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Uma República

MARCIA CAMARGOS

nos moldes franceses

pós a Primeira Guerra Mundial, com a

A
Revolução Bolchevique e a descoberta

da África e do Oriente como fonte de


inspiração artística, a supremacia da

Cidade-Luz diminuiu de intensidade no

mundo ocidental, onde por mais de dois


séculos forjou o imaginário e ditou as

regras do convívio social e político. Se


no Brasil ao longo da década de 1920

os influxos da outrora “pátria mãe”


encontravam as primeiras barreiras

numa nação em busca da sua identida-


de cultural, a presença francesa prosse-

guia direcionando o cenário político e

cultural brasileiro, numa relação que re-


monta aos primórdios da República.
MARCIA CAMARGOS
é jornalista, doutora em Nesses termos, se a Constituição
História pela USP e autora
de Villa Kyrial: Crônica da de 1891 consagrou o modelo norte-
Belle Époque Paulistana
(Senac). americano de liberalismo – defendido,

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Uma vez consolidada, a jovem Repú-
blica procura os emblemas que repre-

sentem a nova ordem para firmar sua


identidade. Novamente, a França ofere-

ceria as respostas: Marianne, que de ícone


revolucionário passara a símbolo da

nação francesa, inspira a alegoria femini-

na dos republicanos brasileiros. Na Re-


vista Ilustrada do período, os chargistas e

desenhistas Ângelo Agostini e Pereira


Neto reproduzem a imagem da mulher,

vestida à romana, descalça ou de sandá-


lias, com o barrete frígio, símbolo da

República, com uma bandeira nas mãos.


Os artistas positivistas brasileiros, como

Décio Villares e Eduardo de Sá, torna-


ram onipresente a figura feminina nas

suas pinturas em que pátria, revolução,

liberdade e república freqüentemente


sobretudo, por São Paulo e Minas Ge- se intercambiavam. Villares chegou, in-
rais – estabelecendo a República fede- clusive, a colocar em prática os desejos
rativa em detrimento do jacobinismo do próprio Comte. Em 1890 ele deu o
e do positivismo do gaúcho Júlio de rosto de Clotilde de Vaux à imagem do
Castilhos (Carvalho, 1990, p. 9), não Estandarte da Humanidade, que saiu no
se pode negar a forte marca da França cortejo em homenagem a Tiradentes. A
no arcabouço do novo regime. Edita- mesma caracterização “comtiana” da
do em 1890 no Rio de Janeiro, um mulher mãe e protetora apareceria nos
curioso Almanaque Republicano Brasi- monumentos de cunho positivista no
leiro, por exemplo, trazia o calendário Rio de Janeiro e em Porto Alegre. Quan-
comtiano e o da Revolução Francesa, do se retratava a República, era Clotilde
numa clara referência à matriz e fonte que surgia, ainda que de barrete frígio
de inspiração. (Carvalho, 1990, pp. 75-96).

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Com a bandeira nacional não foi dife- sileiras ocorreria no final do século XVI, no
rente. Após algumas idas e vindas, os orto- Maranhão, sob o nome de França Equinocial.
doxos que a desenharam seguiram à risca os Fracassadas as empreitadas, os valores
ditames positivistas de Comte. Segundo ele, franceses já tinham deitado raízes, per-
na primeira fase da transição orgânica da meando todo o pensamento brasileiro pos-
humanidade, deveria ser mantida a bandeira terior. Os ideais iluministas, por seu turno,
vigente, que no caso brasileiro era a da contribuíram para os movimentos emanci-
monarquia, com o acréscimo da divisa polí- patórios como a Inconfidência Mineira.
tica “Ordem e Progresso”. Quanto ao hino, O intercâmbio com a França assumiria
antes de optarem pelo antigo, com a mesma grandes proporções após a transferência da
música de Francisco Manuel da Silva, mas Corte portuguesa para o Brasil em 1808.
letra de Osório Duque Estrada, os republi- Sob os auspícios de Dom Pedro II foi cria-
canos adotaram, num primeiro momento, do, em 1838, o Instituto Histórico e Geo-
nada menos do que a Marselhesa... gráfico Brasileiro, congregando a elite eco-
Igualmente sob o estímulo do positivis- nômica e literária carioca. Encarregado de
mo de origem francesa, ganhou corpo, en- traçar um retrato nacional e tornar-se o
tre a elite cultural e os governantes, uma centro autorizado para a produção de um
ideologia que via a educação como o pri- discurso sobre o país, ele orientava-se pelo
meiro problema nacional. Uma das metas Institut Historique de Paris, fundado qua-
prioritárias da República era modificar a tro anos antes, e com o qual manteria inten-
precária situação do ensino herdado da so contato (Schwarcz, 1998, pp. 125-57).
monarquia. Com o fim do analfabetismo e Vincado, até meados do século XIX,
o acesso da população à instrução pública, por traços elitistas, e herdeiro muito próxi-
acreditava-se, viria o progresso em todos mo da tradição iluminista, o Instituto bra-
os setores. Derivadas dos preceitos filosó- sileiro terá no congênere francófilo seu prin-
ficos de Augusto Comte, cujo pensamento cipal fornecedor de parâmetros de trabalho
permeou toda a Primeira República, tais historiográfico e instância legitimadora. No
propostas apontavam para uma mudança projeto de interação das duas instituições
pacífica e paternalista. Implicava o reco- embutia-se a idéia de construir um Brasil
nhecimento, por parte dos ricos, da obriga- como frente avançada da cultura européia
ção de proteger e promover os pobres. no Novo Mundo, dando continuidade à
A assimilação desse imaginário francês tarefa civilizatória iniciada pela coloniza-
pelos brasileiros tem, contudo, origem bem ção portuguesa, e estabelecendo uma or-
remota. Mais precisamente, em 1504, quan- dem que se contrapusesse ao caos dos paí-
do a nau L’Espoir, chefiada por Binot de ses latino-americanos vizinhos (Guimarães,
Gonneville, aportava nas costas do atual 1988, p. 13).
estado de Santa Catarina. Chamados de Tal propósito já vinha sendo implanta-
“mairs” pelos nativos, em oposição aos do desde 1816, ano da instalação da Mis-
“perós” portugueses, ele tratavam direto são Artística Francesa no Rio de Janeiro,
com os habitantes do litoral da terra do “bois onde, por meio da Academia Imperial de
de Fernambouc” e do recôncavo da baía de Belas-Artes, fundada quatro anos depois,
Todos os Santos. sistematizaria o ensino artístico. Tendo em
Depois viriam as tentativas concretas de Jean-Baptiste Debret, no escultor Auguste
colonização, por meio da França Antártica, Taunay e no arquiteto Grandjean de
no Rio de Janeiro, onde, em meados do sé- Montigny seus expoentes, serviria de refe-
culo XVI, chegaram a contar com 25 nú- rência estético-cultural para todo o país.
cleos de residentes – os trouchements – na Para ilustrar a estreita proximidade do uni-
baía da Guanabara, após uma bem-sucedida verso sociocultural europeu, valemo-nos
aliança selada com os tamoios. A segunda das palavras de Debret, quando ele fala, em
investida com respaldo oficial para fundar 1834, aos membros do Instituto francês
uma colônia de povoamento em terras bra- sobre suas experiências em solo caboclo:

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“La mode, cette magicienne française, a de Santos Dumont, parecia possível entrar em
bonne heure fait irruption au Brésil. sintonia com as mudanças tecnológicas que
L’empire de D. Pedro est devenu un de ses se processavam no Velho Continente. E,
plus brillans domaines: là elle régne en para melhor desempenhar seu papel de
despote, ses caprices sont des lois: dans les metrópoles emergentes, os principais cen-
villes, toilettes, répas, danse, musique, tros urbanos passam por um processo de
spetacles, tout est calqué sur l’example de transformação e embelezamento que, ba-
Paris et, sous ce rapport commme sous seado nos modelos da Cidade-Luz, muda-
quelques autres, certains départements de ria radicalmente o perfil das grandes cida-
la France sont encore bien en arrière des des brasileiras.
provinces du Brésil” (Journal de l’Institut Precursor desse alinhamento à arquite-
Histórique, Paris, outubro de 1834, apud tura irradiada de Paris, capital do século
Guimarães, 1988). XIX segundo Walter Benjamim, Francis-
co Pereira Passos civiliza a Capital Fede-
Quase um século depois, Georges Cle- ral. Com ênfase na iluminação e no areja-
menceau, primeiro-ministro francês, refor- mento, entre 1903 e 1906 o prefeito do Bota-
çaria a declaração de Debret ao registrar no Abaixo manda demolir setores decadentes
Illustration de Paris que a cidade de São e aterrar áreas pantanosas e insalubres, pro-
Paulo, por ser tão curiosamente francesa pensas à propagação de epidemias. Túneis
em certos aspectos, ao longo de uma sema- e vias expressas interligam subúrbios e
na inteira de estada nela não lhe pareceu bairros operários, e emaranhados de ruelas
que estava no estrangeiro (apud Amaral, e becos caóticos são substituídos por am-
1976, p. 38). Antes disso, a não menos ilus- plas avenidas e jardins simétricos, entre
tre Sarah Bernhardt, em sua segunda visita outros empreendimentos aclamados por
a São Paulo, em julho de 1893, quando se poetas como Olavo Bilac:
hospedou no Hotel Flora, na Vila Mariana,
sintetizou o eurocentrismo nacional, afir- “Há poucos dias, as picaretas, entoando um
mando que São Paulo era a cabeça do Bra- hino jubiloso, iniciaram os trabalhos da
sil e o Brasil, a França americana. construção da Avenida Central, pondo abai-
xo as primeiras casas condenadas. […] No
aluir das paredes, no esfarelar do barro,
havia um longo gemido. Era o gemido so-
MENTALIDADES… À LA FRANÇAISE turno e lamentoso do Passado, do Atraso,
do Opróbrio. A cidade colonial, imunda,
“O Brasil vaga sereno e galhardamente retrógrada, emperrada nas suas velhas tra-
em mar de rosas e em completa calmaria… dições, estava soluçando o soluçar daque-
madura”, registrou a revista carioca Rua les apodrecidos materiais que desabavam”
do Ouvidor em 1898. Dissipados “os fan- (Bilac, 1904, p. 3).
tasmas que assustavam a burguesia” após a
conturbada década inaugural da Repúbli- No afã de transformar o velho Rio numa
ca, as elites do país viviam o luxo e o fausto cidade cosmopolita, Pereira Passos reto-
da Belle Époque. No limiar do século XX mou os projetos do barão Haussmann que,
estabeleciam-se as condições políticas para entre 1853 e 1870, reformulou a paisagem
o florescimento de uma sociabilidade ur- parisiense, recobrindo com uma malha viá-
bana elegante e culta espelhada na Europa ria os escombros do antigo labirinto das
fin de siècle. ruas estreitas dos motins e das revoltas,
As estruturas arcaicas da monarquia e profilaticamente demolido, ao mesmo tem-
da época colonial já não combinavam com po em que empurrava as moradias proletá-
as pretensões de modernidade. Numa at- rias em direção aos arrabaldes (Haussmann,
mosfera de otimismo instaurada pelo novo 1979, p. 54). Os projetos monumentalistas
regime e fixada nos céus da Europa por de Haussmann seriam imitados ao pé da

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letra pelas diversas reordenações urbanas paulistanos para o Conservatório de Paris
levadas a cabo nas sociedades ocidentais ou a Académie Julian. Entre seus pensio-
no final do século XIX e início do XX. nistas, encontravam-se nomes como Bre-
Capital federal, o Rio de Janeiro ganhou cheret e Anita Malfatti, aqui reconhecidos
boulevards e edifícios art-nouveau, que se após consagrados na França. Brecheret,
estendiam ao longo da Avenida Central, aliás, expôs no Salon d’Automne, Salon
cartão-postal dos novos tempos. des Tuleiries, Salon des Artistes Indé-
Para não ficar atrás do Rio de Janeiro pendents e na Societé des Artistes Français,
em termos culturais e artísticos o governo entidade máxima da arte acadêmica forne-
de São Paulo, que até o início do século XX cedora dos parâmetros para o Pensionato.
Rio de Janeiro, não contava com instituições de ensino Ele e Anita tinham contato com a vanguar-
superior em música e artes plásticas, criou da internacional e conviviam com os mo-
no final do o Pensionato Artístico. Instituído em 1912, dernistas conterrâneos como Rego Montei-
século XIX concedia bolsas de estudo a jovens talentos ro, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti,
Oswald de Andrade, Sérgio Milliet, Villa-
Lobos e Antônio Gomide. Junto com o tam-
bém bolsista Sousa Lima, além do mecenas
Paulo Prado e de Dona Olívia Guedes Pen-
teado, que residiram por longos anos em
Paris, chegaram a formar, sob os auspícios
do embaixador Sousa Dantas, um animado
grupo que se reunia com freqüência na
capital francesa.
Concedidas até a Revolução de 30, as
bolsas do Pensionato possibilitaram o aper-
feiçoamento de inúmeras vocações, mas seu
regulamento baseado em parâmetros
academicistas acabaria interferindo no pro-
cesso criativo de vários artistas nacionais.
Talvez tenha sido um dos fatores responsá-
veis pelo retorno à ordem (Chiarelli, 2003)
de Malfatti que, com estilo já definido des-
de 1917, viu-se obrigada a realizar traba-
lhos para envio ao Brasil que em nada se
coadunavam com seu momento artístico ou
sua personalidade (Batista, 1986, p. 100).
A política cultural representada pelo
Pensionato Artístico de São Paulo era algo
que um corpo de críticos, com Monteiro
Lobato à frente, problematizava através
da imprensa. Em jornais e revistas o escri-
tor denunciava o “afrancesamento” dos
brasileiros enviados ao exterior e expos-
tos aos valores estéticos europeus na fase
vulnerável de formação do seu caráter
artístico. Para ele o jovem estudante, ain-
da incapaz de realizar uma apropriação
crítica do que aprendia, acabava por trans-
formar-se num estrangeiro, com domínio
da técnica, mas ignorante das característi-
cas e cores americanas:

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“Ao invés de apurar o nacionalismo das pelos cantos e piano de cauda com retratos.
vocações, esperantiza-as, ou melhor, afran- E tomavam chá. Tudo como se fazia lá na
cesa-as, porque, para a imbecilidade na- Europa” (Travassos, 1964, pp. 31-3).
cional, o mundo é ainda a França. Pega o
Estado no rapaz, arranca-o da terra natal e A prática de copiar Paris conferia às
dá com ele no Quartier Latin, com o peão residências da classe dominante uma at-
da raiz arrebentado. Durante a estada de mosfera pretensiosa e postiça, criticada por
aprendizagem só vê a França, só lhe respira intelectuais antenados com a busca da nos-
o ar, só conversa com mestres franceses, só sa nacionalidade, como Monteiro Lobato,
educa os olhos em paisagem francesa, que registrou em Idéias de Jeca Tatu:
museu francês” (Lobato, 1946).
“Dentro de um salão Luiz XV somos uma
Nos padrões do gosto estético francês, mentira de rabo de fora. Por mais que nos
foi organizada, em São Paulo, a Primeira falsifiquemos e nos estilizemos à francesa,
Exposição Brasileira de Belas-Artes, aber- Tomé de Souza e os 400 degredados ber-
ta em 14 de dezembro de 1911 para marcar ram no nosso sangue; Fernão Dias geme;
a efetivação jurídica do acervo da Pinaco- Tibiriçá pinoteia e Henrique Dias revê o
teca, composto inicialmente por 59 obras. seu pigmentozinho de contribuição”
Dois anos depois ocorria a célebre Exposi- (Lobato, 1946a, pp. 25-6).
ção de Arte Francesa, cujo intuito era o de
contribuir para civilizar São Paulo. Aberta Para acompanhar o cosmopolitismo do
em 7 de setembro no Liceu de Artes e Ofí- Velho Continente, as moças e rapazes da
cios, dividia-se em três seções: arte retros- elite recebiam educação européia. Era co-
pectiva, com mais de mil itens entre foto- mum contratar preceptores franceses ou
grafias, gravuras e moulages; belas-artes, manter os filhos em colégios na França ou
contendo 255 obras de pintores, escultores em filiais de instituições de respeitabilidade
e arquitetos; e a seção de arte decorativa, na Europa – o Sacre Coeur e o Sion, no Rio
com 786 itens que cobriam do século XVII de Janeiro, e o Des Oiseaux, em São Paulo.
ao XX, incluindo mobiliário, bronzes, Ali, freiras que não dominavam o português
mármores, tapetes, porcelanas, jóias e cris- lecionavam todas as matérias em francês.
tais. Em 1919, com a colaboração dos As longas permanências na Europa tam-
mecenas Freitas Valle e Paulo Prado o côn- bém faziam parte do calendário social, sen-
sul da França inaugurava uma exposição do imprescindíveis a uma educação esme-
no saguão do Teatro Municipal, com pintu- rada. Famílias cruzavam os mares entre
ras impressionistas e esculturas de Bour- março e setembro, nos navios Alcântara,
delle, Rodin e Laurens. Andes, Astúrias e Almanzorra. As traves-
Em suma, vivia-se de acordo com sias nos vapores pouco velozes eram com-
paradigmas determinados pela cultura pensadas por animadas diversões a bordo.
eurófila aristocrática, especialmente de Neles consentia-se o transporte de farta
corte francês, como escreveu um cronista: bagagem e muitos levavam consigo até
criados domésticos. Em Paris, onde habi-
“Às cinco horas faziam-se visitas à européia tualmente permaneciam quatro a seis me-
e tomava-se chá. Supervestidos, senhores ses por ano, hospedavam-se em apartamen-
pelintras, de colete branco, de linho pérola, tos alugados ou ocupavam andares inteiros
muito aparados, penteados e de bigodinho de hotéis. Tomavam lições de esgrima,
frisado, visitavam senhoras que, super- patinação, tênis, freqüentando teatros, es-
vestidas, os recebiam entre amigas no salão tações de águas e, sobretudo, visitando-se
de visitas, todo atravancado de bibelôs, re- entre si. Simultaneamente, é claro, às com-
posteiros, jarrões, mesinhas, cadeiras esto- pras na Rue de La Paix, Saint Honoré, Place
fadas estilo Luís isto, Luís aquilo, com ban- Vendôme, para adquirir os últimos lança-
quetinhas para se pôr o pé, vasos de plantas mentos de Patou e Lanvin, nos ateliês de

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alta-costura das grifes Chanel, Drecoll, e cultural do que os do Segundo Império. Da
Grès, Lelong, ou nas galerias Lafayette e decoração às músicas, das conversas aos
Louvre, onde conseguiam roupas e acessó- vestidos ambos assumiam os costumes aris-
rios mais baratos. A volta, em setembro ou tocráticos copiados pelos brasileiros em vi-
outubro, era um acontecimento noticiado sitas freqüentes à capital francesa.
com alarde pelos jornais. As amigas reuni- No Rio de Janeiro floresceram inúme-
am-se para saber os detalhes da estada, ros salões, como o de Laurinda Santos Lobo,
conversar sobre as novidades e admirar o nos altos de Santa Teresa. Também con-
conteúdo das quinze a vinte malas repletas corridos eram o de Araújo Viana, na Muda
de vestidos que fariam furor nas soirées da Tijuca, o de Sampaio Araújo, na Volun-
durante a próxima estação. tários da Pátria, e o do casal Azeredo, na
Dominando um francês fluente, as da- Praia do Botafogo. Sem mencionar os de
mas e jeunnes filles brasileiras inteiravam- Inglês de Sousa, de Júlia Lopes de Almeida,
se do que se passava no Velho Continente de Sousa Bandeira e de Coelho Neto, na
seguindo, daqui, não só a moda, mas até as Rua do Rozo.
receitas de cozinha da Mode Illustré e da Ao contrário da Capital Federal, os sa-
Saison, com seu similar nacional trimensal lões rareavam em São Paulo. A Villa Kyrial
Estação. Os cavalheiros, por sua vez, entre- de José de Freitas Valle foi, durante as
tinham-se com l’Ilustration, no qual apren- décadas iniciais do século XX, um dos mais
diam sobre os trajes masculinos que seriam prestigiados (Camargos, 2001). Sucedeu o
o hit da temporada. Nelas os leitores ainda de D. Veridiana, matriarca da família Pra-
encontravam dicas para confeccionar as fan- do, que manteve em sua chácara um dos
tasias de arlequim, pierrô e colombina para primeiros salões literários de que se tem
os bals masqués, como nos carnavais de notícia na cidade. Organizando matinées,
Veneza e de Nice, seguidos do corso em soirées dançantes e imponentes bailes, cé-
carros decorados, dos quais os jovens bem- lebres pela opulência e bom gosto, a pre-
nascidos travavam deliciosas batalhas de cursora do mundanismo paulistano recebia
flores, confete dourado e serpentina. os cavalheiros, estilizados em Londres, e
as damas e demoiselles vestindo, em bran-
co, rosa ou gris-perle, os últimos lança-
mentos de Paris. Como relembrou Valle,
MONDANITÉ E LITERATURA numa retórica expressiva dos valores e
costumes da Belle Époque, nas reuniões
Uma das mais autênticas instituições da festivas, a diversão era certa. Ali, os pa-
Belle Époque tropical, os salões que surgi- res se alternavam na quadrilha francesa,
ram nas capitais brasileiras na virada para nos lanceiros imperiais, nas polcas, nas
o século XX inspiravam-se no modelo con- mazurcas, nas valsas vertiginosas, nos
sagrado pela alta sociedade de Paris. Ali, schottischs ritmados a rigor e nos clássicos
de 1830 a 1914, as damas do grand monde pas-de-quatre, em que mais se realçavam a
mantinham um dia fixo para entreter as elegância dos cavalheiros e a graça das suas
visitas. O salão da norte-americana Gertrud jovens partenaires.
Stein, auto-exilada na capital francesa, e o
de Natalie Barney, ambas escritoras, fre- “Só se interrompiam as danças para ser
qüentados por Pablo Picasso, James Joyce, servida, nas grandes mesas revestidas de
Ezra Pound, Paul Valéry, Marcel Proust, toalhas de rendas da Holanda, a ceia, em
Isadora Duncan e Ernest Hemingway, cons- que as iguarias requintadas se faziam acom-
tituem os exemplos mais significativos do panhar dos velhos vinhos da cave, desde os
período. aristocráticos Château d’Yquem aos mais
Ambiente doméstico transformado em perfumosos Château Lafite e Haut-Brion,
espaço público, os salões da Belle Époque Clos Vougeot e Corton Clos du Roy”
possuíam um caráter mais literário, artístico (Valle, 1949).

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Nos moldes veridianos, Freitas Valle nossas elites sedentas de legitimação. Au-
comandava saraus aos quais comparecia a têntico representante desse círculo culto e
alta sociedade, além de jovens poetas e refinado, Freitas Valle foi poeta da escola
artistas sem recursos, buscando apoio e pro- simbolista, cujos primeiros sinais ecoaram
teção sob as asas da oligarquia. Apreciador no Brasil ao final do século XIX. Da Fran-
de vinhos finos, colecionador de obras de ça, em caixotes embarcados no Havre para
arte, esse homem eclético e requintado os livreiros Garnier e Briguiet, aportava no
desdobrava-se na figura de um galante an- Rio de Janeiro o que muitos viam como um
fitrião, que sabia receber num belo estilo verdadeiro renascimento literário. Os anti-
ancien regime. Valle congregava os inte- gos mitos, como Zola, Daudet e Anatole
grantes da Hordem dos Gourmets para sa- eram rapidamente substituídos pela nova
borear os pratos excêntricos preparados constelação da avant-garde simbolista, que
pelo maître Jean Jean – seu pseudônimo foi estimulando seguidores pelo país. Essa
como artista culinário que preparava deli- intelectualidade que já vinha consumindo
ciosos quitutes batizados em francês. filosofia, sociologia e literatura européia
E ainda recebeu em sua casa o poeta em traduções francesas, agora importava
franco-suíço Blaise Cendrars, apóstolo- as primeiras edições de Verlaine, Mallarmé,
guia dos modernistas, o músico erudito Jean Moréas, Jules Laforgue, Rimbaud,
Darius Milhaud, que viera ao Brasil em Vielé-Griffin, René Ghill, Maeterlinck e
1917 a convite de Paul Claudel, chefe da Verhaeren, entre outros, publicados em
delegação francesa no Rio de Janeiro – Paris por Léon Vanier.
quem, aliás, trouxera à Capital Federal os Estabelecendo a França como a pátria
célebres Ballets Russes, de Serge Diaghilev. idealizada, Freitas Valle compunha versos
Desembarcando em pleno carnaval cario- com um je ne sais quoi de Leconte de Lisle,
ca, Milhaud apaixona-se pelo maxixe, sam- e os assinava Jacques D’Avray. Definido
ba e choro. Compõe sua Primeira Sinfonia, por Alphonsus de Guimaraens como Prince
regida por Francisco Braga, e torna-se royal du symbole et grand poète inconnu,
amigo de Ernesto Nazaré e Donga. Este ele encontrava-se de tal forma imbuído do
último, com Pixinguinha e China, formou imaginário importado de Paris, que com-
a banda Os Oito Batutas que, na contramão punha em francês naturalmente, sem esfor-
da prática de importações generalizadas, ço aparente ou necessidade de recorrer ao
se apresentou no Cine Palais, em Paris, com português para depois vertê-los. Teve poe-
sucesso tão retumbante que repetiria a dose mas publicados até em revistas e jornais
em 1922, sob os auspícios do milionário estrangeiros, como o quinzenário Mercure
Arnaldo Guinle. Na ocasião, a revista A de France, vetor do simbolismo mundial e
Maçã publicou um irreverente artigo no que celebrava Jacques D’Avray porque ele
qual zombava da polêmica em torno da ajudava a valorizar a civilização francesa
delegação ligada às raízes negras: “Para uns, na América Meridional. Teve seus tragi-
a nossa missão musical vai redundar em poemas encenados em São Paulo, Rio de
prejuízo para nossos créditos de povo cul- Janeiro e Buenos Aires. L’Étincelle, leva-
to, de que os Oito Batutas não podem ser a do ao palco do Teatro Municipal carioca
expressão legítima”. E contemporizava: em 1919 pela Companhia Dramática Fran-
“Para outros, porém, os franceses saberão cesa Henry Burguet e interpretado por
o que essa missão exprime, tomando os Germaine Dermoz, Ninon Gile, Angèle
nossos oito graúnas como autênticos repre- Nadir, Davesnes e Charles Vanel, obteve
sentantes do gênio popular, e não como grande repercussão.
delegados do Clube dos Diários, da Asso- Representante-mor dos modos e hábi-
ciação Comercial ou da Academia Brasi- tos franceses no Brasil, Freitas Valle não
leira de Letras” (Fortunato, 1922). consistia exceção, já que o uso do idioma
Do estrangeiro importávamos os mo- de Balzac na literatura era fato corriqueiro.
delos de prestígio avidamente adotados por Numa fase em que a cultura brasileira en-

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contrava-se substancialmente ligada à pro- Arbousse-Bastide, Braudel, Lévi-Strauss e
dução intelectual e artística daquele país, Pierre Monbeig, entre outros docentes de
essa prática denotava uma tendência natu- igual quilate, a missão francesa de 1934 foi
ral que não ficou restrita aos simbolistas. de extrema importância para a renovação e
Apesar de não utilizarem só o francês, inú- modernização das ciências sociais no Bra-
meros autores passearam pelo idioma com sil, na opinião de nomes como Florestan
surpreendente desembaraço. Nos idos de Fernandes e Fernando Novais (1994).
1868, o visconde de Taunay escreveu A Aziz Ab’Sáber, por sua vez, conta que
Retirada da Laguna no idioma paterno. Pierre Monbeig, que viria juntar-se aos
Mas, em pleno Parnaso, Olavo Bilac com- compatriotas para substituir Pierre Deffon-
pôs em francês, assim como fizera Macha- taines, transferido para o Rio de Janeiro
do de Assis em sua fase romântica. Al- após uma breve passagem por São Paulo,
phonsus de Guimaraens, com Pauvre Lyre, ministrava todas as aulas em francês. Isso
publicado em 1915, durante a Primeira não causou estranheza e foi bem aceito pelos
Guerra Mundial, homenageava a França, alunos, visto que quase toda a bibliografia
pátria espiritual, então invadida. O também da Geografia Humana era elaborada ou
simbolista Eduardo Guimaraens, que nas- divulgada naquele idioma, ao passo que as
ceu em Porto Alegre, mas passou longos próprias obras dos grandes mestres alemães
anos no Rio de Janeiro, publicou em 1916 e norte-americanos chegavam via língua
A Divina Quimera contendo versos como francesa (Ab’Sáber, 1994, p. 222).
“La gerbe sans fleurs”, enquanto o paraense Já o curso de Língua e Literatura Fran-
João Itiberê da Cunha adotava o nome de cesa iniciou suas atividades no mesmo ano
Jean Itiberè para se coadunar com suas da Faculdade de Filosofia, em 1934, a car-
produções em francês estampadas em O go do catedrático Robert Garric, sucedido
Cenáculo, entre outras revistas simbolis- anos mais tarde por Pierre Hourcade. A
tas. E até o enfant gaté do modernismo, Faculdade de Psicologia também é deve-
Oswald de Andrade, estreou nas letras com dora desse núcleo pioneiro, posto que foi
Théatre Brésilien, reunindo a comédia Mon criada por Annita de Castilho, aluna dileta
Coeur Balance e o drama Leur Âme, peças de Jean Maugüé, Bastide e de Lévi-Strauss
escritas em parceria com Guilherme de (Bosi, 1994, p. 379).
Almeida, em 1916. Mas não só as humanidades se benefi-
A presença francesa na literatura brasi- ciaram da vinda dos franceses. Segundo
leira não se dissiparia tão cedo. Tanto que Marcelo Damy, esses professores estran-
em Klaxon, mensário lançado no calor da geiros contribuíram para a alteração nos
Semana de Arte Moderna para discutir e métodos adotados no ensino superior e no
aprofundar as propostas do movimento, trabalho de pesquisa também nas áreas de
Sérgio Milliet, assinando Serge, publicava Física, Química e Biologia. “Até então a
seus poemas em francês, mesma língua influência que se tinha no Brasil era da
empregada por Manuel Bandeira em toda França, na época o maior centro do mundo,
sua colaboração para a revista. Isso sem inegavelmente superior à Inglaterra e à
mencionar o próprio evento de 1922 em si Alemanha”, ele depôs, para completar. “A
que, por sugestão de Marinette, a esposa grande revolução que eles trouxeram foi
francesa do mecenas Paulo Prado, inspirou- conseqüência de terem vivido e sido for-
se na Semaine de Fêtes de Deauville, que mados em um meio cuja tradição era con-
contava com exposições, audições musicais, siderar a Ciência como algo vivo, que se
declamação e até desfiles de moda. desenvolve continuamente à custa de pes-
De resto, basta lembrar a matriz essen- quisas” (Damy, 1994, p. 83).
cialmente francesa da Universidade de São Por tudo isso não deixam de ser inte-
Paulo, devido ao grupo de pensadores e ressantes e premonitórias as observações
cientistas que vieram auxiliar na sua estru- de intelectuais como Mário de Andrade,
turação. Composta por Roger Bastide, Paul que nos idos de 1936 acreditava ser a ins-

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piração francesa mais benemérita e equi- total desistência de nós mesmos por lon-
librada do que a dos Estados Unidos. País gos anos. “Pela distância psicológica pro-
que desde a década anterior rumava à funda, e pela diferença econômica que já
posição de potência hegemônica, os EUA nos reduz a um estado de servidão, a influ-
já despontavam como ameaça à nossa in- ência norte-americana sobre nós não se
dividualidade e nos obrigaria, nas pala- contentará de ser influência: será domí-
vras do autor de Macunaíma, a uma quase nio” (Andrade, 1993).

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