo legislativo democrático; ou seja,


democracia e abertura nos discursos de justificação;
2.garantia do devido processo constitucional; ou seja,
imparcialidade e adequabilidade nos discursos de aplicação
constitucional.
Ad 1 – Sob o paradigma procedimentalista do Estado Democrático
de Direito, a Jurisdição Constitucional deve referir-se primeiramente aos
pressupostos comunicativos e às condições processuais para uma gênese
democrática do Direito. Tal perspectiva não poderá reduzir-se a uma
leitura meramente instrumental do processo legislativo, como sugerem
os enfoques liberais da política, pois há que se levar explicitamente em
conta o caráter normativo dos princípios constitucionais que justificam
a legitimidade desse processo. Contudo, esses princípios não podem
nem necessitam ser interpretados como valores concretos de uma dada
tradição ético-política, como sugerem alguns republicanos, a partir de
uma teoria substantiva dos direitos fundamentais ou de uma teoria do devido
processo substantivo.
Ad 2 – Nessa perspectiva, a Jurisdição Constitucional deve garantir,
de forma constitucionalmente adequada, a participação, nos processos
constitucionais de controle jurisdicional de constitucionalidade da lei e do
processo legislativo, dos possíveis afetados por cada decisão, em matéria
constitucional, por uma interpretação construtiva que compreenda o
próprio Processo Constitucional como garantia das condições para o
exercício da autonomia jurídica dos cidadãos. Ao possibilitar a garantia
dos direitos fundamentais processuais jurisdicionais, nos próprios
processos constitucionais de controle jurisdicional de constitucionalidade
das leis e do processo legislativo, a Jurisdição Constitucional também
garantirá as condições para o exercício da autonomia jurídica dos
cidadãos, pela aplicação reflexiva do princípio do devido processo legal,
compreendido, aqui, como “modelo constitucional do processo” (para
utilizar a expressão de Andolina-Vignera, 1990) a si mesma.
Desse modo é que a garantia dos direitos fundamentais (3) e a
garantia do direito das gerações futuras ao exercício da autonomia
jurídica (4) – autonomia política, capacidade para uma escolha
racional e autorrealização ética – que se ramifica no uso público das
liberdades comunicativas e no uso privado das liberdades subjetivas,
repousam e são desenvolvimentos das duas garantias constitucionais
processuais básicas acima elencadas.
Ad 3 – Como a atuação da Jurisdição Constitucional deve
referir-se às condições procedimentais do processo legislativo

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
130 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

constitucionalmente estruturado, de acordo com o qual os cidadãos, no


exercício de seu direito de autodeterminação, possam realizar o projeto
cooperativo de estabelecer condições recorrentemente mais justas de
vida, essa atuação deve justamente assegurar o sistema de direitos que
apresentam tais condições procedimentais e que, assim, garantem as
autonomias pública e privada dos cidadãos não somente perante o
poder administrativo do Estado, mas também diante do poder social
e econômico (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 326).
Ad 4 – Vista sob essa perspectiva, a tarefa da Jurisdição
Constitucional envolve a própria questão acerca do futuro de uma
Democracia, assim como a relação entre a Constituição e o tempo
(HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 119), o que envolve a reconstrução, por
exemplo, de um “princípio constitucional da reversibilidade das
decisões”, ao lado de um “princípio da não escravidão voluntária”,
como corolários do princípio democrático, princípios estes que
devem estruturar os processos formais e informais de mudança
constitucional. Nesse sentido, no que se refere aos processos formais,
cabe dizer que a Jurisdição Constitucional, no exercício do controle
jurisdicional de constitucionalidade do processo legislativo de
reforma constitucional, deve garantir as condições procedimentais de
um processo democrático de reforma, no tempo, das interpretações
subjacentes às decisões políticas e jurídicas fundamentais acerca de o
que deve ser o juridicamente correto, possibilitando às gerações futuras
a apropriação reflexiva das tradições político-constitucionais, no
sentido de que a Constituição deverá ser sempre considerada como
um projeto em aberto, numa Democracia. Por outro lado, a garantia
de um processo legislativo democrático de reforma constitucional
deve impedir que os dispositivos constitucionais sejam objeto de
alteração por meio do exercício de um poder constituinte derivado
distanciado das fontes de legitimidade situadas nos fóruns de uma
esfera pública política que não se reduz ao Estado. O que leva a que
mais uma vez se retome, explícita e radicalmente, a pergunta pelos
fundamentos democráticos e pluralistas do constitucionalismo,
relacionados à própria pretensão de legitimidade do Direito moderno
e dos vínculos constitucionais (HOLMES, 1996).
Entretanto, embora a tarefa de garantir as condições processuais
para o exercício das autonomias pública e privada dos cidadãos necessite
de uma Jurisdição Constitucional ofensiva, nos casos em que se deve impor
o processo democrático e a forma deliberativa da formação política da
opinião e da vontade, isso não pode fazer da Jurisdição Constitucional uma
guardiã republicana do processo político e da cidadania. Uma interpretação

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cAPÍTULO 5
O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DO CONTROLE JUDI CIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS 131
LEIS E DO PRO CESSO LEGISLATIVO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO

do processo político adequada à complexidade das sociedades atuais


não pode reduzir a política a um processo de autorrealização ética, nem
muito menos reduzir a Constituição a uma ordem concreta de valores
(HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 314 et seq.). A formação democrática da
vontade e da opinião, ao contrário do que pressupõe a tradição republicana,
não tira sua força legitimadora da convergência de convicções e de razões
éticas, mas dos pressupostos comunicativos e dos processos de justificação
normativa que possibilitam o aporte de razões e interesses de amplo
espectro, de tal modo a possibilitar a seleção dos melhores argumentos.
A autonomia pública, assim como o Direito, não pode ser reduzida a
uma autorrealização ética, o que justifica, segundo Habermas, o fato de a
Teoria do Discurso não precisar revestir o processo político de condições
excepcionais de “consciência e de virtude cívicas” (HABERMAS, 1997b,
v. 1, p. 345).89 Assim, a Jurisdição Constitucional não tem, portanto, que
buscar sua legitimidade em condições excepcionais. Ela pode permanecer
no quadro de sua autoridade para aplicar o Direito, na certeza de que o
processo democrático, que ela deve proteger, não precisa ser descrito como
um estado de exceção.
Se compreendermos, portanto, a Constituição democrática
como um sistema de direitos fundamentais, expressão da autonomia
pública e privada dos cidadãos, a Jurisdição Constitucional, no
exercício do controle de constitucionalidade, deve garantir o devido
processo legislativo e o devido processo constitucional, no sentido
da garantia dos direitos fundamentais como condições jurídicas de
institucionalização da democracia.
E, assim, ao garantir os direitos fundamentais como condições
jurídicas de institucionalização da democracia, a jurisdição constitucional
deve retroalimentar e reforçar a dinâmica democrática e o processo
público deliberativo, reconhecendo, inclusive, novos sujeitos e novos
direitos, por meio de uma interpretação construtiva, inclusiva e aberta
ao porvir da Constituição90 vista como processo histórico de aprendizado
social com o direito e com a política, de longa duração (HABERMAS,
2001, p. 766-781; HONNETH, 2014, p. 339-446; CATTONI DE OLIVEIRA
In: FONSECA, 2013, p. 72-73).

89
A crítica se destina diretamente tanto a Bruce Ackerman e seu modelo dualista de
democracia, quanto a Frank Michelman e sua caracterização do papel da Suprema Corte
norte-americana, mas pode estender-se ao republicanismo em geral. Assim, afirma
Habermas (1997b, v. 1, p. 345): “A tradição republicana sugere um tal excepcionalismo, uma
vez que liga a prática política dos [cidadãos] ao ethos de uma comunidade naturalmente
integrada. A política correta só pode ser feita por [cidadãos] virtuosos”.
90
Nos termos, por exemplo, do art. 5º, §2º, da Constituição brasileira.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 131 14/04/2015 11:04:46


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
132 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Mas, para isso, temos de livrar nossa compreensão do


processo político de conotações excessivas, impostas por uma
concepção republicano-comunitarista, que colocariam a Jurisdição
Constitucional sob uma permanente pressão. Concordando com
Habermas, a Jurisdição Constitucional “não pode assumir o papel
de um regente que toma o lugar de um sucessor menor de idade ao
trono” (HABERMAS, 1997b, v.1, p. 347).
Sobre o pano de fundo de uma esfera pública criticamente
mobilizada – a da cidadania que se transformou numa “sociedade aberta
dos intérpretes da Constituição” (HÄBERLE) −, a Jurisdição Constitucional
pode assumir, no melhor dos casos, o papel de um tutor. Todavia:

A idealização desse papel, levada a cabo por juristas ufanos, só faz


sentido quando se procura um fiel depositário para um processo
político idealisticamente acentuado. Essa idealização, por sua vez,
provém de um estreitamento ético de discursos políticos, não estando
ligada necessariamente ao conceito de política deliberativa. Ela não
é convincente sob o ponto de vista da lógica da argumentação, nem
exigida para a defesa de um princípio intersubjetivista [próprio a um
regime democrático]. (HABERMAS, 1997b, v. 1, p. 347).

5.3 Caracterização geral do controle judicial de


constitucionalidade, em via incidental e em via
principal, como atividade jurídico-processualmente
institucionalizada de aplicação jurídico-normativa, no
marco do Estado Democrático de Direito
No quadro da Jurisdição Constitucional traçado ao longo das
discussões desenvolvidas neste trabalho, será possível compreender
o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo
legislativo, tanto em via incidental quanto em via principal, como
atividades processualmente institucionalizadas de aplicação do Direito.
Assim, o controle jurisdicional de constitucionalidade, como é o caso
do Direito brasileiro, não será exercido por um “legislador negativo”,
nem por mera “jurisdição voluntária”.
Cabe, agora, considerar que de uma perspectiva reconstrutiva,
o chamado controle judicial de constitucionalidade das leis é uma
denominação atribuída a uma série de controles judiciais que não
se reduze a um controle judicial de constitucionalidade da lei, ou a
um controle judicial de constitucionalidade de emenda e de revisão
constitucionais, enquanto categorias jurídico-legislativas específicas,

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cAPÍTULO 5
O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DO CONTROLE JUDI CIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS 133
LEIS E DO PRO CESSO LEGISLATIVO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO

ou, ainda, a um controle de atos normativos, nem sempre equiparáveis


à lei, quanto à sua validade jurídica ou ao seu âmbito normativo de
incidência. E, mais que isso, cabe considerar que, reinterpretado
em termos procedimentalistas, é um controle jurisdicional de
constitucionalidade e de regularidade do processo legislativo,
ou seja, de atos jurídicos que assumem seu modo específico de
interconexão estruturado, em última análise, por normas jurídico-
constitucionais, formando uma cadeia procedimental, que se
desenvolve discursivamente, ou, ao menos, em condições equânimes
de negociação, ou, ainda, em contraditório, entre agentes legitimados,
no contexto de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição,
visando à formação e à emissão de ato público-estatal do tipo
pronúncia-declaração, um provimento legislativo que sendo o ato final
daquela cadeia procedimental, dá-lhe finalidade jurídica específica.
O controle por via incidental inicia-se com vista à resolução
de casos individuais e, por isso, limita-se à aplicação de normas
constitucionais pressupostas como válidas, afastando-se do sentido
inconstitucional dos dispositivos normativos. Nesse sentido, sua
caracterização como atividade de aplicação do Direito não deve levantar
grandes questionamentos em relação à sua natureza. Ao possibilitar a
garantia dos direitos fundamentais, reafirma as condições do exercício
das autonomias pública e privada pelos cidadãos, e nesse sentido o
controle judicial de constitucionalidade por via incidental também
pode ser reconstruído tendo-se por referência a dinâmica do processo
de fundamentação democrática do Direito.
Já o controle jurisdicional de constitucionalidade por via
principal, que tantas questões vem suscitando ao longo dos anos, para
ser reconstruído no quadro da Jurisdição Constitucional Democrática,
traçado nos termos do item 5.2, deve diretamente referir-se às condições
procedimentais para a realização do processo democrático e das
formas deliberativas da formação política da opinião e da vontade.
Tais condições, por sua vez, referem-se à garantia do exercício efetivo
das autonomias pública e privada que viabilizam o processo legislativo
democrático, pelo qual os próprios cidadãos são os autores de seus
próprios direitos e deveres, na dinâmica da gênese legítima do Direito.
E de que modo se relacionam o controle por via incidental e o
controle por via principal? Em princípio, essa questão ganha concretude ao
ser respondida no quadro de uma ordem jurídica específica e que consagra
os dois modos de controle jurisdicional de constitucionalidade. No Direito
brasileiro, a coexistência dos dois modos de controle jurisdicional de
constitucionalidade (BARBOSA MOREIRA, 1993, p. 28 et seq.; 1999, p. 175

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
134 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

et seq.) leva, corretamente, a que a doutrina processualista considere que o


controle por via incidental deve ser compreendido como “procedimento”
(rectus, processo) ou modo ordinário, assim como o controle por via
principal deve ser compreendido como “procedimento” (processo) ou
modo especial de controle jurisdicional de constitucionalidade, tanto por
razões de história legislativa e jurisprudencial, quando em função da
sistemática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do
processo legislativo, no quadro da Constituição da República brasileira.91
Tal compreensão é a única que possibilita uma visão não excludente ou
não incompatível dos dois modos de controle.
As consequências de se caracterizar o controle por via
incidental como meio ordinário e o controle por via principal como
meio especial, e que subjazem à própria relação normativa que se
estabelece entre o que a doutrina processualista tradicionalmente
chama de “procedimento ordinário” (que é o “procedimento
comum” ou “padrão”, em última análise) e “procedimento especial”,
são, fundamentalmente, as seguintes: a normativa do controle
em via incidental se aplica subsidiariamente ao controle em via
principal; o controle em via incidental e o controle em via principal
são complementares.92
Tais afirmações podem ser aprofundadas ao analisarmos os
efeitos e a natureza das decisões judiciais tomadas em sede de um e do
outro modo ou processo de controle jurisdicional de constitucionalidade.
Aqui, pretendo afastar uma série de mal-entendidos, à luz do que temos
considerado uma compreensão adequada da Jurisdição Constitucional,
no marco do Estado Democrático de Direito.
Tradicionalmente, os autores europeus e norte-americanos
têm-se dividido ao caracterizar os efeitos e a natureza das decisões
jurisdicionais constitucionais. E isso está bastante relacionado ao modo
com que fundamentalmente concebem a Jurisdição Constitucional, quer
como atividade de aplicação do Direito, ainda que construtiva, quer
como legislador negativo ou até como legislador positivo, concorrente
ou, pelo menos, subsidiário.
As posições são, fundamentalmente, três (BARACHO, JÚNIOR,
1995; D’AMICO, 1993; BLASCO SOTO, 1995):

91
Baseamo-nos aqui, sobretudo, em FABRÍCIO, 1994, p. 6 et seq., apesar de discordar dos
conceitos de processo e de procedimento adotados por esse, e em MAGALHÃES, J. L.,
1997, p. 180.
92
Também, nessa perspectiva, o excelente ensaio de LAGES, 1998.

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cAPÍTULO 5
O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DO CONTROLE JUDI CIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS 135
LEIS E DO PRO CESSO LEGISLATIVO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO

a) as decisões têm sempre caráter declaratório, atingindo quer


as partes, quer a todos, dependendo de como a questão é suscitada, e
sempre com caráter retroativo;
b) as decisões têm sempre caráter constitutivo, atingindo quer as
partes, quer a todos, por um lado, mas podendo, por outro, retroagir
ou não, conforme o Direito vigente;
c) o caráter e os efeitos da decisão estão relacionados ao modo
de controle jurisdicional, se por via incidental, se por via principal.
As duas primeiras posições são as que tentam conciliar, de
alguma forma, os dois modos de controle e por isso, em princípio,
são candidatas em razão do seu caráter sistemático. A terceira, por
estabelecer uma relação de concorrência ou até de oposição entre os
dois modos de controle, perde em sistemática; mas ao final poderá ser
descartada em razão de outros argumentos.
A primeira posição é tradicionalmente exposta em termos
individualistas, enquanto a segunda, em termos estatalistas. A primeira
afirma que a norma inconstitucional é uma contradição em termos e
que, portanto, pode ser reconhecida por qualquer um como inválida
e nula, no sentido de que ninguém está submedido a um comando
inconstitucional. A segunda considera que tão somente os órgãos
estatais competentes e autorizados para tanto podem pronunciar-se
a respeito da inconstitucionalidade de uma norma e fazê-la cessar de
gerar efeitos, ou seja, anulá-la. Mesmo a nulidade, para a doutrina que
defende a natureza constitutiva da decisão jurisdicional, seria apenas
o grau mais alto de anulabilidade, de uma anulação a operar efeitos
retroativos (KELSEN, 1987, p. 293-294).
A teoria que chamamos estatalista pode ser analisada a
partir de uma crítica a uma de suas maiores representantes, a teoria
kelseniana. Essa seria estatalista porque está fundada, antes de tudo,
num positivismo jurídico que, ao contrário do que muitas vezes se
afirma, adequa-se ao paradigma do Estado Social, na medida em
que instrumentaliza, por meio da noção de interpretação autêntica ou
autorizada, a discricionariedade necessária ao desenvolvimento de
políticas governamentais de impacto, cujo mérito nunca poderia ser
conhecido pela Ciência do Direito (CATTONI DE OLIVEIRA, 1997;
CARVALHO NETTO, 1997). Kelsen restringe, assim, a comunidade
de intérpretes autorizados da Constituição aos órgãos jurídicos, não a
estendendo a todo o público de cidadãos, o que o leva a não diferenciar
aquele que nega a força vinculante do comando por não reconhecer a
sua objetividade, ou seja, o seu fundamento de validade, o mero criminoso,

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 135 14/04/2015 11:04:47


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
136 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

que desobedece à norma sem apresentar razões intersubjetivamente


aceitáveis, já que todos os dois assim se comportariam por sua conta
e risco (KELSEN, 1987, p. 293). Ao assim conceber o processo de
interpretação e aplicação do Direito como uma questão, em última
análise, de decisão juridicamente autorizada ou institucionalizada,
Kelsen inverte a lógica do controle de constitucionalidade
privilegiando, mais que uma pretensão de validade dos comandos
estatais, uma compreensão da dinâmica jurídica incompatível com
o Estado Democrático de Direito que, fundado numa compreensão
procedimentalista do Direito e da Política, parte não de um modelo
fechado, quer das normas jurídicas, quer do seu círculo de intérpretes,
mas aberto e fundado em princípios.
A primeira posição pode sustentar-se no marco do Estado
Democrático de Direito e, portanto, no da Constituição brasileira?
Acreditamos que sim, desde que superado o seu caráter
individualista e um tanto quanto privatista. Se no marco do Estado
Liberal a nulidade ou nulidade absoluta de uma norma inconstitucional
é sanção que opera de pleno direito, em razão de um vício grave, de
ordem pública, a refugir do mero interesse privado de quem quer que
seja, é compreensível a concepção segundo a qual a decisão judicial
seria meramente declaratória, de reconhecimento por parte de um
juiz ou tribunal de um estado de coisas já existente anteriormente à
sua apreciação, assim como seria possível fundar a desobediência a
essa norma em termos individualistas: quem se sentisse lesado que
procurasse defender-se. Seguindo, nesse aspecto, a tradição liberal,
afirma Caio Mário da Silva Pereira:

Se a lei contravém à Constituição, peca pelo defeito do excesso ou


da falta de poderes, e, então, é nulidade absoluta. Colocado o juiz
na alternativa de cumprir a lei ou cumprir a Constituição, o que lhe
cabe é negar validade àquela e reconhecer o prestígio desta. [...] Há
também uma atividade específica, uma posição ativa, declarando a lei
inconstitucional. (PEREIRA, 1991, v. 1, p. 147-148).

E, para concluir, afirma o antigo Professor Catedrático de Direito


Civil, da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais:

Mas não tem o juiz a faculdade de revogar a lei [...] Daí o decreto judicial
de inconstitucionalidade não significar anulação da lei, porém, a sua
inaplicabilidade ao caso em espécie. (PEREIRA, 1991, v. 1, p. 149).

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cAPÍTULO 5
O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DO CONTROLE JUDI CIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS 137
LEIS E DO PRO CESSO LEGISLATIVO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO

Contudo, tal compreensão necessita ser problematizada,


diante da reflexividade cobrada pelo paradigma jurídico do
Estado Democrático de Direito. Assim, será preciso reconstruir
os argumentos de modo a fortalecer a primeira posição, em face,
inclusive, da necessidade democrática de se fazer frente à segunda
posição. Afinal, o que significaria, no quadro traçado da Jurisdição
Constitucional e do controle jurisdicional de constitucionalidade, sob
o paradigma procedimentalista do Estado Democrático de Direito,
“nulidade de pleno direito”?
É fundamental a relação que se estabelece entre “sociedade
aberta de intérpretes da Constituição” (HABERLE, 1997) e Estado
Democrático de Direito. Como já avençado no item 5.2, sob o Estado
Democrático de Direito, a Jurisdição Constitucional, no exercício do
controle jurisdicional de constitucionalidade, deve voltar sua atuação
para a garantia das condições procedimentais do exercício da autonomia
por parte dos cidadãos e, com isso, garantir as condições para a
realização do processo democrático; mas sem assumir a postura de um
guardião da virtude, com base em fundamentos ético-culturais ou em
fundamentos meramente político-pragmáticos. O controle jurisdicional
de constitucionalidade não pode ser tratado como uma questão de
Estado. É no contexto de uma esfera pública política de cidadãos os
quais, no exercício de seus direitos fundamentais, aprofundam o seu
“sentimento de Constituição” (Lucas Verdú) e de Democracia, que a
Jurisdição Constitucional deve ser exercida.
Com base no paradigma jurídico-democrático é que se pode dizer
que todos os cidadãos têm o direito, desde que discursiva ou racionalmente
fundados, de desobedecer a um comando normativo que considerem
inconstitucional (HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 117-119):93

O ato de desobediência civil atualiza a relação do princípio da democracia


com a forma do Direito, em que este institucionaliza juridicamente
processos comunicativos que evidenciam o princípio basilar do Estado
Democrático de Direito da reversibilidade das decisões. A desobediência
civil é, por isso, direito fundamental à consolidação do paradigma do
Estado Democrático de Direito. (SALCEDO REPOLÊS, 1998).

93
Assim, por um lado, o fato de uma lei poder ser desobedecida porque inconstitucional
está intimamente ligada ao princípio segundo o qual numa democracia todos somos
intérpretes ativos da Constituição. E, por outro, não faz sentido a preocupação segundo a
qual dizer que a decisão judicial teria natureza declaratória levaria necessariamente a que
se reconhecesse um direito de desobedecer sob quaisquer razões.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
138 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Só assim poderá ser compreendida, hoje, a expressão “nulidade


de pleno direito”, declarada jurisdicionalmente, fruto de um processo
de reconhecimento público que, tendo por base a sociedade civil, gera
influência política através dos diversos espaços públicos e transforma-se
em poder político (comunicativo, mas também administrativo), ao ganhar
os canais institucionais na Jurisdição Constitucional.
E como pode ser compreendida a afirmação segundo a qual a
natureza da decisão judicial é declaratória e não constitutiva?94 Ela é
o reconhecimento formal ou a formalização de uma opinião pública
política segundo a qual as razões para desobedecer demonstraram-
se constitucionalmente fundadas. 95 E, quando não o forem, os
desobedientes civis não deverão ser tratados como criminosos, até
mesmo porque, um dia, em razão da própria dinâmica da interpretação
constitucional, explicitada por meio do princípio democrático da
reversibilidade ou da revisibilidade dos entendimentos subjacentes às
decisões,96 a posição deles poderá democraticamente vir a prevalecer.
Nesse sentido, tem razão Habermas quando afirma que a desobediência
civil justifica-se numa “compreensão dinâmica da constituição”:

Nesta ótica de longo alcance, o Estado democrático de direito


não se apresenta como uma configuração pronta, e sim como um

94
A grande maioria dos autores brasileiros advoga, desde Rui Barbosa, a tese segundo a
qual a decisão judicial é declaratória, como Cléve (1995, p. 164), Dantas (1996, p. 151; p.
187-188), Mendes (1995, p. 288 et seq.; 1998a, p. 252 et seq.), Barroso (1993, p. 77) e tantos
outros. Essa é, inclusive, a posição tradicional do Supremo Tribunal Federal. Cabe,
contudo, anotar as posições de Fazzalari (1994, p. 271), segundo a qual a decisão tem
caráter constitutivo, embora tenha eficácia retroativa, Gonçalves (1993, p. 126), para quem
não se pode confundir a natureza (constitutiva) da decisão (anulação, aplicação da sanção
de nulidade ao vício de inconstitucionalidade) com a dos seus efeitos (retroativos ou não,
conforme o Direito positivo), e de Ferrari (1992), muito semelhante à do segundo.
95
Assim, o que não tem sentido é dizer que defender a posição segundo a qual a decisão
jurisdicional apenas declara a inconstitucionalidade da lei ou de ato normativo é estar
à mercê da total desobediência às leis e é afirmar a desnecessidade dos Tribunais. A
decisão jurisdicional declaratória cumpre papel importantíssimo justamente porque tem
a função de reconhecer com caráter institucional e vinculante a inconstitucionalidade e,
portanto, de “acertar” situações jurídicas, solucionando uma situação de incerteza sobre a
irregularidade ou constitucionalidade, à luz do Direito vigente. E dizer “Direito vigente”
é o mesmo que dizer “Direito compatível com a Constituição”, pressuponto-se visões
jurídico-paradigmáticas, datadas, históricas, carentes de legitimação que, sob o Estado
Democrático de Direito, não podem ser, inclusive, ingenuamente ou tão somente seguidas,
mas devem ser problematizadas.
96
É nesse sentido que concordamos com a arguta crítica de GONÇALVES (1993, p. 129-
130) à esdrúxula “ação direta de constitucionalidade” (EC n. 3/93) e consideramos
inconstitucional dentre outras razões, a Lei nº 9.868/99. Elas são incompatíveis com o modelo
constitucionalmente adotado de controle de constitucionalidade reconstruído aqui.

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cAPÍTULO 5
O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DO CONTROLE JUDI CIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS 139
LEIS E DO PRO CESSO LEGISLATIVO NO MAR CO DO ESTADO DEMO CRÁTICO DE DIREITO

empreendimento arriscado, delicado e, especialmente, falível e carente


de revisão, o qual tende a reatua-lizar, em circunstâncias precárias,
o sistema de direitos, o que equivale a interpretá-los de modo
mais apropriado e a esgotar de modo mais radical o seu conteúdo.
(HABERMAS, 1997b, v. 2, p. 118).

A decisão judiscidional-constitucional, em sede do controle de


constitucionalidade de lei, de Emenda Constitucional ou de qualquer
ato normativo, é declaratória e de eficácia retroativa, ou seja, vem
formalizar, institucionalizar, o reconhecimento público da invalidade
da norma,97 que se deu na esfera pública informal ou até no plano da
Administração Pública (CLÈVE, 1993, p. 165 et seq.).
Tal perspectiva pode ser válida para as decisões jurisdicionais
tomadas por meio do controle por via principal, desde que, por um lado,
seja repensado o conceito processual de partes (como os destinatários
do provimento jurisdicional), a partir de um conceito renovado de
legitimação processual (GONÇALVES, 1992, p. 144-146), sendo que a
extensão da incidência dos efeitos retroativos sobre os atos singulares
praticados com base em norma inconstitucional deve ser analisada
caso a caso (MAGALHÃES, J. L., 1997, p. 177-184), segundo a lógica
argumentativa dos discursos de aplicação jurídica, guiados por um
princípio da adequabilidade: que os afetados pela decisão devam
ser tratados igualmente não faz com que eles devam ser tratados
uniformemente ou de modo idêntico. Não se deve confundir tratamento
igual com tratamento idêntico ou uniforme, se queremos compreender
o princípio jurídico da igualdade, à luz do paradigma do Estado
Democrático de Direito. Para isso, há que se ter em mente os conceitos
de “pluralidade de projetos de vida, igualdade aritmética e inclusão”
(GALUPPO, 1998, p. 257-258; p. 263 et seq.).
Após a análise das duas primeiras posições, a terceira (uma
posição eclética) fica prejudicada, pelo fato de buscar reunir duas
concepções que partem de paradigmas jurídicos diferentes, o que nada
contribui para uma compreensão adequada do controle jurisdicional
de constitucionalidade das leis e do processo legislativo, no Direito
brasileiro.

97
Insisto, nisso reside a sua importância: A decisão jurisdicional declaratória cumpre, aqui,
papel importantíssimo, justamente porque exerce a função de reconhecer com caráter
institucional e, assim, vinculante, a inconstitucionalidade e, portanto, de “acertar”
situações jurídicas, solucionando uma situação de incerteza sobre a irregularidade ou
constitucionalidade, à luz do Direito positivo.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 139 14/04/2015 11:04:47


POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
(2006)

Para o Prof. Dr. Menelick de Carvalho Netto

A conexão interna entre democracia e Estado de Direito


consiste, por um lado, em que os cidadãos só podem fazer
um adequado uso de sua autonomia pública se, graças
a uma autonomia privada simetricamente assegurada,
são suficientemente independentes e, por outro, em
que só podem alcançar um equilibrado desfrute de sua
autonomia privada se, como cidadãos, fazem um adequado
uso de sua autonomia política.
(HABERMAS, 2000, p.152-153)

I
Foi com base na compreensão habermasiana do nexo interno
entre Estado de Direito e Democracia que buscamos desenvolver nossas
reflexões sobre os pressupostos democráticos do controle jurisdicional
de constitucionalidade das leis e do processo legislativo, em Devido
Processo Legislativo: uma justificação democrática do controle jurisdicional
de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. (CATTONI DE
OLIVEIRA, 2000, p. 181)
Essa obra, cuja primeira edição foi lançada pela Editora
Mandamentos, em 2000, com prefácio de Menelick de Carvalho Netto,
foi fruto, em sua gênese, de Tese de Doutorado, defendida com sucesso,
em 17 de maio de 1999, junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito,
da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
perante Banca Examinadora composta pelos Professores Doutores
Menelick de Carvalho Netto (meu orientador), José Ribas Vieira (Direito
– PUC-RJ/UFRJ), Theresa Calvet de Magalhães (Filosofia – UFMG),
Aroldo Plínio Gonçalves (Direito-UFMG), José Alfredo de Oliveira
Baracho (Direito – UFMG), José Luiz Quadros de Magalhães (Direito

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
142 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

– UFMG) e Vanessa Oliveira Batista (Direito – UFMG), meus mestres


e examinadores a quem rendo, mais uma vez, as minhas mais sinceras
homenagens pelo que, com cada um, pude aprender.
Aproveitamos, aqui, a oportunidade para agradecer a inestimável
interlocução, fundamentais na construção desse trabalho, primeiramente,
ao meu mestre e orientador Menelick de Carvalho Netto, e aos meus caros
colegas María Fernanda Salcedo Repolês, Marcelo Campos Galuppo,
Davi Monteiro Diniz, José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, Juliana
Neuenschwander Magalhães, José Monroe Eisenberg e Cláudia Feres
Faria, a quem rendo minhas mais sinceras homenagens.
Por esta segunda edição, agradeço ao meu ex-orientando, meu
colega e caro amigo Lúcio Antônio Chamon Júnior pelo seu total apoio. Na
oportunidade, agradeço aos caros amigos e companheiros de interlocução
Lenio Luiz Streck e Álvaro Ricardo de Souza Cruz, por nossas discussões
e pelo muito que com eles pude aprender. E, como sempre, um especial
agradecimento ao meu caro Editor Arnaldo Oliveira Júnior.

II
A obra está dividida em cinco capítulos. Uma vez delineados, no
capítulo 1, o problema, assim como a percpectiva reconstrutiva, a partir da
qual as reflexões são desenvolvidas, procuramos resgatar, nos capítulos
2 e 3, as concepções liberal e republicana (especialmente a comunitarista)
de Direito e de Democracia, que já se encontram presentes na história
do constitucionalismo e que animam os processos político-sociais, pelo
menos, nos três últimos séculos, a fim de mostrar, a partir de uma visão
procedimentalista do Direito e da Democracia, como se pretende lidar
reconstrutivamente com o que Jürgen Habermas certa feita chamou de
paradoxo da emergência da legitimidade através da legalidade,98 não no quadro
de uma pretensa Filosofia da História, mas à luz de uma Teoria do Agir
Comunicativo, que propõe uma teoria da comunicação, da sociedade,
da racionalidade e da modernidade centradas nas noções linguístico-
pragmáticas de facticidade e validade (HABERMAS, 1998a, p. 63 et seq).
Segundo Habermas, o Direito democraticamente produzido
é um dos meios de integração social, que pode controlar os
riscos de dissenso, garantindo a estabilização de expectativas de
comportamento e, a um só tempo, produzindo legitimidade, de

98
Cf. HABERMAS. Derecho y moral (Tanner Lectures 1986). In: HABERMAS, 1998a, p. 535 et
seq.; HABERMAS, 1998a, p.197; e “Epílogo a la cuarta edición, revitada”. In: HABERMAS,
1998a, p.645 et seq.

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POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 143

tal forma que os destinatários das normas jurídicas sejam os seus


coautores. Habermas, pois, pretende que sua Teoria do Discurso seja
capaz de reconstruir histórica, sociológica e teoreticamente como
tal emergência da legitimidade através da legalidade tornou-se
possível na Modernidade, de modo, inclusive, a apresentar o que
seria uma justificação do moderno Estado Democrático de Direito.
Desloca-se, assim, o velho problema metafísico acerca do fundamento:
uma soberania popular, concebida em termos procedimentais,
liga-se internamente a um sistema de direitos fundamentais, em
razão dos desafios que a própria evolução social contingente
teria colocado a si mesma, num movimento de autodescrição da
própria sociedade, que se faz moderna e complexa, sem centro, sem
fundamento último e sem a possibilidade de apelos ontológicos
à transcendência, supra ou ahistórica. Em contraposição, pois, às
concepções liberal e republicana que, respectivamente, pretenderiam
lidar com o problema da ausência de fundamento na Modernidade,
quer com a ideia de “direitos pré-políticos”, de Locke a, num certo
sentido, Rawls, quer com a ideia de vontade geral do povo unido
enquanto corpo ético-político, de Rousseau aos comunitaristas,
Habermas apresenta uma visão procedimentalista do Direito e da
democracia, segundo a qual “o êxito da política deliberativa depende
não da ação coletiva dos cidadãos, mas da institucionalização dos
procedimentos e das condições de comunicação correspondentes”
(HABERMAS, 1995b, p.117), 99 para a qual “a ideia de soberania
popular refere-se a um contexto que, ao permitir a auto-organização
de uma comunidade jurídica, não está de modo algum à disposição
da vontade dos cidadãos”(HABERMAS, 1995b, p.121), posto que “o
‘eu’ da comunidade jurídica que se organiza a si mesma desaparece
aqui nas formas de comunicação sem sujeito que regulam o fluxo das
deliberações de um modo tal que seus resultados falíveis se revestem
da presunção de racionalidade” (HABERMAS, 1995b, p. 120). O
problema, pois, acerca do fundamento, deslocado, agora, para a
pergunta acerca de uma emergência da legitimidade através da legalidade,
é reconstruído procedimentalmente, enquanto institucionalização
jurídica das condições comunicativas sob as quais o próprio Direito
seria legitimamente produzido e, no contexto de uma sociedade
complexa, todos os afetados pelas normas jurídicas poderiam,
em princípio, ser considerados coautores dessas mesmas normas.

99
Esse texto consta também em HABERMAS, 1999, p.231 et seq.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
144 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Nesses termos, portanto, é que se poderia compreender aafirmação


habermasiana segundo a qual “no Estado Democrático de Direito,
tido como a morada de uma comunidade jurídica que se organiza
a si mesma, o lugar simbólico de uma soberania discursivamente
fluidificada permanece vazio” (HABERMAS, 1998a, p. 529).
Se os capítulos 2 e 3 procuram reconstruir os pontos centrais da
Teoria Discusiva do Direito e do Estado Democrático de Direito, em
contraponto, inclusive às concepções liberal e comunitarista, a fim de
compreender o nexo interno entre constitucionalismo e democracia, o
capítulo 4 procurou resgatar tanto as discussões sobre o que seria uma
Teoria Discursiva da Constituição, quanto uma Teoria Geral do Processo
adequada ao paradigma procedimentalista do Estado Democrático de
Direito. Assim, primeiramente, procuramos delinear uma Teoria da
Constituição marcada pelo giro linguístico na Filosofia contemporânea
e adequada ao paradigma procedimentalista do Estado Democrático
de Direito, retomando o inicialmente proposto no capítulo 1, a fim de
que se pudesse reconstruir criticamente partes da história e da prática
institucionais brasileiras, acerca do controle de constitucionalidade,
para além de um pretenso idealismo da Constituição, de um suposto
constitucionalismo simbólico ou meramente programático.
É, inclusive, nesse sentido, que Menelick de Carvalho Netto
(CARVALHO NETTO. In: CATTONI DE OLIVEIRA (Org.). 2004,
p. 25-26) vem destacando a necessidade, justamente, de superação
do enfoque tradicional dado ao tema da legitimidade e efetividade
constitucionais, por exemplo, em clássicos da Teoria da Constituição
e da Teoria Geral do Direito Público, como Karl Loewenstein e em
Biscaretti di Ruffia, entre outros. Tanto Loewenstein quanto Di
Ruffia, ao tratarem da expansão do constitucionalismo moderno
no pós-guerra, irão preocupar-se com o modo com que princípios
constitucionais, originalmente próprios aos Estados da Europa
ocidental (França e Inglaterra) e aos Estados Unidos da América,
seriam vivenciados no sul e no oriente, marcados por diferentes
contextos socioeconômicos e culturais. Para eles, haveria um hiato
constante entre o ideal constitucional, importado do norte ocidental,
e a realidade político-social concreta, posto que a própria realidade,
quer meridional quer oriental, poderia constituir-se em obstáculo
quase intransponível para a realização desses princípios. Todavia,
Loewenstein e Di Ruffia não estariam, em princípio, ao denuciar
o que seria esse hiato, ao sul e ao leste, propondo uma Teoria da
Constituição ou uma Teoria Geral do Direito Público que não pudesse
ser universal, ainda que se considerassem as especificidades do sul

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POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 145

e do oriente, pois, por mais paradoxal que isso pudesse parecer, o


critério normativo de referência para ambos permanecia sendo o
constitucionalismo moderno ocidental. Loewenstein e Biscaretti não
são, nesse sentido, Carl Schmitt, pois eles não têm a menor dúvida
quanto a que seria a legítima função da Constituição e do Direito,
própria do constitucionalismo moderno: a da garantia dos governados
em face dos governantes. Eles permanecem, assim, diferentemente
de Schmitt, como representantes da tradição do constitucionalismo
liberal e social. O problema é que Loewenstein e Biscaretti Di Ruffia
não conseguem perceber que o próprio modo com que colocam o
problema da legitimidade/efetividade constitucionais, o hiato entre
ideal e real, contribui ainda mais para o agravamento daquilo que
pretendem denunciar. Ou seja, ao idealizarem tanto a realidade
político-social dos países meridionais e orientais na forma quase-
natural de um obstáculo intransponível, quanto ao sobrecarregarem
os princípios constitucionais modernos, desconsideram exatamente
o caráter vivido, ou melhor, o caráter hermenêutico das práticas
jurídicas cotidianas. O Direito, como afirma Ronald Dworkin, é uma
prática social, interpretativa e argumentativa, de tal modo que não
há como compreendê-la da perspectiva de um observador externo
que não leva a sério o ponto de vista normativo dos implicados,
das pretenções jurídicas levantas pelos próprios participantes dessa
prática. A realidade social é uma construção dinâmica, hermenêutica,
histórica, social, da qual o Direito faz parte. O Direito não está
pairando estaticamente sobre uma sociedade estática. E, como tal,
deve lidar, inclusive, com o risco inerente a ele de ser descumprido
a todo e a qualquer momento. Assim, a noção de paradigma jurídico,
introduzida por Habermas, pode desempenhar, nessa discussão,
um importante papel. Uma reconstrução paradigmática do Direito
possibilita reconhecer a existência de um horizonte histórico de
sentido, ainda que mutável, para a teoria do Direito e para a prática
jurídica concreta, que pressupõe uma determinada “percepção”
do contexto social do Direito, a fim de que se possa compreender
em que perspectiva as questões jurídicas devem ser interpretadas,
para que o Direito possa cumprir seu papel nos processos de
integração social. Paradigmas do Direito constituem internamente
a prática e a teoria do Direito, orientando seus desdobramentos.
O reconhecimento desses paradigmas exige a superação da forma
tradicional de lidar com questões normativas, rompendo com a
dicotomia real/ideal, assim como exige uma reflexão hermenêutica
crítica em face de nós mesmos, que não pode desconsiderar as

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
146 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

pretensões normativas concretamente articuladas pelos próprios


envolvidos em questões jurídicas. Com base numa Teoria Discursiva
do Direito e da Democracia, a perspectiva da Teoria do Direito e da
Constituição que privilegia o aspecto normativo deverá passar por
um giro reconstrutivo, se quiser levar a sério o papel desempenhado
pelo Direito nos processos de integração social. E ao se falar em
tensão e não em hiato, oposição, contradição ou até mesmo em dialética,
entre norma e realidade, reconhece-se que a realidade já é plena
de idealidade, em razão dos próprios pressupostos linguísticos
contrafactuais presentes em toda interação comunicativa; mas, nesse
sentido, a transcendência é imanente, é intramundana. Ao contrário de
se dar continuidade à forma tradicional de teorias constitucionais
especializadas em questões normativas que, por verem um hiato entre
o Direito e a realidade, entre a “Constituição formal” e a “Constituição
real”, mantêm-se cegas à tensão entre facticidade e validade, uma
renovada Teoria da Constituição, ao assumir a tarefa fundamental
de reconstruir, sob o paradigma procedimentalista do Estado
Democrático de Direito, os diversos temas do Direito Constitucional,
deve assumir a tarefa de resgatar os princípios constitucionais e
democráticos já presentes na história do constitucionalismo e que
possibilitam, inclusive, proceder a uma crítica em face do caráter
intransparente dos processos políticos e sociais. Na medida em
que pretende fazer jus à necessidade de reconstruir “as sementes
de liberdade mergulhadas em nossas tradições”, como nos convida
Menelick de Carvalho Netto, resgando e explicitando criticamente
nossas próprias vivências constitucionais e democráticas, uma
Teoria Discursiva da Constituição e do Direito inaugura um novo
paradigma científico, capaz de lidar construtivamente com os
problemas legados pela velha teoria constitucional, e pode contribuir
decisivamente como chave interpretativa do Direito Constitucional,
que sirva adequadamente de suporte para a perspectiva operacional
de uma Dogmática Jurídica comprometida com o projeto constituinte
de um Estado Democrático de Direito entre nós.
Após delinear, portanto, a perspectiva de uma Teoria
da Constituição pós-giro linguístico, procuramos a essa aliar
uma concepção de processo, adequada a uma compreensão
procedimentalista do Estado Democrático de Direito. Para tanto,
tomamos como fio contudor a teoria do processo como procedimento
em contraditório, de Elio Fazzalari e Aroldo Plínio Gonçalves. E, com
base em Serio Galeotti, Menelick de Carvalho Netto e Klaus Günther,
procuramos reconstruir tanto a distinção entre processo constitucional

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POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 147

de controle jurisdicional de constitucionalidade e processo legislativo


democrático. Defendemos que o controle de constitucionalidade se deve
dar da perspectiva da aplicação jurídica e não da justificação, de tal
modo que não se deve conceber a tarefa da jurisdição constitucional,
compreendida como jurisdição em matéria constitucional, como se fosse
legislativa, ainda que negativa, sob pena de se subverter o sentido
normativo do princípio da separação de poderes, assim como a própria
gênese democrático-legislativa do Direito.
Partindo-se do que seria uma compreensão procedimentalista
da Constituição, como a regulação de processos que visam a garantir
o exercício da autonomia jurídica, numa perspectiva que supera
tanto o paradigma liberal, quanto o paradigma de bem-estar social,
de Constituição e de autonomia, pudemos reconstruir, no capítulo
5, em forma de conclusão, a tarefa da jurisdição constitucional
como primordialmente referida ao exame e à garantia de realização
das condições procedimentais, das formas comunicativas e
negociais, para um exercício discursivo da autonomia política.
Nesse sentido, os direitos fundamentais exprimem essas condições,
possibilitando, num nível institucional-democrático, diversas formas
de argumentação racional, ou, ao menos, processos equânimes de
negociação, acerca da justificação de normas do agir, tornando
possível a gênese democrática do Direito. Por meio da participação
discursiva no processo legislativo democrático, os destinatários das
normas jurídicas são os autores das mesmas. A referência, contudo,
às condições procedimentais do processo legislativo democrático
não faz da jurisdição constitucional um poder legislativo, ainda
que negativo, como em Kelsen, nem tão pouco a tornará um
guardião republicano de um processo político restrito a questões
ético-culturais, como numa leitura comunitarista. A tarefa geral da
jurisdição constitucional e, especialmente, no controle jurisdicional
de constitucionalidade das leis e do processo legislativo, no
marco da Constituição da República brasileira, sob o paradigma
procedimentalista do Estado Democrático de Direito, é a de garantia das
condições processuais para o exercício da autonomia pública e da autonomia
privada dos coassociados jurídicos, no sentido da interdependência e
da equiprimordialidade delas. Essa tarefa densifica-se nas seguintes
perspectivas: 1) garantia do devido processo legislativo democrático; ou
seja, democracia e abertura nos discursos legislativos de justificação
das normas jurídicas do agir. Sob o paradigma procedimentalista
do Estado Democrático de Direito, a jurisdição constitucional deve
referir-se primeiramente aos pressupostos comunicativos e às

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
148 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

condições processuais para uma gênese democrática do Direito; 2)


garantia do devido processo constitucional; ou seja, imparcialidade e
adequabilidade nos discursos de aplicação jurídica em geral. Nessa
perspectiva, a jurisdição constitucional deve garantir, de forma
constitucionalmente adequada, a participação ou a representação,
nos processos ordinários cíveis, penais e nos processos especiais
de garantia de direitos constitucionais e de controle jurisdicional
de constitucionalidade, dos possíveis afetados por cada decisão,
através de uma interpretação construtiva que compreenda o próprio
processo jurisdicional como garantia das condições para o exercício
da autonomia jurídica dos cidadãos.
Nesse quadro, será possível compreender o controle
jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo
legislativo, no Brasil, tanto em via incidental quanto em via principal,
como atividades processualmente institucionalizadas de aplicação
do Direito: o controle jurisdicional de constitucionalidade não
deverá ser exercido da perspectiva de um legislador negativo
ou positivo. O controle por via incidental inicia-se com vistas à
resolução de casos individuais e, por isso, limita-se à aplicação
de normas constitucionais, afastando-se do sentido inconstitucional
dos dispositivos normativos. Desse modo, sua caracterização
como atividade de aplicação do Direito não deve levantar grandes
questionamentos em relação à sua natureza. Ao possibilitar a garantia
dos direitos fundamentais, reafirma as condições do exercício das
autonomias pública e privada pelos cidadãos e, nesse sentido, o
controle jurisdicional de constitucionalidade por via incidental
também pode ser reconstruído tendo-se por referência a dinâmica
do processo de elaboração democrática do Direito. Já o controle
jurisdicional de constitucionalidade por via principal, que tantas
questões vem suscitando ao longo dos anos, para ser reconstruído
no quadro traçado da jurisdição constitucional democrática,
deve diretamente referir-se às condições procedimentais para a
realização do processo democrático e das formas deliberativas da
formação política da opinião e da vontade. Tais condições, por sua
vez, referem-se ao exercício discursivo da autonomia pública que
viabiliza o processo legislativo democrático, pelo qual os próprios
cidadãos são os autores de seus próprios direitos e deveres, na
dinâmica da gênese legítima do Direito. Em face do Direito brasileiro,
procuramos, também, defender que o controle por via incidental
deve ser compreendido como modo ordinário, assim como o controle
por via principal deve ser compreendido como modo especial, de

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POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 149

controle jurisdicional de constitucionalidade, não somente por razões


históricas, jurisprudencialmente assentadas, mas em função da
sistemática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis
e do processo legislativo, no quadro da Constituição da República.
Tal compreensão seria a única que possibilitaria uma visão não
excludente ou não incompatível dos dois modos de controle.
Especialmente quanto às decisões jurisdicionais tomadas
no controle por via principal, para que esse seja compatível com
o controle difuso, por via incidental, é necessário um comentário
adicional. A extensão da incidência dos efeitos retroativos, em sede
de controle por via principal, sobre os atos singulares praticados
com base em comando inconstitucional deve ser analisada caso a
caso, segundo a lógica argumentativa dos discursos de aplicação
jurídica. Para isso, propomos que seja adequado tratar a “ação direta
de inconstitucionalidade” no quadro geral das chamadas “ações civis
coletivas”. Assim, como o processo jurisdicional da ação direta de
inconstitucionalidade é especial em face do processo jurisdicional do
controle incidental, esse, sim, é o ordinário, possível de ser realizado,
em princípio, em face de qualquer demanda, por qualquer juiz ou
tribunal, por provocação das partes ou mesmo ex officio. Enquanto
tal, aquilo que a Constituição, em primeiro lugar, e o Código de
Defesa do Consumidor combinado com a Lei da Ação Civil Pública,
em segundo lugar, não excepcionam, quanto aos legitimados para
a propositura, quanto ao modo processual e quanto aos atingidos
pela coisa julgada, vale para a ação direta de inconstitucionalidade,
como vimos, o que vale para o controle incidental. A ação direta de
inconstitucionalidade é uma ação coletiva, proposta, como a ação
civil pública, por representantes da cidadania em geral.

III
Para finalizar este pósfácio, cabe desenvolver, ainda, um breve
comentário sobre a Lei Federal nº 9.868/99, que “Dispõe sobre o
processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da
ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal
Federal”. Essa Lei pretende introduzir uma série de inovações no
sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, alterando-lhe,
profundamente, a feição, principalmente no que se refere aos efeitos
temporais das decisões do Supremo Tribunal Federal, em sede do
controle por via principal. Essas inovações merecem não somente a
atenção dos operadores jurídicos, mas também a da cidadania em

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150 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

geral, em razão das consequências nefastas advindas dos princípios


subjacentes à sua adoção. O art. 27, da referida Lei, dispõe:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em


vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de 2/3 (dois terços) de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que
ela só terá eficácia a partir do trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.

Como se pode depreender da análise desse dispositivo, a Lei


Federal nº 9.868/99 visa atribuir ao Supremo Tribunal a competência
para determinar, com força vinculante e eficácia orga omnes (nos termos
do parágrafo único do seu art. 28), o momento em que suas decisões, em
sede do controle por via principal, irão entrar em vigor (art.27). Assim,
o Tribunal poderia “modular” os efeitos temporais de suas decisões,
definindo a partir de quando uma lei ou ato normativo inconstitucional
perderia sua eficácia, se após o trânsito em julgado da decisão, ou até
mesmo no momento que se julgar conveniente, “tendo em vista razões
de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”. Como muito
bem denuncia Ivo Dantas:

Imaginemos um exemplo: determinada Medida Provisória cria um


novo tributo (como o fez com a Contribuição Previdenciária dos Inativos)
e o Supremo Tribunal Federal a entende eivada de inconstitucional.
Contudo, em razão de necessidade de caixa, invocada como excepcional
interesse social, poderá dizer a Corte, por maioria de dois terços de seus
membros, que mesmo sendo inconstitucional, poderá ser cobrada por mais 5
(cinco) anos, por exemplo. Ou então, que em relação aos anos em que foi
cobrada a situação ficará imutável, pois que a decisão só terá eficácia a
partir de seu trânsito em julgado. (DANTAS, 2001, p. 245)

Consequência mínima disso é que mesmo declarados


inconstitucionais um ato normativo ou uma lei, o Supremo Tribunal
Federal poderia exigir o seu cumprimento pelos demais órgãos do Poder
Judiciário, pelo Poder Executivo e pela cidadania em geral.
Sabemos que não somente por razões históricas, mas também
sistemáticas, a tradição da jurisprudência constitucional brasileira
é a de que mesmo em sede de ação direta os efeitos temporais
da decisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou de ato
normativo são retroativos. Como vimos, segundo esse entendimento
constitucionalmente adequado ao modelo brasileiro de controle

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POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 151

de constitucionalidade, a lei ou o ato normativo inconstitucional


é uma contradição em termos, pois todo ato de vontade, emanado
do Legislativo ou do Executivo, que fere, formal ou materialmente,
a Constituição, carece de seu fundamento de validade, e, por isso,
embora exista como ato de vontade, não existe como lei ou ato
normativo, como ato dotado de normatividade, de obrigatoriedade.
Nesse sentido, um ato inconstitucional nunca vinculou o Judiciário
e a Administração e, muito menos, os cidadãos, que têm o direito
fundamental a não se submeterem a comandos inconstitucionais.
Mesmo após a introdução da via principal de controle, considera
a jurisprudência que o sistema permanece eminentemente difuso
(procedimento ordinário de controle), devendo o processo e o
julgamento da ação direta submeterem-se aos princípios assentados
jurisprudencialmente.
Todavia, desde a República Velha, vozes já se levantavam
contra o sistema difuso e, num nível pragmático, buscavam
alertar para o que seria o risco de decisões contraditórias, na
medida em que as decisões judiciais brasileiras, diferentemente
das norte-americanas, não possuiriam “efeito vinculante”, nem
fariam precedente obrigatório. Progressivamente, foram inseridos
mecanismos que teriam a finalidade de suprir o que seria uma
deficiência do sistema brasileiro, a começar pela possibilidade do
Senado retirar do quadro das leis uma lei declarada inconstitucional,
em última instância, pelo Supremo Tribunal, até a introdução do
controle por via principal e, agora, a com a atribuição de efeito
vinculante às decisões desse Tribunal em matéria constitucional.
Cada vez mais, à retórica das “decisões contraditórias” acrescentam-
se outros argumentos “metodológicos” e “pragmáticos” acerca do
controle de constitucionalidade. Primeiramente, argumenta-se,
com base, sobretudo, em Kelsen, que não se pode sustentar a tese
da nulidade absoluta ou de pleno direito da lei inconstitucional;
o Direito moderno é caracterizado por sanções organizadas que
não se aplicam automaticamente, não se podendo confundir o
vício da inconstitucionalidade com a sanção de nulidade. As
consequências tiradas dessas afirmações seriam, primeiramente, a
de que não haveria nenhuma questão de princípio que se pudesse
reconhecer a fim de se concluir que uma decisão que anule uma
norma inconstitucional o faria sempre com caráter retroativo. A lei
é presumida constitucional até que órgão competente, exercendo o
papel de “legislador negativo”, a considere inconstitucional e a anule.
Segundo, seria o Direito Positivo que definiria o aspecto temporal

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152 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

dos efeitos da decisão ou, na ausência de norma expressa, o próprio


órgão, discricionariamente. E, terceiro, caberia tão somente ao órgão
competente anular a lei, centralizando a autorização para aplicar
a sanção, não assistindo aos cidadãos um direito à desobediência:
como vimos, em termos kelseniamos, quem não cumprir uma lei
por considerá-la inconstitucional assim o faria por sua conta e risco,
já que o órgão competente poderia considerar a lei constitucional.
Além dos argumentos metodológicos, e da já tradicional retórica
das decisões contraditórias, acrescentaram-se, contudo, outros
de caráter pragmático. O esquema tradicional do controle não se
adaptaria às necessidades do Estado Social. Seria necessário modular
os efeitos temporais da decisão constitucional, em razão dos novos
fins e tarefas assumidos pelo Estado. A técnica da declaração de
inconstitucionalidade não seria adequada a um sistema jurídico que
estabelecesse programas a serem progressivamente implementados
ou que possibilitariam a sua aplicação em diversos graus. Ou seja, a
própria distinção constitucionalidade/inconstitucionalidade deveria,
assim, ser revista, pois não consideraria situações intermediárias, tais
como as de “omissões parciais do legislador”. (MENDES; MARTINS,
2001).100 Esse argumento, inclusive, é explicitamente apresentado
pela Comissão especial que redigiu o anteprojeto, que mais tarde
veio a servir de base para a Lei Federal nº 9.868/99.101
O que poderá significar, para o sistema jurídico brasileiro, a
inclusão dos dispositivos previstos pela Lei Federal nº 9.868/99, assim
como a questão acerca de se esses dispositivos são constitucionais, à
luz de uma compreensão constitucionalmente adequada do controle
de constitucionalidade? A inclusão de tais dispositivos representa
a tentativa de uma alteração do sistema de controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis e de atos normativos que, todavia, fere
o modelo constitucionalmente previsto e coloca em risco o caráter de
supralegalidade da Constituição. Ao atribuir ao Supremo Tribunal
Federal a competência para modular os efeitos de suas decisões, em
sede do controle por via principal, admitindo a eficácia ex nunc, ao
atribuir natureza constitutiva à decisão, assim como a possibilidade de
que esta passaria a gerar efeitos quando o Tribunal assim o determinar

100
Para nós, esse argumento não procede à luz de uma concepção “construtiva” da
interpretação constitucional: o caso seria de se aplicar o princípio constitucional da
igualdade e não simplesmente o de declarar, negando tutela jurisdicional adequada, uma
omissão parcial.
101
CF. MENDES, 1998a. Apêndice.

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POSFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO 153

(art. 27, da Lei Federal nº 9.868/99), ou, então, a competência para


conceder medida de natureza antecipatória (dita “cautelar”), em sede
da esdrúxula e inconstitucional ação declaratória de constitucionalidade
(Emenda Constitucional nº 3/93, art. 1º), “consistente na determinação
de que os juizes e Tribunais suspendam o julgamento dos processos
que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação
até seu julgamento definitivo” (art. 21, da Lei Federal nº 9.868/99), a
Lei Federal nº 9.868/99 fere uma interpretação constitucionalmente
adequada de uma série de dispositivos constitucionais, entre eles, o
princípio do Estado Democrático de Direito, fixado no art. 1º; a aplicação
imediata dos direitos fundamentais, §1º, art. 5º; a imutabilidade dos
princípios constitucionais, no que concerne aos direitos fundamentais
e ao processo especial de reforma da Constituição, art. 5º, §§1º e 2º;
art. 60, §4º; o sistema ordinário de controle jurisdicional difuso da
constitucionalidade (art. 97 e art. 102, III, a, b e c, da Constituição da
República) que atribui competência a todo juiz ou tribunal para deixar
de aplicar a lei inconstitucional, assim como o direito que dele decorre
ao cidadão de se recusar a cumprir a lei inconstitucional, assegurando-
se-lhe, em última instância, a possibilidade de interpor recurso
extraordinário ao Supremo Tribunal Federal contra decisão judicial
que se apresente contrária à Constituição, nos termos do art. 102, III, a.
Há de se analisar um último argumento, que vem sendo
apresentado por defensores da constitucionalidade da Lei Federal
nº 9.868/99. Essa posição, bastante influenciada por uma tardia
jurisprudência dos valores, não nega a hierarquia constitucional do
chamado princípio da nulidade da lei inconstitucional, mas acredita
que, sendo os princípios “mandatos de otimização”, esses terão
sua aplicação sujeita a um raciocínio de ponderação, podendo ser
aplicados em diferentes graus, segundo circunstâncias fáticas e
jurídicas. 102 Assim, uma vez que também se reconhecesse status
constitucional às razões de segurança jurídica e de relevante interesse
social, o princípio da nulidade da lei inconstitucional incorreria numa
operação de sopesamento, que envolveria tais razões, e teria a sua
aplicação afastada se, em face de um processo específico de controle
concentrado, tais razões encontrassem maior relevância do que a
simples declaração de nulidade, com efeitos ex tunc. Essa posição,
todavia, não leva a sério o caráter especificamente deontológico
dos princípios constitucionais. Os princípios, enquanto normas,

102
Sobre o tema, ver ALEXY, 2001. p. 81 et seq.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
154 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

diferenciam-se dos valores justamente porque estabelecem um vínculo


de obrigatoriedade e não da preferência ou de conveniência. Princípios
estabelecem o que é devido e não o que é preferível. Enquanto tal,
possuem um código binário e não gradual, não podendo ser cumpridos
em maior ou menor extensão.103 Além disso, essa posição confunde a
perspectiva argumentativa do processo jurisdicional com a perspectiva
argumentativa do processo legislativo. Enquanto nesse último se
colocam questões que venham, justamente, a justificar a validade
das normas, naquele se coloca a questão acerca da adequabilidade de
uma norma à solução de um caso concreto. Dizer que os princípios se
distinguem das regras por eles colocam, em seu processo de aplicação,
questões de peso ao lado de questões de validade, que lhe possibilitam
um cumprimento gradual, nada diz acerca da sua adequabilidade.104
Ao final, ao se reduzir o Direito a valores, aumenta-se o risco de
irracionalidade no processo jurisdicional de controle, transformando-o
uma instância político-legislativa que se sobressairia ao próprio
legislador democrático. Instaurar-se-ia, desse modo, uma ditadura de
“boas intenções éticas e políticas”, que desrespeitaria a cidadania e o
legislativo, à medida que os reduziria a meros tutelados do Tribunal
de cúpula, no caso do Supremo Tribunal Federal, ou, no caso alemão,
da Corte Constitucional Federal.
É um imperativo reconhecer, portanto, a inconstitucionalidade da
Lei Federal nº 9.868/99, que além de pretender descaracterizar o controle
difuso, ao buscar alterar o artigo 482 do Código de Processo Civil (art.
29, da Lei Federal nº 9.868/99), assim como inviabilizá-lo por força do
seu referido art. 21 (que estaria fundado no art. 1º, da inconstitucional
Emenda Constitucional nº 3/93), intenta transformar as decisões em
ação direta de inconstitucionalidade num meio espúrio de suspensão
da ordem constitucional, ao pretender atribuir ao Supremo Tribunal o
poder de restringir o conteúdo e de fixar os efeitos temporais de suas
decisões e o poder de determinar à cidadania, à Administração Pública
e aos demais juizes e tribunais, a obediência a leis e atos normativos
declarados inconstitucionais pelo próprio Tribunal, com base em
“razões (?) de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”
(art. 27, da Lei nº 9.868/99).

103
Para as críticas de Habermas a Alexy, ver HABERMAS, 1998a, p. 326 et seq.
104
Mais uma vez, seguimos Habermas e Günther. Sobre isso, ver CATTONI DE OLIVEIRA,
2001, p. 139 et seq.

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APÊNDICE

ESTUDOS COMPLEMENTARES

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1 Minorias e Democracia no Brasil
Não há Estado de Direito sem democracia radical.
(Habermas)

Segundo informações amplamente noticiadas pela imprensa,


no dia 25 de fevereiro de 2005, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
ao discursar de improviso, em um evento do Ministério da Educação,
em Brasília, procurou definir o que entende por democracia, fazendo
menção a um episódio ocorrido tempos atrás, em Florianópolis, durante
um comício para 10 mil pessoas. Segundo o Presidente Luiz Inácio,
“um dos companheiros foi convidado para proferir o seu discurso e as
pessoas começaram a vaiar e a gritar ‘Fora! Fora!’ Ele [o companheiro]
pegou o microfone e gritava: ‘Vocês não são democráticos porque não
querem me ouvir. Eu preciso falar.’ Aí – contou o Presidente Luiz Inácio
– coloquei a mão no ombro dele. E disse que não era possível que ele não
entendia o que era democracia. Tinham 10 mil pessoas que não queriam
que ele falasse e ele queria que elas ouvissem. Democracia – conclui,
portanto, o Presidente Luiz Inácio – é entregar o microfone e pedir para
o próximo orador e agradecer o povo por esse gesto de bondade”.105
Por que, então, falar em Minorias e democracia no Brasil?106 Afinal, a
democracia não é aquela forma de governo cujas decisões são tomadas

105
Lula diz que democracia não garante voz para minoria. Disponível em: <http://tv.terra.
com.br>.
106
O tema da proteção às minorias políticas, no Direito Brasileiro e no Direito Comparado, é
tratado de forma analítica sobretudo no excelente artigo de SAMPAIO, 2003, p. 79-131. Ver
também ATALIBA, 2004, p. 98-101.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
180 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

pela maioria? Todavia, mesmo onde uma maioria governa, a minoria


não teria direitos assegurados? Se a resposta for sim, como assegurar
direitos às minorias, em face das decisões da maioria governante?
Atribuindo-se a uma instituição, ao Judiciário, por exemplo, um poder
contramajoritário? Assim, todas as vezes que a maioria lesasse direitos
das minorias, o Judiciário estaria autorizado a proteger esses direitos.
Mas quem autorizaria, numa democracia, o Judiciário, que sequer é
eleito, a controlar as decisões majoritárias que supostamente violariam
direitos das minorias? Resposta: A Constituição. Mas por que uma
Constituição autorizaria o Judiciário a controlar decisões tomadas pela
maioria, para que elas não firam direitos das minorias? A Constituição,
nesses termos, não seria contrária à democracia? Resposta: Não, se
entendermos que a Constituição não foi estabelecida nem pela maioria,
nem pela minoria, mas pela nação. A nação, portanto, acima das maiorias
e das minorias, é quem soberanamente estabelece a Constituição do
estado para que, dentro do estado, decisões tomadas por maioria não
violem os direitos das minorias. A nação é o fundamento de todo poder
e de toda autoridade. Mas quem autoriza a nação a estabelecer uma
Constituição, que autoriza o Judiciário a controlar decisões majoritárias,
para que essas decisões não violem direitos das minorias? A própria
nação. Pois se trataria de uma questão de fato, não de direito, ou, pelo
menos, não de direito “positivo”, quem sabe “moral”, já que todo
direito é posto pela nação? Não há direito sem nação. Mas se a nação
cria o direito, quem cria a nação? Ora, uma nação se cria. Mas como
uma nação se cria? Por uma fatalidade da história ou a história teria
um sentido imanente? De toda forma, como um “fato” se afirma como
nação, dotada de soberania, para estabelecer uma Constituição, que
autoriza o Judiciário a controlar a maioria, que toma suas decisões,
desde que não fira os direitos da minoria? Uma nação impõe-se pela
sua própria soberania. No final, quer dizer, no princípio, está a própria
soberania, ou seja, uma força que a todos submete e que não se submete a
ninguém. Mas por que a nação quereria estabelecer uma Constituição do
estado em que, por um lado, as decisões fossem tomadas pela maioria,
e, por outro, que as maiorias pudessem ser controladas pelo Judiciário,
para que a maioria não pudesse violar o direito das minorias? Se a
nação é soberana para assim decidir, ela poderia ter decidido de outro
modo, por exemplo, que a minoria governe sobre a maioria, ou seja, ter
decidido por um governo de poucos ou até mesmo de uma só pessoa?
A nação estaria obrigada a decidir pela democracia? O que faz com que
a nação decida pela democracia? Ela teria, em princípio, outras opções?
Por que não delegar a um ou a poucos o poder de tomada de decisão?

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
181

Há um fundamento último para essa opção? Ou se trata, pois, sempre


de uma escolha com certa margem de arbitrariedade? E, ao fazer essa
escolha, quem interpreta as decisões da nação? Quem fala pela nação?
A nação fala por si mesma? Não, para isso existe o estado. O estado
encarna a nação, representa-a, no sentido de torná-la presente, para si
mesma e para todos. O estado é a representação política da nação. E se
o estado é a representação política da nação, quem representa o estado?
O governo representa o estado. E, numa democracia, quem governa é
a maioria. Se o governo da maioria representa o estado e se o estado
representa a nação, em última análise, o governo representa a própria
nação. Representa – o governo é quem torna presente, quem atualiza,
portanto, a nação. Ora, se o governo da maioria re-presenta a nação, se
é ele quem incorpora o papel da nação, para que ou por que se falar em
direitos para minorias, contra as decisões da maioria governante, e, mais
ainda, decisões, essas, que seriam controladas pelo Judiciário, ainda
que fosse eleito pela maioria? Como falar em Constituição, que garante
as minorias em face das maiorias se a própria maioria governante
representa a nação? Constituição, Judiciário, direitos, minorias, para
quê ou por quê tudo isso se a própria maioria governa representando
a nação, se a maioria encarna a nação, se a maioria é, pois, a nação no
governo, se o governo é a própria representação da soberania nacional?
Assim, só se pode falar em Constituição, Judiciário e direitos, numa
democracia, tão somente nos próprios termos estabelecidos pelas
decisões da maioria governante que, em qualquer tempo, representa
a nação, torna presente a nação, inclusive para si mesma, de tal sorte
que, como num jogo de “espelhos” (Hobbes), o governo majoritário é,
portanto, a própria soberania nacional que se representa?
Certo, então, estaria o ponto de vista expresso pelo Presidente,
nesse episódio, segundo o qual numa democracia governa a vontade
das maiorias sobre as minorias?107 E disso também resulta que certas

107
Há algum tempo, pude notar nesse e em alguns discursos do Presidente Lula o seu
viés eminentemente “democrata”, para usar o termo ao modo de Renato Janine Ribeiro
(RIBEIRO, Renato Janine. “Democracia petista, republicanismo tucano”. Disponível
em: <http://www.renatojanine.pro.br/Brasil/democraciapetista.html>; também, “O
Brasil hoje”, disponível em: <http://www.renatojanine.pro.br/Brasil/obrasilhoje.html>; e
Democracia versus república: a questão no desejo nas lutas sociais. In: BIGNOTTO, 2000,
p.13-25). Aqui seria cabível uma pequena crítica, no sentido de se chamar atenção para os
riscos que, sob o argumento de se defender a democracia como governo da maioria, se
poderia perder de vista os direitos políticos das minorias. Cabe também acrescentar que,
como veremos adiante, esses direitos não são apenas das minorias, já que esses direitos
não são simples limite para o poder, mas são também condição de possibilidade para a
formação legítima do poder político.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
182 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

instituições, como a Constituição, que assegura direitos às minorias,


seriam, de quebra, ingovernáveis e antidemocráticas, por serem,
justamente, contramajoritárias? Afinal, o Estado Democrático de Direito
não seria, assim, uma união paradoxal de princípios contraditórios, a se
fundamentar, em última análise, numa mera tautologia? 108
Ou, então, quem sabe, a democracia talvez não deva ser reduzida
tão somente a uma mera forma de governo cujas decisões são tomadas
pela maioria? Ou quem sabe o constitucionaismo e sua garantia de
direitos não devam ser tão somente tomados como contramajoritários?
Afinal de contas, o que é democracia? Governo da maioria? O que é
Constituição? Um limite para o exercício do poder? A democracia
é incompatível com uma Constituição garantidora de direitos porque
limitadora do governo majoritário? Como, pois, conceber adequadamente
a relação entre Constituição e democracia?
De tal sorte a contribuir para se chegar a respostas plausíveis a
essas questões, que envolvem o problema acerca de uma justificação
da legitimidade da Constituição e da Democracia modernas, procurei
reconstruir, em Devido Processo Legislativo (CATTONI DE OLIVEIRA,
2006b), seguindo de perto as reflexões de Manuel Jiménez Redondo (In
HABERMAS, 1998, p. 19 et seq.), o suposto segundo o qual se poderia
considerar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, como
uma das expressões mais significativas do conteúdo normativo da
Modernidade política. Analisando a Declaração, seria possível reconhecer
a marca das duas grandes tradições do pensamento político moderno, a
liberal e a republicana, representadas, em princípio, nos embates políticos da
Revolução Francesa, respectivamente pelos girondinos e pelos jacobinos.
Após o seu preâmbulo, que procura explicitar as razões pelas
quais os “representantes do povo francês” julgaram necessário “expor
em uma declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do
homem” – ou seja, o esquecimento, a ignorância e desapreço pelos direitos
do homem como causa de toda corrupção dos governos –, a Declaração
de 1789 passa a especificar uma série de princípios e de direitos, entre os

108
Faço, aqui, explicitamente, a referência ao debate Habermas-Michelman sobre o sentido
não paradoxal da Constituição de um Estado Democrático de Direito. Em sua resposta
a Michelman, Habermas se apoia em vários supostos presentes na própria tradição
do republicanismo cívico, adotando, mais uma vez, uma perspectiva que, em vários
momentos, foi consagrada por ele e por Apel, ou seja, algo do tipo “Pensando o Estado
Democrático de Direito com Michelman contra Michelman”. Habermas, inclusive, já teve
oportunidade de denominar de Republicanismo Kantiano o seu próprio ponto de vista.
Sobre a discussão com Michelman, ver HABERMAS, 2001, p.766-781. Também CATTONI
DE OLIVEIRA. In: SAMPAIO, 2004, p. 131 et. seq.

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
183

quais, os direitos à igualdade perante a lei, à liberdade, à propriedade, à


segurança e à resistência à opressão (arts.1º e 2º); assim como o objetivo
de toda sociedade política, a conservação desses “direitos naturais e
imprescritíveis do homem” (art. 2º). O art. 4º esclarece que “a liberdade
consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique a outrem; por
isso, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outro limite que
aqueles que assegurem aos demais membros de uma sociedade o gozo
dos mesmos direitos”.
Até esse ponto, a Declaração nada mais seria que a expressão da
ideia liberal lockeana fundamental, segundo a qual haveria um conjunto
de direitos pré-políticos, verdadeira fonte normativa natural, que
precederia, limitaria e condicionaria a lei, devendo essa ser tão somente
a encarnação e a expressão daqueles direitos. Assim, o art. 5º dirá que não
cabe à lei senão proibir as ações nocivas à sociedade, que desrespeitem os
fins para os quais a sociedade civil se constitui: a garantia e a conservação
dos direitos naturais do homem. E o restante do art. 5º, “tudo o que não
está vedado pela lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser forçado
a realizar o que a lei não ordena”, e, ainda, o art. 3º, “a soberania reside
essencialmente na nação. Nenhum indivíduo ou corporação poderão
realizar o exercício de autoridade que não emane expressamente dela”,
podem, também, ser interpretados no sentido liberal, segundo o qual,
nas palavras de Jiménez Redondo,

[...] para evitar os inconvenientes do ‘estado de natureza’ e com o objetivo


de uma melhor conservação dos direitos, se institui por pacto uma
commonwealth para cujo government se delega a faculdade que no ‘estado de
natureza’ cada indivíduo tinha de fazer valer coercivamente seus direitos;
ao government dessa commonwealth compete agora com exclusividade a
função de fixar, interpretar e impor os direitos. (JIMÉNEZ REDONDO.
In: HABERMAS, 1998, p. 21).

Todavia, o art. 6º irá introduzir outra fonte de normatividade e


de legitimidade bastante distinta daquela que representam os direitos
naturais que precederiam a sociedade política, na linha do pensamento
não mais de Locke, mas de Rousseau: “A lei é a expressão da vontade
geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer para a sua formação
pessoalmente ou por seus representantes”; e, sendo assim, a lei “deve
ser a mesma para todos, quer proteja, quer castigue”.
Interessante notar, pois, como nos chama atenção Jiménez Redondo,
que o art. 6º levanta a questão acerca do que deveria ocorrer com a lei, que
podendo considerar-se expressão da vontade geral, vulnere os direitos

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184 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

naturais. Com base no art. 5º, a lei que desrespeitasse direitos naturais
deveria ser nula. Contudo, desde a perspectiva do art. 6º, obter-se-ia,
por sua vez, um sentido bastante diferente que, inclusive, poderia
estar mais de acordo com o disposto no art. 3º. A questão é que, da
perspectiva do art. 6º,

A liberdade não consiste primeiramente, como disse o artigo quarto da


Declaração, ‘em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem; por
tanto, o exercício dos direitos naturais do homem não têm outros limites
que aqueles que assegurem aos demais membros da sociedade o gozo
desses mesmos direitos’ (art. 4); tampouco consiste em estar permitido a
qualquer um tudo aquilo que as leis do soberano não proíbem; senão que
primariamente consiste naquilo a que se faz referência n’O contrato social
[de Rousseau] ao assinalar o problema que o contrato resolve: ‘Encontrar
una forma de associação que defenda, com toda a força comum, a pessoa
e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindo-se a todos,
não obedeça, todavia, senão a si mesmo’, isto é, a liberdade consiste
primariamente em autonomia pública, quer dizer, em havendo de estar
submetido a leis, não estar submetido a outras leis que as que qualquer
um haja podido impor a si mesmo, conjuntamente, com cada um de todos
os demais, podendo valer para todos e para qualquer um. (JIMÉNEZ
REDONDO. In: HABERMAS, 1998, p. 23).

Afinal, um argumento é dizer que a lei não pode ferir os direitos


humanos naturais (ou fundamentais), baseados na noção de liberdade
segundo a qual essa consiste em fazer tudo o que não prejudique o igual
exercício da mesma liberdade pelos outros, e outro argumento consiste
em afirmar que a lei é a expressão da liberdade enquanto autonomia
política de cada um, que se exerce no interior ou no todo da sociedade
política. Para se pontuar a importância de tal problemática, e da força que
essas duas concepções ainda possuem na atualidade, basta abrirmos a
Constituição brasileira para notarmos, em princípio, um certo paralelismo
com a Declaração de 1789. Por um lado, o art.5º da Constituição brasileira
dispõe que todos são iguais perante a lei, sendo garantidos os direitos
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; e o art.
60, §4º, inciso IV, torna esses direitos um limite ao exercício do Poder
Legislativo, inclusive do Poder de Reforma da Constituição, ao determinar
que não deverá ser (o texto, em tom de declaração, diz, literalmente, “não
será”) objeto de apreciação por parte do Poder Legislativo proposta de
Emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais (isso, sem nos
esquecermos da normativa do inciso XXXVI, do art.5º, que determina
que a lei não deverá prejudicar – “não prejudicará”, como está no texto

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
185

– o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada). Por outro


lado, o art. 1º, parágrafo único, da Constituição, dispõe que a fonte de
legitimidade do poder político é o povo, que o exerce diretamente ou
por meio de seus representantes eleitos; e o art.5º, II, estabelece que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei”. Como, ontem e hoje, compreender adequadamente
esses dispositivos normativos?
Tal indagação, portanto, não se impõe por mero diletantismo
especulativo, mas por uma questão prática, operacional, do Direito,
fundamental, por exemplo, para a questão acerca da possibilidade de
uma justificação constitucional-democrática do controle judicial da
atividade legislativa ou executiva, pois é algo bastante diferente tentar
justificar, por um lado, de uma perspectiva liberal, que tal controle
se sustenta em razão da garantia dos direitos liberais fundamentais
perante o legislador majoritário, e, por outro lado, buscar justificar, se
é que é possível justificar, de uma perspectiva republicana, que esse
controle se baseia na garantia de uma representação argumentativa (Alexy)
de uma cidadania ativa e soberana.
Seria, portanto, impossível compreender, de forma não
concorrente, o que estaria disposto nos arts. 4º e 6º, da Declaração, os
direitos do homem e os direitos do cidadão? Ou, em outras palavras, seria
possível conectar a fonte normativa que emprestaria legitimidade às leis,
que é representada pelos direitos humanos de liberdade, de propriedade
e de segurança, que o liberalismo buscou consagrar, e a fonte normativa,
destacada pelos republicanos, que representa o exercício democrático da
autodeterminação política, da qual as leis deveriam emanar?109
Na presente exposição, pretendo retomar a tese segundo a
qual, para uma compreensão adequada da Constituição de um Estado
Democrático de Direito, há um nexo interno entre Constituição e
democracia, direitos fundamentais e soberania popular, autonomias
pública e privada, e não uma contradição. Como já fiz anteriormente e
alhures, tal reflexão se dá no marco da Teoria Discursiva do Direito e
da Democracia, de Jürgen Habermas, apresentada, fundamentalmente,
em Direito e democracia: entre facticidade e validade,110 segundo a qual
“não há Estado de Direito sem democracia radical”. Teremos, pois,

109
Para uma reflexão crítica sobre a Declaração de 1789, numa perspectiva comparativa da
Revolução Francesa com a Norte-americana, que leva a sério, no contexto do republicanismo
cívico, o sentido político, não “natural”, portanto, dos direitos fundamentais, ver sobretudo
ARENDT, 1990.
110
HABERMAS, 1997. Também é inegável o diálogo com o pensamento de DWORKIN, 2006.

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186 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

de reconstruir os conceitos de autonomia pública e de autonomia


privada, bem como os de constitucionalismo e de democracia, a eles
relacionados, e mostrar que, numa compreensão não paradoxal do
Estado Democrático de Direito, tais conceitos não são contraditórios
mas, ao contrário, estão normativamente implicados.
Para isso, vou tomar como fio condutor a análise de um
julgamento recente do Supremo Tribunal Federal,111 relatado pelo
Ministro Celso de Mello, o do Mandado de Segurança nº 24.831-9.112
Esse MS foi impetrado pelo Senador Pedro Simon, entre outros, em
face de omissão da Mesa Diretora do Senado Federal, na pessoa do
seu Presidente, por faltar com o seu dever de agir, não nomeando
parlamentares, a fim de completar a composição de Comissão
Parlamentar de Inquérito, regularmente aprovada, cujo exercício
estava sendo inviabilizado pela não indicação de membros pela
bancada majoritária governista. Trata-se, no caso, de uma discussão
sobre o que seria um direito das minorias parlamentares à instalação
de procedimento parlamentar de inquérito.
Quais os pressupostos metódicos e de legitimidade do controle
judicial do Poder Legislativo subjacentes a essa decisão? Em que
sentido o Ministro Relator Celso de Mello compreendera a competência
do Poder Judiciário na garantia de direitos de minorias, em face do
exercício de competências privativas do Poder Legislativo? Como
compreender o papel das maiorias e das minorias na democracia?
Enfim, em que sentido compreende a relação entre Direito e Política, à
luz da Constituição da República?
Cabe fazer, inicialmente, um breve resgate histórico da
distinção entre questão de direito e questão política, na jurisprudência
do STF. A doutrina das questões políticas foi construída ao longo dos
primeiros anos da República Velha, no julgamento, pelo STF, de
vários Habeas Corpus que procuravam impugnar uma série de atos
do Executivo cometidos na vigência do Estado de Sítio. O que se
pretendeu, com base nessa jurisprudência, foi o estabelecimento
de um critério normativo para a determinação da extensão da

111
Sobre o tema da proteção das minorias políticas no Supremo Tribunal Federal, ver
SAMPAIO, 2003, especialmente, p. 103-130.
112
Tal análise será feita no sentido de se contribuir para um diálogo franco entre a
Universidade e as Instituições Políticas, especialmente o Supremo Tribunal Federal, nos
termos propostos por José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior em BARACHO JÚNIOR.
In: SAMPAIO, 2004, p. 209 et seq. O que se pretende é reforçar o papel decisivo do STF na
consolidação da democracia no Brasil, sem, contudo, fazer do Supremo um substituto para
o Legislativo ou para o Executivo.

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
187

competência jurisdicional do Judiciário, em face de “atos políticos”


do Legislativo e do Executivo. Cabe lembrar, assim, que sob a
Constituição de 1891 já se construía o entendimento segundo o qual
seria necessário alegar uma lesão a direito individual para que, em
princípio, o Judiciário pudesse conhecer da causa.113 Todavia, uma
compreensão naturalizada da distinção entre questões de direito
e questões políticas, a definir o que seria a matéria jurisdicionável,
acabava por excluir da apreciação do Poder Judiciário os chamados
“atos políticos” e os “atos discricionários” do Executivo, assim como

113
A primeira versão desta passagem afirmava que “Cabe lembrar que a Constituição
de 1891 estabelecia que A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão a direito
individual. Seria, pois, necessário alegar uma lesão a direito individual para que, em
princípio, o Judiciário pudesse conhecer da causa.” Em boa hora, Sérgio Pompeu
acertadamente me chamou atenção para o equívoco em que eu estava incorrendo, em
e-mail datado do dia 23/01/2007: “Como leitor atento, tenho também uma observação
sobre seu artigo (menos sutil, referente a detalhe menor, mas que pode contribuir
para eventual nova publicação): é que, segundo pesquisei, o que hoje chamamos
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional aparece originalmente
na Constituição de 1946[...] Pode-se argumentar, contudo, que a ideia de que a
alegação de violação a direito individual é o critério fundamental de incidência da
competência do judiciário foi desenvolvida na jurisprudência do STF no transcorrer
da primeira república, pois aparece em alguns julgados, especialmente a partir de
1900 e poucos”. Por um lado, é a Constituição de 1946 que literalmente traz em seu
art. 141, § 4.º, disposição segundo a qual “A lei não poderá excluir da apreciação
do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”, disposição mantida na
Constituição de 1967, art. 150, § 4.º. Mas, por outro, como a alegação de lesão a
direito individual já era utilizada, desde a República Velha, como critério para
determinação dos limites da competência do Poder Judiciário no exercício da
jurisdição, a diferenciar questões jurídicas das políticas, não se invalida o que no
texto se afirma. Ao contrário, é inclusive a consolidação dessa jurisprudência que,
em 1946 e após a ditadura do Estado Novo, se tornará fonte de inspiração para o
processo constituinte e para a ideia de inafastabilidade da jurisdição. Agora, mesmo
na versão original do texto não se estava tratando do princípio da inafastabilidade,
pois a ideia de alegação de lesão a direito individual, na República Velha, não tinha
tanto a conotação, propriamente dita, de uma garantia individual em face de lesão a
direito, mas sim de critério de determinação dos limites do controle judicial de atos
do legislativo e do executivo, ou seja, das questões jurídicas em face das políticas.
Isso, por mais que um pensador como Ruy Barbosa tivesse brigado a vida toda
contra isso, até porque não concordava tão tranquilamente com essa distinção entre
questões políticas e jurídicas. Mas para se ver a força disso, tanto a Constituição de
1934, art. 68, quanto a Constituição de 1937, art. 94, determinavam que “é vedado
ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas”. Cabe dizer,
por fim, e em acréscimo, que uma primeira noção de inafastabilidade já poderia
ter sido buscada anteriormente ao texto de 1946 exatamente em razão da existência
do próprio monopólio estatal da jurisdição, por um lado, e da inexistência de um
contencioso administrativo no caso da Constituição de 1891 (a justiça administrativa
do trabalho, criada posteriormente, art. 122 da Constituição de 1934 e art. 139 da
Constituição de 1937, é caso à parte). O problema, aqui, era a concepção liberal de
1891 do direito como limite do poder estatal e a concepção autoritária, senão de 1934,
sim de 1937, do direito como instrumento do poder estatal.

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188 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

toda a chamada “matéria interna corporis” no caso do Legislativo.


É de se lembrar, também, que a partir da Revolução de 1930 e do
golpe do Estado Novo, em 1937, a chamada “supremacia do interesse
público sobre o privado” passa a ser tratada como critério para o
julgamento de mérito. Alega-se lesão a direito individual, o Judiciário
tem jurisdição; mas, quando do juízo de mérito, ou a lesão se justifica,
em razão do interesse do Estado, ou então não seria “realmente”
lesão, mas tão somente uma “restrição”, “relativização”, “limitação”,
“suspensão”, “excepção” ou “estratégia” justificáveis, em função
de uma nova compreensão “social” (sic) do Direito e do papel do
Estado, segundo a qual os direitos só seriam direitos, na medida
em que esses “direitos” ou o seu “exercício” atendessem aos fins
“objetivos” do Estado. O que também se intensifica com a Ditadura
Militar, pós-1964, com base na ideologia da segurança nacional.
Todavia, cabe chamar a atenção: O que está em questão,
quando se discute a distinção entre Direito e Política, questões
jurídicas e questões políticas, é justamente as próprias compreensões
de Constituição e de democracia subjacentes a essas distinções e
suas compreensões. Criticar, aqui, a interpretação tradicional da
distinção entre Direito e Política não significa negar, simplesmente,
essa distinção, mas contribuir para a sua reinterpretação, de tal
modo a não mais se tratar os princípios do Estado de Direito e da
democracia como contraditórios.
A tentativa de se reconstruir a relação entre Direito e Política,
de uma perspectiva que não mais trate os princípios do Estado de
Direito e da democracia como contraditórios, torna-se claramente
presente no voto do Ministro Relator Celso de Mello, no Mandado
de Segurança nº 24.831-9, que considera o significado e a importância
da garantia constitucional dos direitos das minorias para o processo
democrático; posição do Relator que é acompanhada, na ocasião,
por mais oito Ministros do Supremo Tribunal Federal, vencido o
Ministro Eros Grau, ausente a Ministra Ellen Gracie.
Nos termos do relatório, o MS nº 24.831-9, como já afirmado,
foi impetrado pelo Senador Pedro Simon e por outros senadores
da República e “insurge-se contra omissão atribuída à Mesa do
Senado Federal, representada por seu ilustre Presidente, e que,
por alegadamente lesiva a direito público subjetivo das minorias
parlamentares, teria frustrado, não obstante a natureza eminentemente
constitucional desse instrumento de investigação legislativa, a
instauração de inquérito parlamentar destinado a apurar a utilização
das “casas de bingo” na prática do delito de lavagem de dinheiro,

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
189

bem assim a esclarecer a possível conexão dessas mesmas ‘casas’ e das


empressas concessionárias de apostas com organizações criminosas.”
Primeiramente, o Ministro Celso de Mello retoma a jurisprudência
do STF quanto à doutrina das questões políticas, todavia, na sua melhor
luz. Nesse sentido, o Ministro Relator busca caracterizar o caso concreto
como sendo, inicialmente, de lesão a direitos individuais, “públicos
subjetivos” dos senadores, como membros da minoria parlamentar.
Assim, como há uma justificável alegação de lesão a direitos, a
questão preliminar acerca de se o Supremo teria ou não competência
para apreciar o caso, se se tratava de “matéria jurisdicionável” ou
“matéria interna corporis”, estava superada. Contudo, a argumentação
do Ministro Relator avança, não para nesse ponto. O Ministro Celso
de Mello procura mostrar como o caso envolve a discussão acerca do
próprio exercício de prerrogativas jurídico-políticas de fiscalização,
próprias ao Poder Legislativo, num regime constitucional-democrático.
Para ele, nos termos da Constituição da República, mas também dos
princípios jurídicos que norteiam os Regimentos Internos das Casas
Parlamentares, a caracterização de omissão por parte do Presidente do
Senado em nomear, suprindo a ausência de indicação de representantes,
os membros restantes, necessários para o funcionamente de Comissão
Parlamentar de Inquérito regularmente aprovada, lesaria o direito
político de se instalar uma investigação parlamentar que não é, pois,
somente direito da minoria, mas de todos os parlamentares, sendo
constitutivo do próprio exercício legítimo do Poder Legislativo. E,
destarte, conclui reafirmando que os direitos lesados pela omissão
do Presidente do Senado Federal são, antes de tudo, mais do que
meros direitos individuais negativos, de defesa de minorias em face
do risco permanente de abuso de poder por parte de maiorias, direitos
constitutivos do processo democrático, não estando à disposição, por
isso, da vontade majoritária. Os direitos fundamentais são, nesses
termos, conditio sine qua non da formação democrática da opinião e da
vontade, não devendo ser somente impostos, como limites ao exercício
do poder político, nem meramente instrumentalizados politicamente.
Maiorias e minorias, pois, formam-se, dinamicamente, no exercício
desses direitos, ao longo do processo político-democrático.
Portanto, ao procurar reconstruir, de uma perspectiva inovadora
e constitucionalmente adequada, a distinção jurisprudencialmente
assentada pelo Supremo Tribunal Federal entre questões políticas
e questões jurídicas, de tal sorte a justificar, no caso concreto, a
garantia, pelo Poder Judiciário, dos direitos individuais e políticos
das minorias parlamentares, lesados pela omissão do Presidente do

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
190 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Senado Federal, que faltou com seu dever de agir, desrespeitando,


assim, a Constituição da República, bem como o próprio Regimento
Interno daquela Casa Parlamentar, direitos, esses, que não só
assistem às minorias, mas a todos, o Ministro Relator Celso de Mello,
de forma exemplar, bem mostrou em seu voto como os direitos
fundamentais, mais do que limites, são constitutivos do próprio
processo democrático.
Nesse sentido, o Ministro Celso de Mello procurou recuperar,
de uma perspectiva principiológica, que certamente contribui para
uma compreensão constitucionalmente adequada da representação
política e do exercício do Poder Legislativo ao Estado Democrático
de Direito, a intuição normativa segundo a qual a Constituição da
República articula, de forma complexa, questões políticas – éticas,
morais e pragmáticas – a questões jurídicas. Todavia, tal articulação
deve ser compreendida de tal forma que a proteção de direitos
não fique prejudicada por razões de Estado. A garantia dos direitos
fundamentos, no duplo sentido de direitos individuais e de direitos
de participação política, envolve, assim, compreendê-los como
garantias constitutivas do próprio processo democrático.114
Há um nexo interno entre democracia e direitos fundamentais.
O Direito só se legitima como um meio para a garantia equânime da
autonomia privada e da autonomia pública, de direitos individuais
e de direitos políticos. Os direitos não podem ser simplesmente
impostos ao legislador político como uma restrição externa, como
no caso da tradição liberal, nem se deixarem instrumentalizar como
requisitos funcionais para seus fins político-legislativos, como no
caso do republicanismo comunitarista.
Sob as condições do pluralismo social e cultural, é tão somente
o processo democrático que confere força legitimadora ao processo
legislativo de criação do Direito. Normas que podem pretender

114
Algumas críticas, entretanto, podem ser feitas à parte da argumentação desenvolvida
pelo Min. Rel. O Min. Celso de Mello considerou necessária uma aplicação “analógica”,
“integrativa”, “extratextual”, portanto, do Regimento Interno da Câmara Federal, a
fim de solucionar o caso no Senado. Ora, essa visão é incompatível com a compreensão
principiológica do Direito que ele tanto buscou defender! Isso porque embora o Regimento
do Senado não preveja expressamente a competência específica de o seu Presidente
para nomear os membros de uma CPI, diante do caso de não indicação de membros
pelos líderes dos partidos, como ocorre expressamente no caso do Regimento Interno
da Câmara, bastava somente o reconhecimento, com base no princípio constitucional
do devido processo legislativo, no “princípio democrático”, para usar a expressão
utilizada pelo Ministro, da falta de cumprimento de um dever de agir por parte do
Presidente do Senado, lesiva a direitos fundamentais, para resolver o caso.

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
191

legitimidade são justamente as que podem contar com a concordância


de todos os possíveis afetados. Se discursos e negociações são o que
constitui o espaço de formação da opinião e da vontade política,
então, para Habermas (2002, p. 292),115 a suposição de racionalidade
que deve embasar o processo democrático tem que se apoiar num
arranjo comunicativo segundo o qual tudo depende das condições
sob as quais se podem institucionalizar juridicamente as formas de
comunicação necessárias para a criação legítima do Direito.
A autonomia pública e a privada pressupõem-se mutuamente,
sem que haja primazia de uma sobre a outra:

Os cidadãos só podem fazer um uso adequado de sua autonomia pública


quando são independentes o bastante, em razão de uma autonomia
privada que esteja equanimemente assegurada; mas também no fato de
que só poderão chegar a uma regulamentação capaz de gerar consenso,
se fizerem uso adequado de sua autonomia política enquanto cidadãos.
(HABERMAS, 2002, p. 294).116

Nesse sentido, procurando reconstruir o nexo interno entre


autonomia pública e autonomia privada, é que podemos considerar como
a perspectiva desenvolvida pela Teoria Discursiva da Democracia pode
contribuir para a reconstrução de uma visão não conflitiva da relação
entre Estado de Direito e Democracia (HABERMAS, 2001, p. 766-781).117
E isso porque a Teoria Discursiva da Democracia sustenta que
o êxito da política deliberativa de formação democrática da opinião e
da vontade depende da institucionalização jurídico-constitucional dos
procedimentos e das condições de comunicação correspondentes, bem
como, para isso, considera que os princípios do Estado Constitucional
são uma resposta consistente à questão de como podem ser
institucionalizadas as exigentes formas comunicativas de uma formação
democrática da vontade e da opinião políticas.
Constitucionalismo e democracia não mais podem ser
considerados como concepções contraditórias. O constitucionalismo e,
portanto, a própria Constituição de um Estado Democrático de Direito,
não pode mais ser compreendido, quer em termos liberais, como a defesa
de uma esfera privada e do exercício da autonomia enquanto “liberdade
negativa”, naturalisticamente concebidas, contra o público; quer em

115
Ver, também, CATTONI DE OLIVEIRA, 2000, p. 77.
116
Sobre isso, ver, também, a claríssima passagem de HABERMAS, 2001b, p. 147-149.
117
Também CATTONI DE OLIVEIRA. In: SAMPAIO, 2004, p.131 et seq.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
192 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

termos republicanos, como a defesa de uma estabilidade ético-política,


que se realiza por meio do exercício da autonomia enquanto “liberdade
positiva”. E a democracia não pode ser concebida, quer em termos
liberais, como uma mera disputa de mercado regulada mecanicamente
por regras, que legitimam a escolha de um governo comprometido
com os interesses majoritários daqueles que supostamente representa;
quer em termos republicanos, como um processo autocompreensivo
pelo qual a identidade ética presumidamente homogênea de uma
comunidade concreta se realiza.
A Constituição, pois, para articular-se com uma visão
procedimentalista da Democracia, não pode ser reduzida a um mero
instrument of government, garantidor de uma esfera privada de livre-
arbítrio perante o poder administrativo-estatal. Sob as condições
de uma sociedade complexa como a atual, o sistema de direitos
fundamentais não pode mais ser interpretado à luz dos históricos
direitos liberais de defesa da esfera privada contra o Estado. O
exercício da autonomia privada encontra-se ameaçado não apenas
por uma Administração Público-Estatal, tantas vezes privatizada e
desvinculada da formação do poder comunicativo, mas também por
posições desiguais de poder social e econômico. Esses poderes sociais
e econômicos devem ser, também, domesticados pelos princípios do
Estado Democrático de Direito, por meio da garantia de igualdade
de oportunidades, sociais, econômicas e culturais, de acesso ao
processo de formação do poder político-estatal e da permanente
redefinição pública do público e do privado, pelo reconhecimento
de novos direitos fundamentais na abertura constitucional a um
processo público e plural da interpretação jurídica.
O que, para concluir, significa que a Constituição do Estado
Democrático de Direito118 deve ser compreendida, fundamentalmente,
da perpectiva de um processo constituinte permanente de aprendizado

118
Segundo Habermas, o paradigma procedimentalista do Direito se apoia nas seguintes
premissas: “a) o caminho de volta, propalado pelo neoliberalismo através do mote
‘retorno da sociedade burguesa e de seu direito’, está obstruído; b) o apelo que nos
incita a ‘redescobrir o indivíduo’ é provocado por um tipo de juridificação no interior
do Estado social, que impede reconstruir a autonomia privada; c) o projeto do Estado
social não pode ser simplesmente congelado ou interrompido: é preciso continuá-
lo num nível de reflexão superior. O que se tem em mente é domesticar o sistema
econômico capitalista, ‘transformando-o’, social e ecologicamente, por um caminho
que permita ‘refrear’ o uso do poder administrativo, sob dois pontos de vista: o da
eficácia, que lhe permita recorrer a formas mitigadas de regulação indireta, e o da
legitimidade, que lhe permita retroligar-se ao poder comunicativo e imunizar-se
contra o poder ilegítimo.” (HABERMAS, 1997, v. 2, p.147-148)

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
193

social, de cunho hermenêutico-crítico, aberto ao longo do tempo


histórico, que atualiza, de geração em geração, o sentido performativo
do ato de fundação em que os membros do povo se comprometem,
uns com os outros, com o projeto de construção de uma república de
cidadãos livres e iguais. Tal projeto deve ser levado adiante, de forma
reflexiva, na defesa de um patriotismo constitucional.119 A Constituição
é, pois, a interpretação construtiva de um sistema de direitos
fundamentais,120 garantidores das autonomias pública e privada, que se
apresentam como as condições procedimentais de institucionalização
jurídica das formas de comunicação necessárias para uma legislação
política autônoma; ou seja, as condições procedimentais que configuram
e garantem, em termos constitucionais, um processo legislativo
democrático, em que maiorias e minorias guardam, portanto, o seu
caráter dinâmico, aberto e não naturalizado.

Referências
ARENDT, Hannah. Da revolução. Tradução de Fernando Dídimo Vieira. São Paulo:
Ática; Brasília: Unb, 1990.
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. Atualização de Rosolea Miranda Folgosi.
São Paulo: Malheiros, 2004.
BARACHO JUNIOR, José Alfredo de Oliveira. O Supremo tribunal Federal e a Teoria
Constitucional. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.) 15 Anos de Constituição:
História e vicissitudes. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.831-9, Ministro Relator
Celso de Mello.
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O projeto constituinte de um Estado
Democrático de Direito: Por um exercício de patriotismo constitucional no marco da
Teoria Discursiva do Direito e do Estado Democrático de Direito de Jürgen Habermas. In:
SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). 15 anos de Constituição: História e vicissitudes.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

119
“Patriotismo constitucional” é denominação utilizada por Habermas para a
defesa pluralista da Constituição democrática. Assim, ao longo de um processo de
aprendizado social, crítico-reflexivo, que se realiza no arco do tempo histórico, por
parte dos membros de uma república de cidadãos livres e iguais, desenvolve-se uma
cultura político-jurídica plural e aberta, no marco da qual pode ser interpretado
construtivamente o sistema de direitos fundamentais. Sobre o tema, ver CATTONI DE
OLIVEIRA. In: BARRETO, 2006.
120
Reconstrutivamente, segundo Habermas, esses direitos fundamentais são os seguintes:
a) direitos a iguais liberdades subjetivas; b)a iguais direitos de pertinência; c) à garantia
do direito de ação; d) à elaboração legislativa autônoma; e e) direitos participatórios
(HABERMAS, 1997, v.1, p.159).

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
194 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Patriotismo cnstitucional. In: BARRETO,


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2 A Súmula Vinculante nº 4 do STF e o “Desvio”
Hermenêutico do TST: Notas programáticas sobre a
chamada “nova configuração” da Jurisdição Constitucional
brasileira nos vinte anos da Constituição da República

Modesty is an attitude, not a calling. We are modest, not when we turn our
back on difficult theoretical issues about our roles and responsibilities as people,
citizens, and officials, but when we confront those issues with an energy and
courage forged in a vivid sense of our fallibility.

(DWORKIN, 2006, p. 73)121

2.1 Por uma reafirmação da dignidade da teoria jurídica


em face da jurisdição e da legislação
A chamada jurisdição constitucional brasileira tem passado, desde
a chamada “primeira etapa da reforma do Judiciário”, que teria sido
representada pela entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, de
2004, por uma profunda modificação. E, de fato, se olharmos as principais
obras sobre o tema, publicadas após a promulgação da Constituição, o que
se percebe é, mais do que perplexidade, uma certa ausência de reflexão
sobre tais mudanças. Os principais autores brasileiros, infelizmente,
ainda não incorporaram, de todo, em suas principais produções, análises

121
Tradução livre: “Modéstia é uma atitude, não uma vocação. Somos modestos, não quando
viramos as costas a assuntos teoréticos difíceis acerca de nossos papéis e responsabilidades
como povo, cidadãos e funcionários, mas quando confrontamos tais assuntos com uma
energia e coragem forjadas num vívido sentido de nossa falibilidade”.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
196 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

sistemáticas dessas alterações. Será por quê? Em razão do curto espaço


de “tempo”? Poder-se-ia, ao menos, afirmar a imensa reviravolta
representada pelos institutos da Súmula Vinculante e da repercussão
geral, considerando-se o modo com que foram regulamentados, além,
é claro, da anterior legislação, datada de 1999, sobre a ação direta de
inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade (Lei nº 9.868),
além da arguição de descumprimento de preceito fundamental (Lei nº
9.882), que trouxe para o Direito brasileiro a possibilidade, discutível
quanto à sua constitucionalidade, da modulação dos efeitos temporais das
decisões de inconstitucionalidade, por permitir a suspensão da própria
Constituição da República sob o argumento da segurança jurídica e do
revelente interesse social, a juízo do Supremo Tribunal Federal.
Não se trata, todavia, apenas de modificações legislativas. O
Supremo Tribunal Federal vem dando verdadeiros saltos no que se
refere à sua jurisprudência anterior, por exemplo, acerca das omissões
legislativas inconstitucionais. Se até pouco tempo, por exemplo, o
STF entendia que o Mandado de Injunção se reduzia, praticamente,
a informar o legislativo de sua omissão (CATTONI DE OLIVEIRA,
1998) quanto a regular determinada norma constitucional (MI nº 107;
MI nº 232), agora esse instrumento vem sendo utilizado no sentido da
viabilização de toda uma legislação dita “subsidiária” por parte do
Tribunal (MI nº 712; MI nº 670; MI nº 708).
É claro que todas essas modificações exigem “tempo (d)e reflexão”.
E mesmo tempo do ponto de vista do funcionamento do próprio sistema
jurídico. O silêncio da doutrina talvez seja mostra disso. Contudo, já
é hora de buscar, “modestamente” (DWORKIN, 2006, p. 73), quebrar
este silêncio. Até porque consequências desfuncionais podem colocar
em risco a própria dinâmica do sistema jurídico. E assim acredito
que a doutrina, no sentido pós-kelseniano de teoria do direito, tem
ainda muito a contribuir, e mais uma vez, no sentido da reconstrução
constitucionalmente comprometida e da crítica politicamente responsável
dos institutos jurídicos (CATTONI DE OLIVEIRA, 2007b, p. 73-88),
reafirmando, pois, a sua dignidade em face da jurisdição e da legislação.

2.2 Súmula vinculante e repercussão geral: a Súmula nº 4


do STF e o “desvio” hermenêutico do TST
Tal questão acerca do risco para a própria dinâmica do sistema
jurídico pode ser bem ilustrada pelo modo com que o Supremo Tribunal
Federal vem articulando repercussão geral e Súmula Vinculante,
especialmente nas hipóteses de recursos chamados de “repetitivos”.

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
197

No primeiro semestre de 2008, o STF, desconsideranto a exigência


estabelecida pela Emenda Constitucional nº 45 de jurisprudência
assentada, apenas levando em conta o quórum de deliberação, vem
sumulando entendimentos sobre os mais diversos temas. E isso, para
além da tentativa anteriormente representada pelo início do julgamento
da Reclamação constitucional nº 4.335, no sentido de tornar dispensável,
sem maiores razões sistemáticas (quer seja apelando para a velha tese
positivista da “mutação constitucional”, quer para o realismo cínico
expresso por “a doutrina nos seguirá”, etc., etc.) e ao arrepio de secular
tradição e doutrina constitucionais, a atuação do Senado Federal na
atribuição de efeitos erga omnes às declarações de inconstitucionalidade
decididas em última instância, em sede, portanto, de controle difuso e
incidental (CATTONI DE OLIVEIRA; LIMA; STRECK, 2007, p. 37-57;
PEDRON, 2012).
Entre os diversos temas, 122 cabe considerar no presente
artigo o que resultou na Súmula Vinculante nº 4, segundo a qual o
salário mínimo não pode servir de base de cálculo do adicional de
insalubridade, vedada a criação jurisprudencial de outro critério.
Em 30 de abril de 2008, o STF editou a Súmula Vinculante nº 4,
“Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode
ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor
público ou de empregado nem ser substituído por decisão judicial”.
Em 26 de maio, a Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho,
Relator Ministro Ives Gandra Filho, decidiu que “A Súmula Vinculante
nº 4 do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade
da utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de
insalubridade, mas vedou a substituição desse parâmetro por meio de
decisão judicial”.
Todavia, para a Sétima Turma do TST, “Até que novo critério seja
adotado, por lei ou por negociação ou sentença coletiva, ele continuará a
ser aplicado quando a categoria não tiver piso salarial. Este fundamento
foi adotado pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho em
duas decisões recentes sobre a matéria”.
“Darwianamente” – para usar o termo com que neste aspecto
Lenio Streck traça suas críticas às Súmulas Vinculantes (STRECK, 2007b,
p. 114) – e assim buscando “adaptar-se” ao mecanismo da Súmula
Vinculante do STF, prevista pelo art. 103-A, inserido pela Emenda

122
Outro tema refere-se ao entendimento acerca da dispensabilidade da atuação do advogado
em processos administrativos, criticado em CATTONI DE OLIVEIRA e NUNES (2008).

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
198 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

Constitucional nº 45/04, e regulamentada na forma da Lei nº 11.417/06,


a Sétima Turma do TST considerou que

o STF, ao analisar a questão constitucional sobre a base de cálculo


do adicional de insalubridade e editar a Súmula Vinculante nº 4,
adotou técnica decisória conhecida no direito constitucional alemão
como declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade: a
norma, embora declarada inconstitucional, continua a reger as relações
obrigacionais, em face da impossibilidade de o Poder Judiciário se
sobrepor ao Legislativo para definir critério diverso para a regulação
da matéria. A Súmula Vinculante nº 4 estabelece que, salvo os casos
previstos na Constituição Federal, o salário mínimo não pode ser usado
como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público
ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial. (RR –
1118/2004-005-17-00.6, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data
de Julgamento: 14/05/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 23/05/2008).

Para o Relator Ministro Ives Gandra Filho, se não fosse a ressalva


final, poder-se-ia cogitar a substituição do critério do art. 192 da CLT,
relativo ao adicional de insalubridade, pelo previsto no art. 193, §1º, da
CLT para o adicional de periculosidade – o salário-base do trabalhador,
uma vez que insalubridade e periculosidade são ambas fatores de risco
para o trabalhador:

Mas a parte final da Súmula não permite criar novo critério. A solução
adotada pelo STF colocou-se como intermediária entre duas soluções
extremas. Uma propunha o congelamento do valor do salário mínimo e a
aplicação dos índices de reajuste salariais, critério ainda mais prejudicial
para os trabalhadores; a outra era a utilização da remuneração como
base de cálculo. (RR – 1814/2004-010-15-00.9, Relator Ministro: Ives
Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 14/05/2008, 7ª Turma, Data
de Publicação: 23/05/2008)

Como no processo trabalhista, os processos em que se discute


o adicional de insalubridade são, quase sempre, propostos pelos
empregados, que buscam uma base de cálculo mais ampla, o Relator
Ministro Ives Grandra Filho ressalta que o STF inclusive rejeitou a tese
da conversão do salário mínimo em pecúnia e a aplicação posterior dos
índices de correção dos salários:

Se o reajuste do salário mínimo for mais elevado que o da inflação do


período, os trabalhadores que pleiteassem uma base de cálculo mais
ampla seriam prejudicados por uma decisão judicial que reduziria

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
199

a vantagem pedida. Como a parte final da Súmula nº 4 não permite


criar novo critério por decisão judicial, até que se edite norma legal
ou convencional estabelecendo base de cálculo distinta do salário
mínimo para o adicional de periculosidade, continuará a ser aplicado
esse critério, salvo a hipótese da Súmula nº 17 do TST, que prevê o piso
salarial da categoria, para aquelas que o possuam (já que o piso salarial
é o salário mínimo da categoria). (RR – 1814/2004-010-15-00.9 , Relator
Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 14/05/2008,
7ª Turma, Data de Publicação: 23/05/2008).

E, por fim, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu, no dia 26


de junho, em sessão do Tribunal Pleno, dar nova redação à Súmula nº
228 para definir como base de cálculo para o adicional de insalubridade
o salário básico (da categoria), a partir da publicação da Súmula
Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal. Para o TST, a alteração
tornou-se necessária porque a Súmula Vinculante nº 4 do Supremo
Tribunal Federal veda a utilização do salário mínimo como indexador
de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado
e torna, assim, inconstitucional o art. 192 da CLT. A redação anterior da
Súmula nº 228 adotava o salário mínimo como base de cálculo, a não
ser para categorias que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença
normativa, tivesse salário profissional ou piso normativo. Por maioria
de votos, o TST adotou, “por analogia”, a base de cálculo assentada pela
jurisprudência do Tribunal para o adicional de periculosidade, prevista
na Súmula nº 191 (o salário básico da categoria). Na mesma sessão, o
Pleno do TST cancelou a Súmula nº 17 e a Orientação Jurisprudencial
nº 2 da SDI-1 e alterou a Orientação Jurisprudencial nº 47 da SDI-1 para
adequá-la à nova redação da Súmula nº 228.
Contudo, esta que pode parecer uma briga de foice no escuro
não para por aqui. No dia 15 de julho, o Ministro Gilmar Mendes
concedeu liminar requerida pela Confederação Nacional da Indústria
(CNI) e suspendeu a aplicação de parte da Súmula nº 228, do TST,
sobre pagamento de adicional de insalubridade (Rcl nº 6.266). O
Presidente do STF suspendeu exatamente a parte do dispositivo que
permite a utilização do salário básico no cálculo do adicional. A CNI
alegou que a Súmula do TST afronta a Súmula Vinculante nº 4, do STF.
Para o Ministro Gilmar Mendes, a argumentação da CNI “afigura-se
plausível”: “a nova redação estabelecida para a Súmula 228/TST revela
aplicação indevida da Súmula Vinculante nº 4, porquanto permite
a substituição do salário mínimo pelo salário básico no cálculo do
adicional de insalubridade sem base normativa”.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
200 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

O que fazer agora, então, para se calcular o adicional de


insalubridade? Pergunta difícil, mas inevitável... Está disponível no
site do TST um vídeo (Súmula 228 – Tire suas dúvidas sobre o adicional de
insalubridade) exatamente sobre o tema, em que esse Tribunal reafirma
o entendimento segundo o qual o cálculo deverá ser feito com base no
salário básico (“menor salário pago na empresa aos empregados”), salvo
critério mais favorável previsto em instrumento normativo (“acordo,
convenção coletivos, decisão em dissídio coletivo, regulamento da
empresa, etc.”). No vídeo, o Ministro Vantuil Abdala, decano do TST,
adianta que o entendimento desse Tribunal parte, diferentemente do
STF, não de casos envolvendo o setor público; o que afastaria, para o
Ministro, a alegação de desrespeito à Súmula Vinculante nº 4, do STF.
Para o Ministro Vantuil Abdala, não haveria, também, criação de novo
critério por decisão judicial, mas apenas simples aplicação por analogia,
autorizada previamente em lei pela CLT.
Tudo isso mostra que as súmulas vinculantes não possuem,
diferentemente de o que a retórica dominante teima em repetir, aplicação
automática: como textos normativos, exigem a mediação do intérprete.
No caso da Súmula Vinculante nº 4, a Sétima Turma do TST
decidiu em que sentido a Súmula do STF seria vinculante, ao decidir que
o STF, ao editar a Súmula nº 4, teria adotado a técnica da declaração de
inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, o que possibilitaria
ao TST, na ausência e na proibição de outro indexador para a base de
cálculo, continuar a utilizar o salário mínimo para calcular o adicional
de insalubridade. E, mais tarde, o Plenário do TST, indo ainda mais
além do entendimento da Sétima Turma, entendeu que “por analogia”
poderia sim adotar a base de cálculo do adicional de periculosidade
para calcular o de insalubridade.
Em outras palavras, cabe repetir, o TST é que decidiu em que
sentido ele mesmo se vincula às súmulas do STF, e não ao STF. Aliás,
o que o TST reitera em todo esse episódio é o caráter vinculante das
suas próprias súmulas, sendo, portanto, o “intérprete autêntico”, no
sentido kelseniano do termo, decidindo sobre a “interpretação” da
Constituição, da legislação e da jurisprudência, com força de lei, no
âmbito da sua competência jurisdicional trabalhista.
O TST recusa-se, assim, a “decidir por não decidir”, 123
simplesmente aplicando, automaticamente, a Súmula do STF. Ao

123
Sobre tal questão, todavia no que se refere à cláusula de exclusão da apreciação judicial
prevista nos Atos Institucionais no período da autocracia militar, ver o excelente artigo de
Paixão e Barbosa (2008, p. 57-78). O que ali se diz sobre as cláusulas de exclusão caberia

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 200 14/04/2015 11:04:51


Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
201

contrário, é o TST quem decide, em última análise, o caráter vinculante,


e de que como ele se vincula, da Súmula nº 4 do STF.
Tais reflexões mostram apenas o quão frágil e paradoxal é a
construção da Súmula Vinculante: sua retória pode ser usada, inclusive,
contra ela mesma.
Todavia, quero crer que tal uso combativo pode dar-se não apenas
de forma perversa, o que depende do discurso argumentativo, mas
também narrativo que (re)constitua internamente o instituto Súmula
Vinculante, inclusive respeitando-se a exigência de jurisprudência
assentada, pois, mais uma vez, e não apenas por relevantes questões
funcional-sistêmicas, mas também normativas, o Direito Constitucional,
como Direito moderno, refoge às tentativas últimas de colonização e de
corrupção do seu código, revelando exatamente aquilo que se pretende
encobrir e relegar ao esquecimento: o Direito, a Constituição, é garantia
e não um mero instrumento de dominação; como tal, é “inapropriável”,
não pode ser ocupado definitivamente por quem quer que seja, havendo
sempre um limite intrínseco ao uso simbólico da Constituição e do
constitucionalismo democrático como mero simulacro.
Assim, a história do instituto da Súmula Vinculante, mas também
o da repercussão geral, ainda está por ser escrita.124
E essa é, com certeza, uma questão que perpassa, profunda e
longitudinalmente, a construção permanente da nossa identidade
constitucional, para a qual a teoria jurídica reflexiva e criticamente
vinculada à práxis institucional deve contribuir para cidadania em geral,
mobilizando a sociedade aberta de intérpretes da Constituição, quer por
meio do público especializado ou não: afinal, quem somos nós? Qual a
representação que temos de nós mesmos enquanto povo de cidadãos?

bem para as Súmulas vinculantes. Cabe conferir, substituindo-se a expressão “cláusula de


exceção” por “Súmula vinculante”: “Nenhuma regra de direito é auto-aplicável. A norma
jurídica só se revela em um processo hermenêutico. Diante disso, [as Súmulas vinculantes]
se encontram numa situação paradoxal. Essas [Súmulas] dirigem-se ao Poder Judiciário e
pretendem informá-lo quando é lícito conhecer uma determinada questão e quando não
é. O alcance dessas [Súmulas], entretanto, como qualquer outro texto normativo, requer
interpretação. Dessa forma, o Judiciário deve, no mínimo, decidir que não deve decidir.
As [Súmulas] pretendem impedir que o sistema do direito opere, mas, para fazê-lo, não
possuem outra alternativa senão mobilizar sua operação” (p. 63-64).
124
Mais uma vez, concordo vivamente com Paixão e Barbosa quando afirmam, em
relação à cláusula de exclusão e à própria história da atuação dos tribunais durante a
autocracia militar, que em parte o regime, ao construir a narrativa do passado, em parte
foi bem-sucedido em seu objetivo, o de fragilizar as instituições, buscando “interditar a
interpretação constitucional”. Mas apenas “em parte” foi bem-sucedido, até porque uma
nova estória do regime militar ainda está por ser escrita, “uma nova memória da ditadura
precisa ser produzida”. (2008, p. 73-75).

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 201 14/04/2015 11:04:51


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
202 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

2.3 Considerações finais: representação argumentativa e


déficit democrático
Por fim, sobre o pano de fundo das questões com que encerrei o
último tópico, caberia um breve comentário sobre o modo com que o
Ministro Gilmar Ferreira Mendes, quando Presidente do Supremo Tribunal
Federal, buscou justificar a atuação positiva por parte do Tribunal, questão
subjacente a toda essa discussão: a chamada “representação discursiva”
(2008). Segundo o Ministro Gilmar Mendes, seguindo Alexy, enquando o
Legislativo exerceria uma “representação democrática”, obtida por meio
de eleições, o Supremo Tribunal, no exercício da jurisdição constitucional,
exerceria uma “representação argumentativa” (ALEXY, 2005, p. 578-581).
Para Alexy:

Representation is a two-place relation between a repraesentandum and


a repraesentans. In the case of parliamentary legislation the relation
between the repraesentandum – the people – and the repraesentans
– the parliament – is essentially determined by election. Now, it is
possible to draw a picture of democracy that contains no more than a
system of decision making centered around the concepts of election and
majority rule. This would be a purely decisional model of democracy.
An adequate concept of democracy must, however, comprise not only
decision but also argument. The inclusion of argument in the concept
of democracy makes democracy deliberative. Deliberative democracy
is an attempt to institutionalize discourse as far as possible as a means
of public decision making. For this reason, the connection between the
people and the parliament must not only be determined by decisions
expressed in elections and votes but also by argument. In this way, the
representation of the people by the parliament is, at the same time,
volitional or decisional as well as argumentative or discursive.
The representation of the people by a constitutional court is, in contrast,
purely argumentative. The fact that representation by parliament
is volitional as well as discursive shows that representation and
argumentation are not incompatible. On the contrary, an adequate
concept of representation must refer – as Leibholz puts it – to some
‘ideal values.’ Representation is more than – as Kelsen proposes
– a proxy [R. A. KELSEN, Pure Theory of Law, p. 299 (Max Knight
trans., Univ. of Calif. Press, 2d ed. 1967): ‘‘‘Representation’ means
the same as proxy’’ (trans. altered)], and more than – as Carl Schmitt
maintains – rendering the repraesentandum existent [R. A. SCHMITT,
Verfassungslehre, p. 209 (Duncker & Humblot, 5th ed.1970) (1928):
‘‘Representation is not a normative event, not a process, not a procedure,
but something existential.’’]. To be sure, it includes elements of
both, that is, representation is necessarily normative as well as real,

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
203

but these elements do not exhaust this concept. Representation


necessarily lays claim to correctness. Therefore, a fully-fledged
concept of representation must include an ideal dimension, which
connects decision with discourse. Representation is thus defined by
the connection of normative, factual, and ideal dimensions.” (ALEXY,
2005, p. 579).125-126 (grifos meus).

125
Tradução livre: “Representação é uma relação de duas variáveis entre um repraesentandum
e um repraesentans. No caso da legislação parlamentar a relação entre o repraesentandum – o
povo – e o repraesentans – o parlamento – é essencialmente determinado pela eleição. Agora,
é possível esboçar uma imagem da democracia que contenha não mais do que um sistema
de tomada de decisão centrado nos conceitos de eleição e regra da maioria. Isso seria um
modelo puramente decisionista de democracia. Um conceito adequado de democracia deve,
todavia, compreender não apenas decisão mas argumentação. A inclusão da argumentação
no conceito de democracia torna a democracia deliberativa. Democracia deliberativa é uma
tentativa de institucionalizar o discurso, tanto quanto possível, como meio de deliberação
pública. Por essa razão, a conexão entre o povo e o parlamento não deve apenas ser expressa
por decisões expressas nas eleições e votos mas também por argumentos. Nesse sentido, a
representação do povo pelo parlamento é, ao mesmo tempo, volitiva ou decisionista, assim
como argumentativa ou discursiva. A representação do povo por uma corte constitucional
é, ao contrário, puramente argumentativa. O fato de que a representação pelo parlamento
ser tanto volitiva quanto argumentativa mostra que representação e argumentação não são
incompatíveis. Ao contrário, um conceito adequado de representação deve referir-se – como
Leibholz o coloca – a certos ‘valores ideais’. Representação é mais que – como Kelsen propõe
– atuação em vez de ou no lugar de outrem [R. A. KELSEN, Pure Theory of Law, p. 299 (Max
Knight trans., Univ. of Calif. Press, 2d ed. 1967): ‘‘‘Representação’ significa o mesmo que
proxy’’ (trans. altered)], e, ao mesmo tempo, mais do que – como Carl Schmitt afirma – tornar
o repraesentandum existente [R. A. SCHMITT, Verfassungslehre, p. 209 (Duncker & Humblot,
5th ed.1970) (1928): ‘‘Representação não é um evento normativo, não é um processo, não
é um procedimento, mas algo existencial.’’]. Sem dúvida, ela inclui elementos de ambos,
ou seja, representação é necessariamente normativa quanto fática, mas esses elementos
não exaurem esse conceito. Representação necessariamente lança pretensão de correção.
Assim, um conceito completo e plenamente desenvolvido de representação deve incluir
uma dimensão ideal, a qual conecta decisão e discurso. Representação é assim definida pela
conexão entre as dimensões ideal, factual e normativa.”
126
Caberia, neste ponto, retomar, com maior cuidado, as concepções de Kelsen e de Schmitt
sobre representação, o que não será feito. Basta lembrar que, para Kelsen, a identidade
entre a vontade do representante e a do representado é uma ficção (KELSEN 1987, p.
315-317). Interessante que a tradução, feita pelo próprio Alexy, de Vertretung, palavra
utilizada originalmente por Kelsen, foi proxy, que pode significar fazer algo por meio de
outrem, ou mesmo o próprio instrumento de mandato, a procuração, como quando se
diz, por exemplo, “que alguém não pode estar presente (mas podia em princípio estar!)
numa assembléia deliberativa, mas votou por seu procurador ou votou por procuração”
(by proxy). Mas proxy não possui o sentido, do ponto de vista da teoria geral do processo,
de substituição. Há uma diferença técnico-conceitual entre representação e substituição
que aqui é pertinente, pedindo licença aos processualistas ao falar-se do que de início
pode parecer uma obviedade. Representar é agir em nome alheio na defesa de direito ou
interesse alheios; substituição é agir em nome próprio na defesa de direitos ou interesses
alheios. A questão é que a representação não implica necessariamente, como no caso da
substituição, em exclusão do representado do processo. O problema, portanto, de se
confundir representante e substituto é o de se entender erroneamente que a representação,
ao contrário de mediar, viabilizar institucionalmente a participação do representado
no processo deliberativo, exclui essa participação, com consequências obviamente

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 203 14/04/2015 11:04:52


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
204 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

A questão é que uma suposta “representação argumentativa”,


mesmo no sentido dado por Alexy, não legitima o STF a empreender
incursões legislativas sob quaisquer argumentos e sob quaisquer
condições. Se formos a Alexy, tal “representação argumentativa” se
sustentaria, é verdade, numa certa supremacia judicial em face do
Legislativo democrático, no sentido não apenas de uma jurisprudência
corretiva, mas também supletiva, que, porém, não dispensaria uma
maior mobilização político-discursiva, fazendo da Corte Constitucional
uma espécie de caixa de ressonância da racionalidade “existente”. E,
assim, mesmo em Alexy, haveria condições para uma “verdadeira
representação argumentativa”:127

Constitutional review as argument does not allow for everything


insofar as good from bad or better from worse constitutional
arguments can be distinguished from one another […] that rational
argument and, thereby, objectivity is possible in constitutional
argumentation to a considerable degree. […]

The existence of good or plausible arguments is enough for


deliberation or reflection, but not for representation. For this, it is
necessary that the court not only claim that its arguments are the
arguments of the people; a sufficient number of people must, at least
in the long run, accept these arguments for reasons of correctness. Only
rational persons are able to accept an argument on the ground that it is
correct or sound. This shows that there are two fundamental conditions
of true argumentative representation: (1) the existence of sound or

desastrosas do ponto de vista democrático. No Brasil, caberia destacar, a pior, talvez: a de


se reafirmar a velha concepção autoritária da representação política e do processo político,
desenvolvida durante a Ditadura militar, ainda presente em parte na doutrina brasileira
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho) e infelizmente na própria jurisprudência pós-1988 do
STF e na dinâmica institucional brasileira, como são os casos das Medidas Provisórias e
o do entendimento segundo o qual a sanção não sana o vício de iniciativa legislativa no
caso de iniciativa privativa do Presidente da República (Cf. CARVALHO NETTO, 1992).
Tal questão se entrelaça ao problema das chamadas omissões legislativas inconstitucionais
e com o modo com que o STF vem revendo a sua tradicional distinção entre questões
políticas e jurídicas: ao invés de reinterpretar essa distinção adequadamente à luz dos
princípios constitucionais no reforço da democracia, o STF a relativiza, tomando para si,
mediante a técnica de discutível constitucionalidade das chamadas “sentenças aditivas”, a
tarefa de legislar subsidiariamente (quando não, de forma concorrente).
127
Caberia, num estudo mais aprofundado, resgatar neste ponto o debate entre Michelman,
Dworkin e Habermas em torno do papel do juiz constitucional em Brennan and democracy,
proposto por Michelman. Mais uma vez, os norte-americanos teriam o que o que ensinar
aos alemães sobre o problema da legitimidade democrática do controle judicial de
constitucionalidade das leis.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 204 14/04/2015 11:04:52


correct arguments, and (2) the existence of rational persons, that is,
persons who are able and willing to accept sound or correct arguments
for the reason that they are sound or correct.
[…]
Constitutional review can be successful only if the arguments
presented by the constitutional court are sound and only if a sufficient
number of members of the community are able and willing to exercise
their rational capacities.
If these conditions are fulfilled, the answer to the question, raised above,
as to why purely argumentative representation shall have priority
over representation based on election and re-election is no longer
difficult. Discursive constitutionalism, as a whole, is an enterprise of
institutionalizing reason and correctness. If there exist sound and correct
arguments as well as rational persons, reason and correctness are better
institutionalized with constitutional review than without it”. (ALEXY,
2005, p. 580-581).128 (grifos meus).

Todavia, resta sempre a seguinte questão, em razão das


conclusões a que chega Alexy no trecho transcrito: se a Corte
Constitucional seria, nessas condições, quem melhor poderia captar
o sentido dos valores supostamente subjacentes à Constituição, para
que processo legislativo, para que política? Bastaria, assim, uma atitude
“racional” por parte da jurisdição constitucional no sentido de uma
suposta realização progressiva, ótima, desses valores... Mais uma vez,

Tradução livre: “O controle de constitucionalidade como argumento não autoriza tudo


128

na medida em que podem ser distinguidos argumentos constitucionais bons de ruins


ou melhores de piores [...]que argumento racional e, portanto, objetividade é possível na
argumentação constitucional numa medida considerável [...]A existência de argumentos
plausíveis ou bons é suficiente para a deliberação ou para a reflexão, mas não para a
representação. Para isso, é necessário que a corte não apenas pretenda que seus argumentos
sejam argumentos do povo; um número suficiente do povo deve, ao menos ao longo do
tempo, aceitar esses argumentos por razões de correção. Apenas pessoas racionais são
capazes de aceitar um argumento com base na sua correção ou fundamento. Isso mostra
que há duas condições fundamentais para a verdadeira representação argumentativa: (1)
a existência de argumentos corretos ou fundados, e (2) a existência de pessoas racionais,
ou seja, pessoas que são capazes e dispostas a aceitar argumentos corretos ou fundados
em razão de eles serem fundados ou corretos.[…] O controle de constitucionalidade pode
apenas ser bem-sucedido se os argumentos apresentados pela corte constitucional são
fundados e apenas se um número suficiente de membros da comunidade são capazes e
dispostos a exercer as suas capacidades racionais. Se essas condições estão preenchidas,
a resposta à questão, levantada anteriormente, do por quê uma representação puramente
argumentativa deve ter prioridade sobre a representação baseada em eleições e reeleições
não é mais difícil. O constitucionalismo discursivo, como um todo, é um empreendimento
de institucionalizar-se razão e correção. Se existem argumentos corretos ou fundados
assim como pessoas racionais, razão e correção são mais bem institucionalizadas com o
controle de constitucionalidade do que sem ele.”

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 205 14/04/2015 11:04:52


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
206 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

o que Alexy confunde é a perpectiva da jurisdição e dos discursos de


aplicação adequada a casos concretos com a perspectiva da legislação e
da argumentação de justificação da validade das normas. Como já tive
oportunidade de dizer alhures, com base em Günther e Habermas, trata-
se de uma confusão que sempre corre o risco de desdenhar da política
e, em última análise, da própria dinâmica democrática (CATTONI DE
OLIVEIRA, 2007, p. 121-125).
Afinal, corre-se, assim, sempre o risco de se atribuir ao Judiciário
o papel de tutor da política, um superpoder quase constituinte,
e permanente, como pretensa e única forma de garantia de uma
democracia materializada e de massa, sem, contudo, considerar os
riscos a que expõe o pluralismo cultural, social e político próprios a
um Estado Democrático de Direito: seria a Corte Constitucional quem
deveria zelar pela dignidade da política e sua orientação a uma ordem
concreta de valores, paradoxalmente a única possibilidade de exercício
de “direitos” e de realização da democracia.
Assim, no caso brasileiro, tal jurisprudência de valores tardia
pode fazer do Supremo Tribunal Federal “guardião da moral e dos bons
costumes”, uma espécie de sucessor do Poder Moderador, ou, quem
sabe, do Santo Ofício, a ditar um codex e um index de boas maneiras
para o Legislativo e para o Executivo. Ao final, uma postura que pode
mascarar uma intolerância extrema e preconceituosa para com os
processos políticos e seu tempo, ao defender uma concepção elitista e
autoritária de democracia possível, com a qual quem perde, mais uma
vez, é a cidadania (CATTONI DE OLIVEIRA, 2007, p. 121-125).

Referências
ALEXY, Robert. Balancing, constitutional review and representation. International
Journal of Constitucional Law, Oxford University; New York School of Law, v. 3, nº 4,
p. 572-581, 2005.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera


dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114,
115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A,
103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm>.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Regulamenta


o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999,
disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de Súmula Vinculante
pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 30 dez. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11417.htm>.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 206 14/04/2015 11:04:52


Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
207

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 4. Salvo nos casos previstos
na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo
de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão
judicial. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.
asp?sumula=1195>

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção nº 107. Estabilidade de servidor


público militar. Art. 42, § 9º, da Constituição Federal. Falta de legitimação para agir.
Relator: Moreira Alves. Brasília, DF, 21 nov. 1990. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.
com.br/jurisprudencia/752372/mandado-de-injuncao-mi-107-df>.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção nº 232. Legitimidade ativa da


requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto
no par. Relator: Moreira Alves. Rio de Janeiro, 02 ago. 1991. Disponível em: <http://stf.
jusbrasil.com.br/jurisprudencia/751779/mandado-de-injuncao-mi-232-rj>.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção nº 670. Garantia fundamental


(Cf. art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis (Cf. art. 37, inciso
VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição
dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça
Federal e da Justiça Estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos
do Art. 37, VII, da CF, em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução
jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos
servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso
Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de Injunção deferido para determinar a
aplicação das Leis nº 7.701/1988 e 7.783/1989. Relator: Maurício Corrêa. Espírito Santo, 25
out. 2007. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2926661/mandado-
de-injuncao-mi-670-es>.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção nº 708. Garantia fundamental


(cf. art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis (cf, art. 37,
inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da
Justiça Federal e da Justiça Estadual até a edição da legislação específica pertinente,
nos termos do art. 37, VII, da CF, em observância aos ditames da segurança jurídica
e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito
de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para
que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. mandado de injunção deferido
para determinar a aplicação das leis nos 7.701/1988 e 7.783/1989. Relator: Ministro
Gilmar Mendes. Brasília, DF, 25 out. 2007. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.
br/jurisprudencia/14725991/mandado-de-injuncao-mi-708-df>

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção nº 712. Art. 5º, LXXI da
Constituição do Brasil. Concessão de efetividade à norma veiculada pelo art. 37, inciso
VII, da Constituição do Brasil. Legitimidade ativa de entidade sindical. Greve dos
trabalhadores em geral [art. 9º da Constituição do Brasil]. Aplicação da Lei federal nº
7.783/89 à greve no serviço público até que sobrevenha lei regulamentadora. Parâmetros
concernentes ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos definidos por
esta corte. Continuidade do serviço público. Greve no serviço público. Alteração de
entendimento anterior quanto à substância do mandado de injunção. Prevalência
do interesse social. Insubssistência do argumento segundo o qual dar-se-ia ofensa
à independência e harmonia entre os poderes [art. 2º da Constituição do Brasil] e à
separação dos poderes [art. 60, §4º, III, da Constituição do Brasil]. Incumbe ao Poder
Judiciário produzir a norma suficiente para tornar viável o exercício do direito de

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 207 14/04/2015 11:04:52


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
208 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

greve dos servidores públicos, consagrado no art. 37, VII, da Constituição do Brasil.
Relator: Eros Grau. Pará, 25 out. 2007. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/
jurisprudencia/2926757/mandado-de-injuncao-mi-712-pa>.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 4.335. AC, Relator: Ministro Gilmar
Mendes, Data de Julgamento: 21 ago. 2006. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/
jurisprudencia/14779595/reclamacao-rcl-4335-ac-stf>.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 6.266. Relator: Ministro Cármen


Lúcia, Data de Julgamento: 14 out. 2008. Disponível: <http://stf.jusbrasil.com.br/
jurisprudencia/14769500/reclamacao-rcl-6266-df-stf>.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 17. Adicional de insalubridade


(cancelada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 26.06.2008) – Res. 148/2008, DJ 04
e 07.07.2008 – Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. O adicional de insalubridade devido
a empregado que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa, percebe
salário profissional será sobre este calculado. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/
jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_1_50.html#SUM-17>.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 191. Adicional. Periculosidade.


Incidência (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O adicional de
periculosidade incide apenas sobre o salário básico e não sobre este acrescido
de outros adicionais. Em relação aos eletricitários, o cálculo do adicional de
periculosidade deverá ser efetuado sobre a totalidade das parcelas de natureza
salarial. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/
Sumulas_Ind_151_200.html#SUM-191>.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 228. Adicional de insalubridade.


Base de Cálculo (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 26.06.2008) – Res.
148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 – Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. Súmula cuja eficácia
está suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal – Res. 185/2012, DEJT
divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da
Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será
calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento
coletivo. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/
Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-228>.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial nº 2/SDI-1. Adicional de


insalubridade. Base de cálculo. Mesmo na vigência da CF/1988: Salário mínimo (cancelada)
– Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 – Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008 Disponível em:
<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/OJ_SDI_1/n_s1_001.htm#TEMA2>.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Orientação Jurisprudencial nº 47/SDI-1. 47. Hora


extra. Adicional de insalubridade. Base de cálculo (alterada) – Res. 148/2008, DJ 04 e
07.07.2008 – Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008. Disponível em: < http://www3.tst.jus.
br/jurisprudencia/OJ_SDI_1/n_s1_041.htm#TEMA47>.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Insalubridade: Sétima Turma aplica


salário mínimo como base de cálculo (RR 1118/2004-005-17-00.6 e RR 1814/2004-010-15-
00.9). Revista Eletrônica. 57. ed. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/
consultas/jurisprudencia/revistaeletronica>.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 228 – Tire suas dúvidas sobre o adicional
de insalubridade. Disponível em: < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_
indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-228>. Acesso em: 29 jul. 2008.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 208 14/04/2015 11:04:52


Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
209

CARVALHO NETTO, Menelick de. A sanção no procedimento legislativo. Belo Horizonte:


Del Rey, 1992.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; NUNES, Dierle José Coelho. Acesso à justiça:
Súmula Vinculante nº 5 do STF é inconstitucional. Disponível em: <www.conjur.com.
br>. Acesso em: 20 jul. 2008.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; LIMA, Martonio Mont’ Alverne Barreto;


STRECK, Lenio Luiz. A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o
controle difuso: Mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição
constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas, v. 10, nº 20, p.
37-57, jul./dez. 2007.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito, política e filosofia: Contribuições para


uma teoria discursiva da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Teoria do direito e virada lingüística. Revista


da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas, v. 10, nº 20, p. 73-88, 2007b.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Tutela jurisdicional e Estado Democrático de


Direito: por uma compreensão constitucionalmente adequada do Mandado de Injunção.
Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

DWORKIN, Ronald. Justice in robes. Cambridge, MA: Harvard University, 2006.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 1987.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional no Brasil: o problema da omissão


legislativa inconstitucional. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 22 jul. 2008.

PAIXÃO, Cristiano; BARBOSA, Leonardo de Andrade. A memória da ditadura militar: a


cláusula de exclusão da apreciação judicial observada como paradoxo. Revista do Instituto
de Hermenêutica Jurídica, v. 1, nº 6, p. 57-78, 2008.

PEDRON, Flávio Quinaud. Mutação constitucional na crise do positivismo jurídico. Belo


Horizonte: Arraes, 2012.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas.


Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007b.

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 209 14/04/2015 11:04:52


3 Democracia, Jurisdição Constitucional e Judicialização
da Política: considerações a partir da PEC nº 3, de 10 de
fevereiro de 2011
Este estudo orienta-se por dois motivos: a) um imediato, a
Proposta de Emenda à Constituição, apresentada pelo Deputado
Nazareno Fonteles e outros, visando à “preservação das competências
legislativas em face de atribuição normativa do Poder Judiciário”
– a PEC nº 3/11 –, por meio da alteração do inciso V do art. 49, da
Constituição da República e b) um motivo mediato, a discussão acerca
da chamada judicialização da política, subjacente à mesma Proposta de
Emenda Constitucional.
Começo minhas reflexões pela chamada judicialização da política,
como fenômeno típico dos Estados sociais, em função da profunda
redefinição paradigmática do princípio da separação dos poderes, com
impacto sobre o controle judicial de políticas públicas no sentido da
garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais, bem como sobre
o controle judicial de constitucionalidade, no pós-guerra.
No plano do Direito Constitucional comparado, o pós-Segunda
Guerra será marcado pela introdução e pelo desenvolvimento do
controle judicial de controle de constitucionalidade das chamadas
omissões legislativas e administrativas (como é o caso da Constituição
da República Portuguesa de 1976, por inspiração da antiga Constituição
Socialista da ex-Iugoslávia) (CANOTILHO, 1982), das novas técnicas
de controle, tais como as sentenças interpretativas e sentenças
intermediárias (como no caso do Direito Constitucional alemão sob a
Lei Fundamental de 1949 ou do Direito Constitucional italiano sob a
Constituição de 1948, especialmente pela atuação das suas respectivas
cortes constitucionais) (MEYER, 2008). Tudo isso, sobre o pano de fundo

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 211 14/04/2015 11:04:52


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
212 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

da chamada jurisprudência dos valores, do desenvolvimento do raciocínio


jurídico da ponderação ou balanceamento de interesses e de direitos,
tomando-se o princípio da proporcionalidade como critério de aplicação
de normas constitucionais supostamente em conflito (COURA, 2009).
Se, por um lado, essas mudanças paradigmáticas pressupõem
o caráter de prestações positivas dos direitos fundamentais perante o
Estado e a horizontalização desses direitos mediante a sua aplicação
às relações jurídico-privadas, por outro lado colocam em questão não
apenas a extensão, em face do Legislativo e da Administração Pública,
dos poderes judiciais/jurisdicionais, mas também o sentido deles,
especialmente no caso das cortes constitucionais, em que essas questões
passam a ser explicitamente discutidas (HABERMAS, 1998).
Assim, se o ativismo judicial na defesa de direitos fundamentais
seria inclusive justificável em função do reconhecimento de uma
vinculação não somente negativa, mas positiva de todos os poderes do
Estado à Constituição e a direitos que não estão à disposição de maiorias
parlamentares ou da conveniência e oportunidade administrativas,
por outro a chamada judicialização da política poderia revelar um
profundo déficit democrático dessa atuação judicial, havendo mesmo
quem falasse em um poder constituinte permanente e em reinvenção da
constituição pela jurisdição constitucional (SAMPAIO, 2002).
E tudo isso considerando também que mesmo no plano da
jurisdição comum ou ordinária novas técnicas processuais passam
a centralizar no juiz a direção e o andamento dos processos, sob o
argumento da celeridade processual e da eficácia das decisões, ainda
que em detrimento da participação dos diretamente interessados. Algo
que se potencializa com as demandas e ações coletivas, de massa ou
metaindividuais. As reformas processuais ao longo de todo o século XX
assim vão apostar nos poderes dos juízes e dos relatores nos tribunais
como forma de efetivação do chamado acesso à justiça (BAHIA, 2009,
BARROS, 2009, NUNES, 2008, CARVALHO DIAS, 2010, NUNES,
BAHIA, CÂMARA e SOARES, 2011).
De minha parte, posicionei-me no que se refere ao controle
de constitucionalidade no Estado Democrático de Direito, quando
defendi a tese, em 1999, e na obra Devido processo legislativo:
uma justificação democrática do controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis e do processo legislativo (CATTONI
DE OLIVEIRA, 2000; 2006), de que cabe à jurisdição constitucional a
garantia do devido processo legislativo, compreendendo, para isso,
os direitos fundamentais como condições de institucionalização de
um processo legislativo democrático, os direitos fundamentais como

DEVIDO_PROCESSO_LEGISLATIVO.indb 212 14/04/2015 11:04:52


Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
213

condição de possibilidade democrática. O controle deve, portanto,


reforçar a dinâmica democrática, reconhecendo, inclusive, novos
sujeitos e novos direitos, por meio de uma interpretação inclusiva da
Constituição (art. 5º, §2º, da Constituição brasileira).
Quanto ao motivo imediato, a PEC nº 3/11, e ao modo com que
em princípio posiciono-me em relação a essa Proposta – destacando,
inclusive, a relevância quanto ao tema que suscita – cabe dizer de início
que, para mim, numa democracia é fundamental o debate público
permanente sobre o papel dos tribunais em face dos legislativos.
Numa democracia, é o Parlamento o centro do regime político, sendo que
ele também deve zelar pela sua legitimidade, representatividade e
abertura ao debate público, assim como zelar por suas competências
constitucionais (por exemplo, nos termos do art. 49, XI, da Constituição
brasileira). Nesse sentido, compartilho das preocupações subjacentes
à PEC nº 3/11, embora discorde do modo com que por meio dela se
pretenda lidar com o problema da chamada judicialização da política.129
Vejamos o disposto no art. 49, especialmente os incisos V e
XI, da Constituição da República. É de competência exclusiva do
Congresso Nacional: “V – sustar os atos normativos do Poder Executivo
que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação
legislativa” e “XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa
em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.
A PEC nº 3/11 propõe dar a seguinte redação ao inciso V do art.
49: “V – sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem
do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.
Para efeito do art. 49, quais seriam as atribuições normativas, os
atos normativos dos demais Poderes? Atos normativos expedidos em

129
As críticas que serão apresentadas aplicam-se à PEC nº 33, também de autoria do
Deputado Nazareno Fonteles. A PEC nº 33 prevê aprovação do Congresso Nacional das
súmulas vinculantes e das decisões em sede de ações diretas de inconstitucionalidade
e das declaratórias de constitucionalidade emitidas pelo Supremo Tribunal Federal. O
que é de todo inconstitucional, não se podendo restringir por meio de controle político,
majoritário, decisões em matéria constitucional do Supremo Tribunal Federal – e do
Judiciário em geral – por violação do art. 60, §4.º, IV, da Constituição da República. A
PEC também propõe ampliar de seis para nove o número mínimo de ministros do STF
necessários para declarar a inconstitucionalidade de normas. Não é novidade no Direito
brasileiro a tentativa de controle político de decisões do STF em sede de controle de
constitucionalidade. Ainda que a intenção no presente possa ser diferente das do passado,
cabe não apenas lembrar da doutrina das questões políticas durante a República Velha,
da Carta de 1937 que expressamente previa a possibilidade de o Congresso derrubar
decisões do STF a pedido do Presidente da República e mesmo da tentativa de tornar
judicialmente inumes os atos institucionais, bem como as medidas de execução deles, em
face do controle judicial durante a Autocracia de 1964.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
214 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

função de delegação e atos de natureza regulamentar. Em princípio,


podemos pensar no disposto nos arts. 84, VI, a e b (competência do
Presidente da República para dispor por decreto da organização e
funcionamento da administração federal quando não implicar aumento
de despesa ou a criação e extinção de órgãos, assim como a extinção de
cargos e funções públicos quando vagos), 59, IV (leis delegadas, com a
vedação do §1º do art. 68), 96, I, a e b (elaboração dos regimentos internos
pelos tribunais e organização das secretarias, serviços auxiliares e os
dos juízos), 103-B, §4º, I (competência do Conselho Nacional de Justiça
para expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência) e 118
e seguintes (competências da Justiça Eleitoral, considerada a legislação
infraconstitucional em vigor).
O Poder Legislativo poderia sustar, por decreto legislativo,
decisões judiciais (inclusive em sede de controle de constitucionalidade?)?
A resposta é não. Seja em função do disposto no art. 5º, XXXVI (coisa
julgada) ou do art. 5º, XL (irretroatividade da lei penal), por exemplo,
decisões judiciais estão inumes a alterações legislativas, inclusive a
propostas de emendas constitucionais (art. 60, §4º, IV da Constituição),
pois estaremos diante de direitos e garantias individuais.
Além desses, cabe considerar que nem a atribuição pela
Constituição ao Supremo Tribunal Federal do controle de
constitucionalidade por meio de ação direta (nos termos do art. 102,
I, e §2º), de arguição de descumprimento de preceito fundamental
(art. 102, §1º) ou para editar as súmulas vinculantes (art. 103-A, nos
termos da Emenda Constitucional nº 45) recai sobre hipóteses de poder
regulamentar. Não podem ser, portanto, sustadas por meio de decreto
legislativo, nos termos do art. 49, V e XI, da Constituição, mesmo se a
redação desse artigo fosse alterada no sentido da PEC nº 3/11.130

130
Atualmente, tramita perante a Câmara dos Deputados, projeto de decreto legislativo, de
autoria do Deputado João Campos, do PSDB de Goiás, que pretende sustar, com base no
art. 49, V e XI, da Constituição, as decisões proferidas nas ADI nº 4277 e ADFP nº 132,
em que o STF reconheceu de modo constitucionalmente adequado a constitucionalidade
da união homoafetiva como união estável, com base em interpretação dos princípios
constitucionais da igualdade, da não discriminação, da proibição do preconceito e do
direito à liberdade individual, à vida privada e à intimidade. O argumento com base no
qual se pretende justificar tal projeto seria a da suposta violação da separação dos poderes
e invasão, portanto, pelo STF de competências legislativas do Congresso Nacional. Ora,
tais violação e invasão não ocorreram, pois é tarefa constitucional do Poder Judiciário
e, especialmente, do STF por meio de ADI e de ADPF, interpretar de forma consistente
e conforme a Constituição os princípios da igualdade e da liberdade, garantindo esses
direitos em face de lesão ou ameaça (art. 5.º, XXXV, combinado com os art. 1.º, III, 3.º, IV, 4º,
II, 5.º, X e 5.º, §2.º, da Constituição). O Poder Legislativo não tem competência para sustar
por decreto legislativo decisões em sede de controle de constitucionalidade, o sistema de

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
215

Como, então, controlar legislativamente o Poder Judiciário? Quais


seriam as vias restantes do ponto de vista constitucional?
Primeiramente, legislar, enfrentando temas polêmicos e
de relevância política e social. Não pode faltar, ao Legislativo,
coragem política para tratar de questões tais como a possibilidade
de tratamento diferenciado para a interrupção da gravidez no
caso de anencefalia em face do crime de aborto, para a extensão
e sentido da Lei da Anistia de 1979 hoje, para a questão do
reconhecimento das uniões homoafetivas, para a questão acerca
de casos de descriminalização e regulamentação do uso – inclusive
medicamentoso – de drogas, etc., bem como para as diversas
questões, enfim, envolvendo políticas sociais, econômicas e culturais
exigidas política e socialmente para a garantia efetiva do exercício
em igualdade dos direitos fundamentais, afetas ao desenvolvimento,
à redistribuição e à sustentabilidade.
Não pode faltar ao Legislativo coragem política para rever a
legislação e abolir os resquícios de autoritarismo ainda nela presentes
em matéria de segurança, de sistema penal, de estrutura sindical,
de sistema eleitoral e partidário ou mesmo de organização da
administração publica brasileira (BERCOVICI, 2010). E para cuidar
com atenção das reformas judiciais e processuais.
Sobre as reformas judiciais e processuais, tramita no Congresso
Nacional o projeto de Novo Código de Processo Civil,131 criticado
por grande parte da doutrina brasileira (MORAIS; BARROS, 2010).
A Câmara dos Deputados está com a faca e o queijo na mão para rever
as decisões do Senado que pretendem atribuir mais e mais poderes
aos juízes.
E, por fim, o controle legislativo pode advir por meio de emendas
constitucionais, no sentido de se buscar decidir em última instância
sobre questões controversas, respeitados condições e limites do art. 60
da Constituição da República.
Todavia, cabe dizer que no Direito Constitucional brasileiro
sempre haverá a possibilidade de controle judicial de qualquer
decisão legislativa do ponto de vista da sua constitucionalidade,

controle de constitucionalidade brasileiro é judicial e não político. Um decreto legislativo,


com esse teor, seria totalmente inconstitucional, pois violaria, inclusive, a coisa julgada!
(art. 5.º, XXXVI, da Constituição da República).
131
Tratava-se do projeto, então em tramitação, do Novo Código de Processo Civil, Lei
Federal n.º 13.105, de 16 de março de 2015. Sobre o Novo Código de Processo Civil, ver
THEODORO JÚNIOR; NUNES; BAHIA; PEDRON, 2015.

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
216 DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO

como um correlato da forma constitucional tipicamente moderna


de nossa Constituição e da tradição do nosso sistema de controle
de constitucionalidade, compreendidos como garantia de direitos
fundamentais, em face de deliberações legislativas majoritárias. O
sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é judicial e não
político. E, todavia, não apenas porque esses direitos representam
limites para o que possa ser decidido legislativamente, mas porque,
como dito, esses direitos se apresentam, após duzentos anos
de aprendizado social na tradição do constitucionalismo, como
condições de institucionalização do próprio processo democrático.
Direitos fundamentais não são limites externos à formação legitima
do poder político, mas são constitutivos da geração legitima da
opinião e da vontade.
Toda essa discussão nos remete, enfim, à necessidade de
construção permanente de uma cultura política e jurídica democrática,
no sentido da consolidação entre nós, como conquista nossa, na nossa
própria história, do Estado Democrático de Direito. Seja a mobilização
público-política de uma sociedade que se constitui historicamente
como sociedade aberta de interpretes da Constituição (HÄBERLE) a base
de legitimidade de todo regime constitucional. Que o sistema de
direitos fundamentais e o regime democrático como coimplicados e
interdependentes possam constituir o núcleo de integração política
da sociedade nos termos do desenvolvimento de um patriotismo
constitucional (HABERMAS) é o grande e permanente desafio para
a legitimidade e para a estabilidade, ao longo do tempo, de uma
sociedade política, neste século.

Referências
BAHIA, Alexandre Augusto Melo Franco. Recursos extraordinários no STF e no STJ.
Curitiba: Juruá, 2009.
BARROS, Flaviane de Magalhães. (Re)forma do processo penal. Belo Horizonte: Del Rey,
2009.
BERCOVICI, Gilberto. O direito constitucional passa, o direito administrativo permanece:
persistência da estrutura administrativa de 1967. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir
(orgs.) O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 77-91.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador.
Coimbra: Coimbra Editora, 1982.
CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Processo Constitucional e Estado Democrático de
Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

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Apêndice
ESTUDOS COMPLEMENTARES
217

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo. Belo Horizonte:


Mandamentos, 2000.
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo. 2. ed. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2006.
COURA, Alexandre de Castro. Hermenêutica jurídica e jurisdição (in)constitucional. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2009.
HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms. Tradução de William Rehg. Cambridge,
MA: The MIT, 1998.
MEYER, Emilio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo:
Método, 2008.
MORAIS, José Luis Bolzan de; BARROS, Flaviane de Magalhães. Reforma do processo civil.
Belo Horizonte: Fórum, 2010.
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2008.
NUNES, Dierle et al. Curso de direito processual civil. Fundamentação e aplicação. Belo
Horizonte: Fórum, 2011.
SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional.
Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco;
PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro:
Forense, 2015.

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Esta obra foi composta em fonte Palatino Linotype, corpo 10
e impressa em papel Offset 75gr (miolo) e Supremo 250 gr (capa)
pela Gráfica e Editora o Lutador, em Belo Horizonte/MG.

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