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TFP - Tradição, Família ePropriedade

TRN - Taxa Rodoviária Nacional


TRU - Taxa Rodoviária Única
TVA - Tennessee Valley Authority ESTADO, PODER E CLASSES SOCIAIS NO BRASIL - NOVAS ESÓLIDAS TRADIÇÕES DE PESQUISA
UB - União Brasileira de Empresários
UDN- União Democrática Nacional Virgínia Fontes
UDR- União Democrática Ruralista
UEG- Universidade do Estado da Guanabara Muitos são os motivos de minhaiemoção e enorme satisfação em prefaciar este livro. Pedro Hen-
Uenf- UniversidadeEstadual do Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro rique, de meu orientando no doutorado, tornou-se um amigo pessoal. Muitos elos nos ligam - inclusive
UFF- Universidade Federal Fluminense
alguns que desconhecíamos quando iniciamos nossa relação de orientação. Descobrimos caras amizades
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
comuns ao longo de nossa convivência, em especial Isabel Brasil, André Bueno e Leo, meus recentes e
UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro
queridos amigos, cuja história integra a vida de Pedro Henrique desde sua infância. Consolidando essa
UHE - Usina Hidroelétrica
UNDD - União Nacional em Defesa da Democracia
feliz coincidência, ganhei ainda a amizade de Marina e, em breve, da pequena Letícia.
UNE - União Nacional dos Estudantes Para além do afeto, o trabalho do já maduro historiador Pedro Henrique Campos participa de
Usaid - United States Agency for lnternational Development - e enriquece - uma das mais importantes linhagens de pesquisa em História da Universidade Federal
Usiba - Usina Siderúrgica da Bahia Fluminense, dedicada à elucidação das formas históricas concretas de constituição do Estado brasileiro.
USP- Universidade de São Paulo Um pequeno mas valente grupo de historiadores da UFF, levando a sério suas matrizes teóricas - em
VBC - Consórcio Votorantim-Bradesco-Camargo Corrêa especial aquela lastreada em Antonio Gramsci -, vem, há alguns anos, se debruçando sobre a estreita
VW- Volkswagen e já antiga correlação entre sociedade civil e sociedade política. Hoje já constituem um significativo
acervo de pesquisa com a participação de docentes de diversas universidades do país.
Pesquisadores incansáveis de arquivos dos mais variados tipos estabeleceram mapeamento
cuidadoso, com enorme volume de fontes, e identificaram uma grande rede de entidades associativas
empresariais e sua precoce e intensa penetração junto ao Estado brasileiro (tornado em sentido res-
trito), exigindo uma revisão profunda numa historiografia que ainda supõe um Estado "acima e fora"
da sociedade.
Aconstrução desse viés importantíssimo de pesquisa teve dois polos distintos que, por um
período breve, se encontraram na UFF. Oprimeiro deles resulta de pesquisa empreendida pelo cien-
tista político René Armand Dreifuss, quando ainda atuava na Universidade Federal de Minas Gerais,
que resultou no livro 1964: a conquista do Estado, publicado em 1981 pela Editora Vozes. Trazendo a
leitura de Gramsci para osolo concreto das relações sociais, René Dreifuss analisou estupendos - pela
vastidão, pela qualidade e pela coerência - acervos documentais, estabelecendo de maneira cabal a
íntima participação do empresariado brasileiro, através de suas variadas entidades organizativas, na
preparação do golpe de Estado de 1964. Seu livro apresenta minuciosamente corno se coligaram em-
presários e suas entidadesaqui forjadas a seus pares e entidades estadunidenses, associando-se ainda
a setores das Forças Armadas em impressionante ativismo voltado para a interrupção da experiência
democrática então em curso.
Mais do que isso, Dreifuss demonstra - com farta documentação - como tais conspiradores-
-golpistas implantaram-se nos postos estratégicos de poder imediatamente após o golpe de Estado,
embora não tenham perpetrado de forma direta o golpe. Irônica e tristemente, uma certa historiografia
revisionista contemporânea, inaugurada porEhelbub (1993), compraz-se em acusar de maneira aligeirada
16 Virgínia Fontes Estado, podere classes sociais no Brasil - Novas e sólidas tradições de pesquisa 27

Dreifuss de utilizar teorias conspirativas! Seria cômico, se esse expediente não contribuísse fortemente Pedro integrou-se aos diversos grupos e laboratórios comprometidos com essa tradição gramsciana,
para velar as relações e os processos históricos reais, cujos personagens e entidades não apenas cons- dela participando ativamente.
piraram, mas exerceram e sustentaram de modo direto uma duríssima ditadura, personagens que em No presente livro, fruto de sua tese de doutoramento, Pedro avança no tempo esitua sua análise
muitos casos infelizmente ainda povoam nossa vida política, institucional e social. Tal historiografia no século XX, para investigar outro setor da burguesia brasileira - o da construção civil e os grandes
revisionista pretende substituir as lutas concretas da vida real por um ideário narcotizante, atribuindo a empreiteiros. Vício de historiador, vasculha as origens empresariais, mas não para por aí. Avança resolu-
um suposto "desapego à democracia" compartilhado por todos no pré-1964 as razões últimas do golpe. tamente na documentação e no tempo para decifrar a constituição de extensa rede de aparelhos privados
Ora tal argumento ou razões, em última análise,justificam os que de fato deram golpe e os eximem, ipso de hegemonia coligando seus diversos;segmentos e frações, com maior ênfase para a consolidação
facto; das conspirações que os próprios agentes históricos reconhecem. Diversos autores e pesquisadores de grupos empresariais extremamente concentrados e sua participação nessas diferentes entidades.
vêm realizando uma crítica fundamentada e sólida a tais interpretações, como Marcelo Badaró Mattos Evidencia, portanto, não apenas uma proximidade direta das empreiteiras com o Estado restrito -como
(2005, 2008) e Demian Melo (2013), dentre outros. René Dreifuss se transferiu posteriormente para a repete, não sem razão, o senso comum no Brasil -, mas, como sugere Gramsci, avança para além do
UFF, onde criou o Núcleo de Estudos Estratégicos (Nest), do qual tive a enorme satisfação de participar. senso comum, ao identificar de maneira detalhadamente comprovada uma complexa teia de interesses
Faleceu precocemente em 4 de maio de 2003, há exatamente 10 anos. privados tecidos por fora e por dentro do Estado, com um grau muito maior de complexidade do que a
Por um viés mais estritamente historiador, um segundo grupo de professores e pesquisadores simples tradução imediata da propriedade em poder político.
da UFF também refinava instrumentos metodológicos a partir das contribuições teóricas de Antonio Dentre os múltiplos sentidos possíveis atribuíveis às "estranhas catedrais", o que mais me
Gramsci. A pesquisa de longo fôlego de Sonia Regina de Mendonça (1997) consolidava uma metodologia atrai é oque permite pensar essa teia complexa que amarra o novo ao arcaico, num formato desigual e
cuidadosamente elaborada eadequada a seu arsenal teórico,e geraria importante dilatação das análises combinado característico e seletivo. Estranha catedral luxuosa e acolhedora para as classes dominantes
no tempo. Sonia Regina pesquisava as origens de algumas instituições estatais e descobria sua estreita e suas entidades, gelada e árida para a grande maioria. Modernas entidades associativas empresariais,
proximidade_com entidades associativas- aparelhos privados de hegemonia - num território até então forjando intelectuais orgânicos preparados e coligados, entremeiam o Estado brasileiro. Conservam
considerado apenas o"reino do arcaico", como oda agricultura supostamente decadente. Para além de razoável autonomia frente a ele e elaboram suas próprias pautas, mas integram-se nele através de
formuladora de uma análise histórica de novo tipo, Sonia Mendonça teria importante papel formador, malhas capilarizadas, a partir das quais defendem seus interesses corporativos frente aos demais
o que se verifica pela enorme quantidade de pesquisas que realizou e divulgou, com mais de 20 livros setores burgueses e às reivindicações dos trabalhadores. Estamos longe dos anéis burocráticos quase
publicados (e enorme quantidade de artigos em periódicos), analisando cuidadosamente mais de um mecanicistas propostos por Fernando Henrique Cardoso, ou do patrimonialismo vago que perpassa
século de história das relações entre Estado, sociedade civil, intelectuais e classes dominantes agrárias uma certa historiografia que, com ar denunciador, se refugia na preguiça da investigação, silenciando
no Brasil. Para além da pesquisa, Sonia também atuou ativamente na docência, orientou uma infinidade sobre as condições reais das bases do poder burguês no Brasil. Para essa mesmice intelectual, uma
de pesquisas na graduação e pós-graduação, além de participar em bancas e em diversos grupos de proeminência peculiar é atribuída ao Estado brasileiro, que o converte em sujeito histórico sui generis
pesquisas. Como boa gramsciana, atuava na produção do conhecimento e na persuasão. do processo histórico. Tal operação externaliza e separa o Estado das relações sociais, acabando por
Por caminhos diversos, pois, a UFF abrigou uma formidável geração intelectual, de base gra- obscurecer equase apagar oprotagonismo real das classes sociais em seu modus operandi característico:
msciana, que não se dobrou aos modismos e vem assegurando uma importante linhagem de estudos entidades associativas empresariais estão presentes na própria tessitura da constituição estatal. Estamos
sobre as bases do poder no Brasil, lastreada em exaustivas pesquisas documentais: as entidades de também longe da suposição de um Estado que seria instrumento direto da manipulação corporativa ou
classe dominante em diversos momentos históricos, suas reÍações com o Estado, as disputas entre proprietária de alguns de forma isolada:as disputas intra classe dominante imprimem uma configuração
frações dominantes e as variadas formas de subordinação imposta aos dominados seja pela truculência, caracteristicamente burguesa ao Estado brasileiro, enquanto a repressão seletiva sobre os subalternos
seja pelo convencimento. Abriu-se assim um novo panorama e uma nova perspectiva analítica, que reitera seu viés arcaico. Uma perversa seletividade de longa duração favoreceu a multiplicação de
vai muito além dos simplismos que predominavam na análise do Estado brasileiro. Os estudos sobre entidades empresariais enquanto impôs longo e brutal bloqueio à associatividade dos trabalhadores.
a burguesia brasileira e as condições de sua hegemonia encontraram um terreno sólido, rigoroso, não Assim, começamos a entrever uma ossatura institucional tecida por conflitos entre diversos
laudatório nem conformista. setores burgueses que disputam palmo apalmo opredomínio dentro da ordem, eventualmente apelando
Énessa tradição que ingressou Pedro Henrique Pedreira de Campos. Tendo pesquisado nomes- para os trabalhadores e setores populares e, mais frequentemente, unindo-se contra eles. Muito há por
trado, sob aorientação de Theo Lobarinhas Piíieiro, ali aprendeu o laborioso trabalho do levantamento fazer nessa tradição ainda recente: é preciso unificar as múltiplas e variadas pesquisas que vasculharam
rigoroso e exaustivo de fontes, bem como as bases teóricas que perseguiria doravante (Campos, 2010). diversas entidades empresariais, pesquisaram ofortalecimento de grandes conglomerados brasileiros e
associados, assim como identificaram--umirtOntÍfltta-€-€0fl5iste-Rte-:f-0r-maç.ão..deJntele.c1uil.ÍSJ1Lgânicos,
28 Virgínia Fontes
Estado, poder e classes sociais no Brasil - Novas e sólidas tradições de pesquisa 29

muitas vezes realizada com recursos públicos, para a expansão das relações sociais capitalistas em Mattos, Marcelo Badaró. "Ogoverno João Goulart: novos rumos da produção historiográfica''. Revista
diferentes âmbitos. Aconfiguração do Estado brasileiro se torna mais clara: ele é institucionalmente Brasileira de História, v. 28, n. 55, São Paulo, jan./jun. 2008.
organizado para assegurar porosidade extrema para a penetração de tais intelectuais da ordem, que
argumentam pela técnica e pelo mando, favorecendo a conversão de seus interesses particulares em Melo, Demian Bezerra de. Crise orgânica e ação política da classe trabalhadora brasileira: a primeira greve
"questões nacionais", em "questão de ordem policial" e, até mesmo, em "segurança nacional". ·' geral nacional (5 de julho de 1962). Tese de doutoramento, História/UFF, 2013, especialmente p. 8-47.
Trazer à frente da cena os empreiteiros das grandes obras da construção civil, e apresentá-los .
'
imersos nessa intrincada teia de entidades associativas, é o enorme mérito deste livro. Mais ainda, Mendonça, Sonia Regina de. Oruralism9 brasileiro (1888-1931). São Paulo, Hucitec, 1997.
trazê-los quando se imbricam de maneira ostensiva com o Estado resultante do pós-1964 é mais
uma demonstração - cabal e irrefutável - do perfil empresarial-militar daquela ditadura. Muito de
nossa história recente, inclusive a constituição de grandes multinacionais brasileiras, encontra suas
raízes naquele período sombrio. Este é, portanto, um livro polêmico e corajoso. Deixemos ao leitor,
que desbravará essa história conduzido pela mão firme de Pedro H. P. Campos, a comprovação do que
assinalamos anteriormente.
Para concluir, gostaria de acrescentar que foi- eé- um enorme orgulho ter partilhado de uma
parcela da trajetória da formação de Pedro H. P.Campos. Pesquisador tarimbado e consistente, Pedro foi
um aceso debatedordas grandes questões frente às quais nos debruçamos ao longo de seu doutoramento.
Já sinto saudades do tempo em que ele frequentava as nossas reuniões do GTO (Grupo de Trabalho e
Orientação), nas quais imprimiu sua marca inteligente e ativa, mas sei também que o mais importante
daqueles encontros é o que levamos por toda a vida como amizade e carinho, como compartilhamento
de referências teóricas e historiográficas, como curiosidade aguda e aberta para o desvelamento de
nossa realidade. Ojovem professor e pesquisador Pedro H. P. Campos tem voo próprio e seguro.

Rio de Janeiro, maio de 2013.

Referências

Campos, Pedro H. P. Nos caminhos da Acumulação - Negócios e poder no abastecimento de carnes verdes
para a cidade do Rio de Janeiro, 1808-1835. São Paulo, Alameda, 2010.

Cheibub, A.Democracia ou Reformas-Alternativas democráticas à crise política -1961 a 1964. Rio de


Janeiro, Paz e Terra, 1993.

Dreifuss, René Armand. 7964: a conquista do Estado. Petrópolis, Vozes, 1981. Aesta primeira e genial
obra, se agregaram ainda Internacional Capitalista (Espaço & Tempo, 1986); OJogo da Direita na Nova
República (Vozés, 1989); Política, Poder, Estado eForça - Uma Leitura de Weber (Vozes, 1993); e AÉpoca
da Perplexidade (Vozes, 1996).

Mattos, Marcelo Badaró. "Os trabalhadores e ogolpe de 1964: um balanço da historiografia". ln: História
eLuta de Classes, Ano 1, n. 1, abril de 2005. - - -- · - -
INTRODUÇÃO

Ma rx, no 18 Brumário deLuís Bonaparte, afirma que os fatos e personagens da história ocorrem
duas vezes, primeiro corno tragédia e depois como farsa.1 Os empreiteiros brasileiros podemservir de
exemplo disso. Em 1991, a construtora Mendes Júnior era a mais internacionalizada das empresas brasi-
leiras de engenharia e tinha dezenas de obras no Iraque, contando ali com contratos que ultrapassavam
a barreira dos bilhões de dólares. Naquele ano, com a invasãodo país pela coalizão militar liderada pelas
forças armadas norte-americanas, a construtora decidiu interromper suas atividades no Iraque. Após
penosas negociações com o regime de Saddam Hussein, a companhia de Murillo Mendes conseguiu
retirar todos os seus técnicos do país, com o acordo de que não cobraria nada do governo iraquiano
posteriormente. Após contrair vá rias dívidas para realizar essas obras e com os equipamentos perdidos
no país, aempreiteira cobrou do Banco do Brasil edo Instituto de Resseguros do Brasil opagamento que
lhe dizia ser devido, já que as duas instituições haviam feito a intermediação dos negócios com ogoverno
.do Iraque. Com a negação de existência do sinistro dos contratos por parte do IRB, o governo federal
brasileiro ordenou a execução da dívida da Mendes Júnior em 1995, levando a firma a vários pedidos
de falência e um amplo processo de decadência, que a retirou da nata da construção pesada nacional. 2
Asituação trágica da empreiteira mineira parece ter se repetido de forma burlesca em 2011.
Neste ano, as tropas dos rebeldes líbios, amplamente armados e auxiliados pelas forças da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (Otan), travaram uma guerra contra as forças armadas do líder Muamar
Kadafi, levando à saída do país das empreiteiras brasileiras Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Norberto
Odebrecht. Com a interrupção dos trabal hos e a perda dos equipamentos, a Odebrecht, que realizava as
obras do aeroporto de Trípoli e anel rodoviário da capital líbia, demandou às agências do aparelho de
Estado brasileiro o pagamento do que era devido pelo governo do país africano. Aempreiteira queria
do BNDES, que financia va parcialmente a obra, o pagamento de aproximadamente US$ 300 milhões
pelas perdas tidas no país.3
Atragédia da Mendes Júnior foi seguida pela farsa da Odebrecht. Se a tentativa de onerar os
recursos públicos une os dois casos, ofinal da história foi dife rente para as duas empresas. Enquanto o
corte dos contratos da Mendes Júnior levouà desgraça da empresa, com prejuízos profundos e a con-
sequente falência, a Odebrecht não chegou a'ter perdas expressivas na Líbia, pelo menos não quando
comparado ao volume anual de mais de R$ 60 bilhões de receita do grupo. Independente disso, a
empreiteira de origem baiana apelou às agências estatais para restituir seu prejuízo.
Este livro tem como objeto as empresas brasileiras de construção pesada ao longo da ditadura
civil-militar brasileira (1964 a 1988). Objetivamos analisar neste trabalho as firmas construtoras, suas

' MARX, Karl. ln: Marx. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 335.
' CAMPOS, Ped roHenrique Pedreira. "A trajetória daMendes Júnior: um caso emblemático de uma das empreiteiras da ditadura". Texto
encaminhado ao Ili Semináriode História Econômica eSocial da lona da Mata Mineira. Juiz de Fora: UFJF, 2011. p. 11-12.
' "Viúvas de Kadafi ". OGLO BO. Edição de 24 de agosto de 2011. Coluna de Ancel mo Góis, p. 16.
32
f
Estranhouatedrais Introdução 33

formas de organização no âmbito da sociedade civil, a atuação das mesmas junto à sociedade como Nossas principais preocupações nesse trabalho estão, .portanto, situadas na esfera do Estado
um todo e ao aparelho de Estado em particular, e as políticas públicas aplicadas ao longo do período, e de como a dominação se processa pela política. Nesse sentido, entendemos que as lutas sociais se
especialmente as endereçadas ao setor. Como se pode depreender do que foi visto no caso ilustrativo operam em todas as dimensões da sociedade, oque não exclui o aparelho estatal:
referido anteriormente, trata-se de uma pesquisa que parte de questões do presente. Este estudo,
com seu objeto específico referente a uma fração particular do empresariado brasileiro, faz parte de Segue-se que todas as lutas no interior do Estado, a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a
um esforço mais amplo de estudo da classe dom inante no Brasil, o que conta com trabalhos de várioS' luta pelo direito do voto etc.1etc., são apenas as formas ilusórias nas quais se desenrolam as lutas reais
outros pesquisadores.4 entre as diferentes classes [gr,ifo nosso]."
Ohistoriador Marc Bloch ensina que, para evitar confusões e imprecisões, é recomendável
que em trabalhos científicos expliquemos os conceitos antes de utilizá-los.5 Como nos postulamos em Assim, um dos objetivos de nossa pesquisa foi identificar as lutas que se operavam no interior
um quadro teórico baseado no materialismo histórico, com inspiração especial nos escritos de Antonio do aparelho de Estado durante aditadura e como os empreiteiros se situavam emmeio aesses conflitos.
Gramsci, a recomendação é especialmente bem-vinda, dadas as discussões e os desentendimentos no Como exposto nesse eem outros textosde Marx, entendemos também que asJutas sociais não ocorrem
campo do marxismo e a inconteste polissemia dos termos enunciados por Gramsci. 6 somente entre as classes, mas também no seio das mesmas, havendo frações de classe em luta, seja
De porte das formula ções de Friederich Engels e Karl Marx, vários autores desenvolveram defi- na sociedade política, seja na sociedade civil. Assim, podemos entender os empreiteiros como uma
nições dos principais conceitosmarxianos. Modo de produçãopode ser entendido como uma articulação fração de classe do empresariado industriale também seus diferentes membros como representantes
específica e histórica entre as forças produtivas e as relações sociais de produção/ e a noção de formação de diferentes frações da burguesia brasileira.
econômico-social alude a uma dada realidade social e histórica em que há combinação, convívio e in- Apesar da análise do aparelho de Estado estrito eda inserção dos empresários no mesmo entre
teração entre diferentes modos de produção, dando o conceito conta da diversidade e unidade de uma 1964 e 1988, um dos nossos objetos privilegiados de estudo é a sociedade civil. Sobre a articulação entre
sociedade em uma determinada época. 8 Nesse sentido, a sociedade brasileira pode ser compreendida sociedade civil e sociedade política, estamos apoiados em Gramsci, que assim se refere a essa relação:
no recorte proposto como uma forma ção social complexa em que vigoravam variadas relações de pro-
dução e formas de trabalho, porémcoma prevalência e o domínio do modo de produção capitalista. Aformulação do movimento do livre-câmbio baseia-ie num erro teórico cuja origem prática não é
Não estamos de acordo com as teses que se referem a relevantes resquícios feudais ou continuidades difícil ide nt ificar, ou seja, baseia-se na distinção entresociedadepolíticaesociedadecivil, que de distinção
do escravismo, vendo mais uma sociedade marcadamente capitalista, complexa e inclusive com um metodológica é transformada e apreientada como distinção orgânica. Asiim, afirma-ie que a atividade
padrão de acumulação mais avançado do que vigente em outras realidades capitalistas, oque nãoexclui econômica é própria da sociedade civil e que o Estado não deve intervir em.sua regulamentação. Mas,
o convívio com formas não assalariadas e não expropriadas de trabalho. Oramo da construção civil dado que sociedadecivile Estado se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que também
anali~ado na tese corresponde, segundo nossa concepção, a um setor industrial da economia, produtor o !iberismo é uma "regulamentação" de caráter eitatal, introduzida e mantida por via legislativa e
de valor e de mercadorias. No caso específico da construção pesada, abordado na pesquisa, trata-se coercitiva." [grifo nosso]
de uma atividade exercida por empresas que produzemobras de grande envergadura, da chamada
infraestrutura, como estradas, usinas de eletricidade e empreendimentos públicos em geral. Portanto, Estamos, portanto, de acordo com a teoria ampliada do Estado, entendendo este não apenas
não entendemos que as empresas analisadas podem ser alocados no chamado setor de serviços da como o conjunto de agências que operam a administração pública, mas incluindo também os chamados
economia, mas sim que seus funcioná rios e operários produzem valor e mais-valia. Trata-se, porém, de apa relhos privados de hegemonia, ou seja, os organismos que compõem a sociedade civil.
uma mercadoria particular-a obra pronta-, não disponível em mercados como outros produtos e que, Baseando-se nessa concepção gramsciana, Nicos Poulantzas propôs uma definição de Estado
além disso, conta em geral comum comprador monopsônico - o aparelho de Estado.9 coerente com as elaborações do pensador italiano:

' Aesse respeito, verificaras pesquisas de Virgínia Fontes, SoniaRegina Mendonça, Théo Piiieiro eseusorientandos, além dos trabalhos Claro que essas obiervações ião apenas premissas; pois o individual-privado não é um limite e sim o
rea lizados por René Armand Dreifusi.
' BLOCH, Marc Leopold Benjamin.Apologia da História, aua Ofício da Hiitoriodor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001[1949]. p. 136-146. canal do poder do Estado moderno, em bora isio não queira dizer que o poder não tenha limites reais,
' Polissemia apontada por ANDERSON, Perry. "As antinomias de Antonio Gramsci". ln:ANDERSON, Perry etal.A Eitratégia Revolucionária mas, sim, que esses limites não se pren dem a qualquer naturalidade do individua l-privado: dependem
no Atualidade. São Paulo:Joruês, 1986. p. 7-74.
7
CARDOSO, Ciro; BRIGNOLI, Héctor. Métodos daHiitória. 6' ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002 [1976]. p. 4S4.
8
GODELIER, Maurice. "Conceito de 'formação econômica e social': o exemplo dos incas". ln: SANTIAGO, Théo Araújo (org.). Américo 10
MARX, K.; EN~ELS, F.AIdeologia Alemã [Feuerbach). 5ª ed. São Paulo: Hucitec, 1986 (1846). p. 48.
Colonial: ensaios. Riode Janeiro: Palias, 1975. p. 11-20. '' GRAMSCI, Anton io. Cade7n75,do-Cctrcere;Volume-3:-Maquiavel;-Nold½ebre-o-E-5tado%a-polí.tica.Jlio.de.1aneiro· Civilização Brasileira,
' Como bem lembrou o professor SebastiãoVelasco e Cruzem nossa defesa de tese, nodia 21de março de 2012. 2000 (1932-1934]. p. 47.
34 Estranhascatedrais Introdução 35

de lutas populares e das relações deforça entre as classes,pois oEstado também écondensação material com otodo social. Da mesma forma, como um estudo histórico, pretendemos ressaltar a historicidade específica
e específica de uma relação de força, queé uma relaçãode classe." [grifo nosso] do período analisado, tentando não cair no equívoco do anacronismo.15
Sobre o período analisado, estamos de acordo com René Armand Dreifuss, entendendo que
Trabalharemos neste livro justamente com essa concepção de Estado como relação social, aquele regime político se configurou como uma ditadura civil-militar, encetada por um golpe de Estado,
diferindo-a das noções que o entendem como um sujeito sobre a sociedade, separado da mesma, ou organizado e implementado por grupos sociais civis e militares.16 Não concordamos, portanto, com
então como objeto passivo e afastado da dinâmica social. De Poulantzas e outros autores inspirados as teses que se referem à uma ditadura militar, ou regime militar, ou qualquer outra concepção que
em Gramsci, também extraímos o conceito de bloco de poder, que se refere à composição diversificada ponha os segmentos militares como líderes autônomos ou mesmo preponderantes daquele regime.
de classes efrações que integram o grupo dirigente em determinado contexto. Quanto ao elemento "civil", concordamos que se deve qualificar o mesmo,1 7 para que não se caia no
Essas considerações sobre a forma de compreender econceituar o Estado ampliado pressupõem erro de homogeneizar grupos sociais diferentes entre si, dado que estes estão assim reunidos - como
uma determinada metodologia de pesquisa. Sobre o método da análise do referido objeto, assim civis- sob a própria ótica da caserna. Entendemos que oelemento civil que compôs a ditadura brasileira
escreveu Sonia Regina de Mendonça: era preponderantemente empresarial, havendo diversos agentes da burguesia brasileira que fizeram
parte do pacto político estabelecido no pós-1964. Sem negar que se trata de uma ditadura do grande
Sabendo qu etais interesses só terão força política uma vez que organizados e qu e tal organização- ou capital,18 consideramos que é necessário atentar para a heterogeneidade e os conflitos no seio da classe
construção da vo ntade coletiva - tem como espaço os aparelhos privados de hegemonia, localizados dominante e para a constante medição de forças e hierarquia entre as frações dos grupos dominantes na
junto àsociedade civil, temos como primeiro passo para o estudo de qualquer agência ou política estatal sociedade brasileira. Assim, estudar oempresariado brasileiro, seus setores particulares, sua organização,
o rastreamento das entidades de classe existentes no momento histórico focalizado, suas prin_cipais .interesses e projetos pode ajudar na compreensão do regime político estabelecido a partir de 1964, dada
demandas ou pressões setoriais, assim corno sua busca pelo aparelhamento de seus quadros junto a a ampla importância das frações empresariais para sustentação do mesmo.
este ou aquele organismo do Estado, mesmo que issose traduza na necessidade de criação de um novo Sobre o marco cronológico, estamos de acordo que a periodização mais adequada para a indicação
órgão. Logo, vê-se que, para chegarmos ao Estado em sentido estrito, é necessário partir do estudo da do fim do regime político ditatorial é o ano de 1988, quando teve início um novo regime constitucíonal.19 Em
sociedade civil, enão ocontrário, como costumeiramente se tem feito.'3 [grifo nosso] nossa tese original, havíamos situado ofinal do corte temporal em 1985, apontando, porém, para vários traços
de continuidade na interface empreiteiros-Estado no período Sarney, principalmente em seus primeiros anos.
Nesse sentido, para compreender o Estado, é preciso ter em mente a organização das classes sociais e Apesar de termos ampliado obalizamento temporal no livro, nossas análises se concentram principalmente até
suas frações no âmbito da sociedade civil. Partindo desse postulado metodológico, assim organizamos nossa oinício de 1985, dada a orientação inicial da pesquisa de usar esse ano como marco final do regime.
pesquisa. Para compreender aditadura civil-militar brasileira, pensamos que não basta enfocar os sujeitos que Existe uma razoável quantidade de pesquisadores que já realizou estudos sobre os empreiteiros
lideraram as agências do aparelho de Estado entre 1964 e 1988- especificamente os militares, como é mais nacionais de obras públicas. Um grupo ligado ao Instituto de Economia da UFRJ contribuiu com estudos
usual na bibliografia -, mas também as classes sociais esuas frações, os organismos da sociedade civil e sua bastante ricos sobre o período aqui trabalhado, trazendo extenso levantamento de material e dados
representação junto ao aparelho estatal, de modo aexplicar as políticas e medidas implantadas no período. quantitativos sobre o assunto. 20 Na Unicamp, foram feitas análises da função e participação dos em-
Para entender aorganização dos empreiteiros em seus aparelhos privados de hegemonia eas políticas preiteiros na política, dando subsídios para a compreensão da ascensão do seu poder. 21 Outros estudos
estatais da época da ditadura, não pensamos a política como dimensão separada do resto da realidade social.
Assumimos opostulado da totalidade, entendendo que ás diversas dimensões do real estão imbricadas entre si e
não podemser entendidas separadas do todo. Como se referiu Pierre Vilar, de maneira crítica às novas tendências 15 Conforme alertou Lucien febvre na obra"O problema da descrença no século XVI". ln: lucien Febvre:história. Coleção Grandes Cientistas
Sociais. São Paulo: Ática, 1978. p. 29-78.
do movimento dos Anna!es nos anos 1970 e 1980: "Toda história 'nova' sem ambição totalizante é uma história 16 DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 417-479.
de antemão velha".14 Assim, pretendemos não perder de vista a relação do objeto específico de nossa pesquisa 17 Conforme ressalta Renato Lemos em "Contrarrevolução editadura no Brasil: elementos pa ra urna periodização do processo político
brasileiro pós-64". ln: V/Congres duCEISAL. Toulouse: 2010. p. 1-21.
" IANNI, Octavio. ADitadura do Grande Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
" Essa indicação foi feitapelo professor RenatoLemos em nossa defesa de tese ese encontraelaborada em "Contrarrevolução .. ." op. cit. p. 1-21.
" POULANTZAS, Nicos. OEstado, oPodere o Socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1980 [1978]. p. 82. " Um livro que traz várias contribuições desses autores é ALMEIDA, Júlio Sérgio Gomes de (org.). Estudo sobre Construção Pesada no
" MENDONÇA, Sonia Regina de. Capítulo 1 - Estado esociedade. ln: MATTOS, Marcelo Badaró (org.) , História: pensar & fazer. Rio de Brasil. Rio de Ja neiro: IEI/UFRJ, 1983 . Euma dissertação que engloba esses estudos éa de CHAVES, Mari lena. Indústria da Construção
Janeiro: Laboratório de Dimensões da História, 1998. p. 24. no Brasil: desenvolvimento, estrutura e di nâmica. Dissertação (Mestrado em EconomiaIndustrial). Rio de Janeiro: UFRJ, 1985.
14
VILAR, Pierre. "Unehistoire em construction". Paris: Gallimard /Seuil, 1982. p.425 apudBÉDARIDA, François. Cap. 18-Tempopresente 21 Destacam-se os trabalhos procedidos ou orientados por Sebastião Velasco eCruz, como ode(AMARGOS, Regina Coeli Moreira. Esrado
epresença da história. ln: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (org.). Usos e Abusos da História Oral. 8' ed. Rio de Janeiro: eEmpreiteiros noBrasii: um-.rrrá'lise-setorial~Bissertação-{Mestrado emCiência Política). Campinas: Unicamp, 1993; eRIBEIRO, Ricardo
EdFGV, 2005 [1996). p. 225. Alaggio. EngenhariaMilitar no Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Campinas: Unicarnp, 1999.
36 Estranhascatedrais Introdução 37

abordam indiretamente esses empresários, ao tratar de grandes obras e projetos, 22 ou então de políticas Apartir da reflexão de Marc Bloch de que os documentos não falam por si mesmos,30 a metodo-
e agências estatais que sofrem influência, pressão e inserção dos empreiteiros. 23 Essas pesquisas foram logia de tratamento da documentação a que se teve acesso foi a de proceder a certas questões às fontes
examinadas em nossos estudos de doutorado e ajudaram-nos a compor o trabalho final, bem como consultadas, que correspondem às próprias perguntas que nortearam a pesquisa. Assim, procurou-se
tentar defini~ uma orientação mais original para a pesquisa. l
.1 questionar como foram formadas as empresas de engenharia historicamente no Brasil; quais eram os
Notamos nos estudos correntes sobre o tema algumas lacunas, pelas quais não se deve culpar 1 principais aparelhos privados de hegemonia dos construtores e como era a sua organização, política
os referidos estudiosos, mas apenas sinalizar a amplitude do assunto, bem como o caráter ainda dimi~ interna, atividades e funcionamento; qua} a atuação desses empresários e suas organizações junto ao
nuto das pesquisas realizadas sobre o mesmo. Em primeiro lugar, notamos a ausência de estudos mais aparelho de Estado e à sociedade de m9:neira mais ampla; e, por fim, como se deu a representação
aprofundados sobre as entidades de classe dos empreiteiros, ou melhor, seus aparelhos da sociedade dessa fração de classe no aparelho estatal durante a ditadura e quais as políticas para o setor entre
civil. Além disso, apesar de haver trabalhos sobre a relação entre empreiteiros e política, nenhum 1964 e 1988. Essas indagações correspondem diretamente à organização dos capítulos do livro, tendo
deles discorreu sobre a interface entre esses empresários e a ditadura civil-militar- brasileira de 1964. sido descartados dois outros projetados originalmente, de modo a valorizarmos mais o que havia de
No que corresponde a aspectos de ordem teórico-metodológica, verificamos a ausência de pesquisas inédito no trabalho com as fontes. Assim, abandonamos a proposta de um capítulo de debate histo-
assentadas na matriz teórico-conceituai do materialismo histórico nos estudos específicos sobre os riográfico sobre a ditadura e o golpe de 1964, dada a existência de ensaios sobre o problema e com os
empreiteiros. Além disso, apesar do tratamento multidisciplinar dado ao tema, notamos a escassez de quais estamos de acordo. 31 Descartamos também um capítulo derradeiro sobre a atuação internacional
uma abordagem histórica desses empresários, em que pese otrabalho com os primados da totalidade das empreiteiras brasileiras durante a ditadura, dada a existência de um trabalho bastante completo
e da historicidade. t justamente nessas lacunas que tentamos construir o nosso objeto de pesquisa, sobre otema, 32 que corresponde ao mesmo período analisado e com abordagem similar à forma como
propondo assim preencher essa ausência na bibliografia. trabalharíamos o assunto.
Tendo como objeto privilegiado de estudos a sociedade civil, fomos à busca das associações de Assim, o plano de redação do livro ficou dividido em quatro capítulos. No primeiro deles,
empreiteiros e as empresas de engenharia, de modo a trabalhar com seus conjuntos documentais. No abordamos a constituição histórica do setor da indústria de construção pesada no Brasil, analisando a
entanto, tivemos dificuldades para obter o aceite dessas instituições para pesquisar em seus arquivos formação histórica do mercado de obras públicas e a estatização da demanda ao longo do século XX;
ou mesmo realizar entrevistas. Diante dessa recusa, também encontrada por outros pesquisadores do a gênese das principais empresas e empresários de engenharia brasileiros, divididos em sua origem
mesmo tema, 24 resolvemos proceder a um estudo dos aparelhos privados de hegemonia dos emprei- · regional; atrajetória do setor ao longo do período ditatorial, sinalizando as diferentes conjunturas vividas
teiros através de fontes indiretas. Consultamos revistas especializadas sobre a indústria da construção ao longo de seus mais de 20 anos; o processo de concentração e centralização de capitais na indústria de
pesada,2s publicações e demais materiais de divulgação dos sindicatos e associações estudados,26 construção pesada durante a ditadura, com a conformação final de um oligopólio no setor; e, por fim, o
memórias de empresários e agentes relacionados ao objeto em estudo,27 algumas entrevistas com processo de ramificação e diversificação das atividades das empreiteiras brasileiras.
sujeitos envolvidos com o objeto de pesquisa e o período trabalhado,2 8 além das fontes produzidas Após a análise da constituição do mercado e das companhias do setor construtor, avançamos
diretamente pelo aparelho de Estado. 29 Com esse conjunto documental, conseguimos elaborar uma em direção à forma como esses empresários se organizavam no âmbito da sociedade civil. Os aparelhos
certa reconstrução do objeto analisado, os aparelhos privados de hegemonia dos empreiteiros, porém, privados de hegemonia dos empreiteiros são otema do segundo capítulo, começando pela análise das
não sem alguns lapsos e ausências. sociedades, institutos e clubes de engenharia, organizações pioneiras dos empresários do setor; em
seguida, tratamos das associações regionais de empresários da construção pesada, primeiras agremiações
" BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta. ONegócio do Século: o acordo de cooperação nuclear Brasil-Alemanha. Dissertação (Mestrado em
História). Niterói: UFF, 2008; LIMA, IvoneTh erezinha Carletto de.ltaipu: as faces deum megaprojeto de desenvolvimento, 1930-1 984. das firmas especializadas em obras públicas; das associações regionais, partimos para a abordagem
Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, 2004. dos aparelhos privados da sociedade civil de porte nacional; depois, tratamos de formas associativas
Nas quais se destacam ALMEIDA, Márcio Wahlers de. Estado e Energia Elétrica em São Paula: CESP, um estudo de caso. Dissertação
ll
relacionadas ao setor da construção pesada, como entidades rodoviaristas, de partes específicas de obras,
(Mestrado em Economia e Planejamento Econômico). Campinas: Unicamp, 1980; CORRÊA, Maria Letícia. OSetar de Energia Elétrica
eoConstituiçãa do fitado no Brasil: o Conselho Nacional de Águas e Energia, 1939-1954. Tese (Doutorado em História). Niterói: UFF, construção imobiliária e relacionadas à engenharia; por fim, tratamos das formas de aproximação dos
2003; PAULA, Dilma Andrade de. Fim de linha: a extinção de ramais da estrada de ferro Leopold ina, 1955-1974. Tese (Doutorado em construtores com outros empresários em organismos específicos da sociedade civil, como em entidades
Histó ria). Niterói: UFF, 2000.
24
Com o indica FERRAZ"Filho, Galeno Tinoco. ATransnacianalização da Grande Engenharia Brasileira. Dissertação (Mestrado em Economia). industriais, empresariais-militares e internacionais.
Campinas: Unicamp, 1981. p. 1-9.
25 30
Como as revistas OEmpreiteiro, Construção Pesada e Dirigente Construtor, em especial a primeira delas. BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da História... op. cit. p. 69-87.
26 31
Como InformeSinicM, publicado pelo Sindicato Nacional da Construção Pesada (Sinicon). MATTOS, Ma rcelo Badaró. "Os trabalhadores e o golpe de 1964: um ba lanço da historiografia". ln: História & Lutasde Classe. n.1 ,
" ComoMEND~S, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Quebra de Contrato: opesadelo dos brasileiros. Belo Ho rizonte: Dei Rey, 2004. ab r/2005. p. 7-18; FONTES, Virgínia. "Historiografia recente sobre o golpe de 1964". ln: 1964 + 40: golpe e campo(u)s de resistência.
28
Como D'ARAUJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (org.). Emesta Geisel. 4ª ed. Rio de Janeiro: EdFGV, 1997. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2004; LEMOS, Renato. "Contrarrevolução ...". ap. cit.
" Como o Diário Oficio/ da União e oDiagnóstica Nacional da Indústria do Construção. " Trata-se de FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnaciona/ização ... op. cit.
38 Estronha,cotedrais

No terceiro capítulo, após mapeadas as formas de organização dos empreiteiros e·mseus apa- CAPÍTULO 1
relhos da sociedade civil, tentamos conhecer a atuação desses empresários junto à sociedade, através
de suas organizações ou não: Assim, tentamos verificar a criação e difusão de projetos mais amplos,
voltados para toda a sociedade e também para o aparelho de Estado. Analisamos em primeiro lugar a AINDÚSTRIA DE CONSTRUÇÃO PESADA BRASILEIRA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
produção ideológica dos empreiteiros, apreendendo sua formulação de ideias, concepções de mundo e
valores a partir de memórias, revistas e publicações dos sindicatos e associações. Em seguida, abordamos Aindústria da construção pesada pode ser considerada uma decorrência da Revolução Industrial
as publicações do setor da construção e a atuação dos empreiteiros junto à imprensa. Através dessas britânica. Se a realização de grandes emp1reendimentos é anterior ao século XVIII e a implementação de
formas de atuação dos empresários da construção junto asegmentos mais amplos da sociedade, tratamos obras públicas é tarefa historicamente associada aos Estados, houve uma modificação qualitativa no
na terceirap arte do capítulo das principais campanhas e mobilizações realizadas pelos empreiteiros. setor com o primeiro processo de industrialização. Adifusão do método fabril na Inglaterra deu novo
Analisamos, em seguida, as formas de articulação dos empreiteiros além de seu círculo de atividades, impulsoao setor de obras civis e a urbanização associada à indústria gerou uma demanda de obras para
junto ao.utros empresários, parlamentares e oficiais das forças armadas. Por fim, abordamos a trajetória a infra estrutura das cidades. Além disso, os novos métodos tecnológicos associados à máquina a vapor
dos principais representantes e intelectuais orgânicos do setor. criaram novos nichos de empreendimentos para a construção pesada.
Tendo em conta a formação do empresariado da construção no país, suas formas de organ ização ARevolução Industrial logo difundiu seus métodos e a mecanização das fábricas têxteis para ou-
em aparelhos privados de hegemonia e atuação junto à sociedade civil e política, chegamos finalmente tras áreas da produção, como a própria construção civil. Esse setor, modificado pelas inovações industriais,
à análise do Estado em sentido estrito no quarto capítulo. Nessa parte do livro, propomos compreender deu origemà indústria de construção, a qual tem como subsetor mais avançado, complexo e mecanizado a
o Estado e as políticas públicas, tendo em conta a articulação e atuação dos empresários do setor, divisão da construção pesada, que abarca as obras de maior vulto e complexidade. Foi em função também
bem como aferindo seu poder e participação na ditadura. Em um primeiro subitem, abordamos as da indústria que se fizeram novas obras de engenharia "necessárias" como a implementação de centros
principais agências da sociedade política sob a influência dos empresários da construção pesada. Em de geração de energia para as unidades fabris. Portanto, a Revolução Industrial proporcionou ao setor da
seguida, partimos para a análise das políticas públicas implantadas ao longo da ditadura que tiveram construção novas demandas e áreas de atuação, além de novos métodos e técnicas.
implicações para as empreiteiras. Em uma parte específica, tratamos das políticas estatais para os Desde seus primórdios, o Estado teve a realização de grandes construções como uma função, o
operários da construção civil e como as medidas e diretrizes impostas pela ditadura repercutiam na que levou inclusive estudiosos a relacionar osurgimento dos primeiros Estados à implementação dessas
vida e no cotidiano do trabalhador desse setor. Apresentamos, em seguida, as "estranhas catedrais", obras.1 Edifícios e monumentos religiosos, canais e obras para fins agrícolas, caminhos e vias públicas,
os grandes projetos de engenharia pós-1964 como expressãodas políticas do período. Por fim, no item muralhas e sistemas de defesa, dentre outros empreendimentos, eram relacionados às principais funções
"tenebrosas transações", analisamos as irregularidades e ilegalidades que envolviam empreiteiras e o dos Estados desde a Antiguidade. Oarregimento de numerosa força de trabalho para implementação
Estado, no período. desses projetos e o caráter muitas vezes monumental de seu resultado foram associados ao poder de
Na conclusão, tentamos proceder a uma análise sintética da relação entre empreiteiros e ditadura Estado e nem sempre operavam no sentido de uma finalidade estritamente econômica.
e, após a retomada de certas conclusões parciais alcançadas ao longo do livro, procuramos estabelecer Dadas essas características, pode-se lembrar outra mudança fundamental com a Revolução
certas reflexões mais amplas acerca das mudanças sentidas no país durante o regime. Industrial. Na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX, as obras foram implementadas em boa medida por
forças privadas. Empresários, industriais e proprietários rurais fizeram canais, estradas, deslocamento
do leito de rios e uso da força hidráulica voltados para seus negócios. Amotivação, a partir de então,
passou aser estritamente econômica, tratando-se de obras direcionadas ao auxílio ou realização direta
do lucro da empresa capitalista. 2
Oséculo XIX marcou um fenômeno novo, com novas motivações, finalidades, métodos, técnicas e
áreas de atuação. Aindústria da construção pesada foi fruto não só da Revolução Industrial, mas também

1 Pa ra uma crítica à hipótese causa l hidráulica, ver CARDOSO,Ciro FlamarionSantana.5ociedades doAntigo OrientePróximo. São Paulo:
Ática, 1986. p. 5-28.
2 Consoante essa nova lógica da construção de obras públicas, é emble mática a fala do emprei teiro Sebastião(amargo acerca de sua
impressão das pirâmides do Egito:"Acho uma obra monumental,como todomundo acha, mas oque eufa ço émais útil".Veja <http://
cimento.org/>. Acesso em30 de julhode 2011.
40 fstranha,catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 41
I
da difusão do modo capitalista de produção e da sociedade burguesa. Com o avanço do predomínio das rando ou retardando a rotação do capital. Adiversidade nos períodos de rotação do capital gera uma
relações de produção e da lógica capitalista nas formações sociais europeias, e no mundo, foram criadas alteração na taxa anual de mais-valia, influindo na taxa de lucro. Assim, o empresário tem a redução
as "necessidades" de obras de infraestrutura, transporte, logística, energia e serviços públicos urbanos, do tempo de rotação como um instrumento para elevar o lucro, aí incluído o tempo de transporte da
atendendo à reprodução do capital e possibilitando sua finalidade principal, o lucro. mercadoria. Aaceleração do contato entre diferentes regiões e a diminuição do tempo de deslocamento
Adifusão dos avanços técnicos e tecnológicos da indústria inglesa levou a mudanças nos estudos de mercadorias de um centro produtor para um consumidor incidem de forma positiva na taxa de
científicos, eassociados às inovações da industrialização eáreas subsidiárias, novos campos de pesquisá lucro do empresário, o que faz com que ele tente constantemente absorver os ganhos técnicos para
ganharam fôlego, em particular na engenharia. Nesse campo os ingleses perderam o pioneirismo que redução do tempo de transporte.ª Aimp.lementação das ferrovias 9 permitia ao empresário produtor de
lhes coubera,~os novos centros de pesquisa e desenvolvimento mais importantes estavam na França, mercadorias elevar seu lucro, o que ajuda a explicar a rapidez com que a novidade foi implantada no
Alemanha eEstados Unidos, principais potências ascendentes do século XIX. Aindústria britâ nica sentiu território europeu e no mundo.
essa falta de incentivo à educação e pesquisa, vendo as potências emergentes dominarem, com suas Se, no século XIX, a maioria das obras de engenharia esteve atrelada à lógica do lucro e redução
empresas, os novos setores da economia moderna, como a indústria elétrica e química. Hobsbawm cita do tempo de transportes das mercadorias e força de trabalho, houve certa modificação nesse padrão no
para ilustrar essa diferença de políticas estatais o fato de, em 1913, a Grã-Bretanha ter 9 mil universitá- século XX. Com a depressão dos anos 30 e os grandes contingentes de desempregados nas economias
rios, contra os 60 mil da Alemanha, formando 350 engenheiros anualmente, enquanto as universidades centrais, os aparelhos de Estado desses países inauguraram políticas públicas que objetivavam a geração
alemãs formaram naquele ano 3 mil engenheiros. 3 de empregos. Com isso, a indústria de construção - em particular a construção pesada - ganhou nova
Aformação universitária principal do avanço científico associado à industrialização, às novas função, tornando-se instrumento das políticas de geração de emprego. Realizando obras que muitas
técnicas e tecnologias foi a Engenharia. Referida etimológica e historicamente à construção de engenhos vezes não tinham uma finalidade prática direta ou lógica lucrativa imediata, as empresas do setor assu-
de guerra e execução de obras com objetivos militares,4 a engenharia teve significativo avanço no século miram um novo nível de atividade e foram catapultadas em seu poder econômico e político. Opróprio
XIX eviu centros de excelência serem formados nas potências ascendentes. AÉcole Politechnique de Paris, John Maynard Keynes, inspirador dessas políticas, na sua obra principal - Teoria Geral do Emprego,Juro e
a Universidade de Berlim e as universidades e os centros de inovação norte-americanos viraram modelos do Dinheiro-, receitou a construção de estradas e obras públicas como saída para a recessão nos Estados
reproduzidos em todo o mundo, e esses países se mantiveram como os três polos de inovação no século XX. 5 Unidos, dados os efeitos de arrasto e ocaráter multiplicador das atividades da indústria de construção.10
As inovações vieram e foram fundamentais para a mudança dos conceitos na indústria de Baran e Sweezy entenderam que esse fenômeno correspondia a uma nova forma ou patamar da orga-
construção e na construção pesada em particular. Oaço ganhou novos métodos de produção em escala nização do capital. Oestado keynesiano se correlacionava com ocapital monopolista e teve oNew Dea/
industrial, incrementando a construção naval, de edifícios, estradas de ferro, montagem industrial, como política nos Estados Unidos dos anos 30. Dentro desse plano, o Tennessee Valley Authority (TVA)
indústria bélica, dentre outras novidades. As descobertas eos novos conhecimentos sobre a eletricidade foi uma espécie de projeto-síntese e incluía uma série de obras públicas, como hidrelétricas, represas,
no século XIX fizeram com que essa forma de energia fosse agregada à indústria e à economia industrial. fábricas, agências de extensão agrícola, incid indo sobre sete estados sulinos com oobjetivo de recuperar
Com ela, veio a indústria elétrica, as grandes empresas do ramo (General Eletric, Westinghouse, AEG, a economia regional e gerar empregos.11
Siemens, Telefunken etc.) e as primeiras usinas de energia do mundo, inclusive as hidrelétricas, cons- Diversas empresas norte-americanas prosperaram nessa nova conjuntura. ABechtel, uma das
truídas na segunda metade do século. 6 Outra novidade tecnológica decorrente da Revolução Industrial maiores construtoras do país, era uma empresa de origem familiar pertencente a Warren Bechtel, que
foi a ferrovia, que modificou profundamente a economia mundial e a construção pesada, fazendo da crescera construindo oleodutos. Nos anos Roosevelt, participou de projetos do NewDeal e do esforço de
implantação de estradas de ferro área prioritária das construtoras no período.7 guerra, quando chegou ao seuauge, ao construir 560 navios para as potências aliadas, além de se envolver-
Aconstrução de ferrovias trazia em sua finalidade uma marca do que indicamos como novidade em projetos atômicos.12 ABechtel e outras empresas de construção pesada norte-americana emergiram
da indústria da construção pesada, não se tratando de uma obra dita "faraônica", mas de um esforço da Segunda Grande Guerra como grandes grupos econômicos e políticos, passando a cultivar forte
subsumido à lógica capitalista do lucro e à utilidade prática do engenheiro. No livro li d'O Capital, Marx inserção no aparelho de Estado e proximidade com outros empresários do complexo industrial-militar.
ressalta que o tempo de transporte é um dos elementos do tempo de circulação da mercadoria, aceie- 8 MARX, Karl. OCapital. São Paulo: Nova Cu ltural, 1985. Livro li, vol. 111. p. 179-86; 237-257.
' Sobre as principais ferrovias do século XIXeiníciodo XX, ver MAURO, Frédéric. História Econômica Mundial; 1790-1970. Rio de Janeiro:
' H0BSBI\WM, EricJ. Da Revolução Industrio / Inglesaao Imperialismo. 3• ed.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1983 11 968). p. 160-180. Zahar, 1973. p. 199-228.
' HONORATO, Cézar Teixeira (org.). OClube de Engenharia no5 Momento5 Decisivo5 da Vida do Brasil. Rio de Janeiro: Venosa, 1996. p. 16. 10 Para isso, ver CHAVES, Marilena . Indústria... op. cil.; eFUNDA<Ã0João Pinheiro (FJP). Diagnóstico Nacional da Indústriada Construção.
1 FERRAZFilho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização ... op. cit. p. 303-314. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. vol. 1.
' Para mais detal hes, ver LI\NDES, David S. Prometeu Desacorrentado: transformação tecnológica edesenvolvimento industrial naEuropa 11 Sobre o TVA, ver BARAN, Paul A.; SWEEZY, Paul M. OCapitalismo Monopofi5ta: ensaio so bre a ordem econômica e social americana.
Ocidental. 2' ed. Rio deJaneiro: Elsevier, 2005 [1969]. p. 257-302. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. p. 64-lí.
7
H0BSBAWM, EricJ. Era das Revoluções. 10' ed. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1997 [1961]. p. 43-69. 11 Revista OEmpreiteiro. Edição de julho de 1968, n'6, ano VII.
42 &tranhascotedrais
Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 43

Como veremos a seguir, a economia brasileira, de certa forma, passou também por esses Outrasferrovias foram realizadas na província fluminense no período imperial, na trilha da produção
diferentes momentos do desenvolvimento da indústria da construção, porém com as características cafeeira, mas na República ofenôm eno perdeu intensidade.18 São Paulo não teve a mesma trajetória, tendo
particulares da dependência econômica e da formação histórica nacional. a Santos-Jundiaí como primeira estrada de ferro nos anos 1860 e, desde então, acelerada expansão na
construção ferroviária, oque prosseguiu ese acentuou após 1889, seguindo aexpansão cafeeira eatingindo
Aformação histórica da indústria da construção pesada no Brasil 13 outros estados, quase sempre com capitais e tecnologia estrangeiros.19 Outras regiões do país tiveram suas
ferrovias construídas na segunda metade do século XIXe início do XX, principalmente interligando regiões
O início das atividades da indústria da construção pesada no Brasil não foi fruto de processo produtoras de artigos voltados para exportação a cidades portuárias. 20
endógenOde industrialização, nem decorrência do desenvolvimento de uma economia urbana própria. Arede fe rroviária brasileira foi construída, grosso modo, entre 1870 e 1940, quando atingiu o
As primeiras ornas que marcam a atuação desse ramo industrial no país - notadamente as ferrovias tamanho semelhante ao que tem nos dias atuais. Amalha chegou a crescer nos anos 1950, porém retraiu
- foram realizadas por empresas dos centros dinâmicos da economia capitalista europeia. Aatuação na década seguinte, dada a política de erradicação de terminais considerados deficitários. Várias estradas
desses capitaisforâneos na economia brasileira no século XIX não visava acelerar o tempo de rotação de ferro construídas e administradas por companhias estrangeiras foram encampadas pelo aparelho de
cio capital industrial local, mas reproduzir a acumulação escravista e colonial ali dominante.14 Estado, sendo um caso disso o da Leopoldina. 21 Depois de passar por momento de crise com a baixa do
Antes disso, até meados do século XIX, as obras públicas no Brasil tinham por característica o uso preço do café, após 1929, firmas ferroviárias deixaram de ser lucrativas, sendo absorvidas pelo aparelho
da força de trabalho escrava e reprodução da condição colonial da economia. As obras principais eram de Estado, transferidas para os patrimônios da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e Fepasa, a companhia
os caminhos que ligavam regiões produtoras de artigos de exportação às cidades portuárias da costa. estadualde ferrovias de São Paulo, 12 sendo que a mudança do controlador da empresa possibilitaria uma
Outro caso é o das obras urbanas, para manutenção das condições de existência das cidades coloniais modificação nas empresas de engenharia que lhes prestavam serviços.
brasileiras, como o aqueduto da Carioca, no Rio, em 1723, que mobilizou numerosos escravos. Amaioria Associadas a essas empresas estrangeiras que aportavam no Brasil no século XIX e implantavam e
desses empreendimentos era de iniciativa do poder público, não sendo área de atuação típica dos grupos exploravam oserviço do transporte sobretrilhos, companhias atuaram no país na área de serviços urbanos.
privados dominantes, os proprietários de escravos e terras eos homens de negócio. Acidade escravista Dos centros dinâmicos do capitalismo vinham fiimas que exploravam carris urbanos, esgoto sanitário,
colonial era marcada pelo trabalho cativo e pela condição colonial da economia, tendo características iluminação pública e outros empreendimentos.23 Assim como as companhias ferroviárias, essas empresas
rurais, vias estreitas, falta de projetos urbanos e de edificação e parcos serviços públicos.15 demandavam obras e serviços de engenharia, realizados muitas vezes pela própria empresa ou por outras
firmas estrangeiras.
Um primeiro modelo Essas companhias estrangeiras ferroviárias e de serviços urbanos foram os ambientes de trabalho
de alguns dos primeiros engenheiros formados no Brasil. Ainstituição de ensino de engenharia mais antiga
Ocomeço das atividades da indústria de construção pesada no Brasil coincide aproximadamente do pa ís foi a Academia Real Militar, de 1810, espécie de continuação da antiga Academia Real de Artilharia,
com o início da segunda metade do século XIX, momento em que a sociedade brasileira principiava a Fortificação eDesenho, de 1792. Na academia militar eram formados intelectuais militares, dotados de saber
transição doescravismo ao capitalismo. Aprimeira ferrovia do Brasil foi iniciada em 1851, ligando ofundo para erguer obras, sendo que os membros do Exército e da Marinha tinham então grande relevância no
da baía de Guanabara ao contraforte da serra de Petrópolis. Tratava-se de um empreendimento de lrineu setor, atuando emcomissões responsáveis por obras públicas no Império. Ainstituição sofreu reformulações
Evangelista de Sousa, porém com tecnologia e obra realizada por capitais ingleses.16 Foram sobretudo até a criação do curso de engenharia civil e, em 1839, passou a se chamar Escola Militar, organizada nos
empresas inglesas e francesas as responsáveis pela realização das ferrovias brasileiras no século XIX. A moldes da Éco/e Polytechnique francesa. Na segunda metade do século, o instituto foi dividido em Escola
estrada de ferro Dom Pedro 11, por exemplo, foi obra da companhia britânica de Edward Price, sendo Central, de 1858, e Escola de Aplicação do Exército, concretizando a divisão dos ensinos de engenharia
que ela ligava a Corte do Rio ao interior da província, no Vale do Paraíba, e sua função principal era o
transporte de produtos, eminentemente o café das fazendas do vale para o porto.17 " Ver LAMEGO, Alberto Ribeiro. OHomem eaSerra. ln: Setores da Evolução Fluminense. Rio de Janeiro: IBGE, 2007 [1950]. p. 299-423.
" LAPA, José Roberto do Ama ral.A Economia Cafeeira. 6' ed . Sáo Pau lo: Brasiliense, 1998 [1983]. p. 11-55.
" Um estudo sobre esse processo é fe ito em FJP. Diagnóstico... op. cit. vol. 2: Formação Histórica. p. 1-76. " Ver PAULA, Dilma Andrade de. "ferrovias e rodovias: o dualismo da política nacional de transportes no Brasil". ln: MENDONÇA, Sonia
" EL-KAREH,AlmirChaiban. "ACompanhiaEstrada de Ferro Dom Pedro li: uma tentativa capitalista no Brasil imperial, 18SS-1865". ln: GRAHAM, Reg ina de (org .). Estado eHistoriografia no Brasil. Niterói: EdUFF; FAPERJ, 2006. p. 206-229.
Richard (org.). Ensaiassobre aPolítica eoEconomia Fluminense no SéculoXIX. Rio deJaneiro: Arquivo Nacional; UFF, 1974. p. 129-177. 21
Paraesse caso, ver MOURA, Gerson. Sucessos e/fusões: relações internacionais doBrasil duranteeapós aSegundaGuerraMundial. Rio
15
BENCHIMOL, Jayme larry. Pereiro Passos, um Haussmann Tropical: renovação urbana na cidade do Rio de Janeiro no início doséculoXX. Rio de deJaneiro: EdFGV, 1991 . p. 79-89.
Janeiro: Secretaria Municipal de Culturado Rio de Janeiro, 1990. p. 21-39; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Nos Caminhos da Acumuloção: " PAULA, Dilma Andrade de. Fim de Linha. op. cit. p. 85-119.
negócios epoder no abastecimento de carnes verdes para acidadedoRiode Janeiro (1808-1835). São Paulo: Alameda, 2010. p. 174-177. 13 ABREU, Maurício de Almeida. Evolução Urbana do Riodelaneira. 2' ed. Rio deJaneiro: lplanRio /Za har, 1988 [1987]. p. 35 -69; ROCHA,
" CALDEIRA, Jorge. Mauó: empresário do império. São Paulo: Companhiadasl etras, 1995. p. 291. Oswaldo Porto. AEra das Demolições: acidade-d!ímo-de-Jarreiro, 1880-1920. 2ª ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura,
11
PAU LA, DilmaAndrade de. Fim de Linha. op. cit. p. 48-84.
1995. p. 29.
44 fstranhas<atedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 45

civil e militar. Em 1874, a Escola Central se transformou na Escola Polytechnica, passando ao domínio do escolhidas para realizar obras no país. Em diversas ocasiões, essas obras portuárias foram realizadas
Ministério do Império efuncionando no Largo de São Francisco, no centro do Rio. Nessa escola foi formada concomitantemente com profunda remodelação urbana, outra área de atuação das empresas de
a primeira geração de engenheiros brasileiros, incluindo nomes como Francisco Pereira Passos, Paulo de engenharia, como é o caso das reforma s de 1902 a 1906 no Rio, bastante documentadas e fartamente
Frontin, Conrado Niemeyer, Belford Roxo, Carlos Sampaio, Vieira Souto e Francisco Bicalho. Parte deles estudadas na historiografia. 29
fundou o Clube de Engenharia, em 1880. 24 Essas e outras reformas urbanas tinham como característica reincidente a culpabilização das
Nas últimas décadas do século XIX e primeiras do XX, foram formadas outras escolas de engenharia: moradias das classes subalternas por problemas de saúde pública, inclusive com acriminalização desses
AEscola de Minas, projeto de cientistas franceses, data de 1876 etambém em Minas vieram depois oInstituto grupos sociais e suas práticas. Esse diagn:óstico levava ao desalojamento de tais pessoas e sua exclusão
Eletrotécnico de ltajubá, aEscola de Engenharia de Juiz de Fora ea Escola Livre de Engenharia, criada em Belo de certos espaços urbanos, preenchidos por avenidas largas, edifícios públicos e projetos de construção
Horizonte em 1912. AEscola Politécnica de São Paulo data de 1894 edali saíram os fundadores do Instituto de imobiliária. Essas políticas levavam a uma dupla oportunidade para o capital associado à construção.
Engenharia, que recebeu engenheiros também da Escola Politécnica Mackensie, de 1896. Pernambuco teve De um lado, criava novos nichos de atuação em áreas desocupadas, que viravam regiões valorizadas do
a sua Escola Politécnica ea Escola de Engenharia de Recife; outros centros universitários semelhantes foram perímetro urbano, com edifícios comerciais e residenciais luxuosos (como as avenidas Central e Beira-
criados em Porto Alegre, Salvador e Curitiba. Alocalização dessas escolas está relacionada à distribuição -Mar no Rio, inauguradas com a reforma Pereira Passos e que tinham os metros quadrados mais caros
geográfica das primeiras, maistradicionais e poderosas empresas de engenharia do país. Essas instituições da cidade). De outro, a perda da residência pelas pessoas que antes habitavam esses locais criou um
atuaram tambémcomo centros de recepção edifusão de tecnologias estrangeiras, principalmente em seu importante ramo de atuação das construtoras na Primeira República, as habitações populares e vilas
princípio, quando tais centros eram mais recebedores do que produtores de conhecimento. Técnicas como operárias. Principalmente na capital do país, com as seguidas intervenções urbanas municipais houve
as do concreto armado e do concreto protendido foram temas de cursos e pesquisa em laboratórios dessas a potencialização da questão habitacional, tornando o ramo da construção de moradias populares
faculdades, sendo depois assimilados por engenheiros e empresas. 2s mercado em crescente expansão. 30
Um dos principais engenheiros formados no Brasil no século XIX foi André Rebouças, que trabalhou Outras cidades do país registraram crescimento acelerado nesse momento, relacionado ao
na construção de ferrovias no Paraná e na reforma do porto do Rio nos anos 1870. Apesar da atuação de processo de industrialização, sendo o caso mais expressivo o de São Paulo, que a partir da década de
Rebouças, as obras portuárias eram objeto de ação privilegiada de firmas estrangeiras. Associados às 1920 virou o principal centro fabril do país. Atrela do ao aumento do número de habitantes, a cidade
ferrovias na materialização da estrutura dependente da economia brasileira, os portos nacionais eram viu crescer as atividades da construção imobiliária e as obras de infraestrutura urbana, para atender
objeto de aíticas de navegadores etécnicos, emespecial odo Rio, pelas más condiçõesde armazenamento, à indústria e seus rnoradores. 31 Além das remodelações e obras que atendiam ao crescimento urbano,
atracamento, burocracia, asseio etc. Não à toa, o porto do Rio foi o principal alvo das reformas urbanas foram criadas cidades planejadas, com muitos serviços para firmas da engenharia. Anova capital do
dos governos Rodrigues Alves e Pereira Passos e, após uma ampla remodelação e adaptação às novas estado de Minas, por exemplo, foi projetada pelo engenheiro do Clube de Engenharia, Aarão Reis, e
tecnologias náuticas feita por firmas inglesas, figurou como principal entrada de produtos estrangeiros no começou a ser construída em 1894. 32
país e15° do mundo em atividade no início do século.26 Arealização, expansão ou reforma de um porto ou Outra área de atividade das empresas de engenharia e que depois projetou as construtoras
ferrovia envolvia o manejo de intensa força de trabalho, como o porto de Santos, cuja construção chegou brasileiras corno líderes mundiais foi a das barragens e usinas hidrelétricas. Aprimeira usina de ele-
a empregar mil operários. 27 tricidade brasileira que usava a força hidráulica data de 1883, no Riberão do Inferno, Norte de Minas,
Ana Célia Castro afirma que as principais atividades de construtoras estrangeiras no país no por iniciativa de franceses associados à Gorceixeà Escola de Minas. Logo em seguida, foi construída a
final do século XIX e início do XX se davamnas obras ferroviárias e portuárias.28 Muitas vezes vinculados central hidrelétrica de Marmelos, em Juiz de Fora, com equipamentos norte-america nos, voltada para
aos financiamentos de casas bancárias forâneas, eramsobretudo empresas de engenharia de fora as a indústria têxtil local, e registraram-se outras iniciativas similares, com consumo local e pouco capital
" HONORATO (org.). OClube... ap. cit. p. 15-28; ROCHA. AEra das Demolições. op. cit. p. 42-43; MARINHO, Pedro Eduardo Mesqu ita de ernpregado. 33 Amudança no setor ocorreu com a instalação de grandes empresas de eletricidade, na
Monteiro. "Ocentauro imperial e o 'pa rtido' dos engenheiros: a contribuição das concepções gramscianas para a noção do Estado
ampliado no Brasil império". ln: MENDONÇA, Sônia Regina de (org.). Estado eHistoriografia no Brasil. op. cit. p. 55-70. Para uma análise " Ver bibliografia em Revista Rio de Janeiro. Dossiê: Reforma Pereira Passos. N° 10. Rio de Janeiro: Uerj; Fórum do Rio de Janeiro;
do en genheiro, ver KAWAMURA, Lili Katsuco. Engenheiro: trabalho e ideologia. 2• ed. São Paulo: Atica, 1981. Laboratório de Políticas Públicas, maio-agosto, 2003.
25 INSTITUTOdeEngenharia.Engenharia noBrasil: 90 anos do Instituto deEngenharia, 1916-2006. São Paulo: Instituto de Engenharia, 2007. p. 11-57; " Ver, para isso, LOBO, Eulália Maria Lahmeyer; CARVALHO, Lia de Aquino;STAN LEY, Myriam. Questão Habitacional eo Movimento Operário.
SICEPOT-MG. Rumo ao Futuro: a construção pesada e odesenvolvimento de Minas. Belo Horizonte: Sicepot-MG, 2005. p. 9-19. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 1989. p. 7-69.
26 BENCHIM0L, JaimeLarry. Pereira Passos.op. cit. p. 51-52; ROCHA, Oswaldo Porto.A Era das Demolições. op. cit. p. 98-103. Para o porto 31 Umexemplo é o viaduto de Santa lfigênia, feito com financiamento estrangeiro, como se vê em Revista OEmpreiteiro. 100 Anos de
do Rio, ver CRUZ, Maria Cecília Velasco e. "Oporto do Rio de Janeiro no séculoXIX: uma rea lidade de duas faces". Tempo. n° 8. ago-dez Engenharia Brasileira. São Paulo: OEmpreiteiro; Univers, 12000]. p. 34-35. · _
de 1999. Rio de Janeiro: Setteletras, 1999. p. 1-18; LESSA, Carlos. ORio de Todos os Brasis. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 183-235. 32 Ver mais detalhes sobre a construção de Belo Horizonte emSINGER, Paul Israel. Deienvolvimento Econômico eEvolução Urbana. Sao
11
Sobre o porto de Santos, ver HONORATO, Cezar. OPolvo eoPorto. São Paulo: Hucitec; Santos: Prefeitura Municipal deSa ntos, 1996. p. 97-154. Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. p. i99-2ó9.
" Apud FERRAZ Filho, Ga lena Tinoco. A rransnacionalização... op. cit. p. 31-1 09. n SICEP0T-MG. Rumo ao Futuro. op. cit. p. 31-163.
.46 füranhascatedrais A indústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 47

virada do século XIX para o XX. Em 1899, foi formada em Toronto a São Paulo Rai!way Light and Power, Modificando omodelo
com capitais canadenses, ingleses e norte-americanos. 34 Até então, predominavam as usinas térmicas,
ea Light passou a investir intensamente em hidrelétricas, ajudando a consolidar o modelo elétrico bra- Entre 1930 e1955, houve um período de mudanças estruturais na sociedade eno Estado brasileiro, com
sileiro. Sua primeira usina foi a de Parnaíba, no Tietê, erguida entre 1899 e 1901 por750 operários. Com políticas públicas voltadas para a promoção da industrialização. Essas políticas passavam pela montagem de
capacidade instalada de 3 megawatts, era então a maior hidrelétrica do Brasil e foi a principal fonte de várias agências estatais e um reposicionamento da indústria de construção na economia. Durante o li Império
eletricidade de São Paulo até 1914. Depois veio a hidrelétrica de Fontes (velha), no ribeirão das Lajes, ern e a Primeira República, o Estado pouco corytratava emtermos de obras públicas, sendo os principais empre-
Piraí, feita entre 1905 e 1908, com 24 MW (depois, 154 MW), para atender a cidade do Rio. Em seguida, endimentos de engenharia demandados ppr empresas privadas, sobretudo estrangeiras. Esse modelo sofreu
vieram Ilha dos Pombos (1924), no Paraíba do Sul, com 183 MW; Fonte Nova (1940); Santa Cecília (1952); modificações já a partir da terceira década do século XX. Com as alterações na estrutura do aparelho de Estado 38
Vigário (1952f Nilo Peçanha (1952), com 380 MW; e Pereira Passos (1962), com 100 MW. As obras eram ao longo das décadas de 20, 30 e40, novas funções foram agregadas à prática de órgãos estatais, fazendo com
realizadas pela própria Light, pela norte-americana Morrisen Knudsen ou pela inglesa Hugo Cooper.35 que o aparelho de Estado se tornasse em diversas ocasiões o realizador de obras públicas. Com alterações e
Com a criação da The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited, em 1904, a aperfeiçoamentos posteriores, a função de empreender as obras foi novamente deslocada para aárea privada,
empresa passou a atuar também no Rio, controlando os serviços de fornecimento de energia elétrica, então nota damente para empresas nacionais.
gás, telefone e carris urbanos de Rio e São Paulo, tendo também estudos de quedas-d'água e pesquisas Onovo modelofoi adotado paulatinamente, com idas e vindas, sendo a década de 1930 um marco.
sobre o potencial hidrelétrico dos rios brasileiros.36 Uma medida institucional marcante do período foi a legalização e regulamentação da profissão de engenheiro,
Concorrendo com a Light, ogrupo Guinle formou em 1909 a Companhia Brasileira de Energia Elétrica dando origem aos Conselhos Regionais de EngenhariaeArquitetura (Creas) e ao Conselho Federal de Engenharia
(CBEE), que inicialmente atendia à Companhia Docas de Santos. Aempresa ergueu a UHE de ltatinga, iniciada e Arquitetura (Confea).39 Essas alterações no aparelho de Estado e nas políticas públicas foram condicionadas
em 1901, com 15 MW, e a hidrelétrica de Jurubatuba. ACBEE foi adquirida na década de 1920 pela Americon pelas mudanças no sistema internacional e nas relações econômicas externas brasileiras entre 1914 e 1945.4º
Foreign & Power, a Amforp, ligada ao grupo norte-americano Bond &Share, que se tornou a segunda força da Com a crise detonada em 1929, a economia brasileira, centrada no setor agroexportador, sobretudo de café,
energia elétrica no país, depois denominada Energias Elétricas do Brasil, a EEB. AAmforp comprou aCompanhia sofreu um forte abalo em virtude do rebaixamento dos preços de produtos básicos nos mercados internacionais.
Paulista de Força e Luz, a CPFL, dos grupos Armando Salles de Oliveira e Silva Prado, em 1927, o que lhe conferiu Celso Furtado lembra que a economia brasileira recebeu um duro golpe com a quebra da bolsa de Nova Iorque
atuação no interior de São Paulo, dividindo a geração, transmissão e distribuição da maior parte da energia e suas consequências, mas logo voltou a crescer no início da década de 1930, deslocada do seu antigo centro
elétrica no país com a Light, em um duopólio. Enquanto ogrupo canadense dominava as regiões do Rio eSão dinâmico. Aindústria e os setores da economia brasileira voltados para omercado interno sofreram abalos com
Paulo, a Amforp atuava no resto do país, tendo presença consolidada no interior paulista, no Sul, em Minas (onde a crise, mas logo voltaram a crescerem 1931, sendo que a produção industrial de 1933 era a mesma da de 1929,
detinha a Companhia de Força e Luz de Minas Gerais, a CFLMG) e nas capitais nordestinas. Ogrupo também foi com forte tendência de alta.41
responsável por diversas usinas hidrelétricas, em geral trazendoempresasestrangeiras para sua construção, tal Com as dificuldades de importação durante adepressão dos anos 30, eauxiliado por políticas favoráveis,
como fazia a Light.37 a fabricação de bens de produção necessários à indústria de construção teve crescimento acentuado. Nos anos
Assim, o primeiro modelo da indústria de construção pesada no Brasil vigorou aproximada- 20, foram montadas algumas usinas de aço privadas, como a São Caetano, do grupo Jafet, em São Paulo, e a
mente entre 1850 e 1930, com obras voltadas predomi nantemente para reforçar o caráter dependente maior produtora do país então, a Companhia Siderúrgica Mineira, em Sabará, depois renomeada de Belga-
da economia nacional, além de estabelecer uma tímida infraestrutura urbano-industrial. As empresas -Mineira, iniciada em 1917. Aprodução de ferrosos teve altas a partir de então e, em 1920, a produção nacional
que atuaram nesses serviços eram sobretudo estrangeiras, oriundas de países como Grã-Bretanha, de ferro-gusa era de 14 mil toneladas, passando a 35.300 em 1930 e 64 mil em 1935. As reorientações políticas
França, Estados Unidos e Alemanha. após ogolpe de 30 afetaram diretamente o setor, com a criação da Comissão Siderúrgica Nacional, em 1930,
que levou à implantação da usina de Volta Redonda pela Companhia Siderúrgica Nacional na década de 1940. A
" Para maisinfo rmações sob re a light e outras compa nh ias elétricas, ver HANSEN, Cláudia Regina Salgado de Oliveira. "Adisputa pelo partir de 1946, a CSN passou a funcionarna condição de maior usina siderúrgica do país eosetor foi consolidado
mercado de eletricidade no Distrito Federal: a Guinle & Cia, a Riolight e a imprensa carioca em 1905". ln: GU IMARÃES, Carlos Gabriel; posteriormente por duas iniciativas estatais com participação privada no período JK, a Companhia Siderúrgica
PINEIRO, rhéo lobarinhas; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira (org.) Ensaiosde HistfJria Econômíco-sociol: sécu los XIX e XX. Niterói:
EdUFF, 2012. p.1 09-127.
35
<http://www.lightrio.eom.br/>; Revisto do C/ube de Engenharia. Edição de novembro de 1955, nº 231; BANDEIRA, l uiz Alberto " Para as modificações no Estado e políticas públi cas, que se relacionam às mudanças na indústria de construçã o, ver MENDONÇA,
Moniz. Presença dos Estados Unidosno Brasil: dois séculos de história. Rio de Janeiro: Civil ização Brasileira, 1973. p. 121-124; Revista O Sônia Regi na de. Estado eEconomiana Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 13-38; OLIVEIRA, Francisco de. AEconomiada Dependência
Empreiteiro. 100 Anos.. . op. cit. p. 24-25; ALM EIDA, MárcioWahlers de. Estado eEnergia ... p. 28-150. Imperfeita. 2' ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977. p. 76-92.
" LIMA, Ivone Therezinha Carletto de.ltaipu:as faces de um mega-projetodedesenvo lvi mento, 1930-1 984. Tese (DoutoradoemHistória). " CLUBEde Engenharia (ROTSTEI N, Jaime). EmDefesa da Engenharia Brasileira. op. cit. p. 1-102.
Niterói: UFF, 2004. p. 19-90. 40 Para isso, ver HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das letras, 1994. Pa rte um.
37
ALMEIDA, Márcio Wa hlers de. Estado eEnergiaElétrica em São Paula. op. cit. p. 5-27. 41 FU RTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 27• ed. São Pau lo: Compa nhia Editora Nacional/ Publ ifolha, 2000 (1959]. p. 189-258.
48 Estranhos catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 49

Paulista (Cosipa) e a usina Intendente Câmara (Usiminas). Com esses três polos siderúrgicos principais - Volta Marinho, diretor da Carteira de Hipotecas da Caixa Econômica Federal (CEF), afirmou que o problema da "casa
Redonda, Cubatãoe lpatinga-, ficou estabelecida abase para desenvolvimento da indústria brasileira, incluindo popular" estava inscrito no "primeiro plano do programa do eminente presidente Getúlio Vargas".45 Um dos
a indústria de construção.42 motivos dessas políticas era atentativa de desmobilizar asformas organizativas dostrabalhadores. Eulália Lobo
No outro material fundamental usado pela indústria de construção, os anos 20 a 50 foram marcados destaca que, desde aRepública Velha, um objetivo das isenções eincentivosà construção dehabitações populares
por uma arrancada na produção. Sem a presença de empresas estatais, a ·produção de cimento foi objeto de era enfraquecer o movimento operário.46 Por vezes, isso ficava obscurecido ou tácito, mas alguns documentos
atuação do capital privado nacional e estrangeiro,sendo a primeira fábrica do país comumente apontada como indicam essa intenção. Em correspondência p~ra opresidente do IAPI, Gabriel Pedro Moacyr, em1952,o ministro
ado coronel Antônio Prost Rodovalho em sua fazenda, em SãoRoque, no final do século XIX. Adécada de 1920 é do Gabinete Civil da presidência, Lourival Fontes,afirma que "(a] construção de casas para vendas aos associados
marco na expansão do setor com crescimento anual da produção em 15,5% e ainstalação em 1926 da Companhia é um privilégio contra ocomunismo, pois dá ao associado osentido de propriedade".47
Brasileira de Cimento Portland, de grupo canadense. Aprodução teve queda entre 1929 e1932 e se recuperou em Associado a esse motivo e intentando atingir um setor das classes populares não atendido pelos IAPs
seguida, atingindo a autossuficiência no final dos anos 30. Entre 1943 e 1952, o consumo aparente de cimento e CAPs, foi criada em 1946 a Fundação Casa Popular (FCP), iniciativa conjunta do Estado eda Igreja Católica que
cresceu a taxas médias de 13%ao ano.43 incluía a Fundação Leão XIII. Com oobjetivo de construir conjuntos habitacionais para as classes de baixa renda,
Outro marco dessa quebra de modelo a partir dos anos 20 foi a criação dos institutos previdenciários a FCP funcionou até 1960, sendo responsável por quase17 mil unidades habitacionais. Alémdela, aCEF também
e ouso de seus fundos para ofinanciamento habitacional. Com a lei Elói Chaves, de 1923, foram criadas e re- participava do financiamento imobiliário.48
gulamentadas as primeiras organizações previdenciárias do país, as caixas de aposentadorias e pensões (CAPs), Aimplementação dessas políticas de financiamento de unidades habitacionais criou nicho de atuação
que tinham fonte tripartite de financiamento: dos empregados, das empresas e dos consumidores. Nos anos para empresas de engenharia. Como veremos, firmas de construção pesada atuavam tambémem empreendi-
30, foram criados os institutos de aposentadorias e pensões (IAPs), que, em princípio, coexistiram com as CAPs m'enfos imobiliários. Oimportante a reter é oaquecimento desse mercado com as verbas dos fundos dos IAPs,
e, depois,absorveram-nas. Eram estruturas mais verticalizadas eatreladas ao Estado, comum novo conceito de CAPs, CEF e FCP. Só os institutos de aposentadorias e pensões foram responsáveis, entre 1932 e 1966 (quando
contribuição tripartite que incluía recursos dos empregados,empresas e governo, sendo este ocentralizador da foram extintos), pela construção de aproximadamente 115 mil unidades habitacionais.49
arrecadação. Vieram o IAP dos marítimos (IAPM), dos industriários (IAPI), comerciários (IAPC), bancários (IAPB), Relacionado ao processode industrialização, asociedade brasileira entrou em novo ritmo de crescimento
servidores do Estado (lpase) eempregados de transporte e cargas (lapetec). Em 1935, um decreto criou conta no demográfico eurbano nos anos 1920 e 1930.Além de atender à necessidade de novas moradias, ofornecimento
Banco do Brasil em nome do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), formando o"Fundo Geral de de serviços públicos einfraestrutura urbana era outra demanda crescente. Na década de 1920, foram elaborados
Garantia eCompensação das Caixas e Institutos de Aposentadorias e Pensões''. cujos recursos seriam aplicados planos de reordenamento urbanomais ambiciosos que os anteriores. Projetos como "Os Grandes Melhoramentos
~ - em investimentos rentáveis pelo Conselho Nacional do Trabalho. Com essa estrutura, os institutos criaram car- de São Paulo" eo"Plano de Avenidas''/° para a capital paulista, eoPlano Agache, para a capital federal, tiveram
teiras prediais, que, desde a década de 1940, financiavam aconstrução de conjuntos habitacionais ea compra diretrizes e elementos concretos realizados nos anos 30 e40.51 Além disso, novos aparatos urbanos foram cons-
de imóveispara os associados. Apesar da presença de sindicalistas nas instâncias deliberativas dos institutos, truídos nos anos30 e40, como os aeroportos Santos Dumont, no Rio, e Congonhas, em São Paulo, eos estádios
o poder maior nesses órgãos era dos representantes do aparelho de Estado, convertendo-se os institutos em de futebol, o Pacaembu na capital paulista e oMaracanã na capital federal. 52 Arealização dosmesmos e outras
instrumentos de políticas públicas para a habitação.44 obras urbanas proporcionaram áreas de atuação para as empreiteiras.
Na campanha presidencial de 1950, as equipes de Outra ede Vargastravaram uma batalha de números Outro ramo reformulado nesse contexto foi o de saneamento, que, apesar das intervenções
sobre ofinanciamento habitacional: Aequipe do presidente Outra acusava ogoverno Vargas de ter construído urbanas anteriores aos anos30, só contou com órgão público específico no Estado varguista. Criado em
apenas 12.305 "casas populares" através dos institutos e5.019 pelas CAPs em 15 anos, enquanto oseu governo
teria sido responsável por 41.313 unidades pelas IAPs e6.225pelas caixas em quatro anos. Independentemente " CPDOC-FGV. Arquivo Getúl io Vargas (GV). Correspondência. GV e1949/1950.00.0012; Correspondência. GV c1950/1 953.00.00/2. <http://
www.cpdoc.fgv.br/>. Acesso em 9 de janeiro de 2009.
das acusações, Vargas trouxe a política habitacional para ocentro deseus discursos e, em pronunciamento no 1° 46 LOBO, EuláliaMaria L.; CARVALHO, Lia de Aq uino; STAN LEY, Myriam. Questão... op. cit. p. 26-69.
de maio, afinnou que faria 30 mil moradias populares em sua gestão. Já iniciado ogoverno, o coronel Gilberto 41 CPOOC-FGV. Arquivo Getú lio Vargas (G V). Co rrespondência. RJ. 2f. Referência: GV c 19S2.02.04/2.
48 FONTES, Virgínia. Continuidades eRupturasnaPolítica Habitacional Brasileira. op. cit. p. 82-104.
49 FONTES, Virgínia. Continuidades eRupturasna Política Habitacional Brasileira. op. cit. p. 82-104.
" INSTITUTO de Engenharia. Engenharia no Brasil. op. cit. p. 56-85; Revista OEmpreiteiro. 100 Anos de Engenharia Brasileira. op. cit. p. 50 Para ambos, ver INSTITUTO de Engenharia. Engenhària ... op. cit. p. 11-53; p.·'56-85.
48-49; MOURA, Gerson. Sucessos eIlusões. op. cit. p. 3-25. 51 Pa ra o PlanoAgache eas obras no Rio dos anos 1920 aos 1940, ver CARVALHO, Carl os Delgado de. História da CidadedoRio deJaneiro.
43
Para maiores informações, ver PROCHNIK, Victor. ADinâmica daIndústria de Cimento no Brasil. Dissertação (Mestradoem Economia 2ª ed. Coleção Biblioteca Ca rioca. Rio deJaneiro: Secretaria Municipal de Cu ltu ra, 1994 (1926). p. 93-106;ABREU, Maurício deAlmeida.
Industrial). RiodeJaneiro: UFRJ, 1983. Evolução... op. cit. p. 71-91;LI MA, Evelyn Furquim Wern eck.AvenidaPresidenteVargas : uma drástica cirurgia. RiodeJaneiro: Secretaria
44
FONTES,Virgínia. Continuidades eRupturas naPolítica Habitacional Brasileira, 1920-1979. Dissertação demestrado emHistória. Niterói: Municipal de Cultura, 1990; LEAL, Ma ria da Gl ória de Fa ria. A Construção do Espaço Urbano Cariow no Estada Novo: a indústria de
UFF, 1986. p. 43-61; p. 74-82. Ver mais em ANDRADE, Eli Gurgel. O(Des)equilibrio da Previdência Social Brasileira, 1945-7997: componentes construção civil. Dissertação (Mestrado em História). N!terói~Uff, 1987. p. 13-18.
econômico, demográfico e institucional. Tese (Doutorado em Demografia). Belo Horizonte: CEDEPLAR- FACE- UFMG, 1999. " Para essas obras, ver RevistaOEmpreiteiro. 700AnosdeEngenharia Brasileira. op. cit. p. 44-47; p. 54-55.
50 Estranlws catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 51

1891, o Ministério da Indústria, da Viação de Obras Públicas (Mivop) sofreu alteração em 1906, quando José Linhâres, oórgão foi remodelado com oDecreto-lei nº8.846, que orenomeou para Departamento Nacional
deixou de tratar da indústria, tema transferido para o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio de Obras Contra aSeca (DNOCS) eotransformou nãomais em realizador, porém contratador de obras públicas.
(Maic). Eni decreto de 1910, ficou estabelecido que competiam ao Ministério de Viação e Obras Públicas Odepartamento era importante na administração federal e, no governo JK, foi incumbido de parte do projeto
(MVOP) osassuntos relativos às estradas de ferro e de rodagem, navegação marítima, fluvial e aérea; rodoviário do Plano de Metas, com aFortaleza-Brasília, contratando empresas privadas para fazê-la. Enfim, com
as obras públicas federais nos estados e no distrito federal; a exploração e navegabilidade de rios e
desobstrução de canais e pontes. Voltado mais para viação e transportes, o ministério não dispunha J a Lei nº 4.229, de 1°de junho de 1963, o DNOCS virou uma autarquia federal. 55
Essa eoutras alterações institucion,ais dogovernoJosé Unhares que beneficiaram as empresas privadas
de instância específica para o saneamento e não tinha atribuições claras a esse respeito. Oprimeiro de engenharia foram implementadas por ~mpresáriosdo setor ligados ao Clube de Engenharia e que estavam
organismo federal a tratar do assunto foi a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, de 1933, àfrente das agências estatais estratégicas como o MVOP. Essa transferência da funçãoda construção de obras
transformada em departamento três anos depois. Oórgão foi responsável por obras de saneamento públicas do poder estatal para oprivado foi fundamental para ofortalecimento das empresas no setor da cons-
no entorno da Baía de Guanabara e contratou o principal engenheiro brasileiro que atuava no setor trução pesada. Análogo ao DNOCS, importante para as construtoras nordestinas, temos ocaso da energia elétrica.
então, Saturnino de Brito. Com o tempo, os serviços se avolumaram e incluíram a transformação de AConstituição de 1891, seguindo a reação descentralizadora oposta ao centralismo imperial, determi-
pântanos empôlderes, realização de aterros, canais, diques, canalização de rios, barragens, viadutos, nou que as riquezas do subsolo edos rios pertenciam aos proprietários dos terrenos eaos municípios e estados,
obras auxiliares, preparação de terrenos para rodovias (caso da Rio-São Paulo), fertilização do solo e ficando o poder de concessão de lavras e exploração de quedas-d'água com o poder local. Como vimos, a
irrigação. Com essas obras, a Baixada Fluminense foi transformada em centro produtor de alimentos para implantação do parque gerador de energia elétrica na Primeira República foi obra quase exclusiva de empresas
abastecimento da capital durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1940, o órgão passou a ter atuação privadas, cabendo-lhes a pesquisa sobre potencial hidráulico e localização de quedas para instalação de usinas.
nacional sob a denominação de Departamento Nacionalde Obras de Saneamento (DNOS), atrelado ao As mudanças começaram na década de 1920, quando foi formada a Comissão Federal de Forças Hidráulicas no
MVOP e com as atribuições de executar a política nacional de saneamento ambiental em áreas rurais e âmbito do Ministério da Agricultura. Esse órgão, de 1928, contava com engenheiros etinha como função levantar
urbanas. 1ransformado em autarquia em 1962, 53 o organismo foi importante ao proporcionar mais um opotencial hidrelétrico nacional.56
nicho de atuação para as empresas de construção pesada. Modificações mais profundas ocorreram após o fim da Primeira República. Em 1933, o poder das
Um exemplo de obra de saneamento que demandou serviços a empreiteiras foi o abastecimento de empresas de energia elétricafoi limitado com ofim da cláusula-ouro, que permitia ajustes tarifários baseados
água para oRio a partir dos anos 30. No final dessa década, foi construída a adutora de Ribeirão das Lajes para na depreciação da moeda nacional, causando protestos dos consumidores, em especial os usuários de bondes
regulariza ro abastecimento da capital, ainda dependente de pequenas adutoras que não garantiam suprimento urbanos. Postulado em projeto de 1907, foi instituído pelo governo, em 1934, oCódigo de Águas, documento
seguro e contínuo.Aobra ficou acargo da nacional Dahne, Conceição &Cia egerou conflito com a Light, que tinha que marcou ruptura nas políticas públicas para o setor elétrico. Com ele, ficou organizada e regulamentada a
aconcessão de uso desse ede outros rios do Vale do Paraíba. Apesar dos protestos da companh ia estrangeira, as produção de energia elétrica no país, com atransferê11cia de incumbências estaduais e municipais para a União,
duas adutoras ficaram prontas nos anos 40, sendo depois complementadas pelas duas adutoras Guandu-Leblon, como a fiscalização, aprovação de tarifas e concessão de lavras e quedas-d'água. Ocódigo previa também à
construídaspor empresas ligadas ao grupo Light nos anos 1950 e 1960.54 U11ião odireito deencampar concessões quar.idofosse do interesse público e previu a progressiva nacionalização
Outro departamento governamental que atuou em obras públicas eteve importância regional foi ode das fontes de energia elétrica. Essa centralização e institucionalização das políticas para o setor ganhou força
obras contra aseca. Criado na gestão de Nilo Peçanha pelo Decreto nº 7.619, de 1909, a Inspetoria de Obras contra nos anos 30 com a criação de mais duas agências estatais: o Conselho Federal de Forças Hidráulicàs e Energia
aSeca (locs) realizava intervenções no Nordeste para minimizar os efeitos das oscilações pluviométricas locais. O Elétrica (CFFHEE), responsável pelo aproveitamento hidráulico eestudos relativosà indústria elétrica no país; e,
órgão teve nome alterado para Inspetoria Federal de Obras Contra aSeca (lfocs)em 1919, mas manteve afunção principalmente, o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), de 1939, encarregado de propor ao
de realizar diretamente obras nem sempre ligadas ao problema da seca, como açudes, estradas, pontes, portos, governo medidas que permitissem ampliar as instalações e o aumento da capacidade do complexo gerador,
ferrovias, hospitais, campos de pouso, redes de energia elétrica, telégrafos ehidrelétricas.OClube de Engenharia transmissore distribuidor.57
era entusiasta das ações do organismo eaté a reformulação de suas funções, em 1945, a inspetoria não contratava Em 1940, 98% da produção de energia elétrica do país era controlada pelo capital privado.
empresas para realizar as obras, fazendo-as com seu próprio pessoaleequipamentos, oque acaracterizava como Apesar de a Constituição de 1946 ter abandonado o princípio da nacionalização de jazidas e fontes de
a maior empreiteira nacional. No curto, porém impactante (principalmente para a construção pesada), governo
55 <http://www.dnocs.gov.brl>.Acessoem 18 dejaneirode2011; FERRAZ Filho,Galeno Tinoco.A Transnocionalização... op. cit. p.31-109;
" LAMEGO, Alberto Ribeiro. OHomem ea Guanabara [1948]. ln: Setores da Evolução... op. cit. p. 269-376; <http://www.an.gov.br/>. Revista do Clube de Engenharia. Edição de março de1955, n° 223.
Acesso ern 27 dejaneiro de 2008. " LIMA, Ivone T. Cde. ltaipu. op. cit. p. 19-90; INSTITUTO de Engenharia. Engenharia... op. cit. p. 11-53 .
" Para o tratamento pormenorizado desse caso, ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. "Aformação do gra nde capital brasileiro no " LIMA, Ivone Therezinha Carletto de. itoipu. op. cit. p. 19-90; INSTITUTO de Engenharia. Engenharia no Brasil. op. cit. p. 11-53; SICEPOT·
setor da indústriade construção: resultadospreliminares de um estudo sobre causas eorigens". Trabalho Necessário, Niterói: UFF, ano -MG. Rumo oo Futuro. op. cit. p. 31-163. Para o CNAEE, ver CORRÊA, Maria Letícia. OSetor de Energia Elétrico ea Constituição de Estado
7, n. 9, p. 1-23, 2009. no Brasil. op. cit.
52 Estmnhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 53

energia elétrica,58 o avanço do aparelho estatal sobre o setor continuou, o que era uma vitória para as energia, incluindo outras atribuições. 61 Já em abril de 1961, após sete anos de tramitação ecom pressão
construtoras nacionais. Representante disso foi o projeto da Companhia Hidrelétrica do Vale do São contrária da Light, o Congresso aprovou pela Lei nº 3.890 a criação da Eletrobrás, holding que incorpo-
Francisco (Chesf) e da usina de Paulo Afonso. rava Chesf, Furnas, Chevap (Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba) e Termochar (Termelétricas de
Criada em 1945, a Chesf era uma empresa estatal voltada para auxiliar o desenvolvimento Charqueadas S.A.). Criada em sessão do CNAEE, em 1962, com a presença do presidente da República,
regional do Nordeste, sob a inspiração do Tennessee Val!ey Authority, tendo como projeto construir a Eletrobrás tinha verbas oriundas do empréstimo sobre energia elétrica, instituído em 1962, e do
um complexo de exploração de energia elétrica, irrigação e navegação. Com equipe do Ministério da IUEE, aprovado em 1964.62 Com esses re~ursos depositados no fundo de eletrificação, a estatal e suas
Agricultura, que estudava as quedas-d'água do rio São Francisco, a Chesfcomeçou em 1948 a construir subsidiárias foram instrumento para fortalecer as grandes construtoras brasileiras durante a ditadura,
a hidrelétrica de Paulo Afonso, a maior do país então, sob a justificativa de que a Amforp só atendia com obras de hidrelétricas e linhas de transmissão, que ficaram a cargo de um grupo seleto de empresas
às capitais nordestinas e não chegava ao interior dos estados. Apeculiaridade de Paulo Afonso é que, e que constituiriam o grande capital no setor.
sendo demandada por um novo contratador, o aparelho estatal, e não mais as empresas privadas es- Outra estatal importante para osetor de construção pesada, nesse caso criada no próprio go-
trangeiras, suas obras também ficaram sob a competência do próprio Estado. Assim, oprojeto foi tocado verno Vargas, foi a Petrobras (BR). Antes da sua formação, osetor de petróleo já movimentava osetor da
µelos quadros do Serviço Geológico e Mineralógico (SGM) e da Chesf, liderados pelo seu coordenador, o c_onstrução, porém com o predomínio de empresas estrangeiras. Obras anteriores à criação da BR foram
engenheiro Octávio Marcondes Ferraz. Paulo Afonso representou uma espécie de ponto de transição nos as refinarias gaúchas Riograndensee lpiranga e a paulista Matarazzo, nos anos 30. Oprimeiro campo de
modelos de construção hidrelétrica no país, já que, tendo como contratador uma empresa pública - como exploração comercial de petróleo no país foi aberto em 1928, na Bahia, onde foi construída a refinaria de
passou a sera padrão desse momento em diante-, sua obra ficou sob a incumbência da própria estatal, Mataripe, em 1946. Já a primeira planta petroquímica no país é de 1946, no Paraná, feita por empresa
enquanto as futuras obras estariam sob o encargo de empresas privadas, notadamente nacionais. 59 norte-americana. Da segunda metade dos anos 40 data também o primeiro oleoduto nacional, entre
Apesar de caracterizado como projeto mais voltado para o desenvolvimento regional, a Chesf Santos e São Paulo, e, em 1950, o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) começou a construir a refinaria
fazia parte de uma política mais ampla de intervenção estatal no setor elétrico. Consoante oCódigo de Presidente Bernardes, em Cubatão, sendo que em 1954 entrava em operação a maior refinaria do país,
Águas eas instâncias burocráticas criadas nos anos 30, ogoverno Vargas elaborou entre 1943 e 1946 um Capuava. Aabertura e operação de poços de petróleo e a construção de refinarias, polos petroquímicos
primeiro Plano Nacional de Eletrificação, a cargo de técnicos do Conselho Federal de Comércio Exterior e dutos de gás e petróleo eram atividades exercidas desde os anos 30 e que envolveram posteriormente
(CFCE). Após o interregno do período Outra, quando o projeto não teve andamento, a volta de Vargas à a atuação das empresas de engenharia nacionais, com o marco decisivo da criação da estatal brasileira
presidência da República levou à retomada de uma política nacional de eletrificação. Apesar das pressões de petróleo, em 1953. Após envio do projeto de criação da estatal para o Congresso, foi aprovada lei de
sofridas, em 1953, chegou ao Congresso o Projeto de Lei nº 3.204, com o Plano Federal de Eletrificação, corte mais nacionalista e estatista que a original, criando uma empresa totalmente estatal que execu-
de autoria de Jesus Pereira Soares e outros. Ele criava o Imposto Único sobre Energia Elétrica (o IUEE) e taria o monopólio de pesquisa, lavra, refino, transporte marítimo e por dutos, administrada pelo CNP. 63
o Fundo Federal de Eletrificação (FFE), aprovados após a morte de Vargas, assim como a nova estatal, a Avitória não foi apenas dos estudantes e outros grupos sociais que viram suas mobilizações
Eletrobrás. Várias discussões ocorreram sobre oprojeto, e uma forte polarização foi notada nos seminários serem recebidas positivamente pelos parlamentares. Como fica patente nessa entrevista anônima de
promovidos pelo Instituto de Engenharia de São Paulo. Os ataques às propostas não impediram que um empreiteiro, a criação da BR e a sua primeira gestão representou uma oportunidade para o capital
alguns técnicos críticos do projeto exercessem funções nas autarquias criadas, como Octávio Marcondes nacional da construção pesada e da montagem industrial:
Ferraz, que presidiu a Eletrobrás entre 1964 e 1967, mesmo tendo.sido contra a criação da estatal. 60
Lei de junho de 1960 criou o Mi.nistério de Minas e Energia (MME), que incorporou o CNAEE e Não houve, vamos dizer assim, uma predeterminação por parte do Governo, mas, naturalmente, houve
a Divisão de Águas, antes sob a alçada do Ministério da Agricultura. Instalado em fevereiro de 1961, o a "benção"; alguns membros do Governo que acompanharam essa ideia. Por exemplo, um homem
novo ministério passou a ser área de atuação privilegiada das grandes empreiteiras, as barrageiras. As que ajudou muito dentro do Governo foi Juracy Magalhães [...]. OJuracy começou esse processo de
funções do novo ministério eram estudar e despachar todos os assuntos relativos à produção mineral e ajudar as firmas nacionais; o processo aí se ampliou e tornou-se ativo ao longo da vida da Petrobras.

58
LIMA, Ivone Therezi nha Carletto de. ltaipu. op. cit. p. 19-90. " Para as atribuições do MME, <http://www.a n.gov.br/>; ver ta mbém LIMA, l. l C. de. ltaipu. op. cit. p. 19-90.
59
ALMEIDA, Júlio Sérgio Gomes de; DAIN, Sulamis; ZONINSEIN, Jonas. Indústria deConstrução e Política Econômica Brasileira do Pós-Guerra:
62 LI MA, Ivone Therezinha Carletto de. ltaipu. op. cit. p. 19-90; <llttp://www.eletrobras.gov.br/>;
relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: IEI/UFRJ, 1982. p. 1-145. " POÇAS, BernardoGalheiro.A Construção da PetroquimicanoBra,i/: sucessos e limitações. Monografia de Final de Curso (Pós-Graduação
60
CORRÊA, Maria Letícia. "Os projetos para o setor de energia elétrica bmileira no segu ndo governo Vargas: o debate no Instituto de em Engenharia de Petróleo e Gás). Niteró i: [s. n.j, 2O09:-p.?õ-Zií; CHAVES, Mariiena. AIndústria... op. cit. p. 78-i37; Revista do Clube
Engenharia de São Paul o". ln: MENDONÇA, Sônia Regina de (org.). OEstado Brasileiro: agências eagentes. Niterói: EdU FF /Víciode Leitura, de Engenharia. Edição de março de 19S5, nº 223. Mais sobre acri ação da BR em MOURA, Gerson.A Campanha do Petróleo. São Paulo:
2005. p. 79-95; LIMA, Ivone Therezinha Carletto de. ltaipu. op. cit. p. 19-90; ALMEIDA; DAIN; ZONINSEIN. Indústria... op. cit. p. 1-1 45. Brasiliense, 1986. p. 76-90.
54 Estranhascatedrais A indústriade construção pesada brasileira em perspectiva histórica 55

[.. .] APetrobras sempre deu a op0rtunidade para as empresas se habilitasse m [sic] a novos campos da ferrovias, 67 e uma frase do presidente virou lema dos rodoviaristas brasileiros, quando ele afirmou que
técnica ... se "encostassem" numa fi rma estrangeira para absorver a tecnologia. "governar é povoar; mas não se povoa sem se abrir estradas, e de todas as espécies; governar é pois
[...] Acontratação dos trabal hos de uma em presa de engenharia é um ato de fé, porque está tudo no abrir estradas".68
chão. Eo que você vai fazer? Você tem que acreditar no que eu faço. [... ] Então é possível que alguma Aimportância da gestão fed eral Washington Luís em relação às obras rodoviárias se deve
empresa do Estado tenha tido alguma relutância. [...] mas a tendência, decididamente, era contratar a i principalmente à regulamentaçãoda Lei nº 1.835-C, que criou um fundo especial para construção e con-
empresa brasileira." [grifo e supressões feitos pela entrevistadora] servação de estradas de rodagem, com r~cursos de um imposto adicional sobre combustíveis e veículos
importados, o que inspirou a futura legislação rodoviária brasileira e o próprio fundo administrado pelo
Com_o veremos adiante, a Petrobras não representou apenas suporte às empresas nacionais DNER (criado em 1937). Ogoverno W. Luís foi responsável também pelos primeiros planos rodoviários
para obtenção de contratos e apreensão de tecnologias, mas ainda um incentivo regional, dado que os nacionais, projetando estradas implantadas posteriormente, e construiu a Rio-Petrópolis e a Rio-São
quadros _da empresa inicialmente eram dominados por pessoal vindo do Nordeste, principalmente da Pa ulo, sendo esta rodovia reformulada no governo Dutra. Ela passou por uma retificação de traçado e
Bahia, e suas atividades também eram centradas naquela região. redução de 701 km, tendo sido reinaugurada em 1951 como BR-2 ou rodovia Presidente Dutra. 69
Sea construção de hidrelétricas ajudou a consolidar as maiores firmas de construção pesada e Com o golpe de 1930, orodovia rismo do governo Washington Luís foi, em um primeiro momento,
as obras relacionadas à indústria petrolífera auxiliaram na formação das empresas de alta especialidade associado à República Velha, e a Comissão de Estradas de Rodagem foi extinta, passando a Inspetoria
técnica na engenharia, otipo de empreendimento que mais marcou a atuação dasempreiteiras brasi !eiras de Estradas de Ferro a tratar do tema. Após novasarticulações e mudanças nas correlações de forças no
histórica mente foi a construção rodoviária. Aimplementação de estradas de rodagem envolveu pequenas aparelho de Estado, houve uma retomada do projeto rodoviário e, em 1934, foi criado o Plano Nacional
empresas, que realizavam trechos simples e agiam como subempreiteiras das maiores construtoras, de Viação, incluindo a rodovia Transbrasiliana, que cortaria oterritório nacional de Sul a Norte. Oantigo
e companhias médias e grandes, envolvidas nos projetos rodoviários mais ambiciosos dos tempos de órgão foi recriado sob o título de Comissão de Estradas de Rodagem Federais, transformado em 1937
JK e da clitadura. Apolítica de construção de estradas em larga escala no país teve início na década de em Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, o DNER. Subordinado ao MVOP e dirigido pelo
1940, sobretudo após as mudanças institucionais implementadas em 1945. 65 Conselho Rodoviário Nacional, o DNER tinha como competência elaborar o plano nacional, executar e
Boa parte das primeiras rodovias brasileiras foi assentada sobre traçados de antigas trilhas de fiscalizar obras e melhoramentos e policiar as estradas. Oórgão se tornou, após reformulação em 1945,
tropeiros, como a antiga Rio-São Paulo. Na Primeira República, a lógica liberal dominante ficou explícita a principal agência estatal de atuação dos empresários da construção pesada e o mais importante
na construção rodoviária, o que foi o caso da Rio-Teresópolis, feita pela entidade privada Sociedade contratador de obras públicas do país. Era também um dos órgãos que mais empregava pessoal na
uvil dos Amigos de Teresópolis, que tinha como um dos líderes Carlos Guinle, presidente do Automóvel administração pública fede ral, tendo 30 mil empregados em 1966. 70
Club do Rio de Janeiro. Após a realização da estrada pela sociedade, seguindo a lógica da estatização Dura nte aSegunda Guerra, com as dificuldades para realização do comércio de cabotagem e de
da atividade contratante, o governo Dutra determinou que o DNER ficasse responsável pela rodovia. 66 exportação e importação, o programa rodoviário ganhou fô lego, com oobjetivo de integrar os principais
As políticas federais de construção rodoviária foram inspiradas no modelo dos estados mais centros produtores e consumidores do território. ~essa conjuntura, foi criado o projeto da Rio-Bahia e,
prósperos. Um exemplo foi a administração Washington Luís no estado de São Paulo, cuja importância em 1944, foi lançado um plano quinquenal para o setor, o Plano Rodoviário Nacional (PRN), instituído
dada àconstrução de estradas de rodagem foi depois repetida em sua gestão fe deral, entre 1926 e 1930, pelo Decreto-lei nº 15.093.71
marco nas políticas rodoviárias no país. No estado de São Paulo.,_entre 1920 e 1924, Washington Luís ficou Amudança maior veio na gestão Jos~Unhares, com oengenheiro Maurício Joppert da Silva como
conhecido como "governador estradeiro" pela implementação de rodovias como a São Paulo-Ribeirão ministro de Viação, no breve período de 29 de outubro de 1945 a 31 de janeiro de 1946. Encarregado de
Preto e a São Paulo-Sorocaba, além da pavimentação da São Paulo-Santos e dos projetos das rodovi as reformar o Planode Viação de 1934, Joppert montou equipe com técnicos do Clube de Engenharia, como
interestaduais Rio-São Paulo, São Paulo-Cuiabá e São Paulo-Curitiba. Sua administração iniciou também Edison Passos e Régis Bittencourt, e lançou - sob a influência das políticas do governo W. Luís - a "Nova
a estrada São Paulo-Pouso Alto, que se tornou a parte paulista da Rio-São Paulo, completada em seu Política Rodoviária do Brasil", através do Decreto-lei nº 8.463, de 27 de dezembro de 1945. Achamada
trecho fluminense justamente quando Washington Luís assumiu a presidência da República. Paulo de
" Ver CLUBE de Engenharia . Luta pela Engenharia Brasileira. op. dt. p. 193-199.
Frontin afirma que no governo federal Washington Luís o projeto rodoviário ganhou autonom ia das 68
SINICESP. ASagadaCanstruçãoPesadaem SãaPau/o. Vinhedo, SP: Avis brasi lis, 2008. p. 82-93. Ver também PAULA, Dilma Andrade de.
Fim de Linha. op. cit. p. 48-84; SINICESP. ASaga... op. cit. p. 82-93; CLU BE de Engenharia. Luta... ap. cit. p. 193-199.
" PAULA, Oilma Andrade de. Fim de Linha. op. cit. p. 120-188; Revista OEmpreiteiro. 700 Anos de Engenharia Brasileira. op. cil. p. 16-19;
64
Entrevista anônima. ln: CHAVES, Marilena. AIndústria de Construção no Brasil. op. cit. p. 118. SINICON. Dais Brasis. ap. cit. p. 12-23; <http://www.transportes .gov.br/>.
65
Sobre as primeiras estradas de rodagem feitas no país, ver CLUBE de Engenharia. Luta pela Engenharia Brasileira. Rio de Janeiro: 7° CLUBE de Engenharia.Luta... op. cit. p. 187-199; <http://www.an-.g-ov-.b-r/> - ,-ac-,s-sa-do-em_ 2_7-de-ja-ne- ir-o-de-20-08; KUBITSCHEK,Juscelino.
Engen haria, 1967. p. 193-199; Revista OEmpreiteiro. 700 Anos... op. cit. p. 16-19. Por Que Construi Brasília. Riode Janeiro: Bloch, 197S. p. 72-75.
71
" SINICON. Dois Brasis: o que a infraestrutura está mudando. Cotia: Eolis Produções Culturais, 2009. p. 12-23. FERRAZ Filho, Galeno T. A Transnacionaliiação ... ap. cit. p. 31-109; SINICON. Dois... op. cit. p. 12-23.
56 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 57

Lei Joppert reorganizou o DNER, dando-lhe autonomia financeira e administrativa, além de Uma Divisão Penteado. Em sua gestão, Penteado foi responsável pela abertura da Santos-Jundiaí, conhecida como estrada
de Planejamento. Alei criou o Fundo Rodoviário Nacional (FRN), que contava com recursos do Imposto dos sentenciados, por ter utilizado o trabalho de detentos, prática comum nas obras rodoviárias. Participou
Único sobre Combustíveis Líquidos e Lubrificantes Minerais (IUSCL), de 1940. De sua arrecadação, 40% também da construção da Campinas-ltu, São Paulo-Santos (primeira estrada brasileira totalmente pavimentada),
eram direcionados para o DNER e 60% para estados, territórios e Distrito Federal. OFRN deu suporte à São Paulo-Sorocaba e São Paulo-Bananal. Já em 1936, foi criado o Plano Rodoviário Estadual e a interventoria
realização do PRN, provendo verbas ao DNER e disponibilizando um fundo garantidor que seria usado Adhemar de Barros deu início às obras da Anchieta em 1939, a primeira autoestrada nacional, ligando Santos a
para a tomada de empréstimos, inclusive no exterior. OFRN potencializou também programas estaduais São Paulo; e da Anhanguera, entre São Paulp eJundiaí, indo depois até Campinas.77 Nas décadas de 1940 e1950,
de obras rodoviárias, implementadas pelos Departamentos de Estradas e Rodagens (DERs) estaduais, ovigor da construção de estradas em São paulo aumentou com as verbas do FRN.
sendo o pau~sta e o mineiro os mais consistentes. Empresários do setor afirmaram em entrevistas que a Aação das federações na contratação de obras públicas ocorreu também nos empreendimentos de
Lei Joppert deu o ponto de partida para a história das construtoras nacionais.72 ODNER recebia também energia elétrica. Seguindo o exemplo mineiro, o governo do engenheiro Lucas Nogueira Garcez (1951-1954)
dotações do Orçamento da União, em somas expressivas, em especial nos anos 50 e 60. Além disso, em · · planejou aexpansão da geração etransmissão de energia elétrica em São Paulo. Naquele momento, a CPFL, do
1952, aalíquota do imposto sobre combustíveis e lubrificantes foi majorada, oque deu suporte ao programa grupo Amforp, construía a hidrelétrica de Peixoto (depois rebatizada marechal Mascarenhas de Moraes), no rio
rodoviário do Plano de Metas de JK.73 Grande, e a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do grupo Ermírio de Morais, construía a UHE de Jequiá. O
ALeiJoppertconstitui, portanto, omarco central da história da construção rodoviária no Brasil e deu governo Garceziniciou aconstrução da usina de Salto Grande, no r1º Paranapanema, com oobjetivo de eletrificar
origem aoramo principal de especialização das empreiteiras. Apartir desse momento, osistema rodoviário, aferrovia Sorocabana,e criou a primeira estatal paulistade eletricidade,a Usinas Hidrelétricas do Paranapanema
já responsável por aproximadamente 50% do transporte no país, teve forte arrancada e, em três décadas, (Uselpa), em 1953, que iniciou a construção da usina de Jurumirim. Em seguida, foi criada em 1955 aCompanhia
80% do transporte de cargas e passageiros no Brasil era realizado em rodovias. Aconstrução de estradas Hidrelétrica do Rio Pardo (Cherp), para construir a usina Euclides da Cunha, e oambicioso projeto da Companhia
passou então a utilizar mais maquinário, em princípio importado e depois produzido no Brasil, sobretudo Hidrelétrica de Urubupungá (Celusa), voltada para transformar o Tietê e o rio Paraná em polos econômicos,
por empresas multinacionais. Oestopim para o processo de modernização da construção rodoviária foi com hidrelétricas e eclusas para transporte fluvial, em associação com os estados vizinhos, sendo que, para
dado nas obras da rodovia presidente Dutra, tios anos 40. Depois, a Instrução 70 da Sumoc (de 1953) criou sua realização, foi formada a Comissão Interestadual da Bacia do Paraná-Uruguai (Cibpu). Em uma reunião da
facilidades à importação de máquinas, oque reforçou ouso desses meios de produção nas obras rodoviárias.74 comissão, engenheiros da Cemig apresentaram a contraproposta de Furnas, no rio Grande, fazendo com que a
Acompra de equipamentos pelas construtoras brasileiras deu início a uma aproximação das empreiteiras comissão se dividisse nos dois principais projetos hidrelétricos do país dos anos 50 e 60, Furnas e Jupiá, sendo o
com empresas como Caterpillar, Terex(do grupo GM), FiatAllis (do grupo Fiat), Komatsu ea nacional Villares. primeiro dirigido pelo governo federal de JK, e osegundo, pelo governoestadual paulista. O"planinho paulista"
Acriação do FRN deu vigor a projetos rodoviários estaduais e federais, como a BR-4 (Rio-Bahia), é onome dado à iniciativa estadual no ramo da energia elétrica, que contou com a colaboração de Jesus Soares
iniciada na década de 1940 e então maior rodovia da América Latina; a BR-3, ou nova Rio-Belo Horizonte, Pereira, e que reunia as companhias Uselpa, Cherp, Celusa e outras, unificadas em 1966 na Cesp. 78 Amáquina
concluída no final da década de 1950, realizada parcialmente sobre o traçado original da estrada União e estadual paulista foi uma grande contratadora de obras públicas e hidrelétricas em particular, superando muitas
lndústria;a BR-2,ou Rio-Porto Alegre, feita por trechos - Rio-São Paulo, São Paulo-Curitiba, Curitiba-Lajes vezes ogovernofederal em recursos contratados. Por isso, oestado foi berço das maiores empreiteiras brasileiras,
e Lajes-Porto Alegre - e totalmente concluída no governo JK.75 . escoradas por agências estaduais que protegiam as construtoras locais, em especial no setor barrageiro. Apesar
Os gastoscom transportes correspondiam a51,3% do plano quinquenalSalte (projeto do governo Dutra do peso de São Paulo, oestado que mais inovou e criou projetos depois transformados em modelo nacional foi
voltado para as áreas de saúde, alimentação,transporte eenergia) e, em 1953, Vargas admitiu em pronunciamento Minas Gerais, com seus audaciosos projetos rodoviário ede energia.
preferência pelas rodovias. OFRN impulsionou também a pavimentação de estradas, oque se fortaleceu com a Ao contrário da fed eração paulista, o governo de Minas transformou a sua Inspetoria de
criação da Petrobrase produção de asfalto pela estatal.76 Estradas de Rodagem em DER apenas em 1946, após a criação do FRN. Como secretário do governo
Em alguns estados, a prioridade para a construção de estradas era anterior à política nacional, como Mi lton Campos, o engenheiro Lucas Lopes foi um dos principais defensores da criação do DER-MGe do
São Paulo, onde essa diretriz teve continuidade após a gestão estadual de Washingotn Luís. ODepartamento uso das verbas do FRN, contra a opinião do secretário Israel Pinheiro, que defendia investimentos em
de Estradas de Rodagemde São Paulo (DER-SP) foi criado em 1934, antes do DNER, proveniente da antiga Ins- ferrovia s. Semum projeto mais ambicioso nesse âmbito até então, o governo estadual Kubitschek foi o
petoria de Estradas de Rodagem de São Paulo, órgão dirigido pelo engenheiro Joaquim Timótheo de Oliveira
77 SINICESP.A Saga... op. cit. p. 54-6S; Revista OEmpreiteiro. 700Ano~ ... op. cit. p. 16-19.
72
Em FERRAZ Filho, Gale no Tinoco. ATransnacionalizaçâo... op. cit. p. 31-109. 78 ALMEIDA.Júlio Sérgio Gomes de; DAIN, Sulamis; ZONINSEIN, !onas. lndústriade(onsrruçõo ... op. cit. p. 1-14S; ALMEIDA, MárcíoWah lers
73
ALMEIDA,Júlio Sérgio Gomes de; DAIN, Sulamis; ZON INSEIN,Jonas. Indústria... op. cit. p. 1-145. de. Estado eEnergia Elérricaem São Paulo... op. cit. p. 151-332; QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande: a história das maiores
" CHAVES,M. AIndústria... op. cit. p. 29-77; FERRAZ Filho, G. T.A Transnacionolizaçâo... op. cit. p. 31-109. obrasdo país dos homens que as fizeramccSã~r;iiva; Vigf!ía, 2008. p. 131-149; INSTITUTO de Engenhari a. Engenharia... op.
75
PAULA, Dilma Andrade de. Fim de Linha. op. cit. p. 120-188; SINICON. Dois Brasis. ap. cir. p. 12-23. cir. p. 88-125; Revista OEmpreiteiro. 700 Anos... ap. cit. p. 126-127; CORRtA, Maria Letícia. "A participação dos técn icos ...". ap. cit. p.
76
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer(org.). Rio de Janeiro Operário. Rio de Janeiro: Access, 1992. p.1 97-221. 147-165; FERRAZ Fi lho, Galeno Tinoco.A Transnocionolizaçõo ... op. cir. p. 31-109.
-58 Estranha, caiedrais Aindústria deconstrução pesada brasileira emperspectiva histórica 59

primeiro ater um plano rodoviário estadual de grande porte. Prevendo construir 2 mil quilômetros de Atuando como uma empresa de capital misto que tinha clientes como acionistas, como a
estradas em um quinquênio, a gestão estadual JK foi responsável por 3.825 km de rodovias, superação siderúrgica Belgo-Mineira efábricas de cimento, a Cemig foi uma das principais contratantes de obras
de metas que caracterizou também seu período àfrente da Presidência da República. Aadministração às empreiteiras nacionais, especialmente as mineiras. ACemig e as companhias estaduais de energia
Juscelino no estado foi marcada pela adoção do padrão norte-americano de construção rodoviária, paulistas encomendaram as primeiras usinas hidrelétricas a consórcios de empresas estrangeiras, de-
depois ampliado para todo opaís. Segundo o modelo, a construção de uma rodovia deveria ser realizada tentoras da técnica e tecnologia para a construção, com firmas nacionais. Nessas obras, as empreiteiras
em três etapas: P) abertura da estrada com exigências mínimas de curvatura, inclinação de rampas é nacionais, notadamente dos estados da companhia contratante, adquiririam conhecimento e experiência
largura; 2ª) melhoramentos com o alargamento da pista, deixando-a pronta para a pavimentação; 3ª) para tocar sozinhasas usinas posteriores. 81Afundação da Cemigfoi ainda referência para outros estados,
quando ó tráfego for superior a 500 veículos/dia, é feita a pavimentação de tipo poliédrico, asfáltico influenciando a criação da Companhia Elétrica de São Paulo (Cesp), da Companhia de Eletricidade do
ou cimento portland.79 estado de Goiás (Celg), da paranaense Copel, da capixaba Escelsa e outras. 83
Aadoção dessas normas técnicas para a construção de rodovias criou modelo para a expansão Relacionado e condicionado pelo processo de industrialização e transformação da sociedade
da malha nacional e fortaleceu o grupo rodoviarista, estabelecendo uma nova figura-símbolo- Jusce- brasileira entre as décadas de 1920 e 1940, foi forjada uma demanda de obras públicas no país, com a
lino- para os defensores desse meio de transporte.Apolítica foi importante também para a criação do construção de habitações nas cidades, infraestrutura urbana, aeroportos, estádios, obras de saneamento,
segundo maior celeiro de empreiteiras do país, oestado de Minas. Como asconstrutora5-00-estad0eFam- detransporte (em especialas rodovias) ede energia (com destaque para as hidrelétricas).Tendo o Estado
inicialmente pequenas e pouco capitalizadas, elas se reuniram durante o governo JK no consórcio Ajax, como indutor do novo padrão de acumulação, centrado no setor industrial, foram criadas agências
que adquiria máquinas e recebia contratos para trechos de rodovias sem licitação. Apesar da presença para contratação desses empreendimentos de engenharia. Se até a Primeira República essa função de
de algumas construtoras do Rio e de São Paulo, as ma is fortalecidas e beneficiadas com o programa contratar as obras era resguardada sobretudo a empresas privadas estrangeiras, com as modificações
foram as mineiras.80 no padrão de acumulação capitalista no Brasil e nas injunções políticas no interior do aparelho de
Tão ou mais inovador que o programa rodoviário mineiro foi oprojeto de eletrificação do estado. Estado, a contratação de obras que garantiram o desenvolvimento urbano-industrial nacional recaiu
Até 1935, Minas possuía 117 usinas de pequeno porte operadas por 89 empresas privadas, e a CFLMG, sobre o Estado. Inicialmente, no entanto, houve uma substituição não só da função contratante, mas
subsidiária da Bond & Share, produzia boa parcela da capacidade do estado e tinha a concessão da também na realização das obras, que passou a ser feita pelo próprio Estado, em um típico modelo de
exploração de energia em Belo Horizonte. Osecretário estadual de Agricultura, Israel Pinheiro, propôs transição. Com oaperfeiçoamento do modelo, essa operação recairia de maneira quase exclusiva sobre
a criação do município industrial de Contagem, desmembrando-o da capital do estado, para criar uma a empresa privada nacional.
zona livre da concessão da CPFLMG. Em Contagem, houve a primeira experiência de fornecimento de
energia elétrica pelo governo mineiro, com a usina de Gafanhoto, administrada pelo Departamento de Oaperfeiçoamento domodelo
Águas e Energia Elétrica (DAEE), e que atendia às fábricas locais. Em 1942, comissão do governo Benedito
Valadares desenvolveu o "Plano de Centrais Elétricas", reformulado posteriormente pelo engenheiro Desde os anos 30, houve um processo de estatização da contratação das obras de construção
Lucas Lopes, que liderou os estudos do Plano de Eletrificação de Minas Gerais, encomendado em 1949 pesada e, posteriormente, viu-se a retirada do aparelho de Estado da atividade construtora, passando
pelo governo Milton Campos. Ogoverno estadual JK deu continuidade ao plano, prometendo dobrar este a apenas contratador das obras. Trata-se de um processo longo, complexo, com idas e vindas e
a capacidilde elétrica do estado, e criou três empresas responsáveis pela construção de hidrelétricas: algumas exceções, porém omarco maior dessa divisão de tarefas entre Estado e empresas privadas se
a Companhia de Eletricidade do Alto Rio Grande (Cearg), incumbida da usina de ltutinga; a do Médio deu no governo Juscelino Kubitschek, quando houve não só aumento significativo das obras contratadas,
Rio Doce (CEMRD), responsável pela de Tranqueiras; e a do Alto Rio Doce (Ceard), que iniciara a UHE de como sinais claros da consolidação dessa divisão defunções.84 Isso foi visto com a Chesfe oDNOCS, órgãos
Salto Grande. Em 1951, a Assembleia Legislativa de Minas aprovou projeto do governador para formar antes responsáveis pela rea lização das obras e que, a partir de então, passaram a contratar empresas
companhia auxiliar, a Centrais Elétricas de Minas Gerais (a Cemig), criada em 1952 e que reunia as três para a realização desses serviços. Trata-se de um aperfeiçoamento do modelo varguista e uma vitória
companhias. Seu primeiro presidente foi Lucas Lopes, tendo ela recursos provenientes da Taxa de dos interesses dos empreiteiros, emmodelo que teve continuidade posteriormente, marcando as obras
Recuperação Econômica, instituída pelo governo anterior. 81 durante a ditadura.

" S/CEPOT-MG. Rumo... op. cit. p. 31-163; FERRAZ Fi lho, G. T.A Transnacionalização... op. cit. p. 31-109. " ALMEI DA, Márcio Wahlers de. Estado e EnergiaElétrica em São Paulo... op. cit. p. 28-150.
80
S/CEPOT-MG. Rumo... op. cit. p. 31 -163; FERRAZFilho, G. T.A Transnacionalização... op. rit. p. 31-109. 83 Pa ra as companh ias estaduais, ver ALMEIDA; DlílN;ZONTNSElNTnãüsrria ... op. i:it. p.1 -145.
81
SICEPOT-MG.Rumooo Futuro. op. rit. p. 31-163; CORRtA, Ma ria Letícia. "A participaçãodos técn icos na 'conquista do Estado': historio- 84 FERRAZFilho, Galeno Tinoco.ATransnocionalização... op. cit. p. 31-1 09; (AMARGOS, Reg ina Coel i Moreira. Estadoe Empreiteiros.. op.
grafia e proposta de estudo de caso". op. rit. p. 147-1 65. cit. p. 30-64; p. 65-í36. Ver também FJP. Diagnóitico... op. cit. vol. 2.
62 Esttanhas catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 63

Ao contrário do plano Salte, voltado mais para otransporte ferroviário, o Plano de Metas priorizou a nacional à nova capital, com a Belo Horizonte-Brasília e outras; 3. os acessos pioneiros na Amazônia, com a
construção de estradas de rodagem. Com proposta inicial de implementar 10 mil quilômetros de rodovias, o 1
: Belém-Brasília eaCuiabá-Porto Velho (parte da Brasília-Acre).1º1Oprojeto rodoviário incluía uma centralidade em
governo JK aumentou seguidamente essa meta, chegando a um total de 12.169 km construídos. As metas de Brasília, com papel de centro aglutinador do novo desenho rodoviário do país, formando um cruzeiro rodoviário
pavimentação e restauração também foram superadas, indo de 2.376 km para 9.591 km as rodovias federais com 5 mil quilômetros em cada corredor e acessos desenhados para Belo Horizonte, Fortaleza, Belém e Acre.
asfaltadas de 1955 a 1961, e a extensão nacional passou de 459.714 km para 499.550 km entre 1955 e 1961. No Na Brasília-Fortaleza, a obra foi contratada pelo DNOCS, sendo a última iniciada por Juscelino. ABrasília-Acre
período,os estados engrossaram esse esforço eimplantaramgrandes programas de construção e pavimentação foi projetada e entregue às empreiteiras sen;i licitação antes do fim do governo, não chegando aser iniciada no
de rodovias, dado o reforço do FRN de 1952. Em sentido oposto, as ferrovias perderam fôlego e, findo ogoverno, período. Em sentido oposto, aúnica conexão;ferroviária para Brasília partiu doSudeste,sem projetos de ligações
foram construídos apenas 826 km de estradas de ferro. 95 da nova capital com outras regiões.102 Essas obras rodoviárias representaram a principal fonte de ganhos para
Relacionado à implantação da malha rodoviária e à construção da nova capital, projetada para o os empreiteiros no período JK, consolidando essa especialidade dentre as empresas brasileiras de engenharia,
transporte automobilístico, estava a política para instalação de montadoras de veículos no país. Com oauxílio em particular as mineiras, ligadas ao grupo político de JK.
das políticas cambial efiscal, e com as condições específicas para a abertura das fábricas previstas pelo Grupo Apesar do aumento de 65% na produção de eletricidade, o setor de energia não representou
Executivo da Indústria Automobilística (o Geia), montadoras da Alemanha, França,Japão e Estados Unidos abriram então nicho tão rico como a construção rodoviária para as empreiteiras nacionais. Mesmo assim, foi
fábricas no Brasil, sobretudo na grande São Paulo, substituindo a importação de veículos. 96 Os_Epresentantts semeado nesse período ocontrole técnico sobre os empreendimentos no setor por parte das empreiteiras
dessas multinacionais, ou empresários associados aeles, estabeleceram conexões com os empreiteiros brasileiros, brasileiras. Isso por conta da obrigatoriedade imposta pelo governo JK para que empresas nacionais
aproximados pela bandeira do rodoviarismo. participassem das obras de hidrelétricas no país, como ocorreu em Furnas (1.216 MW) eTrês Marias (396
ODNER eoMVOP foram posicionados no centro das políticas governamentais. Oengenheiro Lafayette MW). Apartir de projeto da Cemig, a realização da usina de Furnas, no rio Grande, tornou-se tarefa federal
Prado afirma que oDepartamento, comandado por Régis Bittencourt, adquiriu então um "status virtualmente e, em 1957, foi criada a Furnas Sociedade Anônima, empresa de capital misto_ Com a obrigatoriedade
ministerial".97 Apesar de mudanças no ministério, a pasta de Viação eObras Públicas ficava sempre com oPSD, e de participação de empresas brasileiras no consórcio construtor, a mineira Mendes Júnior se associou
Benevides afirmou: "No entanto, cumpre lembrar que o PSD (inclusive ao 'controlar' o Ministério da Viação) vivia a firmas estrangeiras, sendo responsável por obras auxiliares, o que a ajudou na obtenção de know-
muito voltado para os programas de obras públicas e relação com os empreiteiros, altamente florescentes no -how para obras barrageiras futuras. Na usina de Três Marias, contratada pela Cemig, a CBPO prestou
período' 98 Sobre aconstrução de estradas, essas eram relacionadas "às metas rodoviárias, diretamente vinculá-
1
• serviços para a norte-americana Morrisen Knudsen e acabou absorvendo técnica para tocar sozinha
veis aos interesses locais, mas também aos interesses dos grandes empreiteiros ligados à cúpula do PSD".99 Essa obras hidrelétricas posteriormente.103
aproximação de empreiteiros mineiros, cariocas e paulistas aJK e setores do PSD criou problemas para alguns Wilson Quintella dá uma explicação excêntrica para a nacionalização das obras de barragens por
deles poste_riormente, nos governos Jânio Quadros e Castello Branco e na Guanabara da gestão Carlos Lacerda. empresas brasileiras. Depois de relatar que a empresa na qual ele trabalhava, a (amargo Corrêa, recusou
ODNER usou no período critérios não licitatórios para a escolha das empreiteiras. Alegando que o a proposta de ingleses de colocar o nome da companhia brasileira no consórcio construtor da usina de Três
volume de obras era muito grande, odepartamento fazia seleção prévia, dispensando as concorrências. OPSD Marias, da Cemig, Quintella relata um incidente ocorrido na obra que quase matou opresidente Kubitschek,
também mantinha controle sobre a diretoria do órgão e oandamento das obras rodoviárias era facilitado para quando esse fazia uma visitá de inspeção. "Depois desse incidente, o governo federal proibiu construtoras
as empreiteiras. Com a justificativa da inflação e alta nos preços de materiais, mão de obra e equipamentos, estrangeiras de trabalharem no Brasil. Dali em diante, obras públicas só com empresas nacionais. Assim,
oDNER usava preços de serviços de terraplanagem de natureza mais complexa que a real, incluindo rochas e nasceu a indústria brasileira de construção pesada."1º4Como veremos, as empresas estrangeiras continuaram
necessidade de equipamentos especiais em trechos que não os exigiam.100 atuando no país, e só com um decreto-lei de 1969, a atividade das empreiteiras estrangeiras foi proibida no
Segundo Lafayette Prado, as rodovias do período podem ser divididas em três prioridades: 1. o eixo país, apesar de ter havido exceções após a lei.
Sudeste-Sul e litorâneo, com a Rio-Belo Horizonte, São Paulo-Curitiba e Rio-Bahia; 2. a ligação do território Outra iniciativa do governo JK teve importância para o setor da construção pesada em âmbito
regional. Depois da forte seca que acometeu o Nordeste em. 1958, foi criado o Grupo de Trabalho para
" ALMEIDA,JúlioSérgio Gomes de; DAIN,Sulamis; ZONINSEIN,Jonas./ndúslrio... op. cit. p. H45; FERRAZ filho, Galeno Tinoco.A Tronsna-
donafiiaçãa:.. op. cit. p. 31-109; (AMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado... op. cit. p. 65-13ó; MARANHÃO, Ricardo. OGovernolusce/ino
Kubitsdiek. op. cit. p. 44-67. 101
PRADO, Lafayette Salviano. Transportes eCorrupção. ap. cit. p. 287-294.
96
PAULA,Dilma Andrade de.fim de Unho. op. cit. p. 120-188. 101
LEAL, Pau lo Nunes. OOutroBraçodaCruz. [S.I.): [s.n.), [s.d}. p.62-63; QUINTELLA, Wilson. MemóriasdoBrosi/Gronde. op. cit. p.161-196;
" PRA DO, lafayette Salviano. Transportes eCorrupção. op. cit. p. 287-294. KU81TSCHEK, Jusce/ino. Por Que Construi Brasílio. op. cit. p. 72-75.
" BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. OGovernoluscelino Kubitschek. op. cit. p. 111 .
• '
1
103
BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. OGoverno... op. cit. p. 199-245; FERRAZ filho, Galeno Tinoco. A Tronsnacionalizoção ... op.
" BENEVIDES, Maria Victória deMesquita. OGoverno Juscelino Kubitschek. op. cit. p. 215. cit. p. 31-109; DANTAS, Ricardo Ma rques de A1m-etda:--0debrecht:aeami-nho da longevidade sustentáve[? Disseitação (Mestiado em
100
Para eiias práticas e relatos do poder do DNER então, inclusive entre parlamentares, ver ALMEIDA, Júlio Sérgio Gomes de; DAIN, Administração). Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. p. 247.
Sulami;; ZONINS EIN, Jonas. Indústria... op. cit. p. 1-145. °'
1
QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. ap. cit. p. 200.
64 Esrran/las coredrais Aindústriade construção pesada brasileira em perspe<tiva histórica 65

Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), que enfatizava questões econômicas, sociais e políticas, e não só jurídicos e institucionais, como a criação das agências que iriam contratar as obras de infraestrutura;
climáticas, para aanálise e proposta de soluções dos problemas locais. OGT levou à criação da Superinten- 3. de meados da década de 1950 em diante, quando o modelo inaugurado nos anos 30 se consolidou
dência de Desenvolvimento do Nordeste (a Sudene), em dezembro de 1959, sob a direção de Celso Furtado. e foi aperfeiçoado, através da elevação do aparelho de Estado a demandante quase exclusivo de obras
Foi criado também o Banco do Nordeste (BNB), com oobjetivo de industrializar a região, sendo o meio para públicas e estabelecendo a separação entre a atividade estatal-contratante e privada-contratada. A
tal dotar seus estados de uma infraestrutura adequada. Os projetos incluíam rodovias, aproveitamento de montagem desse modelo a partir do período JK, em subsídio ao desenvolvimento do capital industrial
matérias-primas, hidrelétricas e incentivos para instalação de empresas com subsídios fiscais. Apartir disso, no país, criou um novo nicho de atuação Rara as empresas industriais nacionais, o mercado nacional de
vários investimentos vieram; como a Usina Siderúrgica da Bahia (a Usiba), a Companhia Pernambucana de obras públicas, no qual atuavam principalmente empresas brasileiras.107 Onovo sistema representava
BorrachàSintética (a Coperbo), além de fábricas de autopeças, metalúrgicas, fiação e tecelagemetc., com a a emergência política da fração do empresariado industrial para o centro do poder, com a consolidação
participação de empreiteiras nordestinas nas obras na maioria dos casos.105 de um modelo de Estado que servia aos seus objetivos, sendo que nessa configuração de hegemonia
Acriação da Sudene e do BNB completou o grupo dos "padrinhos" das empreiteiras ·nordesti- dos industriais os empresários da construção pesada tinham posição altamente privilegiada. Como
nas, junto com oDnocs, a"Chesf e a Petrobras. Essas agências do governo federal geravam um intenso veremos posteriormente, a ditadura civil-militar brasileira não inovou formalmente em relação a esse
conjunto de encomendas às empreiteiras locais e, mais que os contratos com os governos estaduais e terceiro modelo, mantendo as linhas mestras de um mercado altamente rentável para as empresas
prefeituras, foi com essas demandantes de obràs públicas que as empresas nordestinas se projetaram nacionais de engenharia.
regional e, depois, nacionalmente.
Findo o governo JK, a economia brasileira crescia em marcha ava nçada e as obras públicas Quem é quem na construção pesada no Brasil
corriam em processo acelerado. As cidades estavam em veloz desenvolvimento demográfico, criando
demandas de serviços públicos e de infraestrutura, chegando a ter crises de abastecimento. Anova Após verificarcomo se formou ese avolumou certa "demanda" de obras públicas, relacionada à urba-
conjuntura política, porém, levou a uma redução no ritmo de obras. Com a contratação das empresas de nização e industrialização da economia brasileira, tentaremos conheceros sujeitos realizadores desses projetos
construçãopesada praticamente monopolizada pelo aparelho de Estado, osetor viu um corte de recursos no âmbito empresarial, ou melhor, identificar os principais empreiteiros brasileiros. Apontaremos de maneira
com as medidas de austeridade fiscal do governo Jânio Quadros, que ordenou também a desaceleração sumáriaarelação desses construtores com outros empresários, militares, funcionários do aparelho de Estado ou
das obras de Brasília. Com a renúncia do presidente, a solução do parlamentarismo e os sucessivos · sua inserção nos aparelhos da sociedade civil e agências estatais. Apesar de onosso foco maior ser oestudo da
ministérios, o governo federal ficou de mãos atadas quanto ao andamento dos projetos públicos de sociedade civil, seus aparelhos privados de hegemonia esua atuação junto ao aparelho de Estado, entendemos
engenharia. Foi a partir de 1963 que as empresas retomaram parte das atividades com encomendas que precisamos antes conhecer a trajetória desses agentes em sua própria condição de classe, ou seja, junto às
do governo federal e também dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Guanabara, irrigados com os suas propriedades empresariais. Acreditamos que, assim, poderá ficar mais clara e rica aabordagem dos aparelhos
dólares do Fundo norte-americano do Trigo, na política de apoio aos governos antijanguistas pelo privados eseus diretores, inclusive os chamados "líderes da classe".
Departamento de Estado na gestão Kennedy. Segundo Wilson Quintella, a construção pesada brasileira As empresas de construção pesada têm certas características específicas em relação à mercadoria
estava voltando ao pleno vapor quando da eclosão do golpe de 1964.106 produzida, aobra pronta. Trata-sede um produto não multiplicável, ou apenas em alguns casos (como na cons-
Oobjetivo desse subcapítulo foi fazer um painel da formação da indústria da construção pesada trução industrializada e padronizada), de longa duração emsua produção, que agrega uma grande quantidade
no país historicamente, sinalizando as principais obras exploradas pelas empresas do setor, bem como de força de trabalho, alémde equipamentos e materiais. Como ocliente é principalmente oaparelho de Estado,
peculiaridades do processo histórico brasileiro. Três períodos e model os se sucederam no mercado de há peculiaridades na atuação política e empresarial dessas companhias.108 Outra característica das empresas do
obras de infraestrutura: 1. de meados do século XIX até as décadas de 1920 e 1930, quando as prin- setor - não sódele- éofato de que, como pode ser verificado em seus nomes, sua origem é sobretudo familiar.
cipais obras de engenharia no país eram realizadas por empresas privadas estrangeiras, contratadas São firmas pertencentes predominantemente a certos indivíduos ou grupos de indivíduos como companhias
principalmente por outras firmas estrangeiras que atuavam no setor de infraestrutura, em especial limitadas e que, após a reforma do sistema financeiro, entre 19(í4 e 1968, seguindo um movimento comum
ferrovias, energia, portos e serviços urbanos; 2. das décadas de 1920 e 1930 até meados dos anos no período, tornaram-se sociedades anônimas, inclusive com emissão de papéis na bolsa em alguns casos.109
50, quando o Estado entrou como contratador e também realizador de obras públicas, subsidiando a
formaçã oe o fortalecimento de um capital industrial no país, o que incluiu a criação de instrumentos 101 Ver MENDONÇA, Sônia Regina de. Estodoe Economia ... op. cit. p. 13-68; OLIVEIRA, Francisco de. AEconomia da ... ap. cit. p. 76-92. Sobre
o novo padrão de acumulação após 19SS, ver DRAIBE, Sônia. Rumos eMetamorfoses: Estado e industrialização no Brasil, 1930/1960.
Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1995. p. 11-55.
1
~ SING ER,Paul Israel. Desenvolvimento Econômico eEvolução Urbana. op. cit p. 271 -357. 10
• Uma reflexão foi feita em CHAVES, Marilena. Alndústiia-a'mnst;uçáo... op. cit. p. 1-28.
106
QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 239-262; TOLEDO, Caio Navarro de. OGoverno Goulaite oGolpe de 64. São 10' TAVARES, Maria da Conceição. "Brasil - estratégias de conglomeração". ln: FIORI, José Luís da Costa (erg.). Estados e Moedas na
Paulo: Brasiliense, 1987. p. 22-40. Desenvolvimento dasNações. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 327-350.

1
j
66 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 67

Mesmo com essa abertura de parte do capital acionário, a maioria das empreiteiras continuou sob controle de Oque se nota na atuação de construtoras estrangeiras no Brasil é a sua presença temporária
famílias e grupos restritos, que determinavam sua estratégia empresarial. em boa parte dos casos. Muitas companhias de engenharia forâneas vinham ao país para realizar um
Fernando Henrique Cardoso, em sua tese de livre-docência, entende que os empresários brasileiros serviço de obra demandado por um contratante e, findo omesmo, não mantinham escritório ou contato
de maneira geral não são engajados na política.110 Eli Diniz e Raul Boschi destacaram que diversos autores do permanente no país.
campo das Ciências Sociais caracterizam oempresariado nacional como politicamente fraco, incluindo Fernando As principais obras realizadas no país na segunda metade do século XIX e início do XX foram
Henrique, além de Luciano Martins, WilmarFaria, Nathaniel Leffeoutros. Em sua própria pesquisa, os dois autores contratadas por firmas nacionais ou estrangeiras, ou por órgão do aparelho de Estado, a empresas dos
1
mostraram que os empresários industriais brasileiros participam sim da política de Estado e se engajam em países com experiência nessas construções. Isso ocorreu com as ferrovias, como a Madeira-Mamoré,
campanhas, objetivos e medidas junto ao aparelho estatal eàsociedade.111 Omesmo pode ser dito da fração do feita por empresa inglesa na década de 1870. Omesmo se deu com as hidrelétricas até a década de
empresariado industrial empenhada no setor de construção pesada, como veremos a seguir. 1950, contratadas afirmas estrangeiras pelas concessionárias do ramo elétrico, como a Lig ht e a Amforp.
Nas primeiras contratações por empresas públicas de energia para construção de usinas, também eram
As empresas estrangeiras comuns empresas de fora do país, como na UHE de Três Marias, na qual a Cemig contratou uma emprei-
teira norte-americana para as obras civis. Omesmo se dava com as obras dos portos, como o do Rio,
Desde as primeiras obras de construção pesada no Brasil, em meados do século XIX, havia em- cujos serviços foram feitos no início do século XX pela inglesa Walcker & Cia, a partir de financiamento
presas estrangeiras de engenharia no país, antes das primeiras companhias nacionais. Na implantação de consórcio de bancos britânicos liderado pelos Rothschild.115
da estrada de ferro de Petrópolis, foi contratada uma empresa inglesa e foi também uma inglesa a Houve casos, no entanto, em que firmas estrangeiras foram contratadas para serviços tempo-
responsável pela obra da ferrovia Dom Pedro 11.112 Na década de 1860, a britânica City lmprovements se rários sem que oseu trunfo fosse o domínio de tecnologia desconhecida pelas empresas nacionais. Nos
instalou na capital imperial e passou a explorar oramo de obras urbanas,113 abrindo caminho para firmas anos 1960, a norte-americana Leo A. Daly foi contratada pela Sudene para, com a brasileira Ecisa, realizar
francesas, alemãs e dos principais centros industriais europeus e do mundo para o mercado brasileiro. edifícios de escolas no Nordeste. Oepisódio causou reação indignada de engenheiros nacionais, que
As principais empreiteiras que atuaram no país no século XX são listadas no Quadro 1.1: não se conformaram com a atuação de empresas estrangeiras em atividade sem complexidade técnica
maior, que poderia ser exercida por firma brasileira. Aparticipação de companhias dos Estados Unidos
Quadro 1.1 - Principais empreiteiras estrangeiras em atividades no Brasil no século XX naquele momento se explicava por exigências dos financiamentos da Usai dpara obras.116 Situação similar
Empresa Origem Tipos de obras realizadas se deu com o melhoramento da rodovia Belém-Brasília nos anos 1970, com a divisão da obra de 1.550
Cia. Construtora Nacional (CCN) Alemanha Usinas hidrelétricas eoutras km em 22 lotes, 4 dos quais reservados para empresas estrangeiras, em total de 240km, por obrigação
Dumez França Metropolitanos urbanos do financiamento do Bird.117 Um caso polêmico ocorreu em 1972, quando o consórcio liderado pela
Noreno do Brasil Noruega Usinas hidrelétricas italiana lmpreglio, com participação da nacional CR Almeida, venceu concorrência para construção da
Hoffmann Bosworth Alemanha Imóveis urbanos e refinarias hidrelétrica de São Simão, a maior da Cemig. Na licitação, o consórcio propôs preço acima da primeira
Hugo Cooper Inglaterra Obras diversas colocada - a Mendes Júnior-, mas foi escolhido pela estatal mineira, mesmo havendo lei impedindo
Morrisen Knudsen EUA Usinas hidrelétricas e outras
firmas estrangeiras de realizar obras públicas no país. AMendes Júnior reclamou e houve denúncia de
Brascan Canadá Túneis;viadutos e construção imobiliária
que o resultado foi acertado como contrapartida para instalação da fábrica da Fiat em Betim.118
Christiani-Nielsen Dinamarca Portos, estádios, UHEs, edifícios urbanos
Fonte: Os documentos consultados para elaboraçao do quadro sao otados ao longo dessa parte do cap1tulo.1...
Esses são casos de empresas que chegaram ao país para realizar serviços específicos, ou melhor,
participar de uma obra apenas. Outras empresas, no entanto, resolveram se instalar no país, buscando
oportunidades e até fazendo combinações de capital com empresários nacionais, de modo a garantir
seu funcionamento no país como empresa brasileira. Atecnologia do concreto armado, por exemplo, foi
110 Ver CARDOSO, Fernando Henrique.Empresário Industrial eDesenvolvimento Econômico no Brasil. 2• ed. São Paulo: Difel, 1972, etambém
"Entrevista coni Fernando Henrique Cardoso". ln: MOURA, Flávio; MONTEIRO, Paula. (org.). Retrato do Grupo: 40 anosdoCebrap. São
trazida por uma empresa nessa situação, aalemã L. Riedlinger, uma das pioneiras a usar a tecnologia nos
Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 21-49.
111
CERQUEIRA, Eli Diniz; BOSCHI, Renato Raul. Empresariado Nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Foren se Universitária, 1978. p. 11
' SICEPOT-MG. Rumo... op. cit. p. 31-163; Revista OEmpreiteiro. 700 Anos... op. cit. p. 32-3; BENCHIMOL, J. L. Pereira Passos. op. cit. p.
158-169; passim. 212-217; LOBO, E. M. L.. História ... op. cit. vol. 2, p. 445-828.
"' PAULA, Dilma Andrade de. Fim de Linha. op. cit. p. 48-84. 116
CLUBE de Engenharia. Luta pela Engenharia Brasileira. op. cit. p. 129-156.
m HONORATO, CézarTeixeira (org.). OClube de Engenharia. op. cit. p. 41-54. 111 RevistaOEmpreiteiro. Edição de outu bro de 1972, n• S7-. - -
114
Como foram numerosasasfontes consultadas para a elaboração desse edos outros quadros aseguir e como osseuselementos serão 118 RAUTENBERG, Edina. "A revista Veja eas 'grandesobras' da ditadura militar brasileira (1968-1975)". ln: VSemanaAcadêmica de História.
analisados ao longo do texto, citamos os documentos de onde foram retiradasas informações ao longo dos parágrafos aseguir. Marecha l Rondon: Unioeste, 2009. p. 1-5.
68 Esrranhascaredrais Aindústriade construção pesada brasileiraemperspectiva histórica 69

anos 1920, que teve como funcionário Emílio Henrique Baumgart, o chamado pai do concreto armado Amais tradicional empresa estrangeira que atuou no setor de obras públicas no país no século
brasileiro.119 Naquele momento, operava no país a também alemã Weiss Freitag, ligada a Riedlinger, XX, no entanto, não veio dos Estados Unidos, mas da Dinamarca: a Christiani-Nielsen. Instalada no país
e que tomou a iniciativa de se "nacionalizar", adotando um nome em português. Transformou-se na em 1922, a empresa foi responsável por obras emblemáticas, desenvolveu uma atuação nacional e teve
Companhia Construtora Nacional (CCN), importante empresa de construção dos anos 1930 a 1950, cujo bom trânsito em certos governos e agências estatais contratantes de obras. Em 1982, a companhia era
trunfo era o domínio de tecnologias avançadas, tendo participado do consórcio que construiu Furnas. presidida por J. Brown Fradsen etinha como especialidade as obras portuárias, oque deu origem ao seu
Na década de 1920, chegou ao país a inglesa Hugo Cooper, que prestava serviços para a Light, dentre lema: "Christiani-Nielsen . Um porto seguro na construção brasileira". Atuava também em edificações
outras atividades.120 urbanas, sendo 40% de seu faturamento oriundo do setor em 1973. Até 1988, quando foi vendida, a
ADumez era uma empresa francesa que atuava permanentemente no país e que, assim como firma foi responsável por obras como oJockey Clu bdo Rio nos anos 20, o estádio do Maracanã (liderando
dezenas deoutras estrangeiras, participou da pré-qualificação para aconstrução do metrô de São Paulo as firmas estrangeiras responsáveis pela obra) no final dos anos 40; o soteropolitano elevador Lacerda,
nos 1960.111 ANoreno do Brasil foi fundada pornorueguesese brasileiros e realizou obras de hidrelétricas, entre 1928 e 1930; obras no porto carioca, como o píer Mauá; a hidrelétrica de Funil (210 MW), no rio
como as paulistas Armando Salles de Oliveira, Euclides da Cunha (essas duas com a (amargo Corrêa), a Paraíba do Sul, entre 1960 e 1969; oTerminal Marítimo da Baía de Ilha Grande (Tebig), para a Petrobras,
gaúcha Jacuí e a UHE Suíça, no Espírito Santo, além de obras de cais portuários e complexos industriais. nos anos 70; obras do porto de Tubarão, no Espírito Santo, e terminais do superporto de Rio Grande, nos
Seu presidente era oengenheiro Octávio Marcondes Ferraz, eosuperintendente da empresa, onorueguês anos 80; e os complexos industriais de alumínio no Pará e Maranhão, no projeto Alumar.126
Trygve Thu, sendo que a empresa foi posteriormente adquirida pela CR Almeida.121 AChritiani-Nielsen foi a única empresa estrangeira aconseguir posição razoável entre as maiores
A alemã Hoffmann Bosworth atuou nas fundações e estruturas para a refinaria de Araucária, construtoras no Brasil durante a ditadura, em momento no qual o mercado de obras públicas estava se
no Paraná, para a Petrobras. Era firma com filial no país e tinha 70% de seu porta-fólio de obras na limitando apenas às firmas nacionais, como se vê no gráfico a seguir:
construção imobiliária, sendo a19ª maior construtora do Brasil em 1972 e a 17ª em 1973.moutra empresa
estrangeira tradicional no país era a Morrisen Knudsen, de origem norte-americana e que atuava nos G;áfico 1.1 - Posição da Christiani-Nielsen dentre as construtorasbrasileiras na ditadura
setores deconstrução e projetos de engenharia, realizando serviços para a Light. Em 1971, foi escalada
1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984
como a 32ªmaior empreiteira do Brasil e, em 1972, foi apontada como a maior projetista de engenharia
do país, mantendo resultado mediano no setor de obras. Nos anos seguintes, foi ultrapassada no setor
de projetos pelas nacionais Promon e Hidroservice e acabou se dividindo em duas empresas: a proje-
tista, que manteve o mesmo nome, e a construtora, que nacionalizou seu capital e virou a Companhia
Internacional de Engenharia, comprada em 1986 pela Mendes Júnior.114
Uma companhia estrangeira importante que atuava na incorporaçãoimobiliária e obras públicas
era a Brascan, do grupo Light. Apesar de não constar na lista da revista OEmpreiteiro como uma das
maiores do país, a construtora foi responsável por obras como os túneis da barragem de Passo Fundo e
da ferrovia Roca Salles-Passo Fundo. Aespecialização em túneis e as obras no Rio Grande do Sul eram
suas marcas, sendo que ela realizou para o DER-GB o túnel Dois Irmãos, que era parte da autoestrada
Lagoa-Bana, no Rio de Janeiro. Essas obras foram iniciadas em 1968 e atendiam a interesses voltados
para ocomércio e a exploração de terrenos na Barra da Tijuca, também área de atuação da Brascan. A Fonte: Revista OEmpreireJro,edições nª 57, 68, 80, 91, 103, 115, 127, 138, 150, 163, 176, 188,200 e 212.
empreiteira ficou ainda com ocontrato do túnel Leme-Praia Vermelha, que não foi realizado.125
Apesar de não constar entre as mais poderosas empreiteiras do país, a Christiani-Nielsen teve
"' INSTITUTO de Engenharia. Engenharia noBrasil. op. cit. p. 11-53.
desempenho notável em uma ditadura que projetava a construção de obras públicas como tema de se-
'" CLUBE d e Engenharia (ROTSTEIN, Jaime). Em Defesa da Engenharia Brasileira. op. cit. p. 1-102; p. 113-114. gurança nacional, devendo ser reservada às empresas brasileiras. Longe das maiores empresas nacionais
m CHAVES, Marilena. AIndústria... op. cit. p. 78-137; OEmpreiteiro. Edição de setembro de1968, n• 8. do setor, como (amargo Corrêa, Servix, Cetenco, CBPO, Andrade Gutierrez e Odebrecht, a construtora
112
Revista O Empreiteiro. Edições de dezembro de 1969, nº 23 ede setembro de 1973, n°68.
123
Revista O Empreiteiro. Edições de setembro de 1973 nº 68 e de setembro de1974 n• BD. dinamarquesa tinha faturamento equivalente a menos de 1/6 do obtido pela empresa líder na lista em
"' OEmpreiteiro. Edições n" 57, 80 e 91; ROTSTEIN, Jaime. Em ... op. cit. p. 1-102; MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Quebra de
Contrato: opesadelo dos brasileiros. Belo Horizonte: Dei Rey, 2004. p. 58. '" Revista OEmpreiteiro. Edições de setembro de 1974, n°80,setembrode1982, n• 178 edejaneirode 1985, nº 206; RevistaOEmpreiteiro.
125
Revista O Empreiteiro. Edição de abril de 1971 nº 39. 700Anos de Engenharia Brasileiro. op. cit. p. 40-41; p. 54-55; P- 72-73; p. 152.
70 Estranhos coted,ais Aindústria deconstrução pesada brasileira emperspectiva histórica 71

Quadro 1.2 - Empresas cariocas do ram() da habitação popular na Primeira República


1971. Nota-se no gráfico também uma certa estabilidade na posição da empresa entre o 10° eo20° lugar
Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro Companhia Guilherme Maxwell
entre 1971 e 1983, sendo que, a partir daí, a empresa experimentou decadência até ser adquirida pela
Companhia Territorial do Rio de Janeiro Companhia Brasileira de Terrenos
Carioca Engenharia em 1988, após oforte crescimento da empreiteira do Rio durante ogoverno Brizola.127
Companhia de Terrenos Nossa Senhora de Pompeia Companhia Evoneias Fluminense
As empresas estrangeiras de construção pesada tiveram papel importante na formação do
Companhia de Imóveis e Construções Companhia de Construções Civis
setor na economia brasileira, com predominância no Império e na Primeira República. Com a mudança Companhia Suburbana de Terrenos e Construções Companhia Predial
de modelo no desenvolvimento nacional e na contratação de obras públicas a partir dos anos 30, essas Sociedade Construtora de Casas Populares[" Companhia Technico Construtora
empreiteiras foram paulatinamente substituídas por firmas nacionais. As construtoras formadas por • Antiga empresa Americo deCastro.
-sucessora da firma Anton:0J2nm.122i eFilhos, também fundada pelo comendador AntônioJannlllli.
empresários brasileiros e de capital predominantemente pertencente a brasileiros natos passaram a Fcnte: lDBO; CARVALHO;STANLEY. Questão Habitacional .. op. dt. p. 7-69; LOBO, Eulália Maria L. História do Rio de Janeiro. op. dt. p. 445-828; MATTOS, Romulo Costa. PeiDs Pobres!Tese (Doutorado em
Hfilória). Nite.-ái: UFF, 2008. p.45.253.
dominar omercado da construção pesada a partir dos anos 50 e, em todos os setores de obras públicas,
depois dos.anos 7,0. Atendência de queda da Christiani-Nielsen e a sua v.enda e da Morrisen Knudsen
para grupos·nacionais são sintomáticas da decadência das firmas estrangeiras do setor e predomínio oquadro é um levantamento primário das empresas que operavam na construção de habitações
das nacionais, a partir das políticas protetoras estatais da ditadura. No entanto, foi da relação e do populares. Elas prestavam serviço para as fábricas, em especial as de tecido, ou para o poder público,
contato com as companhias estrangeiras que muitos engenheiros e empresários nacionais conseguiram erguendo vilas e casas populares nos programas da prefeitura.131
consolidar suas firmas e obter técnicos, conhecimento e tecnologia para realização das obras. Artur Sauer era o dono da Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro, que construiu vilas
operárias para fábricas de tecido, como a Carioca (no Jardim Botânico), a Confiança (em Vila Isabel) e
As primeiras empresas brasileiras para o Instituto Industrial. A-Evoneias Fluminense, fundada por Américo de Castro (que antes possuía
uma empresa com seu nome), era associada ao Banco Rural e Hipotecário e foi uma das primeiras
As primeiras importantes construtoras brasileiras nasceram no Rio de Janeiro, e uma das pri- construtoras a ter ações na Bolsa de Valores do Rio, com papéis negociados durante o Encilhamento.
meiras atividades dos empresários do setor foi a especulação urbana. Éconhecida a história do barão . APredial, de 1912, também possuía laços financeiros, tendo associação com o banco da família Rocha
de Drummond, proprietário de terras na região de Vila Isabel, que, após estabelecer certa infraestrutura Miranda. Várias atuavam no subúrbio, como: a Companhia Suburbana de Terrenos e Construções, que
local e levar o bonde até o bairro, dividiu os terrenos em lotes e os vendeu, lucrando significativamente se fundiu com firmas inglesas em 1928; a Companhia Territorial do Rio de Janeiro, que erguia moradias
com o negócio. Ahistória da ocupação da região de Copacabana também é emblemática dessa tendên- populares na Penha; a empresa de Guilherme Maxwell, que fez a vi la Maxwell, em Bonsucesso; a
cia, com aabertura em 1892 do túnel Velho, implementação de passagens gratuitas de bondes pela Companhia Brasileira de Terrenos, de José Milliet, fundada em 1922; e a Companhia de Terrenos Nossa
companhia Botanic Garden, venda de lotes com aparato de serviços urbanos e construção de casas por Senhora Pompeia, de 1929, que atuou em Irajá e Colégio.132
parte da companhia Otto Simon. Outro caso no Rio foi o da ocupação do bairro de Ipanema, com as Dentre essas empresas, no entanto, a maior e que teve mais importância para nosso objeto foi
atividades da empresa do barão de Ipanema, dono de terrenos locais, levando infraestrutura para olocal a Jannuzzi. Otécnico italiano Antônio Jannuzzi começou sua carreira no setor como mestre de obras e
e loteando áreas para venda.128 Em São Paulo e outras cidades do país, houve processos semelhantes diretor da Evoneias, saindo da mesma e firmando a AntonioJannuzzi e Filhos. Na década de 20, fundou a
com as companhias imobiliárias e de colonização urbana.129 Sociedade Construtora de Casas Populares, que se tornou a maior construtora carioca, contratada em 1922
Outra atividade das primeiras empresas de construção no Brasil no final do Império e na Primeira pela prefeitura para erguer a Vila Marechal Hermes, com 738 prédios para 2 mil famílias, recebendo os
República foi a implementação de "habitações cômodas para o povo",130 ou melhor, conjuntos populares, desalojados do morro do Castelo.mAlém da atividade propriamente empresarial, ocomendador Jannuzzi
ramo interessante para os empresários, dados os incentivos estatais e a crescente demanda de então. era uma liderança do setor da construção no Rio. No debatido tema da habitação popular na imprensa,
Várias empresas foram formadas nas últimas décadas do século XIX e primeiras do XX, voltadas para o ele advogava pela entrada do Banco do Brasil no financiamento habitacional, criticando as ações da CEF
setor, conforme se vê no Quadro 1.2: no setor. Tendo participado de debates nos jornais cariocas sobre a questão com Everardo Backheuser
e Evaristo de Moraes, Jannuzzi defendia a união dos construtores para atuar coletivamente junto ao
aparelho de Estado obtendo leis, normas e medidas que beneficiassem as empresas da construção.

"' OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1972, n° 57; Revista OEmpreiteiro. 700 Anos... op. cit. p. 152. m LOBO, E. M. L.; CARVALHO, L. de A.; STANLEY, M. Questão Habitacional... op. cit. p. 26-69.
128
ABREU, Maurício de Almeida. Evolução Urbana do Rio deJaneiro. op. cit. p. 35-69. m LOBO; CARVALHO; STANLEY. Questão Habitacional... op. cit. p. 26-69;ABREU, Maurício de. "Da habitação popular ao hábitat".op. cit. p.
129
INSTITUTO de Engenharia. Engenharia... op. cit. p. 11-53; QUINTELLA, W. Memórias ... op. cit. p. 75-85. 161-177.
" ' ABREU, Maurício de Almeida. "Da habitação popular ao hábitat - a questão da habitação popular no Rio deJaneiro esua evolução". m MATTOS, Romulo Costa. Pelos Pobres! op. cit. p. 45-141; LOBO, Eulália Maria lahmeyer; CARVALHO, Lia de Aquino; STANLEY, Myriam.
ln: Revista Rio de Janeiro. N° 10. op. cit. p. 161-177. Questão Habitacionol e Movimento Operário. ap. cit. p. 26-69.
72 EmanhoJCoredroiJ Aindústria de construção pesadabrasileira em perspectiva histórica 73

Assim, em 1919, ele liderou ogrupo de 92 cor.strutores da cidade que criaram a Associação da Indústria Brasil a utilizar a recém-criada tecnologia do concreto protendido, no pós-Segunda Guerra Mundial. Era
da Construção Civil do Rio de Janeiro (AICC),134 primeira entidade dos empresários da construção do país. uma companhia marcante de época em que as empresas de engenharia eram do tipo factotum, ou melhor,
Se esses construtores tinham suas atividades prioritariamente voltadas para a construção de eram responsáveis por todos os ramos e todas as etapas do processo da obra, o que posteriormente foi
moradias populares, havia também os empresários cujo foco maior concentrava-se na implementação de dividido em companhias especializadas ria realização de projetos, concretagem, cálculos estruturais e
edifícios em áreas valorizadas da cidade. Atuando nas vias do novo centro e nas áreas valorizadas da zona serviços auxiliares de engenharia.139
Sul e Nort_e, essas firmas foram pioneiras no uso da tecnologia do concreto armado para erguer prédios corri Existem, portanto, certas características básicas do processo de formação das primeiras empresas
vários pavimentos. Um exemplo era a Pederneiras, pertencente aEduardo Pederneiras, depois presidente da nacionais de engenharia. Como se percebe, muitas delas foram fundadas no rastro ou contato direto com
AICC equeteve sua empresa posteriormente envolvida nas obras de Brasília. Nos anos 40, essas empresas firmas eengenheiros estrangeiros, adquirindo as técnicas etecnologias para as obras em sequência, ramo
atuaram no "fenômeno Copacabana", levantando edifícios de vários andares no bairro; algumas delas são a ramo. Além disso, uma primeira área de atuação das empresas de engenharia foi a moradia popular,
a Santiago, a Kitchenko, a Cernigo, a Brandão, a Dourado, a Irmãos Duvivier e a Companhia Construtora especulação urbana e infraestrutura das cidades; desses ramos vieram os empresários que formaram a
Nacional.m primeira entidade patronal do setor. Por fim, deve-se destacar a característica que permaneceu em momen-
As companhias pioneiras que atuaram em obras urbanas para a prefeitura ea União na República tos posteriores, a inserção desses empresários em aparelhos privados de hegemonia e sua atuação junto
Velha participavam do Clube de Engenharia, como a Companhia Edificadora Nacional, fundada por André ao aparelho de Estado. Um exemplo é Paulo de Frontin, colega de Clubede Engenharia de Pereira Passos,
Gustavo Paulo de Frontin e que participou das obras do novo cais do porto, entre 1904 e 1911, atuando cuja gestão na prefeitura do Distrito Federal foi responsável pela contratação da construtora de Frontin.
com a inglesa encarregada dos serviços. Paulo de Frontin, presidente perpétuo do clube, também estava Veremos a seguir as principais empreiteiras brasileiras do século XX, divididas por estado ou região
envolvi d ocom as construtoras Melhoramentos e a Sociedade Brasileira de Urbanismo (S BU), fundada em de origem, visto que as relações com os grupos dominantes locais e junto ao aparelho de Estado regional
1932, e próxima de Getúlio Vargas ede Henrique Dodsworth, prefeito do Distrito Federal no Estado Novo.136 foram importantes para aformação e osucesso dessas companhias.
Apesar desses precedentes, estudiosos do assunto datam afundação das primeiras empresas bra-
sileiras de engenharia apenas em meados da década de 1920. Empresas estrangeiras estavam se instalando "O empreiteiro fluminense éantes de tudo um pária'IJ4o
no país e eram dominantes no setor de obras públicas, principalmente nas de maior complexidade. Alguns
engenheiros brasileiros, formados no país e no exterior, trabalharam nessas firmas, conhecendo oprocesso ORio de Janeiro foi oberço das mais antigas empreiteiras brasileiras. Aproximidade com asede
de administração, funcionamento e controle da tecnologia das obras realizadas. Na segunda metade dos do poder nacional, o fato de ser o centro irradiador do primeiro sistema rodoviário nacional (com Rio-
anos 20, engenheiros saídos de firmas estrangeiras fundaram duas empresas de capital nacional, aCobrazil -São Paulo, Rio-Bahia e Rio-Juiz de Fora) e o capitalizado mercado de obras públicas do antigo Distrito
e a Companhia Nacional de Construções Civis e Hidráulicas, a Civilhidro.137 Federal fizeram com que as primeiras empresas relevantes de construção pesada do país fossem cariocas.
ACivilhidro fazia parte do grupo empresarial controlado por Henrique Lage, importante em- Inicialmente muito atreladas ao Clube de Engenharia e, depois, aoutros sindicatos e associações de classe,
presário da República Velha, dono de firma de comércio e navegação e de estaleiro que remontava a as firmas cariocas sempre tiveram atuação forte no âmbito da sociedade civil e junto ao aparelho de
1832.138 A construtora do grupo era presidida pelo engenheiro Domingos de Souza Leite e nela trabalhava Estado. No entanto, apesar dessa forte atuação política - e muitas vezes em função justamente delas
o engenheiro Arthur Rocha, ex-fiscal de firma francesa responsável pela obra do Arsenal de Marinha. A -, as construtoras locais experimentaram trajetória de decadência nos anos 60 e na ditadura, dando
Civilhidro concorreu com empresas estrangeiras e, na década de 1920, arrematou a expansão do cais do lugar a paulistas, mineiras e nordestinas na liderança do mercado de obras públicas. Acidade continuou
porto, marcando uma das primeiras atuações de firma nacional autonomamente em uma obra portuária. como centro importante no xadrez da indústria de construção pesada brasileira, mesmo esvaziada da
Posteriormente, foi responsável pelas pontes do Fundão e do Galeão, sendo essa última a primeira no atuação de construtoras locais, sendo indicativo disso a transferência de sede de empresas nordestinas
para o Rio, como a Norberto Odebrecht, a Queiroz Galvão e a Delta. Ao contrário da mineira Andrade
"' LEAL, Maria da Glória de Faria. AConstrução do Espaço Urbano Carioca no Estado Novo. op. cit. p. 40-96. Gutierrez, que mudou sua sede empresarial para São Paulo,141 essas empresas escolheram a cidade para
135
LEVY, Bárbara . História da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: lbmec, 1977. p. 403-499; LEAL, Maria da Glória de Faria. A a sua sede nacional, dada a importância que aantiga capital federal tem no mercado nacional do setor.
Construção do Espaço Urbano Carioca... op. cit. p. 148-174.
" ' CORRl:A, Maria Letícia. "Ciência, técnica eprogresso:·um estudo sobre engenheiros e política a partir da trajetória de Vieira Souto
(1849-1922), Aarão Reis (1853-1936) eCarlos Sampaio (1861-1930)". Texto apresentado ao Polis. Niterói: UFF, 2011. p. 1-19; BENCHIMOL, "' CLUBE deEngenharia (ROTSTEIN, Jaime). Em Defesa ... op. cit. p. 113-114; Entrevista como engenheiro Carlos Freire Machado, realizada
Jayme Larry. Pereira Passos... op. cit. p. 217-219; FERRAZ Filho, Galena Tinoco. A Transnacionalização ... op. rit. p. 31-109; HONORATO, no dia 18 de maiode 2010.
Céza r Teixeira (org.). OClube... ap. rit. p. 5-6; p. 41-54. ,., Frase en unciada por HaroldoGuanabara, diretor do Sinicon eda Aeerj, na Revista Construir n' 4, de maio de 1989apud Aeerj. Aeerj 30
137
CLUBE de Engenharia. luta pela Engenharia Brasileira. op. cit. p. 73-84. Anos: 30 anos de obras públicas no Rio de Janeiro (1975-czOOSj: Rio de Janei;o: Amj, 2005. p. 131.
138
Para a trajetória deLage, verElina G. da Fonte Pessanha. "Niterói operário - ocasodostrabalhadoresda indústria naval ". ln:MARTINS, "' Aempresa, porém, tem escritório no Rio, cidade onde mora afamíli aAndrade, e, em2011, anunciou atransferência da sede de operações
lsmênia de Lima; KNAUSS, Paulo. Cidade Múltipla. op. cit. p. 131-168. de engenharia de São Paulo paraoRio, fo ca ndo projetosrelacionados às Olimpíadas e à Copa do Mundo. OGlobo, 11/2/2011, p. 16.
.]4 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 75

Quadro 1.3 - Principais empreiteiras cariocas ao longo da ditadura


nacionais do setor, como oSinicon, que contava com maioria e direção de empreiteiras cariocas, além de
Empresa Controladores principais Fundação outras associações que continham empreiteiros, como oClube de Engenharia e o Sinduscon-Rio (ex-AICC).
Affonseca Fernado Moreira D'Affonseca efamília D'Affonseca -
Os efeitos de uma guinada política podem ser percebidos na trajetória de duas empresas. A
Carioca João Carlos Backheuser efamília 1947
Sociedade Brasileira de Urbanismo (SBU) foi fundada em 1932 por Paulo de Frontin e outros membros
Cavalcanti Junqueira Colonna Cavalcanti, Haroldo Junqueira e famílias 1928
do Clube de Engenharia, sendo uma empresa com forte ligação com o grupo político de Vargas, do
Cavo José Colagrossi Filho/Camargo Corrêa -
Civilhidro Luiz Garcia de Souza - interventor Henrique Dodsworth e, depois, do PSD carioca. Essas ligações foram importantes para a
Cobrasil Romeu Sá Freire - empresa realizar obras como o Cristo Redentor, a estrada da Tijuca, o viaduto das Canoas, o forte de
Concórdia João Lagoeiro Barbará - Copacabana, o Jardim de Allah e outros serviços de urbanização. Quando Lacerda chegou ao poder, a
Contek (origem em ES) Chafir EliasSaade efamília Saad 1950 empresa tinha 28 contratos de obras com o antigo governo do Distrito Federal e, seis meses depois,
Ecisa Júlio de B. Barreto/Donald Stewart Jr. 1949 a nova gestão da Guanabara havia revogado 27 deles.142 Acompanhia tentou continuar operando, se
Esusa · Hermano Cezar Jordão Freire - pré-qualificou para o metrô do Rio em 1969,143 mas não levou a obra e logo deixou de existir.
Ferraz Cavalcanti Luiz C. B. Cávalcanti; Luiz Ferraz 1953 Aempresa de Luigi Quattroni, um dos fundadores do Sinicon em 1959, teve trajetória semelhan-
Genésio Gouvêia Jorge Luiz de la Rocque - te. Responsável por obras de estradas de rodagem e pelo túnel Rebouças, o empresário tinha ligações
Geomecânica Francis Bogossian 1972 políticas semelhantes à SBU. Também foi à bancarrota com ogoverno Lacerda, que tirou da companhia
Koteca Manoel Vivaqua Vieira/José de Almeida Vieira Sobrinho -
o contrato da construção do Rebouças.144
Metropolitana (CMC) Haroldo Cecil Poland/Maurício Alencar e irmãos 1933 Agestão Lacerda, com oaparente fito de enfraquecer ogrupo empresarial ligado ao getulismo
Metropolitana (CMSA) Francisco Dias Sant'Anna efamília 1945 na antiga capital, inaugurou prática que virou costumeira no Rio, a de abrir o mercado de obras local para
Portuária (PECP) Luiz Fernando Santos Reis/Galba de Boscoli -
empresas de outros estados, dando-lhes inclusive preferência. Algumas construtoras cariocas entraram
Presidente Wilson Saad Frahia efamília (Carlos e outros) 1966
em decadência após a implementação dessa orientação política. Emblemático disso foi a dificuldade
Quattroni Luigi Quattroni -
que tivemos para estabelecer a data da fundação de algumas empresas, como se vê no Quadro 1.3,
Rodoférrea Jacyntho Sá Lessa -
· empecilho que não tivemos ao listar as principais construtoras paulistas e mineiras. Algumas empresas
SBU Paulo de Frontin/Antonio Manuel Siqueira de Cavalcanti 1932
Sisai Jadir Gomes de Souza - locais, no entanto, parecem ter sido beneficiadas na gestão lacerdista, como a Brascan-Light, que fez
Sermarso/Sobrenco Sérgio Valle Marques Souza 1953/1957 no período a adutora Guandu-Leblon, e a Carvalho Hosken, ligada à secretária Sandra Cavalcanti e que
Sotege João Alfredo Castilho - ficou com contratos de urbanização em áreas de favelas removidas da zona Sul.145
Fonte: Os documentos consultados para elaboração doquadro ~ão citadosao longo dessa parte do capftulo. Outras empresas do Rio importantes antes dos anos 60 eram a Sotege, a Rodoférrea, a Companhia
Auxiliar de Viação e Obras (Cavo), a Cavalcanti Junqueira, a Ferraz Cavalcanti e a Genésio Gouveia. Todas elas
Podem ser enumeradas algumas características gerais das empreiteiras cariocas (presentes pertencem ao grupo das firmas que fundaram oSindicato Nacional da Construção Pesada (Sinicon) em 1959146
no Quadro 1.3), que, em linhas gerais, as diferem das de outros estados. Em primeiro lugar, é intensa e tinham então obras no Rio efora da capital. Apesar de decadente ao longo do regime civil-militar,a Genésio
a presença dessas firmas no mercado imobiliário, ao contrário de algumas mineiras e paulistas, que se Gouveia obteve lote para pavimentação e melhoramento da Belém-Brasília em 1972 e participava do seleto
especializaram basicamente em obras públicas. Aimportância do setor de imóveis do Rio, bem como grupo das empresas que atuavam em hidrelétricas, tendo feito as obras da UHE de Curuá-Uma (40 MW), no
as viradas e incertezas políticas dos a nos 60 e 70 na região, pode ser fator explicativo dessa tendência. Pará.147 Outra carioca decadente na ditadura e que também construía barragens era a Cavalcanti Junqueira,
Além disso, as cariocas efluminenses foram tardias na criação de um sindicato regional. Enquanto havia que participou das obras das usinas de Estreito, no rio Grande, e Porto Colômbia, em Goiás, associada a outras
em São Paulo uma associação de empreiteiros desde fins da década de 1940 e, em Minas, um sindicato empresas.148 ACavo era afirma de José Colagrossi Filho, diretor do Sinicon, que foi comprada pela (amargo Corrêa
do setor em fins da década de 1960, o Rio só viu o advento de organização similar em 1975, quando,
"' Entrevista feita por FERRAZ Filho, Galena Tinoco. A Transnacionalização ... op. cit. p. 31-109.
junto com afusão do estado do Rio e da Guanabara, foi fundada a Associação dos Empreiteiros do Estado "' Revista OEmpreiteiro. Ediçãadeagostade 1969, nº 19.
do Rio de Janeiro (Aeerj), que tinha dentre seus objetivos a adoção de políticas protecionistas para as '" FERRAZ Filho, Galena Tinoco. A Transnacionalização ... op. cit. p. 31-109; SINICON. Ata da reunião de fundação do Sinicon. 10 de março
de 19S9,
empreiteiras locais, o que era prática deliberada em Minas, São Paulo e Paraná. Um dos motivos que "' Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1972, nº 57.
explica o caráter tardio desse aparelho da sociedade civil é o fato de a cidade ser sede de organizações "' SINICON. Ata da reunião de fundação do Sinicon. 10 de 1~1959: 14p-. -
"' Revista OEmpreiteiro. Edições de outubro de 1972, nº 57, e julho de 1973, nº 66.
"' Revista OEmpreiteiro. Ed ições n" 22, 23 e 57.
· 76 EsrronhoHatedrois AIndústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 77

em 1956na estratégia da empreiteira paulista de estabelecer um braço na então capital federal.149 AServiços quadravam como uma das maiores do país na primeira metade dos anos 70, quando sua posição na lista das
de Engenharia Rodoférrea S.A. pertencia aJacyntho Sá Lessa e partiápou das obras de Brasília eda Ferrovia do maiores empreiteiras do país oscilava do 6° ao 9° lugar.157 Em colaboraçãoao projeto político do coronel Mário
Aço.150 ASociedade de Terraplanagem eGrandes Estruturas, aSotege (ex-Castilho), era controlada pelo engenheiro Andreazza de ser presidente da República, os donos da Metropolitana arrendaram os jornais Correio da Manhã e
João Alfredo Castilho, fundador, primeiro presidente e proprietário do escritório-sede do Sinicon até os dias Última Hora, respectivamente em 1969 e 1972.158 Apesar do porte econômico e prestígio político, aempresa foi
atuais.151 Castilho era ligado aJuscelino e, após construir aponte da Amizade entre o Brasil e oParaguai durante à falência no final de 1974, com atrasos nos pagamentos a receber, endividamento e recusa dos banqueiros de
ogoverno JK, sua empresa ergueu e deu ao presidente uma casa no país vizinho com oformato das iniciais de rolagem de sua dívida. Arevista OEmpreiteiro acusou má administração, mas as circunstâncias parecem indicar
seu nome, em um terreno doado pelo ditador Alfredo Strossner,152 o que gerou acusações contra a empreiteira. um rompimento político, dada a ligação da empresa ao grupo de Andreazza, parcialmente marginalizado na
APortuária (PECP) era uma tradicional construtora carioca de Galba de Boscoli, contribuinte do lpes, e que foi transição entre os governos Médici eGeisel. Um dos irmãos, Marcelo Alencar, foi suplente de senador pelo MDB,
comprada pela baiana Concic em 1973.153 cassado com oAl-5 e depois ingressou no PDT de Leonel Brizola, tornando-se prefeito e governador do Rio após
Outro empresário tradicional do ramo no Rio era oengenheiro mineiro Sérgio Valle Marques Souza, a democratização.159
criador e dono da Sermarso (Sérgio Marques Souza S.A.), fundada no Rio em 1953, e da Sobrenco (Sociedade Se a Metropolitana teveseu brilho interrompido em meados da ditadura, as cariocas que apresentaram
Brasileira de Engenharia e Comércio S.A.), de 1957. As duas empresas foram fundidas em 1969, mantendo o mais vigor ao longo do regime foramaEcisa ea Esusa.AEngenharia, Comércioe Indústria S.A. (Ecisa) foi fundada
nome da segunda. ASobrenco era especializada em obras de arte especiais, ou melhor, pontes eviadutos, sendo em 1949 no Rio por Julio de B.Barreto. Seis meses depois, ofilho de canadenses e estudante da Escola Nacional
responsável, com outras, pela ponte Rio-Niterói e, sozinha, pela ponte do Paranoá (projetada por Niemeyer e de Engenharia, Donald Stewart Junior, ingressou na empresa e cresceu dentro dela até se tornar presidente
então com a maior viga de concreto do mundo), trecho da Brasília-Acre e pelo viaduto Paulo de Frontin, no Rio com a morte de Barreto. Afirma foi responsável por obras como trecho da Rio-Bahia, estação de tratamento do
Comprido, que teve aqueda de um de seus módulos durante a obra, em 1971. Na ocasião do acidente, oClube Guandu, Brasília, opaulista hospital das Clínicas, edifício-sede do Banco do Brasil em Brasília, trecho da ferrovia
de Engenharia, no qual Souza exercia forte atuação, saiu em defesa da empresa, argumentando erro de projeto, do Aço, além de rodovia na Tanzânia. Suas especialidades eram as obras portuárias e metroviárias, tendo aEcisa
mas a companhia e opresidente acabaram maculados desde então.154 feito terminais para a Petrobras, porto de Maceió, obras em estaleiros, terminal de contêineres em São Paulo,
Apesar dos fracassos empresariais por conflitos políticos, havia os empresários próximos dos militares ampliação de porto no Paraguai, além de trechos dos metrôs do Rio e de São Paulo. Apesar da atuação no setor
e dos novos governantes pós-1964. Jadir Gomes de Souza era um dos controladores da empreiteira Sisai, de de obras públicas, outro ponto forte da companhia eram as edificações comerciais urbanas e sua exploração,
construção de edifícios urbanos, como o prédio do Rio 0thon Palace Hotel, em Copacabana. Souza era amigo como oshoppingcenterConjunto Nacional de Brasília esupermercados no Rio. Segundo a revista OEmpreiteiro, a
pessoa I ejogava cartas periodicamente com o presidente Arthur da Costa e Silva, além de ter financiado o lpes empresa foi ascendente na década de 1970, chegando a ser a 6ª maior do país em 1978, quando a revista Exame
antes do golpe. Aempresa cresceu na ditadura, mas era mais voltada para a construção imobiliária, tendo aapontava como 4ª maior construtora nacional.160 Com odesempenho, ~onald Stewart foi homenageado como
participado da ampliação e recuperação de oito hotéis em Angola no início dos anos 80.155 homem de construção do ano de 1977 pela revista OEmpreiteiro, com a seguinte justificativa:
Mais que aempresa de Jadir Gomes de Souza, aconstrutora carioca com relações mais profundas com
os militares egrupos multinacionais que participaram do golpe edo regime foi a Companhia Metropolitana de [...]é fato notórioque osucesso das maiores construtoras brasileiras se deve emboa parte às relações políticas de
Construções (CM(). Propriedade nos anos 70 dos irmãos Mário, Maurício eMarcelo Nunes Alencar ede Frederico que gozam seusdiretores proprietários. AEcisa constitui-se uma rara exceção. Sediada no Rio de Janeiro - um
Gomes daSilva,156 aempreiteira era dirigida no início dos anos 60 por Haroldo Ceei! Poland, que presidiuoSinicon mercado francamenteaberto atodos-e sem um "apadrinhamentotranscendente'; como afirma Dona/d Stewart
de 1960 a1962 e colaborou ativamente com o lpes, além de ser próximo do coronel Golbery do Couto e Silva e Jr., presidente da empresa, a Edsa esbarrou emtoda sorte de obstáculos ao tentar ingressar nos mercados de
de Carlos Lacerda. Aempresa foi fundada em 1933 efora responsável por trechos da Outra, São Paulo-Curitiba, outrosestados. Amaior dificuldade era justamente oprotecionismo às construtoras locais, praticado sob várias
Rio-Bahia, Imigrantes, oaeroporto de Curitiba, barragens, oleodutos, Brasília, dentre outras obras que a en- formasveladas esutis. Mas uma agressiva política de diversificação permitiu consolidaruma posição em diversas
frentes - que vão hoje de hospitais e metrôs até portos e centros comerciais, os quais são inclusive explorados
149
QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 15-24. comercialmente através de uma subsidiária-, possibilitando um ritmo relativamente firme de expansão e,
150
Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1976, n' 105. principalmente, conseguir atravessar as sucessivas crises do mercado de construção sem grandes arranhões."'
151
SINICON.Ata: op. cit.; Entrevista com o engenheiro Darcylo Carvalho Laborne doValle, em 18/5/2010.
152
lafayette Salviano.Transportes eCorrupção. op. cit. p. 197-217. ·
153
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. op. cit. p. 641.
"' Revista OEmpreiteiro. Edições n" 8, 19, 23, 39 e 51; LEAL, Paulo Nunes. OOutro Braço... op. cit. p.62. "' Revista OEmpreiteiro, edições n" 27, 33, 51, 54, 57, 6S, 68, 70 e 101.
"' Revista OEmpreiteiro. Edições n"78, 181e 193; GASPAR!, Elio. ADitadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. '" WAINER, Sam uel. Minha Razão de Viver. Rio deJaneiro: Record, 1988 [1 987]. p. 123-281.
267-275; DREIFUSS, René Armand. 1964. op. cit. p. 636-641. "' Revista OEmpreiteiro, edição de janeirode 1975, n~9;--,chUp#WWVhalerj.1j,go11,brJ->,.ace.sso em-1-9/-1/-20.12-. - - ·
150
Frederi<0 Gomes da Silva era um advogado ligado ao jornalista David Nasser e prestava consultorias para outras construtoras. Ver '" Revista OEmpreiteiro, edições n" 8, 19,43, 47, 50, 57, 68, 80, 87, 91, 94, 103, 114, 115 e116.
CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras Criadas: David Nasser eOCruzeiro. 2' ed. São Paulo: EdSENAC-SP, 2001. p. 383-454. "' Revista OEmpreiteiro, edição de dezembro de 1977, nº 119.
78 Estranhaswtedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 79

Donald Stewart agradeceu a escolha da revista e"estendeua homenagem atoda equipe da empresa". quando reclamava casas populares para as classes de baixa renda.166 Aconstrutora iniciou sua traje-
Em 1983,a revista Exame a escolheu como empreiteira do ano pelo seu desempenho frente à crise.162 tória com obras no subúrbio do Rio e figurou como construtora de pequeno porte durante a ditadura,
Aempresa tinha extensa ramificação para agropecuária, centros comerciais, mineração, além sempre abaixo da 30ª posição nacional no setor. Com foco regional e local, a empresa teve seu salto nos
de ter adquirido a empreiteira Coenge em 1977. No entanto, foi à concordata em 1978, após um atraso governos Brizola, quando foi responsável por parte das obras do sambódromo e por um total de 140
nos pagamentos da Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro. AEcisa tinha então 50% de seu dos 506 Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) construídos, o que a gabaritou a fazer os CEUs
faturamento proveniente das obras do subterrâneo carioca e, segundo Stewart, o encaminhamento do (Centros Educacionais Unificados) paulistas posteriormente. Aempresa adquiriu a Christiani-Nielsen
caso se deveu à contratante, que "por uma certa intenção que por declarações à imprensa altamente em 1988, formando em 1992 a Carioca Ch!ristiani-Nielsen Engenharia (CCNE) e, na década de 1990, foi
desabonadoras à Ecisa e completamente desnecessárias, levaram que a rede bancária se fechasse alçada à posição de uma das maiores empreiteiras do país. Participou das privatizações, sendo uma
completamente, não renovando mais a nossa dívida". Apesar do golpe na empresa, seu presidente das controladoras do suprimento de água para Niterói e de rodovias com pedágios no estado do Rio.167
afirmou: "ressalto porém que não vejo nenhuma conotação rolítica nesse caso".163 Com o pedido de Asempreiteiras cariocas lideraram, ao lado de mineiras e paulistas, a construção de Brasília e as
concordata, a Ecisa perdeu o contrato e sofreu um processo de decadência, levando Stewart a ser um grandes obras nacionais do período JK, tomando a iniciativa de fundar o Sinicon em 1959 e dominando
crítico do setor bancário, dos atrasos nos pagamentos do governo e das associações do setor, tidas por ele o órgão em seus primeiros anos. De 1960 a 1980, no entanto, dadas as injunções políticas no estado da
como pouco ativas. Chegou a processar a Cia. do Metrô do Rio, e depois a Aço minas, em atitude inédita Guanabara e no país, perderam espaço para emr>resas de São Paulo, de Minas e do Nordeste. Oprota-
dentre os empreiteiros, que em geral temiam as retaliações por medidas judiciais. Stewart foi aplaudido gonismo inicial deu lugar a uma relativa decadência e perda da centralidade, visível de maneira mais
no setor por essas decisões e esboçou projeto de se tornar uma liderança empresarial, participando das ampla em diversos segmentos da economia flu111inense após a transferência da capital para Brasília.
atividades do Instituto Liberal no início dos anos 80. Por fim, a empresa tentou uma reação em 1983,
mas novamente sofreu com atrasos e poucos contratos até ir à falência logo em seguida.164 '7odos querem ser (amargo Corrêa"768 -As empreiteiras paulistas
Acurva ascendente e decadente da trajetória da Ecisa durante a ditadura tem certo paralelo
com o percurso da Esusa (Empresa de Serviços Urbanos S. A.). Presidida por Hermano Cezar Jordão Freire, Após a ultrapassagem do Rio de Janeiro na década de 1920, São Paulo se tornou o epicentro
a empresa teve várias obras importantes no Rio em seu porta-fólio, como trecho da linha do metrô, o da acumulação do capital industrial do país, sendo demandadas diversas obras para a implementação
Riocentro, a estrada Teresópolis-Nova Friburgo, a urbanização da Lagoa Rodrigo de Freitas e da orla · do seu parque fab ril e da economia urbana. Aarrecadação dos cofres públicos no estado se elevou
de Copacabana, o viaduto da Mangueira, prospecção de petróleo e a linha Lilás, com os viadutos 31 continuamente, dando suporte a várias intervenções de infraestrutura. Com essas condições, foi cria-
de Março e do Santo Cristo ligando o túnel Santa Bárbara à zona portuária. Aempresa também atuou do ali o principal mercado de obras públicas do país, contando com um amplo número de empresas
no exterior, com a obra de dois hotéis no Iraque, tendo uma sede no Paraguai, para sondar obras na especializadas em obras específicas, além de empreiteiras de porte superior às maiores existentes em
América do Sul, e era atuante no setor imobiliário, com empreendimentos para o BNH. Com as obras outras regiões do país.
acumuladas, a Esusa saiu da 44ª posição dentre as empreiteiras nacionais em 1972 para o 11° lugar em Uma característica do mercado paulista de construção pesada é a sua variedade, contando-
1982. A arrancada fez com que Freire fosse escolhido o homem de construção do ano pela revista O -se empresas pequenas, médias, grandes e as macro, além de um alto índice de especialização das
Empreiteiro em 1979. Aestratégia da empresa incluía nunca fazer com que um contrato equivalesse a firmas em determinados tipos de obra. Outra marca do empresariado paulista da construção é a sua
mais do que 20% ou 30%do seu faturamento total, de modo a evitar o problema que ocorreu com a pioneira e vigorosa organização no âmb ito da sociedade civil. Trata-se do primeiro estado que teve
Ecisa. Esse modus operandi não evitou sua falência em dezembro de 1983, momento em que o mesmo uma associação composta apenas por empreiteiros, enquanto o Rio e Minas contavam somente com
ocorria com outras empreiteiras do país.165 organismos de engenheiros e construtores. Aelevada organicidade foi importante para o fortaleci -
Por fim, a empresa que teve ascensão no fim da ditadura e que virou a principal empreiteira do mento das empresas locais, e sua intensa atuação junto aos órgãos do aparelho de Estado auxiliou na
Rio no pós-regime é a Carioca Engenharia. Foi fundada em 1947 por João Carlos Backheuser, descendente adoção de políticas favoráveis, em particular o protecionismo estadual. Poucas empresas não paulistas
de Everardo Backheuser, espécie de intelectual orgânico do setor construtor na Primeira República, conseguiam arrematar contratos de agências estêltais do governo ou prefeituras de São Paulo, e com
essa reserva do mercado, houve um terreno fértil para o desenvolvimento das construtoras paulistas,
161 166
InformeSinicon. Edição de 23 de julho de 1984, Ano 1, n' 22. MATTOS, Romulo Costa. Pelos Pobres! op. cit. p. 45-141. Backheuser também era atuante na SNA, conforme indicou Sonia Regina de
"' Revista OEmpreiteiro, edição de janeiro de 1980, n' 144. Mendonça em OPatronato Rural no Brasil Recente. op. cit. p. 254-298.
167
"' Revista OEmpreiteiro, edições n" 163, 170, 188 e 200; DREIFUSS, René Armand. OJogo do Direita na Nova República. 2 ed . Petrópolis: Revista OEmpreiteiro. Edições n" 163, 188,200 e 21 2;-<-mtpJ,lWW\Y,filr-iocaengenharia.com.brl>,-ace-sso-em 4 de fevereiro de 2009.
Vozes, 1989. p. 47-107. "' frase redigida por Harold o Guanabara, dirigente do Sinicon ed a Aeerj, em artigo na revista (onstruirn" 1, de junho de1988, e repetida
'" RevistaOEmpreiteiro. Edições n"68, 99, 115, 124, 127, 138, 141, 163, 176, 187, 188 e 193. por outros empreiteiros em diversas ocasiões.
·80 Estran/Jascaredrais Aind úÍtria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 81

principalmente em momentos em que a antiga capital federal dispunha de empresas màiores e mais e pequenas firmas e teve desentendimentos com o ministro Antonio Delfim Netto - notório defensor
avançadas tecnologicamente. As principais empreiteiras paulistas são apresentadas no Quadro 1.4. das macroempresas - quando estava à frente da Apeop.170
Outra empresa que não constava na lista das 10 maiores do país, mas que teve um presidente
Quadro 1.4- Principais empreiteiras paulistas ao longo da ditadura bastante ativo politicamente, foi a Beter, de Carlos Alberto Lancellotti. Fundada em 1953, a empresa
Empresa Controladores principais Fundação participou de obras ferroviá rias paulistas, do metrô da cidade, de viadutos, da rodovia dos Imigrantes
Azevedo &Travassos Bernardino Pimentel Mendes* 1922
e de outros empreendimentos, marcadamente em São Paulo, além de um projeto rodoviário na Arábia
Beter Carlos Alberto Magalhães Lancellotti 1953
Saudita nos anos 70. Lancellotti atuou eni outras empresas, como a Beta e a Beisa, e entrou na Beter
CamargoCorrêa Sebastião (amargo Penteado 1938
como funcionário, quando ela era presidida por Domingos Nazarian, tendo rápida ascensão interna até
CBPO Oscar Americano de Caldas Filho 1931
CCBE** Cincinato Cajado Braga chegar ao posto mais alto da firma. Nas instituições da sociedade civil, Lancellotti presidiu o Sinicesp,
1948
Cetenco*** Família Malzoni 1956
recebeu a medalha Washington Luís do Mérito Rodoviário e teve intensa atuação na Fiesp, onde foi
Conspaor Horácio Ortiz 1958 diretor e vice-presidente, além de ter ações de filantrop ia.171
Constran Olacyr Francisco de Moraes 1957 AGuarantã era a tradicional construtora da família Lattes, responsável por obras como oedifício
Guarantã Primo Lattes 1953 Martinelli, em São Paulo, e a fábrica da Casa da Moeda, no Rio. 172 Aconstrutora H. Guedes foi fundada
H.Güedes Henrique Guedes de Pereira Leite - por Henrique Guedes entre a década de 1940 e a de 1950 e tinha porte intermediário, o que não era o
Rossi** Família Rossi Cuppolini 1961 caso da trajetória de seu proprietário. Nascido em Portugal, Guedes se formou na Escola Politécnica da
Serveng-Civilsan Pelerson Soares Penido 1958 antiga Universidade do Brasil e trabalhou no Departamento de Obras Públicas do estado de São Paulo
Servienge Amynthas Jacques de Moraes 1929 antes de fundar sua empresa. Presidiu a Apeop nos anos 70 e fundou em 1987 oClube dos Empreiteiros,
Servix** Cincinato Cajado Braga 1928 entidade que reunia empreiteiros paulistas e administradores públicos afeitosa esses empresários, como
* Passou a controla rem 1964 a empresa, fundada em 1922 por Francisco Azevedo e Francisco Travasses.
** As três empresas se fundiram em 1973. Shigeaki Ueki e Delfim Netto. Católico fervoroso, era conhecido por suas ideias a favor do controle da
"* Antiga Temo, controlada pela família e presidida ;ité 1980 pelo tambémacionista Eduardo C. Rodrigues.
Fonte: Os documentos con~u!tados para elaboração do quadro são citados ao longo dma pa1te do capitulo. natalidade, ações de filantropia e pelo pouco apreço à democracia, comum entre os empresários do
·ramo. Significativo disso é passagem de artigo de um dos seus dois livros: "Nos bons tempos em que o
As primeiras empresas de construção paulistas datam da Primeira República e estavam envol- prefeito de São Paulo era indicado pelo governador [...]".173
vidas com o chamado complexo cafeeiro, prestando serviços para ferrovias, portos e prefeituras. Um Integrando o quadro de empresários com rica trajetória na sociedade civil e sociedade política,
exemplo éa Companhia Construtora de Santos, pertencente a Roberto Simonsen, que estava ocupada Newton Cavalieiri também não montou uma empresa que constasse entre as maiores do setor. Trabalhou
em 1917 com a obra de um edifício próximo ao porto de Santos para firma frigorífica. 169 De forma em empresas como a Serveng (futura Serveng-Civilsan) e na Enejota Cava lieiri, de sua propriedade. Teve
similar, os engenheiros formados na Escola Politécnica de São Paulo Francisco Azevedo e Francisco intensa atuação nas organizações de classe, sendo um dos fundadores do Sinicesp e presidente do órgão
Palma Travassos trabalhavam para a companhia ferroviária Noroeste e, em 1922, fundaram a Azevedo & durante 15 anos nas décadas de 1970 e 1990, além de ter coordenado o Grupo Setorial da Construção
Travassos, uma das primeiras empresas brasileiras dedicadas à construção pesada. Essa firma resistiu às Civil da Fiesp. Defensor do transporte ferroviário, Cavalieri atuou ainda no Instituto de Engenharia de São
conjunturas posteriores, atuando em ferrovias, pavimentação, galerias e terraplanagem, além das obras Paulo, no Instituto Mauá de Tecnologia e Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais (lncoop).
do metropolitano paulista . Em 1964, Bernardino Pimentel Mendes assumiu ocontrole da empresa, que, Era membro da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE), instituição que reunia outros
quatro anos depois, incorporou a construtora ltaporã, pertencente a Mendes. Apesar de suas empresas empresários da construção, e também teve atuação na filantropia , como na Associação de Amparo à
não constarem no grupo das maiores do país, tendo posições mais intermediárias, Mendes teve extensa Criança Deficiente (AACD). Foi ainda assessor do secretário de Transportes de São PaUlo nos anos 70 e
trajetória institucional. Em 1967, ele foi um dos fundadores do Sinicesp- presidido por ele entre 1984 e chegou a atuar na Secretaria estadual de Negócios Penitenciários.174
1987 - e recebeu em 1998 a medalha Washington Luís, conferida pelo sindicato às "grandes figuras do
"º Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1968, n' 8; SINICESP. A Saga... op. cit. p. 18-27; 36-43; 66-81; Revista Infra-Estrutura:
rodovia rismo nacional". Chegou a presidir também o Instituto de Engenharia de São Paulo (IE), entre revista oficial do Sinicesp. Ano 3, n' 16, p. 32-4.
1975 e 1978, a Apeop, de 1973 a 1974, e a Associação Rodoviária Brasileira (ARB), sendo um dos vários 171
Revista OEmpreiteiro. Edições n' 8e 123; SINICES?. ASaga ...op.cit. p. 36-43; p. 66-81; Revista Infra-Estrutura: revista oficial do Sinicesp.
Ano 3, n' 16, p. 36-7.
empresários que iniciou a carreira profissional no setor público, no caso no DER-SP. Defendia as médias 112
Revista OEmpreiteiro. Edições de setembro de 1968, n' 8, e de agosto de 1978, n' 127.
"' GUEDES, Henrique. Histórias de Empreiteiros. São Paulo: élulrnlos Empreiteiros, s/d [1 996]. p. 220.
114
Informe Sini con n' 9; SINICESP. A Saga da Construção Pesada em São Paulo. op. cit. p. 18-27; p. 32; p. 36-43; Revista Infra-Estrutura:
'" INSTITUTO de Engenharia. Engenharia no Brasil. op. cit. p. 11-53. revista oficial do Sinicesp. Ano 3, n• 16, p. 28-30.
82 Estranhas catedrais Aindústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 83

Aempresa na qual Cavalieri trabalhou, aServeng, deu origem a um dos grupos mais tradicionais de obras como a adutora do Guandu, o túnel Rebouças e o complexo industrial da Usiminas. De 1960
da construção pesada paulista. AServeng-Civilsan S.A. Empresas Associadas de Engenharia é fruto da a 1973, foi a segunda maior construtora de hidrelétricas do país, só perdendo para a (amargo Corrêa.
fusão da Serveng, criada em 1958 em Guaratinguetá, e da Civilsan, fundada em 1947 em São Paulo. Na ditadura, envolveu-se em uma intricada sucessão de aquisições, falências, concordatas, fusões e
Presidida por Pelerson Soares Pen ido, a empresa teve importantes obras em São Paulo, além de trecho desmanche de fusões. Em 1970, ela e sua subsidiária - a projetista Engevix - foram adquiridas pela
da Rio-Santos, da barragem do Guandu e de Salto Mimoso, em Mato Grosso. Penido era ainda dono de empresa da família Rossi Cuppolini, a Rossi Engenharia, criada em 7961, e, em 1972, a Rossi-Servix fez
um hotel efoi secretário de Viação do governo estadual de Adhemar de Barros em São Paulo. Na década nova aquisição. ACompanhia Construt~ra Brasileira de Estradas (CCBE, antiga Sociedade Brasileira
de 1990, a empresa se associou a outras construtoras nas concessões rodoviárias. 175 Construtora de Estradas) era uma tradicional empreiteira fundada em 1948 em São Paulo e pioneira no
Outra empresa tradicional do mercado paulista - apesar de também ter sede no Rio - era uso de equipamentos importados. Presidida por Cincinato Cajado Braga, cuja família estava envolvida
a Companhia de Serviços de Engenharia, a Servienge, datada de 1929. Oseu presidente em 7969 era com a política paulista desde a República Velha,'79a empresa participou do plano rodoviário estadual de
Amynthas Jacques de Moraes, financiador do lpes, e seu porta-fól io incluía obras emblemáticas como JK, fornecendo maquinário às empreiteiras mineiras.18ºLiderando oconsórcio que venceu a concorrência
a usina de Volta Redonda da CSN, trechos da Leopoldina e da variante da Central do Brasil, adutora de para a construção da ponte Rio-Niterói, a empresa entrou em declínio com as dificuldades na obra e
Ribeirão das Lages e rodovias como Rio-Belo Horizonte e Fernão Dias. Aempresa tinha propagandas a rescisão do contrato pelo governo. Em 1972, a CCBE fez fusão com a Rossi-Servix, ganhando a nova
na Revista do Clube de Engenharia na década de 1950, participou da fundação do Sinicon em 1959 e foi empresa um porte que a colocava como segunda maior de engenharia do país. Anova companhia, que
pioneira no lançamento de ações na bolsa e na ramificação empresarial, contabilizando um grupo de tinha conexão com capitais japoneses,18t lançou ações na bolsa e era controlada pelo ltaú. Realizou a
sete firmas em 1971, com atividades de cooperação imobiliária, agropecuária, produção de cimento, barragem de Sobradinho e desenvolveu planos para atuar no exterior, como em um aeroporto de Lisboa.
distribuição de energia elétrica, laminação, materiais sulfurosos e construção de estruturas.176 Em seguida, a fusão foi desfeita e a empresa separada em duas: a Rossi, voltada para omercado imobi-
Tão ou mais tradicional que a Servienge era a Companhia Brasileira de Projetos e Obras (a CBPO), liário, e a Servix, dedicada às obras públicas, herdeira do porta-fólio da Rossi-Servix-CCBE na construção
fundada em 7931 como Companhia Construtora 0scar Americano pelo engenheiro da Escola Politécnica pesada. Aoperação de desestruturação da fusão foi feita com apoio do Banco Central, após período de
0scar Americano de Caldas Filho (1908-1974).177 Aempresa, que passou a se chamar CBP0 em 1949, foi crise na construtora, que teve a sua administração entregue à CBPO e perdeu posições entre as maiores
uma das fundadoras do Sinicon e uma das principais empreiteiras brasileiras até o início dos anos 80, nacionais. Em 1975 e 1976, Cincinato Cajado Braga, Sérgio Schmidt Neves, Roberto Ary, Sérgio Nasi e
constando geralmente entre as cinco maiores do país. Tendo controle de tecnologia e porte para atuação José Sestini adquiriram 56% do controle da Servix que estavam nas mãos do ltaú e reestruturaram a
em obras de grande complexidade, como hidrelétricas, metrôs e aeroportos, a firma foi uma das cinco empresa. Com a posterior saída de Cincinato Braga da presidência e chegada de Sérgio Neves ao cargo,
para compor o consórcio responsável por ltaipu, na década de 1970. Antes disso, fez obras em Brasília, a empresa conseguiu se recuperar e ganhou otítulo de empreiteira do ano de 1978, dado pela revista
para a Cesp (a UHE de Xavantes), e no Paraguai, onde construiu a hidrelétrica de Acaray. Seu percurso OEmpreiteiro. Em 1982, no entanto, a empresa pediu concordata.182
começou a se modificar quando dividiu com a baiana 0debrecht a obra do aeroporto supersônico Atrajetória da Servix vai contra a norma do setor, que é a de capitais nacionais sob ocontrole de
do Galeão, no Rio. As duas empresas se aproximaram e decidiram pela associação em 1980, ficando grupos familiares. Essa linha tem como exemplo a Construções e Transportes Constran Ltda., empresa
acertado que 49% das ações da CBP0 seriam transferidas para a 0debrecht. Oacordo inicial indicava a paulista de 1957, controlada por 0lacyr Francisco de Morais. Filho de um vendedor de máquinas de
continuidade da autonomia das duas empresas, porém, em 1983, o patrimônio da CBP0 foi adqui rido costura, Morais iniciou sua carreira com a peque11a construtora e ergueu um império empresarial, sendo
pela Odebrecht, que usou da tradição técnica da empresa paulista para atuar em obras metroviárias, mais conhecido por sua atuação agropecuária. AConstran era uma empresa média no início da ditadura
de barragens no exterior.178 e foi crescendo gradualmente até se tornar uma das 10 maiores do país. Envolvida nas obras do metrô
Dentro do conjunto das grandes construtoras paulistas, temos a Servix. Fundada em 1928, foi de São Paulo, hidrelétricas no Mato Grosso (estado original de 0lacyr), as estradas paulistas Anchieta e
a primeira empresa brasileira no ramo hidrelétrico e responsável por projetos de usinas paulistas, além Imigrantes e oaeroporto de Guarulhos (com a (amargo Corrêa), aConstran teve como obra mais polêmica
oemissário de Ipanema, não finalizado pela empresa eque lhe gerou um processojudicial do estado da
m Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1968, nº 8; SINICESP[Luiz Roberto de Sousa Queiroz]. ASaga... op. cit. p. 82-93; <http://
www.grupoccr.corn.br/>, acesso em20 de agosto de 2007.
Guanabara. Ligado a Ulisses Guimarães e Sarney, o empresário ganhou força na segunda metade dos
116 Revista OEmpreiteiro, edições n° 8, 23 e 4S; Revista do Clube de Engenharia. Edição de dezembro de 1955, n° 232; DREIFUSS, René
Armand. 1964: a conquista do Estado. op. cit. p. 636.
177 Caldas era acionista também- assim como oempreiteiro Ci ncinato Braga e outros empresários- da TV Paulista em1965, tra nsfe rid a "' MENDONÇA, Sônia de. Agronomio e Poder noBrasil. Rio de Jan eiro: Vício de Leitura, 1998. p. 55-11 2.
para ocontrole de RobertoMarinho para criação da Rede Globo-SP. Ver <http://www.observatoriodaimprensa.eom.br/>, acesso em 18
° FERRAZFi lho, Galeno Tinoco. ATronsnacionolização... op. cit. p. 31 -109.
16 deagosto de 2011. 181 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Cartéis eDesnacionalizaçãõ:ã experiência brasiiei ra, 1964-í974. Rio de Ja neiro: Civilização Brasileira,
171
Revista OEmpreiteiro. Edições nº 8,23, 33, 98e 150; FERRAZFilho,Galeno Tinoco.A Transnaciona/ização... op. cit. p. 111-228; p.267-268; 1975. p, 97-113.
SINICON. ATA da funda ção do Si nicon, 10/03/1959. 181
Revista OEmpreiteiro. Edições de n° 8, 13, 32, 57, 60, 65, 66, 73, 103, 130 e 178.
· 84 Estranhascatedrais Aind ústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 85

anos 80, apesar de seus elogios à ditadura.183Apontado como o mais jovem bilionário brasileiro, Olacyr construtora, no momento em que ela tocava duas obras no exterior. Aprevisão vingou e uma forte
realizou ampla ramificação empresarial, com o banco ltamaraty e investimentos rurais. Desenvolveu a decadência se fez ver na Cetenco.187
maior iniciativa agrícola do país em Mato Grosso, com a criação de 100 mil cabeças de gado e produção Por fim, a maior empreiteira paulista e do Brasil durante a ditadura foi a (amargo Corrêa. De
de soja, sendo conhecido como o "rei da soja", por ser o maior produtor nacional; teve cinco projetos 1971 a 1985, a (amargo Corrêa constou em 1° lugar entre as construtoras nacionais na lista feita pela
apoiados pela Sudam e acabou condecorado pela SNA com a Medalha do Mérito Agrícola em 1984.184 revista OEmpreiteiro, havendo inclusive anos em que o seufaturam ento superava odobro das receitas
Empenhou-se nos anos 80 na Ferrovia Leste-Oeste, ou Ferronorte, que, com recursos públicos, ligaria a da segunda colocada. As únicas exceçõrs foram 1979 e 1984, quando a empresa oscilou para a 3ª e 2ª
malha ferroviária paulista às áreas agrícolas de Mato Grosso, alcançando Cuiabá e, depois, Porto Velho e posição,188 como se vê no Gráfico 1.2. Mesmo assim, seu patrimônio sempre foi o maior do país e, segun-
Santarém. Oprojeto, elogiado por Geisel,185 parece tertrazido a decadência ao grupo ltamaraty, já que do pesquisa da Caterpillar, principal fabricante internacional de máquinas para construção, contando
dependia de uma ponte sobre o rio Paraná, obra que estaria sob a incumbência do governo estadual a quantidade e o valor dos equipamentos de emp reiteiras do mundo inteiro, a (amargo Corrêa (CC)
paulista.Como as gestões Quércia e Fleury não afize ram, Olacyr alega ter acumulado prejuízos até chegar era a maior companhia de construção do planeta no início dos anos 80.789 Ela superava então norte-
à fàlência. Segundo Delfim Netto, "Olacyr foi um visionário destruído por um estado desonesto';. Nas -americanas e europeias, já que construía as três maiores hi drelétricas do mundo: ltaipu (14 mil MW),
décadas de 1990 e 2000, o banco ltamaraty foi vendido ao BCN e as terras de Morais no Mato Grosso Guri (na Venezuela, 10 mil MW) e Tucuruí (8 mil MW).
tomadas pelo Incra para fins de reforma ag rária. Oempresário assim explicou a decadência da cons-
trutora: "Os investimentos em infraestrutura no Brasil pararam. Oque nós temos de bom na Constran Gráfico 1.2 - Posição da (amargo Corrêa dentre as construtoras brasileiras na ditadura
éoacervo tecnológico. Mas perdemos o bonde das privatizações e dos pedágios." Na década de 2000, 1971 1972 1973 1974 197 5 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984
aConstran foi vendida à UTC Engenharia.186
Fundada em 1956, a Tenco S. A. - Construtora de Usinas Hidrelétricas era propriedade da
família Malzoni e de um dos principais intelectuais orgânicos dos empreiteiros, Eduardo Celestino
Rodrigues. Com a aquisição da empreiteira Centenário, a empreiteira passou a ser chamada Cetenco e,
como indicava seu nome, tinha tradição em hidrelétricas. Responsável pelas obras das UHEs de Barra
Bonita, Capivari-Cachoeira, Promissão, Funil e ltaipu, a Cetenco fez parte também do túnel Rebouças e
do metrô de São Paulo. No exterior, atuouna construção do metropolitano de Caracas e na hidrelétrica
de Guri, na Venezuela, junto com a (amargo Corrêa (CC). Com essa empresa a Cetenco teve momentos
de co ntlito e aproximação, e Celestino, presidente da Cetenco, entrou na justiça contra a empreiteira
por uma disputa envolvendo o metrô de São Paulo. Logo, porém, as duas se entenderam, e Celestino,
que presidia o Instituto de Engenharia de São Paulo, concedeu a Sebastião (amargo o título de sócio
honorário do instituto em 1970, apesar de o dono da CC não ser engenheiro. ACetenco figurava como Fonte: Revista OEmpreireiro,ed!ções n"' 57, 68, 80, 91, 103, 115, 127, 13&, 150, 163, 176, 788, 200e 212,

uma dascinco maiores do país nos anos 70, eseu presidente, professor de Engenharia da USP, escrevia
livros sobre os problemas nacionais, além de ser próximo de Adhemar de Barros, Delfim Netto, Lucas Formada em 1938 em São Paulo, a (amargo Corrêa leva o nome dos seus dois fun dadores e ·
Nogueira Garcez, Mário Henrique Simonsen e Glycon de Paiva, e ter sido assessor do ministro de Minas primeiros principais sócios. Sebastião Ferraz(amargo, filho dos proprietários rurais Francisco Ferraz de
e Energia, César Cais. Essa centralidade do seu presidente conferia à Cetenco uma posição privilegiada (amargo e Anna Claudina (amargo Ferraz, não completou o 3° ano do ensi noprimário e depois ganhou
dentre as empreiteiras brasileiras, porém afirma sofreu um duro golpe quando Celestino se demitiuda o sobrenome Penteado ao se casar com dona Dirce Penteado - da tradicional família Penteado, da
função em 1979, acusando "atos imaturos cometidos pelos demais acionistas da empresa - do grupo burguesia cafeeira e industrial paulista - ,790 tornando-se logo o maior acionista da empresa ao comprar
Malzoni - que detém [sic] mais de 51% das ações". Arevista OEmpreiteiro previu transtornos para a
187 OEmpreiteiro. Edições n• 8, 76, 143, 169; QUINTELLA, Wilson. Memóriasdo Brasil Grande. op. cit. p. 295-321; p. 399-426. Nosanos 90,
aempresa foi acusada de contribuir pa ram esquemas de corrupção de PC Farias. Sobre isso, ver ODEBRECHT, Emílio. AOdebrecht ea
183DREIFUSS, RenéArmand. OJogo da Direita na Nova República. op. cit. p. 47-107. Privatização: pronunciamento deEmílioOdebrecht noCo ngresso Nacional. [S.I]: [s.n.], [1993] . p. 123-138.
"' MENDONÇA, Son ia Regina de. OPatronato Rural no Brasil Recente. op. cit. p. 264. "' Revista OEmpreiteiro. Edições n• 57, 68, 80, 91, 103, 115, 127, 138, 150, 163, 176,188,200 e 212.
189 QUINTELLA, Wilson.Memórias doBrasi/Grande..op_dLp.J S-24. Usamos a memóriado ex-dirigente da empresa como principal fonte
"' D'ARAÚJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (o rg.). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: EdFGV, 1997. p. 328-329.
"' Ve r maisemCAMPOS, P. H. P. "Aformação .•.'. op. cit. p. 10-11; OEmpreiteiro. Edições nº 8, 13, 31, 168, 175; PRADO, Lafayette Sa lviano. para a reconstrução datrajetóriada companhia.
TransporteseCorrupção. op. cit. p. 119-138; OGLOBO, 28/8/2011, p. 39. "º Ver GORENDER, Jacob. ABurguesia Brasileira. 3• ed. São Paulo: Brasiliense, 1991 [1981]. p. 37-38.
.86 Estranhas catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 87

as ações de Silvio Córrêa e dos minoritários Antonio Giuzio e Wilson (amargo Barros. Segundo Wilson Depois de ter obtido tecnologia com a norueguesa Noreno na construção de três usinas da Cherp, a
Quintella,quinto funcionário contratado pela empresa em 1947 e presidente da companhia posterior- empresa passou a atuar na maior parte das hidrelétricas paulistas, sendo um marco a UHE de Jupiá,
mente, "Sebastião, o diretor superintendente, era o homem dos relacionamentos: fazia as amizades e a maior do Brasil então.19s
criava as oportunidades de negócio". Já Sílvio Brand Corrêa entrava teoricamente com o dinheiro, mas Oque deu força para que a empresa de Sebastião (amargo chegasse ao golpe de 64 como maior
não só: "Como o dr. Silvio se relacionava bem com Adhemar [de Barros], o Sebastião se associou a ele construtora nacional e permanecesse nesse posto durante oregime foi em boa parte sua inserção no aparelho
para ter acesso às obras feitas para o governo". No caso, Brand Corrêa, advogado formado no Largo do de estado paulista.196 Nos financiamentos, por exemplo, a empresa só atuava com o Banespa, conseguindo ali
1

São Francisco, era casado com Odete, irmã de Adhemar de Barros. Ofato de ser cunhado do governador e empréstimos facilitados.197 Na área de energ ia, a (amargo Corrêa foi responsável pelas obras de grande parte
interventor de São Paulo quando aempresa foi fundada parece ter sido determinante para aarrancada da da capacidade instalada do estado, além de ter sido acionista de 8% da estadual Celusa.198 ACC construiu Jupiá,
(amargo Corrêadesde seus primeiros anos. Omédico Adhemar de Barros contratou acompanhia nascente Ilha Solteira, Água Vermelha, o aeroporto de Guarulhos, trechos da Imigrantes, Anchieta, Via Norte (depois,
para várias obras e, apesar das denúncias de ilegalidades em seus cargos no Executivo, Quintella vê o estrada dos Bandeirantes), metrô de São Paulo e obras da Sabesp.199 Enfim, não houve grande obra no estado
ex-governador de São Paulo como um injustiçado: "de modo algum merece ser lembrado pela história em que aempresa não estivesse presente, mas a mesma sorte não servia para contratantes como Cemig, Chesf,
pelo bordão ao qual foi associado, o de político que 'rouba, mas faz'".191 Apesar da defesa de Quintella, Furnas ou Eletrobrás.
o político paulista foi cassado pela ditadura em 1966 sob a alegação de corrupção e, três anos depois, Ainserção da empresa no Executivo paulista transcendia as diferentes gestões estaduais. Mesmo com
os guerrilheiros da ALN (Ação Libertadora Nacional) tomaram na sua casa um pequeno cofre com US$ as conexões com Adhemar, a chegada de Jânio Quadros ao governo do estado não trouxe problemas para a
2,6 milhões em pacotes de banco suíço, o que, segundo Elio Gaspari, "era dinheiro roubado, tomado a construtora. Quintella era próximo do governador de Mato Grosso, Fernando Corrêa da Costa, que ficava em
empreiteiros e bancas do bicho".192 sua casa quando ia a São Paulo. Jânio - mato-grossense de nascimento e próximo do governador de Mato
Outras relações foram importantes na formação da empresa: Grosso - foi certa vez jantar na casa de Quintella e, segundo sua memória, Sebastião compareceu econseguiu
ali um acordo para oprolongamento da ferrovia Sorocabana para a empreiteira. 200
Em Jaú, Sebastião trabalhou para Adernar de Almeida Prado, que tinha o banco de São Paulo e a Além das relações que uniam membros da empresa aagências do aparelho de Estado, a CC era profícua
Companhia de Armazéns Gerais, depois compradas pela (amargo Corrêa, além das fazendas de Prado. em relações empresariais, em especial junto à gra11de burguesia paulista. Oadvogado Wilson Quintella, que
Em São Paulo, Sebastião ficou amigo do jauense Joaquim Paes de Barros, que, depois, foi deputado e · entrou na empresa pelas mãos de Sílvio Brand Corrêa eque logo se tornou ali asegunda pessoa mais importante,
presidente da Alesp e, por pressão de Sebastião, foi para oTCE no governo de Roberto de Abreu Sodré, já era próximo de José e Antonio Ermírio de Morais, tendo estudado com eles na época do colégio.2º1 Aempresa
que passava por dificuldades financeiras. Em São Paulo, Joaquim Paes de Barros (Quinzinho) convenceu desenvolveu firme relação com a Votorantim e havia também proximidade com o Bradesco. Aligação (amargo
Sebastião a entrar no ramo da construção e este passou a trabalhar como subempreiteiro em obras Corrêa-Bradesco-Votorantim perdurou após a ditadura e, na década de 1990,ostrês se uniram no consórcio VBC
para o DER, fazendo cercas, bueiros etc. Procurando Alcides de Barros, Sebastião foi apresentado ao dr. para comprar a companhia de energia CPFL.202
Sílvio, criando a (amargo Corrêa Limitada. José Renato de Lyra Tavares trabalhava com o dr. Sílvio na Atrajetória institucional de Sebastião (amargo eda sua empresa são peculiares, já que (amargo fazia
(amargo Corrêa, que começou a fazer obras de retificação e prolongamento de estradas de ferro, além questão de que a empresa participasse de todas as associações de classe setoriais ou não, sem exercer adireção
de loteamento de primeira classe para os monges do Mosteiro do São Bento.193 de nenhuma delas. Assim, a(amargo Corrêa foi fundadora do Sinicon,203 era associada do Sinicesp, da Apeop e
outras entidades de empreiteiras, mas nunca exerceu cargo em suas diretorias durante a ditadura, sendo, pelo
Essas notas parecem indicar a ampla inserção da empresa de Sebastião (amargo no seio da contrário, muitas vezes alvo de críticas dos dirigentes dessas entidades.Sua área de atuação não se retinha apenas
burguesia paulista e do aparelho de Estado local. ACCfoi criada como empresa limitada e transformada nesse campo, e odono da empresa era envolvido com militares e multinacionais, sendo representante da seção
em sociedade anônima em 1946.194
'" ALMEIDA, Márcio Wahlers de. Estado eEnergia Elétrica em São Paulo. op. cit. p. 28-150.
A(amargo Corrêa começou atuando em serviços para empresas ferroviárias e ocupação do "' Sobre isso, há anedota relatada no livro de Henrique Guedes, na qual, por ocasião da posse de um governador no Palácio dos Bandei-
espaço urbano. Diversificou depois suas atividades na engenharia, participando de obras rodoviárias rante s, um antigo administrador teriaencontrado Sebastião (amargo na solenidade eteriadito: "Olá, Sr. Sebastião, osenhortambém
por aqui? - Eu ... eu estou sempre aqui ... os senhores é que mudam." GUEDES, Henrique. Histórias de Empreiteiros. op. cit. p. 128.
em São Paulo desde o final dos anos 30 e, em níve.1nacional, após a criação do FRN. Esteve presente 197 QUINTELLA, Wilso n. Memórias da Brasil Grande. op. cit. p. 199-224.

na construção de Brasília e nas obras rodoviárias de JK, porém seu maior trunfo eram as hidrelétricas. 198 ALMEIDA, Márcio Wahlers de. Estado eEnergia Elétrica em São Paulo. op. cit. p. 28-150.

199 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brosi!Grande. op. cit. possim.


191
QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 27-39; 41-53; 239-262. 200 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 131,149.

"' GASPARl,Elio.A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 45-57. 201 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brosi/Gronde. op. Eit.p..2.i'-39.

"' QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 41-53. 2º2 <http://www.camargocotrea.eom.br/>, acesso em 20 de agosto de 2007.
194
Revista OEmpreiteiro. Edição de dezembro de 1969, n• 23. 203 SINICON . Ata da reunião de fundaçãodoSinicon. 10 de março de1959.
88 Estranhas catedrais A. indústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 89

brasileira do Conselho lnteramericano de Comércio e Produção (Cicyp), 204 membro do Círculo Militar de São Paulo, Dado o porte adquirido pelo grupo e o receio de que ele se desfizesse com a morte de Sebastião
do Conselho de Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD), do conselho técnico-administrativo da (amargo, Wilson Quintella sugeriu a realização de uma consultoria para tornar o processo de gestão do grupo
Associação Nacional de Programação Econômica e Social (Anpes), representante no Brasil no Comité de Acción mais profissional, com diretoria executiva autônoma em relação aos acionistas. Foi contratada a consultoria
para la lntegración de América Latina10s efez parte da Operação Bandeirantes, financiando oaparato de repressão norte-americana McKinsey, especializada ein reestruturação de empresas. Apesar de ter algumas sugestões
à esquerda armada no estado de São Paulo: Por conta dessa atividade, Sebastião (amargo era o principal alvo acatadas, nem todas foram admitidas por Sebastião, o que fez com que Wilson Quintella saísse da empresa
de ação da ALN, antes que a entidade resolvesse assassinar Henry Boilesen. 206 Além de ter recebido otítulo de em 1984, alegando insatisfação com tal decisão eque o novo governo demandava a sedimentação de novos
sócio honorário do Instituto de Engenharia, Sebastião Camargofoi diplomado honoris causa pela Escola Superior "relacionamentos".214 Posteriormente, Quintella trabalhou na Cesp efoi assessor do governo Fernando Henrique
de Guerra (ESG) em 1967 e, em 1991,honoris causa na universidade Mackensie. 207 Além disso, Roberto Campos e Cardoso. Sebastião (amargo morreu no início dos anos 90 ea empresa sofreu um processo de "profissionalização
Shigeaki Ueki trabalharam na CC, e Sebastião era ligado ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner.208 da gestão': mantendo ocontrole acionário com afamília (amargo.Oseu novo presidente, Alcides Tá pias, deixou
Oconvívio com empresas estrangeiras era intenso. Em 1979, a (amargo Corrêa fez associação com o ocargo em meados dos anos 90 para assumir oMinistério de Indústria eComércio do governo FHC e, na década
grupo suíço de bens de capital Brown Boveri, criando a CC-Brown Boveri, para aquisição de equipamentos para seguinte, os executivos da empresa adotaram agressiva política de internacionalização.215
uso em hidrelétricas. 209 Em um meio dominado por empresas nacionais, a associação teve resposta irônica das Atrajetória de Sebastião (amargo e de sua empresa são emblemáticos de como eles conseguiram
rivais da empreiteira paulista. Apartir de então, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht estamparam atravessar diferentes conjunturas políticas e diversas gestões estatais mantendo uma inserção em aparelhos
em suas propagandas na revista OEmpreiteiro e em outros meios o bordão "Uma empresa de capital 100% privados da sociedade civil e na sociedade política, sem fechar portas para a empresa. Oempresário de maior
nacional". 210 Em 2001, o grupo CC se associou também à francesa Suez.211 sucesso na engenharia nacional durante a ditadura era também muito criticado. Bruno Nardini, do Pensamento
No período ditatorial, a (amargo Corrêa participou dos projetos mais ambiciosos do regime, tomando Nacional de Bases Empresariais (PNBE), protestou, na segunda metade da década de 1980:
parte nas obras de ltaipu, Carajás, Transamazônica, Rio-Santos, ponte Rio-Niterói (como líder do consórcio que de
fato realizou aobra), metrô de São Paulo, Tucuruí, ferrovia do Aço, aeroporto supersônico de Manaus, Guarulhos, Que capitalismo é esse, em que uma empresa em vias de completar 80 anos, como a nossa, consegue
dentre outras. Apesar de buscar oportunidades no exterior desde 1967, a (amargo Corrêa realizou fora do Brasil acumular um patrimônio de, no máximo, US$ 100 milhões, enquanto uma única pessoa, no espaço de
apenas a hidrelétrica de Guri, na Venezuela, e teve problemas nessa obra. 212 20 anos, acumula uma fortuna pessoal de U5$1 bilhão, como o empreiteiro Sebastião (amargo?[ ...] É
Ogrupo (amargo Corrêa não redundou apenas na formação da maior empreiteira do Brasil. Através que é um sistema que nasceu atrelado ao Estado e que beneficiou alguns poucos, devido à concentração
de robusto processo de ramificação, o complexo empresarial controlado por Sebastião (amargo se tornou um do poder político e econômico. OEstado que está aínunca serviu à classe empresarial, mas aos monopólios
dos principais grupos econômicos nacionais, comparáveis apenas às multinacionais estrangeiras e aos maiores e às estatais."' [grifo nosso]m
conglomerados domésticos. Em 1983, a CC constava como a 5ª maior empresa privada nacional, caindo para a
7ª posição em 1984. Setores de atuação do grupo eram projetos de engenharia, agropecuária (origem social de ''As mineiras estão em todas"218
SebastiãoCamargo), vestuário etêxtil, petroquímica,shopping, cimento, pedreira, bancário, calçadista, siderúr-
gico, alumínio, dentre outros. Empresas controladas pelo grupo eram a Companhia Jauense Industrial, o Banco Minas Gerais é osegundo maior celeiro de construtoras do país. Isso se deve em grande medida
de Investimento Industrial (lnvestBanco), a São Paulo Alpargatas (desde 1982) e a Companhia Petroquímica de às políticas públicas estaduais pioneiras de construção de estradas e eletrificação, em especial a partir da
Camaçari (33,3% do capital, vendido em 1978 para a Odebrecht). 213 gestão Juscelino Kubitschek como governador. Auxiliadas pelo protecionismo das agências contratantes
estaduais, as empreiteiras mineiras conseguiram se consolidarem seu porte e experiência. Com a chegada
deJK à presidência, elas foram carreadas para junto dos principais organismos contratadores de obras da
204 Analisado por Dreifuss em AInternacional Capitalista. ap. cit. p. 148-169.
2
°' Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1970, nº34.
esfera federal e que, até então, eram nichos de atuação privilegiada das firmas cariocas. As empreiteiras
206
filme Ciáaáão Boi/esen; GASPAR!, Elio. ADitadura Escancarada. op. cit. p. 59-67. mineiras foram assim promovidas à condição de empresas nacionais, atuando na construção da nova
207 <http://www.camargacorrea.eom.br/>, acesso em 20 de agosto de 2007.
208
PAULA, Dilma Andrade de. Fim de Linha. op. cit. p. 350; <http://cimenta.org/>, acesso em 30 de julho de2011. 214 QUINTELLA, Wilson. Memórias áo Brasil Grande. op. cit. p. 399-426.
209
<http://www.camargocorrea.eom.br/>, acesso em 20 de agosto de 2007. "' <http://www.camargocorrea.eom.br/>, acesso em20 de agosto de 2007.
210 Revista OEmpreiteiro. Edição n" 127 e 150. 216 Bruno Nardini, depoimento. Sandra Balbi. ln:5enhar. Edição de 13 de outubro de 1987 apudDREIFUSS, René Armand. OJogada Direita

211
<http://www.camargocorrea.eom.br/>, acesso em 20 de agosto de 2007. na Nava República. op. cit. p. 132.
212
QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 17. 117 Afortuna da (amargo Carrêa se manteve após a ditadura e, em 2012, dana Dirce Navarro de (amargo, viúva de Sebastião (amargo

21l Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1970, n' 34; Informe Sinicon. Edição n" 11 e 21, ano I; ODEBRECHT, Emílio. AOdebrecht e controladora do grupo CC, fo i listada como a segunda-ma-ler fortun a do Brasi!, compatrimônio avaliado em US$ 13 bilhões. Ver O
eaPrivotização. op. cit. p. 140; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. "Origens da internacionalização das empresas de engenharia Globo, 10 de fevereiro de 2013. Colu na de Elio Gaspari.
brasileiras'. História & Luta de Classes, n. 6, p. 61-66, nov. 2008. "' Título da revista OEmpreiteiro, ediçãode maia de 1972, n' 52.
90 Esrranhoscatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 91

capital, na implantação do sistema rodoviário federal e na participação em· obras de hidrelétricas. Isso Segundo Marco Paulo: "O Juscelino me ajudou muito, sim, éramos amigos". 221 Oempresário teve
permitiu que no início dos anos 60 as mineiras constassem entre as principais construtoras do país, ao ligações também na imprensa, com Samuel Wain er e David Nasser, ajudando na manutenção do Última
lado das paulistas e cariocas, com alcance nacional às vezes mais evidente que paulistas e cariocas. No Hora. Foi casado com a negociante de arte Valéria Braga, que teve um caso e aparente filho ilegítimo
final dessa década, elas foram pioneiras no processo de transnacionalização, estabelecendo os primeiros com Joaquim Monteiro de Carvalho, o Baby, do grupo Monteiro Aranha. 222 As ligações de Marco Paulo
contratos de obras em outros países. No Quadro 1.5, temos as principais empresas do estado. com JK e seu grupo político não foram proveitosas na conjuntura política a partir da década de 1960:
Ahistória da indústria da construção pesada em Minas tem como marco fundamental o gover~
no estadual Juscelino Kubitschek e a formação do consórcio Ajax para a viabilização do programa de Você quer ver uma empresa q0e foi para obrejo porque não teve boas relações políticas? Foi a Rabello.
construção de 3 mil quilômetros de rodovias em cinco anos. Como as empreiteiras mineiras não tinham A Rabello era ligadíssima ao Juscelino; construiu Brasília, construiu a São Paulo-Curitiba, construiu
o equipamento necessário e como eram muitas obras, o governo estadual criou consórcio que usava a Belo Horizonte-São Paulo, etc. .. Era amiga de Juscelino. Sua queda começa com Jânio Quadros, se
equipamentos da paulista CCBE, e as empreiteiras mineiras não precisavam disputar concorrências, completando com a revolução de 64. [...] Nessa nossa área, o esquema político funciona. Então o
recebendo contratos para trechosrndoviários. 219 Oconsórcio era liderado pela empresa do diamanten- Marco Paulo Rabello (presidente da Rabello) tinha bom relacionamento com Jus_celino. Nesta época,
se Ajax Rabello, tio de Marco Paulo Rabello e dado como amigo pessoal de JK, também originário de houve um "boom" de obras em todos os setores eoMarco fez uma senhora empresa. Ele era um senhor
DiamantinaPº empresário. Posteriormente, em decorrência desse fato, com arevolução de 64, oMarco ficou de certa
maneira marginalizado em termos políticos. Isto devido a suas vinculações pessoais com oJuscelino.
Quadro 1.5 - Principais empreiteiras mineiras ao longo da ditadura Então, ele foi muito podado, muito cortado.m
Empresa Controladores principais Fundação
Alcindo Convap. AI cindo da Silva Vieira/ família Vieira 1938 Esse depoimento foi obtido pelo economista Galeno Tinoco Ferraz Filho em entrevista anôni-
Andrade Gutierrez Roberto e Gabriel Andrade, Flávio Gutierrez efamílias 1948 ma realizada com um empreiteiro. ARabello perdeu seguidamente concorrências após o golpe e foi
Barbosa Mello Affonso Barbosa Mel lo e família 1958 usada como motivo para a cassação em 1964 dos direitos políticos de JK, que era acusado de beneficiar
Brasil José Lúcio Rezende 1945 empreiteiras com artifícios ilícitos, em especial a Rabello. 224
ENCG Clóvis Olga 1944 Com essas dificuldades, Marco Paulo, que havia financiado o lpes e presidido o Sinicon, usou
M. Roscoe Famílias Mascarenhas Barbosa e Rosrne 1934 intermediários para tentar desobstruir as dificuldades que oacometiam. Acionou José Maria Alckmin,
Mendes-Júnior José Mendes Júnior efilhos 1953 David Nasser e seus contatos na imprensa, chegando a empregar um coronel na empresa. 225 Obom
Rabello*' Marco Paulo Rabello 1944
trânsito com Andreazza permitiu uma sobrevida à empreiteira, evidente em contratos como a UHE
Santa Bárbara Família Dias (Geraldo e Marcelo) 1967
de Passo Fundo, trechos da Transamazônica, Rio-Santos, Niterói-Manilha, Minhocão de São Paulo,
Triângulo EdmirGomes 1950
* Fruto da fusão da Alcindo Vieira, fundada em 1938, com a Convap, em 1972.
Ferrovia do Aço e parte no consórcio que construiu a ponte Rio-Niterói. Porém, ao longo da década de
**Transferiu nos mos 60 a sede da empresa para o Rio de Janeiro.
Fonte: Os documentos consultados para elaboração do quadro são citados ao longo dessa parte do capítulo.
1970, a empresa perdeu posições dentre as maiores do país, passando de 6° lugar, em 1971, para 7°,
em 1972; 12° em 1973; 17° em 1974; 21° em 1976; e sumindo da lista desde então, quando parece ter
pedido concordata.226
Marco Paulo, também diamantense, formou-se em Engenharia em 1941 ecomeçou trabalhando Diante das dificuldades no mercado doméstico, a empreiteira buscou oportunidades no exte-
na empresa do tio até criar em Belo Horizonte em 1944 a sua própria construtora, a Rabello. Aempresa rior e obteve contrato para construção de universidade na Argélia através de uma indicação indireta
construiu ocomplexo da Pampulha para a prefeitura de Belo Horizonte na gestão Kubitschek, iniciando do arquiteto da obra, Oscar Niemeyer. Sem contar com ajuda governamental, como era comum com
ali uma sólida relação com os projetos de Oscar Niemeyer. ARabello seguiuJuscelino no governo estadual, as empreiteiras que atuavam no exterior, a Rabello realizou outras três obras no país, mas, devido a
realizando obras rodoviárias, e, na gestão JK na União, ficou incumbida da construção de todo o eixo 221
CARVALHO, Lui2 Maklouf. Cobras Criadas. op. cit. p. 416.
monumental de Brasília, incluindo os palácios do Planalto e Alvorada. Aempreiteira realizou também 212 Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1968, nº 8; WAINER, Samuel.Minha Razão deViver. op. cit. p. 123-281; <http://veja.abril.
trechos de rodovias como a Régis Bittencourt, Dutra e Castello Branco. com.br/>, acesso em 14de dezembro de 2010.
m FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. ATronsnacionalização ... op. cit. p. 95-96.
"' <littp://www.recantodasletras.eom.br/biografias/2465484>, acesso em 14 de de2embro de 2010.
m Luiz Maklouf de Carvalho, que entrevistou O-eTl1jlreiteiro~tranmra-carta-er,viada·po-r e-le-ao-presidente Castello, em Cobras Cdadas.
"' FERRAZ Filho, Ga leno Tinoco. A Transnaciona/ização ... op. cit. p. 31-109. op. cit. p. 456.
"º CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras Criadas. op. cit. p. 383-454. 126
OEmpreiteiro, nos 57, 73, 80, 91 e115; DREIFUSS, René. 1964. op. cit. p. 636-641; SINICON. Ata... op. cit.
92 Estronhascaredrais Aindústriade construção pesada brasileira em perspectiva histórica 93

problemas políticos locais, aquele mercado também se encerrou para a empresa em fins dos anos 70, maioresserão as chances nas concorrências.[...] Ainda nesse sentido, estamos participando ativamente
e a decadência da Rabello a partir de então assumiu uma trajetória irreversível. 227 de concorrências no exterior, tendo sido pré-qualificados em concorrência para construção de 1.000
Outra construtora mineira que participou do consórcio Ájax (e também do Pater, do governo km de estradas em Moçambique.m
estadual Bias Fortes) foi a Barbosa Mello, fundada em 1958 pelo engenheiro Affonso Barbosa Mello e
especializada em obras rodoviárias, como a maioria das empreiteiras do estado. Aempresa realizou uma Apassagem indica oincentivo governamental para a união das empresas e também o objetivo
ramificaíão na ditadura, atuando em produção de peças e equipamentos para tratores, agropecuária de internacionalização das atividades a partir do novo porte adquirido. Posteriormente, a empresa
e fecularia em Pirapora, além de ter adquirido a carioca Assumpção.228 ABarbosa Mello era uma com- 1
participou de obras na Usiminas, do DNOS e da Ferrovia do Aço.233
panhia de~éd io porte que atuava muito como subempreiteira de grandes construtoras, sendo esse o Chegando aoseleto grupo das macroempresas de construção, temos a Andrade Gutierrez (AG),
caso também da Santa Bárbara. fundada em Belo Horizonte em 1948 pelos irmãos Gabriel e Roberto Andrade e por Flávio Gutierrez. A
Outra empreiteira mineira intermediária, mas com aparente importância pol ítica, era a Empresa empresa foi outra próxima de Kubitschek e das obras rodoviárias do governo de Minas e do DNER, em
Construtora Brasi l S.A., fundada em 1945 em Belo Horizonte por José Lúcio Resende. Pertencente à particular durante a presidência de JK. Começando com pequenos serviços de urbanização na capital
família Resende, a empresa foi uma das criadoras do Sinicon e parece ter conexão com Eliseu Resende, mineira, a empresa passou a fazer suas primeiras obras rodoviárias na gestão JK no governo estadual,
que recebeu contribuição da empresa em suas campanhas políticas e foi um dos principais represen- conseguindo seu primeiro contrato fora-do estado no perfodo _emque JusceHnoioLpresidente da Repú-
tantes dos empreiteiros na ditadura.229 Amediana Mascarenhas M. Roscoe ganhou projeção pelas obras blica, com as obras da BR-3, que ligava o Rio a Belo Horizonte. AAG foi uma das primeiras "estrangeiras"
industriais e trajetória institucional de seu presidente, Maurício Roscoe, inclusive como presidente da a atuar no estado de São Paulo, obtendo trecho da rodovia Castello Branco e chamando atenção por
CBIC nos anos 70. 230 novidades criativas introduzidas na obra. Ao coritrário da Rabello, a empresa conseguiu se adaptar à
Aterceira maior empreiteira mineira na ditadura, oscilando entre a 9ª e a 18ª colocação no nova configuração política nacional pós-1964 e realizou obras na ditadura, como trechos das rodovias
ranking nacional, foi a Alcindo Vieira-Convap. Fruto da união das empreiteiras Alcindo S. Vieira e da Manaus-Porto Velho, Bandeirantes, Pedro!, dos Traba lhadores, o complexo de Carajás, ltaipu, trechos
Construtora Vale do Piracicaba (Convap), a empresa atuava principalmente no ramo da construção de dos metrôs do Rio e de São Paulo, da Ferrovia do Aço, oaeroporto de Confins - com a Mendes Júnior- e
estradas- como a Rio-Bahia e a Belo Horizonte-Brasília-, tendo também modesta presença na cons- a hidrelétrica de Salto Osó rio, no Paraná. Isso fez com que a empresa constasse sempre entre as quatro
trução dehidrelétricas e obras mais complexas. AAlcindo Vieira foi fundada em 1938 pelo engenheiro · maiores do país desde 1972, como se vê no Gráfico 1.3. Roberto Andrade representou a construtora na
Alcindo da Silva Vieira, professor e diretor da Escola de Engenharia da UFMG, e pelo engenheiro Paulo reunião de fundação do Sinicon, em 1959,234 e a AGtem a marca de, dentre as maiores empreiteiras do
José de lima Vieira, seu filho e também professor, que já exercera as funções de presidente da CSN e país, ser a menos envolvida em denúncias de corrupção, ao contrário de Odebrecht, (amargo Corrêa,
da CVRD. Com forte trânsito público-privado, a empresa viu seu presidente, Alcindo Vieira, afastar-se Mendes Jr. e CR Almeida.
da função para assumir a secretaria de Desenvolvimento de Minas Gerais na gestão Rondon Pacheco. Na segunda metade dos anos 70 e primeira dos 80, a AGse adaptou à nova conjuntura, rami-
Seu postona empresa foi ocupado pelo engenheiro Sylla Souza, ex-engenheiro do DNER. Em 1972, foi ficando sua atuação e estabelecendo contratos no exterior, oque permitiu que ela se mantivesse entre
adquirida a Convap, que já era parcialmente de propriedade de Alcindo Vieira,231 e a fusãofoi anunciada as três maiores do país de 1974a 1984, chegando à primeira posição conjunturalmente em 1979. Atuou
da seguinte forma em propaganda na revista OEmpreiteiro: comprando terrenos próximos às suas obras na Amazônia, além de atua r na agropecuária e mineração
no Norte do país. Com as privatizações nos anos 90, a AG passou a atuar emtelecomunicações, energia
Alcindo CONVAP: a união de duas forças.[ ...] Desde fins de 1969, denun ciou-se a necessidade de elétrica, rodovias, ao tomar parte de empresas como CCR, Ponte S.A., Barcas S.A., Light-Rio, Cemig e
conce ntração em presarial no campo das empreiteiras, pa ra atender a orientação governamental Telemar (depois, Oi). 235
no âmbito nacional, além de possibilitar o acesso a obras no exterior, que exigem sólida e eficiente
estrutura administrativa. [...] Por isso, quanto ma io r o capital da em presa e a experiência acumulada,

"' FERRAZFi lho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 303-314. Henrique Guedes afirm a em 1ua memória que em vi1ita de 232Revista OEmpreiteiro, edição de maio de 1972, n° 52.
emp reiteirosao país conheceu dirigentes políticos que tinham pé1simas recordações da atuação local da Rabello. EmGUEDES, Henrique. m Revista OEmpreiteiro, edições de maio de 1972, n° 52, e abril de 1975, nº 87. Em 2011, a Convap foi acu1ada de fazer doações para a
Históri05 de Empreiteiros. op. cit. p. 251 -252. empresa de consultoria do ex-prefeito de Belo Horizonte, Ferna ndo Pimentel, em troca de obras para a prefeitura da capital mineira.
"' Revista OEmpreiteiro, edição de maio de 1972, nº 52. Ver OGLOBO. Edição de4 de dezembro de 2011, p. 3.
229 SINICON. Ata da reunião de fundação do Sinicon. 10 de março de 1959; OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1968, nº 8; <http://
"' <http://www.andradeg utierrez.com.br/>, acesso em 20 de agosto de 2007; SIN ICON. Ata... op. cit.; FERRAZ Filho, Gale no T. ATrans-
congressoemfoco.uol.com.br/Noticia.aspx?id=11548>, amso em 6de feve reiro de 2011. nacionalização ... ap. cit. p. 31-109; OEmpreiteiro. Ed ição de junho de 1971, nº 41.
230 <http://www.cbic.org.br/>, acesso em 10/5/2011; <http://www.mascarenha5.Com.br>, acesso em 14/1/2012.
"' In forme Sinicon. Edição nº 24, ano I; <http://www.andradegutierrez.com.br/>, acesso em 20 de ag osto de 2007; RevistaOEmpreiteiro,
'" Revista OEmpreiteiro, edições de maio de 1972, nº 52, e abril de 1975, nº 87. edição de julho de 1980, n° 150.
.94 fstranhaS<atedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 95

Gráfico 1.3 - Posição da Andrade Gutierrez dentre as construtoras brasileiras na ditadura


Pium-í, no rio Grande, e participou das obras de Furnas, segundo memória da construtora: "Através
1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 desse projeto, a MJ mudou a visão de que apenas as grandes construtoras estrangeiras eram capazes
de executar obras daquele porte, abrindo caminho para outras empresas de engenharia do Brasil". 240
Apesar do que o texto sugere, a MJ foi responsável apenas por serviços auxiliares nas obras da usina,
a cargo de firmas estrangeiras. Mesmo assim, adivisão do canteiro com essas empresas permitiu à MJ
adquirir conhecimento e experiência para erguer hidrelétricas posteriormente. 241

Gráfico 1.4- Posição da Mendes Júnior dentre asconstrutoras brasileiras na ditadura


1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984

Fonte: Revista OEmpreiteiro,edições n"' 57,68, 80, 91, 103, 11 5, 127, 138, 150, 163, 176,188,200 e212.

No exterior a AG tentou obras na Somália, no Paraguai, no Equador e em outros países, estabe-


lecendo contratos no Congo e na Bolívia, além de explorar ouro e prata no Zaire, após experiência em
mineração no Brasil. Por essas atividades, a AG recebeu em 1984 o prêmio Minas Exporta, concedido
pela Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex-BB), em parceria com oCentro de Estudos e
Desenvolvimento de Exportação (Cedex), da Fundação Dom Cabral (FDC), sediada em Belo Horizonte. Após
a ditadura, a empresa firmou contratos em quase todos os países da América do Sul, além da República
Dominicana e Portugal, onde adquiriu a Zagope, uma das maiores empresas exportadoras do país. 236 fonte: Revilta OEmpreiteiro, edições n• S7, 68, 80, 91, 103, 11S, 127, 138, 150, 163, 176. 188,200 e 212.

Apesar da atuação da AG no exterior, a empresa que mais se destacou fora do país durante a
ditadura foi a·também mineira Mendes Júnior (MJ). Aempresa foi fundada por José Mendes Júnior, Aintensa atuação junto ao aparelho de Estado mineiro permitiu à empresa uma inserção
nascido em Juiz de Fora e formado em Engenharia na universidade local, em 1921. MendesJr. trabalhou na Cemig e em Furnas. Com isso, a MJ realizou diversas usinas para essas estatais, tornando-se a
na Estrada de Ferro Central do Brasil, indo em 1926 para aSecretaria de Agricultura e Viação do estado segunda construtora de hidrelétricas do país durante a ditadura e uma das responsáveis por ltaipu.
de Minas. Otrânsito entre aparelho de Estado e empresa marcou a trajetória de José Mendes Jr., que, Essa especialização no mais complexo tipo de obra da construção pesada a posicionou como uma das
"pouco depois, deixava o emprego público para constituir firma particular de construção de estradas, maiores construtoras do país, como se vê no Gráfico 1.4. Outro cliente especial foi a Petrobras, para
tendo executado diversos serviços para o governo estadual".237 Acompanhia fundada foi a Construtora quem a empreiteira realizou cinco refinarias e sete plataformas. AMJ foi pioneira na construção de
de Estradas Ltda., datada de 1942, e que, desmembrada em duas, deu origem à empreiteira José Mendes plataformas de petróleo, associando-se a outras empresas de montagem industrial, como a Tenenge e
Júniorltda. em 1953, transformada em sociedade anônima dois anos depois. Aconstrutora foi liderada a Montreal. Aempreiteira era conhecida também por entregar obras antes do prazo, como em trecho
inicialmente pelo fundador, porém seu filho Murillo Mendes já trabalhava nela e logo tomou as rédeas da Transamazônica, pronto seis meses antes do estabelecido no contrato, e em rodovia na Mauritânia. 242
do negócio, sendo o responsável pela mesma durante a ditadura.238 AMJ participou de diversas obras Aponte política entre ogoverno mineiro com a ditadura foi realizada com sucesso pela empresa,
do DER-MG e, no governo JK, atuou na construção da nova capital federal. Tendo forte presença junto não tendo ela os mesmos problemas que a Rabello. Para ajudar nessa transição, a empreiteira contratou
ao quadro técnico da Cemig, 239 a MJ foi convidada pela estatal mineira para realizar a barragem de militares, como o general Arthur Moura, que trabalhava na MJ em 1972 e tinha sido adido militar nos
Estados Unidos. 241 AMJ teve também participação intensa nas obras tocadas pelas agências estatais
'" Revista OEmpreiteiro, edições n• 164, 172, 174, 193, 199 e 213. lnforme5iniwn. Edição n• 24, ano 1.
"' Revista OEmpreiteiro, edição de maio de 1972, n• 52. "' <http://www. mendesjunior.eom .br/>, acesso em 20 de agosto de 2007.
238 241 Revista OEmpreiteiro, edição de maio de 1972, n° 52; PAULA, Dilma Andrade de. Fim de Linha. op. cit. p. 120-188
Murillo Mendes estudou Engenharia na UFMG, onde foi colega de Francisco Noronha, futuro diretor e presidente da Cemig, conforme
relata o próprio em MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Quebra de Contrato. op. cit. p. S0-73. 242 <http://www.mendesjunior.eom.br/:,;H.RRAZ.filbo,Jialen.o Tinoco. A Tronsnacionalização... op. cit. p. 31-109; Revista OEmpreiteiro.
239
Representativo disso é ofato de Murillo Mendes ter dedicado seu livro a, dentre outros, Lucas Lopes, John Cotrim e Mário Bhering, Edição de maio de 1972, nº 52.
dirigentesda estatal mineira de energia. Ver Quebro de Contrato. op. cir. p. vii. 243 GASPARI, Elia.A Ditadura Encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 369-398.

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.96 Estranhoscatedrais Ai•dústria de rnílstruçào pesada brasileira emperspectiva histórica 97

dirigidas por Mário Andreazza, tanto quando este foi ministro dos Transportes (1967-1974), como quando ilhas Cayman. Ovolume de obras, em especial os bilion~rios contratos estabelecidos no Iraque, fez com
dirigiu a pasta do Interior (1979-1985). Assim, o faturamento da MJ cresceu 26% ao ano entre 1964 e que a empresa constasse entre as 15 maiores multinacionais de engenharia do globo entre 1979 e 1982,
1973, e a empresa foi a principal responsável pela Transamazônica, com dois trechos e meio dos seus chegando à 13ª posição em 1980, quando 50% do seu faturamento vinha do exterior. 2so
oito da obra,144 além de ter participado da construção da ponte Rio-Niterói, da Perimetral Norte, da Omotivo para a liderança da empresa parece ter sido tambéma causa de sua derrocada. Em
. Rio-Santos, da Belém-Brasília e outras. Aproximidade com Andreazza leyou a MJ a patrocinar a edição 1990, a MJ ainda realizava obras no Iraque, onde tivera problemas de pagamento durante a guerra do
da revista OEmpreiteiro que homenageava o ministro. Na publicação, que escolhia o ministro como o país com o Irã (1980-1988) e onde tinha pessoal, equipamentos e pagamentos a receber. Com a eclosão
homem de construção do ano de 1972, a empresa estampou a propaganda: "A Mendes Júnior homenageia da guerra do Golfo, a empresa retirou seu pessoal do país, em acordo com o regime de Saddam Hussein
o homem de construção do ano à sua maneira. Construindo". 245 Depois, quando da pré-candidatura de de que não requereria nada posteriormente. Endividada, a empresa passou a cobrar o que afirmava
Andreazza à presidência da República e do lançamento de seu ambicioso projeto Nordestão, a MJ obteve lhe ser devido do Banco do Brasil, que financiara parcialmente as obras, e do Instituto de Resseguras
uma parte dos serviços do empreendimento. 246 do Brasil (IRB), que as garantira. OIRB negou existência do sinistro e, após idas e vindas no governo, a
Na ditadura, a MJ realizou também as obras dos metrôs das duas maiores cidades brasileiras, gestão de Fernando Henrique Cardoso mandou o BB executar judicialmente a dívida da empresa em
o aeroporto de Confins com a AG, trecho da Ferrovia do Aço, uma hidrelétrica para a Chesf.247 Essas 1995. Após a decisão, a empresa encarou mais de 350 pedidos de falência eentrou em decadência, apesar
obras a puseram entre as três maiores do país em 11 dos 14 anos em que houve a pesquisa das 100+ de continuar seus enfrentamentos nos tribunais, porém·não mais no grupo das maiores empreiteiras
da revista OEmpreiteiro, sendo que, em 1984, a MJ figurou como a empreiteira brasileira com maior do país. 251 Nos anos 90, a MJ perdeu a siderúrgica e foi acusada de transferir recursos para as contas de
faturamento, devido aos seus contratos no exterior. Esse desempenho gerou diversas premiações para Paulo Maluf no exterior. 252
a empresa. Em 1969, José Mendes Júnior foi agraciado pelo governo mineiro como o engenheiro do
ano e recebeu a medalha Cristiano Otoni, em decisão conjunta da Sociedade Mineira de Engenharia, Os Odebrecht e outras famílias de empreiteiros do Nordeste e Norte
Escola de Engenharia da UFMG, Secretaria de Viação de Minas Gerais e DER-MG. Já em 1975, Murillo
Mendes foi homenageado pela revista OEmpreiteiro com otítulo de homem de construção do ano. 248 Como vimos anteriormente, as empreiteiras da região Nordeste do país foram beneficiadas
AMendes Júnior também teve um rico processo de ramificação. Além de atuar na exploração pelas atividades de instituições federais: o DNOCS, a Chesf, BNB, a Petrobras e a Sudene. Essas autar-
de fiorestas, produção de torres de linhas de transmissão, montagem eletromecânica, mineração, 'quias atuaram na implementação da infraestrutura regional e na realização de obras, havendo certa
empreendimentos imobiliários e no projeto Jari, o principal empreendimento da família fora do setor preferência para as construtoras locais, oque correspondia aos interesses organizados e alojados nessas
da construção foi a siderúrgica Mendes Júnior, inaugurada em 1984 em Juiz de Fora. Além disso, em instituições e às próprias diretrizes políticas que norteavam as suas ações, dado que eles buscavam
1986, a empresa adquiriu por US$10 milhões a subsidiária da Morrisen Knudsen no Brasil e, em 1987, fortalecer as empresas da região.
o grupo MJ foi apontado como o segundo maior privado nacional do país pela revista Exame.149 Oque Como exemplo dessa orientação, podemos citar o caso da Petrobras e de suas primeiras ativi-
mais chama a atenção na trajetória da MJ, no entanto, é oseu processo de transnacionalização. dades. Oengenheiro Percy Louzada de Abreu assim se refere à escolha da Bahia como sede do primeiro
Aprimeira tentativa no exterior ocorreu em 1966,quando aconstrutora concorreu sem sucesso polo petroquímica nacional:"Foi uma decisão estratégica apoiada em vários argumentos técnicos, mas
a uma obra na Argentina. Oprimeiro contrato da MJ fora foi também o primeiro obtido por uma em- principalmente políticos". Naquele momento, início dos anos 60, oestado nordestino concentrava 90%
preiteira brasileira em outro país, a hidrelétrica de Santa lzabel, na Bolívia, iniciada em 1969. Depois, ao da produção nacional de petróleo e apenas 10%da demanda de produtos da indústria petroquímica. O
longo dosa nos 70 e 80, a MJ chegou à Mauritânia, Argélia, ao Uruguai, à Colômbia, ao Iraque, à Nigéria, engenheiro, empenhado nas obras do polo industrial, destaca que a decisão pelo seu local era justificada
ao Equador e, posteriormente, ao Chile e à China, além de tentativas em Portugal, Marrocos e outros pelo objetivo de desconcentração industrial, "(n]o entanto, deve ter pesado o fato de boa parte dos
países. Para administrar os contratos no exterior, que chegaram a um total de 24 até 1985 e somavam técnicos de maior hierarquia da Petrobras serem baianos natos ou com grande afinidade com aquele
US$ 2,7 bilhões, a empresa criou em dezembro de 1974 a subsidiária MJ Internacional, com sede nas

244
Murillo Meíldes alega que a MJ fez 646 dos 1.242 km da rodovia. EmQuebro de Contrato. op cit. p. 47-95. ,,. Revista OEmpreiteiro, edições n" 93, 96, 125, 165, 172, 173, 176, 184 e 212; ATTUCH, Leonardo. Saddam, Amigo do Brasil: a história
"' Revista OEmpreiteiro, edições de ju nho de 1973, n' 6S, ede abril de 1974,nº7S. secreta da conexão Bagdá. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003. p. 31-43.
"' Revista OEmpreiteiro, edições n" 31, 39 e 210. 151 Sobre isso, o ex-presidente da Petrobras Carlos Sant'Anna levantou hipóteses: "Não sei se houve má-fé em resolver os assuntos da
247
Na UHE deltaparica, a Mendes Júnioracionou a justiça, alegandonão ter recebido os pagamentos emdia e cobrandoaltas indenizações, Mendes Jún ior por pressão dos concorrentes ou se era probl ema político". MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Quebro de
emprocesso que co ntinua até os dias atuais. Ver MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonard o. Quebra de Contrato. op. cit. p. 284-303. Contrato. op. cit. p. 283.
248
OEmpreiteiro, edições nº'3 1, 39, 57, 68, 80, 91, 103,115,127, 138, 150, 163, 176,1 88,200,210 e 21 2. "' <http://www.estadao.eom.br/>, acesso emSde agosto de 2009. Aempresa tambémfoi mencionada por pagamento de propina ao
149
OEmpreiteiro, edição n' 93; MENDES, Murillo V.; ATTUCH, L. Quebra de Contrato. op. cit. p. 58-113. senador Renan Calhei ros no governo lula.
· 98 Esttanhoscutedrais Aindústria de construçãopesada brasileiraemperspectiva histórica 99

estado".253 Aempreiteira local Norberto Odebrecht ficou incumbida junto com a MJ de reálizar as obras contratos, a empresa não chegou a construir hidrelétricas e não figura no "clube da barragem", variando
da refinaria Landulpho Alves {Relan), que integra o complexo industrial. 254 da 17ª à 13ª posição entre 1971 e 1977 dentre as; maiores empreiteiras do país. 258
As estatais Petrobras e Chesf, junto com DNOCS e Sudene, fizeram várias encomendas às cons- Aempresa soube se adaptar à conjuntura desfavorável e aos novos nichos de lucros após a segunda
trutoras do Nordeste, fortalecendo o capital local de construção pesada. Com a experiência adquirida metade dos anos 70. Diversificando suas atividades, realizou projetos no mercado imobiliário eentrou com força
nessas obras e a inserção estabelecida em tais órgãos, as principais empresas locais (ver Quadro 1.6) se na exploração e produção de petróleo, em associação com a Petrobras. Desde 1979, a QG tentou contratos de
nacionalizaram e, depois, atuaram no exterior. perfuração de poços para a estatal e, em 1980, criou a subsidiária Queiroz Galvão Perfurações. Vencendo licita-
ções para prospecções no mar e atuando na ~onstrução naval para a BR, a QG cresceu num momento em que
Quadro 1.6 - Principais empreiteiras do Nordeste e Norte ao longo da ditadura as atividades das outras empreiteiras minguavam. lc;so fez com que, de 1977 a 1982, a QG saís,e da 13ª posição
Empresa e estado Controladores principais Fundação para a 6ª dentre as maiores construtoras do país. 2s9
Conde (BA) José Rial e.família - Em 1984, a Queiroz Galvão obteve seu primeirocontrato no exterior, para a construção de barragemno ·
Delta (PE)* Fernando Cavendish Soares 1961 Uruguai. Depois, fez obras rodoviárias no Peru, na Bolívia eem Angola,além de hidrelétrica no Chile.Aramificação
EIT Tibério César Gadelha 1951 dos negócios, a partir dos anos 80 e 90, abrangeu as; áreas de siderurgia, agropecuária, petróleo, coleta de lixo
Estacon (PA) Luftala de Castro Bitar 1969 e setor bancário. Conflitos na família levaram à constituição da Galvão Engenharia, em meados dos anos 90.260
Nor.berto Odebrecht (BA) Norberto Odebrecht e filhos 1943 Apesar da trajetória exitosa da QG, a maior empreiteira nordestina durante a ditadura foi a Norberto
O'Grady- Comasa (CE) Omar O'Grady e família - Odebrecht. Descendente de família prussiana que chegou ao Brasil em meados do século XIX eque se estabele-
DAS (BA) César Matta Pires 1976 ceu em Blumenau,261 Norberto Odebrecht era um engenheiro pernambucano formado na Escola Politécnica de
Queiroz Galvão (PE)** Dário, Antonio e Mário Queiroz Galvão e família 1953
Salvador que viu o pai falirno ramo da construção durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1944, ele fundou na
Soares, leone Manoel Augusto Leone 1953
*Transferiu asede da empresa parao Rio de Janeiro em 1995.
Bahia a sua própria empresa, a construtora NorbertoOdebrecht {NO), e teve,em princípio, ogoverno baiano eas
"Transferiu em 1963 a sede da empresa para o Rio de Janeiro.
foo1e: Os documentos consultados para elaboração do quadro são citados ao longo dessa parte do capítulo.
empresas e instituições federais sediadas no Nordeste como principais clientes. Construindo edifícios urbanos e
obras portuárias no rio São Francisco, 262 aOdebrechtpassou ater a Petrobras como contratante desde os anos 50.
Aprimeira construtora nordestina a ter projeção extrarregional foi a Queiroz Galvão (QG), uma · Sob a presidência do baiano Juracy Magalhães, a empreiteira foi contratada para várias obras na região. Assim,
das primeiras empresas nordestinas fi liadas ao Sinicon (julho de 1961), apesar de não ter participado vieram ooleoduto Catu-Candeias, em 1953, a refinaria Landulpho Alves, em 1957, oedifício central da Petrobras
da reunião de criação da entidade. 2ss Fundada em 1953 pelos irmãos Antonio, Mário e Dário Queiroz em Salvador, em 1960, o edifício da Companhia Pernambucana de Borracha Sintética {Coperbo), em 1965, e,
Galvão, em Recife, a empresa cresceu com obras em Pernambuco e no Nordeste, em particular para a depois, fora da região Nordeste, oedifício-sede da BRno RiodeJaneiro,em 1972, além de plataformas marítimas,
Petrobras e a Sudene. Em 1963, a empresa transferiu sua sede para o Rio, em movimento repetido por nos anos 1980.263 As atividades com a Petrobras condicionaram a ramificação da NO desde fins dos anos 70.
outras empreiteiras nordestinas. 2s6 Na primeira lista das maiores empresas do setor feita pela revista Mesmo não tendo participado das obras de Brasília, a gestão JK teve implicação importante para a
OEmpreiteiro, em 1971, a QG era a construtora com maior faturamento do Nordeste, sendo a isa do trajetória da empresa, ao lhe trazer outro cliente importante nos anos 60. Norberto Odebrecht se referiu da
país, bem à frente então da rival Odebrecht. 257 AQG teve uma trajetória de crescimento paulatino na seguinte forma àquele momento:
ditadura, realizando obras rodoviárias e ferroviárias, principalmente na Amazônia, oque acabou sendo
uma de suas especialidades. Aempresa foi responsável por trechos da Transamazônica, Belém-Brasília, Assim, restava procurar novos caminhos, e os incentivos oferecidos pela Sudene na região tornara m
Cuiabá-Porto Velho, Perimetral Norte, e, também naquela região, de trecho da ferrovia Madeira-Carajás. promissora a investida na área de construção industrial nos municípios próximos a Recife, deixando
Aexperiência com essas obras ajudou depois na implementação de vias similares no exterior, em especial Salvador como mercado onde operariam principalmente as subsidiárias.
na América do Sul. Outros empreendimentos durante o regime foram trechos da duplicação da Fernão
Dias, da Ferrovia do Aço, da linha 2 do metrô do Rio e obras para o DNOS. Apesar do volume razoável de 258 Revista OEmpreiteiro. Edições nº 31, 57, 67, 68, 69, 80, 87, 91, 103, 115, 127, 133 e 138.

"' OEmpreiteiro. Edições nº 127, 138, 141, 150, 160, 163 e 176; <http://www.queirozgalvao.com/br/>.
"' CAMPOS, P. H. P. "Origens..." op. cit. p. 61-66; <http://www.~alvao.com/>, acesso em: 30 de agosto de 2007.
253
ABREU,Percy Louzada de. AEpopéia da Petroquímica no Sul: história do pólo de Triunfo. Florianópolis: Exp ressão, 2007. p. 46. 261 Ver mais no livro CASTRO, Moacir Werneck de. Missão na Selva: Emil Odebrecht (1835-1912), um prussiano no Brasil. Rio de Janeiro:

m Informações obtidas nos sítios da <http://www.odebrecht.eom.br/ > e da <http://www.mendesjunior.eom.br/>. AC&M, 1994.


255
SINICON.Atada reunião de fundação doSinicon. 10 de março de 1959. "' DANTAS, RicardoMarques de Almeida. Odebrecht: a caminho da longevidade sustentável? Dissertação (Mestrado em Administração).
25
' <http:l/www.queirozgalvao.com/br/>, acesso em 30 de agosto de 2007. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. p. 75-112
251
Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1972, nº 57. "' OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1983, nº 191; DANTAS, R, M. de A. Odebrecht. op. cit. p. 7S-112.
-100 Estranhos catedrais Aindústria de constru\âo pesada brasileira em perspectiva histórica 1O1

Foi com os incentivos da superintendência que a empreiteira realizou as fábricas da Willys, da Anova conjuntura política inaugurada em 1974 trouxe à tona novos agentes no mercado de
Rhodia e das Tintas Coral, além de ter feito o próprio edifício-sede da Sudene, em Recife. Com o golpe obras públicas. Eesses novos empresários tentavam se distinguir dos anteriores não só nos seus contatos
de 1964, a decadência da Sudene fez reduzir essa importante fonte de contratos da N0. 264 políticos, mas também na mentalidade da qual afirmavam dispor, como se nota na explicação dada por
AOdebrecht iniciou o período da ditadura como uma pouco expressiva empreiteira regional, Norberto Odebrecht para a escolha da empreiteira do ano pela revista:
com obras contratadas pelos governos nordestinos e pela Petrobras. Na primeira sondagem da revista O
Empreiteiro sobre as maiores construtoras do país em 1971, afirma baiana figurava na 19ª posição. 265 Era Em nossa empresa, os recursos humanos são a base essencial da produção, dos lucros, dos nossos destinos
1
oano em que a NO realizava a sua primeira obra fora da região Nordeste, o edifício-sede da BR, estatal hoje e amanhã. Materialmen'te, podemos disciplinar e obter crédito com relativa tranquilidade, mas
então presidida por Ernesto Geisel, de quem a Odebrecht se aproximou intensamente a partir de então. não podemos prescindir da qualidade, integração e satisfação dos homens - base essencial de nossa
própria existência. 267
Gráfico 1.5 - Posição da Odebrecht dentre as construtoras brasileiras na ditadura
Além disso, justificava as políticas em prol da centralização de capitais, sem deixar de fazer
1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984
tênue crítica a práticas do governo anterior:

Seo Governo quer economizardivisas, encontrando-se o País em processo de franco desenvolvimento, e


necessita de aeroporto de nível internacional, usinas atômicas e complexo siderúrgico bem estruturado,
precisa igualmente desenvolver as em presas nacio nais. Nesse sentido, reunido a outras empresas do
Centro-Sul do país, decidimos enviar aos seus ministérios um documento com oqual procuramos convocar
o diálogo.[ ...] Éesta a comunicação que se busca e só através do jogo da verdade é possível manter o
sistema econômico em·equilíbrio e marchar para o desenvol vimento. [... ] Espero que o atual governo
retome o jogo da verdade, às estatísticas certas."'

No caso, Odebrecht criticava as fórmulas da gestão Delfim na Fazenda para medição da inflação
Fonte: Revista OEmpreiteiro,edições n"' 57, 68, 80, 91, 103, 115, 127, 138, 150, 153, 176, lll8, 200e 212. e que interferiam nos pagamentos às empreiteiras pelo governo.
Aescalada da construtora continuou nos anos seguintes, com as obras da ponte Colombo Sales,
No final do governo Médici, a NO, próxima aos militares presentes nos quadros da Petrobras, em Florianópolis; a ponte Propriá-Colégio, entre Sergipe e Alagoas; os edifícios da Universidade do
arrematou dois contratos que alteraram significativamente o seu porte, levando seu faturamento a Estado da Guanabara, do BNDE e do Rio Sul, no Rio; a restauração do Teatro Amazonas, em Manaus; o
triplicar em um ano. As vitórias nas concorrências para construção do aeroporto supersônico do Galeão emissário submarino de Salvador; ampliação da Usiminas; e as hidrelétricas de Samuel (em Rondônia),
e da usina nuclear de Angra fizeram a empresa ir do no ao 3° lugar na lista dos 100+ (como se vê no Corumbá (em Goiás) e Pedra do Cavalo (na Bahia). Essas obras tornaram a empresa a maior da Bahia
Gráfico 1.5) e a catapultaram para uma nova condição. Arevista OEmpreiteiro a escolheu como emprei- em 1976 e uma das quatro maiores construtoras do país entre 1977 até 1984. 269
teira do ano em 1974, sob a seguinte alegação: Se as empreiteiras mineiras e paulistas tinham atuação política nas agências estaduais e em
período anterior ao golpe, a Odebrecht também teve vínculos em seu estado natal e na Petrobras. O
Afinal, todo o setoracompanhou com atenção cada vez maior afantástica ascensão da construtora que grande empresariado baiano, por exemplo, tinha forte relação com a empreiteira, que chegou a empregar
leva seu nome[...] É, sem dúvida, uma escalada realizadora, principalmente quando se constata que 1 em seus quadros Ângelo Calmon de Sá, do banco Econômico, e que se associou ao grupo Mariani nas
alg umas dessas obras foram cobiçadas pelas maiores construtoras paulistas e mineiras, munidas de ! privatizações no setor petroquímica. Eliseu Resende, Roberto Campos e Rubens Ricupero tiveram altos
j
cargos na empresa depois de serem ministrosYº Desde 1974, também, Odebrechtestabeleceu parceria com
todo aq uele cartel de recursos técnico-econômicos e políticos, que sobram a estes e que um empreiteiro
baiano não dispõe com a mesma fartura.'" ·I
167 Revista OEmpreiteiro. Ed ição de agosto de 1974, n• 79.

'" Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1974, nº 79. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1974, n'79.
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1972, nº 57. '" Revista OEmpreiteiro. Edições n"46, 52, 54, 79, 127, 138, 150, 163, 17S, 176, 188, 200 e 212.
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1974, n' 79. "º DANTAS, Ricardo Marques de Almeida. Odebrecht. op. cit. p. 75-112.
· 102 Estranhos catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 103

oeconomista Victor Gradin271 para nacionalizar e diversificar as ações do grupo NO, semeando uma duradoura Anossa convivência foi bastante positiva no consórcio que executou as obras do novo Aeroporto
relação societária entre as duas famílias e que abriu caminho da empresa para o setor petroquímico. 272 Além do Galeão, com muitos pontos de sintonia na maneira de ver e conduzir os negócios. Isso favoreceu
disso, asua atuação militar, estabelecida apartir da Petrobras,a credenciou para obrasconsideradasdesegurança naturalmente as negociações de agora, quando Norberto Odebrecht tomou a iniciativa de nos propor
nacional, como o aeroporto internacional do Rio e a usina termonuclear de Angra, além da estação naval da essa associação.277
Marinha na ilha do Mocanguê, na baía de Guanabara. 273 Essas experiências, em particular as com a força naval,
parecem ter sido relevantes para odesenvolvimento de projetos posteriores, como odo estaleiro para produção Para o empresário paulista, as d4as empresas eram complementares, visto que a CBPO tinha
do submarino nuclear brasileiro, nos anos 2000 sem concorrência pública. 274 currículo em barragens, túneis, terraplanagem, rodovias, metrôs e concreto, enquanto a Odebrecht
Aempresa teve também confiitos e duras concorrências com adversários. Foi levada à justiça possuía usinas nucleares (Angra I e li) e um "marketing agressivo no mercado externo". Em 1983, o
pela Mendes Júnior por conta da licitação da hidrelétrica de Pedra do Cavalo, vencida pela NO. Ironizava controle acionário da empreiteira paulista foi transferido para afamília Odebrecht. Em 1986, aOdebrecht
a associação da (amargo Corrêa com capitais estrangeiros e pagou uma mesada para funcionária da adquiriu também a Tenenge, grande empresa de montagem industrial que atuava em hidrelétricas,
embaixada brasileira em Paris que foi demitida por ajudar a delatar esquema de corrupção envolvendo siderúrgicas e serviços para a Petrobras, principalmente na construção de plataformas e perfuração de
Delfim Netto ea empreiteira paulista. Manteve conflitos eassociações com as outras grandes empreiteiras poços de petróleo.278
nosanos 1990 e 2000 e foi acusada de contribuircom oesquema Paulo César Farias no governo Collor. 275 Desde 1979, Norberto Odebrecht encaminhou sua empresa paralelamente para a ramificação
Na redemocratização, Odebrecht participou do Movimento Cívico de Recuperação Nacional e a internacionalização. Até então, o grupo NO contava com diversas empresas, principalmente em
(MCRN), de caráter empresarial-militar e liderado por Herbert Levy. Aorganização era composta pelo áreas subsidiárias à construção, como comercialização e beneficiamento de aço, madeiras, fundações,
ex-ministro interino da Indústria na gestão Geisel, Nélson Gomes Carneiro, e por representantes da transporte de cimento, concreto pré-misturado, fabricação de blocos de silício-cal, mineração, projetos
Volkswagen, João Fortes Engenharia e outros, além de ter o apoio de Roberto Marinho, Mário Amato, etc. 279 Apartir desse ano, a empresa começou a atuar em setores que não correspondiam apenas ao
José Ermírio de Moraes e Victor Civita. Durante a Constituinte, a NO participou do esforço coletivo que fornecimento de suas atividades na construção, escolhendo como alvo prioritário o ramo do petróleo.
derrotou a tese da União Brasileira dos Empresários (UB), no tocante ao conceito de empresa nacional, Com a fundação da Odebrecht Perfurações Ltda. (OPL), a NO passou a tentar contratos com a Petrobras
sendo mantido o parágrafo que indicava a empresa brasileira como constituída sob as leis do país e em perfuração de poços e construção de plataformas, assim como a Queiroz Galvão, porém atuando
com sede e administração no território nacional, contra a proposta de suprimir todo o parágrafo. No ' também no setor da petroquímica. Com a compra de 33,3% do capital da Companhia Petroquímica de
caso, a NO se aliou ao chamado "centrão" e aos militares, que defendiam a manutenção do texto. 276 Camaçari (CPC) da (amargo Corrêa, a NO deu início à criação de seu império petroquímica. Em 1984,
Aempreiteira baiana cresceu ainda mais quando estabeleceu a principal parceria do setor na adquiriu ações da Salgema e, em 1986, da Poliolefinas, PPH e Unipar. Mais fatias das empresas vieram
ditadura. Em 1980, adquiriu 49%das ações da CBPO, iniciando um processo que depois virou fusão. Se- com as privatizações nos governos Collor e Itamar, até que a empresa estabelecesse na década de 2000
gundo editorial da revista OEmpreiteiro: "Guindado à liderança do setor, ogrupo ganha automaticamente a Braskem, que passou a deter o monopólio do setor no Brasil, constando como um dos oito maiores do
um peso agigantado como porta-voz representativo da comunidade da construção". No ano anterior, mundo na indústria petroquímica. 280
a NO figurara em segundo lugar dentre os maiores faturamentos do setor no país, ultrapassando a CC Vários outros setores foram alvo de atuação da empresa desde fins dos anos 1970, como
e ficando atrás apenas da AG. Juntando-se, porém, os valores recebidos por CBPO e NO, tratava-se da eletrônica, reflorestamento para exploração de celulose e, depois, o setor sucroalcooleiro. Com o novo
maior empreiteira nacional. Oscar Americano Costa, da CBPO, assim explicou ajunção das duas empresas: porte, foi criada em 1981 a holding Odebrecht S.A. e, em 1991, Norberto se afastou da presidência
do grupo, dando lugar a seu filho, Emílio Odebrecht. Desde 1965, a companhia conta também com
uma fundação, seguindo modelo das grandes corporações norte-americanas e inglesas. AFundação
271
Ogovernador baiano Luiz Vianna Filho explicita a importância de Victor Gradin e Angelo Calmon de Sá - secretário estadual de
lndús1ria e Comércio de sua gestão - dentro da classe dominante baiana. Ver VIANNA Filho, Luiz. Petroquímica e Industrialização da
Odebrecht tem atividades culturais e premiações, muito voltadas para a Bahia, e a empresa tem ainda
Bahio(1967-1971). Brasília: Senado Federal, 1984. um Núcleo de Memória. 281
272
Nos anos recentes os herdeiros das duas famílias entraram em choque. OGLOBO. Edição de 30 de janeiro de 2011, p. 22. 'Briga de Os primeiros contratos no exterior vieram em 1979, com hidrelétricas no Chile e no Peru, e uma
sócios leva Odebrechta fazer corpo a corpo para acalmar investidores: Famílias disputam na Justiça controle do conglomerado de 12
companhias'. agressiva política de preços para que a companhia se fixasse nesses mercados. Aempresa se espalhou
273
Revista OEmpreiteiro. Edição de janeiro de 1985, nº 206.
"' Ver tPOCA. Edição de 31/08/2009, p. 50. 'Negócios e doações: contratada para fazer a base de submarinos comprados pela Marinha, 277 Revista OEmpreiteiro, edição de julho de 1980, n• 150.
a Odebrechtdeu dinheiro para a campanha do relator do projeto no Senado'. "' OEmpreiteiro, edição de julho de 1980, n' 150; <http:/lwww.odebrecht.eom.br/>, acesso em 19 de agosto de 2007.
"' GASPAR!, Elio. A Ditadura Encurralada. op. cit. p. 285-299; ODEBRECHT, Emílio. AOdebrecht e a Privatização. op. cit. p. 123-138; O "' Revista OEmpreiteiro, edições de agosto de 1974, n• 79, e agosto de 1976, n' 103.
Empreiteiro. Edições de janeiro de 1979, n' 132, e de agosto de 1978, n' 127. '" <http://www.odebrecht.eom.br/>; ODIBRE.Clil,.!milio..;l.0.debrecht e n Privatização. op. cit. p. 140.
'" DREIFUSS, René Armand. OJogo da Direita na Nova República. op. cit. p. 109-180; 181-248. '" DANTAS, Ricardo Marques de Almeida. Odebrecht. op. cit. p. 75-112.
104 Estranhos wtedrois Aindústria de construção pesada brasileiraem perspectiva histórica 105

pelo mundo em seguida, com operações em Angola, Colômbia, Bolívia, Equador, Portugal, Estados Aempresa de (ecilio Rego de Almeida e outras sulinas
Unidos, China, Iraque, Líbia, Cuba e outros, realizando também aquisições no exterior. Nos anos 1990
e 2000, a NO superou a MJ como maior multinacional brasileira da engenharia, sendo ainda uma das Aregião Sul do país não foi um celeiro de grandes empreiteiras que prosperaram durante a
maiores transnacionais do país. 282 ditadura. As poucas empresas do Rio Grande do Sul de expressão que existiam antes do golpe de 1964
Em meados da década de 1970, a Odebrecht teve um revés em seu estado natal. Por conflitos sofreram decadência ao longo do regime e na redemocratização. Aregião enviou empresários para a
políticos, a empresa, que até então dominava osetor de obras públicas na Bahia, viu nascer a empreiteira fundação do sindicato nacional do setqr no Rio em 1959, apesar de em menor número que os oriundos
OAS, de César Matta Pires, genro do político baiano Antonio Carlos Magalhães. Apartir de 1976, quando de São Paulo e Minas. As mais import9ntes empresas da região estão arroladas no Quadro 1.7.
a empresa foi criada, passou a vencer várias concorrências na Bahia, obtendo também contratos em
estados vizinhos e de governos de aliados políticos de ACM. Sob a alcunha de "obras arranjadas pelo Quadro 1.7 - Principais empreiteiras sulinas ao longo da ditadura
sogro", 183 a empresa dominou o setor de obras públicas da Bahia, chegando à 10ª posição entre as Empresa e estado Controladores principais Fundação
construtoras nacionais em 1984, apesar de nem constar entre as 100 maiores do país poucos anos antes. CR Almeida (PR) Cecílio Rego de Almeida 1943
Desde meados dos anos 1980, diversificou suas atividades e passou a atuar em concessões públicas nos Gaúcha (RS) Sergio Octavio Lins 1954
anos 1990. Em 2003, iniciou suas atividades no exterior, com obras principalmente nos países vizinhos.284 Maestri (RS) Mario Maestri -
Outras empreiteiras foram ascendentes no final da ditadura, principalmente após as eleições de Pelotense (RS) Luís Roberto Andrade Ponte 1958
1982, quando ascenderam novas lideranças políticas em alguns estados. Aparaense Estacon (Estacas, Sutelpa (RS) José Portella Nunes 1956
Saneamento e Construções), fundada em 1969 pelo filho de libaneses Luftala de Castro Bitar, obteve · Velloso & (amargo (PR) Walter Scott C. Velloso -
vários contratos em seu estado após a chegada de Jader Barbalho ao governo, incluindo rodovias e o Tuniollo Busnello (RS) Olívio Peruffo 1945
abastecimento de água de Belém e oestádio Mangueirão, com capacidade para 82 mil pessoas. Aempresa Woebcke (RS) Ernesto Woebcke 1923
Fonte: Os dorumentos comultados para elaboração do quadro são citados ao longo dessa parte do capítulo.
teve um agudo crescimento efoi escolhida a empreiteira do ano em 1984, quando participava das obras
da estrada de ferro Carajás, no Pará, e possuía contratos em Boa Vista, Ribeirão Preto, Fortaleza e na
Amazônia, com auxílio dos incentivos fiscais da Sudam. Nesse período, adquiriu a carioca Coterra, que Nas décadas de 1960 e 1970, as empreiteiras da região sofreram intensa concorrência das companhias
tinha um contrato no Paraguai, levando a empresa a manter atividades no exterior.285 do Sudeste e Nordeste, eos sindicatos locais criticaram a concentração do mercado, defendendo barreiras pro-
Outra ascendente da região foi a Empresa Industrial e Técnica S.A., a EIT, de Tibério César Ga- tecionistas. Assim, medida do governo gaúcho de 1968 proibiu a participação de empresas de fora ou sem filial
delha, que era a 9ª maior do país em 1984 e teve seu dono na presidência do Sinicon de 1986 a 1995. 186 no Rio Grande do Sul em concorrências públicas locais, argumentando que aquelas não arrecadavam impostos
Abaiana Concic cresceu e se nacionalizou ao adquirir a carioca Portuária, em 1973, realizando obras no para os cofres estaduais.190 Em 1976,o presidente do sindicato local,Mario Maestri, assinalou agravidade da crise
porto La Paloma, no Uruguai, nos anos 70, e chegando à 11' posição dentre as construtoras do país em no setor edefendeu a criação de um Fundo Nacional de Obras Públicas.291 Dois anos depois, onovo presidente do
1984, antes de ir à falência nos anos 1990.287 Por fim, a pernambucana Delta foi fundada em 1961 pela sindicato, Fedei eScorza, afirmou que "o setor da construção chegou ao fundo do poço".192 Uma das empreiteiras
família Cavendish Soares e sua sede foi transferida para o Rio em 1995, crescendo na Nova. República, do estado era aGaúcha de Terraplanagem ePavimentação, de Sergio Octavio Lins, que participou dà fundação do
principalmente com obras tocadas por governos do PMDB nos anos 2000. 188 Já a pequena Soares Leone Sinicon.293 ATuniollo Busnello, de Olívio Peruffo, era a maior do estado, teve trecho da Ferrovia do Aço efigurava
teve seu dirigente, Manoel Augusto Leone, na presidência da CBIC em fins dos anos.70189 como 68ª do país em 1977.294 Maria Maestri era dono da Maestri e, além de presidente do sindicato local, foi
secretário estadual no governo Brizola.295 APelotense tinha expressão regional, além de obras no Uruguai e
na Nigéria, e seu presidente, Luís Roberto Andrade Ponte, revelou extensa projeção política, sendo duas vezes
presidente da Cbic, deputado federal, autor do projeto da lei das Licitações, além de ter sido ministro-chefe da
"' OEmpreiteiro, edições n" 17S e 181. DANTAS, Ricardo Marques de Almeida. Odebrecht. op.cit. p. 75-112.
m OGlobo. Edição de 16 de março de 2008. 'OAS 2.0', coluna de Elio Gaspari. 2" Revista OEmpreiteiro, edição de agosto de 1968, nº 7.
~, OEmpreiteiro, edição de maio de 1985, n• 210; <http://www.oas.corn.br/>, acesso em 20de agosto de 2007. 291 Revista OEmpreiteiro, edição de maio de 1976, nº 100.
185
OEmpreiteiro, edição de outubro de 1984, n• 203; <http://www.estacon.com.br/>, acesso em 21 de agosto de 2011. "' Revista OEmpreiteiro, edição de janeiro de 1978, nº 120. Aforte organização do empresa riadoda construção local e intensa atuação
'" OEmpreiteiro, edição de julho de 1985, n• 212; SINICON. Estatuto... op. cit.; <http://www.eitcom.br/>. junto ao poder público levaram à realização pelo governo Jair Soares do estudo FUNDAÇÃO de Economia e Estatística. AIndústria da
"' Aempresa fez depois pagamentos de firma de consultoria do publicitário Marcos Valério, associado às denúncias do "mensalão" no Construção: uma análise econômico-financeira. Porto Alegre: Secretaria de Coordenação e Planejamento doRio Grande do Sul, 1984.
governo Lula. Ver OGlobo, 27/11/2011, p. 3. "' SINICON. Ata da reunião de fundação do Sinicon . 10 de março de 1959.
'" FERRAZ Filho, G. T. ATransnacionolização... op. cit. p. 111-228; OGlobo. Edição de 29/03/2011, p. 10-1. "' Revista OEmpreiteiro, edições de abril de 1975, nº 87, e de agosto de 1977, nº 127.
'" < http://www.cbic.org.br/>, acesso em 10 de maio de 2011; Rev~ta OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1978, nº 127. '" Entrevista com Mario Maestri Filho, realizada em 12 de dezembro de 2009.
1.06 fstranhosrotedrois Aindústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 107

Casa Cívil no governo Samey.296 Aconstrutora Ernesto Woebcke participou durante o governo Geísel das obras 1.623 veículos. No governo Sarney, a empresa cresceu ainda mais, com obras da ferrovia Norte-Sul, e
do 3° polo petroquímico, em Triunfo, por pressão de políticos locaís.297 Já a Sutelpa era a firma do líder dos teve o segundo maior faturamento do setor em 1990.304
empreiteiros da região, José Portella Nunes.298 ACR Almeida teve extensa ramificação, com atividades subsidiárias à construção, como empresa
Se as empreiteiras gaúchas passaram por crises e as catarínenses não tinham expressão extra- distribuidora de asfalto. Explorou ouro através da CR Almeida Mineração, produzia explosivos através
local, uma empresa de origem paranaense chegou a ser uma das maiores do país. ACR Almeida (CRA) da Britaníte Indústria Química e explorava hotéis construídos. Nos anos 90, participou de concessões
foi fundada em 1958 pelos irmãos Félix e Cecília Rego de Almeida, em Curitiba. Antes disso, Cecílío rodoviárias, administrando estradas paranaenses. 305
havia trabalhado na firma carioca Lysimanco, de propriedade de Lysímanco da Costa e que havia feito A CR Almeida parece constitui'r um exemplo de poderosa empreiteira surgida fora do eixo
importantes obras na antiga capital. Aempresa foi posteriormente agregada à CR Almeida, assim como principal da construção pesada, ao ser escorada por uma intensa política protecionista do aparelho de
a Susolaporr;-a paranaense Aranha S.A., a carioca Genésio Gouveia e a norueguesa-brasileira Noreno Estado paranaense. Apesar de sua atuação em outros estados, de sua sede no Rio e da ramificação, a
do Brasil. Com essas aquisições, a CRA, com sede no Rio, tornou-se uma das maiores empreiteiras bra- maior parte dos projetos da empresa permaneceu no estado do Paraná.
sileiras nos anos 70, tendo no porta-fólio das empresas do grupo as obras do Maracanã, a rodovia dos
Bandeirantes, as fundações da usina de Cosipa, além de ser incluída entre as barrageiras.299 As empresas de engenharia relacionadas à indústria da construção pesada
Oinício das atividades da CR Almeida foi modesto, com pequenas obras regionais no Paraná,
incluindo trechos de rodovias, terraplanagem e pavimentação. Foi na ditadura, depois das incorporações, Como vimos, no princípio do desenvolvimento da construção pesada no Brasil, as empresas se
que ogrupo se tornou responsável por obras de peso, como o terceiro maior trecho da Ferrovia do Aço e caracterizavam por ser fac totum e realizavam serviços subordinados à sua função, como as fundações,
lotes da rodovia dos Imigrantes, Belém-Brasília, Rio-Santos, Cuiabá-Porto Velho, Porto Velho-Rio Branco, concretagem, estudos e projetos, além da montagem elétrica e mecânica. Com o desenvolvimento e
ferrovia Madeira-Carajás, além da estação Carioca do metrô do Rio, do edifício-sede da Eletrosul (em a complexificação do mercado do setor, foram criadas firmas especializadas para essas funções, como
Florianópolis), obras portuárias em Santos e Sepetíba, barragens no Sul para o DNOS, oleoduto para a seções de um grupo empresarial ou firmas autônomas. Eram companhias em geral menores que as
Petrobras, base aérea de Canoas e o aeroporto Afonso Pena, em Curítiba.300 empreiteiras, com faturamento mais modesto e contratos de menor porte. Esses setores também tinham
ACRA esteve envolvida em situações delicadas durante a ditadura, como a acusação de ser uma presença maior de firmas estrangeiras, que traziam de fora técnicas e tecnologia, fatores mais
beneficiada por protecionismo estadual. Uma contratante constante era a estatal paranaense de energia, marcantes nessas áreas. Além disso, empresas de consultoria, projetos, serviços especiais e montagem
a Copel, que encomendava várias hidrelétricas à CRA, como a de Segredo e Capivari-Cachoeira. 301 Afirma fizeram um movimento ainda mais vigoroso de internacionalização, com diversas incursões na América
foi responsável também nos anos 70 pelas obras da ousada ferrovia estadual Central do Paraná, ligando Latina, África e Oriente Médio, associadas às empreiteiras brasileiras em algumas ocasiões, mas com
Ponta Grossa a Arapucana, com 330 km, 10 pontes e vários viadutos. Avia era rota de escoamento da contratos menores. Essas companhias cresceram na ditadura, com serviços para empreiteiras, projetos
produção agrícola do interior do estado e a CRA obteve no exterior financiamento de US$ 24 milhões de e montagem de hidrelétricas, fábricas, siderúrgicas, refinarias, polos petroquímicas e serviços para a
bancos israelenses e norte-americanos, o que viabilizou o empreendimento. Aobra acabou na justiça, Petrobras. Com as encomendas da estatal de petróleo, as empresas de montagem industrial fo ram
já que a projetista, Transcon, não concordou com os valores pagos pelo governo estadual.302 Em outra alçadas à primeira linha na engenharia nacional no final da ditadura, figurando entre as cinco maiores
polêmica, a CRA se associou à italiana lmpresit para arrematar a usina de São Simão {2500 MW), da receitas do setor no país.
Cemig, sendo preferida à MJ, que dera menor lance e alegava norma limitando a atuação de empresas As empresas de engenharia que não cumprem diretamente funções de construção pesada
estrangeiras em obras públicas no país. 303 podem ser divididas em quatro áreas. Em primeiro lugar, as empresas de consultoria e projetos realizam
ACRA figurava entre as 10 maiores do país em faturamento, chegando a ser a segunda em consultas, projetos, estudos geológicos e de outros tipos para obras de engenharia, sendo muitas vezes
patrimônio em 1975 e a primeira, contando o número de veículos de sua frota, em 1974, com total de associadas às empreiteiras. Asegunda corresponde à construção elétrica e mecânica, com empresas
que realizam a montagem de fábricas e instalações elétricas de uma obra, em uma área que agrega
"' <http://www.pelotense.eom.br/>, acesso em 14 de janeiro de 2011. grandes firmas associadas estreitamente às empreiteiras. Oterceiro setor comporta as empresas de
"' ABREU, Percy Lóuzada de. AEpopéia da Petroquímica no Sul. op. cit. p. 153-162.
'" FUNDAÇÃO de Economia e Estatística. AIndústria da Construção. op. át. serviços especiais de engenharia, com funções específicas de uma obra, reservadas com o tempo a
"' <http://www.cralmeida.eom.br/>, acesso em 3 de fevereiro de 2009; OEmpreiteiro, edição de setembro de 1973, n' 68. firmas especializadas, como as fundações, concretagem, pintura etc. Por fim, a construção leve é a área
300
Revista OEmpreiteiro, edições n" 49, 57, 87 e 201; <http://www.cralmeid,.eom.br/>.
301
<http://www.cralmeida.eom.br/>, acesso em 3 de fevereiro de 2009.
das empresas que realizam edifícios residenciais e comerciais urbanos.
301
Revista OEmpreiteiro, edição de março de 1969, n' 14; PRADO, Lafayette Salviano. Transportes eCorrupção. op. cit. p. 235-261; FERRAZ
filho, Galeno Tinoco.A Transnocionalização... ap. cit. p.31 -109. 304 Revista OEmpreiteiro, ediçõesn'80, 91, 103, 115,212 e.280.
303
Revista OEmpreiteiro, edição de setembro de 1973, n' 68. 3" OEmpreiteiro, edição de setembro de 1973, n' 68; Informe Sinicon, n' 22; <http://www.cralmeida.eom.br/>.
1.08 fstranhascoredrais Aindústriade construção pesada brasileira emperspectiva histórica 109

As mais importantes empresas de projetos de engenharia estavam situadas no perímetro Rio- era presidida nos anos 1970por Hanz Luiz Heinzelmann e expandiu suas atividades projetando ometrô
-São Paulo-Minas, conforme se vê no Quadro 1.8. Uma das mais antigas era a Serviços de Engenharia de São Paulo e de Bagdá.309
Emílio Baumgart S.A. (Seebla), fundada em 1926 pelo engenheiro que lhe dá onome e que é do mesmo APromon foi criada por norte-americanos e brasileiros em 1960 emSão Paulo para atender
tronco familiar dos Odebrecht. 306 Introdutor do concreto armado no país, o mineiro Emílio Baumgart à expansão do setor petroquímica. Realizou projetos para hidrelétricas e os metrôs, sendo suas ações
projetou o edifício ANoite, no Rio, o maior em concreto armado no mundo então, além das obras do vendidas para os próprios funcionáriosdaempresa nos anos 70. Comobras projetadas na América Latina,
Ministério de Educação e Saúde, a Obra do Berço e outras. Com a morte do fundador, em 1943, a empresa África e China, constava entre as três maiores no setor.31 0
passou a ser conduzida por Artur Eugênio Jermann e fez projetos para a Reduc, o edifício-sede da BR AThemag foi criada pelos engenheiros da USP Telêmaco Von Laugendonch, Henrique Herweg,
e outras obras. 307 Eugênio Jusquin, Milton Vargas e Alberto Giaroli, sendo intitulada com as iniciais de seus nomes. Pre-
sidida por Milton Vargas, foi responsável por projetos do metrô de São Paulo, rodovia dos Imigrantes,
Quadro 1.8- Principais empresas projetistas de engenharia do país durante a ditadura hidrelétricas paul istas e empaíses como a China. 311
Empresa Sede Controladores Amaior empresa brasileira de projetos de engenharia na ditadurafoi a Hidroservice, de Henry
CNEC SP Grupo(amargo Corrêa Maksoud, que fez projetos como o do porto de São Sebastião, alémde ter atuado no exterior. Maksoud
Engesolo MG HélioGarcia foi presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo e atuava ainda no ramo da comunicação, com
Engevix RJ Servix / Hans Luiz Heinzelmann as publicações do grupo Visão. 312
Etege MG Grupo Andrade Gutierrez AInternacional de Engenharia S.A. (lesa) fazia parte do grupo Montreal, que atuava também
Figueiredo Ferraz SP José Carlos Figueiredo Ferraz nos ramos de montagem elétrica e industrial, construção de plataformas e mineração. Era presidida
Hidroesb RJ FamíliaSaturnino de Brito por Sérgio Franklin Quintei la, que conduziu o projeto Jari nos anos 80 e teve atuação política como líder
Hidroservice SP Henry Maksoud
do PFL fluminen se, dialogando com o líder da UDR. 313
Internacional de Engenharia (lesa) RJ Montreal (Sérgio Quintella)
Outras empresas tiveram donoscom cargos políticos na ditadura.AFigueiredo FenazConsultoria
Milder Kaiser Engenharia (MDK) SP Grupo (amargo Corrêa
pertencia ao engenheiro João Carlos Figuei redo Ferraz, cogitado para o ministério de Geisel depois de
Morrisen Knudsen RJ Morrisen Knudsen (EUA)
Planidro ... Álvaro Cunha
· ter sido prefeito de São Paulo nos anos 70.314 Amineira Engesolo foi fundada em 1969 por Hélio Garcia,
Projectum RJ BrunoContarini/Rabello ligado a Tancredo Neves, prefeito de Belo Horizonte e governador de Mi nas. 31 s Já a Transcon pertencia
Promon SP - a Lafayette Salviano do Prado, diretor-geral do DNER nos períodos Jânio e Castello e chefe do Geipot
Seebla MG Emílio Baumgart/Artur Eugênio Jerrnann entre 1964 e 1967.316
Themag SP Telêmaco van Laugendonch e outros Outras empresas de projetoseram a norte-americana Morrisen Knudsen, o Laboratório Hidre-
Transcon S.A. Consultoria Técnica RJ LafayetteSa lviano do Prado otécnico Saturnino de Brito (Hidroesb) e a Planidro. Grandes empreiteiras controlavam suas próprias
Fonte: Os documentos consultados para elaboração do quadro são citados ao longo dma parte do 1exto. projetistas, como a CC, cujo grupo incluía a CNEC, que projetava boa parte das hidrelétricas realizadas
pela empreiteira, e a MDK. Já a AG controlava a Etege.317
Bruno Contarini dirigiu a Projectum, que era ligada e depois foi absorvida pela Rabello e que
"' oEmpreiteiro. Edições nº 35, 127, 188,200 e 207; <http://www.engevix.com.br/>, acesso em 8/02/2011; ALMEIDA, Márcio Wa hlers
realizou diversos projetos para os desenhos de Oscar Niemeyer, sobretudo em Brasília, mas também de. Estado eEnergiaElétrica emSão Paulo op. cit. p. 28-150.
na Argélia, como na obra da universidade de Constantine.308 '" Revista OEmpreiteiro. Ediçõesn" 13, 35, 91, 115, 127, 138, 150, 156, 176, 188,192, 200, 207 e 217.
"' Revista OEmpreiteiro. Edições n" 13, 31, 35, 127, 138, 188 e 217; SINICON. Dois Brasis. op. cit. p. 12-23.
Outra empresa do setor que pertenceu a uma empreiteira foi a Engevix, criada em 1956 no Rio m Revista OEmpreiteiro. Edições n" 68, 73, 91, 103, 115, 127, 138, 150, 176, 188, 195, 200 e 217. Mais sobre Maksoud emCEZARJúnior,
como braço do grupo Servix na área de projetos. Sua criaçãoremete à montagem dos primeiros proje- Gervásio. "Organização do projeto neoliberal nos anos 1970: revista Visão e sua ação orgânica partidária". Texto inédito. Marechal
tos hidrelétricos de São Paulo, elaborados pela Servix e financiados pelo Banco Mundial. Como o Bird Cândido Rondon: 2010. p. 1-1 2.
m Revista OEmpreiteiro. Edições n" 138, 171, 176 e 188; DREIFUSS, René Armand. OJogo da Direita... op. cit. p. 47-107; 181-248. Sérgio é
obrigava que projetistas e construtoras fossem firmas separadas, a Servix criou a Engevix. Aprojetista pai de AntônioQuintella, economista formado na PUC-Ri oindicado em2010 pa ra a chefia doCréditSuisse para as Américas. OGLOBO.
Edição de 25 de junho de 2009.
"' GASPAR\, Elio. ADitadura Derrotada. op. cit. p. 279-305; Revista OEmpreiteiro, edição nº 176.
"' DREIFUSS, René Armand. OJogo... op. cit. p. 47-107; <http://www.engesolo.com.br>, acesso em9 de fevereiro de 2011.
"' Ver CASTRO, Moacir Werneck de. Missãona Selva: EmílioOdebrecht (1835-1912). op. dt. "' PRADO, Lafayette. TransporteseCorrupção. op. cit. p. 409-441.
307
Revista OEmpreiteiro. Edição de maio de 1972, nº 52. m ROSA, Luiz Pinguelli; SIGAUD, Lygia; MIELNIK, Otav10 (org.). Impactos de Grandes Projetos Hidrelétricos eNucleares. São Pa ulo: Marco
308
FERRAZ Filho, Galena Ti noco.A Transnaâonalizaçãa ... op. cit. p. 303-314. Zero, 1988. p. 17-38.
11 O Estranhas catedrais Aindústria de construção pesada brasileira empeJSpcctiva histórica 111

As empresas do setor eram menores que as empreiteiras e, em 1982, o faturamento da maior AMontreal foi fundada em 1954 por Thomaz Pompeu Borges Magalhães, que foi presidente da
delas, a Promon, equivalia ao da décima empreiteira nacional. 318 Alguns de seus dirigentes, no entan- Abemi e secretário do governo Paulo Egydio Martins, em São Paulo. Aempresa atuava com montagem
to, possuíam intensa atuação política, com exposição pública mais vigorosa que os empresários da industrial e virou líder de um grupo de engenharia, indústria e mineração. Nos anos 70, era controlada por
construção pesada. Alguns tinham projeção nos aparelhos privados de hegemonia, como o Clube de capitais belgas e presidida por Derek Herbert Lovell-Parker, tendo Sérgio Quintella como vice. Em 1964,
Engenharia, dirigido por Saturnino de Brito no início da ditadura, e o Instituto de Engenharia, em que um de seus acionistas era o brigadeiro Eduardo Gomes, ea empresa contribuiu com o lpes. Acompanhia
Maksoud exerceu a presidência. constou entre as três maiores do 5etorna ditadura, atuando em ltaipu e plataformas da Petrobras e, nos
1
anos 80, diversificou suas atividades para a exploração de petróleo e a mineração de ouro. 322
Quadro 1.9 - Principais empresasde montagemindustrial no paísdurante a ditadura Abrasileira Técnica Nacional de Engenharia (Tenenge) foi fundada em 1955 por Antonio Mau-
Empresa Controladores rício da Rocha e historicamente teve a Petrobras como cliente. Atuou na montagem de siderúrgicas,
A. Araújo - hidrelétricas (incluindo ltaipu), refinarias e metalúrgicas. Uma das quatro maiores do país nos anos 70, a
Empresa Brasileira de Engenharia (EBE) - empresa foi levada à primeira posição dentre as firmas de montagemindustrial após 1982 com a atuação
Montreal Derek Herbert Lovell-Parker / grupo bêlga na construção e montagem das plataformas da Petrobras, tornando-se uma das maiores empresas de
Sul Americana de Engenharia (Sade) General Eletric
engenharia do Brasil. Em 1986, seu patrimônio foi absorvido pelo grupo Odebrecht. 323
SIT -
Com ofilão das plataformas aberto pela Petrobras após as descobertas na bacia de Campos em
Techint Grupos franco-italianos (Giorgio Annibale Gras)
meados da década de 1970, outras empresas se voltaram para osetor. ASeta! Engenharia foi comprada
Tenenge Antonio Maurício da Rocha / Odebrecht
Grupo Ultra pelo grupo Ultra, de Peri lgel, e transformada em Ultratec, que tinha capital minoritário estrangeiro
Ultratec (ex-Setal)
Fonte: Os documentos consultados para elaboraçao do quadro são citados ao longo dessa parte do texto. e prestava serviços para a estatal. Posteriormente, converteu-se na UTC Engenharia. Outras firmas no
setor de montagem eram a A. Araújo, que esteve na montagem eletromecânica de ltaipu; a Empresa
As empresas de montagem industrial e elétrica (ver Quadro 1.9) tinham porte superior às de Brasileira de Engenharia (EBE), que atuou em Brasília e em !taipu; e a S!T, uma das maiores do setor
projetos, atuando em áreas de interseção com o campo de atividades das empresas de construção em fins dos anos 1970.324
pesada, o que fazia com que ambas concorressem em mercados como oda construção de plataformas. Aterceira área aqui abordada é a de serviços especiais de engenharia, que abarca uma diversifi-
Essas firmas ascenderam no final da ditadura, com as encomendas da Petrobras. Assim, quando a cada gama de atividades e de empresas especializadas em atividades próprias de obras. Alíder do setor
Montreal liderava o mercado de montagem industrial, em 1972, seu faturamento equivalia ao da Ecisa, na ditadura era a carioca Estacas Franki, especializada em fundações e que atuou nos metropolitanos
10' maior empreiteira do país. Quando, em 1982 e 1983, a líder do setor era a Tenenge, responsável urbanos e em Brasília. Aconcretagem conta com empresas específicas, como a Concremat- que financiou
pela construção e montagem de plataformas offshore, seu faturamento a posicionaria como a 5ª maior o lpes antes de 1964 - ea Engemix, firmas nacionais que operaram nos metrôs. No caso do metrô do Rio,
empreiteira do país. 319 ASul Americana de Engenharia (Sade) era exemplo de empresa estrangeira que o estaleiro japonês lshibrás também usou seus guinchos e guindastes para tarefas específicas da obra.
atuava na construção mecânica e elétrica no país, sendo controlada pela General Eletric italiana, do grupo Uma atividade comum no período era a construção de casas provisórias para os barrageiros, os operários
norte-americano GE. Fazendo a montagem elétrica de siderúrgicas, como a Cosipa, de termelétricas e que trabalhavam na construção de barragens e hidrelétricas, e que tinham empresas especializadas,
hidrelétricas, a empresa era representada no país por Francisco Cayotto e tinha Socrate Mattoli como como a gaúcha Madezatti, produtora de casas pré-fabricadas. 325
superintendente. Liderou em diversos anos a lista das maiores empresas do setor e foi uma das oito a Por fim, não diretamente relacionadas à construção pesada, as empresas de construção leve
participar da montagem elétrica de ltaipu. 320 atuavam nas obras de edifícios comerciais e residenciais urbanos e tinham em geral porte menor que
ATechint se instalou no país em 1947 e era controlada por capitais franceses e italianos, sendo as empresas de obras públicas. Quando a revista OEmpreiteiro resolveu, em 1981, incluir firmas de
presidida por Giorgio Annibale Gras. Também era uma das maiores do setor, com montagem de gaso- construção leve em seu índice das maiores construtoras do país, a lista pouco se modificou. Nenhuma ·
dutos, plataformas de petróleo, polos petroquímicas e hidrelétricas. 321 construtora imobiliária figurou entre as 10 maiores de engenharia, e a principal empresa do ramo, a

122 ROSA; SIGAUD; MIELNIK(org.). Impactos... op. cit. p. 17-38; Revista OEmpreiteiro. Edições nº 13, 68, 80, 91, 115, 127, 138, 150, 163, 171,
m Revista OEmpreiteiro. Edições n" 25, 35 e 68. 176, 194,200 e 212;/nforme Sinicon, ano 1, n• 21, de 16 de jul ho de 1984; DREIFUSS, René Armand . 1964. op. cit. p. 636-41.
"' Revista OEmpreiteiro. Edições n• 68, 188 e 200. m OEmpreiteiro. Edições n• 23, 26, 68, 80, 91, 115, 127, 138, 171, 176 e 188; <http://www.odebrecht.com.br>.
"º Revista OEmpreiteiro. Ediçõesnº 68, 1lS, 127, 138, 143, 150, 176, 187, 200e 212; LIMA, Ivone Therezinha Carletto de. ltaipu. op. cit. p. 215. '" OEmpreiteiro. Ed ições nos 138 e 210; LI MA, 1. T. C. de. Jtaipu. op. cit. p. 215; Revista OEmpreiteiro. 700 Anos... op. cit. p. 62-4; ROSA;
"' ABREU, Percy Louzada de. AEpopéia... op. cit. p. 19-27; Revista OEmpreiteiro. Edições n° 115, 127 e 210. Em 2011, o grupo se tornou SIGAUD; MIELNIK (org.). Impactos... op. cii. p. 17-38. - -
acionistada Usiminas. OGLOBO. Edição de 29de novembro de 2011, p. 23. 315 Revista OEmpreiteiro. Edições n° 26, 63, 68, 80, 91, 115, 131, 138 e 187.
112 Esrranhasmredroi, Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 113

Odesenvolvimento do setor da construção pesada ao longo da ditadura


Encol, figurou como 22ª. Nos anos posteriores, essa mesma empresa, sediadà no Distrito Federal, chegou
a constar como 5ª maior construtora do país, porém com faturamento bem inferior às quatro maiores
do setor (MJ, NO, AG e CC). 326 Se foi durante operíodo JK que as empresas brasileiras de construção pesada conseguiram atingir
AEncol tinha 100%do seu faturamento com a construção de edifícios comerciais e residenciais, um patamarnacional, realizando obras emdiversas regiões do país e consolidando osetor como um dos
não havendo qualquer contrato de obras públicas. Omesmo ocorria com a João Fortes Engenharia, mais poderosos da indústria brasileira, foi ao longo da ditadura civil-militar, entre 1964 e 1988, que as
fundada em 1950 e presidida no início dos anos 1980 porJoão Machado Fortes, empresário que dirigiu à companhias do setor se converteram em grupos monopolistas, líderes de conglomerados econômicos
Cbice que era amigo do presidente Figueiredo.327 0utra construtora com vínculos políticos eraa Gomes de de atuação em todo o território e em vário's países do mundo. Beneficiad as pelas políticas de proteção
Almeida Fernandes Engenharia e Construções Ltda. (Gafisa), sediada no Rio e dirigida por Carlos Moacyr e incentivo estatal, as empreiteiras brasileiras se firmaram durante a ditadura como alguns dos grupos
Gomes, que fez doações ao lpes antes do golpe e, próximo de Sandra Cavalcanti - ligada à construtora privados nacionais mais poderosos da economia brasileira. Poste riormente, elas se postularam como
carioca Carvalho Hosken -, foi indicado para a chefia do Programa de Cooperativa Habitacional da agentes do grande negócio dos anos 90, as privatizações, oque reforçou seu caráter de conglomerados
Guanabara, projeto piloto do BNH no governo Castello.328 monopolistas de projeção nacional e internacional.
Não é nosso objetivo desenvolver uma radiografia do empresariado da construção leve, mas Apesar desse caráter geral da indústria de construção ao longo do período ditatorial, houve
apontar as empresas com notoriedade de porte ou projeção política. Ao contrário dos empresários da diversas fase s no reg ime, com períodos mais ou menos positivos paraas atividades das empresas do setor.
construção pesada e montagem industrial, os construtores imobiliários nãofaziam parte dos quadros do Operíodo Castello, por exemplo, não foi bem visto pelas empreiteiras, dada sua revisão em contratos
Sinicon, Abemi, Abeop e outras associações do ramo, tendo suas próprias entidades, como os Sinduscon's e suspensão de obras. Houve interrupção das obras do período Jango, como a continuação de projetos
e as Ademi's. Édigno de nota também que a construção imobiliária urbana era área de atuação das do Plano de Metas e os novos planos do DNER e da Sudene. ACemig, as estatais elétricas paulistas e os
empresas de construção pesada. estados que recebiam recursos norte-americanos do Fundo do Trigo permitiram intensa demanda para
Aideia norteadora desse subcapítulo foi apresentar quem era quem na construção pesada as construtoras entre 1963 e 1964, após período de refluxoentre 1961 e 1962.
durante aditadura, as trajetórias mais emblemáticas do setor eos vínculos que uniam esses empresários
a outras frações da classe dominante, bem como sua inserção nos aparelhos privados de hegemonia Gráfico 1.6 - Varia ção anual do produto da indústria da construção entre 1964 e 1977
e nas agências estatais. Verificando o conjunto dos principais empresários do setor, é possível notar
1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977
algumas características de corte mais geral: a) as empresas de engenharia no século XX no Brasil eram
dominantemente controladas por capitais nacionais, sobretudo no setor de construção pesada; b) o
controle das empreiteiras era geralmente exercido por famílias, que muitas vezes davam o nome do
grupo; c) o estado de origem era uma variável central para entender a ascensão e nacionalização da
empresa, sendo as mais poderosas as sediadas em São Paulo, Minas e Nordeste.
Através da apreciação do histórico dos principais agentes empresariais do setor, é possível ve-
rificar também que mais do que um tino estritamente privado e empresarialou uma excelência técnica
da firma, o que mais parece explicar o êxito pu o fracasso de uma ou outra construtora brasileira no
século XX foi a força política e o poder desses empresários no Estado ampliado, nos aparelhos pri1/ados
da sociedade civil e centro do aparelho estatal. Os empreiteiros de maior sucesso foram historicamente
os que conseguiam se articular no grupo dirigente e os que foram mais eficientes na inserção dentro
da sociedade política. Fonte: Fundação GetúHoVargas apud AL.MEJOA; ZONlNSElN; DAIN. lndústriade... op. (it. p. 1~145.

Cabe agora analisar como se deu o desenvolvimento da indústria da construção pesada no


regime civil-militar, destacando processos importantes ocorridos no setor, como o da centralização de Com a chegada de Costa e Silva ao poder e a entrada em cena de Delfim Netto (Fazenda),
capitais eda ramificação das atividades das empreiteiras. Mário Andreazza (Transportes) e Eliseu Resende (DNER), a nova correlação de forças deu uma guinada,
redundando em forte política de investimentos públicos e incentivo ao crescimento econômico, ati-
'" Revista OEmpreiteiro. Edições n• 163 e 188. vando em escala inédita as empresas de construção brasileiras. Operíodo do chamado "milagre" foi
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1980, nº 152. historicamente o mais favorável às construtoras brasileiras, dado o fato de boa parte do crescimento
"' DREIFUSS, René Armand. 1964. op. cit. p. 446-447; p. 636-641.
114 Estranhascaiedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 115

de então ter sido fruto de investimentos estatais em obras. Assim, o setor de indústria de construção grandes construtoras que as realizavam. 331 Acapacidade instalada das usinas nacionais foi de 6.355 MW
cresceu continuamente nos anos 70, como se vê no Gráfico 1.6. Foi só em 1979-1980 que teve início a em 1964 para 11.400 MW em 1971, crescendo a mais de 10%ao ano. Com os investimentos previstos a
contração no setor, com a redução da formação bruta de capital fixo na economia.329 partir daquel e momento, que indicavam a construção de centrais elétricas como ltaipu, a capacidade
Esse avanço levou a indústria de construção a ganhar maior peso proporcional no PIB, indo a elétrica nacional atingiu 32.893 MW em 1982.332 _
uma média de 5,7%do produto interno no início dos anos 80. Economistas apontam a cifra como típica Além da continuidade desses dois pilares, postos por JK sob a alcunha de "energia e transporte"
de países "desenvolvidos", nos quais a participação da indústria varia de 5% a 10% do PIB, contra os 1 e que, desde seu tempo, representavam wincipalmente rodovias e hidrelétricas, novos tipos de obras
ditos países em desenvolvimento, nos quais ela giraria entre 3% e 5%.330 se mostraram como oportunidades para as empresas do ramo diversificarem suas áreas de sua atua-
Recheadas de empréstimos internacionais, as agências do aparelho de Estado brasileiro fizeram ção. Ogoverno ditatorial se empenhou em grandes projetos, como os aeroportos supersônicos, portos
nos anos ?O investimentos que repetiam grosso modo o modelo do Plano de Metas. No período Médici, militares e as usinas termonucleares, alémdos trens metropolitanos, emissários submarinos e outros
houve amplos dispêndios na construção rodoviária e várias empreiteiras atuaram nessas obras, refor- equipamentos urbanos, cuja construção demandava muitos serviços às empreiteiras. 333
çando sua experiência no ramo, como se vê no Gráfico 1.7. Operíodo do "milagre" foi de expansão das atividades das empresas de construção e, por isso,
iniciou-se nesse momento a publicação da revista OEmpreiteiro, junto com outros periódicos similares.
Gráfico 1.7 - Implantação de rodovias.no país entre 1966 e 1980, em quilômetros Foi também nessa época que as empresas fizeram aquisições, iniciando o processo de conglomeração,
além de encetar suas atividades em países estrangeiros. 334
Oritmo das obras foi tão intenso que os materiais usados pela indústria da construção se
tornaram escassos. Operíodo do "milagre" fQi de crise nacional na produção de aço e cimento, com um
consumo superior à produção nacional, levando ogoverno atomar medidas para a obtenção da autossu-
ficiência, o que ficou mais nítido nas metas do li PND. No tocante ao aço, antes do "milagre", a produção
nacional usava capacidade instalada adquirida no período JK, exportando o excedente, inclusive com
incentivos governamentais. Em agosto de 1970, no entanto, os empreiteiros reclamavam que tinham
·dificuldades de encontrar aço para as obras no mercado doméstico. 335 No ano seguinte, as três maiores
siderúrgicas nacionais- CSN, Usiminas e Co5ipa -abriram concorrências para expandir suas unidades e,
no governo Geisel, novos projetos siderúrgicos foram previstos para garantira autossuficiência nacional.
Aescassez foi vista também no asfalto, levando a prefeitura de São Paulo, em1970, a prever mais três
Fonte: GEIPOT opurl ALMEIOA; ZONINSEIN; OAIN. lndú,triade... op. cit. p.146-206.
usinas na cidade, que já contava então com quatro, sendo que a Guanabara inaugurou usina de asfalto
em Jacarepaguá nesse mesmo ano. 336
Aquestão era mais delicada com o outro insumo básico da indústria de construção, o cimento,
No gráfico, pode-se perceber oauge dos anos do "milagre", quando eram construídos milhares cujo consumo é um dos principais termômetros das atividades no setor. Nos anos 70, oSindicato Nacional
de quilômetros de rodovias anualmente, e a decadência sofrida no setor após 1973. da Indústria do Cimento (SNIC) afirmava haver produção nacional suficiente para a demanda doméstica,
Osegundo elemento principal do modelo da segunda metade dos anos 50, a energia, também sem necessidade de importação. Assinalava que a produção nacionalem1964, 5,5 milhões de toneladas,
foi objeto de amplos investimentos na década de 1970. Ofoco naquele momento era ainda o das fora a 7,7 milhões em 1969, prevendo-se 11 milhões em 1970. 337 Posteriormente, indicou que a produção
hidrelétricas no Sudeste, com a ampliação do potencial gerador da Cemig; a unificação das empresas no setor aumentava emdois dígitos a cada ano: 16% em 1972, 18% em 1973, 15% em 1974 e 14% em
elétricas paulistas na Cesp e a construção das usinas nos rios Grande, Paraná, Tietê e Paranapanema; a 1976. No entanto, os empreiteiros reclamavam do sindicato1 afirmando que ele falseava números da
ampliação do sistema Paulo Afonso pela Chesf, elevando a exploração energética do rio São Francisco;
novas usinas de Fumas no Sudeste; além de outras iniciativas regionais por parte da Copel e Celg. O
rn Revista OEmpreiteiro_Edições n~ 1a 71.
foco passava a ser as grandes centrais com mais de mil MWde potência instalada, correspondentes às m RevistaOEmpreiteiro. Edição n' 40; (AMARGOS, R. CM. Estado e... op. cit. p. 65-136.
m Revista OEmpreiteiro. Ediçõesnos 1 a71.
334 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 1 a 71.

m RevistaOEmpreiteiro. Edição de agosto de 1970, n° 31.


"' ALMEIDA, Júlio Sérgio Gomes de; DAIN, Sulamis; ZONINSEIN, Jonas. Indústria... op. ât. P- 146-206. 336
Revista OEmpreiteiro. Edições n' 26, 41 e76.
"º FUNDAÇÃOJoão Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Vo l. 1, p. 5.
"' Revista OEmpreiteiro. Ed ição de jun ho de 1970, n' 29.
·116 Estranhascatedrais Aindústriadeconstrução pesada brasileira emperspectiva histórica 117

produção e não usava toda capacidade instalada, forçando a elevação dos preços e as importações. Gráfico 1.8 - Uso da capacidade insta lada nas firmas da indústria de construção
Empreiteiras passaram aatuar no setor e temia-se em especial operíodo da segunda metade da década, 1967 1968 1969 1970 19711972 1973 19741 975 1976 1977 1978 1979 1980 19811982 1983
quando as obras de ltaipu consumiriam aproximadamente 10% da produção nacional. Memorial foi
preparado pelas associações da construção e encaminhado ao ministro do Planejamento, Reis Velloso,
em 1975.mEste, em entrevista, afirmou:

AUnião Soviética, mantidas as proporções devidas, mostrou nos últimos 20 anos que um bom planeja-
mento certamente leva a resultados positivos. Em 1950, por exemplo, seu consu mo per capita atingia
53 kg, índice insignificante se comparado aos Estados Unidos - 251 kg. Dez anos depois, os soviéticos
conseguiramaumentar esse índice para 211 kg contra 299 kg dos americanos. E, fina lmente, eni 1972,
a URSS ultrapassou os EUA, com 451 kg a 348 kg."'

Oministro apontava como meio para resolução do problema no Brasil o planejamento. Na


mesma entrevista, ele afirmou que o consumo per capita nacional era um dos mais baixos do mundo fonie: IBGEapud FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagntistico Nacionai da Indústria... op. cit. vol. 1, p. 46.

e o país figurava como 12ª produtor mundial, apesar de ser a 8ª economia do mundo. Oconsumo por Os alvos da grita dos empresários se tornavam o FMI, os bancos e seus próprios colegas, os
habitante no Brasil fora de 69,7 kg em 1965 para 142,1 em 1973. 340 · empreiteiros maiores, eas associações do setor expunham números que representariam oestado de crise
Diante da pressão dos empreiteiros, ogoverno Geisel criou um grupo de trabalho para elaborar atingido. AApeop afirmou que em setembro de 1982 o nível de emprego chegava ao seu pior nível, com
o Plano Nacional do Cimento, voltado para a obtenção da autossuficiência insumo. Oplano foi lançado desemprego setorial de 39%.Já oSinicon assegurava que o nível de ociosidade nas empresas associadas
em agosto de 1976, prevendo-se investimentos de US$ 3bilhões. Apesar dos objetivos ambiciosos, não chegava a 65%e 70%em 1984. 343 Como veremos, esses números, além de não totalmente confiáveis,
foram necessárias tantas inversões para atingir a autossuficiência, nem os prazos tiveram que seguir as dizem respeito mais às pequenas empresas, representadas de forma direta então pelas duas associações.
linhas originalmente traçadas, já que, com a crise econômica, em 1981, o Brasil deixou de ser importador Odesaquecimento econômico se deu concomitantemente e relacionado com o processo de
para ser exportador de cimento e, ao longo da década, oconsumo do produto ficou estagnado.341 Mesmo abertura política, o que acabou por criar novos nichos de atividades para as empreiteiras. As mobi-
assim, o SNICde Antônio Ermírio de Morais era ainda criticado pelos empreiteiros em meados dos anos lizações dos trabalhadores e as eleições estaduais no início dos anos 80 levaram a políticas voltadas
80, quando os empreiteiros novamente obtiveram o direito de importar cimento. 342 para as demandas populares, com destaque para projetos nas áreas de saúde, educação, saneamento
Acrise do petróleo e aelevação dos juros internacionais estrangularam a continuidade daquele e habitação social. Aemergência de prefeitos e governadores da oposição veio junto com a demanda
modelo do desenvolvimento com dependência externa. Sem a liquidez e as taxas de juros favoráveis por mais descentralização dos recursos e investimentos, havendo alteração nas prioridades nas obras,
antes de 1973, muitas obras em curso na década de 1970 foram interrompidas a partir da metade do substituindo-se as autoestradas pelas vias vicinais e a construção de rodovias por gastos na conservação
governo Geisel. Aferrovia do Aço, a Perimetral Norte e outros projetos foram totalmente paralisados das já existentes. Otransporte de massa também passou a ser prioridade, em detrimento do modelo do
e outros tiveram seus ritmos reduzidos e prazos de execução prolongados. Os contingenciamentos automóvel individual, com investimentos nos trens suburbanos e nos metrôs. 344
no orçamento limitaram as verbas dos órgãos contratantes, e os atrasos nos pagamentos passaram Paralelamente, novos nichos de atuação foram criados para as empreiteiras pela nova con-
correntes em um cenário de alta inflação, havendo também acirramento da concorrência e falências. juntura econômica. Aelevação dos preços do petróleo tornou rentável a exploração de óleo em águas
Aredução das atividades no setor pode ser verificada no Gráfico 1.8, que traz o uso da capacidade profundas, levando a investimentos na construção de plataformas e perfuração de poços em alto-mar
instalada das construtoras: após 1974, quando foram descobertas as reservas litorâneas do Sudeste. Além disso, com os déficits na
balança comercial, houve uma política agressiva de incentivo às exportações no início dos anos 80, o
que implicava investimentos nos "corredores de expo'rtação" e nos portos, como o de Tubarão, Suape,
m OEmpreiteiro, nos 25, 29, 62, 70, 75, 86 e 120. Geisel ta mbémnão demonstrava apreço pelos "três ou quatro produtores no país, que
bem se enten dem, há umoligopólio." D'ARAÜJ0; CASTRO (org .). op. cit. p. 283.
Rio Grande e Sepetiba. 345
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de abril de 1975, n• 87.
340
Revista OEmpreiteiro. Edição de abril de 1975, n• 87. rn Revista OEmpreiteiro. Edições n• 80, 88, 90, 125, 131, 182 e 184; InformeSinicon, ano1, edições n°17 e 33.
341
Revista OEmpreiteiro. Edições n• 99, 103, 161 e 21 2; CHAVES, Marilena. AIndústria... op. cit. p. 29-77. '" Revista OEmpreiteiro. Edições n• 121, 134, 136, 141, 160e175.
"' InformeSinicon. Ed ições n• 11, 13 e 16, ano 1. '" Revista OEmpreiteiro. Edições nº 194, 198, 206 e 217
·118 Estranhos rnredrai, Aindú1tria de con1trução pesada braiileira em perspectiva histórica 119

Avanços tecnológicos também ativaram novas áreas de atuação das construtoras. Assim, Aceitamos construir esse trecho da Norte-Sul porque aestrada éconsiderada de interesse estratégico pelo Exército.
os investimentos em telecomunicações nos anos 70tornaram o sistema Telebrás um contratador Também poderemos treinar nosso pessoal e testar material na obra. Além disso, creio que a economia
de serviços às empreiteiras. Da mesma forma, o desenvolvimento da aviação levou à construção seria de 30%, pois esse é opercentual médio de lucro dos empreiteiros [grifo nosso].352
de novos aeroportos nas principais cidades brasileiras no final da ditadura, como Guarulhos, em
São Paulo, e Confins, em Belo Horizonte. 346 Como se vê, a taxa de lucro indicada se aproxima das cifras apontadas pelos especialistas da
Houve, portanto, mais uma reacomodação do setor de obras públicas no país entre UFRJ, que devem estar próximas da realidiJde vivida no setor naquele período.
1974 e 1988 do que de fato uma decadência contínua. Aformação bruta de capital fixo, um dos Além da diversificação dos tipos d~ obras realizados e as altas taxas de lucro obtidas, uma carac-
indicadores dos investimentos no setor, sofreu a primeira redução apenas nos anos de 79 e 80, terística do setor da indústria da construção pesada durante a ditadura é a tendência à mecanização, com
e a década de 80 foi marcada por uma certa estagnação nas atividades da construção, com anos o desenvolvimento de uma atividade cada vez mais capital-intensiva ou com uma composição orgânica
de queda e outros de leve recuperação. 347 de capital cada vez mais elevada. Historicamente, o setor de construção no Brasil era pouco mecanizado
Ao final da ditadura, as empreiteiras apresentavam porte invejável em relação a outras em comparação ao dos países centrais, sendo um grande empregador de força de trabalho_ No que
empresas nacionais. Em 1977, as quatro maiores do setor (CC, AG, NO e MJ) alcançaram patrimônio concerne à construção pesada em particular, veem-se as duas características agregadas, um grande
líquido médio equivalente a 80% da média das quatro maiores montadoras automobilísticas contingente de mão de obra associado a um uso variado e intensivo de máquinas e equipamentos. Já
do Brasil (VW, GM, Ford e Fiat).348 Em 1984, segundo relatório sobre as maiores empresas da foi citado o fato de que a (amargo Corrêa era a empresa que mais tinha equipamentos Caterpillar no
América Latina, contando as estrangeiras, estatais e privadas locais, a (amargo Corrêa - maior mundo no início dos anos 80. Ainstalação e ampliação de fábricas de maquinário para construção foi
construtora do Brasil - estava na 34ª posição, sendo a Andrade Gutierrez a 55ª e a Mendes Júnior crescente durante a ditadura, com novas unidades de produção da Caterpillar, Terex, FiatAllis, Komatsu,
a 7A 349 Já na classificação nacional, em 1985, a (amargo Corrêa figurava, segundo a revista Vil lares, dentre outros produtores de equipamentos usados na indústria de construção, principalmente
Visão, como a 2ª maior empresa privada nacional em patrimônio, sendo a Mendes Júnior a 6ª e após o "Plano Nacional de Tratores", lançado em 1969_353 Ao contrário do início da ditadura, quando
a Andrade Gutierrez, a 9ª. No lucro líquido, a CC detinha o maior dentre as empresas privadas as empresas estavam começando a usar equipamentos importados ou produzidos no país, nos anos
brasileiras, e a AG, o 17°.350 80, as empreiteiras brasileiras tinham ampla experiência na utilização do maquinário especial para a
As empreiteiras eram conhecidas pela alta lucratividade de suas operações. A(amargo ·construção, produzido em larga escala no país e exportado pelas empresas aqui instaladas para diversos
Corrêa afirmou ter tido, em 1981, faturamento de Cr$ 105,6 bilhões e lucro de Cr$ 14,4 bilhões, países dom undo. 354
com taxa de 13,6% sobre o faturamento. Já a Andrade Gutierrez afirmou ser esse lucro de Cr$ Verificamos nas últimas páginas como a ditadura foi o momento no qual as empresas de cons-
19,1 bilhões em 1982, contra um faturamento de Cr$ 176,24 bi, com uma margem de 10,8%. trução pesada se consolidaram como grandes grupos econômicos nacionais e internacionais, escoradas
No ano seguinte, a mesma empresa teve um lucro total de Cr$ 40,7 bilhões contra faturamento por políticas públicas favoráveis. Apesar das diferentes conjunturas vividas, os projetos do regime
de Cr$ 367,1 bi, atingindo lucratividade de 11%. Outras fontes, no entanto, trazem dados bem ditatorial incluíam intensa demanda às construtoras, que diversificaram os tipos de obras realizados
diferentes. Economistas da UFRJ analisaram o balanço de 18 empresas do setor no início dos e mantiveram altas margens de lucro no período. Cabe agora analisar 05 processos de concentração
anos 80 e chegaram à taxa de 28,91% de lucro bruto médio, equação entre o lucro bruto total empresarial no setor durante a ditadura.
sobre o faturamento. Os próprios especialistas consideraram-nas "substanciais margens de lucro",
contrastando-as com o índice médio de lucro bruto das construtoras imobiliárias, 15,4%. 351 Na Concentração e centralização de capital na construção pesada durante a ditadura
querela que envolveu o exército brasileiro como construtor de obras públicas, o coronel Sérgio
Henrique Carneiro Tavares defendeu a atuação da força nas obras da ferrovia Norte-Sul nos anos Marx afirmou no capítulo 23 do livro Id'O Capital, acerca da lei geral da acumulação capitalista,
80, argumentando da seguinte forma: que oprocesso de concentração de capitais ocorre através de mais inversões do capitalista individual em
capital constante e variável e é mais típico de períodos de expansão econômica. Já a centralização do
'" OEmpreiteiro. Edições nº 85 e 205; INSTITUTO de Engenharia. Engenharia no Brasil. op. cit. p. 128-153. capital, com combinações de capital e concentração da propriedade dos meios de produção em menos
347
ALM EIOA, Júlio Sérgio Gomes de; DAIN, Sulamis; ZONINSEIN, Jonas. Indústria... op. cit. p. 146-206.
"' FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. ATransnacionalização... op. cit. p. 1-9.
"' Informe Sinicon. Edição de 9 de abril de 1984, ano 1, nº 8. "' Apud PRADO, Lafayette Salviano. Transportes e Corrupção. op. cit. p. 97-116.
'" Revista Visão. Edição de28 de agosto de1985, ano 34, nº 34 m Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1969, n° 22.
351
JOBIM, Antonio Jaime da Gama; PROCHNIK, Victor; TAUILE, José Ricardo. AInserção da Construção Pesada na Economia Brasileiro. Rio 354
CHAVES, Marilena. AIndústria deConstrução no Brasil. op. cit. p. 78-137; FERREIRA, Carlos Ernesto. A Construção Civil e a Criação de
de Janeiro: UFRJ; Finep, 1982. p. 1-96. Empregos. Rio de Janeiro: FGV, 1976. p. 61-1 12.
120 Estranhascatedrais Aindústriade construção pesada brasileira em perspectiva histórica 121

Gráfico "1.10 - Faturamento das S maiores construtoras em relação às 100 maiores


agentes, é notada principalmente em época de estagnação e retração das atividades da economia. 355
Na ditadura brasileira o setor da construção pesada conheceu três períodos distintos. Em um primeiro
momento, de 1964 a 1967, houve queda e estabilização das atividades do setor, com tendência à cen-
tralização de capitais, através de fusões de empresas, incorporações e aquisições, processo incentivado
pelas políticas do período. Entre 1968 e 1974-1977, vê-se um ciclo de crescimento da demanda, com
acúmulo de capital constante por parte das empresas, através de compra de máquinas, tratores, equi~
pamentos e instalações, além da contratação de equipes permanentes de engenheiros e especialistas,
sem contar os operários temporários empregados em cada obra. Foi um período altamente favorável
para as construtoras e, sem notar falências ou concordatas até 1973, viu-se certa permanência de
incorporações, fusões e compras, tratando-se de período marcado tanto pela concentração como pela
centralização de capitais. Em um terceiro momento, a partirde meados dadécada de 1970 e, de maneira
mais pronunciada, a partir de 1979-1980, verificou-se uma certa estagnação no setor até 1985 e 1988,
1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984
havendo anos de retração das atividades no mercado de obras públicas. Concomitante a isso, verificou-
Fonte: Revista OEmpreiteiro. Edição de julho de 1985, n' 21 2.
-se um intenso ciclo de centralização de capitais, com fusões, falências e concordatas, tornando esse
mercado cada vez mais oligopolizado em cinco e, depois, quatro empresas. As chamadas barrageiras - (amargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, Odebrecht e
Com poucos dados estatísticos acerca do processo de centralização de capitais no início da dita- Cetenco - deixaram de ter um rendimento de menos de um terço do total auferido pelas 100 maiores
dura, temos informações sobre oque ocorreu no final do regime, quando várias instituições estudavam em 1978 para ter uma receita superior à metade daquele montante após 1983. Vê-se, portanto, que
a conjuntura da construção, como a FGV, revistas especializadas, grupos de estudos em universidades o processo de centralização não se dá emtorno especialmente das 10 maiores empresas do país, mas
públicas eas próprias associações dos empreiteiros. Em meados da década de 1980, a revista OEmprei- eminentemente de 5 empresas que atuavam na construção de hidrelétricas. Após a saída de Eduardo
teiro trouxe a percentagem do faturamento das 10 maiores empreiteiras do país em relação ao das 100 Celestino Rodrigues da Cetenco, em 1979, aconsequente decadência da empresa levouà concentração das
maiores (ver Gráfico 1.9), mostrando a concentração das receitas do setor em poucas empresas, o que receitasdo setor em tornode apenas quatro empresas. Onível de centralização de capital era então mais
denota um processo de centralização de capitais. Já no Gráfico 1.10, podemos verificar qu e a tendência expressivo na construção pesada do que no setor de edificações, conforme estudo de Victor Prochnik.356
era mais intensa quando enfocamos a participação das cinco maiores empresas no mercado de obras. Boa parte dessa tendência se explica pelo fato de que, nas decisões sobre ocontingenciamento
de verbas, as prioridades selecionadas no orçamento foram as grandes obras da ditadura, como ltaipu,
Gráfico 1.9 - .Faturamento das 10 maiores construtoras em relação às 100 maiores as usinas de Angra, Tucuruí, Carajás, que contavam com a participação preponderante das grandes
empresas. Já empreendimentos menores ou que contavam com a participação de médias empresas,
como a Ferrovia do Aço, fo ram interrompidos, e alguns nunca concluídos. Essa política reforçou o processo
de centra lização de capitais que vinha ocorrendo paulatinamente durante o "milagre". Além disso, o
governo concediafacilidades e privilegiava a atuação de grandes empresas no exterior, como a Mendes
Júnior, e o processo de ramificação era mais vigoroso dentre as maiores.
Enquanto as maiores empresas açambarcavam espaço no mercado, as médias e pequenas
perdiam. Entre 1978 e 1984, o faturamento das empreiteiras estabelecidas entre a 11' e a 25ª posição
na listagem caiu de 36,9%para 14,2% do total das receitas das 100 maiores empreiteiras do país; as
situadas entre a 26ª e a 50ª posição foram de 11,6% para 10,3%; e as localizadas entre o 51° lugar e o
100°, de 8,1 %para 6,6%. Índices da FGV, dos estudos universitários efeitos pelas associações indicavam
dados semelhantes.357
1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984

Fonte: Revista OEmpreiteiro. Edição de julho de 1985, n• 212. "' ApudJORGE, Wilson Edson. APolítica Nacional de Saneamento Pós-64. Tese (Doutorado em Arquiteturae Urbanismo). São Paulo: USP,
1987. p. 46-55.
"' Ver MARX, Karl. OCapital. op. cit. vol.11, p. 187-2S9. m Revista OEmpreiteiro. Edição de julho de 1985, n' 212; Informe Sinicon. Edição nº 29, ano 1.
Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 123
122 Estranhos catedrais

.Quadro 1.10-Combinações de capital no setor da construção pesada durante a ditadura Quadro 1.11 -Casos de falência e concordatas de empreiteiros ao longo da ditadura
Empresa final Data Nome da empresa Processo Ano
1• empresa envolvida 2ª empresa envolvida
CAVO (amargo Corrêa 1956 Metropolitana falência 1975
Camarg oCorrêa
Azevedo &Travassos ltaporã Azevedo &Travassos 1968 Ecisa concordata 1979
Serveng Civilsan Serveng-Civilsan 1968 Servix concordata 1982
Sobrenco Sermarso Sobrenco 1969 Servix concordata 1983
Tenco Terex Tenco 1969 Esusa ' falência 1983
'

Tenco Centenário Cetenco 1970 Transpavi-Codrasa concordata 1983


Rossi Servix Rossi-Servix 1970 Cebec S.A. Engenharia falência 1984
Barbosa Mello Assumpção Barbosa Mello Antes de 1972 Firpave Construtora e Pavimentadora S.A. concordata 1984
Fonte: Revista OEmpreiteiro, edições n" 84, 139, 178 e 193; Informe Sinicon, edição n' 2,ano 1.
Rossi-Servix CCBE Rossi-Servix-CCBE 1972
Alcindo Vieira Convap Ancindo Convap 1972
iCRAlmeida Lysimanco CRAlmeida antes de 1973 Novamente, só conseguimos realizar levantamento preliminar das falências e concordatas de
CRAlmeida Susolaport CRAlmeida antes de 1973 grandes empresas, noticiados na revista OEmpreiteiro. Há ainda os casos da SBU, Quatroni, Rodotécnica
CR Almeida Aranha S.A. CR Almeida antes de 1973 e Rabello, ocorridos nos anos 70, porém em data exata desconhecida. AMendes Júnior, a Concic e a
CRAlmeida Noreno do Brasil CRAlmeida antes de 1973 Vega-Sopave tiveram concordata e falência nos anos 90. 358
CR Almeida Genésio Gouveia CRAlmeida 1973 Essa foi uma tendência mais pronunciada entre as pequenas empresas do setor, não ganhando
Concic Portuária Concic 1973 notoriedade nos periódicos específicos e na imprensa. Segundo oSinicon, o país tinha 768 empreiteiras
Ultra Setal Engenharia Ultratec (UTC) 1974 em 1971 e 615 em 1977.359 AApeop afirmou que, em 1979, 13 empresas associadas pediram concordata
Brasília Guaíba Brasília-Guaíba 1976 ou falência. 360 No levantamento feito pela Fundação João Pinheiro para realização do Diagnóstico Na-
Ecisa Coenge Ecisa 1977 cional da Indústria da Construção (DNIC), junto a 600 empresas, 120 deixaram de existir ao longo dos
Odebrecht Star Odebrecht 1978 · 19 meses do estudo, feito entre 1983 e 1984.361 Nesse período, a tendência de quebra das empresas era
Odebrecht CBPO Odebrecht 1980-1983
geral na indústria do país, com 104 falências em dois meses de 1984, segundo a Gazeta Mercantil. 361
Estacon Coterra Estacon antes de 1984
Apartir de meados do governo Geisel, a alteração na correlação de força no aparelho de Estado
Odebrecht Tenenge Odebrecht 1986
e as mudanças institucionais na arrecadação e distribuição das verbas para investimentos estatais,
Mendes Júnior Morrisen Kn udsen Br. Mendes Júnior 1986
Carioca Christiani-Nielsen CCNE 1988 com consequente redução das inversões em obras públicas, levaram ao aumento da competição entre
Fonte: Revista OEmpre1teJfo, nos 8, 19, 22, 52, 55, 68, 115, 144, 150, 188 e 203; <http://www.camargocorrea.corn.br/>; <http://www.cariocaengenharia.eom.br/>; <http:l/www. as empresas do setor, agora disputando recursos cada vez mais escassos. Segundo Marx, essa é uma
bndes.gov,br/>; DANTAS, R. M. de A. Odebrecht. op. cir. p.1Sl; CHAVES, M. AIndústria ... op. cir. p. 191; MENDES, M. V.; ATTUCH, l. Quebro.•. op, cit. p. 58; ALMEIDA, M. W. de. Estadoe...
op.cit.p.326. tendência comum em períodos recessivos:

Como parte desse processo de centralização de capitais, tivemos diversas formas de combinação Enquanto vai tudo bem,a concorrência,como se verificou na equalização da taxa geral de lucro,age como
de capitais nos anos 70 e 80. Foram processos diversos, como incorporação, compra e fusão, geralmente irmandade prática da classe capitalista, de forma que esta se reparte coletivamente na proporção da
com empresas maiores tomando menores, com troca e aquisição de ações, porém controle da firma grandeza do que cada um empenhou, D despojo coletivo. Quando já não se trata de repartição do lucro,
mantido pelo lado mais forte antes do negócio. Não temos um quadro completo de todas as operações mas do prejuízo, cada um procura diminuir tanto quanto possível seu quantum do mesmo e empurrá-lo
realizadas nesse mercado, mas procedemos a um levantamento preliminar, conforme se vê no Quadro ao outro. Oprejuízo é inevitável para aclasse. Quanto, porém, cada um tem de suportar, até que ponto
1.10, no qual se observa também não haver acréscimo especial do número de fusões e processos ele tem que acabar participando dele, torna-se uma questão de poder e de astúcia, transformando-se
similares a partir de meados da década de 1970. Omesmo não se pode afirmar sobre os processos de então a concorrência em uma luta entre irmãos inimigos. Aantítese entre ointeresse de cada capitalista
falências e concordatas: 358 ATTUCH, Leonardo. Saddam,Amigodo Brasil. op. cit. p. 95-101; OGlobo, 27/11/2003, p. 3.
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1977, n' 118.
360 Revista OEmpreiteiro. Edição de junho de 1980, n' 144.
361 Informe Sinicon. Edição de 29 de
outubro de 1984, n' 29, ano 1.
362 Gazeta Mercantil. Edição de 19 de março de 1984apudlnforme Sinicon. Edição nº 6, ano 1.
124 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspecti•a hislórica 125

individual e o da classe capitalista se faz valer então, assim como antes a identidade desses interesses omercado pertence a 15 empresas.[...] puxada artificialmente por uma elitização dos editais de concor-
se impunha praticamente mediante a concorrência.363 rência, que vetam o acesso de pequenas e médias empresas às obras consideradas mais importantes.
[...] Ofaturamento deflacionado da construtora vem diminuindo de um ano para outro e esta tendência
Oincremento da concorrência entre as empresas do setor levou a vários conflitos entre os deve prevalecer por bom tempo. 368
empresários do setor e que alguns deles lançassem mão de margens cada vez menores de lucros em
seus lances nas licitações, de modo a manter as suas atividades e não imobilizar oseu capital fixo. Essa Como se vê, os mecanismos usados na elaboração dos editais reforçavam o processo de con-
estratégia ea redução dos recursos destinados às obras acabaram ocasionando uma queda das taxas de centração do mercado de construção peskda em poucas empresas. Arevista OEmpreiteiro era outra
lucro dasempreiteiras. 364 Um exemplo dessa situação foi dado pelo presidente do Sinicon, João Lagoeiro porta-voz das pequenas e médias empresas nesse período:
Barbará, em 1984, quando ele afirmou que
São inúmeras as estórias de firmas que ganharam no preço, mas não levaram. [...] Invariavelmente,
a luta pela sobrevivência, a manutenção de técnicos e operários às vezes implica trabalho com margens neste regime de competição onde há regras não explícitas, quem sai perdendo são as empresas médias
muito abaixo das que permitem oequilíbrio econômico. Por isso[ ...] as licitações acabaram se transfor- e pequenas. Ea alegação mais comum é a falta de capacidade financeira ou técnica. Aliás, a tendência
mando em concorrências predatórias entre as empresas. 36s é que sejam alijadas apriori pelo edital de pré-qualificação.369 [grifo no original]

Empresários criticavam as posturas fratricidas e desesperadas de construtoras em licitações. Sindicatos e associações viraram palcos de conflitos e, controlados por pequenos empresários,
Outros enfatizavam a dilatada capacidade produtiva assumida pelo setor nos anos 70 em contraste passaram a ser ponta de lança contra as grandes empreiteiras. AApeop criticava as "5 irmãs" e o sin-
com o novo contexto, como Haroldo Guanabara, do Sinicon, que "disse que a indústria da construção dicato da Bahia denunciava o "clube da barragem". 37ºA justiça passou a ser usada nas disputas entre
brasileira está superdimensionada em relação à capacidade de investimentos do setor público e, por as empresas e a concorrência assumiu formato público, com denúncias de casos de corrupção contra
isso, nosso Sindicato incentiva permanentemente a exportação de capitais". 366 as rivais na imprensa e na mídia.
Porém, nem todas as empresas foram afetadas de maneira idêntica na nova conjuntura: Em 1978, a Apeop criticou levantamento da FGV que apontava não ter havido redução do
· mercado da construção pesada, mas uma estabilidade. Opequeno empresário e membro da associação
Constata-se que oatual sistema de "preço mínimo", utilizado em épocas de recessão, permite aocorrência Emílio Siniscalchi, da Civilia Engenharia, afirmou:
de práticas predatórias e prejudiciais atodosos setores da sociedade. Éque algumas propostas baixam a
níveisabsurdos eacabam afastando dos empreendimentos as pequenas e médias empresas, comprome- Uma análise da FGV que inclui as primeiras cinco grandes empresas não pode efetivamente apresentar
tendo a estrutura dessas firmas, suas equipes de trabalho, equipamentos e o nível de emprego do país. 367 resultados negativos. As primeiras 35 empresas do setor detêm um faturamento tal que geram uma
violenta conc_entração de recursos.
Esse trecho do editorial do boletim interno do Sinicon ressalta que as menores empresas tinham
menos capacidade de suportar margens de ganho baixas ou negativas, o que fortaleceu a tendência de Da mesma forma, Sérgio Sorrentino, da pequena Alavanca e também da Apeop, afirmou: "A
centralização de capital no setor. sondagem conjuntural da FGV contém a falha de não mostra.r a concentração de trabalho que existe
Mais do que um conflito geral entre todas as construtoras, a crise dos anos 80 apareceu sob a no setor - determinadas empresas detêm a maior parte das obras". Já o presidente da entidade, João
forma de um confronto entre pequenas e médias empresas contra as grandes, evidenciando a centra- Carlos Almeida Guedes, defendia a redistribuição dos contratos: "Num mercado carente de obras como
lização de capital no setor e absorção dos recursos públicos pelas macroempreiteiras. Segundo Thyrso o nosso, principalmente com os cortes de orçamentos do governo, está havendo uma divisão injusta do
(amargo Micali, da mediana Vega-Sopave, em 1980, bolo de investimentos para as pequenas e médias".371 Ede forma inusitada, um pequeno empresário
nordestino fez metáfora em 1977 sobre o perigo de redução de obras de forma igual para grandes e
363
MARX, Karl. Capítulo 15 - Desdobramentos das contradições internas da lei. Seção Ili - Lei da queda da taxa de lucro. Livro 3: o pequenas, afirmando que isso seria como aplicar o mesmo regime alimentar para o então ex-ministro
processo geral da produção capitalista. ln: OCapital. op. dr. p. 193. Delfim Netto e o superintendente da Sudene, José Uns de Albuquerque: "O resultado seria um Delfim
"' Essa redução das margens de ganho foi comprovada em estudo empírico do economista David Fischer na primeira metade dos anos
80 eapresentada em FUNDAÇÃO de Economia eEstatística. AIndústria... op. cit. 368 Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1980, nº 1S2.
"' Informe 5inicon. Edição de 6de fevereiro de 1984, ano 1, nº 1. 369
Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1980, nº 146.
'" Informe Sinicon. Edição de 29 de outubro de 1984, ano 1, nº 29. "º Revista OEmpreiteiro. Edições de agostoe outubro de 1978, n" 127 e129.
367
Informe Sinicon. Edição de 11de junho de 1984, ano 1, nº 16. m Revista OEmpreiteiro. Edições de agosto de 1978, nº 127 ejulho de 1980, nº 150.
126 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 127

mais sadio, uma vez que ele precisa mesmo emagrecer, e um José Lins mortode inanição, porque este na imprensa específica e na mídia. Acontinuidade dos grandes projetos de engenharia da ditadura,
não tem mais como perder peso". 372 à revelia da paralisação de outros, reforçou a centralização no setor e engendrou a formação de um
Com essas críticas públicas das pequenas e médias empresas, os grandes empreiteiros, como é oligopólio de quatro empresas presentes nas principais concorrências havidas dali por diante. Essas
ocomum em suas atitudes, preferiam o silêncio. Em duas ocasiões, entretanto, Sérgio Andrade, jovem quatro macroempresas se postulavam com seu porte a desenvolver atividades internacionais e deter
diretor da AG, saiu em defesa das grandes e justificou a concentração das obras em poucas empresas. amplo protagonismo no processo de transição política, além de realizar mais intensamente que outras
Afirmando que não houve recessão em 1978, mas uma mudança de pri oridade, Andrade negou um processo de ramificação de suás atividapes.
protecionismo às grandes empreiteiras: "O que há são condições que o cliente exige em termos de
experiência, de capacidade técnica para efetuar grandes obras, obras complexas. Não se pode chamar Ramificação e diversificação dos investimentos das construtoras
isso de protecionismo".373
Dois anos depois, ele deu nova entrevista à revista OEmpreiteiro, dizendo acreditar em Delfim As empresas de construção brasileiras realizaram um vigorosoeextenso processo de ramificação
e preferir inflação alta a desemprego em massa. Então com 35 anos, Andrade entendia que a "situação de suas atividades ao longo da ditadura, o que fez com que algumas deixassem de ser especializadas
vivida pelo país é conjuntural e pode ser superada num prazode seis meses". Defendeu a extensão do no mercado de obras públicas para se tornarem conglomerados econômicos, com diversas frentes de
pró-álcool e criticoua taxaçãode capital, afirm ando que "taxar ocapital leva à descapitalização" e que, atuação. Apesar de serfenômeno comum dentre as empreiteiras no período, trata-se de um movimento
"sem uma diminuição nos níveis de natalidade, é impossível proporcionar melhores condições de saúde, mais típico e acentuado dentre as grandes construtoras, que tinham projetos mais ambiciosos para os
educação ehabitação ao homem". Como veremos depois, a defesa de ideias malthusianas e de controle novos nichos de atividade explorados. 375
de natalidade não era exceção no setor naquele período. Por fim, negou a existência de concentração Marx afirma na seção em que aborda a lei tendencial da taxa de lucro que cada ramo da economia
no mercado da construção pesada, afirmando que havia surgido no país um mercado de grandes obras: tem a sua própria taxa média, que depende de condições como a composição orgânica e os períodos
de rotação do capital. Essa diferenciação das margens de lucro entre os diferentes setores econômicos
Apartir de 1970, se criou obras [síc] de gra nde po rte pa ra as quais se exigem grand es em presas. Uma leva à migração de capitais de um iamo para outro, saindo de nichos comtaxas menos elevadas para
grande obra, hoje, custa emtorno de 10 bilhões de cruzeiros. Para participar de uma ob ra dessas, uma outros com maiores perspectivas de ganho.376
empresa va i precisa r de eq uipa men tos num valoraproximado de 2 bil hões de cruzeiros, alémde insta- Esse fenômeno é verificado no final da ditadura, quando as construtoras ampliaram suas áreas
lações eestoques quetotal izam mais de 1bilhão. Precisa de equipes técnicasaltamente especializadas, de atuação para setores ascendentes na economia, como a mineração e a agropecuária de exportação.
métodos construtivos próprios, ma is capital de giro, ma isvers atilidade e uma série de outros itens que Antes disso, várias empresas tinham iniciado processo mais modesto de diversificação das atividades
só grandes empresas podem manter. Oque se pode discuti r é a filosofia de se criar [sic] grandes obras. emáreas diretamente relacionadas à construção, com a atuação em ramos dominados por fornecedores,
Mas se, ao invés de constru ir ltaipu, o Brasil construísse 10 usi nas menores, não sairia mais caro para o por exemplo. Assim, uma característica das ramificações das empreiteiras no período de crescimento
co ntribuinte e para o consumidor de energia elétrica?374 econômico e altas taxas de lucro no setor foi a atuação em setores diretamente análogos à construção
pesada, como o controle sobre pedreiras, fábricas de cimento, concretagem, britas, dentre outros,
Sérgio Andrade usa justificativa técnica para legitimar a centralização no mercado de constru- estratégia usada para fugir das práticas oligopolistas dos fornecedores de materiais.
ção, argumentando pelo baixo preço proporcionado pela energia elétrica das grandes centrais. Assim, Em um segundo momento, com a retração das verbas direcionadas para as obras públicas e
acabou expondo outro setor do empresariado também interessado na política de construção de grandes acirramentoda concorrência eredução das taxas de lucro no setor, a direção da ramificação transcendeu
unidades geradoras de energia, os consumidores eletrointensivos. os limites da indústria de construção. Atendência então se tornou a conglomeração, ou melhor, aatuação
Pode-se dizer que o que se viu no final da ditadu ra não foi uma redução acentuada do mer- em ramos paralelos à construção, mas que de alguma forma demandam serviços de engenharia, como
cado de obras públicas, mas uma estabilização das atividades do setor da construção pesada, com petroquímica, exploração de petróleo, mineração e agroexportação, seguindo a direção das políticas
anos de retração nos anos 1980. No entanto, isso foi distribuído desigualmente entre as empresas, estatais e as novas fronteiras para expansão do capital por elas proporcionadas.377
com a manutenção e até elevação das atividades das quatro principais construtoras e intensa redução
para as demais, levando ao acirramento da concorrência entre os dois grupos e a conflitos abertos m Galeno Tinoco Ferraz Fil ho traz áreas de atuação das maiores construtoras brasileiras no início dos anos 80, baseado em dados da
Gazeta Mercantil em ATransnacionalizaçãa... op. cit. p. J-4.
m Ver MARX, Karl. Cap. 8- Composição diferente dos capitais em diversos ramos da produção e diferença resultante disso nas taxas de
371
Revista OEmpreiteiro. Edição de janeiro de 1977, nº108. lucro. ln:____ . OCapital. Uvro3.op. cit. p. 111-119.
m Revista OEmpreiteiro. Edição de junhode 1978, nº 125. "' Ver CRUZ, Sebastião Velascrr.Empresaiiodowtado-na-Tramição Brasileira: um estudo sobre a economia política do autoritarismo
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de julho de 1980, n' 150. (1974-1977). Cam pi nas : EdUnicam p; São Paulo: Fapesp, 199S. p. 31-139.
-128 EstranhaHatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 129

Um terceiro movimento ocorreu no período posterior à ditadura, correspondendo às políticas a sua primeira fábrica de cimento em 1974, sendo a empresa que mais consumia o produto no país. A
neoliberais. Nessa conjuntura, as grandes empreiteiras se postularam como concessionárias de serviços João Fortes, empresa do ramo da construção leve, também possuía fábricas de cimento.378
públicos nos processos de privatização, consolidando o processo de conglomeração que as transfor- Outra marca no setor, principalmente entre as empresas mais antigas e tradicionais, era a de
mou em poderosos complexos monopolistas, não mais focadas fundamentalmente nas atividades da possuir firmas com funções especializadas, como de projetos. Emblemático disso era ocontrole da Engevix
construção. Mesmo nesse terceiro movimento, as áreas procuradas pelas empreiteiras se relacionam pelo grupo Servix, da Projectum pela Rabello, da Etege pela Andrade Gutierrez e das CNEC e MDK pela
ao setor de obras, como concessão de rodovias, com as devidas obras de manutenção e conservação; (amargo Corrêa. Trata-se de característica que marca os primórdios da indústria da construção pesada
telecomunicações, com os serviços de engenharia para implantação de infraestrutura etc. Um resumo no país, assim como omercado do setor a partir do período recessivo dos anos 80, quando a centralização
do procésso de ramificação pode ser visto no Quadro 1.12. de capitais ea consolidação dos grandes grupos empresariais levaram as maiores empresas a abrigarem
fornecedores e projetistas no seu conglomerado. 379
Quadro 1.12 - Ramificação de atividades das empreiteiras ao longo da ditadura, porsetor Aatuação na produção de materiais e cimento era parte das atividades industriais de um grupo
Áreá de ramificação Empresas envolvidas empresarial. Ocaso mais emblemático dessa tendência foi a (amargo Corrêa, que com a ~C Indústria
AgropécÚária Constran, MJ, CC, QG, AG, NO, Edsa, Tenenge e Servienge consolidou um dos maiores complexos industriais do país, com produção de calçados (marcas Havaianas,
Indústria em geral CC, MJ e CR Almeida Rainha e Topper, com a São Paulo Alpargatas), alimentos (Supergel), vestuário (Santista Têxtil, que fabrica
Cimento CC, Servienge e João Fortes
produtos para as marcas Levi's, Gap e Lee) e alumínio (com participação no projeto Alcoa Alumínio).
Materiais e equipamentos Barbosa Mello, NO, Lix da Cunha
Outras empreiteiras também atuavam no setor, como a CR Almeida, que possuía empresa de explosivos,
Projetos de engenharia Servix, Rabello, CC, AG
e a.Mendes Júnior, que detinha fábrica de caulim, insumo da indústria de papel. 380
Construção naval MJeNO
Petróleo
Aárea mais comum de diversificação das atividades das empreiteiras era a construção de
QG, NO, AG, Montreal e CBPO
Petroquímica NO e CC edifícios urbanos. Sem representar uma ramificação para fora da engenharia, o setor era comumente
Bancos e finanças CC, Constran e QG ambicionado por diferentes construtoras, principalmente com os grandes edifícios comerciais e residen-
Centros comerciais Ecisa, CR Almeida e Alfredo Mathias ciais dos maiores centros urbanos, cuja complexidade muitas vezes exigia uma empresa de maior porte
Siderurgia MJeQG ecapacidade de gestão para a construção. Na ditadura, com as perspectivas proporcionadas pelo BNH,
Mineração CA, AG, CC, NO, MJ, Montreal e Ecisa empreiteiras criaram representações específicas para explorar o mercado imobiliário, sendo exemplo
Coleta de lixo e limpeza urbana Vega-Sopave disso a criação pela Mendes Júnior da subsidiária MJ Edificações, em 1983.381
Concessões públicas* AG, NO, CC, QG, OAS, CRA, Serveng-Civilsan e Carioca Outro ramo relacionado à construção no qual alguns empreiteiros atuavam e que consiste
*Processoqueocorreuapósaditadura,nadécada de1 990.
Fonte: Documentos e textos consultados para elaboração do quadro citados ao longo do subcapítulo. numa forma de integração vertical é a exploração de centros comerciais. Nessa lógica, os empreiteiros
passavam a atuar em ramo que antes pertencia aos seus clientes. Ao invés de vender a realização da
obra de um centro comercial depois de pronto, as próprias construtoras exploravam suas atividades. A
Uma primeira área de ramificação das empresas de construção - uma forma de integração Ecisa foi um exem pio, ao construir e gerenciar o shopping center Conjunto Nacional, em Brasília, e um
vertical - se refere à produção de materiais usados nas obras, ou comércio dos mesmos. Essa era uma supermercado no Rio, em Madureira. Já a CR Almeida explorava hotéis construídos pela empresa, e a
estratégia para fugir dos fornecedores, que tentavam se beneficiar do período expansivo no setor de paulista Alfredo Mathias era proprietária do shopping center lguatemi, em São Paulo. 382
construção e condições especiais de fornecimento, como obras em locais afastados. Assim, a Odebrecht Para além do setor construtor, aatividade mais visada pelas empreiteiras foi ocomércio de terras
contava no início dos anos 70 com empresas de beneficiamento e comércio de aço, transporte de cimento, e a agropecuária. Esse ramo teve como exemplo principal as fazendas do grupo ltamaràty, de Olacyr de
fundações, produção de cal e silício, atendendo à própria demanda da empresa. Do grupo lix da Cunha Morais. Com os recursos acumulados na construção pesada, o dono da Constran investiu na produção
faziam parte as empresas Pedralix e Concrelix, e a Barbosa Mello produzia peças e equipamentos para
tratores, atendendo às necessidades da sua frotil e de outras construtoras. Dentre os materiais de 378 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 34,52, 75, 76, 103 e 127; OGLOBO. Edição de 12/02/2010, p. 27.
construção, o caso mais delicado era ocimento, cujos produtores eram acusados de práticas cartelistas, "' <http://www.engevix.eom.br/>; FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 303-314; ROSA; SIGAUD; MIELNIK
o que levou algumas construtoras a entrar no ramo. Assim, a Servienge tinha em 1972 uma fábrica de (org.). Impactos... op. cit. p. 17-38.
'" OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1975, n•93; Informe Sinicon. Edição n• 18, ano I; CRUZ, Sebastião Velasco e. Empresariado... op. cit.
cimento em Montes Claros, a (amargo Corrêa tinha um total de cinco usinas de concreto em 1970e abriu p. 31-139;<http:/fwww.camargocorrea.corn.br/>;<http://www.cralmeida.corn.br/>.
1
" <http:/fwww.mendesjunior.eom.br/>.
312 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 68, 114 e 147; Informe Sinicon, n• 22, ano 1.
130 Estranhascatedrais Aindústria deconstrução pesada brasileira emperspectiva histórica 131

de gado, soja, algodão e cana-de-açúcar em Mato Grosso, tornando-se um dos maiores empresários exigia tecnologia e equipamentos diferenciados e foi explorada por grandes empresas com histórico de
do agronegócio brasileiro. AMJ possuía a empresa Florestas Mendes Júnior, voltada para exploração contratos com a estatal, como a Odebrecht, a Mendes Júnior, a Queiroz Galvão, a Montreal, a Tenenge
de madeiras, e a Andrade Gutierrez especulou com terras na Amazônia, comprando lotes quando da e a Andrade Gutierrez. Entre 1979 e os primeiros anos dos anos 80, várias delas criaram subsidiárias de
construção de estradas na região, revendendo-os ao poder público para fins de colonização e reforma perfuração de poços ou exploração de petróleo, e a CBPO fundou a Engepetro, que fazia obras para a
agrária por preços bem superiores aos pagos originalmente. As maiores empreiteiras do país (CC, AG, estatal paulista Paulipetro, criada na gestão Paulo Maluf para perfuração e pesquisa de petróleo no
NO e MJ) se envolveram no projeto Jari, liderado por um empresário norte-americano, com perspectivas estado de São Paulo. 386 ,

de produzir arroz e gmelinas para produção de papel no Amapá e no Pará. AEcisa e a Tenenge tinham Relacionada ao setor do petróleb, a petroquímica teve seu parque industrial montado com
atividades no setor, assim como a (amargo Corrêa (cujo dono, Sebastião, saiu da agropecuária), e a participação do capital estatal, privado nacional e privado estrangeiro, no chamado modelo tripartite.
Servienge era controladora da empresa Agropastoril Litorânea Paraná. Já a Odebrecht possuía gado Tornou-se setor atraente para as empreiteiras nacionais pelos lucros proporcionados com a alta do
e explorava fazendas na Bahia, produzindo seringais e cocos, e a Rabello tinha fazendas no Paraná. preço do petróleo e também por ter sido uma das primeiras áreas governamentais a sofrer processo
Aatuação agropecuária das empreiteiras não se resumia às grandes empresas, sendo processo mais de desestatização, já no governo Figueiredo. (amargo Corrêa e Odebrecht adquiriram ações vendidas
horizontal, visível em várias construtoras. Osetor ganhou maior atuação das empresas de engenharia pelas empresas sob o controle da Petroquisa, subsidiária da Petrobras para osetor petroquímico. Com
em fins dos anos 70 e início dos 80, com a política governamental de incentivo à agroexportação, o tempo, a Odebrecht, associada aos grupos baianos Mariani e os Calmon de Sá, firmou-se sobre os
como forma de contrabalançar os déficits na balança comercial. Alimentado por incentivos fiscais, os outros como a líder no controle dos ativos petroquímicos do país, realizando várias aquisições de bens
empreiteiros entraram ou reforçaram sua atuação nesse ramo naquele momento. 383 públicos e privados até formar o conglomerado Braskem, em 2004. 387
Uma área mais restrita e até hostilizada pela maioria dos empreiteiros era o ramo bancário Paralelo à elevação dos investimentos na agropecuária no final da ditadura, houve pressão
e financeiro. Poucas construtoras se arriscaram nesse ramo, que, em geral, era alvo de desconfiança para incrementar a produção e exportação de minerais.-Os empreiteiros injetaram capitais no setor,
de tais empresários. A(amargo Corrêa contou no seu grupo com o lnvestbanco, empresa de crédito e participaram de grandes projetos do período e tinham facilidades como a semelhança entre os equi-
financiamento, e com o Banco Geral de Comércio, parcialmente vendido na década de 90, período em que pamentos usados na construção e na mineração. Ouro e outros metais preciosos foram explorados
ogrupo figurava como acionista da ltaúsa, controlador do banco ltaú e suas empresas. Olacyr de Moraes pelas empreiteiras, que tinham presença física em regiões do país pouco exploradas por outros grupos.
tinha associado à Constran o banco ltamaraty, vendido na década de 1990. Já a Queiroz Galvão possui · Projetos de mineração foram estabelecidos ao lado das rodovias na Amazônia, eo próprio equipamento
atualmente o banco BGN, de empréstimos com desconto em folha, recente filão do setor financeiro. 384 para a abertura da estrada era usado para minerar metais. AMendes Júnior produzia bauxita no Pará,
Asiderurgia também é outra área de pouca atuação dos empreiteiros, apesar de o aço ser um e Montreal e CR Almeida atuaram na exploração de ouro na região amazônica. ANO explorou cobre
insumo importante na construção. Ocaso mais expressivo foi o da Siderúrgica Mendes Júnior, em Juiz na Bahia com a Odebrecht-Harrison Engenharia de Minas, e a Ecisa também atuou no setor. Oprojeto
de Fora, fábrica de grande porte que tinha suas atividades associadas à Açominas, adquirida pela MJ Carajás teve participaçãoda (amargo Corrêa eda Andrade Gutierrez, que investiu também na exploração
em 1993, no seu leilão de privatização. AQueiroz Galvão possui três pequenas siderúrgicas no estado de urânio, prata e na terceira maior mina de ouro do mundo no Zaire.388
do Maranhão voltadas para a exportação. 385 No período final da ditadura, as ramificações das empreiteiras passaram a distar cada vez mais das
Aelevação do preço do petróleo nos. mercados internacionais e os déficits na balança comercial características originais de suas atividades. Com poucos contratos com o governo para realização de obras pú-
brasileira deslocaram os investimentos estatais para a Petrobras, que virou a principal contratadora de blicas, aVega-Sopave resolveu atuár na coleta de lixo e limpeza urbana para prefeituras do estado deSãoPaulo
obras do governo federal. Algumas poucas empresas se adaptaram ao novo nicho, passando a atuar a partir de 1980. As relações de proximidade estabelecidas com agentes públicos facilitavam a contratação de
na perfuração de poços, produção e montagem de sondas, produção de plataformas e navios. Tal área empreiteiras para esses serviços. Aexploração de atividades como essa parece ser indicativo das dificuldades
das pequenas e médias empreiteiras, alijadas do mercado da construção e, não à toa, na década seguinte, a
"' OEmpreiteiro. Edições n" 45, 79, 93, 137 e 167; Informe 5inicon, n' 22, ano I; Revisto Veja, nº 697; <http://www.camargocorrea.com. ".l empreiteira paulista foi àfalência. 389 Adiversificação nesse momento era não só uma fuga das taxas declinantes
br/>; <http://www.queirozgalvao.com/br/>; GASPARI, Elio. ADitadura Derrotada. op. cit. p. 197-213; MEN DONÇA, S. R. de. AClasse
DominanteAgrária: natureza e comportamento, 1964-1990. São Paulo: Expressão Popular, 2006. p. 71-115; CARVALHO, L. M. Cabras
Criada5. op. cit. p. 383-454.
f 386 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 150 e 165; Informe 5inicoa, nº Z7; <http://www.qu eirozgalvao.com/br/>; <http://www.andrade-
3
" Revista OEmpreiteiro. Edições n" 34 e 167; <http://www.camargocorrea .com.br/>; BRANDÃO, Rafa el Vaz da Motta. "Mundialização gutierrez.eom.br/>; <http://www.odebrecht.eom.br/>
financeira e internacionalização do sistema bancário brasilei ro". ln:WIMARÃES, Ca rlos Gabriel; PINEIRO, Théo Lobarinhas; CAMPOS, "' Em meados da década de 2000, 75% das receitas do grupo Odebrecht vinham da petroquímica. Ver DANTAS, Ricardo Marques de
Pedro Henrique Pedreira (org.) Ensaios deHistória Econômico-sacia/. op. cit. p. 1-21; <http://www.queirozgalvao.com/br/>, acesso 1 Almeida. Odebrecht. op. cit. p. 1-2.
em 30 de agosto de 2007. "' OEmpreiteiro. Edições n" 150 e 165; Informe Sinicon, n" 21, 22 e 24; MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Quebra ... op. cit. p.
"' Revista OEmpreiteiro. Edições n" 89 e 93; <http://www.queirozgalvao.com/br/>, acesso em 30 de agosto de 2007; MENDES, Muri llo 96-113; ROSA; SIGAUD; MI ELNIK(org.). Impactos... op. cit. p. 17-38.
Valle;ATTUCH, Leona rdo. Quebra... op. cit. p. 96-1136. 389 Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1980, nº 152.
132 Estranhascatedrais

de lucro no ramo da construção e busca de margens mais favoráveis em outros sétores, mas também de nichos CAPÍTULO 2
seguros de investimento diante das incertezas no cenário doméstico durante atransição política.
Nos anos 90, a diversificação das atividades das empreiteiras se intensificou com as privatizações, que
abriram novos horizontes de possibilidades para as construtoras, com taxas de lucro atraentes. As próprias polí- ÃS FORMAS ORGANIZATIVAS DAS EMPREITEIRAS BRASILEIRAS NA SOCIEDADE CIVIL
ticas privatizantes correspondiam ao novo porte alcançado pelas empresas brasileiras em certos ramos, como a
construçãopesada,alguns segmentos industriais eosetor bancário efinanceiro, levando empresários brasileiros Vimos no capítulo anterior a forn;iação histórica e o desenvolvimento durante a ditadura do
desses setores a se postularem como candidatos a absorver os ativos públicos em processo de desestatização. setor de construção pesada no Brasil e das 1principais empreiteiras nacionais. No entanto, esses empre-
Nesse sentido, as maiores empreiteiras brasileiras se punham ao lado de poucas companhias nacionais e dos sários não agiam apenas individualmente, a partir de suas firmas, mas também de forma coletiva, em
grupos estrangeiros como os agentes capazes de adquirir as empresas estatais vendidas nos leilões dos anos organizações da sociedade civil, atuando junto à sociedade política e à sociedade em geral.
90. Acompra de estatais e exploração de serviços públicos permitiu que as empreiteiras passassem a atuar Antonio GrçJmsci usou o descompasso no desenvolvimento da sociedade civil para caracterizar
em áreas como a concessão de rodovias, com a exploração de pedágios; fornecimento de água e atuação em diferentes sociedades:
saneamento básico; concessão de serviços de telecomunicações etelefonia; administração de aterros sanitários
e exploração de serviços públicos urbanos diversos. Essas novas áreas de atuação envolveram principalmente No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre o
as maiores empresas do setor, dentre as que se mantiveram fortes ao fim da ditadura, oque incluía os grupos Estado e a sociedade civil uma justa relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente perceber
Odebrecht,Andrade Gutierrez, (amargo Corrêa, Queiroz Galvão, Carioca Engenharia, CR Almeida, OAS, Serveng- uma robusta estrutura da sociedade civil. OEstado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual
-Civilsan, dentre outras. As políticas públicas do período permitiram não só a continuidade esobrevivência dessas se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é
empresas, como um novo ciclo de altas taxas de lucro, que capitalizaram e reforçaram esses grupos, alçados a claro, mas exatamente isto que exigia um acurado conhecimento de caráter nacional.'
um nível maior, não mais de complexos econômicos de nível nacional ou de empreiteiras de nível internacional,
mas de conglomerados de projeção mundial.39º Essas elaborações remetiam às diferentes estratégias a serem adotadas nas sociedades europeias
Oprocesso de ramificação da atuação das empreiteiras ao longo da ditadura teve uma série de carac- para a tomada do poder, mas indicavam também formações econômico-sociais distintas. Não se referindo
terísticas. Em primeiro lugar, ele segue a regra de busca de taxas mais elevadas de ganhos pelas empresas, com 'a conceitos geográficos, as categorias Ocidente e Oriente dizem respeito ao grau de desenvolvimento
atuação em setores da economia mais favoráveis conforme aconjuntura vigente. Assim, adiversificação em um da sociedade civil em diferentes meios sociais.
primeiro momento ocorreu no próprio âmbito da construção, dadas as altas margens de lucros proporcionadas Os primeiros aparelhos privados de hegemonia no Brasil foram formados juntamente com a
pelo setor em fins dos anos 60 e primeira metade da década de 1970. Em um segundo momento, a ramificação instalação do aparelho de Estado português no Rio de Janeiro, em 1808,2 e a sociedade civil foi se com-
se endereçou para setores não diretamente ligados à construção, mas que tinham alguma relação com os plexiticando com a transição do escravismo para o capitalismo e com o avanço deste. Mesmo com essa
equipamentos ou a forma de operação das empreiteiras, como o caso da mineração, que usava máquinas e estrutura representativa de classe em evidente desenvolvimento, muitos autores tipificam a formação
tratores iguais ou similares aos das construtoras. Outra marca das ramificações é que se trata de um processo social brasileira como oriental, dada asuposta fragilidade da sua sociedade civil. Carlos Nelson Coutinho, ·
que, mesmo abrangendo grande quantidade de empresas do setor, émais intenso, claro ediversificado entre as por exemplo, percebe um processo de "ocidentalização" na sociedade brasileira apenas em passagens
macroempreiteiras, oque permite inferirtratar-sede uma tendência típica do grande capital do setor. Por fim, os dos anos 70 para os 80, em meio à transição política. 3 Vários autores já demonstraram evidências
setores focados pelas construtoras foram justamente os que eram alvos das políticas estatais. Isso permite supor contrárias e tentaremos mostrar aqui também que havia, sim, aparelhos privados de hegemonia no
que houve modos mais ou menos formais de convite por parte dos agentes governamentais aos empresários país antes disso e que o processo de ocidentalização da sociedade brasileira remete a esse período e a
em questão para atuação nos referidos ramos econômicos. momentos históricos anteriores.
Aproposta deste capítulo foi fazeruma radiografia do setor da indústria de construção pesada nacional, Pedro Marinho relativiza aanteposição rígida entre sociedades orientais e ocidentais propondo
abordando a sua formação histórica, as famílias controladoras das principais empresas e o desenvolvimento que a noção de Ocidente seja entendida mais como processo e não apenas um estágio específico de
setorial ao longo da ditadura, com enfoque especial sobre os processos de concentração e centralização de
capitais, além da ramificação das suas atividades. Ofio condutor do próximo será a organização das empresas ' GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 3. op. cit. p. 262,
em aparelhos da sociedade civil e sua atuação ao longo do regime civil-militar. 1
Como se vê em PINEIRO, Théo Lobarinhas. Os Simples Comissários: negociantes e política no Brasil Império. Tese de doutoramento em
História. Niterói: UFF, 2002.
3
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsâ: um estudo sobre seu pensamento político. 2' ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.
202-207.
"' Ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. "Aformação ...". op. cit. p. 1-11; Idem. "Origens ...". op. cit. p. 61-66.
308 Estranhas catedrais

outra no lnstitutional lnvestor. 319 Seu sucesso representava ocontentamento do empresariado industrial (APÍTUL04
paulista e outras frações da burguesia com a estabilidade social imposta e crescimento econômico do
"milagre". Durante sua gestão como secretário do Planejamento entre 1979 e 1985, em um ambiente de
crise política e econômica e com ofracionamento da classe dominante, o ministro não obteve o mesmo 0 ESTADO DITATORIAL EAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA OSETOR DA CONSTRUÇÃO
consenso no empresariado. Mesmo assim, ele teve, como antes, enorme poder sobre a política econômica,
l evando-o aser conhecido como o "czar da economia". Oministro tinha sob seu controle direto 81,31% Depois de vista a formação e o de~envolvimento das empresas e empresários nacionais da
dos Cr$ 1,888 trilhão referentes à "administrc:ição e planejamento" e "reservas e contingenciamento" construção pesada, sua organização em aparelhos privados da sociedade civil e ação junto à sociedade
do orçamento, ou seja, ele controlava os limitados recursos públicos administrados por um aparelho e ao Estado, cabe agora analisaro aparelho de Estado ditatorial e as políticas públicas postas em prática
de Estado em regime de austeridade fiscal. 32º no período. Tendo em vista a organização, os interesses e os projetos dos empreiteiros, tentaremos
Na apresentação sumária da trajetória de Delfim Netto, pode-se verificar que ele era um perceber o grau e a extensão da sua presença e de seus representantes na sociedade política, aferindo
representante direto da grande burguesia brasileira, em especial a industrial e a paulista, assumindo também em que medida os anseios desses empresários foram ou não contemplados pelas políticas
tc:imbém funções de intelectual orgânico, que organizava os interesses e valores dessa fração de classe, estatais no regime. Munido dessas informações, será possível analisar a posição desses agentes no
em posição de liderança sobre outras frações. Aburguesia industrial paulista tinha como importante pacto político cristalizado entre 1964 e 1988. Ciente de que houve variações nos mais de vinte anos da
elemento constitutivo o grupo dos empreiteiros de obras públicas, e Delfim em várias decisões bene- ditadura, poderemos perceber como esse segmento da burguesia industrial, e suas frações específicas,
ficiou o setor, como na ampliação das verbas para investimentos em obras e na reserva do mercado esteve presente no bloco de poder em cada contexto. Estabelecido um panorama do posicionamento
nacional às empreiteiras brasileiras, para além dos favorecimentos individuais a empresas como a dos empreiteiros no aparelho de Estado, abordaremos as políticas públicas que tocam o setor, analisando
(amargo Corrêa. Opoder de Delfim em suas gestões como ministro e a certa intocabilidade das áreas também as políticas para os trabalhadores e os grandes projetos de engenharia do regime. Por fim,
sob sua responsabilidade por outros agentes do aparelho de Estado, inclusive militares e o presidente tratamos as denúncias de ilegalidade e irregularidade na ditadura envolvendo empreiteiras e Estado.
da República, eram expressão do poder central que a burguesia brasileira tinha no regime ditatorial,
com posição privilegiada para a fração industrial paulista. 321 Essa situação chegou ao ponto da identi- Os empreiteiros e a conquista do Estado - Os empresários da construção pesada e
ficação dáquele empresariado com o próprio regime, como se vê na frase de Mário Henrique Simonsen: as agências estatais
"Chegaram a dizer que o Governo pretende castigar o empresariado paulista. Ora, isto significaria uma
forma de masoquismo quase absoluto. Imagine se vamos fazer uma retaliação contra São Paulo. Isto Énotória a participação de empresários no aparelho estatal no período pós-golpe de 1964.
seria cuspir para o alto [grifo nosso)". 322 Em uma ditadura cujos quadros burocráticos mais importantes estavam repartidos entre origens
Nesse capítulo, vimos como os empreiteiros de obras públicas atuavam coletiva e articulada- militar e civil, a ampla maioria dos altos funcionários de caráter não militar era de membros da classe
mente junto ao Estado e à sociedade. Imbuído de uma determinada ideologia própria, os empresários empresarial, ou de representantes de seus interesses. Openúltimo capítulo da obra de Dreifuss mostra
da construção pesada usavam seus aparelhos privados de hegemonia, a imprensa e posições no aparelho como o empresariado brasileiro, organizado em entidades como o lpes e o lbad antes de 1964, ocupou
de Estado para obter o consenso em torno de certas propostas e projetos, como no caso da mobilização posições-chave no aparelho estatal no primeiro governo ditatorial.1 Guido Mantega e Maria Moraes
em torno da "defesa da engenharia brasileira". Com a atuação de seus representantes e intelectuais or- destacam, de forma similar, aampla presença de empresários do setor bancário e financeiro no primeiro
gânicos, além de suas conexões militares, parlamentares e empresariais, os construtores desenvolveram escalão do aparato de Estado- principalmente na metade final da ditadura-, vindos de grupos como o
intensa presença e atuação em agências estatais, forjando planos de obras, projetos de leis, pautando Banco Econômico (Ângelo Calmon de Sá), Bradesco (Laudo Natel), Bozzano Simonsen (Mário Henrique
e formando as próprias políticas públicas, como veremos no próximo capítulo. Simonsen) e ltaú (Olavo Egydio Setúbal). 2 Renato Boschi e Sebastião Velasco e Cruz também estudaram
a inserção de representantes da burguesia brasileira no aparelho estatal, indicando a importância desses
agentes para compreensão e definição do Estado no período. 3
'" GASPARI, Elio. AOitadúra Derrotada. op. cit. p. 257-275.
"º Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1980, n' 153.
321
Sobre esse aspecto da figura de Delfim na supostamente militar ditadura brasileira, oex-ministro deu oseguinte testem unho recente:
"Elia ne Oliveira:Como era administrar aeconomia do país na ditadura militar? Delfim: Nunca entrou no meu gabinete um oficial fardado. ' DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. op. cit. cap. 9.
As ligações entre as forçasarmadas e os ministros da área econômica eram feitas através do presidente da República". OGlobo. Edição
2 MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista eCrises no Brasil. 2ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991 [1980]. p. 96.
de 2 de setembro de 2012, p. 27 [grifo nosso].
3 VerCERQU EIRA, Eli Diniz; BOSCHl,Renato Raul.Empresariado Nacional... op. cit.;CRUZ, Sebastião Carlos Velasco e. Empresariado eEstado na
322 Transição Brasileira: um estudo sobre a economia política do autoritarismo, 1974-1977. Campinas: EdUnicamp; São Paulo: Fapesp, 1995.
Folha de S. Paulo. Edição de 12 de fevereiro de 1977, página 1 apudGASPARI, Elio. ADitadura Encurralada op. cit. p. 351.
310 Estranhas catedrais Aindústria deconstruçãopesada brasileira em perspectiva histórica 311

No caso específico dos empreiteiros e outros empresários da engenharia, verificamos uma Porém, os empreiteiros em geral não pareciam estar descontentes com as políticas desenvol-
intensa presença de seus membros, representantes ou interlocutores próximos no aparelho estatal vidas no final do governo Jango. Com o abandono do Plano Trienal e suas metas de austeridade fiscal,
durante a ditadura. Expressão desse fenômeno é a significativa presença de engenheiros em cargos amplos recursos públicos foram direcionados para investimentos em obras de infraestrutura, como a
estatais, inclusive de primeiro escalão, como ministros, governadores, prefeitos e chefes de autarquias construção de rodovias. Vários testemunhos indicam um contentamento do setor com o programa de
federais-e estaduais. Arevista OEmpreiteiro ressaltou que, na sucessão política nos estados em 1971, obras desenvolvido entre 1963 e 1964,7 havendo uma intensa presença de empresários da construção
nove governadores empossados tinham formação em Engenharia. 4 Muitos desses e de outros enge- ligados ao Clube de Engenharia dentro das ag~ncias estatais nesse período, como apoio financeiro dos
nheiros presentes no aparelho estatal não se limitavam à formação acadêmica, mas eram também mesmos a iniciativas como o comício da Central do Brasil de 13 de março de 1964.8
empresários no ramo. Assim, ogrupo dos empreiteiros de obras públ icas parece ter se fracionado com ogolpe de 1964,
Para averiguarmos a presença de empresários da construção pesada no aparelho estatal, ana- sendo que empresários mais ligados ao capital internacional, como os dirigentes da Metropolitana,
lisaremos suas áreas de atuação nas agências estatais. Suas atenções estavam voltadas basicamente estiveram envolvidos diretamente na articulação da ação empresarial-militar. Por outro lado, uma
para os setores de transportes, energia e "interior" - área que inclui habitação, saneamento e fomento aparente maioria do empresariado do setor parece não ter se envolvido na ruptura da ordem legal e
regional, reunidas então em agências do Ministério do Interior-, além de outras instâncias do aparelho inclusive virou alvo de retaliação e alijamento do poder no primeiro governo da ditadura. Significativo
de Estado nacional e dos governos regionais e locais. Apesar dessa divisão setorial, é possível notar que disso foi a decadência da Rabello, por ser associada a JK, de empreiteiras ligadas ao Clube de Engenharia
figuras próximas aos empreiteiros transitaram entre áreas, mantendo-se ligados a agências que atendiam e ao varguismo e a paralisação das obras em curso do governo Jango. Ademissão de agentes próximos
a esses empresários. Éo caso de Andreazza, ministro dos Transportes, de 1967 a 1974, e do Interior, de aos empreiteiros no DNER e a contratação de firmas estrangeiras para realização de projetos e obras no
1979 a 1985; de Shigeaki Ueki, ministro de Minas e Energia, de 1974 a 1979, e presidente da Petrobras, país também são sinal de certo rompimento dos novos dirigentes estatais com parcela significativa de
de 1979 a 1984; e de Maurício Schulman, presidente do BNH, de 1974 a 1979, e da Eletrobrás, de 1979 empresários do setor. Não à toa, agestão Castello foi alvo de mobilização dos empresários-engenheiros
a 1980.5 Otrânsito entre diferentes agências sob a influência dos empreiteiros é indicativo da ligação do CE, do Instituto de Engenharia e da Abem i. Essa situação de tensão só sofreu alteração em 1967,
desses e de outros agentes com os empresários da construção pesada. quando houve um rearranjo das relações de poder no aparelho de Estado e a burguesia industrial
Antes de analisar setor a setor as áreas de atuação dos empreiteiros no aparato estatal, abor- na~ional ganhou força e presença no bloco de poder, incluindo os empresários da construção pesada.
daremos a participação desses empresários no golpe de Estado que deu origem à ditadura. Enfim, se alguns empreiteiros ligados ao capital internacional e que eram integrantes da burguesia
associada participaram ativamente do golpe de Estado e do governo Castello, só é possível dizer que a
Os empreiteiros e o golpe civil de 1964 ditadura dos empreiteiros - e de outros empresários - teve início a partir de 1967.

Em sua obra, Dreifuss mostra como a quebra da ordem constitucional em 1964 ocorreu como Osetor de transportes
fruto da ação conjugada de segmentos do oficialato militar com empresários brasileiros e estrangeiros,
reunidos em organizações como o lpes, o lbad e a ESG. Vários foram os representantes da burguesia Os transportes constituem o setor de maior interesse dos empresários da construção pesada na
brasileira presentes no movimento de desestabilização do governo Goulart, de organização da ação de estrutura do aparelho de Estado durante a ditadura. Sua área inclui a construção rodoviária, principal
1° de abril e de articulação do projeto político nacional pós-64. Em especial participavam empresários especialização das firmas nacionais e que teve intensa atividade no período, além das obras de ferrovias,
associados ao capital internacional e que estavam reunidos no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais portos, hidrovias e a conservação desses meios de transporte. Os aeroportos não constam no setor, já
e em organizações relacionadas, ligados a oficiais do Exército, como Golbery do Couto e Silva. Dentre que na divisão de tarefas entre ministérios, a Aeronáutica não abriu mão do ramo, apesar das pretensões
esses figuravam alguns empreiteiros, como Haroldo Cecil Poland - presidente da Metropolitana, líder do ministro Juarez Távora (1964-1967). As obras administradas pelas agências estatais de transportes
do Sinicon e ativo colaborador do lpes - e outros que financiavam o organismo, como Marco Paulo abrangem construtoras de variados portes, não sendo esse um /ocus restrito como o de energia, que
Rabello (Rabello), Lauro Rios (Engefusa), Thorn~z Pompeu Borges Magalhães (Montreal) e Amynthas demanda principalmente serviços de construtoras maiores. -
Jacques de Moraes (Servienge). 6 No início da ditadura, o Ministério da Viação e das Obras Públicas (MVOP) abrangia as áreas
referentes ao setor, sendo substituído pelo Ministério dos Transportes em 1967. Ofato de a nova pasta

• Revista OEmpreiteiro. Edição de dezembro de 1970, n' 35. ' "Estávamos vivendo um período de franca atividade,quandochegou operíodorevolucionário", afirmou Wilson Quintella em Memórias
s Revista OEmpreiteiro, ediçõesn" 41, 74, 89 e 133. do Brasil Grande. op. cit. p. 245; Testemunho similar tem Murilio Mendes emQuebra de Contrato. op. cit. p. 53-71.
' DREIFUSS, René Armand. 7964: a conquista do Estado. op. cit. p. 636. ' WAINER, Sam uel. Minha... op. cit. p. 238; HONORATO, Céza rTeixeira (org.). OClube... op. cit. p. 102-103.
312 Estranhas(Ofedrais . A indústria de construção pe1ada brasileira em perspectiva histórica 313

ser a de maior interesse dos empreiteiros levou a uma aproximação e até estreita relação de seus titu- ministério após o afastamento de Resende, que foi concorrer ao governo mineiro, e deu continuidade
lares e dirigentes com esses empresários, que, não à toa, tiveram como maior líder durante a ditadura à sua gestão, tendo forte interlocução com o Sinicon e divergências públicas com a (amargo Corrêa;
o ministro Andreazza. Cloraldino era oriundo dos quad ros do ministério, tendo trabalhado no Geipot e por 27 anos no DNER,
Um primeiro aspecto a se reparar entre os dirigentes máximos do ministério (Quadro 4.1) é a onde foi responsável por projetos como a Transamazônica, a Perimetral Norte e a Ponte Rio-Niterói;
- pr~oridade dada na ditadura aos oficiais militares. Além do interventor almirante Rademaker, os três tinha uma firma de consultoria de engenharia que, em 1992, foi acusada de serbeneficiada em contrato
ministros que lhe seguiram vinham das forças armadas, liderando a pasta por 15 anos consecutivos: com o DNER.13 Os dois titulares do governo Sarney também tinham suas ligações com a ditadura e com
Aexistência da especialidade da engenharia dentro da formação militar e a relação amistosa entre os os empreiteiros, sendo os últimos ministros antes da extinção na pasta, no governo Collor.
e
generais os empreiteiros auxiliava essa escolha. Durante a ditadura, os ministros dos Transportes foram, na maioria das vezes, representantes
dos interesses dos empreiteiros no aparelho estatal. Nessa função, entravam em acordo ou em dissenso
Quadro 4.1 - Ministros de Viação e Obras Públicas (até 1967) e Transportes da ditadura com outros agentes do primeiro escalão do governo, muitas vezes travando disputas e defendendo
Ministro Período de gestão os interesses daqueles empresários. Assim, era possível ver Andreazza viajando frequentemente ao
Expedito Machado da Ponte 21/06/1963 a 31/03/1964 exterior para tomar recursos em organismos internacionais para construção de estradas, além de fazer
Almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald 31/03/1964 a 04/04/1964 pedidos de mais verbas e medidas favoráveis às empresas do setor junto ao Ministério da Fazenda.14 Da
Marechal Juarez do Nascimento Fernandes Távora 15/04/1964 a 15/03/1967 mesma forma , Dirceu Nogueira pressionou o presidente Geisel e o ministro Mário Henrique Simonsen
Coronel Mário David Andreazza 15/03/1967 a 15/03/1974 pela implementação da Ferrovia do Aço,15 e Cloraldino Severo e Affonso (amargo insistiram na volta dos
General Dirceu de Araújo Nogueira 15/03/1974 a 15/03/1979 recursos vinculados às agências da pasta, como o Fundo Rodoviário Nacional1 6• Dado o confronto com
Eliseu Resende 15/03/1979 a 11/05/1982 outros grupos e as condições de cada período, a pasta deteve mais ou menos recursos e poder. Quando
Cloraldino Soares Severo 11/05/1982 a 14/03/1985 Andreazza foi ministro, o Ministério dos Transportes era uma das mais importantes pastas do governo.
Affonso Alves de (amargo Netto 15/03/1985a 14/02/1986 Um ano após a sua saída, os investimentos em transportes correspondiam a 40% dos realizados em
José Reinaldo Carneiro Tavares 14/02/1986 a 15/03/1990 infraestrutura no país, equivalendo os recursos da pasta a 9,35% do orçamento da União. Já depois, o
fonte: <http://www.lfaosportes.goY.br/>, acesso em 29 de janeiro de 2009.
ministério perdeu tamanho e seus gastos correspondiam a apenas 14%dos investimentos estatais em
1982,17 sendo o volume de recursos movimentado pelo DNER em 1984 apenas um terço do de 1973.18
Outra justificativa dada para a intervenção militar no ministério, que não fora preenchido por Aentidade empresarial que mais agia junto ao ministério era o Sinicon, e sua interlocução
oficiais das forças armadas até então, era a propalada "moralização" da pasta, apontada como um com os ministros era frequente. Andreazza participava e até presidia eventos, e os ministros Resende
dos principais focos de corrupção do governo Jango. Assim, o marechal Juarez Távora assumiu o cargo e Severo também compareceram às cerimônias promovidas pelo sindicato.19 Apesar dessa ação junto
com a incumbência de paralisar as obras e rever os contratos e a política do setor. Isso causou reação ao ministério, as principais atividades do Sinicon eram endereçadas às autarquias subordinadas ao
negativa entre os empreiteiros, que desenvolveram um conceito negativo do ministro. 9 Andreazza foi ministério, em particular o DNER, principal contratante de serviços das empreiteiras durante a ditadura.
responsável pelo período mais farto de obras do ministério e aproximou-se intensamente dos emprei- Afundação do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) em 1937 marca a ten-
teiros, frequentando seus encontros, em estreita proximidade com o Sinicon. Anomeação do general dência à prioridade dada às rodovias nas políticas nacionais de transportes. Oorganismo usava recursos
Dirceu Nogueira, segundo Geisel, "teve consenso na área militar",70 mas não parece ter sido aplaudida do Fundo Rodoviário Nacional (FRN), do orçamento e era um grande tomador de empréstimos junto a
nos círculos empresariais, já que houve críticas à sua gestão no setor, voltada para reorientar a política bancos einstituições internacionais, o que permitiu o amplo progra ma de construção de rodovias durante
de transportes após o choque do petróleo de 1973.11 Eliseu Resende, ex-diretor-geral do DNER no o"milagre". Desde os anos 50, as empreiteiras cariocas, mineiras e paulistas, depois reunidas no Sinicon,
período Andreazza, representava a volta do foco nas rodovias em um momento em que cabia à pasta
mais administrar a escassez do que realizar um amplo programa de obras; Resende tinha bom trânsito
entre os empreiteiros, tendo passagem pela Odebrecht e boas relações com construtoras mineiras, " Informe Sinicon, ano 1, edições n" 9 e 26; CPDOC. Diciondrio Histórico-Biográfico Brasileiro.
de quem recebeu doações para suas campanhas para cargos eletivos.12 Cloraldino Severo assumiu o 14 Revista OEmpreiteira. Edição de dezembro de 1968, nº 11, dentre outras.
" GASPARI, Elia. 'Apergunta de Simonsen ronda o Planalto'. ln: OGlobo. Edição de 06/02/2011, p. 9.
' Ver QUINTElLA, Wilson. Memórias ... op. cit. p. 239-62; ROTSTEIN, Jaime. Em Defesa... op. cit. p. 18. 16 InformeSinicon. Edição de 14 de maio de 1984, nº 12,, ano 1, e de 30 de março de 198S, nº 2, ano 11.
'º D'ARAÚJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (org.). Ernesto Geisel. op. cit. p. 268. 17 CHAVES, Marilena. !ndústria da Construção noBrasil. op. cit. p. 207-264.
11
Um exemplo está em Revista OEmpreiteiro. Edição de maio de 1977, nº 112. " Revista OEmpreiteira, edição de janeiro de 1984, nº 194.
12
ODEBRECHT, Emílio. AOdebrecht... op. cit. p. 123-138; <http://www.tre-mg.gov.br/>. " Exemplos em OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1968, n' 8; Informe Sinicon, ano 1, edição nº 26.
314 Estranhascatedrais Aindústria de cons\rução pesada brasileira emperspectiva históri ca 315

tinham trânsito na agência. Aposição de diretor-g eral da autarquia tomou vulto na ditadura, sendo principalmente na gestão Eliseu, quando executou a ponte Rio-N iterói e diversos trechos da Rio-Santos,
representativo disso ofato de muitos chefes do órgão terem assumido o Ministério dos Transportes: Belém-Brasília e Transamazônica.25 Sobre isso, Murillo Mendes afirmou em 1975:

Quadro 4.2 - Diretores-gerais do DNER Quandoum alto funcionário já dominou inteiramente sua função, ele é substituído. Um exemplo positivo
- - Diretor-geral da autarquia Período de gestão é o DNER, que sempre manteve boa trad ição. Ea sua receita é simples: promoção de indivíduos capazes
Roberto Ferreira Lassance 1962-1964 de seus pró prios quadros, para manter um nível funcional sa tisfatório. 26
Tenente-coronel Ergílio Cláudio da Silva 1964
Jacintho Xavier Martins Filho 1964 Acitação indica como, independentemente da direção da autarquia, a inserção de certos em-
José Lafayette Salviano do Prado 1964-1967 preiteiros junto à agência estatal eafuncionários intermediários parece ser importa nte para a obtenção
Eliseu Resende 1967-1974 de contratos para as firmas. No governo Sarney, a MJ continuou tendo contratos com o DNER, como o
Coronel Stanley Fortes Baptista 1974-1975 da continuação da BR-364 (Porto Velho-Rio Branco).27
_11,dhemar Ribeiro da Silva 1975-1979
Independentemente do trânsito de uma ou outra empresa, os empreiteiros agiam de forma
David Elkind Schvartz 1979-1981
coletiva e coordenada junto ao DNER, o que ocorria em particular através do Si nicon. AconexãoSinicon-
João Cataldo Pinto 1981-1982
-ONER acabou sendo a principal forma de interface entre a entidade de empreiteiros e uma agência .
João Martins Ribeiro 1982-1985
Fonte: OEmpreiteiro, edições n°' 9, 118, 194 e 215; <hnp;//www.dnit.gov.br/histori<o>, acesso em 27/09!2011. do aparelho estatal; vários episódios exemplificam isso, como o caso do funcionário do departamento,
lgesipo Miranda, que teve seu cargo cassado com o golpe de 1964 e que foi imediatamente trabalhar
no sindicato. Outro exemplo é o pedido do Sinicon para adiamento de uma concorrência do DNER em
Aindicação para a diretoria-geral do DNER pressupunha contatos com os empreiteiros e seus 1984, o que foi atendido. Aparticipação de diretores do DNER em eventos organizados pela entidade
aparelhos privados, sendo os titulares da pasta em geral vinculados a esses empresários, e alguns era frequente, sendo comum também que os dirigentes da agência fossem defensores das causas
chegaram até a atuar nessas firmas. Roberto Lassance, que dirigiu a autarquia no governo Jango, dos empreiteiros dentro do governo, o que ocorreu no caso das receitas vinculadas em 1986. Diante
trabalhou em períodos posteriores nas construtoras Paranapanema e na CR Almeida, sendo inclusive d~ aprovação da recriação do FRN nesse ano, o Sinicon organizou uma festividade e homenageou o
representante dessa na diretoria do Sinicon. 20 Aautarquia sofreu intervenção militar em 31 de março diretor-geral do DNER por seu empenho na aprovação da medida. 28
de 1964, mas logo foi nomeado para o cargo o empresário Lafayette Prado, ex-diretor-geral do órgão Outras autarquias vinculadas ao Ministério dos Transportes e que tinham atuação dos em-
no governo Jânio e que trabalhava então na construtora Cavo, pertencente à (amargo Corrêa, e que, preiteiros eram as relacionadas às ferrovias. ARede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) foi criada em 1957
depois de sair do DNER, abriu sua própria empresa de consultoria de engenharia. 21 Eliseu Resende foi o e, apesar de não demandar tantos serviços de construção pesada como o DNER, ganhou importância
mais importante e poderoso chefe do DNER na ditadura, em gestão responsável por extenso programa com as crises do petróleo e a reorientação das políticas do setor após 1974. Especialmente importante
de obras; como vimos, Eliseu trabalhou na Odebrecht, era ligado a empreiteiras mineiras eà CNT. Stanley era a sua subsidiária, a Engefer, responsável pela obra da Ferrovia do Aço, depois transformada em
Fortes trabalhou na Sudene, RFFSA e no Dnocs, tendo uma carreira ligada às obras eà engenharia, mas, Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU). Um dos presidentes da RFF foi o coronel Stanley
aparentemente, sem vínculos corn a área privada.22 Adhemar Ribeiro da Silva era da Sociedade Mineira Fortes Batista, saído do DNER. 29
de Engenheiros e ab10._dueclamações do Sinicon.23 Já os três seguintes eram ligados a empresários Outro setor doministério que contratava serviços das empreiteiras era ode portos, que recebeu
mineiros, sendo indicados porEliseu Resende.24 muitos investimentos com os corredores de exportação e as políticas de promoção das vendas externas
Aautarquia foi reformulada no governo Castello após convênio com a Usaid, desenvolvendo a partir dos anos 70. No setor havia o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN),
um grande projeto de obras, posto em prática nos anos seguintes. Alémde ter presença significativa do transformado em 1976 em empresa pública, a Portobrás. Mesmo com a mudança institucional, foi
Sinicon, algumas empresas atuavam frequentemente com a agência, como a MendesJúnior, que tinha mantido na chefia da agência o engenheiro Arno Oscar Markus, cunhado de Ernesto Geisel e que ficou
o DNER como contratante desde os tempos JK e que ampliou seus serviços para o órgão na ditadura,
20
FERRAZ Filho, Galeno Tinoco.A Transnacianalização... op. cit. p. 146; Informe Sinicon. Ano Ili, n' 12. " Revista OEmpreiteiro, edições nM31, 52, 53 e 64.
11
PRADO, lafayette. Transportes eCorrupção. op. cit. p. 409-441. " Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1975, n• 93 ,
" Revista OEmpreiteiro, n" 91, 96, 107 e 137. 21 Informe Slnicon. Edição n• 9, ano li.
13
O&npreiteiro. Edição de novembro de 1977, n' 118; <http://www.sme.org.br/>, acesso em 27/09/2011. 28 Entrevista com Darcylo laborne doValle; Informe Sinicon, edições n~ 16, ano 1, e 1, ano 111.
14 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 194 e 21S. Informe Sinicon, n" 14 e 26, ano 1. " Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1975, n' 91 ,
316 E,uanha, <aredrais Aindúitria d~conitrução pesada brasileira em perspectiva histórica 317

no cargo até o fim do governo Figueiredo. Markus era ligado ao Sinicon, participando de seus eventos, compartilhados com as firmas nacionais de engenharia envolvidas nas obras realizadas. Já em Furnas,
como o de desagravo ao ex-líder da entidade Jorge Luiz de la Rocque, _em 1984. 30 a presença de empresários é visível na elaboração do projeto da obra, conforme memória da estatal:
Osetor de transportes consistiu na principal área de atuação dos empreiteiros no âmbito da "Conta a história que foi o engenheiro da Cemig Francisco Noronha quem descobriu as Corredeiras de
sociedade política durante aditadura, tendo eles forte presença em suas agências estatais específicas. As Furnas, quando saiu para pescar aconvite da família Mendes Júnior". 32 Independentemente da veracidade
-F1-0meações para esses cargos parecem ter passado pelo crivo dos empresários e suas formas associativas do relato, a MJ foi escalada para fazer serviços auxiliares da usina e adquiriu ali o know-how para obras
e, uma vez ali posicionados, esses agentes assumiam a função de representantes e porta-vozes dos semelhantes posteriores. Wilson Quintei/a r~lata que foram Lucas Lopes e John Cotrim, dos quadros da
interesses desses empresários dentro do aparelho estatal. OSinicon tinha especial inclinação para esse Cemig, que apresentaram o projeto da usina'de Furnas, encampado pelo governoJK. Oquadro de altos
campo, parecendo ter significativa influência na pauta das políticas públicas de transportes da ditadura. funcionários da estatal federal foi controlado por engenheiros oriundos da Cemig e dali eles partiriam
para o predomínio de boa parte da esfera federal na ditadura. Oprimeiro presidente de Furnas, John
Osetor de energia Cotrim, afastou-se da vice-presidência da Cemig para assumir o cargo. 33
OMinistério de Minas e Energia representou uma agência central para os empreiteiros durante
Apesar do volume de obras do setor de transportes, foi o ramo de energia que movimentou os a ditadura. Após a criação, sua chefia foi ocupada por figuras assimiladas à chamada vertente "nacio-
maiores recursos e que demandou serviços às maiores construtoras do país. Acontratação de grandes nalista" nos governosJânio e Jango. Aalta rotatividade de ministros no período, como se vê no Quadro
hidrelétricas e outros empreendimentos na área de energia foi decisiva na conformação do grupo 4.3, ocorreu não só no setor de energia, dada a alternância de gabinetes no regime parlamentarista e o
das grandes empreiteiras nacionais, não à toa chamadas barrageiras. Enquanto a área de transportes retorno ao presidencialismo, além da instabilidade política geral vivida então. 34 Vale notar que quadros
estava aberta a firmas de portes variados, as obras de energia contavam com um conjunto restrito de do MME desse período foram readmitidos durante o regime ditatorial, como Eliezer Batista, presidente
construtores, especializados em um empreendimento que exigia experiência, alta capacidade técnica da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) no governo Figueiredo. Opróprio Antônio Dias Leite, ministro
e de capital. Aentrada do Estado no setor de centrais elétricas, linhas de transmissão e sistemas de no governo Médici, trabalhou na assessoria de San Thiago Dantas no governo Goulart. 3s
distribuição de eletricidade abriu o mercado às empresas brasileiras de engenharia, substituindo as
firmas estrangeiras que prestavam serviços para as concessionárias de fora do país. Quadro 4.3 - Ministros do MME
As agências estatais contratadoras de serviços de engenharia às empresas nacionais se dividiram, Ministro Período de gestão
desde seu princípio, em duas correntes principais: de um lado, ogrupo Cemig-Furnas-Eletrobrás-MME, João Agripino V. Maia 02/02/1961 - 28/08/1961
relacionado às empreiteiras mineiras, lideradas pela Mendes Júnior; e de outro, o grupo paulista das Gabriel de Rezende Passos 11/09/1961 - 18/06/1962
estatais estaduais depois reunidas na Cesp e que era ligado às empreiteiras daquele estado, lideradas João Mangabeira 27/07/1962 -18/09/1962
pela (amargo Corrêa. Opoder doffmpreiteiros dentro desses órgãos estatais era notável, sendo visível Eliezer Batista da Silva 18/09/1962 - 20/10/1962
Antonio F. de Oliveira Brito 18/06/1963 - 04/04/1964
na escolha de duas empreiteiras mineiras e três paulistas para a construção de ltaipu. Outras empreiteiras
Arthur da Costa e Silva 04/04/1964- 17/04/1964
(CCBE, Rabello, Cavalcanti Junqueira, Metropolitana, Servix, CR Almeida, Convap e outras) fizeram obras
Mauro Thibau 17/04/1964- 15/03/1967
hidrelétricas e tentaram vias próprias, mas não vingaram. No final da ditadura, houve um rearranjo de
José Costa Cavalcanti 15/03/1967 - 27/01/1969
forças, com a marginalização da MJ e ascensão da Andrade Gutierrez e da Odebrecht junto ao setor
Antonio Dias Leite Júnior 27/01/1967 - 15/03/1974
- - --es-t-atal-mineiro-fode.íal,-em_co_nfig_uraçio que tem certa continuidade até os dias atuais. Shigeaki Ueki 15/03/1974- 15/03/1979
Um dos principais marcos da entrada do aparelho de Estado como demandante de obras no setor César Cais Oliveira Filho 15/03/1979 -15/03/1985 ·
de energia elétrica foi a criação do Ministério de Minas e Energia (MME), em 1960, dois anos antes da Antonio Aureliano Chavesde Mendonça 15/03/1985 - 22/12/1988
criação da Eletrobrás. Acomposição do grupo que dirige oquadro burocrático do ministério e da estatal Fonte: <http://www.mme.gov.br/>, acesso em 29 de janeiro de2009.

máxima da energia elétrica brasileira é proveniente principalmente da Cemig e de Furnas. Como vimos
no primeiro capítulo, a estatal mineira de energia foi criada em 1952 no governo estadual JK e técnicos
importantes na sua fundação foram Lucas Lopes, John Cotrim, Mauro Thibau e Mário de Pen na Bhering. 31
" <http://www.furnas.com:br/>, acesso em 26 de janeiro de 2009.
Na empresa foram criados projetos de centrais elétricas e acumulados conhecimento e experiência, " QUINTELLA, Wilson. Mem6rias do Brasil Grande. op. cit. p. 199-224.
'' Para isso, ver SANTOS, Wanderley Guilherme dos. OCálculo do Conflito: estabilidade política e crise na polltica brasileira. Belo Horizonte:
30 InformeSinicon. Edição de 17 de setembro de 1984, nº 26, ano 1. EdUFMG ; Rio de Ja neiro: luperj, 2003. p. 303-329.
" CORREA, Maria Letícia. "Aparticipação dos técnicos na 'conquista do Estado"'. op. cit. p. 147-165. " LIMA, Ivone Therezinha Carletto de. ltaipu. op. cit. p. 19-90.
Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva históri ca 319
318 Estranhascatedrais

Quadro 4.4 - Presidentes da Eletrobrás


Após a intervenção no ministério em abril de 1964 pelo Comando Revolucionário, na figura
Presidente Período de gestão
de Arthur da Costa e Silva, o cargo foi passado a um típico representante da burocracia da Cemig, o Paulo Richer 09/06/1962 a 10/04/1964
membro da Consultec Mauro Thibau, indicado por Ernani do Amaral Peixoto para o cargo. Sua gestão José Varonil de Albuquerque Lima 11/04/1964 a 27/04/1964
foi marcada pela compra da Amforp pelo governo, em termos favoráveis à matriz estrang·eira, além de Octavio Marcondes Ferraz 28/04/1964 a 15/03/1967
denúncias de beneficiamento da Hanna Mining; Thibau já havia trabalhado nas duas empresas, além Mário Penna Bhering 20/03/1967 a 07/11/1975
de ter exercido funções na empreiteira Servix nos anos 50 e ser membro do Clube de Engenharia e da' Antonio Carlos Peixoto de Magalhães '
' 07/11/1975 a 30/05/1978
Sociedade Mineira de Engenharia. 36 O general Costa Cavalcanti, depois presidente da Eletrobrás, da Arnaldo Rodrigues Barbalho 30/05/1978 a 15/03/1979
ltaipu binacional e ministro do Interior, é geralmente associado à ala "linha dura", ou dos nacionalistas Maurício Schulman 15/03/1979 a 18/09/1980
-
autoritários do regime: trabalhou posteriormente em empresas privadas como a mineradora Caemi e José Costa Cavalcanti 26/09/1980 a 10/04/1985
o projeto Jari, tocado por empreiteiras.37 Antonio Dias Leite saiu da CVRD para assumir o ministério, em Mário Penna Bhering 10/04/1985 a 29/05/1990
Fonte: <http://www.e!etrobras.go\'.br/>, acesso em16 de janeiro de 2009.
substituição a Costa Cavalcanti, que foi para a pasta do Interior. Leite era engenheiro da UFRJ e teve
!onga trajetória em empresas privadas antes de assumir o posto, passando por firmas de engenharia
e sendo um dos fundadores da Aracruz Celulose;38 sua gestão deu força ao grupo mineiro dentro do Paulo Richer se manteve na presidência da Eletrobrás alguns dias após o golpe de Estado até
ministério. Já as administrações Shigeaki Ueki e César Cais deram fôlego às empresas paulistas. Ueki ser substituído. Foi então chamado por Adhemar de Barros para trabalhar na estatal paulista Celusa e,
atribuiu as concessões das usinas no rio Paraná à Cesp, o que Dias Leite havia negado, alegando que o depois, convidado por Sebastião (amargo para assumir cargos de direção na CamargoCorrêa, onde atuou
rio era interestadual; antes de ser ministro, Ueki passou por empresas como o Banco Moreira Salles, a em obras de hidrelétricas contratadas pela própria Celusa, além de trabalhar nas empresas industriais do
Cevekol e a Bekol e, após sair do cargo, assumiu a presidência da Petrobras, sendo depois presidente- grupo CC.42 Após a gestão interina de Albuquerque Lima, a chefia da estatal foi entregue ao empresário
-executivo da (amargo Corrêa - após acusações de favorecimento à empreiteira em sua gestão no Octavio Marcondes Ferraz, da empreiteira Noreno, e que passou por empresas internacionais, como a
ministério-, trabalhando também em empresas estrangeiras de petróleo. 39 Já Cais teve o empreiteiro Light; ex-responsável pelas obras da UHE de Paulo Afonso e identificado como "entreguista" por sua
Eduardo Celestino Rodrigues (Cetenco) como assessor e, depois de sair do ministério, atuou em empresas defesa das concessionárias estrangeiras de energia e ter sido contra a criação da Eletrobrás, Ferraz teve
de mineração, seringais e comércio exterior.40 Por fim, a continuidade prevaleceu na transição política, gestão marcada por benefícios às firmas internacionais, como a compra da Amforp.43 Na transição do
e o ministro indicado por Tancredo foi o mineiro Aureliano Chaves, vice-presidente da República no governo Castello para o Costa e Silva, Ferraz foi demitido em proveito de Mário Penna Bhering, o mais
governo Figueiredo, e que revigorou o poder das empreiteiras do seu estado no ministério; Chaves longevo presidente da estatal brasileira de energia, oriundo dos quadros da Cemig e de Furnas. Bhering
era engenheiro, tendo participado da primeira diretoria da Eletrobrás por indicação do governador foi presidente da Eletrobrás durante os governos Costa e Silva, Médici, Geisel e, depois, Sarney e Collor,
Magalhães Pinto, e se põsicionava contra as privatizações e a favor da moratória unilateral e imediata sendo nomeado em 1985 por Aureliano Chaves, em outro traço de continuidade da ditadura no governo
da dívida externa no período Figueiredo, oque agradava a maioria dos empreiteiros; ao sair dos cargos Sarney; suas gestões na direção da estatal foram marcadas pela ampla presença de quadros da estatal
políticos, nos anos 90, foi trabalhar como consultor na firma Paulo Abib Engenharia.41 mineira de energia em altos cargos e por vitórias em concorrências das construtoras do estado, em
Opoder dos engenheiros, técnicos e representantes dos interesses dos empresários mineiros especial a Mendes Júnior; antes de assumiro posto, Bhering trabalhou para uma firma norte-americana
de energia elétrica no primeiro escalão do governo fica ainda mais evidente quando verificamos os de equipamentos industriais e elétricos, a Allis Chalmers e, nos anos 80, esteve vinculado às empreiteiras
presidentes da Eletrobrás na ditadura. Como se vê no Quadro 4.4, a conexão empresarial dos presidentes Tratex e Servix, além de exercer funções na BFB Engenharia e Consultoria Ltda.44 Após divergências com
da estatal é ainda mais nítida que a dos titulares do MME. -~- ' 7 - - -__:ihlgf i Ueki Bherin foi demitido, sendo substituído por Antonio Carlos Magalhães em 1975. Logo
após sua entrada na estatal, o genro de ACM - César Matta Pires - fundou na Bahia a empreiteira OAS,- -
fazendo da família Magalhães, que já tinha concessões de TV e outros negócios, proprietária também
de firma de obras públicas; na sua gestão, Magalhães defendeu a construção de miniusinas e projetos
alternativos voltados para pequenas empresas, como a OAS, e foi acusado de beneficiar a também
36 CORREA, Letícia. 'A participação ...". op. cit p. 147-165; Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro.
37 CPDOC. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro.
" CPDOC. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro.
" Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1974, nº 74; CPDOC. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. " CPDOC. DicionárioHistórico-Biográfico Brasileiro.
40 Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1981, nº 16S; Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. " CORREA, Letícia. Os projetos para o setor de energia elétrica bmsi/eira ... op. cit. p. 79-95.
44 CPDOC. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro.
41 CPDOC. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro.
320 &tranhos catedrai, Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 321

Quadro 4.5 - Centrais elétricas cujas obras civis foram realizadas pela Mendes Júnior
baiana Odebrecht.45 Por fim, após as curtas gestões de Barbalho eSchulman, assumiu a chefia da estatal
Usina Contratante Data da obra Potência Estado
ogeneral Costa Cavalcanti, que, além de ser engenheiro militar e associado a projetos da ditadura como
Furnas* Furnas 1957-1962 1.200MW MG/SP
a construção de ltaipu, era sogro de um dos donos da empreiteira Aragon, responsável pela construção Rio da Casca 111 Cemat 1971 12MW Mato Grosso
da vila residencial do canteiro da UHE de Samuel, no período em que Cavalcanti presidiu a Eletrobrás.46 Boa Esperança Chesf 1964-1970 216MW Piauí
Como se pode ver, o grupo original de engenheiros da Cemig, ligado às empreiteiras mineiras, Cachoeira Dourada Celg 1965-1971 156MW Goiás
ascendeu às agências federais do setor de energia elétrica, dominando em diversos momentos postos- . Jaguara Cemig 1971 '·
477MW MG/SP
-chave da Eletrobrás e do MME, bem como ampliando o rol de empresas contratantes dos serviços das Volta Grande Cemig ' 1970-1974 412MW MG/SP
firmas mineiras. Wilson Quintella, da paulista (amargo Corrêa, afirma que se sentia um "forasteiro" na Termelétrica lagarapé Cemig 1974 125MW MG
Eletrobrás/ e as possibilidades de sua empresa na estatal ocorrem apenas no final da ditadura e em Marimbondo Furnas 1971-1977 1.400MW MG/SP
suas novas subsidiárias, Eletrosul e Eletronorte. Opoder de empreiteiras mineiras e suas aliadas sobre Moxotó (Apolônio Sales) Chesf 1971-1977 440MW Alagoas
as agências federais de energia davam-lhes certa preponderância sobre o outro grupo, pois permitia, ltumbiara Furnas 1974-1980 2.100 MW MG/GO
dentre outras coisas, que pedidos de usinas em rios entre estados e centrais nucleares fossem negados a ltaipu ltaipu binac. 1974-1985 14.000MW PR/Paraguai
companhias estaduais, oque ocorreu com a Cesp. Esse poder sobre aesfera federal de certas construtoras ltaparica (Luiz Gonzaga) Chesf 1979-1988 1.479 MW Pernambuco
também era visível nas subsidiárias da estatal, sendo esse o caso de Furnas, presidida de 1957 a 1974 Taquaruçu (Pol i-USP) Cesp 1980-1994 400MW São Paulo
.. .
" Nem usina, a MJfez ape11as serviços aux1ha1es para ocomóroo britamco responsavel pela obra.
por John Cotrim, oriundo da Cemig, que deixou o posto para dirigir ltaipu.48 Fonte: O Empreiteffo. Edições n" 25, 26 e 176; <http://www.mendesjunior.eom.hr/>; <hnp://www.cemlg.eom.br/>; <httpJ/www.eletrobras.gov.br/>;<http://www.cesp.com.
b1/>; <http://www.cemat<om.br/>; <http://www.celg.eom.br/>.
Expressão desse domínio das empreiteiras mineiras pode ser verificada nas usinas hidrelétricas
feitas pela líder do grupo, a Mendes Júnior, presentes no Quadro 4.5. Nele, pode-se ver como a segunda Aperda de influência da MJ junto à Cemig, Furnas e Eletrobrás progrediu no compasso do
maior construtora de hidrelétricas durante a ditadura tinha serviços prestados principalmente para crescimento do poder de Andrade Gutierrez, Odebrecht e (amargo Corrêa junto às três agências, o
subsidiárias da Eletrobrás e para a Cemig. ACesp, ao contrário, era terreno hostil para a construtora que teve continuidade após a ditadura. No caso da AG e da Cemig, a aproximação foi marcada pelas
mineira, e algumas estatais de energia de outros estados (Mato Grosso e Goiás) contrataram a obrà de obras de outras usinas e finalmente consolidada em 2010 com a compra pela construtora mineira de
pequenas centrais à empresa. Ambas hidrelétricas feitas para aCemig ()aguara e Volta Grande) tiveram 3Ú6% do capital da estatal mineira, após a AG ter vendido à Cemig participação no bloco controlador
contrato assinado no período em que o governador do estado era Israel Pinheiro, figura próxima de JK da Light Rio em 2009.49 Furnas começou a manter estreita relação com a NO após as usinas nucleares,
e da família Mendes Júnior. Amaior parte da capacidade instalada de Furnas e da Cemig até o início passando inclusive a participar de seus projetos em Angola, em um contato que permaneceu depois da
dos anos 70 foi contratada à MJ, porém, a partir de então, novas forças se articularam: a Cemig teve a transição política_so Já a Eletrobrás passou a ter intensa inserção nos interesses da (amargo Corrêa, em
concorrência da usina de São Simão vencida pela paranaense CR Almeida, consorciada a uma construtora especial após a empreiteira paulista ter vencido a concorrência para a construção de Tucuruí, a cargo da
italiana, ea de Emborcação ganha pela mineira Andrade Gutierrez; e Furnas passou a sofrer influência subsidiária Eletronorte. Essa influência, além de haver continuado, se reforçou após a democratização,
da Odebrecht após a construtora baiana ficar responsável pelas obras das usinas nucleares de Angra. e o presidente da estatal no governo Lula era um ex-funcionário da empreiteira.51
Acaminhada da (amargo Corrêa no setor elétrico não começou pela área federal, mas pelo seu
principal projeto alternativo. Assim, Quintella se expressou em referência à construção do setor elétrico
brasileiro nos anos 50: "Com o projeto de Furnas aprovado, nós achamos que deveríamos pressionar
_ _ _ __ ,.,;:.__ _ _--AGl'.-Jtipiá".52 Amai.o.r__emp.r.eiteira do país se consolidou nesse posto por um flagrante domínio sobre
·os quadros e as gestões das estatais paulistas de energia elétrica, reunidas no final da década de 1960
na Companhia Elétrica (depois, Energética) do Estado de São Paulo, a Cesp. Tendo ampla presença e
influência das empreiteiras paulistas, em especial da CC, a Cesp teve um programa de obras de usinas
elétricas que rivalizava e, em certos momentos, sobrepujava o programa federal. Opoder da CC e das
construtoras do estado sobre a estatal paulista se fazia valer a partir de contatos estabelecidos através
" O Empreiteiro. Edições n" 94, 96, 104, 108, 110 e 128; DREIFUSS, René Armand. Ologo •.. op. cit. p. 25-45; GIROTTI, Carlos A. Estado
Nuclear noBrosil. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 140. " OGlobo. Edições de 31 de dezembro de 2009, p. 21,e de 21 de janeiro de 2010, p. 20.
u Folho de 5. Paulo. Edição de 30 de junho de 1984 apud Informe Sinicon. Ediçãode 9/7/1984, nº 20, ano 1. " ODEBRECHT, Emílio. AOdebrechte oPrivatização, op. cit. p. m-138.
41 QUINTELLA, Wilson .Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 373-397. " OGlobo. Edição de 14 de feve reiro de 2010, p. 2S.
" MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Quebra de Contrato. op. cit. p. 50-73. " QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 199-224.
322 Estranhasratedrois AInd ústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 323

Quadro 4.6 - Principais usinas hidrelétricas e outras grandes obras da Cesp


da Escola Politécnica da USP e do Instituto de Engenharia, sendo o poder dessas empreiteiras sobre a
Usina ou obra Potência Data de entrega Construtora
Cesp tão explícito que causava reação indignada dos rivais e da revista OEmpreiteiro. Joseph Young
Salto Grande (Lucas Nogueira Garcez) 71MW 31/5/1958 Servix
assim se referiu ao cancelamento de uma concorrência em 1978:
Limoeiro (Armando Salles de Oliveira) 32MW 17/12/1958 Noreno / CC
Euclides da Cunha 109MW 7/12/1960 (amargo Corrêa
Pior do que esta atitude incoerente, aCESPdesfechou um golpe mortal no conceito ético do regime Jurumirim (Armando A. Laydner) Servix
98MW 21/9/1962
de licitações públicas. Demorou maisde cinco dias para examinar as propostas apresentadas para a Barra Bonita :
141 MW 20/5/1963 Tenco
construção de NovaAvanhandava - para depois anular aconcorrência pordeficiência em todas as pro- Bariri (Álvaro de Souza Lima) 143 MW 18/4/1966 CC/Tenco
postas, incluindo naturalmente apropostade preço mais baixo, queseria avencedora. [grifo nooriginal] Caconde (Graminha) 80MW 22/8/1966 (amargo Corrêa
[...] Extravagância de um administrador público ao fim da gestão? Infel izmente, é muito mais grave Jupiá (Engº Souza Dias) l.551MW 14/4/1969 (amargo Corrêa
que isso. Ofato vem apenas confirmar a versão muito propalada de que certasentidades contratantes são lbitinga 131 MW 24/4/1969 Tenco
"feudos" de um grupo de empreiteiras, emdetrimento das demais. Ea concorrência pública, uma vez mais, Xavantes 414MW 30/11/1970 CBPO
vira um jogo de "faz de conta".s3 [grifo nosso] Jaguari 28MW 5/6/1972 CBPO
Ilha Solteira 3.444MW 18/7/1973 (amargo Corrêa
Nesse trecho do editorial da revista, Young acusa a Cesp de ter anulado a concorrência porque Promissão (Mário Lopes Leão) 264MW 28/7/1975 Cetenco
a empreiteira paulista pré-combinada para vencê-la não apresentou o valor mais baixo, não podendo Capivara (Escola de Engª Mackensie) 640MW 10/3/1977 CBPO
ser declarada, pelo mérito do preço, vencedora. Também critica o governo Paulo Egydio Martins, que Paraibuna 86MW 20/4/1978 (amargo Corrêa
beneficiou em diversos momentos a CC e outras grandes construtoras do estado. Mais do que isso, a Água Vermelha (J. Erm írio de Morais) 1.396 MW 22/8/1978 (amargo Corrêa
Represa de Paraitininga 1978 (amargo Corrêa
denúncia acusa a Cesp, como outras contratantes, de ser "feudo" de algumas empreiteiras, no caso as
Nova Avanhandava 300MW 1982 CBPO
paulistas, com preeminência da CC.
Barragem Três Irmãos 1984 A. Gutierrez
Essa assertiva pode ser comprovada por um painel das usinas realizadas pela Cesp e pelas
Taquaruçu (Escola Politécnica da USP) SOOMW 1984 Mendes Júnior
empresas que lhe deram origem até ofinal da ditadura. No Quadro 4.6, pode-se verificar como a ampla Rosana 320MW 1984 Servix
maioria das obras civis das usinas da Cesp ficou a cargo de empreiteiras paulistas e, dentre essas, a CC Canal Pereira Barreto 1985 CRAlmeida
detinha posição privilegiada. Além de ser a empresa que mais fez hidrelétricas (10 das 20), a CC foi Porto Primavera (Engº Sérgio Motta) 154DMW 2003 (amargo Corrêa
dominante também na construção da potência instalada da estatal paulista. Dos 11.288 megawatts Fonte:OEmpreiteiro. Edições n"' J3, 39, 51, 62, 66 e 158; ALMEIDA, M. W. de. Estado e... op.rit. p. 327.

das usinas contratadas pela Cesp, a CC foi responsável por 8.381 MW, mais de 74% do total, sendo ela
responsável pelas quatro maiores usinas do estado: Ilha Solteira, Jupiá, Água Vermelha e Porto Primavera. ACesp, criada em 1966 reunindo seis companhias estaduais de energia, foi controlada por
Ofato de a CC ter ficado responsável por essa maioria das hidrelétricas contratadas pela Cesp punha a engenheiros da USP durante a ditadura, como o ex-governador Lucas Nogueira Garcez e Francisco de
empresa em uma posição de liderança entre as empreiteiras paulistas, mas não significa que ela tenha Souza Dias.54 Eles eram próximos de Sebastião (amargo, OscarAmericano, Eduardo Celestino Rodrigues
realizado asobras sozinha, havendo em geral uma divisão desses serviços através de subempreitada, o e outros grandes empreiteiros do estado, reunidos no IE e em outros aparelhos privados. Nas obras das
que era feito comumente com outras construtoras do estado e cujos termos eram muitas vezes objeto linhas de transmissão, havia também empreiteirasde porte intermediário:' mas o-fumuaúspllurante
de acertos anteriores à concorrência. ----;---~...,.egime-foFamas grandes hidrelétricas, com serviços demandados a grandes construtoras, e um preço
barato por quilowatt instalado, atendendo à indústria paulista. Oengenheiro da Cesp Dino Magnoli,
ex-Servix, afirmava que essas grandes usinas esgotavam o potencial dos rios paulistas, sendo que ele
"esquecia" a possibilidade das pequenas centrais hidrelétricas, que essas não interessavam às grandes
construtoras, nem aos grandes consumidores industriais, por sua energia mais cara. 56

" Revista OEmpreiteiro. Edição n' 77; 1NSTITUTO de Engenharia.Engenharia no Brasil. op. cit p. 88-1 25.
" Revista OEmpreiteiro. Edições n" 20, 40, 54 e 72.
" Revista OEmpreiteiro. Edição dejaneiro de 1979, n' 132. " Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1970, n' 33, e de junho de 1974, n' 77.
324 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 325

Opoder de contratação da Cesp muitas vezes superou as autarquias federais, e, quando foi de serviços às firm as nacionais de engenharia e foi homenageada pelos empreiteiros.57 Esse setor trazia
inaugurada em 1969, Jupiá era a maior usina de energia do Brasil, superando a até então maior, Furnas. características similares ao ramo de energia elétrica, sendo restrito a poucos empreiteiros com alta
Quatro anos depois, Jupiá foi superada por Ilha Solteira, também da Cesp, que só deixou de ser a maior capacidade técnica e de capital, como Mendes Júnior, Queiroz Galvão e Odebrecht.
do país com ltaipu, que começou a funcionar em 1984. Outra estatal em ascensão no final do regime foi a CVRD. Criada em 1942, a empresa de atua-
Enfim, na ditadura, competiam duas vertentes da construção e exploração de hidrelétricas no ção focada em Minas demandava serviços às empresas de engenharia, como obras para instalação de
Brasil: o tronco da Cesp e das construtoras paulistas, lideradas pela CC; e o tronco mineiro, de Cemig; zonas de exploração de minérios. Esse tipo d~ atividade ficava em geral reservado a empresas locais,
Furnas, Eletrobrás e subsidiárias, e com o predomínio das construtoras mineiras, lideradas pela MJ, sendo área de atuação privilegiada da Andrade Gutierrez e outras empresas mineiras. Especial impulso
como se vê no-Quadro 4.7. ganhou a estatal quando foi lançado o projeto mineral de Carajás, em passagens dos anos 70 para os
80. Aempresa presidida por Eliezer Batista abriu frentes para instalação de minas, ferrovias e portos
Quadro 4.7 - Implementação da capacidade instalada nacional pelas construtoras na região, sendo contratadas a AG, outras empreiteiras mineiras, além de QG e N0. 58
Empreiteira Capacidade instalada construída Osetor de energia começou a ditadura como ramo típico de atuação de empresas estrangeiras,
(amargo Corrêa 19.100MW secundado pelo de transportes entre as áreas de atuação das empreiteiras brasileiras. Com a estatização
Mendes Júnior 10.600MW da demanda dos anos 40 a 60 - com o marco dessa última década, quando foram criados o MME, a
Andrade Gutierrez 6.300MW Eletrobrás e a Cesp -, instituiu-se o quadro de agências estatais que passou a contratar serviços aos
Norberto Odebrecht 5.700MW
empreiteiros nacionais. No final da ditadura, a área de energia superava em larga margem a dos trans-·
Cetenco 5.SOOMW
Font~ ROSA, luiz~nguelíl; SIGAUO, lygia; MIELNIK, Otávio [org.).lmpacto,.. , op. dt. p. 17-38.
portes em encomendas às empreiteiras. Quando se reduzia o vigor da construção das hidrelétricas, a
Petrobras despontou como grande demandante de serviços ao setor, contratando preferencialmente
as grandes construtoras, sendo que a área prioritária das pequenas e médias se deslocou da construção
No quadro, montado em 1988 por engenheiros da UFRJ, vê-se a presença dos dois troncos rodoviária para o "setor social", reunido no aparelho estatal no Ministério do Interior.
nacionais de barrageiras, o paulista (CC e Cetenco) e o mineiro (MJ e AG). Percebe-se ainda a Odebrecht,
ascendente no final da ditadura com as usinas nucleares, mas que consta no quadro basicamente por Osetor de saneamento e habitação
ter incorporado as usinas feitas pela paulista CBPO.
Osetor de energia não se resumia ao ramo elétrico e passou a apresentar possibilidades para Aárea social não foi o forte da ditadura brasileira. Sob forte aparato repressor e com os canais
as construtoras com a Petrobras (BR) e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em especial após meados para reivindicação popular obstruídos, os aportes em obras públicas se concentraram em empreendi-
da década de 1970. mentos voltados para os interesses dos grupos dominantes, com vias para escoamento de mercadorias
ABR, desde oinício de suas atividades, tinha quantidade razoável de demandas às empresas de e grandes centrais elétricas que geravam energia a preços módicos para a indústria. Com o suporte de
engenharia. Algumas empreiteiras cresceram prestando serviço à estatal, principalmente no ramo da leis e decretos, recursos foram retirados das áreas sociais do orçamento e drenados para as aplicações
engenharia industrial e em especial na Bahia. ODepartamento de Produção e o Serviço de Engenharia em transportes e energia, o que foi mais flagrante após o Al-5, sofrendo certa atenuação desde 1974
eram procurados pelas construtoras, que atuaram junto à estatal desde seus primórdios. Exemplos foram e, de maneira mais pronunciada, após 1979. As aplicações em habitação popular e saneamentos9 se
a Tenenge ea MJ, porém a firma que tinha a mais forte ação junto à estatal era a Odebrecht. Já na Bahia, avolumaram no fina l do regime, sem representar, no entanto, adequaclo atenclimerrro~da·s-carências
a NO prestou serviços para a BR, e essa parceria ficou mais sólida com a gestão de Geisel na empresa básicas da população, reforçadas pela falta de investimentos nos anos mais duros da ditadura.
petrolífera (1969-1974), quando a empreiteira baiana foi responsável pelo edifício-sede da empresa no OMinistério do Interior agregava essas áreas de atuação, sendo dele subordinadas autarquias
Rio e por obras de refinarias. As demandas da estatal aumentaram após 1973, com a elevação do preço como Sudene, DNOCS, DNOS e oaparato de habitação do regime: BNH, SFH, Serfhau, Cohabs e outros. A
do petróleo no mercado internacional e a descoberta de jazidas na bacia de Campos. Na metade final da presença de militares era constante na direção da pasta, cuja importância direta para os empreiteiros era
ditadura, a estatal contratou diversos empreendimentos de engenharia, como oleodutos, plataformas, relativamente menor, ao menos quando comparada à dos Transportes e do MME. Isso se modificou no
refinarias epolos petroquímicos. Enquanto as verbas para outros setores e estatais eram contingenciadas, período da gestão Andreazza (1979-1985), que trouxe vários representantes e interesses dos empreiteiros
a Petrobras mantinha seus recursos e assumia a liderança de investimentos entre as autarquias públicas.
Na gestão Shigeaki Ueki à frente da BR, no governo Figueiredo, a estatal virou a principal contratante 57
Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1983, n' 191.
" REVISTA OEmpreiteiro. 100 Anos de Engenharia Brasileira. op. cit. p. 98-99.
" Para um estudoaprofundado sobre as políticas de saneamento, ver JORGE, Wilson Edson.A PolíticaNacional de Saneamento Pós-64. op. cit.
Aindústria de constru ção pesada brasileira emperspectiva histórica 327
326 Estranhas catedrais

para a primeira linha do ministério. Aindicação do coronel para o cargo assinalava uma alteração da DNOS aumentaram nos últimos 15 anos do regime, fazendo com que ele se tornasse agência de intensa
atuação das empreiteiras, com um direcionamento maior para a área social, sendo que o prestígio e o atuação dos empreiteiros, que fugiam de setores descendentes, como o da construção rodoviária.
volume de recursos liberados para a pasta no período referendam essa tendência. Por fim, outra área de interesse dos empreiteiros no Ministério do Interior durante a ditadura
Oministério era voltado para a política urbana e regional, sendo uma ideia norteadora da foi ocomplexo BNH. Com a reforma do sistema de habitação nacional, após a extinção da Fundação Casa
sua atuação a redução das assimetrias entre as regiões do país. Suas atividades estiveram ligadas ao Popular (FCP) e dos institutos de aposentadoriase pensões (IAPs), foram criadas novas agências estatais
Nordeste, com forte peso dos grupos políticos e econômicos locais sobre suas autarquias e políticas. subordinadas ao ministério: o Banco Nacional;de Habitação (BNH), o Sistema Federal de Habitação (SFH),
Assim, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) atuava com investimentos e Serviço Federal de Habitação e Urbanização (Serfhau), as Companhias de Habitação(Cohabs), todas elas
obras naqueta região e contratava serviços preferencialmente de firmas locais. Com o golpe, a agência implicadas no Plano Nacional de Habitação (PNH), elaborado no governo Castello. Onovo setor estatal
foi relativamente esvaziada de funções e recursos por ser assimilada aos governos JK e Jango. Celso de habitação não era área única ou mesmo privilegiada de atuação dos empreiteiros, sendo esse espaço
Furtado teve seus direitos políticos cassados e foi demitido da sua direção, sendo posto em seu lugar dividido com os empresários da construção leve e os representantes do setor bancário e financeiro,
José Gonçalves de Souza, que implantou projetos da Aliança para o Progresso, como a construção de fazendo com que houvesse ali uma medição de forças entre essas frações.
escolas, além de chafarizes nas cidades da região com a sigla da Alpro. 60 Oprograma contou com ser- Com recursos do FGTS e da poupança voluntária, o BNH era a agência principal de interesse dos
viços de empreiteiras nacionais, como a Ecisa, mas não agradou os construtores brasileiros, por prever construtores dentro do complexo federal de habitação, e suas gestões estão arroladas no Quadro 4.8. O
a atuação maciça de firmas norte-americanas. 61 Nos anos mais fechados do regime, a Sudene esteve projeto do banco foi elaborado por Sandra Cavalcanti, no lpes, junto com outros empresários da constru-
envolvida na construção de estradas e, depois, adequou-se aos novos ventos da política do ministério, ção imobiliária do Rio, organizados no Sinduscon-RJ. Esses empresários ocuparam posições de direção
direcionando suas ações para obras "sociais", como o projeto Nordestão.62 no banco após sua criação, sendo indicativo disso a presença de João Machado Fortes, da construtora
ODepartamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) era outra agência do ministério e imobiliária carioca João Fortes, na diretoria da Carteira de Cooperativas do BNH, ao mesmo tempo em
estava imbricado com as construtoras locais desde antes do golpe. Já no período JK, suas atividades não que era presidente do Sindicato da Indústria da Construção de Estruturas do Estado da Guanabara, em
se resumiam à construção de açudes e obras congêneres, sendo a autarquia responsável pela rodovia 1966.67 Da mesma forma, a Companhia Estadual de Casas Populares de São Paulo era presidida em 1979
Brasília-Fortaleza e ampliação das hidrelétricas de Paulo Afonso. 63 Na ditadura, o órgão teve inserção pe!o empresário Oscar Klabin Sega li. 68
das empreiteiras da região, com intermediação de políticos locais. Assim como a Sudene, o Dnocs
participou do esforço para investimentos em obras locais na gestão de Andreazza, ministro ligado a Quadro 4.8 - Presidentes do BNH
empreiteiros nordestinos. 64 Presidente Período de gestão
Osetor de saneamento contava desde os anos 40 com uma agência estatal que contratava Sandra Martins Cava lcanti 1964a 1965
serviços dos empreiteiros, o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). Ele funcionava Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva 1965 a 1966
Maria Trindade 1966 a 1971
no Rio e tinha então forte proximidade com o Clube de Engenharia, 65 desenvolvendo depois ligação
Rubens Vazda Costa 1970 a 1974
com o Sínicon e com a Abes.66 Na primeira metade do regime, a autarquia pareceu não ter tido muitas
Maurício Schulman 1974 a 1979
atividades, porém com o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), lançado no in ício dos anos 70,
José Lopesde Oliveira 1979 a 1983
a agencia se conveniou com autarquias estaduais, sobretudo do Sudeste e do Nordeste, para fazer
Nelson da Matta 1983 a-1985
grandes obras de saneamento, distribuição de água e combate à poluição de águas litorâneas, com os José Maria Aragão 1985 a 1986
interceptadores oceânicos e emissários submarinos. Muitos serviços foram contratados às empreiteiras ..
fonte: Revista OEmpre1te1ro. Edrçoes n°' 153 e 193; CPDOC. Oidomirio Hht6rkc-Bioqrófico Brasileiro.

com os emissá rios de Guarujá, Rio, Salvador, Fortaleza e Manaus, e a presença dos interesses desses
empresários nas obras do plano era significativa. Aimportância e ovolume de recursos gerenciado pelo
Após a saída de Sandra Cavalcanti, o setor carioca de construção imobiliária manteve seu
predomínio no sistema nacional de habitação, determinando uma política de financiamento à cons-
" RIBEIRO, Ricardo Alaggio. AAliança para o Progresso... op. cit. p. 221 -357.
" ROTSTEIN, Jaime. Em Defesa... op. cit. p. 1-102.
trução de apartamentos para a classe média e largo uso de força de trabalho não qualificada, o que
" Revista OEmpreiteiro. Ediçõesn~6, 7, 10, 11, 16, 29 e 201. redundou em ganhos para as construtoras efirma sde intermediação financeira. Em meados do governo
63 QUINTELLA, Wilson.Memórias... op. ât. p. 161-196; <http://www.chesf.gov.br/>, acesso em 27/01/09.
" Informe 5inicon. Edição de 13 de fevereiro de 1984, ano 1, n' 2.
" LAMEGO, Alberto Ribeiro. OHomem ea Guanabara. op. cit. p. 269-376. " FONTES, Virg ínia. Continuidades... op. cit. p. 111-147.
" Revista OEmpreiteiro. Edição de junho de 1979, n' 137.
M Informe 5inicon. Edições n" 11, 13, 19 e outras.
328 Estranhas catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 329

Médici, houve a ampliação das áreas de atuação do banco, com o financiamento de empreendimentos Severo Gomes (1974-1977) era ligado à burguesia industrial paulista e não tinha origem na construção
de infraestrutura urbana, como transporte público de massa e sane_amento básico. Os interesses das e se relacionava com uma certa ala dita "nacionalista" dos empresários - como alguns da Abdib -,
empreiteiras passaram a ser atendidos, com empréstimos para obras como o emissário de Ipanema. A sendo sua administração responsável pelos projetos siderúrgicos do li PND. 71Asua substituição por
criação de carteiras específicas no banco, como a diretoria de saneamento, e o fato de a instituição ter um banqueiro em 1977 foi emblemática de uma inflexão política é ao mesmo tempo reforçaria uma
sido a formuladora do Planasa davam esse novo tom do BNH, alvo de atuação organizada de associações oposição empresarial ao regime em São Paulo. Onovo titular, Ângelo Calmon de Sá (1977-1979}, do
de empreiteiros, como a Apeop. Essa instituição homenageou o BNH no início do governo Figueiredo; banco baiano Econômico, era diretor da O~ebrecht e tinha interesses cruzados com a empreiteira.72
quando a gestão Andreazza no Interior levou ao mais alto índice de financiamento público para cons- Já João Camilo Penna, ministro da pasta entre 1979 e 1984, era engenheiro originário da Cemig e d~
trução de imóveis da história e o BNH direcionou sua atuação para o Nordeste, fazendo obras com fins Furnas, relacionado às construtoras mineiras. 73
eleitorais onde o PDS era forte. 69 Ogrande volume de encomendas ao setor fez com que o período José Subordinado ao ministério, foi criada em 1975 através do Decreto nº 75.204 a Comissão Nacional
Lopes de Oliveira fosse o mais festejado pelos empreiteiros, o que não teve continuidade no período da Indústria da Construção Civil (Cnicc),74 com lançamento no li Enco (Encontro Nacional da Construção),
Nelson da Matta. Com a função de administrar a escassez e ao impor alterações !las diretrizes e regras no Rio. Acomissão era presidida pelo secretário-geral do MIC etinha representantes dos ministérios do
para financiamento, sua gestão foi acusada pelas associações da construção pesada de ser voltada para Planejamento, Transportes, MME e Interior, havendo ainda dois titulares de entidades patronais, um
atender os interesses financeiros relacionados à habitação. 70 Odescontentamento com as políticas do fixo do Sinicon e outro dos sindicatos estaduais de construtoras. Oprimeiro secretário-geral da Cnicc
BNH, a falta de recursos para manutenção dos seus programas e outras questões abriram espaço para foi oengenheiro Rosendo Souza, e a primeira reunião foi no IE, sendo que o presidente da Apeop ficou
ofechamento da instituição, durante a transição política. tão interessado na iniciativa que propôs comissão congênere no estado de São Paulo, o que não pros-
OMinistério do Interior constituiu a terceira pasta principal de atuação dos empreiteiros perou.75 Acomissão era voltada para criar regimentos e políticas para o setor e, dentre suas atividades
durante a ditadura e, apesar de serem setores de atuação privilegiada do pequeno e médio capital da até 1985, destacam-se estudos sobre o setor da construção,76 definição de políticas para produção de
construção, saneamento e habitação tiveram atuação também das grandes empreiteiras. OBNH atendia cimento e estabelecimento de critérios nas concorrências. Nos anos 80, com Almir Fernandes na secre-
basicamente os interesses do capital imobiliário, porém, durante ogoverno Médici, suas funções foram taria executiva, o órgão foi acusado por empreiteiros de ineficácia, conforme afirmação de Norberto
parcialmente desviadas para ofinanciamento de projetos de infraestrutura, em uma demonstração do Odebrecht: "O produto gerado pelo CN ICC, em cinco anos de existência, é desconhecido". 77 Independente
poder dos empreiteiros, que se apropriavam de uma parcela desse importante fundo de recursos públicos dos resultados imediatos, o órgão potencializou a aproximação e o ingresso de representantes do setor
para investimento. Com a abertura, a agenda política nacional foi reorientada e houve o aceno para o no aparelho de Estado. Assim, quando houve solenidade para despedida do empreiteiro Jorge luiz de
atendimento dos anseios populares de habitação e saneamento, oque permitiu ainda mais investimentos la R_gcque do Sinicon, em 1984, compareceram à cerimônia o ministro da Indústria, Murilo Badaró, e o
do BNH e outras agências do ministério em áreas de interesse dos empreiteiros. secretário da (nice, Almir Fernandes.78
Outras agências estatais que tinham presença dos empreiteiros e contratavam seus serviços
Outros agências do aparelho de Estado eram as de siderurgia e telecomunicações. Com os planos para investimentos nesses dois setores após
1974, elevaram-se as atividades das construtoras na instalação de infraestrutura de comunicações e
Outras agências estatais tinham atuação dos empreiteiros e suas organizações, sofrendo parques siderúrgicos. Alguns empreiteiros se aproximaram dos órgãos contratadores e desenvolveram
influência desses empresários na orientação das políticas públicas. OMinistério da Fazenda, apesar de experiência na instalação das plantas e dos equipamentos nesses setores. Oacúmulo de know-how e
responsável pela política macroeconômica, lidava com questões que envolviam as obras públicas e a essa proximidade foram decisivos para a entrada da Andrade Gutierrez nas telecomunicações (Tele
construção pesada. Assim, o ministro Delfim era ligado a Sebastião (amargo (CC), Eduardo Celestino Norte-Leste) e da Queiroz Galvão (usinas no Maranhão), (amargo Corrêa (Usiminas} e Mendes Júnior
Rodrigues (Cetenco} e Olacyr Francisco de Moraes (Constran), sendo acusado de beneficiá-los individual (Açominas} na siderurgia com as privatizações dos anos 90.
e coletivamente, através de favorecimentos direcionados e também de políticas benéficas ao setor.
71
Outros ministros do regime, mais relacionados ao setor bancário efinanceiro, como Octávio de Gouveia GASPAR 1, Elio. A Ditadura Derrotada. op. dt. p. 279-30S.
72
ODEBRECHT, Emílio. AOdebrecht eaPrivatização. op. cit. p. 123-138.
Bulhões e Mário Henrique Simonsen, não garantiam o mesmo tipo de canal. 73
SICEPOT-MG. Rumo ao Futuro. op. cit. p. 31-163.
Oministério que teoricamente abarcava a política específica para os construtores era o de 74
Em sua dissertação, Dantas afirma que a Odebrecht sugeriu a forma ção da comissão; Odebrecht. op. cit. p. 83.
Indústria e Comércio (MIC), e alguns de seus titulares tinham relações estreitas com os empreiteiros. " GUEDES, Henrique (APEOP). AOutro Face doEmpreiteiro. op. cit. p. 29-49.
76 Como o Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção, estudo de 1984, com 22 volumes e mais de 3.200 páginas encomendado à
Fundação João Pinheiro.
" Revista OEmpreiteiro. Edição de dezembro de 1980, n• 156. 71
Revista OEmpreiteiro. Edição de julho de 1981, n' 163.
70 Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1984, n' 196. 78
Revista OEmpreiteiro. Ediçõesn" 91, 119, 132, 155, 163. 166e 172; InformeSinicon. Edição n' 26, ano 1.
330 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 331

No Ministério do Planejamento, o BNDE não tinha ofoco principal dé financiar as empresas do intenso conjunto de obras em São Paulo e um certo marasmo nos investimentos em infraestrutura nas
setor, mas um programa específico garantia as construtoras como grandes clientes do banco, oFiname, outras unidades da federação.
que emprestava recursos para as empreiteiras adquirirem máquinas, tratores e equipamentos para suas Oestado de São Paulo contava com o mais vigoroso conjunto de agências contratantes de obras
obras. Oprograma deu impulso à mecanização e elevação de fatia de capital constante na construção públicas, e o orçamento estadual era peça de apreciação especial pela revista OEmpreiteiro, ao lado
- pesada ao longo do regime. 79 do Orçamento da União. Em 1974, o periódico analisava as aplicações dos Cr$ 71,71 bilhões da União
Na ditadura, o poder dos empresários no pacto político foi tão vigoroso que sua figuração foi · e dos Cr$ 22 bilhões de São Paulo, número bem acima do que era gerido por qualquer outro estado
flagrante e evidente em diversas áreas e níveis das agências estatais. Dentre esses empresários, os brasileiro. Aprefeitura de São Paulo tambémchegava a ter orçamentos com dotações para obras supe-
da construçãcrpesada tinham posição destacada, e sua presença se fazia valer mesmo além de suas riores a qual quer estado, comexceção do próprio estado de São Paulo.83 Apresença de empresários do
áreas típicas de influência, como o Ministério dos Transportes e o de Minas e Energia. Essa influência setor se confirmava no aparelho de Estado, como a prefeitura do empreiteiro Figueiredo Ferraz, muito
não reduziria com a transição política, e no governo Sarney, o empresário da construção Márcio Fortes dinâmica em encomendas de obras públicas, e o secretário de Transportes do governo Paulo Egydio
presidiu o BNDES, sendo esse banco acusado de favorecer a Odebrecht no governo Collor. 80 Martins, Thomaz Magalhães, da firma de engenharia Montreal e da Abemi, e que tinha o presidente do
Sinicesp como assessor. 84 Alémde possuir o principal Departamento de Estradas de Rodagem (DER) do
Estados e municípios país, o estado contava com uma auta rquia singular, a Dersa (Desenvolvim ento Rodoviário S.A.), criada
para realizar empreendimentos como a rodovia dos Imigrantes, a nova rodovia Anchieta e a Via Norte.
Nos governos estaduais e municipais, a presença de empresários também era evidente, às Outras instituições do governo paulista que tinham atua ção direta dos empreiteiros erama Companhia
vezes até em maior grau que no âmbito federal. Ao passo que, na esfera da União, havia uma presença do Metropolitano Urbano de São Paulo (Metrô-SP), então sob administração mun icipal; as companhias
significativa de figuras de origem militar nos diversos escalões do governo; a face "civil" do regime de abastecimento de água e esgoto, reunidas na Sabesp em 1973; e as companhias estaduais de ener-
ficava mais exposta nos governos dos estados e municípios, como ficou expressa na ditadura, ou seja, gia elétrica, agregadas na Cesp, em 1969. As unificações das empresas fornecedoras de energia e de
empresarial.Assim, vemos uma sucessão de prefeitos e governadores empresários entre 1964 e os anos abastecimento no estado tiveram o efeito de potencializar as atividades dessas agências, bem como
80, principalmente no período e nos casos em que governadores e prefeitos não eram escolhidos por centralizar recursos, o que possibilitou a real ização de grandes projetos, como as usinas de Urubupungá
votação direta. Para efeito de ilustração, podemos lembrar o governo e a prefeitura de São Paulo, que eoSanegran, atendendo diretamente aos interesses do grande capital da construção pesada, emergente
contaram com Laudo Natel (Bradesco), Paulo Egydio Martins (Comind, grupo Biyngton), Paulo Salim no estado no período. Exemplo disso é a presença de Klaus Reinach como presidente da Sabesp no
Maluf (Eucatex), Olavo Setúbal (ltaú) e João Carlos Figueiredo Ferraz (empreiteira Figueiredo Ferraz). governo Paulo Egyd io Ma rtins, depois de ter sido diretor da (amargo Corrêa.85
ORio também contava com seus empresários à frente do Executivo local, com Chagas Freitas (ODia) e No Rio de Janeiro, trajetória semelhante ocorreu com as autarquias estaduais, porém sem o
Israel Klabin (grupo Klabin).81 protecionismo típico do governo paulista. Com a fusão dos estados do Rio e da Guanabara, os emprei-
Os empreiteiros tinham representação privilegiada na condução e direção do aparelh o de teiros criaram sua organização própria, a Aeerj. Correspondendo a essa nova forma de organização dos
Estado em nível local e regional, principalmente nos centros onde sua organização e desenvolvimento empreiteiros fluminenses, os governos Faria Lima e Chagas Freitas criaram autarquias e instituiçõ.esque
eram mais avançados, como São Paulo, Minas e Rio. Nesses três estados - referindo-se mais à Gua- sofriam influência direta desses empresários. AEmpresa Estadual de Obras Públicas (Emop), criada em
nabara do que ao Rio de Janeiro até 1975 -, o que notamos é uma influência relevante dos aparelhos 1975, virou uma das principais contratantes das fi rmas de engenharia e tinha atuação dos empreiteiros
regionais de empreiteiros, como Apeop e Sinicesp em São Paulo, Aeerj no Rio e Sicepot-MG em Minas. fluminenses. As empresas de san eamento foram unificadas na Cedae, empresa pública que realizou
Aforça dessas organizações se fazia valer principalmente em secretarias e autarquias específicas, que, empreendimentos do Planasa e tinha muitos contratos com os empreiteiros da Aeer. Esta _a elogiava por
em certa medida, reproduziam a organização dos ministérios. Eram áreas de influência e controle dos seu programa de obras regular e pagamentosem dia. ACompanhia do Metropolitano Urbano (Metrô-RJ)
empreiteiros as secretarias de Obras Públicas, de Transportes e as autarquias desses ramos e de energia encomendava serviços aos empreiteiros de todo país, ao contrário do que ocorria em São Paulo, onde
e saneamento. Apesar da presença dos empreiteiros nessas agências estatais, a capacidade de realização atuavam basicamente firmas paulistas. Por fim, a Light foi estatizada no fim dos anos 70 e passou a
de obras dos estados e municípios foi reduzida após o corte nos fundos de participação dos Estados fazer, em especial no governo Brizola, obras de distribuição de energia nas favelas do Rio, o que não
(FPE) e Municípios (FPM) no início de 1969,8 2 e o que se viu a partir de então foi a manutenção de um
79 Revi sta OEmpreiteiro. Edições n" 1, 2, 5 e 9. " Especialmente festejada pe los empreiteiros foi a gestão do prefeito Faria Lima, dado como "saudoso" em meados dos anos 70 pelo
" ODEBRECHT, Emílio. AOdebrecht e a Privatização. op. cit. p. 65-82. presidente da Apeop, Henrique Guedes emAOutra Face... ap. cit. p. 33.
81 MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação... op. cit. p. 83-106. " GUEDES, Henrique (APEOP). AOutra Face... op. cit. p. 120.
82 Ver GASPARI, Elio. ADitaduraEscancarada. op. cit. p. 225-241. " Revista OEmpreiteiro. Edições n" 20, 39, 69, 72 e 89.
332 EitranhaHatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 333

fora realizado quando a concessionária era controlada por grupo privado estrangeiro. Acidade do Rio interesses pelas medidas e diretrizes postas em prática. Abordaremos tanto as políticas de caráter mais
chegou a contar ainda com o ex-empreiteiro Marcelo Alencar como prefeito.86 lato, que tiveram efeitos sobre amplos segmentos da sociedade, como medidas de caráter mais voltadas
Mais que o Rio, Minas tinha uma presença vigorosa de empreiteiros em postos principais do para o setor em questão. Não pretendemos um tratamento minucioso da política econômica e demais
aparelho de Estado. Além de contar com uma companhia de energia de grande porte, a Cemig, que políticas para os mais de 20 anos de ditadura civil-militar no Brasil, mas assinalar decisões que tocaram
abrigava os interesses dos construtores estaduais em seus quadros, Minas tinha um DER mais ativo, os interesses das empreiteiras, referindo-se em nota às fontes que trazem um detalhamento profundo
atendendo às construtoras rodoviárias do estado. Vários empresários do setor atuaram na política es- · das medidas, bem como leituras da historiografia sobre o assunto.
tadual, como ficou patente nas eleições de 1982, travadas entre Eliseu Resende, ligado às empreiteiras, Octavio lanni vê uma linha geral de continuidade na política econôm ica dos governos da
e Tancredo Neves, cujo vice era o empreiteiro Hélio Garcia, que assumiu a prefeitura de Belo Horizonte ditadura, entendendo, por exemplo, as políticas do período Costa e Silva como continuação do Paeg.89
e, depois, o governo estadual. 87 Apesar de concordarmos que há elementos que aproximam as orientações das políticas dos mandatos
Se, durante a ditadura, vários empresários da construção e seus representantes estiveram presidenciais do regime, entendemos haver nuances entre os diferentes governos e momentos que
presentes nas agências estaduais e municipais, a transição política não representou a decadência ou o remetem a um posicionamento e combinações diferenciadas de grupos e frações de classe dentro do
seudeslocamento do poder. Oque houve foi um rearranjo de forças, com a ascensão de frações políticas grupo dirigente. As alterações no panorama da economia internacional e os diferentes momentos polí-
dos empreiteiros que se viam alijadas nos governos da Arena, ou a manutenção dos mesmos grupos ticos do cenário interno condicionaram essas alterações na correlação de forças na sociedade política e,
empresariais no aparelho de Estado. Sintomático dessa continuidade foi o governo Franco Montoro por conseguinte, nas políticas públicas postas em prática. Assim, para efeito de compreensão do bloco
em São Paulo, que, substituindo oempresário Paulo Maluf no governo estadual, indicou empresários e de poder vigente, da correlação de forças entre grupos empresariais dentro do aparelho de estado e
líderes das associações do setor para o primeiro escalão do governo. Para a Secretaria de Obras Públicas políticas públicas priorizadas, podemos proceder a uma divisão do regime civil-militar. Aditadura teve
foi José Oswaldo Leiva, presidente da firma de engenharia Engemix; para a Fepasa, o engenheiro e peculiaridades em seus governos e momentos, o que permite separá-la nos seguintes períodos: 1964-
assessor da revista OEmpreiteiro, Cyro Antônio Laurenza; para a Sabesp, o engenheiro e membro do IE, 1967/1968, de implantação do regime, predomínio do capital estrangeiro e associado e políticas públicas
Gastão Bierrenbach; e para os Transportes, o engenheiro Mário Covas, que, ao assumir a prefeitura da de corte monetarista; 1967/1968-1974, período de alteração na composição das forças empresariais no
capital, deu lugar na pasta ao empreiteiro Horácio Ortiz, do IE. 88 aparelho de estado, com liderança do capital industrial, sobretudo paulista, e orientação expansionista
Oque se pode notar nos governos estaduais e municipais é que os aparelhos privados da na produção econômica, incluindo funções maís seletivas para o capital estrangeiro e associado; 1974-
sociedade civil, fortalecidos na ditadura, eram ambientes para formação e alistamento de secretários 1977/1979, período de nova recomposição das forças político-empresariais, com emergência de novos
de governos e chefes de autarquias, assim como continuaram a sê-lo após a transição política, levando grupos e relativo alijamento de certo capital industrialpaulista, apesar da manutenção de uma política
à manutenção desses interesses no aparelho de Estado no novo regime político. de crescimento econômico, porém assentada em novas bases; e, finalmente, o período 1977/1979-
Este subcapítulo não teve como objetivo fazer uma ampla radiografia da presença dos emprei- 1985/1988, de crise de hegemonia, com esfacelamento do pacto político de sustentação da ditadura e
teiros e todos os seus representantes no aparelho de Estado durante a ditadura, dada a grandiosidade confronto entre diferentes frações do capital e grupos empresariais, correspondendo a uma incerteza
da proposta. Intentamos apenas mapear as principais agências governamentais que sofreram a influên- e inconstância das diretrizes governamentais.
cia, a presença e a atuação dos empresários do setor ao longo do regime, mencionando alguns casos Essas modificações no bloco de poder e nas políticas públicas praticadas nos mais de 20 anos
de participação de construtores nesses postos para efeito de ilustração. Diante da verificada intensa de ditadura correspondem a diferent~ posicionamentos dos empreiteiros e de suas frações no grupo
figuração dos empreiteiros e seus representantes no aparelho estatal, cabe agora analisar as políticas dirigente e também a políticas que atendiam mais ou menos aos seus interesses. Levando em conta
públicas praticadas entre 1964 a 1988 que afetavam as atividades das empresas de construção. essa diversidade dos momentos do regime, compreenderemos como algumas empresas saíram de uma
posição privilegiada em determinado momento para decair e ir à falência em outra situação. Grupos de
Empreiteiros e políticas públicas na ditadura empreiteiros foram compostos em certas circunstâncias políticas e recompostos em outras, conforme
a configuração política vigente. Portanto, para a melhor compreender a inscrição dos empreiteiros no
Oobjetivo deste subcapítulo é analisar em linhas gerais as políticas estatais desde 1964 até pacto político da ditadura, temos que analisar cada período em sua especificidade.
o final da ditadura, aferindo em que medida os empreiteiros foram ou não contemplados em seus

86
Revista OEmpreiteiro. Edição de janeiro de 1976, nº 96, e de dezembro de 1979, n' 143.
" Revista OEmpreiteiro. Edições de maio de 1984, n' 198, e de janeiro de 1985, n' 206.
" Revista OEmpreiteiro. Edições de abril e junho de 1983, n" 185 e 187. " IAN NI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. op. cit. p. 229-259.
334 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 335

O/pes no poder - Capital associado e políticas restricionistas (1964-1967) Para implementar oplano anti-inflacionário, os principais instrumentos utilizados pelo governo
atingiam os trabalhadores. Medidas como ocongelamento do salário mínimo, a proibição de aumentos
Logo após o golpe de estado de abril de 1964, a maior parte dos postos de comando no apare- de salários em períodos menores que um ano e, diretamente associado a isso, a intervenção em sindi-
lho de Estado foram preenchidos por quadros do lpes e da Consultec, representando os interesses dos catos e a repressão às centrais mostravam qual classe social pagaria mais para os esforços de contenção
capitais privados internacionais e seus associados.90 Essa nova composição do bloco de poder incorreu econômica do governo. Aproibição do direito de greve na maior parte dos casos e ofim da estabilidade
em políticas favoráveis às multinacionais instaladas no país e a empresas associadas a grupos inter- depois de dez anos de emprego nas firmas privadas ajudaram atirar combatividade das organizações de
nacionais. Sob a direção de Octávio de Gouveia Bulhões e Roberto Campos, foram postas em prática trabalhadores, e muitos deles passaram a buscar ganhos extras.97 Arepercussão dessas medidas para
reformulaçõesde ordem institucional e políticas econômicas restricionistas previstas no Plano de Ação as empresas foi positiva, diminuindo ocusto primário com a força de trabalho, oque foi especialmente
Econômica do Governo (Paeg). benéfico para setores que empregavam muito capital variável, como era ocaso da indústria de construção.
Os artífices do novo regime afirmavam querer liquidar o "populismo distributivista" 91 e, para Outras medidas, no entanto, lesariam as companhias intensivas em mão de obra.
Roberto Campos, era preciso acabar com o "populismo econômico" nas áreas fiscal (gastos excessivos), Uma das inovações do Paeg foi ser, ao mesmo tempo, úm plano de restrição da atividade
creditícia (crédito sem respaldo de poupança interna) e salarial (salários muito altos). OPaeg foi um plano econômica, que usou mecanismos ortodoxos, e também um plano que incluía urna reforma institucio-
eminentemente anti-inflacionário orientado para acentuar a recessão econômica que vinha ocorrendo nal.98Isso se expressou na reforma do sistema tributário, que teve a criação de novos impostos - como .
desde 1962. Os instrumentos para tal foram a contenção dos salários, o corte nos gastos públicos e a o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) -,
contração na oferta de moeda e de crédito.92 Apolítica de austeridade fiscal teve efeito negativo para mais eficientes na captação de recursos que os anteriores, mas que sufocou pequenas empresas, levando
a indústria de construção pesada e houve insatisfação no setor diante da interrupção das obras que várias à falência. Acriação dessas e outras contribuições elevou a carga tributária de 18% em 1963 para
vinham se desenvolvendo no período Goulart. 26,7% do PIB em 1968 e esteve associada à criação dos recursos das poupanças compulsórias, como o
Aforça do setor multinacional e associado se fez mostrar com as medidas de garantia à Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que substituía a estabilidade no emprego, além do PIS
integridade dos investimentos estrangeiros, o cancelamento da lei de restrição de remessa de lucros (Programa de Integração Social) e do Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público}.99
e a revisão sobre o processo das empresas encampadas no período anterior. OAcordo de Garantia de As construtoras e outras firmas que empregavam muitos trabalhadores elevaram seus custos com esses
Investimentos, de 1965,93 estabelecido entre o governo brasileiro e o norte-americano, era expressão novos tributos e contribuições, visto que eles incidiam sobre a folha de pagamento. Novamente, os
do poder do grupo e indicava que o modelo de desenvolvimento não iria diferir do que vinha sendo empreiteiros ficavam insatisfeitos com o Paeg.
implantado desde 1955, ou melhor, com centralidade do Departamento Ili, produtor e bens de con- Outra inovação institucional foi a reformulação no Sistema Financeiro Nacional (SFN), com a
sumo duráveis, na liderança do desenvolvimento industrial e econômico doméstico, sendo esse setor criação do Banco Central do Brasil (BC) e do sistema de habitação, dentre outras medidas. Com o forta-
dominado por empresas multinacionais. 94 Nesse caso, a prioridade das políticas governamentais não lecimento do mercado de capitais, oriundo das mudanças no sistema, houve incentivo à conglomeração
estava voltada para o setor de construção, o que foi mais um elemento de insatisfação dos empreitei- e concentração de capital, com a possibilidade de abertura do capital social das empresas, marco a
ros com o governo, sobretudo quando construtoras estrangeiras passaram a ser usadas para realizar partir do qual várias empreiteiras deixaram de ser companhias limitadas e se tornaram sociedades
empreendimentos cuja tecnologia era dominada pelas empresas nacionais. 9s Aparalisação das obras anônimas. Guida Mantega destaca que as modificações realizadas no SFN visavam à melhor captação e
foi medida específica que teve ressonância negativa no setor, e o presidente da República não foi uma canalização da poupança em proveito dos grandes grupos econômicos, o que favoreceu posteriormente
pessoa estimada pelos empreiteiros. Aesse respeito, Wilson Quintella assim comenta a alteração do a indústria de construção.10ºAssim, um dos novos mecanismos de financiamento criados foi o Fundo de
nome da rodovia do Oeste para estrada Castello Branco no final dos anos 60: "Cá entre nós, o nome Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais, depois renomeado para Fundo
original da rodovia era muito mais simpático".96 Especial de Financiamento Industrial (Finame). Osetor de construção rodoviária era o que mais obtinha
empréstimos do programa a partir de 1967, tomando rec·ursos do BNDE e da Usaid - nos quadros da

" DREIFUSS, René Armand. 1964: aconquista do Estado. op. cit. p. 423-425.
" IANNI, Octavio. Estado ePlanejamento... op. cit. p. 280. " SINGER, P. ACrise do "Milagre~ op. cit. p. 50-60; OLIVEIRA, F. de. ACritica... op. clt. p. 107-119.
" PRADO, LuizCarlosDelorme; EARP, Fábio Sá. O"milag re" brasileiro: crescimento acelerado, integração internacional e concentração " GREMAUD, AmauryPatrick; SAES, Flávio Azevedo Marques de; TONETO Jr., Rudinei. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997
de renda (1967-1973). ln: FERREIRA,J.; DELGADO, L. de A. (org .). OBrasil Republicana. Vol. 4. op. cit. p. 209-241 . apudTEIXEIRA, Rica rdo GilbertoLyrio. Reforma Financeira eBanco Central em Tempos de Capital Monopolista (1964-1968). Disser1ação
" IANNI, Octavio. Estado ... op. cit. p. 2S9-276. (Mestrado em História). Niterói: UFF, 2011. p. 35.
94 MENDONÇA,Sonia Regina de. Estado e... op. cit. p. 69-100. " MARTINS, C. E. "Brasil-Estados Unidos...'. op. cit. p. 1-48; OLIVEIRA, F. de. "Padrões de acumulação, oligopólios e Estado no Brasil,
" ROTSTEIN, Jaime. Em Defesa... op. cit. p. 1-102. 1950-1976". ln: A Economia da Dependência Imperfeita. ap. cit. p. 76-113.
100
" QUINTELLA, Wilson. Memórias... op. cit. p. 239-262. MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. Acumulação Monopolista... op. cit. p. 51-82.
336 Esrranha«atedrois Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 337

Aliança para o Progresso - para compra de máquinas nacionais ou norte-americanas em condições Aprioridade às rodovias incluiu a intensificação de extinção dos ramais ferroviários ditos deficitários.
favoráveis.101 Esse e outros instrumentos financeiros criados nas reformas do período 1964-1967 foram Essa política foi liderada por Eliseu Resende no ministério e, até 1974, foram 4.881 km de ferrovias inutilizados,
de fato postos em prática a partir da liberação do crédito, já no governo Costa e Silva, e a postura geral prejudicando algumas empresas industriais, como a Cimento Mauá, a Votorantim e a Companhia Nacional de
da maior parte dos empreiteiros em relação a essas restrições nos financiamentos era negativa. Álcalis.Apenasem Minas,foram 1.200 km de estradas de ferro extintos na década de 1960, eessapolítica incluía
Houve mudança de postura também em relação às estatais, reorientadas para gerar lucro. Seus a dispensa de trabalhadores do setor.Assim,a Rede Ferroviária Federal S.A. tinha 154 mil funcionários em 1964 e
preços foram liberados, e as consideradas ineficientes ou deslocadas em relação às suas funções foram 112 mil em 1972,sendo importante destacar que no ramo estava um dosmovimentossindicais mais combativos
privatizadas, caso da Lóide Brasil e da Fábrica Nacional de Motores.102 Aliberação dos preços de artigos do país, em área de atuação do Partido Comunista.106
como o aço não foi bem recebida por setores de alto consumo do insumo, como as empreiteiras, já era No setor de energia, a política levada a cabo por Mauro Thibau também beneficiou as empresas
o interesse do setor a produçãosubsidiada do item, de modo a dar suporte à indústria de construção. estrangeiras, e a nacionalização da American Foreign Power Company (Amforp) foi reformulada em
No setor de transportes, o que vimos no período foi uma política inserida na lógica do Paeg, relação aos termos previstos no governo Jango, e postas em uma equação que satisfazia a controladora
com incentivo ao capital internacional e que, mesmo contrariando as empresas do setor, deu as bases estrangeira. Mesmo com a presença de defensores do capital internacional, como Octávio Marcondes
para os amplos investimentos posteriores. Em linhas gerais, a política de transportes acentuou o que Ferraz, a atuação estatal no setor acabou aumentando no período, com a incorporação da Amforp e a
fora implantado no Plano de Metas, com orientação para o transporte rodoviário e desmantelamento centralização de companhias na Eletrobrás.101
do sistema ferroviário nacional. Foi criado o Grupo Executivo para Integração da Política de Transporte Mais que energia e transportes, as maiores inovações do governo Castello, no que diz respeito às áreas
(Geipot), sob a direção do engenheiro Lafayette Prado, que reformulou administrativamente oMinistério de atuação das construtoras, ocorreram no setor de habitação.Apartir de proposta de Sandra Cavalcanti, houve
de Viação eObras Públicas e fez acordo com o Banco Mundial e empresas estrangeiras para reformular ampla reformulação do setor com oPlano Nacional de Habitação e a criação de novas agências, oSFH, oSerfhau
osistema nacional de transportes. Oacordo com o Bird redesenhou a estrutura do ministério, propondo e o BNH. Aproposta de Cavalcanti era construir moradias populares para as classes de baixa renda urbanas, de
sua substituição pelo Ministério dos Transportes, implantado em 1967. No bojo de suas sugestões foi modo a atenuar a questão social.108 Carlos Ernesto Ferreira afirma que o déficit habitacional brasileiro em 1964
criado o Conselho Nacional do Transporte (CNT), que dava as diretrizes para a política nacional, e foi era avaliado em 8 milhões de moradias1º9 e, apesar dos elogios populares às últimas construções da Fundação
reformulado o DNER, também dirigido por Prado. Em convênio com instituições internacionais, foram Ca~a Popular (FCP) e dos IAPs, esses organismos foram extintos, passando a função de financiamento público
contratadas empresas estrangeiras para projetar rodovias nos estados do Sul e em Minas, portos, o habitacional para o BNH, que se ocupou também de uma antiga incumbência das caixas econômicas. Osetor
sistema ferroviário nacional e a política de transportes. Ouso de firmas estrangeiras em detrimento de de previdência foi centralizado no INPS,110 e na área do saneamento, o DNOS fez convênio com a Usaid, mas as
nacionais, que tinham experiências nessas funções, causou reação indignada de empresários do setor, políticas para osetor tomariam vigor apenas com oPlanasa, de 1971.111
reunidos no Clube de Engenharia, em movimento que levou à revisão dessas políticas após 1967.1º3 Apesar de o projeto atender aos interesses das empresas de construção imobiliária urbana, o
Apesar da interrupção da maior parte das obras rodoviárias no período, em dezembro de BNH só passou a contar com mais verbas para a implementação de suas políticas com a incorporação
1964 foi aprovada a Lei nº 4.592, prevendo o Plano Nacional de Viação, com projeto de várias estradas dos recursos do FGTS e da poupança voluntária, após 1967. Ao longo do governo CasJello, as atividades
que seriam realizadas nos governos Costa e Silva e Médici. Novos impostos criados no período deram do banco estiveram focadas no financiamento de habitações para as classes populares, seguindo o
suporte à expansão rodoviária ulterior, como o Imposto sobre Serviços de Transporte Rodoviário modelo implantado por Sandra Cavalcanti no governo Lacerda, mas que, desde seu princípio, não ad-
Interestadual e Intermunicipal dé Passageiros e Cargas (ISTR), pelo Decreto-lei n° 284, de fevereiro mitia a possibilidade de subsídio à compra da mo@dia. Tendo em vista a política salarial do regime, os
de 1967, que alimentava o Fundo Especial de Conservação e Segurança do Tráfego, depois substituído empréstimos do BNH se direcionara mà produção e aquisição de imóveis para os estratos intermediários
pelo 1ST, eque seria complementado pela Taxa Rodoviária Única.104 No entanto, esses recursos, naquele e superiores da sociedade após 1968.112 Opróprio banco passou tambéma ser instrumento preferencial
momento, ficaram contingenciados para efeito de redução do déficit público, o que gerava críticas dos de geração de empregos, como afirmaram Celso Furtado, Vaz da Costa e Carlos Ferreira, em detrimento
empresários do setor.101

106 PAULA, Oilma Andrade de.Fim de Linha. op. cit. p. 189-247;SICEPOT-MG.Rumoao Fururo. op.cit. p.31-163; RevistaOEmpreiteiro. Edição
de junho de 1973, n' 65.
101 Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1968, n• 2. 107 CORR tA, Maria Letícia. ' Aparticipação dos técnicos na 'conquista do Estado"'. op. cit. p. 147-165.
101 STEPAN, Alfred. Os Militares na Política. op. cit. p. 166-183. 10• FONTES, Virg ínia. Rupturas e Continuidades... op. cit. p. 111-147.
103
PAULA, DilmaAndrade de. Fim de linha. op. cit. p. 120-188; PRADO, Lafayette Salviano. Transportes eCorrupção. op. cit. p. 33-44; CLUBE 10
• FERREIRA, Carlos Ernesto. AConstrução Civil ea Criação de Empregos. op. cit. p. 1-3 7.
de Engenharia. luta pela Engenharia Brasileira. op. cit. p. 31-70. 110 LOBO, Eulália Maria Lahmeyer (org.). Rio de Janeiro Operário. op. cit. p. 393-438.
10' ALMEIDA, Júlio Sérgio Gomes de; DAIN, Sulamis; ZONINSEIN, Jonas. Indústria ... op. cit. p. 1-14S.
111
JORGE, Wilson Edson. APolltica Nacional de 5aneamentoPós-64. op. cit. p. 112-208.
"' PRADO, Lafayette Sal via no. Transportes e Corrupção. op. cit. p. 235-261. m FO NTES, Virgín ia. Rupturas eContinuidades .•. op. cit. p. 111-147.
338 Estranhascatedrais AIndústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 339

do enfrentamento do problema do déficit habitacional.113 Se não solucionava o problema social, o banco Odelfinato -A ditadura da burguesia industrial paulista (1967-1974)
foi boa fonte de ganhos para o capital construtor, imobiliário e financeiro relacionado à habitação, prin-
cipalmente após a majoração de seus recursos, no período Costa eSilva. Posteriormente, o BNH atendeu Se o período de institucionalização da ditadura correspondeu a uma certa insatisfação de
aos interesses das empresas de construção pesada, ao financiar projetos de infraestrutura urbana. frações da burguesia brasileira, o período mais duro, autoritário e repressivo do regime foi o de maior
Apesar de atender ao capital estrangeiro e associado e às maiores empresas, as políticas do contentamento das classes dominantes residentes. Já no período Castello, grupos empresariais organi-
governo Castello não tiveram uma recepção de todo positiva no empresariado e foram criticadas pelas zados em entidades como Ciesp, CE, Abemi e outras, sobretudo industriais, pediram a reorientação da
associações de classe e pelos representantes do setor no Congresso. OCiesp denunciou o governo em política econômica e se aliaram aos militares 'mais autoritários e defensores de limites para a atuação
1965, afirmando que, "com sua política financeira, acabará atirando a indústria nacional no abismo",114 do capital estrangeiro no país. Ogrupo empresarial se uniu em torno de figuras como Arthurda Costa e
e a CPI da Desnacionalização da Economia denunciou a Instrução nº 289 da Sumoc, afirmando ser esta Silva; Mário Andreazza e Albuquerque Lima, criticando o monetarismo das políticas do Paeg e o excesso
"um mecanismo pelo qual as empresas estrangeiras passaram a usufruir de uma faixa privilegiada de de benefícios às companhias internacionais, em detrimento das brasileiras. Ogrupo chegou ao poder
crédito, o que é mais importante, a juros extremamente baixos".m Na mesma linha, o empresário José em 1967 e, apesar das pressões estrangeiras para manutenção da equipe econômica,12º os ministros
Ermírio de Morais acusou a equipe econômica de ter o "deliberado propósito de esmagar a empresa foram renovados, dando maior poder e presença para a burguesia industrial nacional. Oendurecimento
nacional".116 0 volume de críticas levou à atenuação das medidas de austeridade em 1966, mas as linhas e fechamento maior da ditadura a partir de 1968 e 1969 foi apoiado pelo grupo e acabou lhe trazendo
gerais da política econômica foram mantidas até março de 1967. Aresistência às medidas da dupla benefícios, como a maior repressão ao movimento operário e medidas de política econômica implantadas
Campos-Bulhões também se mostrava dentro do aparelho de Estado, sendo um exemplo a estatização .com Congresso fechado, que garantiam espaço às empresas nacionais e mais verbas para investimentos.
da telefonia, feita por insistência de Ernesto Geisel e outros, contra a posição de Roberto Campos de Nessa nova composição do bloco de poder, uma figura ganhou projeção especial. Oriundo
manutenção do setor sob a alçada privada.117 das associações industriais e comerciais de São Paulo, tendo passado antes pela Secretaria Estadual
No âmbito das empreiteiras, houve reação ao uso de firmas estrangeiras em atividades domina- de Fazenda, o economista Antonio Delfim Netto foi indicado para o Ministério da Fazenda, fazendo
das pelos capitais nacionais, e o Clube de Engenharia organizou a campanha "em defesa da engenharia uma escalada em seu poder pessoal nos anos seguintes, até ter vasto controle sobre a economia e a
nacional", que teve adesão da Abemi e aproximou-se de oficiais da chamada ala dos nacionalistas po!ítica econômica. Delfim representava a resposta à pressão dos aparelhos privados de hegemonia da
autoritários. Aoposição às medidas governamentais criou um bloco de ação que reunia empresários classe dominante e atendeu amplamente aos empresários brasileiros, sobretudo os do setor industrial
cujas atividades eram voltadas para o mercado interno, construtores e militares descontentes com e, em especial, o paulista. Com as injunções políticas até 1974, sobretudo em 1968 com o Al-5 e, em
os rumos do governo Castello.118 Tal composição teve papel de liderança nos governos Costa e Silva 1969, com a doença de Costa e Silva e escolha de Médici para a presidência,121 o poder do ministro só
e Médici, aproveitando-se das inovações institucionais forjadas no período 1964-1967. Como um dos fez aumentar, usando para isso a projeção que ele detinha no Conselho Monetário Nacional (CMN).122
últimos atos de seu governo, Castello Branco promulgou uma nova Constituição e uma de suas medidas Essa ampla autoridade de Delfim fez com que ele conseguisse afastar ministros que não confluíam com
era desobrigar o governo a investir coeficientes mínimos em educação e saúde. Adecisão resultou na suas ideias e propostas, como o ministro da Agricultura, defensor da orientação da produção nacional
contínua redução do orçamento do MEC, que saiu dos 10,6%dos gastos totais da União em 1965 para para o abastecimento do mercado interno mais do que para exportação, e do ministro do Interior, que
4,3% em 1975, e os gastos com Saúde foram de 4,29%em 1966 para 0,99%do orçamento da União em protestou contra a centralização de recursos na União, afirmando que isso seria danoso aos estados e
1974,119 Os recursos drenados da Educaçãoe da Saúde permitiram o reforço dos gastos com investimentos municípios mais pobres.123
em infraestrutura, como a construção de estradas e de hidrelétricas, que iam se intensificar nos anos Opoder e a guinada da política econômica no período Delfim ficou evidente já desde a posse do
posteriores ao governo Castello. novo governo,quandofoi lançado o"Programa Estratégico de Desenvolvimento", elaborado pelo ministro
da Fazenda e o do Planejamento, Hélio Beltrão. Odocumento criticava o Paeg pelo excessivo foco no
combate à inflação e pela elevação da carga tributária para as empresas, propondo o desenvolvimento
113
FERREIRA, Carlos Ernesto. AConstrução Civil ea úiaçãode Empregos. op. ât. p. 1-37. como meta primordial. Os posteriores "Metas e Bases da Ação do Governo", de setembro de 1970, e
"' Correio da Manhã, edição de 14 de maiode 1965 apudVIZENTINI, Paulo GIiberto Fagundes.A Política Externa doRegime Militar Brasileiro:
multilateralização, d·esenvolvimentismo e construção de uma potência média (1964-1 985). Porto Alegre: EdU FRGS, 1998. p. 30.
m VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes.A Política Externa do RegimeMilitorBrasi/eiro. op. cit. p. 30. 120 Assinalado por VIZENTI NI, Paulo G. F. "A ditadura foi 'entreguista'1 Política externa e desenvolvimento no regime militar brasileiro".
116
VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. APolítica Externa do Regime Militar Brasileiro. op. cit, p. 78. ln: Estudos de História. Vol. 8, n' 1. São Paulo: Unesp, 2001. p. 301-319.
117
GASPAR!, Elio, ADitadura Encurralada. op. cit. p. 45-66. 111 Para a sucessão de Costa e Silva, ver MARTINS filho, João Roberto. OPalácio e a Caserna: a dinâmica militar das crises políticas na
118 CHAVES, Marilena. Indústria da ConstruçãonoBrasil. op. cit. p. 78-137.
ditadura (1964-1969). São Carlos, SP: EdUFSCar, 199S.
111
FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da História Ensinada. Campinas: Papirus, 1993. p. 17-48; JORGE, Wilson Edson.A Política Nacional "' VIANNA, Maria Lúcia Teixeira Werneck. AAdministração do "Milagre~ op. cit. p. 149-180.
de SaneamentoPós-64. op. cit. p. 72-111. 123 GASPAR!, Elio. ADitadura Derrotada. op. cit. p. 257-27S.
Aindústria de construção pesada brasileira em perspeaiva histórica 341
340 Estranhas catedrais

11
1Plano Nacional de Desenvolvimento", de dezembro de 1971, reforçavam essa tendência, sugerindo do modelo, visto que as condições de crédito e juros no mercado externo foram depreciadas a partir de
metas macroeconômicas mais ousadas, voltadas para o crescimento da produção e o desenvolvimento 1973 e, sobretudo, após 1979.' 3º
da tecnologia de ponta. Areorientação na política ficou clara já no primeiro ano do governo Costa e Mesmo com o caráter relativamente curto do ciclo de expansão da produção e da atividade
Silva com a liberação do crédito e de verbas para investimentos e obras.124 Não à toa os empresários da econômica, que iria se desacelerar a partir de 1974, o período 1967-1973 se apresentou como um
construção pesada se referem ao ano de 1967 como a "retomada".125 momento especial para a acumulação capitalista no Brasil, sendo o setor industrial o mais beneficiado.
Oefeito da nova política foi um ciclo inédito de expansão econômica, evidenciada em taxas Dentro desse quadro, a indústria da construção detinha uma posição fundamental, revelando-se líder do
de dois dígitos de crescimento anual do produto interno nos seis anos posteriores ao início do governo processo de crescimento ao lado da automobllística.131 Na composição política de então, os empreiteiros
Costa e Silvã: Ochamado "milagre" foi um período de expansão produtiva cujo modelo trazia certa tinham forte presença no aparelho de Estado, com boa representação na pasta dos Transportes e, em
continuidade com o implantado desde 1955, sob liderança do setor de bens de consumo duráveis, alguns casos, canal direto com o ministro da Fazenda. Essa posição central dos construtores no bloco
controlado pelo capital multinacional, e dependente da liquidez internacional. Aeconomia brasileira '· de poder, ao lado de outros industriais, resultou em políticas altamente favoráveis às suas atividades.
se aproveitava da última fase do ciclo de expansão da economia capitalista internacional, em vigor Aliberação do crédito logo beneficiou os empreiteiros ao serem disponibilizados amplos recur-
desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e que se apresentava ao país com crédito abundante a taxas sos do Fina me, via BNDE. Nesse caso, a importância da liquidez dos empréstimos internacionais ficava
de juros módicas. Aelevação da produção foi generalizada na economia, mas pilotada pela indústria, evidente, visto que o crédito era proveniente das verbas da Usaid, além das novas fontes de poupança
setor mais beneficiado pelas políticas estatais - incluindo aí a indústria da construção civil-, sendo que interna do BNDE, oriundas da previdência unificada e das contribuições compulsórias.132 Além da liberação
o crescimento da produção no Departamento Ili não foi acompanhado pelo Departamento 1, levando dos empréstimos e recursos federais para investimento, a gestão de Delfim na Fazenda proporcionou
a uma "dessubstituição de importações",126 com a volta da importação de aço, máquinas, cimento subsídios diretos específicos à construção pesada. No primeiro semestre de 1971, o ministério baixou
e outros insumos. Os resultados macroeconômicos, que incluíam uma redução do desemprego e do norma concedendo benefício fiscal às empreiteiras, como noticiou a revista OEmpreiteiro:
emprego informal, deram força e legitimidade a Delfim e ao presidente da República, garantindo uma
popularidade a partir da qual se iniciaria o processo de transição política.127 Aalíquota do imposto de renda incidente sobre os valores brutos recebidos por pessoas jurídicas em-

Apesar do sucesso dos números da produção e da acumulação de capitais, o crescimento preiteiras de estradas, de obras e semelhantes foi reduzida para 1,5%. Segundo Delfim Netto, a medida

do período 1967-1973 foi acompanhado do aumento da desigualdade econômica, da dependência objetiva proporcionar às empreiteiras maior capital de giro.m
tecnológica e dos preços. A produção se elevou sobretudo em bens de consumo acessíveis a estratos
intermediários e elevados da sociedade, não atendendo na mesma medida às classes subalternas, que Adeterminação, que não passou pelo Congresso, alterava decreto-lei de 1968 e deliberava:
em geral não tinham rendimento suficiente para comprar automóveis e eletrodomésticos, sendo que o
próprio "milagre" era fruto em boa medida de uma repartição disciplinada da renda, como destaca Paul Art. 9°: Ficam sujeitos ao desconto do imposto de renda na fonte, a alíquota de 1,5por cento (um emeio
Singer.128 Além disso, as inversões em rodovias e hidrelétricas não eram acompanhadas de investimentos por cento), como antecipação do imposto devido na declaração, os valoresbrutos pagos aos empreiteiros
em saúde e educação; dados indicam que o número de desnutridos no país se elevou de 27 milhões de estradas, de obras e semelhantes, pessoas jurídicas, pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios,
em 1961-1963 {3~%da população) para 71 milhões de pessoas (67% da população} em 1968-1975.129 Territórios, e respectivas entidades paraestatais, sociedades de eco no mia mista, empresas públicas e
No final do ciclo expansivo, o nível de produção industrial e o desabastecimento da economia, que concessionários de serviços públicos."'
praticamente anulou a capacidade ociosa, levaram à alta dos preços, que, parcialmente falseada pelo
governo, foi um dos motivos para o fracasso eleitoral da Arena em 1974. Afrágil dependência de liquidez Obenefício direcionado para as empreiteiras foi acompanhado de medidas como ampliação do
internacional se evidenciou com a crise na economia capitalista mundial, que afetou a continuidade prazo para recolhimento do imposto de renda em 1972 e outras medidas similares.135
Para além de isenções e favorecimentos fiscais pontuais, o maior benefício determinado por
Delfim para as empreiteiras veio em 1969, com alterações nas normas para obras públicas e nas verbas
'" RIBEIRO, Ricardo Alagglo. A Aliança para o Progresso... op. cit. p. 221-357; PRADO, Luiz Carlos Delorme; EARP, Fábio Sá. "O "milagre"
brasileiro..." op. cit. p. 209-241.
"' FJP. Diagnóstico... op. cit. vol. 2. Os autores do estudo fizeram entrevistas com empreiteiros. "' OLIVEIRA, Francisco de. "Padrões de acumulação .. .". op. cit. p. 76-113.
11 "' PRADO, luiz Carlos Delorme; EARP, Fábio Sá. "O'milagre' brasileiro ..." op. cit. p. 209-241.
' Otermo é de Francisco de Oliveira em ACriticada Razão Dualista. op. cit. p. 93-106. 132 Revista OEmpreiteiro. Edição de junho de 1968, n• S.
127
Para o"milagre", ver, dentre outros, PRADO; EARP. "O"milagre" brasileiro ..." op. cit. p. 209-241.
133 Revista OEmpreiteiro. Edição de maio de 1971, n• 40.
'" SINGER, Paul Israel.A Crise do "Milagre~ op. cit. p. 9-12.
"' Informação de SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Amodernização autoritária: do golpe militar à redemocratizaçã o, 1964-1984. ln: "' Revista OEmpreiteiro. Edição de maio de 1971, n' 40.
UNHARES, Maria Yedda Leite (org .). História Geral doBrasil. 9' ed. atualizada. Rio de Janei ro: Campus, 2000 [1990]. p. 351-384. m Um exemplo está na revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1972, n' SS.
342 Estranlwscotedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 343

do orçamento federal. Em virtude das mobilizações dos empresários e associações de engenharia no Apesar da importância da medida, o periódico não lhe deu grande publicidade, visto que tinha
governo Castello, uma medida do governo Costa e Silva foi instituir, através do Decreto nº 61.795, ligações com empresas estrangeiras, que não parecem ter recebido muito bem a notícia.
de 29 de novembro de 1967, um "grupo de trabalho para tomar medidas de política tecnológica que Amedida teve efeito direto sobre as obras no país durante a década de 1970. Se, em ramos
promovessem o desenvolvimento da engenharia brasileira".136 Apesar da participação de expoentes como a construção rodoviária, a consequência foi menor, visto que esse mercado já era controlado por
do setor e das propostas levantadas, as decisões que deram resposta aos anseios dos empreiteiros só empresas domésticas, em áreas como a construção de barragens e hidrelétricas, engenharia industrial,
vieram depois. Na reunião de 13 de dezembro de 1968 do Conselho de Segurança Nacional, o ministro consultoria em engenharia, projetos e serviços metropolitanos urbanos, odecreto teve grande impacto,
Delfim fez proposta de usar o Ato Institucional nº 5 para que o presidente da República legislasse em por assegurar ao capital nacional setores de,desenvolvimento nos quais ele rivalizava com firmas es-
matéria ecõnômica e tributária: trangeiras. Oresultado foi que esses setores continham consórcios de empresas nacionais e estrangeiras
no início da ditadura e acabaram reservados a grupos nacionais no período final do regime. Medidas
Estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analisada no Conselho. Ese Vossa Exce- posteriores, expedidas entre 1970 e 1974, reforçavam o decreto-lei, com exigências como a de que o
lência me permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente. Eu acredito que deveríamos atentar capital nacional correspondesse a mais de 50% da composição acionária da firma. Odelfinato mostrava
e deveríamos dar a Vossa Excelência a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais que são assim uma seletividade e restrição ao capital estrangeiro que não vigorou no período Castello.140
absolutamente necessárias para que esse país possa realizaroseu desenvolvimento com maior rapidez.137 Amedida se relacionou a outra, anterior, que também beneficiou os empreiteiros. Usando o
Al-5, Delfim reorganizou a distribuição dos recursos dos impostos, reduzindo a fatia do Fundo de Par-
Aproposta foi elogiada pelo presidente Costa e Silva, e o ministro aproveitou o Congresso ticipação dos Estados e Municípios (FPE e FPM) de 20% para 10% das receitas da União, alegando para
fechado no início de 1969 para determinar medidas como o Decreto n° 64.345, de 10 de abril de 1969, isso a necessidade de diminuir os déficits orçamentários federais. Amedida prejudicou os estados mais
que instituiu a reserva de mercado para todas as obras públicas realizadas no país. Odecreto criava pobres, que dependiam mais das verbas federais, levando Mário Maestria identificar a decisão como
uma restrição institucional do mercado, no qual as obras públicas contratadas pela União, estados e uma "expropriação-centralização federal das rendas dos estados e municípios".141 Além disso, foram
municípios só poderiam ser realizadas por: cortados 10% nos gastos com pessoal e, de modo similar à reserva de mercado na construção civil,
houve elevação nas tarifas de importação para alguns produtos, assegurando mercado para a indústria
pessoas jurídicas, regularmente constituídas no país, [que] tenham aqui sua sede e foro, esteja sob doméstica. Com outras medidas como a unificação da escrita do IPI e ocombate ao contrabando, houve
controle acionário de brasileiros natos ou naturalizados, residentes no País, e tenham pelo menos favorecimento da indústria nacional e da construção civil em particular. Orearranjo fiscal proveu mais
metade de seu corpo técnico integrado por brasileiros natos ou naturalizados.138 recursos federais para investimentos, ou melhor, mais verbas para obras públicas. Diante disso, em
1969, o governo bateu recorde de gastos, correspondentes a 23,4% do PIB, e Delfim estimou que em
Odecreto proibia empresas estrangeiras de participar de obras públicas no país, reservando- 1970 devia dispor do dobro dos recursos que tinha sob seu controle em 1967. Ficava determinado ainda
-as às firmas domésticas. Amedida era uma grande vitória para o setor de empresas nacionais de que todas as grandes obras estaduais e municipais deveriam ter o acompanhamento e a aprovação da
engenharia, que contou com uma intensa concorrência de firmas internacionais no período Castello. A União, o que permitia ao Executivo federal certo controle sobre os principais projetos locais e regi.onais.
revista OEmpreiteiro assim se referiu ao decreto: Nas palavras de Delfim: "Com o Al-5, eu aproveitei para fazer tudo o que precisava fazer".142
Acombinação de ambas as medidas principais - oaumento das verbas federais para investimen-
Decreto defende: conforme ficou estabelecido em decretopresidencial, os órgãos de administração fe- tos e a reserva de mercado - potencializou em auasfrentes a indústria nacional da construção pesada,
deral, inclusive entidades de administração indireta, só poderão contratar serviços de consultoria técnica provendo-lhe mais recursos para obras e, ao mesmo tempo, resguardando-lhe essas verbas. Apesar
e de engenharia de firmas estrangeiras quandonão houver empresa nacional devidamente capacitada dos ganhos generalizados no setor com tais decisões, o alvo principal dos benefícios da Fazenda eram
para sua execução. Nos casos em que se admitir contratação, procurar-se-á promover consórcio com os grandes empreiteiros. Delfim, ligado a Sebastião (amargo ((amargo Corrêa) e com relações e elogios
empresas nacionais, de forma a garantir atransmissão satisfatória de tecnologia.m públicos a outros empresários da construção pesada (Mendes Júnior, Constran e Cetenco), intercedia

'" Sobre a aliança entre capital estatal, multinacional e privado nacional no Brasil dos anos 70, ver EVANS, Peter. A Tríplice Alionça. Rio
'" ApudPAULA, Dilma Andrade de.Fim de Linha. op. cit. p. 189-247. deJaneiro: Zahar, 198011979].
137
DELFIM Netto, Antonio. "Fala na Ata da Quadragésima Terceira Reunião do Conselho de Segurança Nacional" apud GASPARI, Elio. A 141
MAESTRI, Mário. Submissão eautonomia: apontamentos sobre a gênese, formação e crise do Estado nacional no Brasil. ln: MENDONÇA,
Ditadura Envergonhada. op. cit. p. 336. Sonia Regina de. Estodo eHistoriografia no Brasil. op. cit. p. 99-134.
138
Decreto nº 64.345 de 10 de abril de 1969 apud CAM ARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado... op. cit. p. 47. "' GASPARI, Elio. ADitadura Escancarada. op. cit. p. 225-241; VIANNA, Maria Lúcia Teixeira Werneck. AAdministração do "Milagre''. op.
139 Revista OEmpreiteiro. Edição de junhode 1969, nº 17. cit. p.89-147.
344 Estranhas /Otedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 345

nas concorrências em favor dessas grandes companhias, sobretudo a CC. Outras medidas tomadas pelo dobrou entre 1964 e 1971, passando de 12.157 km para 23.551 km. Apenas para o ano de 1973, foram
governo no período beneficiavam diretamente os grandes grupos da construção. Assim, o Decreto-lei previstos 11 mil quilômetros de rodovias a serem pavimentadas, o que equivalia a todo ovolume obtido
nº 73.140, de novembro de 1973, trazia o novo Código de Licitações; no qual ficava formalizada a su- na implementação do Plano de Metas.148 Arede pavimentada federal na década de 1970 passou dos
bempreitada, normatizando as formas de subordinação e dependência direta das pequenas às grandes 23 mil para 47.500 km, e a rede total de estradas federais foi de 53,2 mil quilômetros para 88,5 mil
empreiteiras. Alei determinava ainda o capital social mínimo para que as empresas pudessem concorrer quilômetros.149 Aconstrução de rodovias estava distribuída em programas especiais e regionais, que
a determinadas obras,143 principal empecilho de pequenas e médias companhias para participar de visavam prover um amplo sistema de estrc1das no território nacional. No início da gestão Andreazza
certas li citações, o que favoreceu as barrageiras. nos Transportes, foi criado o Programa das R,odovias Internacionais, com ligação rodoviária do território
Apolítica de incentivo aos grandes grupos e à centralização de capitais no delfinato não se limi- do país aos vizinhos através de estradas; em 1970, veio o Programa de Integração Nacional (PIN), com
tou à construção, sendo visível também no setor bancário. Bancos em dificuldades sofreram intervenção atuação na região da Amazônia legal; em 1971, o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste
da União e foram repassados em condições vantajosas a grandes grupos privados, como Bradesco e ltaú. (Prodoeste); no mesmo ano, o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do
Aconcentração bancária ficou expressa em números, sendo que os 313 bancos comerciais existentes no Norte e do Nordeste (Proterra), que, apesa~ do nome, tinha a maior parte de seus recursos orientada
país em 1967foram reduzidos, em 1970, a apenas 195.144 Enfim, a política conduzida por Delfim ajudou para a construção rodoviária; em 1972, foi lançado oPrograma dos Corredores de Exportação, que criava
a semear os grandes grupos industriais e bancários que teriam amplos poderes nos governos seguintes autoestradas para escoamento da produção do interior do país e se relacionava à reforma e moderni-
e na transição política. zação dos portos; nesse mesmo ano, veio o Programa do Entorno da Baía de Guanabara, relacionado
Nas políticas setoriais, esses benefícios ficaram expressos em números elevados. Concentrando à construção da ponte Rio-Niterói; e em 1973, foi criado o Programa Especial do Vale do São Francisco
os maiores recursos e a prioridade das políticas estatais, os transportes tiveram investimentos inéditos. (Provale).t 5º Esses programas de construção rodoviária tinham desenho em parte oriundo de projetos
Além de contar com as verbas redirecionadas para a União, o Ministério dos Transportes estabeleceu geopolíticos dos militares previsto na Doutrina de Segurança Nacional, que no caso servia à acumulação
novas fontes de recursos. Criada em 1968 pelo Decreto-lei nº 397, a Taxa Rodoviária Única (TRU) incidia de capitais das construtoras e de equipamentos e materiais.151
sobre os proprietários de veículos e provia recursos para implantação e conservação de rodovias federais, Para dar suporte ao programa rodoviário e atender a modernização técnica da agricultura, foi
sendo 60% da sua arrecadação encaminhada para estados e 40% para o DNER.145 Ocontingente do estabelecido o Plano Nacional de Tratores, com projeto de nacional ização da produção de máquinas e
imposto sobre combustíveis transferido para o DNER foi elevado, e as rodovias de grande circulação, e'quipamentos usados no país. Quanto às ferrovias, algumas poucas foram implantadas, e tinha con-
como a Rio-São Paulo, passaram a contar com pedágios, como forma de financiar a expansão do sistema tinuidade a política de extinção dos ramais deficitários. Os portos também receberam investimentos,
viário nacional.146 De posse desses recursos, o ministro Andreazza redirecionou a política nacional de atendendo à política de construção naval e incentivo às exportações, que tiveram significativa expansão
transportes, centralizando na União sua implementação efocando-a quase exclusivamente nas rodovias. durante o "milagre".152
Aprevisão de arrecadação das agências do ministério assegurava os seguidos pedidos de financiamentos Na área de energia, o engenheiro Antônio Dias Leite foi nomeado para o Ministério de Minas
a entidades estrangeiras, como o Bird, o BID, o Eximbank, a Usaid e bancos privados norte-americanos e Energia e seu nome correspondia aos interesses de organizações como o Clube de Engenharia, des-
e europeus. Conjugando fontes externas e internas de financiamento, os investimentos na construção contentes com as políticas dÓ período Castello. Leite acusou o Paeg de monetarista, fazendo críticas
de estradas chegaram a.um pico equivalente a 3% do PNB, e o modelo rodoviário suplantou em larga também à política de energia do governo anterior.153 Retornou os investimentos estatais, com aplicações
medida outras modalidades de circulação, contabilizando mais de 80% do transporte de mercadorias e do FFE em obras de grandes usinas de Furnas, Chesf, Cemig, Cesp e outras. Acapacidade instalada
90% do de passageiros nos anos 70. Entre 1970 e 1975, os gastos despendidos com estradas chegaram na cional aumentou cinco vezes entre 1964 e-1~8z;-e-ess-a-nova-geraçã0-de-.energia v_ej_o sobretudo de
a superar o gasto com barragens, o que se inverteu em seguida.147 usinas hidrelétricas, que viraram prioridade na política governamental. Os beneficiários imediatos
Os números da construção rodoviária no período Médici atingiram uma proporção inédita e desses empreendimentos foram os empreiteiros, já que boa parte do custo da construção das usinas
superavam os números alcançados no governoJK. Aquantidade de rodovias pavimentadas praticamente nos rios era proveniente das obras civis. Além deles, ganhavam os produtores de equipamentos elé-

1
" ( AMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado eEmpreiteirosno Brasil. op. cir. p. 137-158. "' Revista OEmpreiteiro. Edições nº 40 e65. Para os números do Plano de Metas, LESSA, Carlos. Quinze Anos de Política Econômica. 4' ed.
144
PRADO, Luiz Carlos Delorme; EARP, Fábio Sá. O"milagre" brasileiro ... op. cii. p. 209-241 . São Paulo: Brasiliense, 1983 [19731. p. 40.
141
A taxa foi depois substituída pelo Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (I PVA). Ver PRADO, Lafayette Salviano. "' (AMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado eEmpreiteiros no Brasil. op. cit. p. 65-136.
150 RevistaOEmpreiteiro. Edição de junho de 1973, nº 65.
Transportes eCorrupção. op. cir. p. 2SO.
1
.. Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1969, nº 14 e de abril de1971, nº 39. "' MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado eEconomia no Brasil. op. cit. p. 94-100.
147
DREIFUSS, RenéArmand . 1964: aconquista doEstado.op. cit. p. 444-445;JOBIM, Antonio JaimedaGama; PROCHNIK, Victor. OImpacto... "' RevistaOEmpreiteiro. Edição de novembro de 1969, nº 22.
op. cit. p. 1-57. m VIZENTIN I, Paulo Gilberto Fagundes. APolítica Externo do Regime Militar Brasileiro. op. cit. p. 77-129.
346 Estranhas catedrais Aindústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 347

tricos, dominantemente estrangeiros, como Voith, Alstom, General Eletric e Brown Boveri, e também nos Estados Unidos. Onovo cenário internacional levou o governo a buscar fontes de financiamento
os consumidores eletrointensivos, grandes industriais dos ramos de ferro, aço, celulose e alumínio, alternativas, na Europa e no Japão, dentro da estratégia de manutenção de altos índices decrescimento.156
favorecidos pelo custo rebaixado da energia produzida nessas centrais. Com um parque gerador A repercussão da crise de 1973 foi imediata na economia brasileira, por sua profunda de-
constituído predominantemente de hidrelétricas, o sistema elétrico brasileiro ficava com um custo por pendência externa. Omodelo de desenvolvimento pautado no Departamento Ili com financiamento
kilowatt bastante reduzido, oque era reforçado pelas políticas de subsídio no preço da energia elétrica, estrangeiro entrou em crise, e a balança comercial, já deficitária no período do "milagre", passou a ter
que beneficiavam consumidores industriais.154 elevados saldos negativos, em função dos gastos com importação de combustíveis e matérias-primas.
Já no Ministério do Interior, com as gestões de Albuquerque Lima e de Costa Cavalcanti, houve As novas circunstâncias levaram à modificação da estratégia de desenvolvimento, com uma ênfase na
uma ampliação das políticas do setor e incorporação dos interesses das empreiteiras. OBNH, inicialmente expansão do setor produtor de bens de capital (Departamento 1) e, diante da limitada liquidez interna-
voltado para o financiamento de moradias populares, foi reorientado no período para estratos mais cional, com amplo aporte financeiro estatal para a produção doméstica de itens até então importados,
elevados da sociedade, e a construção de habitações para a "classe média" passou a absorver a maior como produtos siderú rgicos, metais não ferrosos (sobretudo alumínio), papel e celulose, químicos,
parte dos recursos de empréstimos do banco, oque agradava as construtoras imobiliárias, que viam maior petroquímicos e fertilizantes. Oplano visava preencher as lacunas da pirâmide industrial brasileira e
possibilidade de ganhos nesse nicho. Em 1971, o ministério lançou oPlano Nacional de Saneamento (Pla- substituir os combustíveis fósseis por outras fontes de energia - como álcool, energia hidrelétrica e
nasa), contando com rernrsos da pasta e do BNH, que teve suas funções alargadas para ofinanciamento nuclear-, além de investir na busca e exploração de petróleo em alto-mar.1s7
de projetos de infraestrutura urbanos. Com incentivos para construção de sistemas de saneamento, Antes de abordar a política do li Plano Nacional de Desenvolvimento (li PND), é necessário
os recursos do BNH eram desviados de área habitacional para atender um /ocus de atuação típico dos analisar a nova composição do bloco de poder. No período 1974-1977, houve uma reconfiguração do
empreiteiros de obras públicas. OSistema Financeiro do Saneamento (SFS) centralizava os recursos grupo dirigente em relação ao período logo anterior, com ascensão de novas frações de classe e relativo
para o setor, que cresceram a partir de então, superando as dotações para transportes nos anos 80.155 afastamento de outras. Para a implementação desse projeto, os empresários do setor de bens de produ-
Operíodo do delfinato representa o auge do poder dos empreiteiros na ditadura. Contentes ção foram politicamente reposicionados e passaram a ter incentivos estatais, gozando de farto crédito
com ovolume de obras públicas no período e sem maiores confiitos entre si, já que os empreendimentos no BNDE e apoio ao crescimento da produção. Houve também uma ascensão de novos empresários de
previam serviços a todos, os empreiteiros viram nesse momento a possibilidade de crescimento da em- áreas mais periféricas da indústria brasileira, em detrimento da burguesia industrial paulista. Assim, o
presa e obtenção de altas taxas de lucro. Oque era o predomínio do capital industrial guardava um lugar ministério de Geisel contou com poucos representantes da indústria de São Paulo, enquanto tiveram mais
especial aos empresários da construção, em função do papel do aparelho de Estado na implementação poder grupos alternativos da classe dominante. Aretirada de funções do Ministério da Fazenda indicava
da infraestrutura industrial previsto naquele modelo. As novas condições internacionais pós-1973 e a um recuo em relação à centralização havida na pasta no período Delfim, e a nova posição obtida pelo
modificação na correlação de forças políticas na sucessão de 1974 levaram a uma reconfiguração nas Ministério do Planejamento era representativa do poder desses grupos empresariais não paulistas.158
relações de poder entre esses empresários, que assumiram novo posicionamento no bloco de poder, e No que concerne aos empreiteiros, houve certo contentamento com o plano,159 cuja implemen-
a uma reorientação das políticas públicas para as áreas sob atuação dos empreiteiros. tação, no entanto, levou a um rearranjo de forças regionais no mercado de obras públicas. As firmas
paulistas tiveram um cenário menos positivo do que o experimentado no período Médici. Ao final do
Último ciclo de industrialização na ditadura e fratura do pacto político (1974-1979) governo Geisel, a Ca marga Corrêa deixou pela primeira vez de constar como a empreiteira com maior
faturamento do país.160 Por outro lado, a baiana Odebrecht, empresa próxima de Geisel desde que esse
Apartir de 1973, as condições da economia capitalista internacional se deterioraram rapidamen- foi presidente da Petrobras, ganhou espaço, assim como as mirreiras Andrade Gutierrez eMendes Júnior,
te. Aalta dos preços do petróleo e de outras matérias-primas sinalizava uma crise de superacumulação sendo que essa última integraria o esforço governamental de substituição de importações ao implantar
de capitais em escala mundial, após 25 anos de crescimento das economias capitalistas. Aliquidez do a Siderúrgica Mendes Júnior em Juiz de Fora. Esse quadro começou a se desenhar no início do governo
crédito logo se retraiu e pioraram as condições de financiamento,o que sofreu novo e maior revés em e ganhou força em 1977, quando o representante do empresariado industrial paulista Severo Gomes
1979, quando outro choque no preço do petróleo se acumulou com a alta das taxas básicas de juros oficiais
m SINGER, P.A Crise... op. dt. p. 163-167; MANTEGA, G.; MORAES, M. Acumulação... op. cit. p. 51-82.
':1i-· "' OLIVEIRA, Francisco de. "Pa drões de acumulação ..." op. cit. p. 76-113; CASTRO, Antonio Barros de. "Ajustamento x transformação: a
econom ia brasileira de1974 a 1984". ln: IDEM; SOUZA, Francisco Eduardo Pires de. AEconomia Brasileiraem Marcha Forçada. 2' ed. Rio
"' ALMEIDA, Márcio Wahlers de. Estado e Energia... op. cit. p. 151-332. Almeida, analisando especificamente a Cesp, mostrou como a de Janeiro: Paz e Terra, 198S. p. 13-95.
energia gerada pela companhia era vendida em valores subsidiados, principalmente para consumidores industriais, o que depois 158 GASPA R!, E. ADitadura Derrotada. ap. cit. p. 27-305. Segundo o próprio presidente, "Veloso, entretanto, tinha uma posição prepon-
gerou problemas fiscais para o estado. Mais sobre energia subsidiada emROSA, luiz Pinguelli; SIGAUD, lygia; MIELNI K,Otávio (otg.). derante[...]". D'A RAÚJO, M. C.; CASTRO, C. {org.). ErnestoGeisel. op. cit. p. 298.
Impactos... op. cit. p. 9-14. '" Representativo disso éa visão positiva feita por MurilloMendes em Quebro deContrata. op. cit. p. 74-95.
155 Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1973, n' 69; JORGE, Wilson Edson. APolítica... op. cit. p. 112-208. "' Revista DEmpreiteiro. Edição de agosto de 1974, n' 79.
348 Estranhas catedrais
Aindústria de construção pesada br~sileira em perspectiva histórica 349

deu lugar ao banqueiro e ex-diretor da Odebrecht, Ângelo Calmon de Sá, no Ministério de Indústria e projetos de alumínio e ferro da Vale do Rio Doce também deram força às atividades das empresas de
Comércio (MIC). Havia certo descontentamento de setores do empresariado, em particular o paulista, engenharia em empreendimentos como a preparação de regiões mineradoras, ferrovias de escoamento,
com algumas políticas do período, e o sintoma dessa insatisfação foi a frase do presidente da Light, plantas industriais de processamento do minério, dentre outras atividades.165
Antonio Gallotti: "O governo passado torturava pessoas físicas, o atual tortura pessoas jurídicas".161 No setor de aço, as empreiteiras tinham obras a realizar com a expansão prevista no plano
Aestratégia de 74, o li PND, propunha manter altas taxas de crescimento econômico através de siderúrgico montado pelo MIC, com a CSN-2 e a construção das novas usinas de ltaqui, Tubarão, Açominas
investimentos estatais na economia, com epicentro na expansão da produção de bens de capital, cuja e Siderúrgica Mendes Júnior.166
capacidade instalada deveria substituir a importação de insumos industriais.162 Amplos projetos foram Por fim, houve reorientação nas políticas do Ministério do Interior, com o Planasa-11, que previa
criados para cada área específica do plano, que previa obras como plantas siderúrgicas, plataformas metas mais ambiciosas de abastecimento e tratamento de água e esgoto nas grandes cidades, incluindo
de petróleo, oleodutos, polos petroq uímicos, obras de telecomunicações, mais usinas hidrelétricas e projetos de engenharia de grande porte e aumento dos gastos. Já o BNH voltava a assinalar a construção
termonucleares e projetos de mineração. Equilibrar o balanço de pagamentos passava também por de casas populares como foco, elevando a quantidade de habitações financiadas de 97 mil em 1974
incentivos à exportação de produtos manufaturados e os serviços, incluindo os de engenharia. Essas para 339 mil em 1978, bem como implementando infraestrutura urbana, o que incluía saneamento e
novas obras- usinas siderúrgicas, nucleares, hidrelétricas e projetos de petróleo - não eram área de transporte público de massa.167
atuação de pequenas e médias empresas, e a realização de projetos fora do país tampouco era uma franca Como se vê, a política do li PND respondia adequadamente aos anseios e à nova capacidade
possibilidade para pequenas companhias. Por essa razão, a política geral do governo Geisel se voltava de uma estreita porção de empreiteiros, que concentravam os principais serviços do plano. Desde seu
para as atividades das grandes empreiteiras de obras públicas, que em função de seu forte potencial princípio, o projeto governamental causou reação negativa entre pequenas e médias empresas e certa
de capital, técnico e político, ganharam a possibilidade de tocar os projetos do li PND, em detrimento desconfiança dos principais construtores paulistas, descontentes com a emergência de empresários
das pequenas e médias empresas. Nesse sentido, o diretor-presidente da mediana empresa carioca da periferia para a fina nata da construção pesada nacional. Porém, como o projeto não se mostrou
Esusa, Hermano Cezar Jordão Freire, afirmou que o governo Geisel privilegiava sistematicamente as sustentável e sofreu seguidos cortes, passou a haver descontentamento mesmo na fileira de grandes
grandes empresas.163 empreiteiros, dada a descontinuidade dos projetos. Os anos de 1976, 1977 e 1978 foram marcados por
As políticas setoriais tiveram reorientação de suas prioridades, em conformidade com as metas cortes cumulativos nas verbas endereçadas às estatais e às obras públicas, o que vinha acompanhado
do li PND. No setor de transportes, houve mudança da prioridade à construção rodoviária para a imple- de alta nos preços, causando reclamação dos empreiteiros em relação às tabelas de valores a serem
mentação de ferrovias. Recursos do imposto sobre combustíveis foram retirados do DNER e repassados pagos pelos serviços prestados. Diante das queixas, foi criado em 1976 pelo IBGE o Índice de Construção
para oDepartamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF), para a Rede Ferroviária Federal (RFF) e sua Civil (ICC), novo instrumento para cálculo dos preços que media as variações nos custos de materiais,
subsidiária específica responsável por obras, a Engefer. Atendendo ao projeto siderúrgico, foi formulado equipamentos e mão de obra específicas para a indústria da construção e que servia para reajustar os
um ambicioso projeto ferroviário, a Ferrovia do Aço, e proposta a ligação entre Rio e São Paulo por valores pagos aos empreiteiros.168
trem de alta velocidade. Apolítica para rodovias foi esvaziada, e projetos do governo anterior, como Um momento de fratura no governo Geisel foi a queda de Severo Gomes, em 1977. Justificada
a Perimetral Norte, foram interrompidos e outros retidos em sua expansão, como a Transamazônica, pelo presidente em função de seus pronunciamentos em uma festa reservada, a demissão do minis-
sendo que ofoco no setor passou a ser a conservação de estradas existentes.164 tro - independentemente dos motivos que a desencadearam - levou à organização de uma oposição
Na área de energia, amplas possibilidades se abriram para as construtoras nacionais, com o empresarial ao governo, reunida em torno de Severo e outras figuras da burguesia paulista. Esses
incentivo à construção de mais usinas hidrelétricas, em uma área restrita às grandes empreiteiras. Os empresários já demonstravam antes sua insatisfação em função de certas medidas governamentais,
gastos com barragens nesse momento superaram o que era investido em rodovias, sendo que ltaipu como a ampliação das atividades das estatais em detrimento das companhias privadas. Porém, com
passou a ser prioridade e a construção das usinas do Acordo Brasil-Alemanha deu força à Odebrecht. a queda do ministro de Indústria e Comércio e com a decisão de Severo de fazer oposição ao governo
APetrobras intensificou suas ações e, após a descoberta das jazidas na bacia de Campos, a estatal foi e ao regime, conformou-se um grupo não só crítico, mas também oposto à ditadura. Começava ali o
elevada à condição de prioridade intocável nos cortes orçamentários. As encomendas às empreiteiras rompimento do pacto que dava o suporte empresarial para o regime civil-militar e que foi desfeito
nacionais pela BR se avolumaram, fortalecendo osetor de engenharia industrial eas poucas construtoras amplamente na passagem da década de 1970 para a década de 1980, o que, condicionada pela crise
que se gabaritavam a realizar plataformas de petróleo, oleodutos, refinarias e polos petroquímicas. Os econômica vigente, pôs opaís em uma ampla crise de hegemonia. Em meio a essa crise, em um quadro de
1 1
• GASPARI, Elio. ADitadura Encurralada. op. cit. p. 45-66. 165
Revista OEmpreiteiro. Edições n" 81, 87 e 88; JOBIM, A. J. da G.; PROCHNIK, V. OImpacto ... op. cit. p. 1-57.
162 MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado eEconomia no Brasil. op. cit. p. 69-100. 166
Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1977, nº 118.
163 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionafização ... op. cit. p. 31-109. 167
Revista OEmpreiteiro. Edição de abril e maio de 1975, n" 87 e 88; JORGE, W. E. APo/ftica... op. cit. p. 72-111.
164 Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1974, nº 81. 168
Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1976, n• 106.
350 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 351

desentendimento entre os empresários das diferentes regiões e setores, foi formulado um novo projeto pressão uma instabilidade nos principais cargos no aparelho de Estado e redundou em idas e vindas
hegemônico, que só viria a ser claramente implementado nos anos 90. Diante do avanço das estatais na política econômica, apesar da manutenção das linhas gerais do processo de transição política para
na economia, o presidente do BNDE, Marcos Vianna, montou sigilosamente um projeto de privatização o regime democrático representativo. Uma das maiores expressões dessa instabilidade foi a sucessão
das empresas públicas, com sua transferência para os principais grupos nacionais do ramo bancário de planos econômicos, sendo que o exato período de crise de hegemoniúorresponde à chamada "era ·
__lBradesco, ltaú, Unibanco e Bozzano), minerador (Antunes e Ermírio Moraes), industrial (Ultra, Klabin, dos planos". Assim, entre 1979 e 1993, houve um total de oito planos de estabilização, quatro moedas,
Villares e Matarazzo) eas principais empreiteiras do país ((amargo Corrêa, Odebrecht e MendesJúnior).169 11 diferentes índices de inflação, cinco congelamentos de preços, 14 políticas salariais, 18 mudanças
Entre os empreiteiros, começaram a ficar visíveis no período Geisel não só as críticas das de regras cambiais, 54 modificações nas regras de controle de preços, 21 propostas de negociação da
entidades de pequenos e médios empresários, mas também de grandes construtores, como Sebastião política externa e 19 decretos de austeridade fiscal.172 Somente com o Plano Real e o consenso criado
(amargo, que reclamou do aperto financeiro a Reis Vellosoem 1975.110 Vieram conflitos mesmo no seio entre as diferentes frações burguesas em torno da pauta neoliberal, um projeto passou a prevalecer e
das barrageiras, como na ação na justiça entre Odebrecht e Mendes Júnior pelas obras da barragem pode-se falar de dominação hegemônica no Brasil, a partir de 1994-1995.173
de Pedra do Cavalo, na Bahia. Apesar do clima belicoso, a manutenção das maiores obras do regime - Apesar de os mais visíveis elementos de crise estarem no governo Sarney, o período Figueiredo
como ltaipu, as da Petrobras e as usinas de Angra - garantiu as atividades e o poder para as maiores também foi profícuo em mudanças ministeriais, planos econômicos, além de avanços e recuos nas
empreiteiras do país. políticas públicas. Em um primeiro momento, o banqueiro Mário Henrique Simonsen propôs o Ili PND,
Se os conflitos intercapitalistas cresceram durante o período Geisel e as políticas públicas pautado na austeridade fiscal e na "verdade orçamentária", com foco no combate à inflação. Sua queda
sofreram revés, o quadro de crise foi ainda mais agudo no governo Figueiredo. correspondeu à retomada das políticas de desenvolvimento capitaneadas por Delfim.174 Com o acordo
com o FMI, no fim de 1982, foram estipuladas políticas recessivas, seguidas por atenuantes, a partir
Quebra no pacto político e c,;se aberta de hegemonia (1979-1985/ 1988) de 1984. As idas e vindas das políticas não apagam uma certa tendência do período de ascensão dos
grupos ligados à atividade bancária e creditícia, com a política que a eles correspondia. Medidas como a
Oano de 1979, mais do que o de 1973, marcou um momento agudo da crise econômica brasileira liberação dos juros e a elevação das taxas pagas aos banqueiros deram otom da sua emergência social.
e o caráter insustentável dos termos daquele modelo de desenvolvimento. Com a nova elevação dos A~erca do quadro de então, o ministro Marcus Vinícius Pratini de Morais afirmou em 1984: "Estamos
preços do petróleo no mercado internacional e oaumento das taxas básicas de juros norte-americanas, transferindo renda da indústria para os bancos".175
as condições das contas públicas brasileiras se deterioraram profundamente. Oque Maria da Conceição As políticas do período tiveram em geral efeito negativo sobre as atividades das empreiteiras,
Tavares chamou de retomada ou reafirmação da hegemonia internacional norte-americana foi, para o com redução dos recursos disponíveis para obras e concentração dos esforços estatais no cumprimento
Brasil e outras economias latino-americanas, igualmente endividadas e dependentes, um enquadra- dos compromissos internacionais. As estatais tiveram seus orçamentos limitados e sua expansão es-
mento do seu modelo de desenvolvimento, com forte pressão para implantação de políticas recessivas. tancada, reduzindo ganhos para as empresas que lhes prestavam serviços. Aelevação dos depósitos
Enquanto as condições de rolamento da dívida pública se tornavam mais desfavoráveis, a recessão bancários, em decorrência do acordo com o FMI, implicou críticas dos construtores da Ademi, que viam
internacional resultante da medida do titular do Federal Reserve rebaixou os preços das mercadorias na medida uma diminuição do crédito para obras e encarecimento dos empréstimos.176 Além disso,
primárias brasileiras no mercado internacional, dificultando a formação de divisas parà pagamento Wilson Quintella relata "chás de cadeira" de até 10 horas na antessala de ministros nesse período, o
dos débitos externos.111 que é representativo do recuo do poder de taiumpresários.177
Essas novas condições do sistema internacional reforçaram acrise econômica e política no Brasil, Desde oinício do governo, foi anunciado que ofoco das políticas estaria na agricultura, visando à
tornando a transição política um processo de crise aberta de hegemonia e falta de consenso entre as exportação de alimentos e matérias-primas, de modo a melhorar as contas externas do país. Os corredores
frações burguesas, com decomposição do pacto político einexistência de um projeto capaz de se fazer de exportação tiveram seus orçamentos mantidos, ao contrário de outros empreendimentos. Algumas
prevalecer claramente sobre os outros. Apesar da ascensão dos capitais bancários e financeiros desde obras eram apresentadas aos empreiteiros como necessárias para implantação dessas medidas, como
1974-1977 e uma certa manutenção do poder dos grandes grupos industriais fortalecidos na ditadura,
não ocorreu nesse período a composição de um novo pacto político, sendo que a crise teve como ex- 172
ANDRADE, Eli Gurgel. O(Oes)equilíbrio da Previdência Social Brasileira. op. ât. p. 5-29.
173
OLIVEIRA, Francisco de. Os Direitosdo Antivalor. op. cit. p. 9-16. Para uma análise do posicionamento do empresariado na abertura
169 GASPARI, Elio.A Ditadura Encurralada. op. cit. p. 333-351. política, ver CRUZ, Sebastião Velasco e. Empresariado... op. cit. p. 205-279.
110 GASPAR!, Elio. A Ditadura Encurralada. op. cit. p. 53. 174
Geisel afirma que Delfim na Seplan "tomou conta". D'ARAÚJO; CASTRO (org.). Ernesto... op. dt. p. 434.
171 TAVARES, Maria da Conceição. "Aretomada da hegemonia norte-americana"; TAVARES, Maria da Conceição; MELIN, Luiz Eduardo. 175
Informe Sinicon. Edição de 29 de maio de 1984, n"14, ano 1.
Pós-escrito 1977: a reafirmação da hegemonia norte-americana. ln: TAVARES, Maria da Conceição; FIORI, José Luis (org.). Poder e 176
Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1982, n• 179.
Dinheiro: uma economia política da globalização. Coleção Zero à Esquerda. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 27-53; 55-86. m QUINTELLA, Wilson. Memórias... op. cit. p. 15-24.
A Indústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 353
35Z Estranho,catedrais

silos, rodovias eferrovias deescoamento, portosesistemas de irrigação, mas oconjunto de trabalhos demandados Oimposto sobre combustíveis foi criado em 1945, com a Lei Joppert, e sua arrecadação era
não atendia ao capital fixo acumulado pelos construtores nos anos 70. Oqµe muitos empreiteiros fizeramfoi depositada no Fundo Rodoviário Nacional (FRN) e usada pelo DNER para a construção e manutenção
investir no ramo agropecuário, de modo a absorver os benefícios governamentais concedidos para osetor.178 de rodovias. Parte dos recursos do imposto historicamente foi desviada para os projetos estatais da
Os grandes projetos de engenharia da ditadura passaram aser criticados, até mesmo por ministros e Petrobras, do Plano Aeroviário Nacional (PAN), da Rede Ferroviária Federal (RFF), do Ministério de Minas
agentes do aparelho de Estado.Editorial da revista OEmpreiteiro afirmava: "Opovo está na rua exigindo os seus e Energia (MME) e do Conselho Nacional de Energia Nuclear (Cnen). No período do "milagre", o DNER
direitos. Se tivermos dinheiro, devemos aplicar em transporte de massa, saneamento básico e habitação popular. retomou fôlego nos recursos auferidos com o imposto, impulsionando a construção rodoviária. Já no
Não em elefantes brancos".179 Nessa mesma linha, o último ministro dos Transportes do governo Figueiredo governo Geisel, os recursos direcionados ao DNER caíram paulatinamente, indo dos 37,92%indexados
criticava o que chamava de obras faraônicas de períodos anteriores.18º para a autarquia no início de 1974 até 18,96%, no fim desse governo. No governo Figueiredo, o DNER
No novo arranjo dos ministérios, a pasta do Interiorganhava força ea dos Transportes ficava esvaziada perdeu os recursos vinculados na arrecadação tributária a que tinha direito, sendo esses desviados
pelo direcionamento de seus recursos para outras áreas. Segundo o ministro Eliseu Resende, a prioridade também de outros órgãos e direcionados para o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND). OFundo
continuava sendo as ferrovias, apesar de ele ser defensor das rodovias. Aferrovia do Aço teve suas obras ora in- geria receitas a serem alocadas em qualquer área governamental, conforme decisão tomada pelo ·
terrompidas, ora retomadas, sem continuidade dos serviços ecom conclusão parcial no final do governo Sarney.181 Executivo. No caso, boa parte desses recursos foi direcionada para pagamento da dívida pública, em
Um marco evidente da perda de poderdos empreiteiros rodoviários diante da ascensão de outras frações detrim ento dos investimentos.182 Assim, as receitas não vinculadas do imposto se elevaram no compasso
da classe dominante e da emergência de novas prioridades nas políticas estatais foi odesvio de recursos da área das perdas do DNER:
de transportes, conforme vemos na Tabela 4.1.
Tabela 4.2 - Recursos do Imposto sobre Combustíveis (IULCLG) não vinculados
Tabela 4.1 - Recursos do Imposto sobre Combustíveis (IULCLG) destinados ao DNER Norma estatal Porcentagem não vinculada
Norma estatal Porcentagem reservada ao DNER Decreto-lei nº 1691, de 02/08/1979 0%
Decreto-lei n° 8.463, de 27/12/1945 40 Decreto-lei n° 1.754, de 31/12/1979 26%
Lei nº 302,de 13/07/1948 40 Decreto-lei nº 1.859, de 17/02/1981 55%
..
F&nte: Informe S1mcon . Ediçaode 21 de maio de 1984, n' 13, ano 1.
Lei nº 2.004, de 03/10/1953 30
Lei nº 2.975, de 27/11/1956 30
Lei nº 4.452, de 05/11/1964 34,176 Trajetória semelhante ao do IULCLG se deu com a TRU:
Decreto-lei nº 61, de 21/11/1966 29,2608
Decreto-lei nº 208, de 27/02/1967 43,8912 Tabela 4.3 - Recursos da Taxa Rodoviária Onica (TRU) destinados ao DNER
Decreto- lei nº 343, de 25/04/1967 37,92 Norma estatal Porcentagem reservada ao DNER
Decreto- leinº 555, de 25/04/1969 37,92 Decreto-lei nº 8.463, de 27/12/1945 40%
Decreto-lei nº 1.091, de 12/03/1 970 37,92 Lei nº 6.261, de 14/11/1975 26%
Decreto-lei nº 1.279, de 05/07/1973 37,92 Decreto-lei nº J.754, de 31/12/1979 8,5%
Lei nº 6.093, de 29/08/1974 34,128 Decreto-lei nº 1.859, de 17/02/1981 0%
Decreto-lei nº 1.420, de 09/10/1975 22,752 ..
fonte: Informe S1nKon. Edtçao de 21 de mato de 198~, n' 13, ano 1.

Decreto-lei nº 1.511, de 28/12/1976 18,96


Decreto-lei n° 1.691, de 02/08/1979 15,168
Decreto-lei n° 1.754, de 31/12/1979 11,376 Os recursos eram direcionados para as receitas não vinculadas, que atendiam ao pagamento
Decreto-lei nº 1.859, de 17/02/1981 o dos débitos governamentais e também aos projetos prioritários do governo, como a construção da usina
..
Fonte: lnfo,me SinlWII. &hçao de 2-1 de maio de 1984, n• 13, ano 1. de ltaipu e as obras da Petrobras. Enfim, recursos eram drenados do DNER - que empregava pequenas,
médias e grandes empreiteiras - para atender os débitos públicos e grandes projetos de engenharia,
ou melhor, atendendo aos credores estrangeiros e nacionais, além dos grandes empreiteiros, que to-
178
Revista OEmpreiteiro. Edição de janeiro e de julho de 1979, n" 132 e 138.
179
Revista OEmpreiteiro. Edição de abril de 1980, nº 147.
"º Informe Sinicon. Edição de 20 de agosto de 1984, nº 24, ano 1. "' Informe Sinicon. Edição de 21 de ma io de 1984, nº 13, ano 1.
"' Revista OEmpreiteiro. Edições n" 108, 110, 115, 118, 129, 136, 137,139,140, 141, 145, 156, 179, 190 e 192.
354 Esrranhoscotedrois Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 35 5

cavam as poucas obras que mantinham razoavelmente seu cronograma. Aderrubada da centralização estiveram à margem desse processo e suas frações e grupos participaram de diferentes formas e em
dos recursos no FND foi uma das principais demandas do Sinicon nos períodos Figueiredo e Sarney.183 distintas medidas nos grupos dirigentes em cada momento. De modo geral, no entanto, os empreitei-
Na área de energia, o MME congelou projetos e manteve outros. Enquanto não se iniciavam ros de obras públicas conseguiram desenvolver amplamente suas formas de organização ao longo do
novas usinas, os recursos eram encaminhados praticamente sem cortes para a construção das usinas regime, o que, associado à limitação imposta às forma s de participação popular, potencializou a força
de ltaipu, Tucuruí e Angra, atendendo às grandes empreiteiras envolvidas nesses projetos. Na transição desses empresários junto ao aparelho estatal e às políticas estatais. Com esse poder junto à sociedade
para o período Sarney, regiões do país tiveram racionamento de energia e "apagões", não em virtude política, os empreiteiros obtiveram políticas a.ltamente favoráveis ao longo do regime, fazendo com que
apenas da falta de fontes geradoras de eletricidade, mas em função de os investimentos na ditadura tais empresários chegassem ao final da ditadura ainda maiores e mais poderosos do que antes de 1964.
terem se dado primordialmente na geração de energia, em detrimento da transmissão e distribuição.184
Tratava-se de outra distorção criada pelo poder das empreiteiras, e outros interesses, junto às estatais "Morreu na contramão atrapalhando o tráfego" 188 - Empreiteiros
de energia elétrica, já que as grandes construtoras viam maiores possibilidades de serviços e lucros na e políticas para os trabalhadores
montagem de grandes centrais geradoras de energia do que nas linhas de transmissão.
Na área de energia, a Petrobras tinha um regime especial dentro da Secretaria Especial de Con- Marx ressalta n'OCapital várias formas usadas pelos empresários para ampliar suas margens
trole das Estatais (Sest), novo órgão criado pelo governo Figueiredo que previa ainterrupção da expansão de lucro. No que concerne aos trabalhadores, ele verifica estratégias dos capitalistas para prolongar
das companhias estatais e o controle de seus gastos. Os amplos investimentos da empresa pública de a jornada de trabalho, dentro e fora da legalidade, o que resulta na mais-valia absoluta. Com conse-
petróleo nesse momento ativavam firmas de engenharia de alta capacidade técnica que lhe prestavam quências diretas também sobre os operários, Marx nota que os donos de fáb rica faziam economia no
serviços e que consolidaram um reduzido grupo de construtoras capacitadas para serviços no setor.tas capital constante com oobjetivo de obter maiores ganhos, superlotando recintos estreitos e insalubres,
Consoante o processo de abertura e confronto eleitoral com as forças de oposição, o governo economizando em edificações, acumulando maquinaria perigosa àsaúde do trabalhador e omitindo-se
federal reforçou os gastos em obras de saneamento e habitação reunidos no Ministério do Interior. Para na proteção do mesmo.189
essa função, Figueiredo nomeou Andreazza, que conduziu um extenso programa de obras, principal- No que diz respeito àindústria da construção no Brasil, notamos ouso de mecanismos análogos
mente no Nordeste e em algumas favelas de grandes cidades, como foi o caso do Promorar (Programa pe[os empresários com o fito de elevar o lucro em cada empreendimento. No caso específico da dita-
para Erradicação da Sub-Habitação) na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro, e na de Alagados, em dura, essas práticas foram escoradas em políticas públicas que facilitavam a ampliação da exploração
Salvador. Na construção habitacional, a proposta de construção de 6 milhões de unidades habitacionais, do operário e a maximização do lucro dos empresários, o que ficou evidente na política salarial e na
um milhão por ano, no governo não foi alcançada, mas levou a uma extensa criação de moradias po- parca fiscalização sobre as condições de higiene e segurança nos canteiros. Portanto, outra face do
pulares. Posteriormente, o presidente Luís Inácio da Silva afirmou: "A história a gente não pode negar. beneficiamento dos empreiteiros durante o regime civil-militar se fez evidente nas políticas estatais
Foi no governo (João) Figueiredo o ano em que se construíram mais casas no Brasil".186 Apesar do alto para a classe trabalhadora.
número de casas construídas, a priorização da quantidade em detrimento da qualidade resultou em
unidades habitacionais precárias. Oprojeto de construção industrializada, voltado para o barateamento Condições de trabalho e organização dos operários na construção pesada
da obra, levou muitos empreiteiros para o empreendimento. Já no final do governo Figueiredo, o novo
presidente do BNH foi acusado de defender mais os agentes financeiros do que os construtores.187 Ogolpe de 1964 representou uma dura derrota para os trabalhadores brasileiros em geral.
Oque vimos durante a ditadura foi um regime que, sem perder o seu caráter empresarial- Onovo equilíbrio de classe imposto pelo regime foi fortemente negativo para as classes subalternas,
-militar, teve rearranjos no bloco de poder de período a período e de governo a governo, apesar da com medidas de contenção dos salários, fim da estabilidade nas empresas privadas, instituição de
manutenção de certos elementos básicos inerentes ao pacto político, como a repressão aos movimentos poupanças compulsórias, fim do direito de greve e política de repressão sindical. Paul Singer destaca
dos trabalhadores e suporte ao processo de acumulação capitalista. Condicionadas pelas modificações a inflação como uma forma de poupança forçada que transferia renda do trabalho para o capital e,
na economia capitalista internaciona I e na capacidade interna das contas públicas, essas nuances no com a liberação dos preços antes tabelados, o custo de vida se elevou em 80%apenas em 1964. Dando
arranjo de forças levaram a modificações nas políticas públicas durante o regime. Os empreiteiros não suporte à política salarial, ogoverno destituiu 563 diretorias de sindicatos e interveio em quatro das seis
183
confederações de trabalhadores. Em seu lugar, foram postos interventores, e os sindicatos passaram a
Informe Sinicon. Edição de 14 demaio de 1984, nº 12, ano 1.
11 •Revista Obnpreiteiro. Edição de outubro de 1985, nº 215; MENDES; ATTUCH. Quebra... op. cit. p. 298.
'" Revista Ohnpreiteiro. Edição de novembro de 1977, nº 118, e de outubro de 1983, nº 191. 18
' Verso da canção"Construção", compostapor Chico Buarque em 1971. Ver BUARQUE, Chico. letra eMúsica. Vol. 1. São Paulo: Companhia
186 OGlobo. Edição de 30 de dezembro de 2009. Coluna de Ili mar Franco, p. 2.
das Letras, 1989. p. 95.
187 Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1984, n• 196. 189
MARX, Karl. OCapital. op. cit. Livro 1, capltulos 5, 8 e 10.
356 Estranhas catedtaís Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 357

ter um viés mais assistencialista e menos político, sendo os antigos líderes operários presos, cassados entrevistado pela revista OEmpreiteiro, explicava a tendência pelo "primitivismo dos trabalhadores da
em seus direitos políticos ou assassinados. Tornou-se prática a elaboração de "listas negras", nas quais construção", sendo essa marca da "própria índole do brasileiro [, que] é de não parar muito tempo num
constavam os nomes dos operários mais combativos, que tinham entrada negada nas empresas. Com só lugar". Alegando "espírito aventureiro", o engenheiro sugeria que "entretanto a variação dos salários
os seus mecanismos de pressão cerceados, os trabalhadores viram o poder de compra dos seus salários de uma empresa para outra influi muito no au.mento da rotatividade".196
se reduzir ano a ano até 1974 e lançaram mão de horas extras e do trabalho feminino e infantil, de Outra característica particular do operário da construção era - pelo fato de essa indústria ser a
modo a completar a renda familiar. Apiora das condições de trabalho e vida foi mais grave para os principal porta de entrada para os trabalhadores na cidade e empregar muita mão de obra não quali-
trabalhadores não qualificados, o que levou Marini a falar de superexploração da força de trabalho, e ficada - a sua origem sobretudo rural, sendo muitos deles do Nordeste. Pesquisa da Fundação Getúlio
lanni, de mais-valia extraordinária.190 Vargas (FGV) sobre a força de trabalho na indústria da construção na Guanabara em 1972 apontou que
Esse novo quadro se impôs na indústria de construção de manei ra cabal, dado ser esse um 55%dos trabalhadores vinham do meio rural e apenas 25,3% do estado do Rio. Ronaldo Coutinho fez
dos setores que mais empregava força de trabalho. Osalário mínimo, que servia de marco para outros estudo de campo com esses trabalhadores e destaca que eles não saíam da zona rural para a cidade em
salários,19t era usado na construção como referência prioritária, sendo que a média básica de proventos busca de ascensão social, mas por questões de sobrevivência, dado o baixo nível salarial, dificuldades
variava ali de um a dois salários mínimos,192 apesar de ser muito comum no setor também o regime de e endividamento permanente na região de origem. Otrabalhador que vinha do campo muitas vezes
salário-hora. Pesquisa do Dieese mostra que os salários reais na indústria de construção tiveram queda não tinha onde morar na cidade e era comum que ele dormisse no canteiro. Um médico de construtora
em toda adécada de 1970.193 carioca notou que o canteiro era um pequeno pedaço do Nordeste, e as próprias formas de diversão e
Ogolpe de 1964 redundou em intervenções em sindicatos também na construção. Assim, o lazer na cidade aconteciam em regiões como a Feira de São Cristóvão e os forrós do Largo do Machado
ativo sindicato dos trabalhadores da indústria da construção de Brasília, no qual tinha força o PCB,194 e do Catete, esses próximos aos canteiros de obras do metrô.197 Pesquisa da Fundação Jorge Duprat
sofreu intervenção do governo, que afastou trabalhadores de sua direção. Houve cassações no Rio e para Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalhador (Fundacentro) aponta ainda que em média 40%
o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção da cidade foi nomeado um interventor. Os dos trabalhadores da construção eram analfabetos ou semianalfabetos nos anos 70.198 Sobre o fato de
operários empregados nas empreiteiras tinham asua própria agremiação, oSindicato dos Trabalhadores ser tipicamente o primeiro emprego do trabalhador rural ao chegar à cidade, o presidente do Sindicato
da Indústria da Construção Pesada (Sintrapav), que não contava com a confiança dos operários e não dos Trabalhadores da Indústria de Construção Civil de São Paulo, Décio Lopes, afirmou em 1979:
teve grande combatividade durante oregime. Opadroeirodo sindicato era São Judas Tadeu, cujo dia se
comemorava com festa em 22 de outubro, geralmente na presença de um representante do sindicato Na verdade, os verdadeiros profissionais estão se extinguindo. Normalmente os que trabalham 10 ou
patronal,o Sinicon. Em 1981. o sindicato dos trabalhadores conseguiu na justiça do trabalho multar 35 12 horas numa obra log o muda m para uma fáb rica, a fim de ganhar melhor salário, porque além do
empresas por desrespeitar esse feriado.19s mais esse operário necessita de bom alojamento e alimentação adequada , o que raramente encontra.'"
Arotatividade dos trabalhadores em postos de trabalho, elevada após a instituição do FGTS, era
especialmente significativa na construção. Pesquisa encomendada pelo sindicato dos trabalhadores da Arealização de horas extras na indústria de construção era muito comum e os regimes diários
indústria da construção civil junto ao Dieese em 1978 mostra que 34%dos operários do setor ficavam de trabalho chegavam a 18 horas em obras de grande porte. As condições gerais do canteiro eram alvo
até um ano na empresa e outros 37% entre um e dois anos, sendo que a rotatividade era maior entre os de queixas dos trabalhadores e motivo de revoltas, principalmente no final da ditadura.As reclamações
trabalhadores não qualificados, e só 5%desses ficavam mais de quatro anos na mesma empresa. Isso giravam em torno de atendimento médico, condições de alojamento, cantina, alimentação, higiene e
acontecia por características próprias do setor, como ofato de empregar parcelade mão de obra apenas truculência dos seguranças, que muitas vezes andavam armados pelos canteiros e usavam a força. O
para uma obra, desempregando-a em seguida. De maneira preconceituosa, oengenheiro Aloysio Pinto, repórter Tim Lopes, em 1980, morou e trabalhou como operário alguns dias no canteiro de obras do
metrô do Rio, onde vivenciou o cotidiano e colheu queixas dos trabalhadores, escrevendo depois ma-
1
" SINGER, P. ACrise... op. cit. p. 50-60; GORENDER, Jacob. Combatenas Trevas. São Paulo: Ática, 1987. p. 141-152; IANNI, Octavio. ADitadura térias em jornais.200 Segundo a revista OEmpreiteiro, um caso "escandaloso" foi o de empreiteira que
do Grande Capital. op. cit. p. 64-78; MARINI, Ruy Mauro. Dialética daDependência. Petrópolis: Vozes; Buenos Aires: Clacso, 2000. p. 11-103.
191
OLIVErRA, Francisco de. ACriticada Razão Dualista. ap. cit. p. 107-119.
192
FJP. Diag"óstico Nacional da Indústria da Construção. op. cit. Sumário executivo. p. 1-51. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de outu brode 1978, n' 129.
19
' Revista OEmpreiteira. Edição de outubro de 1978, n' 129. "' COUTINHO, Ronaldo do Livramento. Operário de Construção Civil: urbanização, migração e classe operá ria no Brasil. Rio de Janeiro:
194
SOUSA, Nair Heloísa Bicalho de. Trabalhadores Pobres eCidadania: a experiência da exclusão e da rebeldia na construção civil. Tese Achiarné, 1980. p. 11-16; 51 -91; SOUSA, Nair Heloísa Bicalho de. Operários e Política. op. cit. p. 1-XII.
(Doutorado em Sociologia). São Pau lo: USP, 1994. p. 10-61. '" ROCCA, Miriarn Cantelli. Uma dasFaces doCapitalismo Selvagem no Brasil: a (in)segurança do trabalho na construção civil. Dissertação
191 (Mestrado emServiço Social). São Paulo: PUC-SP, 1991. p. 1-61
KLAUSMEYER, Maria Luiza Cristofaro. OPeão e oAcidentede Trabalho naConstrução Civil no Riodelaneiro: elementos para uma avaliação
do papel da educação nas classes trabalhadoras. Dissertação (Mestrado em Ed ucação). Rio de Janeiro: FGV, 1988. p. 16-53; Informe '" Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1979, n' 134.
Sinicon. Edição de 1/10/1984, n' 27, ano 1. '" Revista OEmpreiteiro. Edição de maio de 1980, n' 148.
'358 fscrcnhaHoledrais Aindústria de construção pesada brailleira em perspectiva histórica 359

prestava serviços para a Telesp e provia péssimas condições de trabalho para os operários, que estavam adotar uma política paternalista". Edizia pagar bem os operários: "Quanto ao nível salarial do pessoal que
em situação de "escravidão branca". 201 No final da ditadura, a imprensa passou a dar espaço para essas trabalha na obra, basta citar que em recente levantamento foi constatado que 99% das casas possuem
questões, o que não ocorreu nos anos mais fechados do regime. 202 televisores e outros eletrodomésticos". Urna forma de aquietar os trabalhadores e garantir ambiente
Aforça de trabalho usada nas obras era recrutada de três formas: ou era do quadro próprio da tranquilo era prover sinal de TV: "Para que a imagem de televisão chegasse lá, a empresa mandou
empresa, com seus engenheiros e técnicos qualificados e experientes; ou contratada especificamente instalar, por sua própria conta uma tôrre retransmissora". Havia comércio de alimentos explorado por
para o empreendimento; ou oriunda de uma empresa arregimentadora de mão de obra, as subem- particulares, com supervisão da empreiteira, "para evitar especulação". Mendes dizia se preocupar com
preiteiras de trabalhadores, chamadas "gatas". 203 Este último era o regime mais precário de trabalho, a segurança, mantendo 47 homens circulando na obra, e que todos os acidentes eram registrados e
já que não pressupunha vinculação direta com a empresa realizadora da obra. Outro trabalhador usado analisados pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), sendo oíndice, segundo ele, baixo. 206
era o de origem prisional. Tal qual outros regimes autoritários do século XX, no Brasil foram usados Apesar da descrição do empresário, as reclamações de operários sobre as condições de vida
trabalhadores que viviam sob cárcere; inclusive com denúncias de uso de presos políticos em obras e trabalho em canteiros de hidrelétricas eram muitas, e as reações viriam de forma dura no final da
públicas na ditadura. Referindo-se à construção de rodovia na floresta amazônica, Wilson Quintella ditadura. Mais que os salários e as condições de trabalho, otema mais em voga no que toca às relações
afirma que foram enviados 50 presos de Cuiabá para ajudar nas obras e que a (amargo Corrêa teve trabalhistas na construção eram os acidentes e a saúde do trabalhador.
problemas na região com seringueiros, que viam seus empregadosfugirem de um sistema de escravidão
por dívida para trabalharem para a empreiteira. 204 Odiretor da construtora paulista relata outro caso Acidentes de trabalho e culpabilização dos operários
de trabalhadores vindos da prisão:
Resta sa ber que no Quarto Centenário ocarioca, esse otário, vai ter água pra chuchu. Pois tem morrido
Recrutava-se todo o pessoal disponível, até mesmo os forag idosda prisão-um dia descobriram que um um bocado de operário pra aliviar nosso calvário com a adutora do Guandu.'07
dos nossos melhores armadores de ferro havia escapado da cadeia de S. Bernardo do Campo. Conta-se
ainda que o delegado de uma cidade próxima à obra, Porto Epitácio, um dia abriu a porta da cadeia'e Acitação de Vinícius, datada de janeiro de 1965, pode indicar como uma característica histórica
das condições de trabalho no Brasil foi potencializada pela ditadura, a do alto índice de acidentes de
mandou todos os seus presos trabalharem na barragem, assimcomo ocorreu na delegacia de Cuiabá,
quando iniciamos a BR-29. 205
t, trabalho. Com o objetivo de produzir mercadorias baratas e elevar as taxas de lucro, os empresários eco-

Esse testemunho mostra corno o uso mão de obra prisional parece ter sido comum em obras
__t nomizavam em mecanismos de segurança para os trabalhadores, acarretando altos índices de acidentes,
muitos letais, além de doenças relacionadas ao trabalho. Com os novos mecanismos institucionais, corno
com demanda de muitos trabalhadores, principalmente em regiões remotas. a retenção da justiça trabalhista e a reformulação do sistema de previdência, os números de acidentados
Um regime especial de trabalho se dava nas obras de barragens e hidrelétricas, onde eram no trabalho se multiplicaram, acompanhando o crescimento econômico e otacanho ou nulo controle
criados alojamentos para milhares de trabalhadores, com um sistema de logística complexo e, muitas sobre as empresas que não resp~itavam a legislação e desconsideravam a saúde de seus funcionários.
vezes, falho. Nesses ambientes, quando ocorriam protestos operários, os resultados eràm em geral mais AOMS fez relatórios sobre oassunto e denunciou as condições de trabalho no país, mostrando
violentos, dadas as condições de confinamento e distância do canteiro em relação a povoados e à região sua liderança estatística mundial no quesito. Oorganismo internacional indicava que, dos 77 milhões de
de origem do trabalhador. Na reportagem da revista OEmpreiteiro sobre a obra da UHE de Jaguara, tocada trabalhadores brasileiros, 1,47 milhão se acidentaram em 1972, segundo os registros oficiais. 208 0 próprio
pela MendesJúniorem Minas, foram apresentadas as condições gerais do canteiro. Aconstrutora ficava presidente da República ressaltou em cerimônia de posse do novo presidente da Cbicern 1980 que opaís
responsável pelo alojamento e o cuidado com os trabalhadores, no que o órgão contratante (a Cemig) era recordista em estatísticas de acidentes de trabalho, registrando 1,5 milhão de casos anualmente, e
não interferia. Os dirigentes da empreiteira se gabavam de manter junto à obra uma vila residencial que a indústria de construção tinha um papel central nessa estatística.209 Vários desses acidentes eram
para 4 mil pessoas, escolas para 430 crianças, hospital com 25 leitos, centro cirúrgico, gabinete dentário, mortais e, segundo a Folha de S. Paulo, 2.559 morreram em acidentes de trabalho em 1971, 4.001 em
clube para atividades esportivas e sistema no qual otrabalhador não pagava aluguel, água ou energia. 1975, chegando a 4.824 em 1980, índice similar aos da primeira metade dessa década. 110 Já a OIT trazia
Murillo Mendes afirmou que oambiente contava com "todos os requisitos mínimos de conforto [... ,] sem
20
•Revista OEmpreiteiro. Edição de fevereiro de 1970, n' 25.
107
'" Revista OEmpreiteiro. Edição de fevereiro de 1975, n' 85. MORAES, Vinícius de. Crônica 'Toadinha de Ano Novo'. ln:____ _.Para uma Menina com uma Flor: crônicas. Rio de Janeiro: Editora
'" SOUSA, Nair Heloísa Bicalho de. Operários e Política. op. cit. p. 1-6. do autor, 1966. p. 119.
"' CHAVES, Marilena . Indústria da Construção no Brasil. op. cit. p. 29-77. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1974, n• 82.
'" QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. ap. cit. p. 199-224. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1980, n' 152.
ros QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 219. "' Apud KLAUSMEYER, Maria luiza Cristofaro. OPeão... op. cit. p. 55-140.
360 Esrranhascatedrais Aindústriadeconstruçãopesada brasileira em perspectiva histórica 361

dados bem diferentes, contabilizando 8.892 óbitos por trabalho no Brasil em 1980, contra 4.400 nos realizada junto a encostas da serra do Mar, operários fugiram tem endo "novos deslizamentos de terra
Estados Unidos, que tinha o dobro da população economicamente ativa brasileira.211 no canteiro, que ocorreram por falta de contenção". 217
Aparcela significativa representada pela construção nesses índices era ressaltada pela revista Eram comuns tambémos acidentes em empreendimentos imobiliários urbanos, apesar de não
OEmpreiteiro, em editorial em 1974: "Neste contexto, o setor de Construção está consciente que lidera gerarem tantas vítimas por vez quanto na construção pesada. No final da ditadura, a imprensa passou
as estatísticas de acidentes, disparando na frente de outros setores industriais". Nesse ano, foram 400 a noticiar de maneira mais frequente os casos e, no início dos anos 80, saíram matérias em jornais
mil acidentes na construção segundo a revista e 1.796.761, segundo a Fundacentro. 212 Aimportância dó cariocas sobre morte de operário em obra em Niterói, outra no Guarujá e uma por rompimento do cinto
setor nos acidentes de trabalho não era nova, e no Estado Novo, a construção era a terceira responsável de segurança no 33° andar da torre do Rio ~ui, no Rio (obra da Odebrecht), dentre outras. Quando a
por trabalhadores acidentados no Rio.213 vítima era o operário, as repercussões do acidente eram limitadas, o que não ocorria quando o lesado
Várias eram as doenças verificadas entre os operários da construção. Em função do trabalho estava além dos muros do canteiro, principalmente em certas regiões da cidade. Em 1981, uma pedra
pesado eda alimentação insuficiente provida pela empresa, a desnutrição era um mal comum entre os foi lançada de dentro de um canteiro no Leblon e matou um homemque passava pela rua. Ocaso teve
trabalhadores do setor. Com a exposição àluz do sol, havia câncer de pele e hiperpiresia. Otrabalho com grande divulgação na imprensa, e um operário do empreendimento, de responsabilidade da Gomes
máquinas que emitiam altos ruídos, muitas vezes sem oequipamento adequado, levava a distúrbios no de Almeida Fernandes (Gafisa), foi a público admitir sua "culpa", afirmando que tinha ingerido bebida
ouvido interno e perturbações psíquicas, insônia e outras doenças. Otrabalho com materiais radioativos, alcoólica e por isso agira incorretamente, levando ao lançamento do objeto. Com a culpabilização do
como o pó de amianto, era outro perigo para o trabalhador e provocava patologias próprias, havendo peão da obra, .ele recebeu a punição e o caso foi encerrado. 218
também a"alergia de pedreiro", reação àpoeira comum entre operários da construção. Otrabalho com ar Esse último exemplo é representativo de uma característica geral no setor, a culpabilização do
comprimido ocasionava a intoxicação com nitrogênio e problemas ósseos, 214 sendo esse distúrbio comum operário pelos acidentes. Em cada incidente no canteiro, oempregador era obrigado a preencher uma
na construção pesada, nos serviços de fundações. Os tubulões usados em obras de pontes requeriam Com unicação de Acidente de Trabalho (CAT) e nele colocava os motivos para o ocorrido. Maria Klaus-
otrabalho com ar comprimido, levando à necrose do osso e desintegrando as juntas ósseas no ombro meyer notou que a maioria dos acidentes tinha como causa registrada "atos inseguros" realizados pelos
e nos quadris. Esse tipo de lesão só começou a ser controlado no Brasil em 1971, sendo numerosa em funcionários. Em seu estudo quantitativo, as motivações principais assinaladas para os acidentes eram
obras como a ponte Rio-Niterói, nas quais foram registrados 45 mil casos de doença de descompressão ações impróprias, inadequadas ou inseguras por parte dos operários, além de imprudência, negligência,
e outros de necrose asséptica, e no metrô de São Paulo, que contabilizou 59.284 casos entre ostra- distração ou desatenção. Ela verificou que a culpabilização recaía sobre oindivíduo e sua personalidade. 219
balhadores. Na construção pesada, a principal causa de acidentes eram as quedas, havendo também Essa marca era visível nas obras públicas e, segundo a revista OEmpreiteiro, os acidentes no
casos com quedas de ganchos, objetos e torres, choques elétricos, desmoronamento de barrancos e de setor ocorriam por "atos inseguros - e·aqui entra a questão da automatização". 22 º Arevista, bancada
valas, além de acidentes envolvendo maquinário, desabamentos, explosivos, estruturas provisórias e por fabricantes de equipamentos, dava como solução para as altas taxas de acidentes o uso de mais
materiais radioativos. 215 máquinas. Em outra edição, matéria da revista repetiu a mesma alegação: "No Brasil, práticamente
Alguns acidentes ná construção pesada durante a ditadura vieram a público, como situações [sic] noventa e oito por cento em cada cem acidentes são provocados por atos inseguros, por condições
. com vários mortos na construção da ponte Rio-Niterói, ltaipu e outros grandes empreendimentos. Um inseguras ou pelos dois fatores em conjunto"Y1
casoocorreu no metrô do Rio em 1978, com "o colapso da lança de guindaste no centro, na Cinelândia; Oque se nota na ditadura é que, além de culpabilizar o operário pelo acidente do qual ele foi
oincêndio nos alojamentos dos operários e orompimento da laje no Centro de Manutenção, que matou vítima, a displicência com os equipamentos de segurança no canteiro era um bom negócio para os em-
doisoperários eferiu muitos outros". Nesse mesmo trecho da obra, tocado pela Cetenco, havia denúncias preiteiros. Diante da situação política, sindical eda limitação dos organismosfiscalizadores, era lucrativo
de má qualidade das refeições dos operários e "maus tratos infligidos por guardas de segurança que para as empresas manter obras sem aparatos de segurança adequados para o operário. ALei Orgânica
policiam os canteiros de obras e tratam os operários como delinquentes".216 Na rodovia dos Imigrantes, de Previdência Social (Lops), de 1966, que criou o INPS, implantou um seguro para os·trabalhadores
que sofriam acidentes, sendo que o custo de manutenção do operário, após 15 dias de afastamento,
211
não onerava o patrão. 222 Quem acabava pagando pelo afastamento dos operários de licença eram os
ROCCA, Miriam Cantelli. Uma das Faces do Capitalismo Selvagem no Brasil. op. cit. p. 1·63.
212 Revista OEmpreiteiro. Edições n°' 82 e 101. ROCCA, Mi riam Ca ntelli. Uma dasFaces... op. cit. p. 1-63. De acordo com essa mesma fonte,
entre 1971 e 1976, os acidentes anuais no setor variavam de 1,3 a 1,9milhões de casos. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de fevereiro de 1975, n' 85.
211
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer; OLIVEIRA, Antonio de. "O Estado Novo e o sindicalismo corporativista, 1937-1945". ln: LOBO, Eulália "' ApudKLAUSMEYER, Maria Luiza Cristofaro. OPeão... op. cit. p. 55-140.
Maria Lahmeyer (org.). Rio de Janeiro Operário. op. cit. p. 102-196. · "' KLAUSMEYER, Maria luiza Cristofaro. OPeão... op. cit. p. 55-140.
2" KLAUSMEYER, Maria Luiza Cristofaro. OPeão... op. cit. p. 55-140; Revista OEmpreiteiro. Edição nº 122. 220 Revista OEmpreiteiro. Ed ição de novembro de 1974, nº 82.

211 Revist a OEmpreiteiro. Edições n" 82, 86, 89, 90, 92, 93 e 94. 221 Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1981, n• 164.
216 Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1978, n' 122. 222 ANDRADE, Eli Gurgel. O(Des)equilíbrio da Previdência Social Brasileira. op. cit. p. 45-83.
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362 8tranhascaredrais Aindústria deconstrução pesada brasileiraemperspectiva histórica 363

próprios trabalhadores, com suas poupanças compulsórias descontadas na folha de pagamento. Com Decreto-lei nº 6.469 estabelecia a responsabilidade técnica da empresa de engenharia, que ficava sujeita a ser
isso e a precária fiscalização ao cumprimento das normas, era lucrativo para o empresário não prover chamada aos tribunais para assumir responsabilidades legais e indenizar as vítimas dos acidentes. 231 Apesar do
segurança adequada ao trabalhador. Sobre isso, a revista OEmpreiteiro afirmou: _"Éfato notório que caráter aparentemente duro da deliberação, não houve substantiva modificação nas condições de segurança
há empresas construtoras que preferem pagar multas por falta de materiais de segura·nça na obra, ou grave punição das empresas.
do que instalá-los no canteiro".223 Oque o periódico não informava é que as multas eram raras, e seus Apartir das mobilizaçõesdos operários, a velocidade do processo de implantação de aparatos de segu-
valores, módicos. Em outra edição, matéria sobre o alto número de acidentes afirmava que, dentre as ranca no canteiro se modificou. Com as agitações no ABC paulista, em 1978, editorial da revista OEmpreiteiro
obras tocadas por empreiteiras, "[...] a segurança em geral é limitada e entravada por ser considerada sen;enciou:"Talvez num prazo menor do que m~itosimaginam, os empresários terão que sacrificar uma parte
anti-econômica". 224 Segundo empresário entrevistado por Mirian Rocca, havia normas do Ministério do dos seus lucros na melhoria das condições de trabalho dos seusoperários".232 Arevista passou aevocara melhora
Trabalho para garantir a segurança do operário, mas "seguirtodas as regras complica muito". 225 Nesse das condições de vida, segurança e trabalho dos operários no canteiro, alertando para os seus benefícios em
mesmo sentido, empresários explicavam a não adoção de equipamentos de segurança pela redução produtividade. Amovimentação dos operários eofato de otema da segurança no trabalho constar nas pautas
na rentabilidade: "existe um custo para que efetivamente se implante a segurança, para que funcione. de reivindicações das mobilizaçõesegreves na passagem das duas décadas levaram a mais medidas do governo
Do ponto de vista da produtividade, não parece alterar. Portanto, absorver esse custo não é válido". 226 federal. Em 1978, portaria do Ministério do Trabalho determinou acriaçãode comissõesinternas para prevenção
Eotrabalhador era culpabilizado pelo não uso dos equipamentos: "O peão dá mais valor quando paga de acidentes em todos os locais com mais de 50 empregados, eo Decreto nº 68.255, de fevereiro de 1981, criou
a bota ou ocapacete. Caso contrário, ele não cuida do material, perde, vende, quebra, etc.". 227 Entre- em caráteremergencial a Campanha Nacional de Prevençãode Acidentes de Trabalho. 233
vistando operários, Maria Klausmeyer verificou que estucadores trabalhavam sem cinto, que a maioria As mobilizações dos trabalhadores eas medidas estatais tiveram respostas diferenciadas nas empresas.
das obras não tinha Cipa, que acidentes não levavam a afastamento ou não eram notificados é que não Enquanto a maioria tentava manter as mesmas relações com os trabalhadores dos anos mais duros do regime,
havia cursos de segurança. 228 outras encamparam otema da segurança do trabalhador e a minimização dos acidentes. Apaulista Adolpho
Com o alto índice de acidentes na construção, o governo, ao invés de apertar a fiscalização e Lindenberg lançou a revista Cal-OPA, com normas de higiene esegurança para os canteiros.234 Em 1979, constru-
multar empresas fora das normas, determinou, em 1976, que oINPS destinasse 2%da receita do seguro toras cariocas, como aCarvalho Hosken, Veplan,João Fortes e a Servenco, promoveram aSemana de Prevenção
por acidentes de trabalho para financiar sem juros a compra de equipamentos de segurança pelas de Acidentes, com cursos para os operários e instrução sobre equipamentos de segurança. Ea também carioca
empresas.129 Oaparelho d_e Estado entrava com crédito subsidiado para proporcionar equipamentos Wrobel orientou os operários sobre segurança e parece ter sido pioneira no cumprimento estrito das normas
que deveriam constar como obrigatórios nos canteiros. No final das contas, as políticas do Estado legais e de países mais avançados, propondo ainda a"democracia interna na construtora".235
ditatorial brasileiro, além de potencializarem os lucros pela política salarial e demais medidas voltadas Apesar dessas iniciativaslocalizadas, tomadas em função da pressão operária e para dar aparên-
para aclasse trabalhadora, impulsionaram também os acidentes de trabalho, ao transformá-los em um cia de "modernidade" junto ao governo e à população, as condições de trabalho esegurança dos operários
bom negócio do ponto de vista empresarial, sendo que as próprias tentativas de atenuar os índices de da construção se mantiveram em um nível precário durante a transição política dos anos 80, quando
acidentes ocorriam em detrimento dos recursos públicos. as ações operárias foram cada _vez maiores, chegando às grandes revoltas dos últimos anos do regime.
Diante do caráter público eflagrante dos acidentesdetrabalho esua elevação durante oregime, houve
movimento para dar resposta àtendência, ealgumas medidas foram tomadas para atenuaras estatísticas. Apesar Greves, revoltas e quebra-quebras nos canteiros de obras
dessa movimentação no aparelho de Estado, nenhuma decisão incorreu em radical alteração das posturas dos
empresários para proporcionar um adequado sistema de segurança ao trabalhador ou em onerar substancial- Já nos primeiros momentos da distensão, as mobilizações de trabalhadores começaram a
mente os empregadores pelos acidentes ocorridos com os operários. Uma primeira decisão foi aconvocação, em ocorrer. Após longo período em seguida às greves de 1968, as paralisações experimentaram tendência
1976, pelo Ministério do Trabalho, do ICongresso Nacional de Prevenção de Acidentes na Construção (Conpac). 230 ascendente no governo Geisel, agravadas pela inflação e atenuação da expansão econômica. 236 Na cons-
Após essa iniciativa, medidas foram tomadas para tentar reduzir os acidentes no setor. Em dezembro de 1977, o trução, os dissídios viraram recorrentes, e o Sinicon passou a ter como uma de suas principais funções a

"' Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1976, n' 104. m Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1978, n' 122.
'" Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1974, n• 82. m Revista OEmpreiteiro. Edição de ju nho de 1978, n' 125.
225
Empresárioentrevistado por ROCCA, Mi riamCantelli. Uma das Faces do Capitalismo... op. cit. p. 66-67. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1981, n' 164.
226
Empresário entrevistado por ROCCA, MI riam Cante Ili. Umadas Faces do Capitalismo ... op. cit. p. 67. "' Revista OEmpreiteiro. Ediçãode agosto de 1978, n' 127.
"' Empresário entrevistado por ROCCA, Miriam Cantelli. Umadas Faces do Capitalismo... ap. cit. p. 68. m KLAUSMEYER, Ma ria Luiza Cristofaro. OPeão... op. cit. p. 55-140; OEmpreiteira. Edição n' 207. Ocaso foi analisado por Nilton Vargas
'" KLAUSMEYER, Ma ria Lui za Cristofaro. OPeão... op. cit. p. SS-140. em "Aprática da fraqueza e da 'discordância': a participação dos trabalhadores na gestão de uma construtora". Rio deJaneiro: Finep/
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de junho de 1976, n' 101 . Coppe/Wrobel, 1984.
"º Revista OEmpreiteiro. Edição de junho de 1976, n• 101. "' Sobre os empresários e as greves 1977-1978, ver CRUZ, Sebastião Velasco e. OPresente... op. cit. p. 313-354.
364 Esrranhascaredrois Aindústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 365

intermediação de conflitos entre empresas e empregados.237 Em 1979, veio à tona a questão, e, com da deles ao hospital. Depois de quebrarem toda cantina, os operários lançaram na rua panelas, restos de
redução dos ganhos no setor, os empresários tentavam manter sua taxa de lucro àcusta dos empregados: comida, mantimentos, botijões e até um fogão a gás.'"

Com a aproximação de um dissíd io coletivo, as negociações entre empregados e patrões são encaminha- Operiódico silenciava na identificação da empresa, mas o caso parece se referir a uma obra
das através de um processo normalmente cansativo e prolongado. Na construção civil, nos últimos anos, imobiliária urbana no Rio. Apesar de levantes com oesse nos canteiros em cidades, motins de trabalha-
entretanto, as negociações sempre chegaram a um bom termo, mantendo sobretudo um entendimento · dores de grandes obras públicas eram ainda mais violentos.
sem maiores problemas. Este ano, porém, os empresários estão seriamente preocupados com a situação Um caso ocorreu em Belo Horizonte 'em 1978, quando operários da construção civil da capital
do mercado, estagnado desde o ano passado. 238 mineira se uniram para reivindicar 100% de aumento dos salários, paralisando os trabalhos. Diante
da intransigência dos empregadores em aceitar a reivindicação e com a repressão policial às mani-
Amensagem do editor da revista OEmpreiteiro mostra uma marca que se repetiria desse ano festações, houve intenso quebra-quebra na cidade, com automóveis virados e incendiados, lojas com
em diante,a de difíceis negociações entre empresários eoperários em torno do reajuste salarial e outras vitrines destruídas e o tratorista Orocílio Martins Gonçalves, de 24 anos, morto pela polícia em meio
exigências trabalhistas. aos protestos. Segundo a revista OEmpreiteiro, oocorrido constituía cenas "que estamos acostumados
Dado ocaráter do regime e as decisões judiciais pró-empresários, aforma como os trabalhado- a ver em Belfast e Beirute", 24 s e diante da ameaça de intervenção federal no estado e ação das forças
res reivindicavam seus direitos não se dava apenas com negociações classistas, mas muitas vezes com armadas, o governador Francelino Pereira cedeu estádio de futebol para as assembleias dos grevistas
revoitas, rebeliões e quebra-quebras, os quais Nair Sousa chamou de "cidadania do protesto". 139 Desde e distribuiu alimentos entre eles. Em outra mobilização na capital mineira, o sindicato, próximo aos
fins dos anos 70, ocorreram sublevações de operários nos canteiros do metrô do Rio 14º e motins similares empregadores, foi destituído: "Ao mesmo tempo, uma verdadeira central sindical virtualmente desti-
de usuários de serviços públicos, como os trens suburbanos, em protesto contra tarifas elevadas. 241 tuiu Pizarro, deixando o comando da greve para sindicalistas mais experientes. Até Lula participou". 246
No caso dos quebra-quebras de trabalhadores, eles giravam em torno de exigências e em função de Apesar da revolta de Belo Horizonte, o maior levante em canteiros na ditadura se deu na obra
acidentes e mortes de operários. Houve caso ocorrido no Rio em que o delegado do trabalho visitou a da hidrelétrica de Tucuruí. De acordo com a memória de Wilson Quintella, diretor da empresa respon-
obra paralisada, que exibia ocartaz "Revoltados", posto pelos operários, e verificou péssimas condições sável pela obra, a (amargo Corrêa, o tratamento dado aos operários era exemplar: "Na organização
do alojamento, horas extras não recebidas e um operário morto.242 d~s acampamentos de trabalho, proporcionávamos vida de Primeiro Mundo ao nosso pessoal". 247 Esse
Algumas características comuns acompanham os levantes de trabalhadores na indústria da cuidado, segundo seu relato, começava com pagamentos rigorosamente em dia:
construção.Além dos acidentes, outra motivação imediata era adas rnndições de alimentação. Ocorriam
mobilizações e expressões de violência dos operários em função de cardápios limitados ou de condições Tinham preferência as grandes obras, com mílhare~ de funcion ários no canteiro, alguns recém -
de higiene inadequadas no trato dos alimentos, sendo a cantina um local explosivo, chamada por Nair -contratados. Todos precisavam receber o salário na data marcada. Caso contrário, o encarregado da
Sousa de "calcanhar de Aquiles" do canteiro. 243 OJornal do Brasil de 8 de novembro de 1978 relata um obra não teria como controlar o pessoal. Essa foi uma das razões pelas quais nunca en frentamos tumultos
caso ilustrativo: em nossos canteiros [grifo nosso].'"

Operários depredaram às 18:30 hrs. a cantina do canteiro de obras da empresa X. Alegaram que a comida Apesar da imagem idílica apresentada pelo dirigente da construtora, a informação de não ter
servida estava podre e azeda, provocando diariamente dores de barriga, desinteria, levando alguns havido problemas nos canteiros da empresa não corresponde à realidade vivida na ditadura.
Aedição de maio de 1980 da revista OEmpreiteiro trazia na capa uma imagem aérea do canteiro des-
truído de Tucuruí com otítulo "Arevolta chega aos canteiros". Areportagem trazia críticas aos empreiteiros, em
particular à(amargo Corrêa, ejá no editorial, Joseph Young defendia que "é necessária uma nova mentalidade
237 Informe Sinicon. Ediçôesn" 14, 15, 16 e 17, ano li.
empresarial que olhe para os interesses sociais com ma is carinho". Otítulo da reportagem trazia nova acusação
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1979, nº 134.
139 SOUSA, NairHeloísa Bicalho de. TrabalhadoresPobres eCidadania. op. cit. p. 204-244. Na tese, a autora traz quadro de quebras ocorridos

na construção civil entre 1977e 1984.


"º Analisado por VALLADARES, Lícia do Prado. Ocaso dos operários do Metrôdo Rio deJaneiro. ln: Cidade, Povo ePoder. Rio de Janeiro: " ' Apud KLAUSMEYER, Ma ria Luiza Cristofaro. OPeão... op. cit. p. 55-140.
Paz eTerra,1982. 245 Revista OEmpreiteiro. E
dição de maio de 1981, n•161.
241
Informe Sinicon. Edição nº 5, ano I; MENDONÇA, S. R. de; FONTES, V.História... op. cit. p. 70-73. "' Revista OEmpreiteiro. Ediçãode maiode 1980, n• 148.
242 KLAUSMEYER, Maria Luiza Cristofa ro. OPeão•.. op. cit. p. 55-140.
"' QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande... op. cit. p. lS-24.
20 Oque ela verificoutambém nas obras de Brasília em SOUSA, N . H. B. de. Operários.•. op. cit. p. 17-64. ''' QUINTELLA, Wilson. Memórias do Bras/1 Grande... op. cit. p. 199-224.
366 fstranhascatedrois Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 367

contra as condições de vida etrabalho impostas pela empreiteira:"Motim no canteiro- os operários se revoltam; ACamargo Corrêa montou alojamentossofisticados, mas na primeiravez. quefaltou carne na refeição(porsimples
Mas com tantas pressões assim, quem é que não se revolta?"249 problema de transporte, diz aempresa), os peões se revoltarame proporcionaram alguns prejuízos materiais,
Asublevação ocorria na segunda maior obra do país, a hidrelétrica de Tu cu ruí, a cargo exclusivo de resto insignificantesquantoaoatraso imposto às obras. 213
da (amargo Corrêa. Aobra reunia 25 mil operários e tinha como agravante o isolamento do·canteiro na
floresta amazônica, nas bordas do rio Tocantins. Aempreiteira instalou no ambiente "alguns requintes Amatéria insinua, em certo apoio à empresa, que essa teria sido a primeira falta de carne. Como
inéditos", como uma repetidora de TV - praxe nas obras de barragem e uma forma de ocupar ostra- contraponto, a revista foi entrevistar Luís Coelho, da Serveng-Civilsan, que indicou como a empresa fazia para
balhadores em seus horários de descanso-que tra nsmitia os programas da Rede Globo desde 1978. evitar eventos similares. Disse que asua firma tinha boas relações com os trabalhadores, devido à alimentação
e aos salários, sendo que "a data de pagamento dos salários é coisa sagrada". Conta ele que a alimentação
· Este e outros requintes nãoparecemtersolucionado oproblema comum aos canteiros: a violenta tensão contava sempre com arroz, feijão e carne, sendo que a última era indispensávele devia ser farta. Afirmava não
social. Em Tucu ruí, ela explodiu na madrugada de sábado de Aleluia. Os peões revoltados quebraram usarsegurança ostensiva, como fazia a CC, pela má impressão para o operário, que se "sente marginalizado" e
dois refeitórios, saq uearam osuperm ercadoque serve à vila dos operá rios e atearam fo go ao centro de porque o"canteiro fica parecendo campo de concentração".254
vigilância. Ra pida mente, as forças da polícia militar parae nse intervieram com violência, que resultou Historicamente, a (amargo Corrêa era conhecida por sua truculência e tratamento de segunda ordem
emcinco peões ferid os, dois comgrav idade e umbaleado no estôma go- José Carl os Ferrei ra, de 20 anos, aos operários. Oempresário que doou dinheiro para o aparato de repressão e tortura da Oban era o mesmo
qu e foi removido para o HospitalSanta lzab el, emSãoPaulo, depois deatendidono hospital docanteiro. que acumulava as maiores insatisfações e sublevações nos canteiros de obras. Mais de 20 anos após ofim da
Arevolta começou com uma brincadeira dos peões: a malhação de um judas que representava um dos ditadura, a mesma empreiteira protagonizou outra revolta de operários nos canteiros da obra da usina de Jirau,
vigilantes da (amargo Corrêa. Vigilantes fortemente armados confiscara m o judas e prenderam os no rio Madeira, também em condições adversas de isolamento e violência arbitrária dos fiscais da empresa. 255
peões que comandavam a brincadeira. 150 Independentemente do comportamento de uma ou outra empresa, uma face da violência etruculência
do regime aparecia sob aforma do controle exercido nos canteiros em seus projetosde engenharia. Otratamento
Como informado na reportagem, a revolta teve inícionaSemana Santa, quando operários fizeram um inadequado, as péssimas condições do alojamento, de alimentação, a falta de segurança, que ocasionava as
boneco vestido com a roupa da empreiteira e omalharam como um judas. Agozação teve repressãodo sistema elevadas taxas de acidentes, além das ilegalidades cometidas, como subcontabilização das horas extras e não
de vigilância eassim foi deflagrada a revolta. respeito às leis de trabalho, eram medidas praticadas pelas empresas que tinham respaldo do aparelho de Estado
Operários informaram à revista lstoé que o levante se deveu à violência como foram feitas as prisões, edas políticas públicas.Se ogoverno beneficiava os empresários com subvenções, reserva de mercado, incentivos
com chutes ea ameaça de armas. Oápice do levante se deu quando os presos eram nove, e mesmo após sua financeiros, isenções edemanda de obra, outra face do favorecimento das construtoras brasileiras era através da
libertação omotim continuou, com demanda de aumento de 100%dos salários e melhorias emalojamentos, política para os trabalhadores, que incluía arrocho salarial, desrespeito às leis trabalhistas, coerção sobre assuas
transportes ealimentação. Operários reclamavam que a última refeição consistia em arroz, feijão e ovo, e a formas de organização, enfraquecimento dos mecanismos fiscalizadores de segurança, dentre outras medidas e
empresa afinmava que houve ali um problema isolado de logística. Com o au mento da tensão no canteiro, a orientações das políticas estatais. As medidas praticadas no regime, que incorriam em uma piora das condições
polícia do Pará foi ao local e reprimiu os operários; segundo a revista OEmpreiteiro, "foi necessário o uso de devida dos operários da construção, serviam para potencializar os lucros dasempresas do setor.Assim, ocaráter
bombasde gás ealguns tiros para oalto". 251 classista eempresarial do regime se expressava tanto pelas políticas voltadaspara ocapital, como pelas políticas
Arevista OEmpreiteiro fez uma reportagemespecial sobre otema, entrevistando outros empresários endereçadas aos trabalhadores.
e osociólogo César Falcão. Dentre divagações sobre ocaráterisolado e confinado do canteiro, Falcão ressaltou:
"Arevolta de Tucuruí, por exemplo, não à toa começou no alojamento 1-3, que tem os operários sem qualificação "Estranhas catedrais" 256 - Os grandes projetos de engenharia da ditadura
e que estão em período de experiência, o que é o maior foco dos motins".252 Outros levantes na construção civil
mostram que aestratificação de ganhos e condições dos operários são fatoresde reclamação e protestos, fazendo Outra expressão das políticas da ditadura para as empreiteiras esteve presente nas grandes obras
com que os operários com menor salário e qualificação sejam os mais enérgicos nessas situações. Arevista O que viraram emblemas do regime. Projetos como a Transamazônica, ltaipu, a ponte Rio-Niterói, as usinas de
Empreiteiro demarcava os prejuízos para aempresa: Angra e outras "estranhas catedrais" eram apresentados como sinal de desenvolvimento e modernidade do
3
" Revista OEmpreiteiro. Edição de maio de 1980, n' 148.
"' Revista OEmpreiteiro. Ediçãodemaiode 1980, n' 148. "' Revista OEmpreiteiro. Edição demaiode 1980, n' 148.
25 º Revista OEmpreiteiro. Edição demaio de 1980, n' 148. "' OGlobo. Edição de17 de março de 2011, p. 27. 'Quebra-quebra na usina deJirau'.
251 R evista OEmpreiteiro. Ed içãodemaiode 1980, n' 148. "' Expressão cunh ada na letra "Vaipassar", compostapor Chico Buarque e Francis Himeem1984. Ver BUARQUE, Chico. letras eCanções.
"' Revista OEmpreiteiro. Ediçãodemaiode 1980, n' 148. Vol. 1. op. cit. p. 221.
368 EstranhaHatedrais Aindústria de constru ção pesada brasileira em perspectiva histórica 369

país e, apesar das polêmicas, viraram peças de propaganda do governo. Os feitos do regime eram relacionados Se o resultado em termos de serviço à população foi um sistema insuficiente, as empreiteiras
à sua capacidade de realização de obras e à envergadura dos projetos tocados, sendo exemplo disso as notas de tiveram ganhos elevados com as obras. Em 1969, as linhas prioritárias foram orçadas em US$ 624
dinheiro impressas pela Casa da Moeda que representavam os feitos da "Revolução", trazendo em seu verso a milhões em São Paulo e US$923 mi no Rio, sendo 2/3 desses gastos relativos a serviços de engenharia,
figura do já falecido Castello Branco e, em seu reverso, as imagens de uma hidrelétrica e satélites espaciais. 257 e o resto, a materiais elétricos e ferroviários. 260 Ofato de as obras serem divididas em lotes permitiu
Nesse caso, as atividades dos empreiteiros se relacionavam às realizações do regime e eram comuns as peças que diversas construtoras obtivessem contratos, apesar de os principais trechos terem ficado com as
de propaganda dirigidas pela Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência exaltando essas obras. 258 · maiores empresas. As obras das linhas paulistas foram avançando em "nível de nacionalização", indo
No ocaso do regime, as leituras feitas dos projetos dos anos 70 incorporaram críticas que vieram em e
de 70% na primeira para 85% na segunda 95% na terceira,2 61 o que indica a técnica absorvida pelas
diferentes frentes. Do exterior as acusações incidiam sobre os efeitos ambientais da industrialização acelerada empresas brasileiras.
e de empreendimentos que poluíam a natureza. Movimentos sociais atacavam as prioridades desses grandes Cem anos depois do metrô de Londres (1863) e Nova Iorque (1867) e após os de Buenos Aires
projetos e sinalizavam o seu impacto social. Do próprio ministério, vinham críticas àescolha das grandes obras, e do México, a prefeitura de São Paulo constituiu oGrupo Executivo do Metropolitano (GEM), em 1966,
como se referiu oministro Cloraldino Severo: na gestão Faria lima. 262 Em abril de 1968, o GEMse tornou Companhia do Metropolitano de São Paulo
(Metrô-SP) e passou a contratar os projetos, sendo que empresas nacionais só poderiam concorrer em
OBrasil construiu algumas pirâmides, que nos levaram àcrise econômica atual, obrasfaraônicas edesnecessárias consórcio com estrangeiras, o que causou protesto do IE e do CE. 263 Alicitação teve a vitória do consórcio
que fazem hoje todo povo sofrer. HMD, composto pelas alemãs Hochtief e Deconsult e a brasileira Montreal. As duas projetistas alemãs
[...] o povo não come eclusão, o povo não mora em eclusa e nem em obras faraônicas, como auto-estradas eram tradicionais na Europa e tinham prosperado sob o nazismo, sendo responsáveis também pelo
desnecessárias e rodovias suntuosas.'" projeto do metrô do Rio. No desenho da linha prioritária de São Paulo, a Norte-Sul (depois, linha Azul),
o consórcio previu ométodo de construção cutand cover, no qual a rua é escavada até o leito da ferrovia,
Opronunciamento do titular dos Transportes tem um contexto próprio, sendo fruto de um momento é feito o piso, as laterais e oteto e, depois, a via é novamente asfaltada. Com o projeto pronto, foi aberta
em que havia uma crítica generalizada aos grandes projetos dos governos Médici eGeisel. Oministro se referia licitação para as obras, e o edital novamente impunha firmas internacionais no consórcio construtor,
também à eclusa da usina de Tucuruí, obra da (amargo Corrêa, da qual ele- ligado às empreiteiras mineiras tendo as empreiteiras brasileiras que se juntar a duas estrangeiras, uma com experiência em túneis e
- era um ferrenho crítico. outra em estações subterrâneas. Apesar da nova grita dos organismos de engenharia/64 esse contato
Nesta parte do estudo, não intentamos fazer uma radiografia dos grandes projetos de engenharia com firmas estrangeiras possibilitou a absorção de experiência pelas empreiteiras nacionais.
da ditadura, mas, através de casos ilustrativos, analisar a política subjacente, os interesses das empreiteiras e o A(amargo Corrêa, maior empreiteira do país, tentou o lote mais caro, Vale do Anhangabaú-
beneficiamento desses empresários com tais obras. -Sé, e fez contatos no exterior. Wilson Quintella relata que Sebastião (amargo e ele foram à Suécia e
firmaram acordo com a francesa Dumez, especializada emestações, e a inglesa Matt Hay Henerson, com
Os metropolitanos urbanos de São Paulo e do Rio de Janeiro experiência em túneis. Ainda na Europa, a CC teve a notícia de que os ingleses decidiram abdicar da obra,
explicando que ométodo cut and cover naquele trecho geraria desabamento de edifícios, sendo melhor o
Dentre as "estranhas catedrais", muitas foram questionadas em sua concepção e real ne- uso dosshields, máquinas perfuratrizes do solo que não implicavam escavação do terreno eminimizavam
cessidade, como a Transamazônica, Rio-Santos e Perimetral Norte. Não é o caso dos metrôs das duas abalos, apesar de serem mais caros. Segundo Quintella, com essas informações, (amargo teria dito:
maiores cidades brasileiras, cuja pertinência era objeto de certo consenso. No entanto, suas obras
foram polêmicas, com críticas à falta de prioridade dada ao transporte público de massa, em proveito Ganhamos aconcorrência.[...] Vamos fazer uma proposta em cut and cover só para ganhar aconcorrência.
dos meios rodoviários, além de atrasos, elevação de custos, irregularidades, tratamento precário aos Quando formos assinar o contrato, diremos à Co mpanhia do Metropolitano que em 'cut and cover' é
operários, caráter incompleto das linhas, desapropriações polêmicas e valorização de áreas urbanas impossível, pode haver uma tragédia. Eles terão qu e mudar de idéia. 265
privilegiadas. Essas questões foram em boa medida contornadas ou sufocadas em função do caráter
ditatorial do regime.
'" Revista aEmpreiteiro. Edição de agostode 1968, n' 7.
261
<http://www.metro.sp.gov.br/>, acesio em26 de janeiro de 1009; revista OEmpreiteiro. Edição n' 95.
m GOMES, Ãngela de Castro; KORNIS, Mônica Almeida. "Com a história nobolso: moeda e a República noBrasil". ln: Seminário Internacional "' <http://www.metro.sp.gov.br/>, acesso em26 de janeiro de 2009; revista OEmpreiteiro. Edição n' 34.
'OOutro lado da Moeda'. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2002. p. 107-134. '" INSTITUTO de Engenharia. Engenharia... op. cit. p. 128-153; élUBE de Engenharia. luta... op. ât. p. 34-64.
211 EstudadaporCarlos Fico em Reinventando o Otimiimo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio deJaneiro: EdFGV, 1997.
'" QUINTELLA, Wilson. Memóriasdo Brasil Grande. op. cit. p. 295-321.
"' Informe Sinicon. Edição de 6 de agosto de 1984, n' 23, ano 1. '" QUI NTELLA, Wilson. Memóriai do Brasil Grande. op. cit. p. 295-321.
370 fstran"'1Hatedraii Aindústria de construçãopesada brasileira em perspectiva histórica 371

Aprevisão da CC se confirmou, e com um valor fictício a empreiteira venceu a licitação, com cidade), a Perimetral, a ponte Rio-Niterói, os túneis Rebouças e Santa Bárbara, o emissário submarino
preço bem abaixo da segunda colocada, a Cetenco, e depois apresentou ao Metrô-SP a necessidade dos de Ipanema e interceptador oceânico, oaterro do Flamengo, o viaduto Paulo de Frontin e a autoestrada
shie/ds. Acompanhia municipal encomendou estudos a empresas internacionais, que confirmaram os Lagoa-Barra, além das remoções em favelas da região e expulsão de sua população para subúrbios
riscos do método cutand cover.ACC ganhou aditivos para fazer otrecho, o que levou a Cetenco à justiça distantes da Zona Oeste e Norte.269
contra a empresa. Ocaso é emblemático das artimanhas usadas pelas empreiteiras nas concorrências, Para a realização de uma linha prioritária ligando Tijuca, Centro e Zona Sul, era usada justifi-
uma especialidade da CC. cativa técnica dos engenheiros alemães da a!ta concentração demográfica na região, fazendo ali mais
Com a aquisição dos shields, logo apelidados de "tatus" ou "tatuzões" pelos operários, a CC premente a necessidade de um transporte público de massas:
passou a liderar as obras do metrô de São Paulo, já que detinha as máquinas necessárias para realizar
vários trechos. Aempreiteira ganhou força junto ao Metrô-SP e dirigentes das duas empresas viajavam As autoridades estad uais e federais encarregadas de estud ar e decidi r sobre a prioridade do projeto,
juntos para conhecer a tecnologia dos subterrâneos europeus. 265 depois de examinar cuidadosa mente os estudos técnicos e econômicos existentes sobre os problemas
As obras do metrô paulista seguiram desde dezembro de 1969 em boa velocidade e tiveram de tráfego da Rio de Janeiro, em decisão que terá profunda influência na vida e no dese nvolvimento da
continuidade nos governos e diferentes momentos econômicos, ao contrário do metrô carioca. Acom- cidade, chegaramà conclusão de que o metrô é uma necessidade vital imediata.'"
panhia municipalera elogiada pelas empreiteiras por reservar serviços às pequenas, médias e grandes,
registrando as firmas interessadas no empreendimento e distribuindo entre elas os contratos. Aobra Assim, a linha básica do metrô era implantada na região mais valorizada da cidade, incremen-
teve suas polêmicas, com distúrbios na cidade e hostilizações da população, havendo dificuldades com tando a renda dos proprietários de terrenos nesses locais.
cabos e encanamentos por falta de mapeamento do subsolo e conflitos com a Light. Edifícios foram As obras foram iniciadas entre Cinelândia e Glória em 1970, mas a velocidade era lenta. Uma
demolidos, e o baruiho gerou protestos do Mosteiro do São Bento e de dom Paulo Arns. Aobra foi dificuldade era o preço, sendo o quilômetro do metrô do Rio cotado em US$ 15 milhões, contra os US$
paralisada por danificar o Tribunal de Justiça e, após reclamações, foi criada uma estação na Escola 9,7 milhões de São Paulo, devido às rochas graníticas e lençóis freáticos a 1,5 metro de profundidade.
Caetano de Campos.257 Outro problema eram as receitas do estado da Guanabara, que não tinham o mesmo porte do município
Com menos de três anos de obras, uma viagem experimental foi feita em 7 de setembro de de São Paulo. Porém, o maior obstáculo era o governo federal, que dificultava financiamentos para o
1972,celebrando osesquicentenário da independência, com intensa propaganda do governo e presença Metrô-RJ no governo Médici, sendo o responsável por isso o ministro Delfim Netto, que, ligado aos
do presidente Médici. Dois anos depois, com atraso de meses, os primeiros trechos foram entregues, empreiteiros paulistas, priorizava os créditos, sobretudo alemães, para o Metrô-SP. 271
fazendo o metrô de São Paulo menos atrasado que o de Washington, e as obras continuavam na linha Apenas no governo Geisel, com ogovernador Faria Lima no novo estado do Rio, as obras ganha-
Norte-Sul e, depois, nas outras linhas. 268 Omesmo não ocorreu no subterrâneo do Rio, que, por uma ram ritmo mais vigoroso, com liberação de empréstimos federais e estrangeiros. Onovo governador pôs
série de fatores, teve cronograma mais atrasado. Opreço mais alto e ocaráter mais complexo das obras, o general Milton Gonçalves na chefia da eia. do Metrô e impôs ritmo militar aos trabalhos. 272 Oavanço,
aliado à menor capacidade financeira do estado, a conturbação administrativa gerada pela fusão e as porém, não foi desacompanhado de dificuldades e, na Cinelândia, a Cetenco encontrou encanamentos de
retaliações político-financeiras ao estado, governado pelo partido de oposição, levaram a um ritmo água; esgoto e gás, e cabos de luz, telefone, correios, computadores e do Banco do Estado da Guanabara
mais lento e descontínuo nas obras no Rio. (BEG).273 Na mesma região, o método cut and cover levou abaixo o palácio Monroe, decisão que gerou
ACompanhia do Metrô-RJ foi fundada na mesma época, e o projeto, elaborado quase ao polêmicas.274 Aobra trouxe distúrbios na cidade e reações populares, inclusive com quebra-quebras
mesmo tempo que o paulista. Houve proposta soviética de projeto e financiamento, mas as alemãs de equipamentos e canteiros, levando os agentes do metrô e das construtoras a usar uniformes de
Hochtief Essen e Deconsult firmaram o desenho básico da linha prioritária do subterrâneo do Rio, com concessionárias como a empresa telefônica, para não ser alvo da população.275 Mais que em São Paulo,
uma primeira fase prevendo ligação da Glória à Central, uma segunda com extensão até a Saens Pena
"' ABREU, Maurício de Almeida. Evolução Urbana doRiode Janeiro. op. cit. p. 13-33.
e a Praça Nossa Senhora da Paz e, depois, ligações até Jacarepaguá, Pavuna, São João de Meriti, Niterói "º Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1970, n• 32.
271 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 7, 28e 110.
e São Gonça lo. Aescolha da ligaç~o entre Zona Sul e centro da cidade como linha prioritária repetia um
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de fevereiro de 1974, n• 73. Aobra foi uma das várias no estado com a fusão, tendo a nova federação
padrão vivido no Rio durante a ditadura, com prioridade dada às intervenções no núcleo urbano, como função no li PNDde centro da inovação técnica e científica nacional, com ampliação da Fundação Oswa ldo Cruz, da Coppe-UFRJ,
obras de saneamento (entre 1975 e 1977, a Zona Sul absorvia 80,5% dos investimentos de esgoto na centros da Nuclebrás e usinas de Angra, polo da indústria navale Companhia Brasileira de Computadores. Ver LESSA, Carlos. ORio de
Todos as Brasis. ap. cit. p. 345-412.
"' Revista do Clube de Engenharia. Ed ição n• 402.
" ' QUINTE LIA, Wilson. Memórias... op. cit. p. 295 -321; OEmpreiteiro. Ediçãode novembro de 1971, n' 46. 214 Revista OEmpreiteiro, n'63.Sobre isso, verCAVALCANTI, Nireu. ·o palácio Monroe: vítima de 'forças ocultas"'. ln: Salvemos a Integridade
267 QUINT EUA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 295-321. da Quinta da Boa Vista. Texto inédito. Rio de Janeiro: 2011. p. 4·6.
'" INSTITUTO de Engenharia.Engenharia... op. cit. p.128-1 53. m QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 295-321.
372 Estranhascatedrais Aindústria deconstruçãopesada brasileira emperspectiva histórica 373

houve reação dos trabalhadores às condições de trabalho impostas pelos empreiteiros, com greves esublevações o volume de serviços demandado pelos metrôs, as obras de arte especiais erguidas durante o regime
operárias. Ocorreram também conflitos com moradores do Flamengo, que reclamavam dos hábitos eforrós dos fortaleceram as construtoras especializadas nesses projetos.
operários. 276 Os atrasos nos pagamentos parecem ter levado àfalência da Ecisa, que, como mecanismo de pressão Com as condições políticas específicas da ditadura, as vias elevadas feitas no período de um
contra os atrasos do Metrô-RJ em 1978, desativou gradualmente aobra, demitindo por dia 50 operários dos 6 lado encareciam o empreendimento e elevavam os serviços e ganhos das empreiteiras e, de outro,
mil que ernpregava.277 Em 1975, o Metrô-RJ fez estudos para uma linha complementar de pré-metrô (metrô impactavam a população vizinha, que não era consultada. Alguns exemplos foram representativos do
não subterrâneo) do Estácio à Pavuna e, tomando o leito da antiga Estrada de Ferro Rio O'Ouro, começou a fazer· contexto de ditadura: no Rio, o elevado Paul'o de Frontin, além de degradar o bairro do Rio Comprido,
a linha dois, sendo que omesmo ocorrera na linha Leste-Oeste em São Paulo, em trecho doado pela RFF. 278 teve a queda de um módulo durante a obra, em 1971,_com 26 mortes; a via Lilás, pista expressa entre o
Apesar da aceleração das obras, o metrô do Rio continuou com problemas. Após 1973, os preços de túnel Santa Bárbara e obairro do Santo Cristo, que incluía oviaduto 31 de Março, transformou oCatumbi
combustíveis, aço e matérias-primas aumentaram, o que modificou o orçamento, gerando reclamação do em bairro de passagem; a avenida Perimetral, no centro, desfigurou e desvalorizou a região portuária;
presidente do Metrô-Rio, que propôs que 20%da arrecadação do imposto sobre combustíveis servisse às obras e, em São Paulo, o Cebolão (elevado Presidente Costa e Silva) degradou área do centro da cidade. 184
dos metrôs.179 Aprevisão de inauguração da linha prioritária foi prorrogada seguidas vezes, indode 1976 para Porém, a obra de arte mais polêmica da ditadura foi a ponte Rio-Niterói (Presidente Costa e
março de 1979, quando foi feita a primeira viagem entre Cidade Nova e Glória. Nos quatro anos seguintes, a Silva).285 Já nos primeiros projetos para ligação entre Rio e Niterói, ainda no século XIX, existia a querela
;ede básica Botafogo-Saens Pena foientregue, com estações inauguradas anualmente. Arede complementar entre o túnel ou a ponte,286 dúvida que perdurou até as vésperas e mesmo durante a construção da
até aPavuna teve estações abertas a partir de 1979 e as últimas só em 1998, quando foi inaugurada a primeira ponte, quando agentes estatais afirmavam que um túnel rodoferroviário a complementaria. 287 Apesar
estação em Copacabana, com mais de 20 anos de atraso. 28º das sinalizações do DNER e de outros órgãos, o túnel não foi adiante, e o Ministério dos Transportes
Uma interrupção abrupta nos trabalhos ocorreu com medida do governo federal após vitória da oposição escolheu a ponte, alegando custos menores. 188
nos dois estados. Oministro dos Transportes, em meados em 1983, anunciou publicamente que não havia mais No governo Castello, a Finep foi incumbida de estudar projeto para ligação das cidades e
intenção dea União investir nos metrôs do Rio eSão Paulo, visto que "ambos já contam com uma rede razoável contratou três firmas projetistas norte-americanas, gerando protesto do CE. 289 Ogoverno Costa e Silva
de linhas eestações, oferecendo bons serviços à população". Dizia que o momento era de dar preferência às transferiu o projeto para o DNER, encomendou mais estudos, e só para sondagem geológica da baía
populações periféricas e que, para isso, seriam investidos recursos nos metrôs de Belo Horizonte, Porto Alegre e de.Guanabara, participaram o Serviço Geográfico do Exército, da Diretoria de Hidrografia da Marinha e
Recife, sendo que, segundo ele, não havia conotação política nos cortes. 281 firmas particulares. 290 Apesar do aparente cuidado, a obra encarou problemas justamente nas fundações
Os metropolitanos do Rio e São Paulo são exemplo do desenvolvimento da indústria de construção no mar, encontrando profundidade maior que a prevista, sendo que Lafayette Prado afirma ter o ONER
pesada durante a ditadura e permitiram que as empreiteiras nacionais realizassem obras similares no exterior feito um "pseudo-projeto". 291
posteriormente.182 Contingências políticas explicam a diferença de velocidade nas obras no Rio e em São Paulo, Em 1968, ficou acertado que a ponte teria H,9 km, 8,9dosquaissobre a baía, com altura variando
eoambiente político da ditadura permitiu que esses empreendimentos fossem feitos sem consulta àpopulação de 20 a 60 metros, tendo no vão central recorde internacional em viga metálica. 292 Eliseu Resende relata
eatoque de caixa, possibilitando amplos ganhos para os empresários envolvidos nos mesmos. pressões da Marinha para elevar a altura do vão, para otráfego de embarcações, e da Aeronáutica para
reduzir, em razão dos aeroportos próximos. Oplano da obra, com custo previsto de NCr$ 240 milhões
"Caía a tarde como um viaduto"183 -As pontes e elevados da ditadura (US$ 74 mi), foi aprovado Reios Conselho Executivo do DNER, Conselho Rodoviário Nacional e Conselho
Nacional dos Transportes; três ministros o assinaram, e o presidente enviou projeto de lei da obra para
Um empreendimento comum na ditadura foi o das vias elevadas, como a ponte Rio-Niterói, o Congresso,293 que, após 57 dias de tramitação, o aprovou por 140 a 60 votos, em 17 de outubro de
os viadutos urbanos, os da rodovia dos Imigrantes e os da Ferrovia do Aço. Apesar de não proporcionar
284
ABREU, Ma urício de Almeida. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. op. cit. p. 93-137; RevistaInfra-Estrutura: revista oficial do Sinices p.
Ano 3, nº 16, p. 20-22.
176 <http://www.metrorio.corn .br/>, acesso em 26 de janeiro de 2009. "' Vamos dar atenção mais pormenorizada às obra s da ponte, devido à produção rarefeita sobre o assunto.
277 Revista Ofmpreiteira. Edição de janeirode 1980, nº 144. '" PRADO, Lafayette Salviano. "Aponte Rio-Niteró i". ln: Transportes eCorrupção. op. cit. p. 71-77.
"' Revista OEmpreiteira: Edi ção de fevereiro de 1979, nº 133, e de fevereiro de 1973, nº 61 . "' Revista OEmpreiteiro. Edição de fevereiro e março de 1968 e de fevereiro de 1969, n" 1, 2 e 13.
281
27 ' Revista OEmpreiteira. Edição de fevereiro de 1974, nº 73, e de novembro de 1975, n' 94. RESENDE, Eliseu. Ponte Ria-Niterói 25 Anos: pronun ciamento noplen~rio da Câ mara. op. cit.
180 <http://www.metrorio.eom.br/>, acesso em 26 de janeiro de 2009. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1969, nº 20; CLUBE de Engenharia. Luta... op. cit. p. 31-64.
281 Revista OEmpreiteira. Ediçã ode agosto de 1983, nº 189. . "º Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1968, nº 9. - -
m Como exemplo, a Mendes Júnior atuou no metrô de Santiago, e a Odebrecht, no de Caracas e Lisboa. Ver CAMPOS, Pedro Henrique "' PRADO, Lafayette Salviano. "Aponte Rio-Niterói". ln: Transportes eCorrupção. op. cit. p. 71-77.
Pedreira. "Atransnacionalização ...". ap. cit. p. 70·77. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1968, nº 9, e de julho de 1970, nº 30.
m Verso da letra "Obêbado e a equilibrista", composta por Aldir Blanc eJoão Bosco em 1979. "' RESENDE, Eliseu. PonteRio-Niterói 25 Anos: pronunciamento no plenário da Câmara. op. cit.
Aindústria de construção pesada brasileira empe~pectivahistórica 375
374 Estranhascatedrais

1968, virando a Lei nº 5.512/68. Essa foi uma das poucas obras da ditadura ·que teve lei no Legislativo. valor, o ministro Andreazza teria ironizado Sebastião (amargo (CC), dizendo que ele queria construir
Sete dias depois, porém, a obra foi à licitação. 294 duas pontes.300 Ocontrato foi assinado com o consórcio vencedor em4 de dezembro de 1968 e o prazo
Para financiar o empreendimento, o DNER usaria recursos do Tesouro, do FRN e do lançamento era de 1.095 dias, até 4 de dezembro de 1971, sendo que o consórcio prometia a obra até 15 de março
de Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs), em um total de NCr$ 254 milhões, além de de 1971, último dia previsto do governo de Costa e Silva.301
empréstimo de 31,2 milhões de libras (NCr$ 114 mi) captado junto a 16 bancos ingleses liderados pelo Iniciadas as obras, em janeiro de 1969, o prefeito de São Gonçalo, Osmar LeitãoRosa, enviou carta
N. M.Rothschild Sons. Ocrédito seria pago ao longo de sete anos, com juros anuais de 5,5%, e 39 meses· à revista OEmpreiteiro pedindo investimento~federais na cidade e alegando que a ponte interferiria no
para início da amortização, em termos acertados por Delfim em Londres. Como contrapartida, empresas município e que o fluxo de veículos iria aumentar, demandando novas vias na região, em especial uma
britânicas poderiam participar da concorrência, e equipamentos e o aço especial do vão central viriam rodovia que circundasse a baía, a avenida do Contorno. Diante das queixas, o Ministério dos Transportes
do país. 29s Aparticipação britânica trouxe a rainha Elizabeth e o príncipe Philip para inaugurar as obras, criou o Programa do Entorno da Baía de Guanabara. 302
no fim de 1968. Para pagar as dívidas, foi decidida a cobrança de pedágio na via por 20 anos.
296 Aobra teve início com as fundações, feitas com o auxílio de tubulões, cravados no leito da baía.
Oedital da obra indicava uma licitação direcionada, artifício usado comumente no setor. Segundo sondagens realizadas, a profundidade média da água era de 15 metros, e osolo seria "bom para
Ficava decidido que só construtoras brasileiras e britânicas podiam participar da concorrência, sendo o fundações".303 AFerraz Cavalcanti era dada como uma das principais construtoras brasileiras de pontes,
consórcio liderado obrigatoriamente por firma nacional. As empresas deveriam ter contratosde NCr$ 90 e grandes canteiros foram montados na ilha do Fundão, ponta do Caju, Niterói e em uma ilha comprada
milhões em obras de construção pesada e NCr$ 30 milhões em pontes e viadutos de concreto com vãos pelo consórcio. Oaço vinha da Belga-Mineira, CSN e Cosipa; a areia, do rio Macacu; a madeira, de Santa
de ao menos 30 metros nos últimos 10 anos. Nas obras de construção pesada, só seriam consideradas Catarina e do Espírito Santo; o cimento era importado, assim como o aço de alta tensão, que vinha da
barragens de concreto com altura mínima na maior seção de 30 metros, cais para calado mínimo de 5 Inglaterra. As construtoras logo tiveram dificuldades e pediram a extensão do prazo para dezembro de
metros e terraplanagem em estradas e barragens de no mínimo 5 milhões de metros cúbicos em um 1971, alegando dificuldades na cravação dos tubulões, que estavam sendo feitos a mais de 40 metros
ano. Aempresa líder do consórcio precisava ter ao menos 10 anos de experiência, e as demais, 5 anos. de profundidade, contrariando a previsão dos estudos geológicos.304 Após acidentes, inclusive com a
Nos consórcios com firmas britânicas, as exigências eram mais altas, com contratos concluídos de NCr$ "morte de alguns operários"?\ atrasos e fundações não realizadas, o DNER rescindiu contrato com o
100 milhões, pontes ou viadutos com vãos de pelo menos 50 metros e de concreto protendido de no co~sórcio, que já havia recebido NCrS 190 milhões. Ogoverno tomou todos os equipamentos do CCRN,
mínimo 80 metros, barragens de concreto, cais e terraplanagem em estradas e barragens.
297 e a revista OEmpreiteiro assimexplicou a rescisão:
As indicações no edital eram claras. Em primeiro lugar, com tais exigências, estavam vedadas
as empresas britânicas de participar da obra, o que correspondia à diretriz do governo Costa e Silva. A inadequação do equ ipamento qu e vinha sendo empregado na fa se anterior para a execução das

Sobre as obrigações numéricas, a exigência era a montagem de consórcios liderados por uma barrageira, fundações no mar, principalmente na s regiões mais profundas, fo i sem dúvida a causa do grande

aliada a outras grandes empresas e uma especialista em pontes e viadutos. As altas exigências fizeram atraso verifi cado na obra e que culminou com o afastamento das empresas enca rregadas de executar

o consórcio liderado pela carioca Metropolitana, e integrado pela Andrade Gutierrez, Sotege e Tenco, a estrutura de coocreto.306

não se pré-qualificar para a obra.298


Defrontaram-se na concorrência oconsórcio A(depois, Consórcio Construtor Rio~Niterói, CCRN), Independentemente das razões do fim do contrato com o consórcio, o insucesso nas obras e o
liderado pela paulista CCBE, com Servix, Emec e a especialista em pontes Ferraz Cavalcanti, e oconsórcio fato de as empre·sas terem entrado na justiça contra o DNER, demandando Cr$ 142 milhões,307 selouo
B(depois, Consórcio Construtor Guanabara Ltda.), liderado pela (amargo Corrêa, com Mendes Júnior, seu destino. As quatro empreiteiras enfrentaram segu idas de rrotas em concorrências e, depois, todas
Rabello e Sobrenco, especializada em vias elevadas. Oconsórcio da CCBE propôs a obra em 77% do (CCBE, Ferraz Cavalcanti, Servixe Emec) foram à fal ência.
prazo previsto pelo DNER e custo de NCr$ 240 milhões, economizando na padronização e produção
industrializada dos vãos. Oconsórcio Blançou proposta de NCr$ 438 milhões 299 e consta que, com esse

"' PRA DO, Lafayette Sa lviano. "Aponte Rio-Niterói". ln: Transportes eCorrupção. op. cit. p. 71-77. "'' QUINTELLA. Cap. 14-0bra-prima sobre as ág uas -a ponte Rio Niterói. ln:Memórias... op. cit. p. 323-336.
'" Revista OEmpreiteiro. Edição de dezem bro de 1968, nº 11.
"' Revista OEmpreiteiro. Ediçõesn" 9, 11, 27 e 30. 302
"' PRADO, Lafayette Salviano. 'A ponte Rio-Niterói". ln: Transportes eCorrupção. op. cit. p. 71-77. Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1970, nº 26, e dejunho de 1973, nº65.
'" Revista OEmpreiteiro. Edição de julho de 1970, nº 30.
"' Revista Ofmpreireiro. Edição de outubro de 1968, nº 9.
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de dezembro de 1968, nº 11; PRADO,L. S. Transportes eCorrupção. ap. cit. p. 71-77. '" Revista OEmpreiteiro. Ediçãode dezembro de 1970, nº 35.
"' RAUTENBERG, Edina. "Veja e a ponte Rio-Niterói: a cobertura da revista sobre a construção da ponte". ln: Anais doIV Simpósio lutas "' QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 323-336.
SociaisnaAmérica latina: imperialismo, nacionalismoemilitarismono séculoXXI. Londrina:UEL, 2010. p. 82-91; PRADO,L.5. Transportes "' Revista OEmpreiteiro. Ediçãode maiode 1971, nº 40.
"'' Revista OEmpreiteiro. Edição de dezembro de 1971, n' 47.
eCorrupção. op. cit. p. 71-77.
376 Estronl~scatedrois Aindústriade construção pesada brasileira em perspectiva histórica 377

ODNER convocou as empresas do segundo consórcio, e Wilson Quintella destaca que essa foi Logo após o reinício da obra, em novembro de 1971, houve urna alteração no consórcio. Aqueda
uma "decisão inédita - geralmente fazia-se uma nova concorrência".308 Seguiram-se duras negociações do módulo do elevado Paulo de Frontin retirou a Sobrenco da obra da ponte, deixando nela apenas a
para definir o encaminhamento dos serviços. Odepartamento estatizou todos os equipamentos e ma- CC, a Rabello e a MJ.316 Não sabemos em que medida a saída se deu por pressão de agentes do governo
teriais e definiu um contrato por administração - diferente dos contratos por empreitada, mais comuns ou se foi mais fruto de decisão do seu dono, Sérgio Marques Souza, mas a mudança não parece ter
em obras públicas - , no qual os serviços prestados pelas empreiteiras seriam pagos diretamente pelo causado maiores alterações na obra.
governo, acrescidos de taxa de 10%, que seria lucro bruto dos empresários. Diante dos ganhos inferiores Segundo Quintella,as funda çõesfor~mrecomeçadas do zero, e os equipamentos, remodelados,
às margens praticadas no setor, Sebastião (amargo se queixava, e Quintella relata as desavenças do já que os usados antes eram inadequados. 3!7 As dificuldades na implementação das bases da ponte
empresário com o ministro Andreazza em uma reunião: continuaram a falta de cuidado com segurança levavam a doenças dos operários e acidentes, alguns
publicados na imprensa. Arevista Veja fez reportagem sobre o colapso de uma plataforma que matou
Sebastião (amargo- Bem, se está tudo resolvido, se tudo étão fácil e tão bom, co nformediz oministro, cinco operários e três engenheiros, abordando outros acidentes em suas edições. 318 Houve ainda con-
qual será o nosso papel? fiitos entre as empreiteiras, qu e tinham origens diferentes e eram rivais em outros empreendimentos,
Mario Andreazza- Ora, quer saber de uma coisa? Estou vendo qu e osenhoré mais um criadorde galin has e desentendimentos com a Ecex.379
do que um construtor de obras, portanto vá cria r galinhas! O problema das funda ções foi resolvido com equipamentos do exterior e com o auxílio de
Ele e Andreazza levantaram-se de suas cadeiras, predispostos à agressão fisica.3º' outras empresas. Algumas que participaram da obra foram a Brasília Obras Públicas, a Servienge, a
Montreal, a lshikawagima, a Dorman Longe a Cleveland Bridge. 320 ACC adquiriu quatro plataformas
Oentrevera entre os dois foi confirmado por Delfim Netto, que estava presente na reunião e com perfuratrizes alemães da Wirth - a mesma que forneceu os shields do metrô paulista - para as
pôs "panos quentes"310 Interessante notar no incidente a referência de And reazza à origem rural de fundações no mar e usou novos sistemas de escavação e bombas para retirar a água. Sem a tecnologia
Sebastião (amargo, cuja empresa não gozavã de amplo trânsito no ministério. atual das plataformas de petróleo, que contam com equipamentos como câmeras nas perfuradoras,
Depois desses desentendimentos, Delfim intermediou as negociações entre o DNER e a emprei- o trabalho era mais penoso. As maiores dificuldades nas fundações se deram na altura do vão central,
teira, facilitando as condições para a CC. Ele teria pedido perdão ao empresário: "Peço desculpas, Tião", 311 o~de as águas eram mais profundase maior a dificuldade para encontrar rochas abaixodo leito arenoso.
e o novo contrato foi assinado emmarço de 1971, com valor de Cr$ 320 milhões e prazo de 20 meses. O Quintella cita discussões com a Ecexem casos de rochas mais duras, e em vários serviços as empreiteiras
novo modelo foi elogiado pela revista OE, que afirmou ter o contrato por administração "a vantagem teriam tido prejuízos devido à referida intransigência do coronel Guedes.321
de assegurar a conclusão da obra por um preço real de custo, acrescido por uma taxa de administração Segundo diferentes relatos, após as fundações a obra seguiu com relativa facilidade. Em alta
a ser paga aos emp reiteiros". 312 velocidade, para entregar a ponte até o fim do mandato Médici, seguiram os trabalhos para erguer a
Para gerir a obra, foi criada, em abril de 1971, a Empresa de Construção e Exploração da Ponte estrutura e instalar as aduelas em frentes do Rio e de Niterói. Segundo Quintella, o coronel Guedes
Presidente Costa e Silva (Ecex), subordinada ao DNER. Depois da implementação da ponte, a Ecex - re- desejava economizar custos não construindo os diques d'alba, que protegem os pilares contra choques
nomeada Empresa de Engenharia e Construção de Obras Especiais S.A. - explorou os pedágios da via de navios e, após colisão de um cargueiro japonês em um pilar ainda em construção, decidiu~se que
e passou a atuar no setor de pontes e obras, gerando protestos dos empreiteiros, que reclamavam de eles fossem feitos. 322 Apavimentação foi uma dificuldade à parte, e no dia 4 de março de 1974, 11 dias
"concorrência desleal". 313 Oorganismo era dirigido pelo coronel João Carlos Guedes, a quem Quintella antes da entrega do cargo, Médici fez a inauguração da ponte. Na cerimônia, Andreazza discursou:_ _ _
se referia como o "rigoroso coronel Guedes", em função de sua dura fiscalização e tentativa de sempre
reduzir custos. 3i 4 Ochefe do consórcio era o engenheiro Lauro Rios, da CC e futuro presidente do IE, e APonte Presidente Costa e Silva, monumento à Revolução de 1964, projeção sobre o mar da grande
o chefe da obra era o engenheiro Klaus Reinach, também da CC, que atuava com Bruno Contarini, da rodovia longitudinal litorânea, a BR-101, é um bemque simboliza ainda em sua majestade: a decisão
Rabello, diretor-técnico da obra, e Maria Vilaverde, da MJ, superintendente técnico do projeto.315 do povo brasileiro de vencer todos os obstáculos ao nosso pleno dese nvolvimento econômico e social;

3
°' QUINTELLA, Wilson. Memóriasdo Brasil Grande. op. cit. p. 323-336.
309
QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 323-336. 316 Revista OEmpreiteiro. Edição demaio de 1972, n• 52, ede junho de 1972, n' 53.
"º DELFIM Netto, A. "Prefácio- Otempo dos empreendedores". op. cit. p. 11-14. 311 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 323-336.
311
QUINTELLA, Wilson. Memórias doBrasil Grande. op. cit. p. 323-336. 3" Apud RAUTENBERG, Edina. "A revista Vej a...". op. cit. p. 1-5; IDEM. "Veja ea ponte ...". op. cit. p. 82-91.
312 Revista OEmpreiteiro. Edição de abril de1971 , n• 39, edemaio de 1971, nº40. 31' QUI NTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 323-336.
313 Revist a OEmpreiteiro. Edição de maio de 1973, nº 64. 310 Revista OEmpreiteiro. Edição dejaneiro de 1974, n• 72. ·-
314
QUINTELLA, Wilson. Memórias doBrasil Grande. op. cit. p. 323-336. m QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 323-336.
315 QUINTELLA, W. Memórias... op. cit. p. 323-33 6; RAUTENBERG, E. "Vejaeaponte...n op. cit. p. 82-91. m QUINTELLA, Wilson.MemóriasdoBrosil Grande. op. cit. p. 323-336.
378 EstranhaHaredrais A iodú5tria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 379

a capacidade de nossa engenharia de estudar e executar empreendimentos da maior comp lexidade; a que recursos do DNER, cuja função é implementar o transporte nacional de carga, foram drenados para
dedicação e competência dooperário brasileiro, cujo ânimo, até nas horas dramáticas,jamaisarrefeceu, uma obra intermunicipal.327
tendo ao contrário, saído fortalecido dos reveses próprios de obra de tamanha envergadura.313 Aponte foi obra que trouxe em vários de seus aspectos a marca da ditadura: foi feita a toque de
caixa, teve acusações de usoincorreto do dinheiro público, transição do consórcio construtor de maneira
Fica evidente que, além do padrão ufa nista do ministro, era projeto governamental transformar irregular, mortes e acidentes de operários, falta de planejamento esmiuçado, uso para efeito de propa-
a obra em emblema do regime. Aponte passou a figurar como peça de propaganda do governo e de · ganda do regime, prioridade dada aotranspor,te rodoviário, financiamentode agentesestrangeiros, edital
candidatos da Arena, vários deles derrotados nas eleições no final do ano. No final da cerimônia, houve direcionado, dentre outras polêmicas. Mes~o com as reclamações das empreiteiras sobre a ausência
missa em memória aos operários mortos na obra. de lucros no empreendimento, a construção de uma das dez maiores pontes do mundo permitiu que
Vinte e cinco anos depois, o ex-presidente do DNER, Eliseu Resende, fez balanço da obra, em elas se capacitassem para obras similares no Brasil e no mundo, como a emblemática ponte Vasco da
solenidadede aniversário da ponte e para homenagear o ex-ministro Andreazza: Gama, feita sobre o rio Tejo, emPortugal, pela Odebrecht nos anos 90.328

Embora tenha a obra sido iniciada empleno regime militar, a decisão de construir esteve longe de ser "Ochefe dos parintintins"329 - A Transamazônica e outras rodovias na selva
uma decisão autoritária . Quem dera os investimentos públicosfossememnossa história, marcados pelo
mesmo nível de planejamento e os mesmos procedimentos legais, democráticos e transpa rentes que Aconstrução de estradas - ao lado das hidrelétricas - foi a principal área de atuação das
precederam a aprovação do projeto e autorizaram sua realização.[...] empreiteiras brasileiras durante a ditadura, em especial nos seus primeiros 10 anos. Os governos pós-
Contrastando com o usual nas obras públicas no Brasil, o empreendimento foi inaug urado com menos 1964 reforçaram a prioridade dada ao transporte rodoviário, e essas obras eram incentivadas pelas
de um ano de atraso com relação ao cronograma inicial e um aumento de custos não superior a cerca empreiteiras, multinacionais fa bricantes de automóveis e equ ipamentos de construção rodoviária, além
de 10%dos dispêndios totais anteriormente previstos."' de ter financiamentos de órgãos como Bird, BID e Eximbank.
Com o Plano de Metas, foi realizada uma extensa rede de estradas ligando as principais cida-
O deputado faz o oposto da fala de Andreazza, tentando descolar a obra da ponte da ditadura des do Sudeste, Sul e Nordeste, além de vias pioneiras no Centro-Oeste e Amazônia. Na ditadura, em
e relacioná-la a forças democráticas. Apesar do que afirmou Resende, com o prazo de março de 1971 especial no governo Médici, houve novas iniciativas no Norte do país e ampliação das vias existentes no
previsto pelo primeiro consórcio, houve atraso de 128%do tempo e, diante da previsão do DNER, houve Centro-Sul. Amo-Bahia foi ampliada, a Régis Bittencourt e a Fernão Dias ganharam novas pistas, e as
atraso de 77% no número de dias. Quanto ao custo, não épúblico até os dias atuais o quanto foi gasto na principais rodovias novas na região eram espécie de duplicação das já existentes: a Rio-Santos era uma
obra e, diante da lacuna, o MDB, ainda na ditadura, tentou fazerCPI, sem êxito, e oTCU tentou averiguar, via entre Rio e São Paulo alternativa à Outra; a rodovia dos Imigrantes era variante de luxo da estrada
mas as investigações foram arquivadas.325 Anchieta, ligando a cidade de São Paulo ao litoral do estado; a estrada dos Bandeirantes (antiga via
Com a ponte entregue, o seu uso passou a ser intenso, dado o modelo rodoviário e a prioridade Norte) corria paralela à Anhanguera; e a via Leste (depois rodovia dos Trabalhadores e rodovia Ayrton
dada à produção de automóveis. As projeções de tráfego se referiam a 20 mil, mas logo passavamali 100 Senna) era uma duplicação da rodovia Presidente Outra em seu trecho paulista.
mil veículos por dia, sendo que a projeção de pagar o financiamento da obra em 20 anos de cobrança Na Amazônia, novos desenhos de estradas fo ram criados, expressando uma política de coloni-
de pedágio acabou sendo cumprida em oito. Mesmo assim, a Ecexcontinuou cobrando pedágios e, em zação e avanço de capitais sobre a região, dotada de recursos pouco explorados, que poderiam servir ao
1994, foi privatizada.326 desenvolvimento do país, segundo o discurso oficial. Essas rodovias agregavam diferentes interesses:
O uso da ponte virou também motivo de polêmica, já que Andreazza, em audiência, a justificara de empresas minerais desejosas de acesso àsjazidas da região, com vias para escoamento da produção;
pela demanda do transporte de carga de longa distância, o que permitia a entrada do DNER na obra. interesses fundiários e agrários que viam possibilidades de expansão agrícola e especulação com aterra;
No entanto, OEstado de S. Paulo, nove meses após a inauguração, denunciou na reportagem"a ponte um elemento geopolítico e estratégico, com princípios de defesa e povoamento de regiões "desabitadas"
que virou viaduto" que o seu principal uso era de ligação urbana e, nesse período, dos 5,5 milhões de e da região de fronteira; e, por fim, e não menos importante, as empreiteiras, aliadas às fabricantes de
veículos que trafegaram na ponte, apenas 700 mil (14%) eram de transporte pesado. Ojornal denunciava equipamentos e de automóveis, pressionando e influindo na implementação desses projetos.

m Jornal do Brasil. Edição de 4 de março de 1974. m PRADO, Lafayette Salviano. "Aponte Rio-Niterói'. ln: Transportes eCorrupção. op. cit. p. 71-77.
"' RESENDE, Eliseu. PonteRio-Niterói 25Anos: pronunciamento no plenário da Câmara. op. cit. "' <http://www.odebrecht.corn.br/>, acesso em19 de agosto de 2007.
"' PRADO, Lafayette Salviano. "Aponte Rio-N iterói". ln: TransporteseCorrupção. op. cit. p. 71 -77. "' Versoda letra "Bye, bye Brasil", composta por Chico Buarque e Roberto Menesca l em1979. Ver BUARQU E, Chico. Letras eMúsico. Vai.
"' PRADO, Lafayette Salviano. "Aponte Rio-Niterói". ln: Transportese Corrupção. op. cit. p. 71 -77. 1. op. cit. p. 174.
380 Estranhas catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 381

As principais estradas construídas na região na ditadura foram: a Transamazônica, que teria ATransamazônica (ver Imagem 4.1) tinha como ponto final no leste as cidades de Porto Franco,
5.500 km e ficou incompleta; a Belém-Brasília, com 1.790 km, reformulada em seu projeto original e Imperatriz, Estreito e Tocantinópolis, às margens da Belém-Brasília, no Maranhão, junto àfronteira com
totalmente pavimentada; a Perimetral Norte, com 2.586 km, que cortava toda a região de fronteira o então estado de Goiás, hoje Tocantins. Dali, em direção a oeste, ela se ligava à Rede Rodoviária Básica
norte e oeste da Amazônia e que foi interrompida no governo Geisel; a Cuiabá-Santarém, com 1.640 do Nordeste, indo a Belém e às capitais nordestinas. Arodovia de fato saía das quatro cidades juntas
km, feita pelos batalhões de engenharia do Exército e que se cruzava com a Transamazônica; a Manaus- ao rio Tocantins e ia até a cidade de Humaitá, no estado do Amazonas, junto ao rio Madeira, onde se
-Porto Velho, de 814 km, que ia da Transamazônica até afronteira; e a Brasília-Acre, projeto do final dos · integrava com a Manaus-Porto Velho e, dest~ cidade, iria à fronteira com o Peru, e dali ao Pacífico. O
anos 50, implantado parcialmente na ditadura, ligando Brasília à fronteira com o Peru, passando por trecho construído, entre Imperatriz e Humaitá, media 2.500 km, divididos em duas etapas, 1.300 km
Cuiabá, Porto Velho, Rio Branco e Cruzeiro do Sul. Algumas dessas rodovias faziam parte do projeto das entre Imperatriz e ltaituba, no Pará, e dali até Humaitá, com aproximadamente 1.200 km. 33 4
Rodovias Internacionais, que previa a ligação da malha brasileira com os países da América do Sul.330
Essa conjugação de interesses distintos é particularmente válida para a Transamazônica, rodovia
não planejada previamente e que não teve projeto elaborado no plano de viação. Em sua memória,
Wi!so"n Quintella destaca os interesses em torno da produção e do escoamento de minérios do sul do
Pará, ocultando a importância dos empreiteiros para a efetivação do projeto. Em passagens dos anos
60 para os 70, oDepartamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) recebeu vários requerimentos de
direito de lavra na região da serra dos Carajás, e o ministro de Minas e Energia, Costa Cavalcanti, notou N ,t
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que os solicitantes não tinham credencial para mineração. Após investigações, o ministro descobriu que ,,,_,,....,, •.\ - .

os pedidos vinham de "testas-de-ferro da U. S. Steel" e implementou o projeto Radam, para mapear


riquezas locais, descobrindo ali reservas de ferro, bauxita, manganês e ouro. ACVRD e a U. 5. Steel co-
~:\~~~---L,u=~ fA f/J,;,, ~~ C E
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ordenaram um plano de exploração daquelas riquezas no projeto Grande Carajás, que demandava uma
via de escoamento, a Transamazônica (BR-230). Anova via cruzava a América do Sul, ligando os portos
·do Atlântico, no Nordeste brasileiro, ao Pacífico, passando pela Serra Pelada, Carajás e rio Madeira, três IH "' .(lf-.
regiões ricas em recursos minerais. 331
Apesar de o relato do dirigente da CC sublinhar a atuação do MME e de mineradoras, havia
interesses de construtoras, fazendeiros e outros grupos em torno da estrada. Indicativo disso é o fato
de que quem apresentou o projeto ao presidente foram Andreazza e Eliseu, justamente os dirigentes
Imagem 4.1 - Aatual BR-230 (rodovia Transamazônica)
estatais mais próximos dos empreiteiros. Ogoverno Médici justificava a obra de forma diferente, afir- Fonte: DN IT. Breve Histórico sobre a Evalu{ãO do Planejamento Nac/onoldos Transportes. Disponível em <http://www.dniLgov.br/>, acesso em 27 de setembro de 20 11.
mando que ela seria uma solução para os problemas da seca no sertão. Um programa de colonização
as suas margens fi xaria homens do Nordeste na região, oque ganhou o lema: "Terra sem homens para
homens sem terra".332 As obras foram feitas por empreiteiras rodoviárias fortes no DNER e divididas em largos lotes
O projeto primordial de uma estrada ligando a América do Sul de costa a costa em seu paralelo de quase 300 km, sendo que as empresas faziam pistas de pouso e aeroportos às margens do canteiro
mais largo veio da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que previa uma via para integrar para levar técnicos e materiais. Quintei la relata que, na época, a Caterpillar não tinha fábricas no Brasil,
os sistemas produtivos do interior aos portos no Atlântico e no Pacífico. Aproposta de uma rodovia e seus equipamentos vinham dos Estados Unidos em barcaças usadas para desembarque das tropas
Leste-Oeste se relacionava à Área Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc) e visava dinamizar a aliadas na Normandia, no dia D. 335 No leilão para os 1.290 km iniciais, tiveram prioridade as empreiteiras
ligação econômica entre os países-membros, transformando a Amazônia em região com atividades com experiência em obras na Amazônia, o que beneficiou a Queiroz Galvão e Mendes Júnior, como se
produtivas mais intensas. 333 vê no Quadro 4.9.

33 0
Revista O Empreiteiro. Edições n" 6, 27, 55, 58 e 64.
331
QUINTELLA, Wilson. Cap. 11 - Epopéia na selva - a Transamazônica. ln:Memórias... op. cit. p. 265-283.
332
PRADO, Lafayette Salviano. "Rodovia Transamazônica". ln: Tronsportese(orrupção. op. cit. p. 47-S9. '" Revista OEmpreiteiro. Edições de abril e de agosto de 1970, n" 27 e 31 .
m Revista O Empreiteiro. Edição de setembro de 1969, n' 20. JJS QUINTELLA, Wilson. Cap. 11 - Epopéia na se lva -a Transamazônica. ln: Memórias ... op. cit. p. 265-283.
382 Estranhos catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 383

Quadro 4.9 - Resultado do primeiro leilão para obras de trechos da Transamazônica


que a rodovia sofria com as chuvas e, sem asfalto, funcionava apenas seis meses do ano, sendo uma
Lote obtido no leilão Empreiteira contemplada Quilômetros construídos estrada basicamente sazonal. Após um ano de inauguração, trechos estavam intransitáveis, e repórteres
Lotes 1e 3 Mendes Júnior 580 km
do Jornal do Brasil tentaram percorrê-la de carro em 1975 e não conseguiram, verificando que se tratava
Lote 2 Cristo Redentor* 270 km
não de conservação, mas de restauração de boa parte da via. ASudam criticou a colonização da região,
Lote 4 Queiroz Galvão 210 km
Lote 5
atacando a propaganda de que as terras locais eram férteis. Aocupação fundiária foi modesta eas difi-
EIT 230 km
Foote: Revista OEmpreiteiro. Edição de maio de 1971, nº40, ede outubro de 1971,n"45. culdades dos poucos agricultores assentados eram muitas, dadas as más condições de escoamento da
* Aempresa, aparentemente falida, perdw o tr&ho, que foi dividido entre a Mendes Júnior ea S.A. Paulista.
produção pela rodovia, sendo que alguns deles queimaram uma ponte de madeira em protesto contra
o seu estado, em 1991. Houve denúncias na imprensa sobre cemitérios de máquinas do DNER, além de
Otrecho da QG ficava junto à cidade de Altamira, visitada pelo presidente e ministros. No endemias de Chagas, esquistossomose e cólera, que atingiram operários durante as obras e os novos
segundo leilão, ganharam trechos empresas não contempladas no primeiro, como (amargo Corrêa (2 moradores. Vieram acusações de evasão de ouro e madeiras nobres durante a obra e ataques aos povos
lotes), Rabello e Paranapanema. 336 Na estrada, foram erguidas cidades com nomes como "Brasil Novo" autóctones, inclusive com uso de cães pelos empreiteiros para caçar íridios. 344 Aestrada, devido às suas
e 'Medicilândia", sendo o mesmo padrão repetido na Cuiabá-Porto Velho, onde há cidades intituladas condições, passou a ser usada para rali de motocicletas. 345
"Presidente Méd ici" e "Ministro Andreazza". 337 As críticas à obra não modificaram a opinião dos empreiteiros. Além do Clube de Engenharia,
Oprojeto de colonização e "reforma agrária" era parte do Programa de Integração Nacional que aapoiou, 346 Wilson Quintella a vê como positiva 35 anos depois.347 Independentemente dos ganhos
(PIN), sendo proposta a dotação de 10 km em cada margem para assentamentos. Novas culturas foram limitados para habitantes locais, a rodovia representou grandes possibilidades de lucro para empreiteiros,
introduzidas, como cana-de-açúcar, e ofoco seria oabastecimento local e de regiões próximas. 338 Apesar e não à toa, nas competições internacionais para obras rodoviárias em regiões de florestas equatoriais e
do discurso de que isso beneficiaria o pequeno produtor, o que se viu majoritariamente foi a compra de outros lugares inóspitos, as empreiteiras brasileiras passaram a ter vantagem dali por diante. 348
terrenos por grandes empresas domésticas e estrangeiras, como Brascan, Volkswagen, British Petroleum,
Anglo-American, Bozano Simonsen e empreiteiras como Andrade Gutierrez, que compraram terras na "Puseram uma usina no mar'" 49 -As centrais nucleares brasileiras
Amazônia e fizeram especulação imobiliária, às vezes revendendo-as ao governo por preço mais ele-
vado do que ogasto na compra. 339 Apresença de empresas estrangeiras na região foi denunciada por Aconstrução das usinas nucleares brasileiras na ditadura envolveu várias denúncias públicas,
Albuquerque Lima e virou tema de CPl. 340 Opercurso da rodovia passava ainda pela região da guerrilha tendo como elemento de bastidor um conflito entre empreiteiras. Arealização das duas usinas em Angra
do Araguaia, e foi montado abrigo na estrada para repressão à mesma. 341 dos Reis pela Odebrechtfortaleceu essa empresa, dando-lhe inserção em Furnas e nos meios militares,
Ainauguração do primeiro trecho da rodovia, com pouco menos de 1.300 km, se deu em 27 de o que teve repercussões posteriores, além de fazer com que a empreiteira tivesse em 1979 osegundo
agosto de 1972, com cerimônia transmitida por televisão a todo país. Osegundo trecho foi iniciado em maior faturamento do país, superior à CC. 350
seguida, mas em 1974, dado ochoque do petróleo eas mudanças na política de transportes, os trabalhos Ogoverno Médici fez convênio com empresas norte-americanas no início dos anos 70, com-
foram interrompidos e as propostas de asfaltamento adiadas. Otrecho até Humaitá foi completado prando equipamentos e o reator da Westinghouse, que foi instalado na usina de Angra 1. Acentral
posteriormente, e a ligação com o Acre e o Peru continuada a movimentos lentos nas décadas de 1970, termonuclear almirante Alberto Mota e Silva começou a ser construída em 1971, e na concorrência feita
1980, 1990 e 2000. Logo, a estradà virou alvo de críticos, como Roberto Campos, que afirmava que ela por Furnas para realização das obras civis venceu a Odebrecht. Ausina tinha reator movido a urânio
unia osertão árido do Nordeste ao deserto úmido da Amazônia, ligando "a pobreza à miséria",342 e Geisel, enriquecido, que seria comprado no exterior e não incluía a transferência de tecnologia, principalmente
que disse tersidoa Transamazônica "um fracasso". 343 Lafayette Prado cita o alto custo de manutenção e a do enriquecimento de urânio, ambicionada por segmentos militares. Com empréstimo do Eximbank, a
problemas no padrão técnico, com rampas íngremes, pontes de madeira e drenagem precária, afirmando '" BANDEIRA, luiz Alberto Moniz. Cartéis e Desnacionalização. op. cit. p. 44-64.
"' PRADO, L. S. Transportes... op. cit. p. 47-S9. Ele destaca também a incoerência de usar uma via rodoviária em urna região com extensa
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1971, n' 45. rede flu via l.
337 Mapa Rodoviário Brasileiro. ln: Guia Brasil 4 Rodas. São Paulo: 4 Rodas, 2002. "' HONORATO, Cézar leixeira (org.). OClube de Engenharia... op. cil. p. S-6.
331
Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1970, n' 31. "' QUINTELLA, Wilson. Cap. 11 - Epopéia na selva - a Transarnazônica. ln: Memórias... op. cit. p. 265-283.
"' MENDONÇA, Sonia Regina de. AClasse Dominante Agrária. op. cit. p. 71-115. "' Assim, a Andrade Gutierrez iniciou em fins dos anos 70 uma rodovia na selva congolesa, após ter feito a Ma naus-Porto Velho, e a
"' SCHILLING, Paulo R. OExpansionismo Brasileiro: a geopolítica do general Golberye a diplomacia do ltarnarati. São Paulo: Global, 1981 Mendes Júnior, depois de ter sido a principal construtora da Transamazônica, construiu estradas nos desertos do Iraque e da Mauritânia.
[1978]. p.149-171. CAMPOS, P. H. P. "Atransnacionalizaçâo ...". op. cit. p. 70-77.
341
PRADO, Lafayette Salviano. "Rodovia Transamazônica". ln: Transportes e Corrupção. op. cit. p. 47-S9. "' Verso da letra "Bye, bye Brasil", composta por Chico Buarqüêeloberto Menescal em 1979. Ver BUARQUE, Chico. Letras eMúsica. Vol.
'" Apud MENDES; AHUCH . Quebra de Contrato. op. cit. p. 81. 1. op. cit. p. 174.
"s D'ARAÚJO; CASTRO (org.). Ernesto Geise/. op. cit. p. 313. '" Revista OEmpreiteiro. Ed ição de julho de 1980, n• 150.
384 Estranhascatedrais A indústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 385

nova central teria 600 MW e seria alternativa para geração de energia elétrica no Sudeste, sendo posta subtrair a NO de mais uma obra nuclear. Quem venceu a licitação foi a Andrade Gutierrez, apesar de a
em funcionamento em 1982, e em operação comercial em 1985 após inúmeros problemas técnicos. Mendes Júnior ter apresentado preço inferior, eficou decidido que a MJ constru!ria a usina de lguape 1,
Para a Odebrecht, a usina era a oportunidade de erguer um total de seis edifícios e realizar serviços e a CC a de lguape 11, ambas em São Paulo. 360
complexos, o que foi impulsionado com os contratempos encontrados na obra. 351 Aditadura chegou ao fim com uma usina nuclear funcionando precariamente,361 outra em
Em junho de 1975, representantes do governo brasileiro assinaram o Acordo Nuclear Brasil- obras e a terceira em seus trabalhos iniciais. Dentre as críticas ao projeto, sobressaía a do preço, já que
-Alemanha em Bonn prevendo a construção de oito centrais nucleares e transferência de tecnologia o custo do quilowatt de energia de uma UHE co.mo Salto Santiago era de USS 200, enquanto o de Angra
no enriquecimento e reprocessamento de urânio. 352 Apesar da oposição norte-americana, o acordo 1era de US$ 2.000, e o de Angra 11, USS 2.735. (om as elevações nos gastos das obras, a primeira usina
foi adiante com a construção inicial da usina de Angra 11, também de urânio enriquecido. Oconvênio custou aproximadamente US$1,5 bilhão, a segunda, US$ 2,5 bi, e a terceira previa consumir US$ 3,1 bi,
incluía diversos elementos,353 interessando-nos o fato de que a Odebrecht ganhou o direito de construir de acordo com a CPI sobre o tema. 362
todas as usinas do acordo. ATribuna da Imprensa denunciou que "as obras foram entregues à Norberto Atese da necessidade das usinas nucleares era pautada em leituras de esgotamento de fontes
sem nenhuma concorrência e que a construtora estaria cobr.ando uma taxa de administração de 18%, hidrelétricas no Sudeste. Horácio Ortiz afirmou que "o plano nuclear é furado desde seu início, pois as
quando a normal é de 5%". 354 Oministro Shigeaki Ueki respondeu as acusações: "Areferida construtora suas premissas eram de que não teríamos energia hidrelétrica até 1980 no Centro-Sul".363 Esses estu-
ganhou a concorrência para Angra I e recebeu a extensão do contrato para Angra 2 e 3, uma vez que já dos eram endossados pelos grandes construtores, que escondiam a capacidade de pequenas centrais
possuía toda a infraestrutura necessária a esse tipo de obra". 355 Ângelo Calmon de Sá, ex-diretor da NO, hidrelétricas, não interessantes para as grandes empreiteiras.
assinou como ministro de Indústria e Comércio contratos que permitiam apresentação pela construtora Oacordo nuclear era acusado de ter a finalidade principal de aquisição da tecnologia para
de custos suplementares sem limites para as obras das usinas. 356 produção da bomba atômica, conforme editorial da revista OE, que defendia a suspensão das outras
Após 1977, com os cortes estatais, as verbas destinadas à construção das centrais nucleares obras: "Lembramos que as três usinas já autorizadas atenderão perfeitamente às injunções de ordem
experimentaram menos contingenciamentos do que outros empreendimentos, o que permitiu à NO político-militar que levaram à decisão inicial de implantar osistema nuclear brasileiro".364 Fala de Geisel
manter razoável quantidade de serviços, enquanto outras empreiteiras estavam em crise. Até o início em reunião nas forças armadas é emblemática:
dos anos 80, Angra recebeu propostas alternativas e ataques. No período Geisel, representantes da Cesp
tentara m recorrentemente licença junto ao governo federal para construir usinas nucleares em São Estamos com negociações já muito adiantadas com a Alemanha[ ...] para desenvolver a energia nuclear
Paulo. 357 Por trás desses pedidos, estava a (amargo Corrêa e outras empreiteiras paulistas, interessadas e in dústria nuclear dentro do pa ís.[...] Eu não estou dizendo que o propósito do Governo seja este, de
em entrar no ramo das centrais atômicas, porém o governo Geisel negou todos os pedidos. procurar fazer a arma nucl ear, mas nós temos que nos preparar, tecnologicamente, etc., e ficarmo s em
No governo Figueiredo, a correlação de forças entre representantes desses empresá rios no condições de podermos prosseguir nesse caminho, conforme as circunstâncias.'"
aparelho de Estado se modificou e, em agosto de 1981, a Odebrecht perdeu o direito de construção da
terceira usina, como reporta a revista OEmpreiteiro: "a Nucon anunciou o rompimento do contrato de Aintenção oculta de deter a tecnologia para a produção da bomba atômica correspondia a
Angra 111 pela Norberto Odebrecht sem que fossem explicados os motivos do rompimento". Segundo o uma parte dos interesses envolvidos no acordo Brasil-Alemanha,366 e a revista OEmpreiteiro explicava
ministro César Cais, em 31 de agosto de 1981, "somente agora existiram condições políticas para a ruptura a continuidade das obras apenas ~ poder do lobby dos estrategistas militares, nublando os interesses
doacordo".358 Foi lançado edital de pré-qualificação da obra, com cláusula proibindo a participação de dos empreiteiros e outras empresas envolvidas no projeto. 367
firmas que atuaram em Angra I e 11, ou seja, excluindo a NO da concorrência. 359 Apesar dos problemas Oprojeto nuclear brasileiro atendia a interesses de fornecedores de equipamentos, financiadores
técnicos encontrados nas usinas, deve-se levar em conta também a pressãodas outras construtoras para internacionais e empresários brasileiros, dentre os quais ganham destaque os empreiteiros responsáveis
pelas obras civis das usinas, conjugado com o objetivo dos militares de deter o conhecimento para a
m Revista OEmpreiteiro. Edições n" 42, 50 e 65.
352 Sobre a questão da transferência de tecnologia, ver ROSA; SIGAUD; MIELNIK (org.). lmpoctos... op. cit.
m Para uma anáÍise do acordo e do projeto nuclear brasileiro, ver BRANDÃO, Rafael Vaz da M. ONegócio... op. cit. Uma bibl iografia pode
"º GIROTTI, Carlos A. ' Elefantes brancos e outros bichos nucleares". ln: Estado Nuclear... op. cit. p. 95-148.
"' Ausi na era conhecida então como vaga-lume. VerGIROTTI, Carlos A. Estado Nuclear... op. cit. p. 95-148.
serencontrada em GASPAR!, E. A Ditadura Encurralado. op. cit. p. 127-157. 362 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 137, 148 e 195.
'" Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1978, n' 127.
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de julhode 1979, n' 138.
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1978, n' 127.
" ' Revista OEmpreiteiro. Edição de novembro de 1979, n• 142.
156 BRANDÃO, Rafael Vaz da Mona. ONegódo do 5écu/o. op. cit. p. 72-107.
"' GASPAR 1, Elio. ADitadura Encurralada. op. cit. p. 132. ___ _
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1978, n' 128. ,., Sobre o tema, Delfim afirmou acerca das relações entre Brasil e Iraque nos anos 70 e 80: "Não é segredo para ninguém que os dois
"' GIROTTl,Carlos A. Estado Nuclear noBrasil. op. cit. p. 141. países tentaram desenvolver a bomba atômica". MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Quebra de Contrato. op. cit. p. 160.
JJ 9 Revista OEmpreiteiro. Edição de agostode 1981, n' 164. 367 Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1980, n' 153. ·
· 386 Estranhas catedrais Aindústria de construção pesada bra~leira em perspectiva histórica 387

produção da bomba atômica. Apesar dos contratempos e, de certa forma, até em função deles, as obras de maior porte, teve início em 1971 e a concorrência foi vencida pela Odebrecht, com proposta de Cr$ 137
das duas primeiras usinas foram importante instrumento para acumulação de capital por parte das em- milhões. Ocusto total do aeroporto era de Cr$ 500 milhões, passa ndo as duas empreiteiras a dividir os
preiteiras e, particularmente, para a Odebrecht ganhar projeção no mercado nacional de obras públicas. serviços. Oprojeto era previsto para ser plenamente concluído em 1990, quando seria chamado Aeroporto
Internacional Principal do Brasil e atenderia a aviões supersônicos civis e militares, sendo essas obras
Superprojetos militares - Portos e aeroportos da ditadura administradas pela Aeroporto do Rio de Janeiro S.A. (Arsa), subsidiária da lnfraero que administrava os
aeroportos da cidade. Oempreendimento incluía o aterro de uma parte da baía correspondente ao Aterro
Oencontro de interesses militares com os de empresas de engenharia ficou concretizado em do Flamengo, de modo a abrigar as pistas de pouso, as únicas em concreto protendido do país, além
outros projetos além do nuclear. Oreaparelhamento das forças armadas brasileiras, objetivado por oficiais de serem as maiores para uso não militar. 371 Oprojeto tinha números monumentais: o sistema elétrico
presentes no grupo dirigente, passava por serviços prestados por empreiteiras, e entre as "estranhas era capaz de abastecer uma cidade de 50 mil habitantes, com torres de iluminação de potência inédita
catedrais" havia plantas militares de grandes proporções.Além das obras do Exército, a Marinha montou no país; o concreto utilizado era o suficiente para erguer cinco estádios do Maracanã; o reservatório de
grandesbases navais, que atendiam aos anseios de ampliação da força naval brasileira, e a Aeronáutica água era o suficiente para atender uma cidade de 500 mil habitantes, e o estacionamento previa vagas
tinha suas propostas de criação e ampliação das bases aéreas no país,alémda aquisição de novos aviões para 1.761 veículos.372 Nos números, é possível verificar como as justificativas militares e de segurança
decombate. Esses projetos incluíam a montagem de um complexo industrial-militar nacional, composto convinham perfeitamente para as empreiteiras,que viam o volume de seus serviços serem maximizados
por empresas estatais e privadas, como Taurus, CBC, lmbel e a Engesa, que produziam equipamentos com esses argumentos. Aconexão do aeroporto com a Zona Sul da cidade era uma obra à parte, a Linha
militares para o Exército e para exportação. AMarinha tinha empresas que atendiam suas demandas e Vermelha, que ligava o túnel Rebouças e o elevado Paulo de Frontin à ilha do Governador, havendo
a Aeronáutica adquiria produtos da estatal Embraer, criada em 1969, da Avibrás e outras, que também também projeto de trem aéreo ligando o aeroporto ao centro, com tecnologia francesa, o que não
exportavam parte da produção.368 foi adiante.373 Apesar da pressão militar e empresarial, seu porte foi simplificado pelas contingências
No quetoca à Aeronáutica, alguns projetos do período foram os dos aeroportos de Santa Marta, financeiras, e o aeroporto foi entregue de maneira parcial em 1977.374 Não obstante as limitações, as
no Rio Grande do Sul, e de Anápolis, próximo à capitalfederal. Ambos estavam em regiões estratégicas obras fortaleceram as empreiteiras envolvidas, capacitando-as para obras similares no exterior.375
e atendiam aos planos de reequipamento das forças armadas e expansão do poder bélico brasileiro. A No final dosanos 70, outros aeroportos internacionais foram construídos nas duas outras maiores
base aérea de Santa Marta ficava próxima à fronteira com o Cone Sul e era a maior do subcontinente, cidades brasileiras. Com sua inserção no governo Paulo Egydio Martins e na Aeronáutica, a (amargo
causando desconfiança dos governos vizinhos. 369 Outra obra de grande porte que atendia a interesses Corrêa - que já fizera as obras da base do Galeão, em 1954, e os aeroportos de Campo Grande, Cuiabá,
de militares e empreiteiros era oaeroporto supersônico de Anápolis, unidade da FAB que servia também Ilhéus, Parnaíba e Manaus -venceu a concorrência para Cumbica, em Guarulhos. Oempreendimento foi
ao correio aéreo. Abase incluía a maior pista de pouso e decolagem já construída no país, destinada criticado por seu impacto local e escolha por um novo aeroporto quando era possível apenas expandir
aos 16 caças comprados da França no início dos anos 70. A Rabello foi responsável pelas obras, e a Vira copos e Congonhas. Em Minas, aAndrade Gutierrez e a Mendes Júnior dividiram as obras do aeroporto
revista OEmpreiteiro exaltou o que era o aeroporto mais moderno do país: "OMirage de velocidade internacional de Confins (depois Tancredo Neves), em empreendimento entregue em 1984.376 Apesar
duas vezes superior ao som, dará ao Brasi l condições de combate e defesa aérea rápidas, dentro dos do aso majoritariamente civil, essas obras eram encomendadas pela Aeronáutica.
padrões da guerra moderna". 370 Vê-se aí a confluência dos interesses dos empresários da construção AMarinha também desenvolveu projetos de grandes envergadura durante o regime, garan-
com os anseios militares. tindo contratos às empresas de engenharia. No início dos anos 70, foi iniciada a expansão do porto de
Além dessas bases, o maior projeto de aeroporto da ditadura foi o supersônico do Galeão, Rio Grande, no Rio Grande do Sul, voltado para ser um superporto que atendia a objetivos militares e
no Rio. Com projeto ousado, a obra previa muitos serviços de engenharia, incluindo aterros, torres de ao transporte de mercadorias para a região da Alalc. Oprojeto recebeu financiamentos do BNDE, 81D
comando, estacionamentos, equipamentos prediais militares, pistas de decolagem, obras viárias e e Eximbank, e sua construção demorou cinco anos, gerando serviços para empreiteiras nas obras do
terminais de passageiros. Oempreendimento trouxe a Odebrecht para o mercado nacional de obras e cais e terminais de contêineres. Oporto, quando pronto, seria ó maior do país, e sua posição junto aos
ajudou a sedimentar seu papel junto às forças armadas, além de aproximá-la da CBPO. países do Cone Sul gerou protestos dos governos vizinhos, insatisfeitos com a militarização da região
Os estudos para o aeroporto datam de 1968 e, em agosto de 1970, iniciou-se a primeira etapa
dasobras que ficou com a CBPO e foi concluída em 1973 no valor de Cr$ 19,4 milhões. Asegunda etapa, 371 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 4, 33, 35, 42, 47 e 53.
m REVISTA OEmpreiteiro. 700... op. dt. p. 92-93.
"' Para esse complexo, ver por exemploMARINI, RuyMauro. La acumula<ión capitalista mundialy el subimperialismo. Cuodernos Políticos, m Revista OEmpreiteiro. Edições n" 40 e 65.
Mé xico: Era, n.12, p. 21-39, abr/jun, 1977. "' REVISTAOEmpreiteiro. 700... op. cit. p. 44-45.
"' SCHILUNG, Paulo R. OExpansionismo Brasileiro. op. cit. p. 11-12. "' Como o aeroporto de Trípoli, tocado 30 anos apóso Galeão pe la NO. Ver OGlobo, 08/07/2007, p. 24.
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de fevereiro de 1973, nº 61. "' Revista OEmpreiteiro. Ed içõesn" 175, 186 e 205.
Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 389
388 &lfanhascaredrais

da fronteira. Andrade Gutierrez, Christiani-Nielsen e Ecisa participaram do projeto, sendo que a última estudos foram feitos, e houve proposta da União Soviética para construção da usina. Como parte do rio
usou essa experiência para obras portuárias no exterior posteriormente.377 se encontrava na divisa com o Paraguai, os dois países assinaram em 1966 a Ata do Iguaçu, prevendo
Os superprojetos militares da ditadura tinham a peculiaridade de incluir grande demanda de estudos conjuntos sobre as possibilidades de geração de energia no rio. Em 1973, o Paraguai (com
serviços de engenharia, atendendo aos interesses das empreiteiras, que erguiam "estranhas catedrais" seus 2,5 milhões de habitantes) e o Brasil (com 102 milhões) fizeram acordo para construção da maior
'de uso das forças armadas. Além de garantir serviços às construtoras e incentivar aespecialização técnica hidrelétrica do mundo, o Tratado de ltaipu, que previa a construção de uma usina de aproximadamente
das mesmas, as obras possibilitavam a aproximação das construtoras com as forças militares, abrindo · 10 mil megawatts, em tarefa dividida entre as estatais de energia dos dois pa íses. Como subsidiária da
caminho para parcerias posteriores. 378 Eletrobrás e da Ande, surgia a ltaipu Binacional, que faria a obra e administraria a hidrelétrica depois de
pronta. Otratado previa a paridade entre paraguaios e brasileiros em vários aspectos, como nas diretorias
"O sertão vai virar mar"379 - ltaipu e as grandes usinas hidrelétricas380 da empresa, porém com algumas exceções, como a presidência da companhia, sempre preenchida por
um brasileiro. Além disso, era previsto que todo o empreendimento seria financiado e custeado pelo
Osetor que representou as maiores encomepdas às grandes construtoras brasileiras na ditadura governo brasileiro, e a dívida paraguaia seria paga em 50 anos na forma de fornecimento da metade da
foi ode barragens e hidrelétricas. Empreendimentos que demandavam maior especialização técnica, energia gerada por ltaipu pertencente aos parà@uaios para a Eletrobrás a "um preço justo". Otratado
gra~de volume de capital e poder financeiro, as centrais elétricas possibilitaram a formação do grande foi redigido secretamente e gerou o incômodo argentino, já que suas especificações técnicas impediam
capital brasileiro na construção pesada, composto pelas barrageiras. Aditadura reforçou o modelo do a construção da usina de Corpus, a jusante do rio. Oimbróglio só foi resolvido em 1979 com o Tratado
período JK de construção de grandes usinas nos rios, dando novo volume e patamar a essas obras, que Tripartite, que adaptava a altura de ltaipu às demandas argentinas.381
atendiam a uma gama de interesses: os consumidores eletrointensivos, dado que elas representavam Alicitação para a construção da usina foi uma questão à parte. Ogoverno norte-americano,
custo menor por quilowatt instalado, possibilitando menores custos para as fábricas de aço, alumínio, representando os interesses de suas empresas de equipamentos elétricos, pressionou para a formação
papel e outros; as produtoras de equipamentos elétricos, como turbinas e geradores, que lucravam com de um único consórcio de construção e fornecimento de equipamentos.382 Aconstrução era em uma área
a produção dos mesmos, em ramo dominado por firmas estrangeiras, como Voith, Alstom, GE e outras; que o tratado não previa paridade entre os dois países, sendo que apenas 10% dos serviços ficavam a
e as construtoras, que ficavam responsáveis pela maior parte dos gastos da obra. cargo de empresas paraguaias e 90% de brasileiras, apesar de a mão de obra ser equivalente entre os
As barragens criavam fortes impactos sociais e ambientais, oque incluía a fase de construção. dois países. Como a Eletrobrás faria a concorrência e a (amargo Corrêa não tinha trânsito na estatal, a
Ouso da tecnologia dos grandes reservatórios obrigava a remoção de famílias, com desapropriações empreiteira paulista contactou firmas de engenharia guaranis. Estabelecendo convênio com a companhia
denunciadas como violentas e com valores arbitrários. Aformação do lago inundava amplas regiões, de Juan Carlos Whasmony, futuro presidente do país, a CC concorreu à obra e disputaram-na também
levando a mortandade de plantas e animais, o que era criticado por entidades ambientais. Exemplo Cetenco, CBPO, Mendes Júnior e Andrade Gutierrez. Em condições obscuras, a Eletrobrás resolveu fazer
foi a barragem de Sobradinho, que gerou o maior lago artificial do país e teve amplos impactos sociais todas vencedoras, dividindo os 90% dos serviços da obra entre as cinco firmas brasileiras, ficando as
no sertão baiano. Já as usinas de Balbina, Tucuruí e Samuel, em plena floresta amazônica, inundaram seis empresas paraguaias com 10%da obra. As empreiteiras brasileiras formaram o consórcio Unicon,
áreas de povoamento indígena e fizeram submergir as florestas nativas, sendo denunciadas pelas e havia revezamento entre elas na sua liderança. 383
entidades ecológicas. Aobra, segundo os técnicos envolvidos, não trazia dificuldades maiores na engenhar'ia, mas
Como não cabe aqui tratar de todos esses casos eos benefícios gerados para os empreiteiros em empecilhos na escala, com dificuldades de logística, principalmente para atender os 25 mil operários
cada obra, tomaremos como exemplo a construção de ltaipu, que éa que melhor se enquadra como uma que trabalhavam no empreendimento. s·ó em 1980, foram usados 20.118 caminhões, além de 6.648
"estranha catedral", visto que, além de ter os impactos gerados pelas outras usinas, criou um problema vagões ferroviários, que transportava'm aço, cimento, concreto e equipamentos. 384 Aobra consumia
complementar, uma querela internacional. altas quantidades de materiais: 20% da produção nacional de cimento, o equivalente a :210 maracanãs
Os primeiros projetos para implantação de uma megausina no rio Paraná começaram no de concreto, 380 torreis Eiffel de aço, nove eurotúneis de escavação, erguendo estrutura equivalente a
início dos anos 60 com a Light, interessada na sua construção e exploração. Ainda no governo Jango, 381
Umest udo mais aprofundado sobre o tema e de onde foram retiradas as informações aqui colocadas é ode UMA, Ivone Therezinh a
Carletto de. ltaipu. op. cit. p. 19-252.
m Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de1973, n' 67.
377 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 29, 40, 42, 47, 94 e 120. 383 QUINTELLA, Wilson. Cap. 12 -A maior do mundo - lta ipu. ln: Mem6rias ... op. cit. p. 28S-293. Apesar de outras fontes 5e referirem
378 Como a empresa de mísseise oestaleiro para produção de submarinos nucleares em Sepetibaa cargo da Odebrecht no governo Lula.
a uma divisão equitativa dos serviços, Murillo Mendes afirma que o general Costa Cavalcanti teria imposto: "A Mendes Júnior terá
Ver OGlobo. Edição de 30/08/2009, p. 20.
que assumir a liderança do5 trabalhos". Segundo seu relato, a MJ foi responsável por 89% da execução da usina. Em MENDES, M. V.;
"' Verso da canção "Sobradinho", composta por Sá e Guarabira em 1983.
380 Para um estudo dos impactos sociais da usina de Sobradinho, ver ROSA, LuizPinguelli;SIGAUD, Lyg ia; MIELNIK, Otávio (org.). /mpactos...
ATTUCH, l. Quebra... op. cit. p. 91. ·
" ' <http://www.itaipu.gov. br/>, acessoem 28 dejaneiro de 2009.
op.dt. p. 83-166.
390 Estranhascatedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 391

um edifício de 65 andares. 385 Os trabalhos tiveram início em janeiro de 1975 eforam concluídos em 1984, Aferrovia dos mil dias e outras estradas de ferro do regime ditatorial
quando a usina foi inaugurada e começou a gerar energia comercialmente. Apesar de Wilson Quintei la
ter afirmado que "[n]ão houve qualquer conflito no canteiro de obras",386 ocorreram vários acidentes, Acrise do petróleo de 1973 e oinício do governo Geisel incorreram em uma reorientação da política
com 40 mortes apenas entre 1975 e 1979, apesar da fiscalização internacional, que obrigava padrões de transportes, que pendeu para a construção ferroviária, em detrimento das rodovias. Isso fez com que, pela
de segurança mais rígidos que outras barragens feitas no Brasil. Apenas em um dia, devido à queda de primeira vez desde os anos 30, o meio rodoviário retrocedesse levemente na proporção do transporte de cargas
um andaime, morreram imediatamente oito operários. Oregime de trabalho era de 12 horas diárias e no país. Mesmo com oabandono parcial das metas do plano quinquenal ferroviário, o volume de cargas movi-
havia denúncia de pagamento de horas extras sem aditivos deauxílio-periculosidade e insalubridade.is7 mentadas por estradas de ferro se elevou de 16,3% para 17% no país entre 1978 e 1979, enquanto as rodovias
Terminada a barragem, foi feito o enchimento do reservatório. Apesar de usar osistema de "fio reduziam sua participação de 70,4% para 70%,391 em uma tendência que teve certa continuidade entre 1975
d'água''. a usina criou osétimo maior lago de hidrelétrica do Brasil, levando a desapropriações e expulsões e 1990. Essa modificação nas prioridades da política de transporte se relaciona com uma mudança nos grupos
de agricultores. Foram feitos protestos diante das indenizações pagas e, do lado paraguaio, acusações de interesse envolvidos nesses novos projetos. Aconstrução rodoviária, priorizada no período 1968-1974, era
assinalam uma truculência maior. As sete quedas do rio Paraná foram inundadas, houve mortandade baseada na concatenação de interesses de empreiteiras especializadas em obras de estradas, com empresas de
de plantas eanimais e os municípios da região perderam terras férteis, população e recursos do Fundo equipamento para construção rodoviária, em sua maioria norte-americanas, e bancos e instituições multilaterais
de Participação dos Municípios e do ICM, sendo recompensados depois, com os royafties previstos na que financiavam esses projetos, de origem também, sobretudo, nos Estados Unidos. Já as ferrovias pós-li PND
Constituição de 1988 e em lei de 1991. Opresidente da ltaipu Binacional durante a obra, o general tinham financiamentos comumente europeus para aquisição de equipamentos fabricados em países como
Costa Cavalcanti, recebeu o título depersona non grata da Câmara Municipal de Guairá, no Paraná.388 Inglaterra, França e Alemanha.
Além dos impactos sociais e ambientais, ltaipu teve seus impactos diplomáticos. Avoltagem Algumas metas do li PND eram aredução da dependência de combustíveis fósseis e a produção no país
no Paraguai era de 50 hertz, ao passo que no Brasil era de 60, gerando um grave problema a ser solu- de insumos importados no "milagre", como o aço. AFerrovia do Aço, principal projeto ferroviário da ditadura,
cionado. A solução dada pelos técnicos brasileiros foi a mudança de todo o padrão elétrico paraguaio, atendia a esses dois objetivos, sendo elogiada por Eugênio Gudin e atacada por Eliseu Resende. Parte do Plano
com a oferta de uma siderúrgica, outra hidrelétrica e financiamentos como compensação. Questões de Siderúrgico Nacional, a via era projetada para funcionar apenas à base de energia elétrica e deveria dar acesso
limites entre os países foram solucionados com o alagamento e a administração de um parque em área ágil ao minério de ferro de Minas para CSN e Cosipa. Seu projeto édo início dos anos 70, quando oDNEF convocou
litigiosa pela empresa binacional. Ma is que isso, a usina fortaleceu a ditadura de Alfredo Stroessner e licitação para estudo da malha ferroviária no Sudeste eo consórcio Transcon-Engevix propôs uma nova ligação
intensificou a dependência do Paraguai em relação ao Brasil, já que 91% da energia consumida no país entre Minas, Volta Redonda e São Paulo. No governo Geisel, a Engefer, subsidiária da RFF, assumiu oprojeto, eo
passou a vir de ltaipu e, com o tratado, foi criada uma dívida com o governo brasileiro que equivalia ministro Dirceu Nogueira propôs a sua construção em mil dias, a um custo de U5$ 1,2 bilhão (Cr$ 9,42 bi), além
a 4 ou 5 vezes o PIB paraguaio, em débitos pagos até 2023, de maneira favorável à Eletrobrás. 389 Os de US$ 200 milhões de equipamentos ferroviários comprados na Inglaterra com financiamento europeu. O
grandes consumidores industriais paulistas foram diretamente beneficiados com o"linhão" de Furnas, governo previa uma via de altos padrões, e as obras dos seus 397 km foram divididas em 25 lotes, licitados para
que unia a usina ao estado. as empreiteiras em 1975. Como a via atravessaria regiões com altitude entre 800 a 1.027 metros, chegando a
A construção de grandes hidrelétricas na ditadura evidencia de manei ra emblemática a 400 metros em Volta Redonda, a solução para manter a alta velocidade foi incluir 197 túneis com um total de
concatenação de interesses entre grandes consumidores de energia, fornecedores de equipamentos e 97,4 km, sendo só um de 8,7 km, o"tunelão", além de 129 pontes ou viadutos, em um total de 42 km, corn altos
grandes empreiteiros. Aexperiência adquirida na construção dessas "estranhas catedrais" fez com que pilares nos vales. Essas obras de arte, que repetiam o padrão da rodovia dos Imigrantes, permitiam velocidaâe
o modelo de grandes centrais hidrelétricas fosse posteriormente exportado, incluindo os seus duros de 100 a 120 km/h em composições vazias e 80 km/h nas cheias, o que escapava à marca de baixa velocidade
impactos sociais e ambientais. 390 das estradas de ferro nacionais.392
Como se vê no Quadro 4.12, houve forte hierarquização entre os valores encomendados, que
correspondem ao porte das empresas, sendo que algumas alegam ter tido dificuldades devido às pa-
ralisações e atrasos durante a obra. Ofato é que das 25 empresas envolvidas, só temos notícias sobre
"s SINICDN . Dois Brasis: oque a infraestrutura está mudando. op. cit. p. 113-124.
atividades de três delas nos dias atuais.
386
QUINfELLA, Wilson. Cap. 12 -A maior do mundo - ltaipu. ln: Memórias... op. cit. p. 285-293. As obras tiveram início em 30deabril de 1975 e, com os seguidos cortesnos projetos do li PND, aferrovia
387
LIMA, lvoneTherezinha Carletto de. ltaipu. op. cit. p. 196-252.
388
virou um dos principais alvos do contingenciamento de verbas. Oministro dos Transportes prometeu em julho
LIMA, Ivone fherezinha Ca rletto de. ltaipu. op. cit. p. 299-352.
389
LIMA, 1. T. C. de. ltaipu. op. cit. p. 196-252; SCHILLING, Paulo R. OExpansionismo... op. cit. p. 201-266.
"º Desde os anos 80, por exemplo, CC eMJ prestaram consultoria ao governo chinês para aconstrução da usina de Três Gargantas.Informe 391 Revista OEmpreiteiro. Edição de junho de 1981, nº 162.

Sinicon. Edi(ãon' 10, ano 1. "' Revista OEmpreiteiro, n• 87; SICEPOT-MG. Rumo... op. cit. p. 132-7; PRADO, L. S. Transportes... op. cit. p. 81-94.
392 Estranhas catedrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 393

de 1975 que a ferrovia estaria entregue em meéldos de 1978, porém já em setembro, houve revisão do prazo,
o que se repetiu em julho de 1976, com a promessa de que a obra seria entregue em 1979. Posteriormente, Em 1985, a empresa de mineração e logística MBR propôs ao Ministério dos Transportes
a entrega foi adiada para 1982, 1983, 1985, 1986 e 1987, os trabalhos foram paralisados e continuados com concluir o trecho entre Minas e o Rio em condições simplificadas, a cargo da própria empresa, que
diferentes intensidades, até que, no início de 1984, o governo anunciou que a obra não tinha mais prazo. Com assim teria descontos no seu uso. Aproposta foi aceita e, em 1989, 320 km da ferrovia do Aço foram
as dificuldades para custeá-la, Yoram feitas mudanças no traçado e revisão na propulsão, que passou a combinar entregues, com trajeto alterado, uso de combustível associado à eletricidade e abandono de obras de
eletricidade com diesel. Aobra foi criticada no parlamento e na imprensa, ea manchete do Jornal do Brasil de 19 arte previstas no projeto original. AMBR teve isenções para transporte de minério na via e, ao invés de
de fevereiro de 1984 afirmava: "Ferrovia do Aço já representa 2% da dívida externa".393 No governo Figueiredo, levá-lo para a CSN e Cosipa, exportava-o pelos portos do Rio. Assim, a ferrovia que deveria servir para
dirigentes da RFF foram demitidos ao criticar avia, afirmando que omelhor seria duplicar e eletrificar a linha do incrementar a integração dos centros produtores de minério de ferro e aço nacionais se tornou uma
centro da Central do Brasil, que fazia percurso similar.394 via para exportação de produto primário para o mercado internacional. Do custo inicial de US$ 1,4 bi,
foram gastos US$ 3 bilhões, dos quais apenas US$ 130 milhões pela MBR, para que fosse entregue uma
Quadro 4.10-As construtoras da Ferrovia do Aço ferrovia menor que a projetada, sem os padrões técnicos previstos. Oprazo de mil dias se transformou
Empreiteira responsável Valor do contrat'> do trecho em 5 mil, várias obras de arte foram mantidas pela metade e equipamentos ferroviários foram deixados
(amargo Corrêa Cr$ 1,391 bilhão sem uso em galpões da RFF. 391
Andrade Gutierrez Cr$ 1,098 bilhão Apesar das críticas, empresários do ramo ferroviário eram favoráveis à via, ao contrário de
CRAlmeida Cr$ 1,055 bilhão outros projetos do regime. Um deles, colocado publicamente pela primeira vez no governo Geisel, foi
CBPO Cr$ 750 milhões o do Trem de Alta Velocidade (TAV) ligando Rio a São Paulo, criticado pelo empresariado do setor por
Rabello Cr$ 723 milhões incluir participação estrangeira no financiamento, tecnologia e implementação, sem espaço para as
Velloso e(amargo Cr$ 389 + 269 milhões (total de Cr$ 658 mi) empresas domésticas. Arevista OEmpreiteiro fez coro no editorial "O mito do trem-bala (ou a atração
Cetenco Cr$ 549 milhões
das obras monumentais)". 396 Oministro Dirceu Nogueira apresentou projeto japonês ao presidente Geisel,
A. Vieira Cr$ 293 + 88 milhões (total de Cr$ 379 mi)
mas esse adiou os planos em função dos cortes estatais. Oprojeto, orçado em US$ 3,5 a 6 bilhões, foi
Queiroz Galvão Cr$ 325,9 milhões
à licitação no governo Sarney, com vitória do empresário saudita Gaith Pharaon, condenado na justiça
Emec Cr$190 + 127 milhões (total de Cr$ 317 mi)
dos Estados Unidos, e que, associado a empresários brasileiros, não levou a obra adiante. 397
Mendes Júnior Cr$ 163 + 146 milhões (total de Cr$ 309 mi)
Sotege Cr$ 297,7 milhões
Otrem-bala é representativo da continuidade dos interesses relacionados à construção ferrovi-
Embasa Cr$ 207 milhões ária no período Sarney, que também criou novos projetos no setor. Aferrovia Norte-Sul era igualmente
Braseu ' Cr$ 163 milhões marcada pela grandiosidade, polêmica, irregularidades, alto custo e presença de interesses de em-
Tuniollo Busnello Cr$ 161 milhões preiteiros, fornecedores e credores. Oprojeto de 1.500 km foi apresentado em 1986 pelo ministro José
Ferreira Guedes Cr$ 151 milhões Reinaldo Tavares, ligando os portos de Açailândia e Imperatriz, no Maranhão, às cidades de Anápolis e
Ecisa Cr$ 141 milhões Luziânia, em Goiás, e ficava a cargo da estatal Valec. Aobra era justificada pela possibilidade de expor-
Rodóférrea Cr$141 milhões tação de produtos agrícolas pela via-;-mas especialistas alegavam que apenas 10% das terras da~ião
Heleno Fonseca 1 Cr$112 milhões eram adequadas para a agricultura e que havia alternativas fluviais. 398 Apesar das dificuldades para a
'
Beter ' Cr$ 108 milhões sua exploração econômica, o projeto possibilitou negócios de comercialização de terras, inclusive de
Paranapanema Cr$ 99 milhões agentes relacionados ao presidente da República e ao ministro da Agricultura, Íris Resende, cuja pasta
Sergen Cr$ 94 milhões ficou incumbida da colonização ao longo da via. Ojornalista Jânio de Freitas denunciou a combinação
Ecel Cr$ 90 milhões dos lances da concorrência pelas empreiteiras nos classificados da Folha de S. Paulo, o que levou à nova
Tratex Cr$ 78 milhões
licitação, com propostas com metade do valor original, além de CPI sobre o tema. Apenas um pequeno
Sefvix Cr$ 60 milhões
Fonte: Revista OEmpreiteiro. Edição de abril de 1975, n' 87,

"' SICEPOT-MG. Rumoao Futuro. op. cit. p. 31-163.


"' Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1978, nº-118:--
m Apud PRADO, Lafayette Salviano. "Ferrovia do Aço". ln: Transportes eCorrupção. op. cit. p. 84. 397 PRADO, Lafayette Salviano. "Outras ferrovias". ln: Transportes... op. cit. p. 119-138.

PRADO, lafayette Salviano. "Ferrovia do Aço". ln: Transportes e Corrupção. op. cit. p. 81-94.
394 "' PRADO, Lafayette Salviano. "Ferrovia Norte-Sul". ln: Transportes e(o,rupção. op. cit. p. 97-116.
394 EitranhalCatedrai, Aindústria de conmução pesadabrasileira em perspectivahistórica 395

trecho da obra foi entregue em 1989, após turnos de 24 horas de trabalho, ao contrário da previsão de com exploração nos rios da região e processamento em Vila do Conde, São Luís e Recife, como consta
entrega de toda a via nesse ano. 399 no Quadro 4.11.
Outros projetos do período foram a Ferrovia da Produção, no Paraná, e a Ferrovia Leste-Oeste
(Ferronorte), de 0lacyr de Morais, e elogiada por Geisel, que encontrou problemas, sendo também Quadro 4.11 - Projetosde alumínio previstospara Trombetas/Carajás
marcada pela grandiosidade e polêmica. Oque aproxima esses projetos é a confluência de interesses Nome Empresas Investimento Local Início
de empreiteiros, proprietários de terrenos, firmas estrangeiras de equipamentos ferroviários e credores Albrás CVRD (51%) e Na lco (japonesa, 49%) US$ 1,34bi Pará 1984
europeus, como o 0eutsche Bank, que financiou a ferrovia Norte-Sul. Associados a esses outros em- Alune VAW (alemã) e outros (1/3 de Albrás) Recife 1985
presários, os empreiteiros se ajustavam às novas configurações da economia internacional e nacional Alunorte CVRD (60,8%) e Nalco (39,2%) US$ 580 mi Pará 1984
para explorar uma nova área de investimentos, que exigia mais serviços de engenharia que as rodovias, CBA Votorantim US$ 650 mi Pará 1985
podendo prover ganhos maiores. Apesar das críticas, muitos desses projetos voltaram com força nos Alumar Alcoa, Billington (Shell) e CC (36%) US$1 bi São Luís 1984
Trombeta Mineração Rio do Norte - Pará 1984
anos 90 e 2000, atendendo interesses dos empreiteiros e renovando polêmicas.400
Fonte: Revista OEmpreiteiro. Edl~ões n" 165 e 182;/nforme Sinicon. Edição 11º 21. ano 1.

"Eu acho bauxita por fá'"'º 1 - Oprojeto mineral grande Carajás


Firmas nacionais se juntaram às estrangeiras, e a (amargo Corrêa se associou à Alluminium
Sea ditadura foi período de avanço da economia industrial brasileira, com implementação de um CompanyofAmerica (Alcoa) e à Billington Metais (subsidiária da Shell) no Projeto de Alumínio do Mara-
parque amplo e diversificado e centralidade na acumulação de capitais no setor secundário da economia, nhão (Alumar), para produção de alumina e alumínio em São Luís. AAndrade Gutierrez e a Brasilinvest
voltado para omercado interno, foram semeados no período novos projetos de produção agropecuária também fizeram investimentos minerais na região. 403
e mineral para exportação, que se consolidaram nas décadas de 1990 e 2000. Incentivos à produção de Além de participarem da exploração dos minerais, as empreiteiras atuavam com as obras de ·
soja, carne ede cana-de-açúcar marcaram a década de 1970, eo mesmo se pode dizer dos minerais, cuja infraestrutura. ACVRD contratou serviços às construtoras, como a ferrovia de Carajás, com 890 km e
produção foi impulsionada na última década do regime. Oaumento da produção e exportação desses custo de US$ 2,6 bi, ligando a região produtora de minério, no Sul do Pará, ao porto de ltaqui, no Mara-
itens se deu com novos investimentos na produção em Minas e com descobertas no Pará. nhâo. Aescolha pela construção da ferrovia mereceu críticas do Clube de Engenharia, que afirmou sair
No início dos anos 70, após demonstração de interesse de mineradoras estrangeiras, ogoverno o transporte por rios por aproximadamente metade do preço.404 Aestrada de ferro passava pela bacia
federal pesquisou oterritório da Amazônica e encontrou jazidas de ferro, níquel, manganês, cobre, esta- amazônica, demandando 62 pontes e viadutos, e as obras ficaram com Andrade Gutierrez, 0debrecht e
nho, ouro e bauxita. Nos marcos do li PND, o MME criou o Projeto Grande Carajás, voltado para explorar Queiroz Galvão. Os projetos locais incluíam outras obras, como a infraestrutura de minas, construção e
esses minerais, assegurando a autossuficiência e possibilitando a exportação, o que geraria divisas para ampliação de portos e montagem de fábricas de alumínio e unidades de processamento dos minérios. 405
o pagamento da dívida externa. Com isso, oprojeto figurou como de alta prioridade estatal, ficou isento As obras, em um cenário de mercado em crise, geraram conflitos entre empreiteiras. Além da
de cortes e,no governo Figueiredo, Delfim assegurou a sua continuidade. Posteriormente, oex-ministro ferrovia, outro empreendimento cobiçado era a hidrelétrica de Tucuruí, que, com seus 8 mil MW de
considerou oCarajás a segunda realização mais importante do "regime autoritário", depois de ltaipu.402 potência final, forneceria energia ao complexo mineral-industrial. Na concorrência, a (amargo Corrêa
Com os interesses dos grupos estrangeiros, a orientaçãotlogoveTlíoioie stabelem associação venceu a Mendes Júnior, reduzindo o preço da proposta efazendo aditivos posteriores. Segundo Wilson
entre companhias domésticas, privadas e estatais, com internacionais para explorar os minerais da Quintella, foram duros os embates na diretoria da Eletronorte e, em um deles, um engenheiro da es-
região. Foram criados projetos para exploração e processamento de minerais, eo governo implementaria tatal teria dito: "A proposta da Mendes Júnior adota esse cimento de conchas, cujo preço é muito mais
a infraestrutura de transporte e energia, através da estrada de ferro Carajás e da usina de Tucuruí, que barato que o Portland proposto por vocês, e a Eletronorte está disposta a correr esse risco". Odiretor
provia eletricidade aos parques produtivos eletrointensivos. Além do minério de ferro, em parcerias da da CC argumentou que o cimento mais caro provia maior segurança, no que o diretor da estatal teria
Vale (sempre majoritária) com grupos estrangeiros, houve produção de bauxita, alumina e alumínio, retrucado: "Sei como uma empreiteira age, e nessa altura vocês já devem ter comprado até ocontínuo
da Eletronorte para lhes dar uma cópia das propostas concorrentes".406 Independentemente da vera-
cidade do diálogo, a disputa teve continuidade. Em 1984, em reunião do Conselho lnterministerial do
399
PRADO, Lafayette Sal viano. "Ferrovia Norte-Sul ". ln: Transportese(orrupção. op. cit. p. 97-116.
"º Sobre a continuidade das obras da Norte-Sul no governo Lula, ver OGlobo. Edição de 22/09/2010, p. 27. '" Revista OEmpreiteiro. Edição desetembrode 1981, n' 165.
"' Versoda letra "Bye, bye Brasil", composta por Chico Buarquee RobertoMenescal em 1979. Ver BUARQUE, Chico. LetraseMúsica. Vol. '"' Ver HONORATO, Cezar (org.). OClubedeEngenharia ... op. cit. p. i01-116.
1. op. cit. p,174. " 1 Revista OEmpreiteiro. Edições n" 94, 101, 13, 129, 138, 149, 175, 182 e 192.
"' DELFIM Netto, A. "Otempo dos empreendedores". ln: QUINTELLA, W. Memórias... op. cit. p. 11-14. "' QUINTELLA, Wilson. Cap. 17 - Aúltima mega- usina - Tucuruí. ln: Memórias ... op. cit. p. 373-397.
396 Estranhoscotedra~ Aindú<tria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 397

Projeto Grande Carajás, o ministro dos Transportes, Cloraldino Severo, impôs obstáculo à participação desviado para os estratos médios e superiores da sociedade. No governo Geisel, e de maneira
da CC nos empreendimentos de alumínio na região, no que foi acompanhado pelo ministro de Indústria mais contundente no período Figueiredo, a coílstrução de habitações populares foi retomada,
e Comércio, João Camilo Penna. Ambos os ministros eram mineiros e ligados ao grupo da MJ, sendo com projetos ambiciosos e agregação das atividades da construção pesada. Com Andreazza no
o primeiro através do DNER e o segundo, pela Cemig. Severo criticou os incentivos fiscais ao projeto Ministério do Interior e o projeto de 6 milhões de casas até 1985, empreiteiras atuaram vigo-
concedidos pelo titular do Planejamento, Delfim - próximo à CC-, que previa que, dos US$ 235 milhões rosamente junto ao BNH .410
a serem gastos na expansão da produção, 80% viriam de isenções fiscais. João Camilo Penna atacou a Aqualidade das moradias se precarizou mais, e para que as metas se cumprissem, foram
desobrigação definida por Delfim de que o grupo tivesse de exportar ao menos 50% da produção em adquiridos terrenos baratos em regiões longínquas dos centros urbanos, onde se instalaram
prazo de 10 anos, conforme estabelecido anteriormente. Aquestão foi levada a Delfim e Figueiredo, grandes conjuntos habitacionais. Moradores de conjunto do BNH em Fazenda Botafogo, no Rio,
e a decisão final foi pela manutenção dos incentivos, desde que fosse cumprida a meta de exportação se queixavam de que as casas tinham telhado de amianto, que retém o calor e é cancerígeno. As
de 50% da produção.407 unidades possuíam pé-direito de 2,2 metros e tamanho de apenas 35 a 44 metros quadrados,
Oprojeto Carajás é representativo de como as grandes empreiteiras brasileiras, ao final do sendo as paredes feitas sem reboco e com pintura diretamente no tijolo. Além disso, inexis-
regime, diversificaram suas atividades para manter seu poder na economia brasileira, em um cenário tiam equipamentos coletivos, como praças, escola s, creches e postos de saúde. Nesse período,
de menos obras de grande porte e novas fronteiras para expansão do capital. Com a participação em consolidou-se o padrão de prédios do BNH com plantas em formato de 'H', que demandavam
projetos como os minerais, as construtoras ramificaram suas atividades, ampliando sua participação serviços de modificação da topografia do terreno feitos por empreiteiras. Apesar da precariedade
na economia e mantendo o poder político alcançado na ditadura. das unidades construídas e das medidas tomadas para reduzir custos, elementos do modelo
foram reproduzidos em projetos posteriores.411
Sob a ditadura do BNH - Projetos de habitação e saneamento OBNH não desenvolveu apenas atividades na construção habitacional e, desde o início
da década de 1970, atendia aos empreiteiros financiando obras de infraestrutura urbana e sa-
De todas as agências da sociedade política que atendiam aos empreiteiros, a que mais neamento. Segundo o urbanista Wilson Jorge: "Osetor de saneamento urbano mostrou-se um
representava a ditadura era o BNH. Fundado em 1964 e liquidado em 1986, o banco também criou excelente negócio para as grandes empreiteiras (leia-se subsetor de construção pesada), dentro
suas "estranhas catedrais", geralmente conjuntos habitacionais que serviam bem ao propósito de do ~istema montado para financiar e gerir a política de saneamento".412 Acriação do Planasa,
gerar serviços às construtoras, mas que eram moradias altamente precárias e até praticamente em 1971, foi marco dessa reorientação, com uma política pautada na adoção de tarifas realistas,
inabitáveis. Voltado para empregar força de trabalho não qualificada e servir de contraponto à que garantiam a viabilidade econôm ico-financeira do sistema. A criação do SFS incentivou a
política de repressão e arrocho salarial, o BNH concentrava grande volume de recursos. Apesar de formação de companhias estaduais de saneamento, dentre as quais a Sabesp, que recebeu a
mais voltado para o empresariado da construção imobiliária urbana, sua reorientação para obras maior parcela das suas verbas, se ndo que só a região metropolitana de São Paulo absorveu 77,4%
de infraestrutura e a ampliação dos investimentos em moradia popular nos anos 70 atendera_m dos inv~stimentos nacionais no setor entre 1973 e 1984. Esses recursos permitiram a encomenda
em grande medida os empresários da construção pesada. 408 de projetos a grandes empreiteiras, como a (amargo Corrêa, que utilizou os "tatuzões", usados
Nos anos 30 e 40, os conjuntos dos IAPs e da FCP para as classes populares tiveram elogios no metrô e então ociosos, e outros equipamentos sofisticados nas obras do sistema adutor da
dos moradores, que destacavam sua qualidade. Na Guanaoarã do início dos anos 60, um novo grande São Paulo e na maior unidade de tratamento de esgoto contínua do mundo, em Barueri.413
padrão de moradia popular foi implantado, subordinado à Secretaria de Serviço Social de Sandra OSistema de Abastecimento da Grande São Paulo (Sanegran) era tido como uma obra do "Brasil
Cavalcanti. Com as remoções das favelas da região nuclear do Rio, grandes conjuntos habitacionais Grande", e a estação de Barueri era criticada pela população vizinha, que a acusava de beneficiar
(Vila Kennedy, Vila Aliança, Vila Esperança e Cidade de Deus) foram feitos em regiões afastadas os investimentos imobiliários da Brascan, tal como ocorrera no Rio com osistema Guandu e com
do centro, sem serviços públicos, acesso a transporte, educação ou infraestrutura básica de a autoestrada Lagoa-Barra. 414
água, luz e esgoto. As casas tinham modelo uniforme, e moradores de Vila Kennedy relatam
que até as fechaduras das casas eram as mesmas, causando confusões entre vizinhos. 409 Esse
modelo inspirou o BNH após 1964, que teve foco inicial em construções populares, mas logo foi "º TRINDADE, Claudia Peçan ha. Entrea Favela ea Conjunta Habitacio nal. op. cit. p. 15-53.
"' Como o Minha Casa Minha Vida, verOGloba.Série"'Vidas em Blocos", dias 11, 12 e 15 de maio de 2011.
407 lnformeSinicon. Edições n" 8, 18, 20 e 21, ano 1.
m JORGE, Wilson Edson. APolítica Nacional de Saneamento Pós-64,pp. cit. p. 7.
"' Wilson Jorge explica os investimentos emsaneamento no perlodo pela lucratividade das obras e afirma que as empreiteiras foram
"' Para um trabalho sobre o BNH, ver FONTES, Virgínia. Rupturas e Continuidades... op. cit. as maiores beneficiárias da política. Em APolítica Nacional... op.cit. p. 209-238.
• 09 Ver LOBO, Eulália. Rio de Janeiro Operária. op. cit. p. 393-438; OGlaba. Edição de 10 de maio de 2011.
"' Revista OEmpreiteiro. Edições nº' 116, 142, 150 e 19S.
'3 98 Estranhas caredrois
Aindústria de construçáo pesada brasileira em perspectiva histórica 399

Ainda nos anos 1970, o BNH financiou as obras do emissário de Ipanema, administradas "Tenebrosas transações"118 - Empreiteiros e denúncias de corrupção na ditadura
pela Empresa de Saneamento de Águas da Guanabara (Esag), que deu origem à Cedae após a
fusão. Oprojeto previa o quinto maior emissário submarino do mundo, em concreto protendido, Por trás de toda grande fortuna há um crime.419
que despejaria o esgoto da Zona Sul e do centro em alto-mar, sendo justificada como medida
de "despoluição das águas oceânicas" e incremento do turismo e da frequência nas praias de Osetor de obras públicas éárea privilegiada de acusações de ilegalidades cometidas por agentes estatais
Copacabana e Ipanema. Deveria ser acompanhada de uma Estação de Tratamento de Esgoto e por empresários. Durante o regime político atual, "escândalos" públicos envolvendo empreiteiras e verbas
(ETE), que não foi construída, o que fez com que, após sua conclusão, o esgoto fosse despejado in públicas são recorrente mente expostos pela mídi~. Já na ditadura, principalmente nos anos mais fechados, foram
natura a cerca de 4,5 km do litoral de Ipanema. As obras tiveram problemas, e a paulista Constran vistas poucas acusações contra impropriedades cometidas por construtoras, oque evidencia obviamente não o
perdeu o contrato em 1969, sendo o empreendimento finalizado pela empreiteira Bahia, com menor número de casos, mas oamordaçamento dos mecanismos de fiscalização e divulgação das irregularida-
o auxílio de firmas estrangeiras. Outros emissários submarinos de aço e plástico foram feitos des, que, crê-se, eram até mais frequentes. Com o início da abertura, as vitórias da oposição política após 1974
em Salvador, Santos, Manaus e Espírito Santo. 41 5 Outra obra de saneamento no Rio era o túnel e a retomada paulatina das atividades de mecanismos fiscalizadores, como oTCU, a imprensa e oJudiciário, as
extravasar, voltado para resolver alagamentos em regiões da cidade, captando águas dos rios denúncias se superpuseram, relacionando-se aos conflitos políticos e empresariais em jogo. _
da Tijuca e despejando-as na costa do Vidigal. Apesar do apoio do Clube de Engenharia, a obra Oque verificamos analisando os diferentes casos e tipos de irregularidades envolvendo empreiteiros é
foi interrompida por falta de verba. 416
que essas práticas podem ser entendidas não como um desvio anômalo, mas traço característico eestrutural da
Mesmo com as críticas às macro-obras da ditadura, o ministro Andreazza propôs no própria dinâmica do setor, inserido na lógica da acumulação de capital. Ouso de mecanismos ilícitos é calculado
início dos anos 80 o Projeto Nordeste, ou Nordestão, prevendo US$ 12 bilhões de investimen- pelos empresários do setor na rentabilidade ou não de seu uso, sendo seu uso objeto de contabilidade empresarial.
tos no semiárido nordestino, com a transposição das águas do rio São Francisco e recursos do Nesse sentido, os assim denunciados casos de "corrupção" podem ser compreendidos por três razões básicas:
Bird. Essa "estranha catedral" aproximava interesses de empreiteiros, credores estrangeiros e como mecanismo de maximização dos lucros e obtenção de maiores ganhos a partir de uma obra espeáfica;
proprietários de terras na região, porém, devido a conflitos pol íticos e limitações nos recursos, como repartição da mais-valia gerada pelo trabalho dentro da empresa, com transferência de cota-parte do
o projeto submergiu, sendo reconduzido parcialmente nos anos 2000. 417 lucro para não acionistas da firma realizadora da obra, geralmente agentes do aparelho estatal; como forma de
Tendo como atribuição a implementação de moradias populares para as classes subalter- c~ncorrência, ou prática monopolista ou oligopolista por parte das empresas.420 Esses diferentes motivos para
nas, o BNH acabou reconduzido para a função de financiador de grandes projetos de engenharia, as ilegalidades algumas vezes se mostram isolados e,em muitos outros, relacionados em mesmo "escândalo". A
o que se explica, ao menos em parte, pela organização e poder das empreiteiras, que conseguiram forma como isso procede ficará mais clara quando analisarmos os casos concretos de uso irregular dos recursos
deslocar parte das funções do banco para o financiamento da infraestrutura urbana e grandes públicos voltados para as obras.
conjuntos habitacionais que demandavam serviços de construção pesada.
As "estranhas catedrais" não devem ser entendidas como feitos megalomaníacos de Irregularidades em obras públicas e maximização das taxas de lucro
líderes políticos ambiciosos, ou devaneio de uma ditadura empenhada em sonhos espetaculares
de país potência. Parecem ter sido mais a expressão do poder e dos interesses dos empreiteiros Como empresas capitalistas privadas, as construtoras tinham como objetivo principal a ge-
de obras públicas - organizaâos emaparelhos que elaooravam alguns desses projetos-, e de ração de lucro, de preferência com as mais altas taxas possíveis, e o setor era conhecido por garantir
outros agentes, no próprio pacto político da ditadura, sendo essas obras uma fonte de lucro largas margens de ganho para os empresários que nela investiam. Vários mecanismos eram utilizados
e acumulação de capitais para esses e outros empresários. Longe de serem recursos públicos pelas empreiteiras para isso, sendo um deles, como vimos, a economia com capital variável, pagando
"jogados fora" ou a construção de "pirâmides" sem funcionalidade, esses projetos permitiram a os menores salários possíveis para os operários, e a economia em capital constante, como máquinas,
transferência de recursos públicos para os empresários envolvidos, em especial os empreiteiros, instalações e serviços básicos para os trabalhadores dos canteiros. Alguns desses mecanismos eram
que viram com eles o incremento de seu poder econômico, técnico e político. Com essa captação
do fundo público,tais empresas se capacitaram a ter significativo papel na economia e no Estado
brasileiro durante e após a transição política. "' Expressão cunhada na letra "Vai passar", composta por Chico Buarque e Francis Hime em 1984. Ver BUARQUE, Chico. Letras eCanções.
Vol. 1.op.cit. p.221.
415
Revista OEmpreiteiro. Edições n" 81, 104 e 111. "' BALZAC, Honoré de, Citado por PUZO, Mario. OPoderosoChefão. Rio de Janeiro: Record, 1969. p. 10.
416
Jornal OG/obo. Edição de 22 de agosto de 2011. '" Explicação diferente da nossa, vincula ndo as práticas dH6ffl.lpção à manutenção da lógica pessoal e das relações pessoais no Estado,
é dada por BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção: um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relurne
'" Revista OEmpreiteiro. Edição de setembrode 1984, n' 202.
Durnará, 1995.
400 fslronhoscatedrois Aindústria de construção pesada brasileira ern perspectiva histórica 401

ilegais, mas outras irregularidades eram cometidas no trato com o órgão contratante. Um empresário conclusões óbvias: ou a empresa não vai dar conta do recado, pois é impossível realizar uma obra de
do setor explica isso de maneira clara: . concreto obtendoeconomia no montante de 42%, ou ela vai conseguir mudar a regra no meio do jogo.4"

Existemduas posições fundam entais e regras básicas. Obomem preiteiro é aquele que faz duas coisas: Não conseguimos identificar a obra referida, mas o modelo repete os termos de Tucuruí.
primeiro, cria a obra. Você criando a obra, ela é sua ao nascer; a concorrência é outro papo. Efunciona Oque ocorreu nesses casos foi um tipo de irregularidade comum para tornar a obra mais ren-
em 90%dos casos. Isso é a primeira regra. Asegunda regra, é a seguinte - essa já é numa fase posterior · tável, o uso de aditivos ao contrato. No período JK, foram comuns as denúncias de uso de serviços não
- bom empreiteiro é aquele que a transforma num bom negócio. Porque contrato de obra, qualquer existentes nas obras do DNER, como a necessidade de equipamentos especiais não usados e a indicação
um tem. Fazer desse contrato um bom negócio, esse é o bom empreiteiro. Porque não tem nenhum de rochas e obstáculos inexistentes na região da rodovia, elevando os valores pagos aos empresários.42s
contrato que termine como começou. Não tem um.421 Na usina de Angra, houve acusações de que serviços adicionais davam maiores possibilidades de lucros
à Odebrecht. 426 Marilena Chaves destaca lacunas nas concorrências e alterações na execução das obras,
O relato do empreiteiro anônimo entrevistado pelo pesquisador Galeno Tinoco Ferraz Filho apre- o que pode serfonte de ganho extra para as empresas, assim como os "erros" de projeto. 427 Outro me-
senta uma visão de dentro do mercado de obras públicas, mostrando como muitas vezes oempreiteiro canismo, muito usado após a abertura, é o atraso proposital da obra, para que muitos serviços fiquem
cria a obra, cria sua "necessidade", e também tem que fazê-la lucrativa. Na sequência da entrevista, ele para o fin al do seu "tempo político", levando o administrador a liberar verbas extras para entregá-la
explica isso em um caso específico: no prazo, o que pode virar uma fonte a mais de ganho para a empreiteira.428
Esses são casos que ilustram como as empreiteiras usam formas legais e ilegais para elevar suas
ACRAlmeida entrou, numa determinada concorrência, com um preço da ordemde sete bilhões. AMendes taxas de ganhos nas obras. Elas acessam também seus contatos políticos e muitas vezes pagam parte
entrou com sete bilhões e meio, a Cetenco entrou com sete bilhões. A(amargoganhou a concorrência de seus ganhos para agentes que cumprem funções no aparelho de Estado, oque configura outro tipo
com quatro bilhões. Apreços iniciais da obra, porque você para ter uma referência utiliza os preços de irregularidade envolvendo empreiteiras.
iniciais. Ocontrato inicial da (amargo era quatro bilhões. Entretanto, entre outras coisas a (amargo
conseguiu botar lá dentro uma eclusa de trezentos milhões de dólares. Essa foi aquela segunda etapa Irregularidades envolvendo obras públicas e divisão da mais-valia
que eu falei. Do transformar um contrato em um bom negócio. Ocontrato ele pego u por um preço que
o levaria à falên cia. Não dava para perder três bilhões de cruzeiros. Depois então que já pegara esse Aindústria de construção pesada comumente tem parte do sobretrabalho gerado retido
contrato, mudoue inclu iu a ecl usa.m não apenas pelos proprietários das empresas. Parte do lucro obtido na obra é comumente repassada
para agentes do setor público e privado que se esfo rçaram por viabilizá-la ou torná-la mais célere e
A obra referida é a hidrelétrica de Tucuruí, cuja concorrência ocorreu em meados dos anos 70 e rentável. Isso acontece não só por ação de agentes públicos, mas também de empresas de projetos e
gerou conflitocom a Mendes Júnior, que reclamou do resultado. Depois de obtida a obra, a CC conseguiu consultoria que podem vender detalhes do projeto para a empreiteira interessada, ou deixar lacunas
aditivos, tornando-a mais cara e lucrativa para a construtora. Wilson Quintella assim justifica essa e a serem preenchidas por verbas adicionais, no que Lafayette Prado chamou de "relação espúria entre
outras ações similares da empreiteira: "A(amargo Corrêa tinha a fama de sempre apresentar uma consultoras, construtoras e forn ecedoras". 429
conta nova no curso das obras, como maneira de ganhar mais dinheiro. Estávamos, porém, em busca Aassociação mais comu m, no entanto, é com figuras que cumprem funções em agências da
de melhoressoluções".423 Oempreiteiro tenta aí mascarar a intenção de ampliar as margens de ganho sociedade política ou elementos intermediários. Samuel Wainer relata como ele, na função de jornalista,
durante o desenvolvimento da obra. intermediava pagamentos irreg ulares de empreiteiros a agentes do poder público, como o presidente
Outro exemplo é dado por Hermano Cézar Jordão Freire, da carioca Esusa: Goulart, e cita como Chatea ubriand recebia dinheiro de empreiteiros para cobrar de governantes certas
obras para empreiteiras específicas. Jána ditadura, David Nasser e outros repórteres são citados como
Recentemente, houve aqui no Rio uma concorrência, a maior havida este ano, em que a firma ganhadora agentes da imprensa que exerceram essa função. No caso, recursos públicos voltados para o pagamento
· entrou com uma redução de 42% sobre o valor do orçamento oficial. Qualquer observador atento tira
424
Revista OEmpreiteiro. Edição de outubro de 1979, n' 141.
425 FERR AZ Filho, Galena Tinoco. ATransnacionalização ... op. cit. p. 31-109.
426 BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta. ONegócio do Século. op. cit. p. 72-107.
421
Entrevista anônima. Apud FERRAZ Filho, Ga lena Ti noco. A rransnacionalização ... op. cit. p. 31-109. 427 CHAVES, Marilena. lndústriada ConstruçãonoBrasíl. op. ã[p.1'FTr.-
422
Entrevista anônima. Apud FERRAZ Filho, Galena Tinoco. A Transnacianalização... op. ât. p. 31-109. '" Entrevista com o engenheiro Carlos Freire Machado, realizada em 18 de maio de 201 0.
423
QUINTELLA,Wilson. Memórias do Brasil Grande. ap. cit. p. 15-24. "' PRADO, Lafayette Sa lviano. Transportes eCorrupção. op. cit. p. 221-232.
'402 -. Estranhascaredrais Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 403

das obras ficavam com agentes que não eram empregados ou empregadores das empreiteiras em uma Odebrechtjustificou as ações de seu grupo empresarial, explicando que era essa a forma como
remuneração desviada a intermediários. Omecanismo servia para tornar a obra mais cara e elevar o as coisas funcionavam. Em seguida, assumiu que agia para que um determinado "processo [não] durma
montante de mais-valia, já que, com esses gastos extras, o empreiteiro buscava obter ganhos maiores na mesa", afirmando que
nos trabalhos contratados, tentando ao menos manter sua margem de lucro.
Houve outros casos denunciados de pagamentos a intermediários ou funcionários públicos, [s]e for preciso a gente banca o funcionário para levar de um andar para o outro e assim por diante [...]
sendo que Henrique Guedes relata várias situações de propinas em seu livro.430 No BNH, eram recorrentes JB - Tem que batalhar para as coisas andarem ...
os "escândalos" de corrupção passiva de seus funcionários e havia relatos de que comissões no órgão Emílio Odebrecht - Éverdade. Infelizmente é verdade. Oque mais impressiona é qu e fazemos tudo isso
eram de 30%. Nessa mesma linha, o governador do Paraná, Leon Pires, foi deposto na ditadura por no exterior e não temproblema. Tudo que fazemos no Brasil fazemos no exterior.' 35
ser gravado pelo empreiteiro Cecílio Rego de Almeida (CR Almeida) extorquindo-lhe US$ 1 milhão.4 31
No caso, o empreiteiro provavelmente fez a denúncia por não concordar com o valor da comissão, tido Oempresário admite a prática desses métodos fora do Brasil. Em seguida, Odebrecht mostrou
possivelmente como alto demais. como designa o agente no governo que ajuda no andamento das obras da empresa:
Já na transição para o regime representativo, o governador do Espírito Santo, Gerson Camata,
foi acusado por um ex-assessor de receber propina da Odebrecht, ao viabilizar a construção e a ad- Jornal do Brasil -O ex-ministro Magri diz na fita transcrita pela polícia federal que recebeu US$ 30 mil
ministração da cobrança de pedágio da ponte entre Vitória e Vila Velha pela empreiteira.431 Ocaso é para fazer as coisas andarem. Éassim que funciona no Brasil?
emblemático por mostrar como, aparentemente, os mecanismos de remuneração de agentes do poder Emílio Odebrecht- Isso é coisa de quem está querendo deformar a ação do "prestador de serviços". 43 '
público por empreiteiros foram reinventados com as políticas neoliberais e a administração privada de
serviços públicos. Otrecho mostra como oempresário não só admite que pagou os recursos para o ministro, como
Para além dos limites da ditadura, a Odebrecht se envolveu com irregularidades no governo o entende como um "prestador de serviços", explicitando o mecanismo de remuneração de agentes
Collor. Em 1992, Emílio Odebrecht deu a primeira entrevista de sua vida para um jornal, tentando explicar externos à construtora. Nesse período, tal foi oenvolvimento da empreiteira com denúncias que Emílio
a atuação da companhia diante das acusações: Odebrecht foi convocado a depor em CPI, acusado de irregularidades no BNDES, nas privatizações,
e~quema PC Farias e até envolvimento no assassi11ato do governador do Acre. Na ocasião, o empresário
Jornal do Brasil - As acusações contra a Odebrecht falam de suborno. Oex-ministro Antonio Rogério se defendeu, alegando, dentre outras coisas, que recebera medalha do Mérito Industrial da Fiesp e que
Magri teria sido subornado pela Odebrecht, o governo do Acre também teria sido subornado para que tinha tratos diretos e pessoais com presidentes da África e América do Sul. 437 Esse caso constituiu uma
sua empresa conseguisse a obra. Osenhor já su bornou alguém? exceção dentre as denúncias de ilegalidade, já que, em oposição à maioria, o"corruptor" - o empresário
Emílio Odebrecht- Essa é a pergunta que ... primeiro vamos analisar oque é subornar...m - foi envolvido nas investigações e incriminações, contra a regra geral de apenas pôr nos holofotes e
culpar o "corrupto" - em geral o agente estatal-, com ocultação do corruptor.
Trata-se também de caso de remuneração de figuras do aparelho estatal por uma construtora. De todos os casos de pagamento de propina na ditadura, o mais famoso foi o relatório. Sarai-
Ao longo da entrevista, o empresário acabou explicando os métodos de sua empresa: · va. Na denúncia, feita pelo coronel Raimundo Saraiva Martins, o então embaixador Delfim Netto foi
acusado de receber comissão para intermediarfinanciamento e fornecimento de equipamentos para a
Então, o que é hoje a corrupção nesse país? Eu acho que asociedade toda é corrompida e ela corrompe. usina de Água Vermelha, feita pela (amargo Corrêa. As irregularidades começaram antes da licitação,
Hoje para o sujeito resolver alguma coisa, para sair de uma fila do INPS, encontra os seus artifícios de com a premeditação pelo ministro da empresa que seria responsável pela obra. Em 1973, o general
amizade, de um presente ou de um favor. Isso éconsiderado um processo de suborno. Osuborno nãoé Figueiredo assim falou a Golbery:
um problema de valor, é a relação estabelecida.43'
Eu tive uma documentação que eu levei para o presidente há uns meses atrás, do Delfim, de que antes
da concorrência, aquela da Água Vermelha, ele afirmava a um grupo francês que queria entrar no

''° GUEDES, Henrique. Histórias de Empreiteiros.op. cit. p. 191-200.


"' GASPARC Elio. ADitadura Envergonhada. op. cit. p. 153-174. Ocaso envolveu oSNI.
"' OGÍobo. Edição de 19 de abril de 2009, p. 3-4. Reportagem "Confissões de um caixa dois". "' Jornal do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apud (AMARGOS, R. C. M. Estado e... op. cit. p. 60.
"' Jornal do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apudCAMARGOS, R. C. M.Estado e... op. cit. p. 60. '" Jornal da Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apudCAMARGOS, R. C. M. Estado e... ap. cit. p. 60.
'" }orna/ do Brasil. Edição de 24 de maio de 1992 apudCAMARGOS, R. C. M. Estado e... op. cit. p. 60. "' ODEBRECHT, Emílio. AOdebrecht ea Privatização. op. cit. p. 65-82.
4Ó4 fitranfws catedrai,
Aindústria de construção pesada brasileira emperspectiva histórica 405

fi nanciamento, de que a firma construtora seria a (amargoCorrêa. A~tes da concorrência. Então está Orelator, Sebastião Nery, e outros deputados não conseguiram obter nenhuma informação do
aí, na cara. É(a margo Corrêa, é Bradesco, é tudo a mesma pan~la. 438 coronel nesse interrogatório, já que ele temia represálias à empresa na qual trabalhava.
Dias depois, o coronel Dickson Grael, próximo de Saraiva, foi à CPI e contou o que o ex-adido o
Antes da concorrência da Cesp, o ministro da Fazenda fazia contatos com agentes financeiros e havia relatado anteriormente. Houve depoimentos também do ex-ministro Sylvio Frota, que recebera
industriais franceses para fornecer crédito e equipamentos para a hidrelétrica. Por essa intermediação, o relatório Saraiva, e do ex-adido militar em Berna, general Etchegoyen, que afirmou as atividades
Delfim teria cobrado 6% de comissão, US$ 6 milhões, oque mostra que a referida cota-parte dos serviços· financeiras de brasileiros na Suíça: "comen,tava-se que um grande número de brasileiros possuíam
computados como custo final da obra podia ser bastante elevada. Apesar da denúncia de Figueiredo, o contas sigilosas em diversos bancos suíços" Jque oCrédit Suisse "tinha chegado ao requinte de decorar
caso não foi a público naquele momento e, em 1975, outra transação de Delfim, na condição de embai- uma sala com motivos folclóricos da Bahia para agradar seus clientes brasileiros".441 Os assessores de
xador do Brasil na França, gerou conflito em torno dos números do negócio e levou a acusações públicas. Delfim depuseram na CPI, e José Maria Vilar de Queiroz chamou Saraiva de "pigmeu moral" e Mariza
No início de 1976, o adido militar na embaixada brasileira em Paris, Rai mundo Saraiva, foi Tupinambá de Oliveira de "m undana".441 Tupinambá trabalhava no serviço cultural da embaixada e fez
procurado por dois diplomatas da representação. Guy Vasconcellos e Fernando Fontoura afirmaram que a intermediação entre Broissia e os diplomatas da representação, sendo por isso demitida por Delfim.
desejavam que Saraiva os acompanhasse para uma conversa com Jacques Broissia, diretor do banco Crédit Foi morar em Londres, sob a proteção do embai:<ador Roberto Campos, onde recebia mesada de f 700
Commercial de France, e parente de casamento do presidente da França, Giscard D'Estaing. Broissia seria da Odebrecht, já que ajudou a fazer uma denúncia que recaiu sobre a rival, a CC. 443 Opagamento da
agraciado com a ordem do Rio Branco e não só deixou de sê-lo, como foi cortado da lista de convidados NO à ex-funcionária da embaixada indica a intensidade da competição entre as empreiteiras em certas
especiais da embaixada brasileira. Obanqueiro relatou aos três irregularidades emnegociações francesas situações.
com o Brasil e pagamento de comissões ao "grupo Delfim", sendo US$ 6 milhões por equipamentos de Em 4de setembro de 1984, Saraiva foi novamente à CPI e fez depoimento, dessa vez relatando
Água Vermelha pagos em conta na Suíça em nome de Delfim e de dois assessores, José Maria Vilar de o que sabia. Disse ter feito a denúncia ao ministro Shigeaki Ueki, que afirmou já saber e que os ban-
Queiroz e Carlos Alberto Andrade Pinto. Depois, o banco rejeitou proposta de Delfim de pagamento de queiros franceses não aceitaram a proposta de Delfim em Tucuruí por considerar 6% uma comissão
US$ 60 milhões para intermediação de financiamento de equipamentos para Tucuruí, aval iados em US$ muito elevada. Afirmou ainda que, apesar dos crimes de Delfim de evasão de divisas e corrupção, o
1 bilhão. Broissia disse não ter relatado o caso antes porque era ano eleitoral no país e ele não queria embaixador foi preso em Paris, por outro motivo, conforme diálogo que Saraiva manteve com seu
comprometer D'Estaing. Com essas informações, ocoronel preparou o"relatório Saraiva" e o denunciou colega francês, Pierre Lantenne:
para advogados, militares e políticos da oposição no Brasil, trazendo-o à tona em 1978 no Congresso.439
No início dos anos 80, oassunto veio novamente a público com a CPI da Dívida Externa e Acordo Mas coronel, como é que esse homem é Ministro do Governo? [...] Não, não é por causa desse negócio
com o FMI. Em um primeiro depoimento, o militar, que trabalhava em uma empresa financeira, não de relatório Saraiva não, é por causa daquele caso, daquele flagrante, daquele bacanal homossexual em
divulgou nada, dando apenas sinais das informações que possuía: Paris, que a Gendarmerie prendeu oEmbaixador, você não sabe o que aconteceu?'"

ORelator - V. s•. ouviu algu ma vez referências a problemas de comissões recebidas pelos brasileiros Apesar das denúncias, Delfim não foi ao Congresso e limitou-se a dizer que as acusações "não
no caso desse finanda mento de Tucuruí e também a respeito de outrosJinanciamentos, como, por passamde calúnias".445
exemplo, para a Hidrelétrica de Agua Vermelha? V.Sª. alguma vez ouviu algumtipo de comentário em As acusações de militares de il egalidades e contra o "comportamento moral" do ministro
torno desses assuntos? se iniciaram em 1968, quando o general Albuquerque Lima repassava a Médici, do SNI, informações
ODepoente- Dentro da Embaixada brasileira, eu nu nca ouvi esses comentários. Agora, uma vez numa que tinha recebido. Apesar das acusações obtidas pelo SNI nos períodos Médici e Figueiredo, ambos
reunião, eu ouvi um cidadão falando num tal de "diz pour cent". Eu não sei ao que ele se referia. mantiveram ou nomearam Delfim quando presidentes, transformando-o em superministro nas duas
ORelator- Coronel, ao ouvir falar de "Mister dez por cento", V. s•. teve alguma idéia, na hora, de quem situações. Omotivo parece ser claro: Delfim não era mantido por nenhum /obby ou poder militar, mas
poderia ser? por ser representante da burguesia paulista, intocável naquela ditadura pretensamente "militar".
ODepoente - Eu não liguei essa exp ressão a nenhuma pessoa."º

"' GRAEL, Dickson M. Aventura, Corrupção, Terrorismo. op. cit. p. 53.


438 "' GRAEL, Di ckson M. Aventura, Corrupção, Terrorismo. op. cit:._P. 53.
Citado por GASPA RI, Elio. ADitaduraDerrotada. ap. cit. p. 273.
" 3 GASPARI, Elio.A Ditadurafcnurra/ada.op. cit. p. 285-299.
"' GRAEL, Oickson M. Aventura, Corrupção, Terrorismo. op. cit. p. 23-78.
"' GRAEL, Dickson M. Aventura, Carrupçãa, Terrorismo. op. cit p. 66.
"º GRAEL, Oickson M. Aventura, Corrupção, Terrorismo. ap. cit. p. 32. '" GRAEL, Dickson M. Aventuro, Corrupção, Terrorismo. op. cit, p. 74.
Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 407
406 Estranhas caredra~

Irregularidades envolvendo competição empresarial e práticas monopolistas Por uma incrível coincidência, bastou o prazo da inscrição se esgotar, às 11 horas, para a eletricidade
voltar. Era óbvio que se tratava de um ato de sabotagem.
As irregularidades no setor de construção pesada, como estamos tentando mostrar nesse sub- [...) Somente as empresas mineiras e a (amargo Corrêa conseguiram entregar suas propostas no prazo.
447
capítulo, não são um desvio ou algo marginal no funcionamento do mercado de obras públicas. Trata-se Enós ganhamos um dos trechos, o penúltimo antes de chegar a Brasília.
de uma característica estrutural desse ramo de atividades, cujo desvio parece ser a sua denúncia pública.
Se houve acusações públicas de aditamentos indevidos em obras e recepção de recursos por agentes do · Adenúncia de Wilson Quintella é representativa de uma prática oligopolista e concorrencial. No
poder público, a maioria das irregularidades parece se dar na própria concorrência entre as construtoras . caso, as firmas, relacionadas aos governos mljnicipal e estadual de JK e agremiadas em órgãos como o
e nas suas práticas monopolistas e oligopolistas. Orecurso da denúncia pública, na imprensa ou no Sinduscon-MG e Fiemg, tentavam impedir a participação de empresas de outros estados na concorrência
Congresso, é em si muitas vezes uma forma de competição ou retaliação de uma empreiteira contra para a construção da pequena rodovia.448
outra, o que é particularmente comum a partír da abertura e no regime constitucional representativo. Na mesma linha, o empreiteiro mineiro Paulo José de Lima Vieira reclamou em 1978: "O
Wilson Quintella relata uma concorrência do DNER no início do governo Kubitschek, para instituto da concorrência pública tem sido tão deturpado e viciado que está exigindo reformulação
449
construção da rodovia Anápolis-Brasília: total. Eo protecionismo regional existe, facilitado pela deturpação das concorrências". No caso, ele
reclamava das licitações estaduais nas quais as forças dos oligopólios se mostravam. Podemos enten-
Quando a concorrência foi aberta, surgiram rumores de que somente as empresas mineiras, que traba- der os impedimentos às chamadas "estrangeiras" não como um mecanismo de proteção do governo
lhavam com JK desde que fora prefeito, sairiam vencedoras. estadual simplesmente, mas como uma prática oligopolista do empresariado local, que tenta reservar
[...] Eram duas as construtoras paulistas que pretendiam participar da concorrência: a CamargoCorrêa e para si as obras do estado.
a CBPO, com quem trocávamos informações sobre as dificuldades que nós, "estrangeiros" no governo, Outro mecanismo para afastamento de rivais, comum na ditadura, foi a dispensa de concorrên-
digamos, amineirado de JK, poderíamos ter."' cia. Usado corriqueiramente até 1974, passou a ser restringido desde então, após críticas da oposição. O
deputado federal José (amargo (MDB-SP) elaborou projeto de lei que limitava o mecanismo: "Segundo
No dia anterior à data final para entrega das propostas na sede do DNER, Quintella, da CC, e José (amargo, há um abuso na utilização da faculdade de dispensa de consulta pública para aquisição
4
Antonio Lico, da CBPO, estavam em hotéis no Rio: de material, contratação de serviço e execução de obras, face a liberalidade da legislação existente"_so
Tratava-se de um instrumento que beneficiava as empresas, possibilitando que elas obtivessem novos
Lico passou a noite atendendo telefonemas de gente que insistia para que ele desistisse de participar serviços sem licitação pública.
da concorrência, pelo que seria, evidentemente recompensado. Éóbvio que recuso u.[...] Apesar desse mecanismo, a forma mais comum de neutralização da concorrência e direciona-
Cheguei por volta das 9 horas. Na entrada, fui recepcionado por um grupo de executivos das construtoras mento do seu resultado no mercado de obras públicas era o "edital sujo", ou concorrência dirigida. Na
concorrentes, que me deram a notícia: o prédio estava sem energia elétrica. Não havia como subir no campanha pela "moralização das concorrências", o presidente da Cbic, Luís Roberto Andrade Ponte,
décimo oitavo andar, a não ser pelas escadas. explicou o que era isso à imprensa:
Diante de minha determinação em escalaras~ andares, eles tentaram me convencer de que·a eletri-
cidade logo voltaria e seria preferível esperar um pouco a se cansar à toa. Ocoup de grace foi quando Estadão - Oque é o edital sujo?
disseram que eles próprios estavam esperando a energia voltar para entregar suas propostas. Luís Roberto Ponte - tum edital com cláusulas que permitem escolher antecipadamente ovencedor.
Eu não quis saber de conversa. Corno faltavam duas horas para oencerramento do prazo, tinha tempo As mais comuns são o preço mínimo oculto e os critérios técnicos de desempate, todos subjetivos." '
suficiente para fazer a longa escalada, com pausas para recuperar o fôlego. Assim, antes de findar o
prazo, eu protocolei a proposta da [amargo Corrêa. Acampanha da Cbicvisava reverter a tendência das concorrências dirigidas, que favoreciam as
. Confirmando minhas suspeitas, representantes das empresas mineiras já estavam todos na sala. Claro mais poderosas empreiteiras, em detrimento das pequenas. Arevista OEmpreiteiro apoiou:
que haviam chegado antes do corte de energia. Eles já haviam protocolado suas propostas e conver-
savamalegremente, esperando pela volta da eletricidade. Meu colega "estrangeiro", o representante "' QUINTELLA, Wilson. Memórias doBrasil Grande. op. cit. p. 161 -196.
"' Henrique Guedes relata vários casos de combinação de preço, conflitos por quebra do acertado e atua ção conjunta de empreiteiros
da CBPO, não apareceua tempo. para maximizar o preço vencedor. GUEDES, Henrique. Históri as.. . op. cit. p. 29-118.
" ' Revista OEmpreiteiro. Edição dejunho de 1978, n' i 25:-
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de setembro de 1975, n' 92.
" ' QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande. op. cit. p. 161-196. m oEstado de S. Paulo. Edição de 19 dejulho de 1992 apudPRADO, L. S. Transportes ... op. cit. p. 221-232.
Aindústria de construção pesada brasileira em perspectiva histórica 409
408 Esrronhas catedrais

Não são poucas as empreiteiras que têmsido alijadas de processos de c·oncorrência por ca~sa de critérios interessadas em manter a situação no nível que se encontra".456 Editorial da revista O Empreiteiro
fixados preconcebida mente emgabinetes, visando estabelecer um jogo de ca rtas marcadas. Éem razão destacava as concorrências como "meros atos formais", 457 e o empreiteiro Horácio Ortiz se referiu a
disso que hojese observa urna grita geral no setor, muito a propósitocanalizada pela CBIC. Esta entidade "pseudo-concorrências":
começou uma campanha pela moralização das concorrências pública·s. Campa nha que os empreiteiros
aplaudem e que merece apoio geral.' 52 Tenh o denunciado as grandes marmeladas que se verificam no estado.
[...] pseudo-grandes e urgentíssimas obras, cujas necessidades, apoiadas em dados estatísticos,
projeções, todos eles manipulados com oobjetivo de exigir o empate de enormes recursos emserviços
Acampanha ganhou força ao associar as grandes empreiteiras, que ganhavamrecorrentemente
dispensáveis. Basta ver que o acordo nuclear prevê a aplicação de 30 a 40 bilhões em obras absolu-
as licitações, à própria ditadura. Andrade Ponte enumerou em encontro nacional do setor as principais
tamente não urgentes. Aliás, ele já começou de uma forma obscu ra, porque não houve concorrência
formas de direcionamento em edital:
para a construção de Angra li, o que provavelmente vai se repetir na construção das outras usinas.'sa

a) estabelecer preço mínimo para aceitação da propostanão divulgado no edita l, mas fornecido para a empresa
escolhida; Ortiz acusava as grandes empresas, com seu parque produtivo de equipamentos, de criar
b) estabelecer preço mínimo no edital, mas com empate, decidir o vencedor comcritérios previamente bolados; "necessidades" de obras, como a do aeroporto de Guarulhos.
c) estabelecer como pressuposto para participação emconcorrência o atendimento de condições supérfluas
Outros casos de "editais sujos" e "concorrências dirigidas" foram citados por empresários mar-
que poucas possam atender; ginalizados das licitações. Henrique Guedes, da Apeop, acusava a Oersa de escolher os vencedores na
d) promover a chamada à licitação através de carta-convite, o que por mais incrível que pa reça, é um procedi- concorrência da Via Norte,459 e oSinicon questionou a prefeitura de Petrópolis e o governo fluminense
mento absolutamente lícito para as empresas estatais;
por demandar alto capital social para obras.460 No caso já referido da ponte Rio-Niterói, o edital restringia
e) e mais: o presidente da Cbic afirma já ter testemunh ado concorrências em que, para participar, a empresa a obra a poucas empresas capacitadas, o que era comum também nas hidrelétricas.
deveria possuir uma usina, já instalada, a uma certa distância da obra, o que só uma empresa possuía.'53 · Outra forma de a empreiteira garantir obras era atuar junto ao legislativo:

Para co ntar com recursos suficientes para cobrir o seu fatu ramento previsto, é frequente a atuação do
Amobilização partiu de um grupo de empresas que vinha perdendo as concorrências e que,
empresárionosentido de, com a ajuda de parlamentares e ose rviço de lobistas. assegurar a introdução
diante da situação, resolveu reagir, levando depois à nova lei de Licitações. Um dos apoiadores da
de emendas ao Orçamento da União, alocando para as obras de seu interesse os recursos desejados.'"
campanha, Haroldo Guanabara, da Aeerj, denunciava:

No setor de obras, uma prática que deforma as disputas é a chamada "concorrência dirigida". Écomum
Lafayette Prado indica que os empreiteiros atuavam junto a parlamentares para introduzir obras
461
entre os empreiteiros, assim qu e um edital é publicado, ocorrera pergunta:Quem é odo no desta?Trata- na forma de emendas parlamentares no orçamento, pagando comissão ao legislador.
-se da vitória do lobby e não da competência. Este fato, no Brasil dos últimos anos, é tão verdadeiro,
Com essa prática, r~forçada na transição política, as construtoras integraram a rede de finan-
que levou a uma enorme concentração de obras nas mãos de somente quatro rnacroemp resas. São as
ciamento das campanhas eleitorais. Editorial da revista OEmpreiteiro assim se referiu a essa prática: "E
que detêm o mais eficiente lobby.' 54
há denúncias de que através delas[licitações] são drenados recursos para as campanhas de propaganda
política do governos [sic] estaduais e federal.[ ...] As empreiteiras, de uma forma geral, sempre parti-
Odirigente da associação se refere às barrageiras (CC, AG, NO e MJ) e vociferou em outro artigo, ciparam deste esquema".46 3 Esse circuito criou formas de desvio de recursos públicos para campanhas
escrito a pós a Lei de 1992: ;'As empresas que mais cresceram no país ultimamente não foram as de eleitorais, tendo os empreiteiros como intermediários e tornando-os beneficiários do acerto e alvos
melhor capacidade operacional, porém as que melhor souberam corromper". 455 das denúncias.
Acrítica foi generalizada entre os pequenos empresários. Bernardino Pimentel Mendes, do IE "' Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1976, n• 103.
e Apeop, reclamava da "excessiva criatividade dos editais[...] preparados pelas firmas de consultores" 457 Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1977, n' 11S.

458 Revista OEmpreiteiro. Edição de julho de 1979. n' 138.


e afirmava-se descrente na racionalização das concorrências, dado que "[p]arece que existem pessoas
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de agosto de 1976, n• 103.
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de feve reirode 1985, n' 207. "' Informe Sinicon. Edição nº 12, ano 1. _
"' Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1985, nº 208. 461 PRADO, Lafayette Salviano. "Corru pção" ln: Transportes eCorrupção. op. cit. p. 197-217.
' " OEstado de 5. Paulo apud PRADO, Lafayette Salviano. Transportes eCorrupção. op. cit. p. 272.
'" Revista Construir. Edição de junho de 1984, nº30 apud AEERJ.AEERJ30Anos. op. cit. p. 142.
455 Jornal O Globo. Edição de 11 de setembro de 1993 apud AEERJ. AEERJ30 Anos. op. cit. p. 145. "' Revista OEmpreiteiro. Edição de março de 1982, n' 172.
410 Estranhos catedrais

No final da ditadura, o mecanismo da concorrência entre empresas como motor das denúncias
de irregularidades se mostrou mais claramente; em particular nos cancelamentos e nas mudanças de
regras nas licitações na hidrelétrica de São Simão, da Cemig, a Mendes Júnior perdeu a concorrência, CONCLUSÃO
depois de ter ficado em primeiro lugar; já na de hidrel étrica de Pedra do Cavalo, na Bahia, aMJ perdeu
a obra para consórcio liderado pela Odebrecht mesmo com preço inferior e, por isso, entrou na justiça; As empreiteiras brasileiras chegaram ao final da ditadura extremamente poderosas. Com o
a usina de ltaparica, da Chesf, foi cancelada após vitória da Servix, fazendo com que nova concorrência · crescimento verificado, as construtoras iniciaram desde o fim dos anos 60 um amplo processo de inter-
desse vitória à MJ; e a Cesp cancelou concorrência de Nova Avanhandava, alegando falha nos projetos.464 nacionalização, realizando obras na Améric~do Sul, África e Oriente Médio.1 Até 1984, 150 empresas
Esses conflitos na justiça e cancelamentos de concorrências das últimas grandes hidrelétricas da ditadura brasileiras de engenharia assinaram, em mais de 50 países, um total de 444 contratos, concentrados
eram representativos das disputas entre empresas em um mercado em refluxo. em volume de recursos nos 66 referentes à construção pesada, em especial os de energia e transporte
Os diferentes mecanismos irregulares usados pelas empreiteiras se inscreviam na lógica da assinados por grandes empreiteiras como Mendes Júnior, Odebrecht, Andrade Gutierrez, (amargo
reprodução capitalista, visando elevar as margens de ganho, neutralizar a concorrência e dividir seus Corrêa, Cetenco e Rabelio.1 Nessa jornada, as empreiteiras foram auxiliadas por medidas de proteção e
frutos cornos agentes públicos e privados que se dispuseram a viabilizá-la ou acelerar seu pagamento. incentivo estatal, como os financiamentos da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex-
Usando esses instrumentos, os empresários mais articulados politicamente conseguiram se manter -BB), isenções no imposto de renda e ãjuda direta da diplomacia brasileira.
na lideran\a do mercado, menos por sua excelência técnica ou competência nos conhecimentos da Oprocesso de internacionalização das empreiteiras nacionais é sintoma do grau de capitalização
engenha ri.i, e mais por suas conexões empresariais e políticas e inserção junto às agências estatais. e do alto poder e capacidade técnica verificados no setor, podendo ser entendido não pela exiguidade
Vimos neste capítulo que, após o golpe de 1964, os construtores, organizados em aparelhos do mercado interno ou da retração das demandas de obras no país, mas pela própria superacumulação
privados da sociedade civil, conseguiram ingressar seus representantes e interesses no aparelho estatal, de capitais na economia brasileira e redução das taxas de lucro sentidas na indústria de construção no
influindo diretamente sobre a orientação das políticas públicas. As políticas da ditadura expressavam a cenário doméstico. Assim, a explicação para esse movimento do capital parece se situar mais no vigor
representação dessa fração empresarial no aparelho de Estado, levando ao fortalecimento das firmas de e novo patamar de acumulação de capitais atingido na economia brasileira, em especial em alguns de
construção pesada. Porém, isso se deu de maneira desigual e, com os grandes projetos de engenharia e seus setores, mais do que em supostas fragilidades ou debilidades do capitalismo no país. Aatuação
as políticas voltadas ao grande capital, algumas construtoras chegavam, ao final do regime, a um novo dàs empreiteiras no exterior- fazendo investimentos, levando equipamentos, transportando técnicos
porte, superior às suas rivais e à maioria dos grupos empresariais existentes na economia brasileira. e engenheiros e produzindo obras - pode ser compreendida não como uma "exportação de serviços",
mas como forma específica de exportação de capital, que realiza no exterior uma planta industrial
particular e vende uma mercadoria específica, a obra pronta. 3
Concordando com Maria Moraes e Guido Mantega,4 entendemos que a economia brasileira
chegou ao fim dos anos 70 mais madura e com um novo padrão de acumulação consolidado. Aantes
economia dependente e com débeis capitais nacionais via então um patamar de acumulação de porte
monopolista, com o domínio de grupos estrangeiros, coexistindo com grupos domésticos de grande
porte. Como afirmam os dois autores, defendidos por políticas estatais protecionistas, emergiu no
fim da década um capital monopolista brasileiro, principalmente em três setores-chave: o bancário
e financeiro (com grupos como o Moreira Salles, Bradesco, ltaú), o industrial pesado (com os grupos
empresariais Gerdau, Votorantim, Villares e outros) e o da construção civil (particularmente com as
quatro maiores empresas do setor, (amargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior e Odebrecht).

1 Comoindicamos na Introdução, não analisaremosdetidamenteo processo de atuação internacional das empreiteiras brasileiras aolongo
da ditadura, o que foifeito de forma bas_tantesatisfatória porFERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionolizoção... op. rit.;ver também
GRANO\, Sonia Lemos. "Transnacionalização da engenharia brasileira e a mobilidade da força de trabalho". Análise e Conjuntura, Belo
Horizonte, v. 1, n. 1, p. 221-228, jan-abr1986; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. "A transnaciona liação ...". op. cit. p. 70-77.
2 FUNDAÇÃO João Pinhei ro. Diagnóstico Naciona!'dutmiústrirnf1rfomtruçâo. op. âf. volume 13.
1 Essa hipótese fo i desenvo lvi da emCAMPOS, Pedro HenriqueP. "A transnacionalização ... ". op. cit. p. 70-77.
' MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. AcumulaçãoMonopolisra... op. cit. p. 83-106.
'" RAUTEt-J BERG, Edina . "Arevista Veja...". op. cit. p. 1-5; Revista OEmpreiteiro, n" 123 e 132.
412 Estranhas cotedroís
1
Conclusão 413
Esse capital monopolista da construção pesada rote ido 1 ,. .
conformou um o11·gopo'l1'0 . 1 , p g pe as poht1cas estatais durante a ditadura
nac1ona no setor passand ' agências federais contratadoras de obras. Operíodo JK foi um momento fundamental na consolidação
também uma atuação internacional com a' /' -o~ um novo grau de acumulação e desenvolvendo de um mercado nacional de obras públicas, e durante a ditadura o nível de atividades do setor chegou a
economia brasileira chegou no perío~o ao p~:~;~:ç::a ~t~~ras no exterior. Enfim, ~ode-se dizer que a um patamar ainda superior e inédito na história nacional, com a realização de grandes projetos em áreas
de capitais, oque teve continuidade nas décad _P monopolista e financeiro, com exportação como transporte e energia. Na primeira metade do regime, o modelo de desenvolvimento do período
desses grupos e reforço de sua atuação intern::io~sat~nores, com o fortalecimento econômico e político Kubitschek foi reafirmado, com grande soma de serviços demandados aos empreiteiros, na forma de
- - Acerca do conceito de capital m
não estamos entendendo-o em seu sen;.~opo
r ,.
tª'
e importante frisar dois aspectos. Em primeiro lugar,
em que há apenas um vendedor de dada I o esdrrt~, ou me!hor, como a COíldição de mercado específica
estradas de rodagens e usinas hidrelétricas, e na segunda metade do regime, houve uma estagnação e
redução do volume de recursos para as obrai, com concentração das atividades em empreendimentos
merca ona mass1m como um ·t Id d de grande porte, o que levou a uma centralização de capitais no setor. Aditadura semeou assim a for-
que geralmente se apresenta como um 01 . , . ' • capi a egran e porte e escala, mação de grandes conglomerados nacionais da construção pesada, o que gerou a reação negativa dos
igopo 110 ou entao um mo 'I' -
respeito à relação do capital monopolista d , . nop~ 1~ nao puro. Outro aspecto diz pequenos e médios empreiteiros, deslocados do mercado de obras. Oincentivo ao grande capital ficou
com a noção que enxerga essa forma d co~to esenvolv1mento do capitalismo. Não estamos de acordo
ainda mais patente com o "convite" governamental, por meio de políticas favoráveis, à ramificação e
capitalismo, porém entendemos ue oe ca~1 ai como u~a e~apa ~u ~ma fase particular na história do
diversificação das atividades das maiores empresas de engenharia - o que ocorreu paralelamente ao
do capital com o processo de acum~laça- caNp1tal monopohst~ e a propna tendência do desenvolvimento
, º· a nossa concepçao. .' é da cara cens
t ,r , , incentivo à realização de obras no exterior-, fazendo com que elas atuassem em ramos como agricultura,
logica do capital tornar-se cada vez mais c t 1· d ica espeofica e da propria mineração, indústria, petroquímica e outros setores. Com isso, no final da ditadura, ficou sedimentado
Paul Baran e Paul Sweezy identificaram n en ra iza_ o, adqumnd~ a marca "monopolista".Assim, oque um quadro de quatro grandes grupos econômicos nacionais, liderados por empreiteiras, ao lado de
no processo de concentração capitalista ªe~ºe~o~1a norte-americana dos anos 19601 foi um momento outras firmas em decadência ou em estado de falência.
atualmente. No caso brasileiro opadrão d c~ a ~enos ace~tuada do que a verificada posterior e No capítulo 2, analisamos o processo de organização dos empresários da construção em apa-
nas décadas seguintes com a' presenç deacumu açaomonopol1stateveinício noperíodoJK e avançou
relhos da sociedade civil. Pôde-se verificar como os empreiteiros desenvolveram intensa articulação
:'.;::·~::;::~:~,:::~:::,~::;:~:;;i;::.~::;:":,::d::p:,:~~~;~i:,: ~º:~: ,~·.",~ em diversos aparelhos privados de hegemonia, com formulação de projetos, atuação no mercado na
forma de cartéis, ação junto a agências específicas do aparelho de Estado e representação direta na
s~ciedade política. As primeiras formas de organização integradas pelos empresários do setor foram as
Empreiteiros e ditadura de engenheiros, como o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, o Instituto de Engenharia de São Paulo
e a Sociedade Mineira de Engenharia. Notamos que tais entidades, mais do que organizações corpora-
Verificamos nos capítulos do livro como houve u f . , tivistas ou profissionais, eram órgãos de classe, com a predominância dos empresários do setor, tendo
mentação na parceria entre empresários brasileiros da m torta!eomento reciproco e uma retroali- importante atuação junto à sociedade política. As primeiras organizações específicas de empreiteiros
partir de 1964. Para-2!:9ceder a uma análise si , . , cons r~ç_ao pesada e o regime implantado a surgiram em âmbito regional, com organismos como a Apeop, oSicepot-MG, oSinicesp e a Aeerj. Foram
alcançadas ao longo do texto. - ntet1ca, ~ necessano retornªr certas conclusões parciais
formas pioneiras de organização dos empresários da construção pesada e tinham como alvo preferencial
Vimos no primeiro capítulo que a constru ão d . os aparelhos de Estado de dimensão municipal e estadual, com suas agências específicas. Apartir dos
construção pesada se deu consoante . ç - e um mercado nacional para as empresas de anos 50, foram formadas as primeiras organizações de construtoras de escala nacional, como Cbic, Abeop
dema11das de infraestrutura para as fá~:i;!l:m:~taça~ da economia industrial ca~italista, com suas e Sinicon. Dentre essas, merece destaque a terceira delas, que agremiava apenas empreiteiros e tinha
tura do sistema primário-exportador havia p a as od_ad~s. Se ante_s, ~o proporcionar a infraestru- atuação privilegiada junto a agências estatais como o DNER, agindo como um autêntico partido dos
estrangeiras, com a estatização da d~mand: :~;~:ndera~o~ dos cap1~m e empresas de engenharia empreiteiros. Vimos também que havia outras entidades organizadas por empreiteiros, que assumiam
uma priorização das firmas nacionais para a rea 1· _ra~ publicas, ocorrida dos anos 20 aos 60, houve a defesa do rodoviarismo, das ferrovias e outras obras conforme a conveniência da conjuntura e das
mercado nacional ara ase . . . . rzaçao os serviços, o que levou à conformação de um
políticas públicas. Por fim, notamos que os empreiteiros estavam representados em entidades nacionais
do setor se consoli~aram e:~:ece1trea1rmaspberlas1lel1ra~. Ve~ifica~os que as principais famílias dos empresários
a re aça oe mserçao em gru 1- · e internacionais, para as quais eles levavam suas concepções de mundo, projetos e demandas. Nesse
organizados em aparelhos da soaeãade .. • . pospo rtic~s e empresariais locais, capítulo, verificamos vários exemplos da ampliação seletiva do Estado, com fundação na ditadura de
1
federação, sendo por meio dessas conex- ov1 e ~as :genc1as. da sooedad e pohtica de cada estado da aparelhos privados de hegemonia da construção (como Abemi, Abes, Sicepot-MG, Sinicesp, ABPVe Aeerj
oes que e es ,oram guindados a um porte nacional, atuando em
e outras), enquanto as organizações populares eram reprim1aas e ,m~-proibidas, dando-origem a uma
s BARAN, Paul; SWEEZY, Paul. OCapitalismo Monopolista. op. cit. passim.
representação desigual na arena da luta de classes da sociedade civil após a ditadura.
414 Estrarllas catedrais Conclusão 415

. . No capítulo seguinte, analisamos a atuação desses empresários, a partir de suas formas orga- obras públicas, que empregavam bastante pessoal e eram líderes em índices de acidentes de trabalho,
nizativas ou por outros meios, junto à sociedade civil e política. Oque se viu foi uma movimentação cuja culpa recaía sobre as próprias vítimas, ou melhor, os operários dos canteiros de obras. Diante
expressiva dos empreiteiros, com atuação em debates públicos, incursões junto à imprensa, articulação de dessas condições precárias de trabalho, remuneração e segurança, os trabalhadores da construção civil
campanhas,além da presença de seus representantes e intelectuais orgânicos no aparelho de Estado. Em fizeram greves e rebeliões no período final da ditadura. Outro exemplo de políticas públicas favoráveis
um primeiro momento, abordamos a produção de ideologias por essa fração do empresariado industrial, aos empresários do setor ficou evidente nos suntuosos projetos de engenharia da ditadura. Além de
tentando aferir seus valores e concepções de mundo. Verificamos um certo tom desenvolvimentista nó serem obras que transferiam recursos do fundo público e garantiam o lucro dos empreiteiros e outros
discurso dos empreiteiros e seus representantes, com a defesa do desenvolvimento como meio para empresários, essas "estranhas catedrais" tinham seus projetos muitas vezes produzidos pelos próprios
resoluç_!io dos problemas nacionais, sendo necessária, para sua implementação uma infraestrutura empresários da engenharia e suas organizações, expressando o poder dos construtores no regime. Por
adequada na forma de estradas, ferrovias, centrais elétricas, saneamento, urbanização etc. De porte fim, analisamos as "tenebrosas transações", irregularidades e ilegalidades que envolviam empreiteiros
desses valores e ideias, os empreiteiros atuaram junto à imprensa e outros órgãos de divulgação para na ditadura, verificando como esses mecanismos estavam inseridos na lógica da acumulação capitalista
obter apoio às políticas de seu interesse, ou formar uma adesão social para os seus projetos e objetivos. e eram usados como forma de maximização dos ganhos com a obra, de repartição dos lucros em um
Desenvolveram forte ação junto à imprensa, com incursões nos jornais Correio da Manhã e última Hora dado empreendimento e como anulação da concorrência e prática monopolista ou oligopolista por uma
além do grupo Visão. Revistas específicas do setor traziam suas noções de mundo e projetos, distribuí~ empresa ou um grupo de empresas.
das gratuitamente para agentes do poder público durante a ditadura. Os empresários da engenharia Tendo em conta essas conclusões particulares, podemos refletir de maneira mais amp!a e sin-
se mobilizaram em torno de algumas campanhas durante o regime, sendo a maior delas a contrária à tética acerca da relaçãó entre ditadura e empreiteiros. Oregime ditatorial fechado se mostrou ambiente
atuação de empresas estrangeiras no setor e que calhou, após forte articulação e atuação das entidades bastante propício para as atividades e os lucros dos empresários do setor, ao cercear a participação
e empresários da engenharia, na decisão governamental de instituir uma reserva de mercado no setor popular e potencializar o acesso dos empreiteiros ao poder e aos centros de decisão, dando-lhes força
de obras públicas e de projetos. Outras campanhas foram contra a participação de agências estatais em para interferir nas políticas públicas e inscrever na agenda estatal projetos de medidas benéficas ao
obras, contra os cortes governamentais e a favor da "moralização das concorrências". Vimos também setor e de obras específicas. Não à toa, o governo mais elogiado pelos empreiteiros foi justamente o
como os empresários da construção se articulavam com outros empresários, nacionais e estrangeiros, mais autoritário, o do general Emílio Garrastazu Médici, sendo o que mais reprimiu e torturou. Oamor-
parlamentares e com militares, o que lhes rendia ingresso e força junto às agências estatais. Por fim, ·daçamento de mecanismos fiscalizadores, como a imprensa, o parlamento e parte da sociedade civil,
analisamos os principais intelectuais orgânicos e representantes do setor, que tiveram posições e projeção permitia aos empreiteiros maximizar seus lucros com práticas ilícitas e tocar obras com rapidez, agilidade
expressiva no regime, em demonstração do poder desses empresários. e sem preocupação com os seus impactos sociais. Aparticipação popular e eleitoral limitada garantia aos
No último capítulo, estudamos a sociedade política e as políticas estatais da ditadura para o empresários do setor maior força nas agências estatais e junto a figuras presentes em posições-chave
setor de construção pesada, notando forte beneficiamento e proteção a esse ramo industrial, sob a do aparelho de Estado, de modo a pautar as prioridades das políticas púb licas, como grandes rodovias
justificativa de se tratar de um setor de segurança nacional e também com a seletiva tese da defesa da em locais inabitados e centrais elétricas de grande porte, com forte impacto. As demandas populares
empresa nacional. Ocapítulo tentou mostrar como o fortalecimento das empresas do setor se deu em e os anseios da maior parte da população - na forma de saúde, educação, saneamento e habitação,
função de uma forte e clara atuação dos representantes desses empresários nos postos-chave do aparelho áreas que ganharam ênfase no período da transição política - ficavam restringidos, e os recursos
de Estado. Em primeiro lugar, mapeamos as mais importantes agências do aparelho de Estado sob a para as mesmas eram desviados em função das "necessidades" impostas pelos empreiteiros e outros
influência e atuação dos empresários do setor, notando forte articulação dos titulares dessas agências empresários, através de seus representantes na sociedade política. Oregime de repressão permitia
com os empreiteiros e suas organizações. Apartir desse posicionamento dos empreiteiros no aparelho de também que a economia tivesse uma larga margem de investimentos, com altos índices de formação
Estado- com representantes principalmente nos ministérios dos Transportes, Interior e Minas e Energia bruta de capital fixo, deixando de atender a anseios mais diretos da população, mas alocando verbas
-, abordamos as políticas públicas do regime ditatorial que tinham consequências diretas ou indiretas para o custeamento de amplos projetos de investimento, sobretudo em infraestrutura. Enfim, alguns
para as empresas de construção pesada, notando um intenso favorecimento estatal dos empresários empresários do setor não só aprovavam a ditadura e participavam de seus projetos no setor de obras,
do setor, seja através de medidas mais gerais, como o arrocho salarial e o beneficiamento de empresas como partilhavam.de seus valores e contribuíam também com sua política de terrorismo de Estado, que
intensivas em contratação de força de trabalho, seja de medidas específicas, como reserva de mercado, cassava guerrilheiros, prendia-os, torturava-os e matava-os. Apesar da heterogeneidade desse grupo
isenções, incentivos, subsídios e ampla elevação dos recursos orientados para investimentos em obras de empresários, pode-se dizer que a maioria deles aderiu ao regime, assumiu a ditadura, a aplaudiu e,
públicas de infraestrutura. No tocante às políticas para os trabalhadores, notamos que, além da política ao mesmo tempo, a sustentou. Com a ideia de regime de se autoidentificar com as imagens das obras
salarial, as diretrizes consoantes à segurança do trabalho acabavam beneficiando os empreiteiros de
416 Estranhos catedrais Conclusão 417

públicas de grande envergadura postas em prática durante o período, pode-se dizer que a ditadura tempos,9 mas também um determinado arranjo político que guarda elementos de semelhança com a
tínha a cara dos empreiteiros e os empreiteiros tinham a cara da ditadura. sustentação do regime dos anos 70, com a projeção política dos grandes grupos privados nacionais de
Os resultados de nosso estudo acabam por reforçar a ideia de que o regime político instituído engenharia e todos os seus interesses, projetos e valores. Essas mesmas companhias foram também
em 1964 não deve ser entendido como uma ditadura militar ou regime militar, com pleno poder nas diretamente beneficiadas recentemente por políticas e medidas estatais, que redundaram no fortale-
mãos dos oficiais das forças armadas ou mesmo preponderância desses sobre outros grupos sociais.6 cimento dos seus conglomerados monopolistas na petroquímica (Odebrecht-Braskem, com ajuda da
Nossas conclusões parecem reforçar a noção de que tivemos no Brasil uma ditadura civil-militar, mantida · Petrobras), telefonia (Andrade Gutierrez-Brpi, que teve apoio do governo federal) e distribuição de
por um pacto político de frações sociais que cruzavam as forças armadas e a sociedade. Concordando energia ((amargo Corrêa-CPFL/AES, com suporte da Previ). OBNOES agiu em suporte à consolidação
com aponderação de que é preciso qualificar esse elemento civil,7 enxergamos a força de certos grupos desses conglomerados e incentivou a sua atuação internacional, com financiamentos aos projetos de
empresariais sobre outros estratos da sociedade na sustentação, adesão e composição do regime. Nesse engenharia realizados em diferentes continentes.
sentido, os empresários de setor da construção pesada (ao lado de outros grupos, em especial no setor Aforça econômica e política desses grupos atualmente é resultado da forma como se procedeu
industrial eno bancário-financeiro) tiveram grande figuração e relevância na manutenção do bloco de àtransição política do regime ditatorial para odemocrático representativo no Brasil. Com a consolidação
poder no regime pós-1964, sendo um dos principais grupos sociais responsáveis pela ditadura. dos grandes grupos monopolistas e bancário-financeiros no final da ditadura e seus aparelhos privados
de hegemonia, esses empresários se gabaritaram a ter influência no processo da redemocratização,
"Vai passar"? tendo projeção nos governos que seguiram ao regime civil-militar. Aalternância de poder entre regimes
políticos e entre os diferentes governos no período constitucional recente tem se dado concomitante-
A um govern ode empreiteiros, sucede um governo de contadores.' mente à manutenção da força política desses grandes grupos e sua presença no bloco de poder, apesar
das diferentes posições assumidas em cada período. Mesmo com certas dificuldades sentidas por essas
Nos últimos 10 anos, fomos surpreendidos com a retomada de vários projetos encetados no pe- empresas no novo regime político representativo, visíveis em "escândalos públicos de corrupção" nas
ríododitatorial,além de empreendimentos novos que reproduzem certas características daquele modelo quais estão envolvidas, problemas no exterior e reações de trabalhadores nos canteiros de obras - o
de desenvolvimento. Assim, vimos a retomada da construção das grandes centrais hidrelétricas- como que só reafirma a ideia de que elas tinham a cara da ditadura e se mantiveram apegadas às práticas
Belo Monte, projetada na ditadura, e as usinas do rio Madeira, de projeto final mais recente-, com seu daquele tempo-, seu poder econômico e político tem se mostrado inabalável.
grande impacto socioambiental. Novas tentativas foram feitas para a implantação do trem-bala entre o Plano Real e a instauração dos governos Fernando Henrique Cardoso e Inácio da Silva
Rio e São Paulo-Campinas, além da retomada da construção da ferrovia Norte-Sul, empreendimento redundaram em um processo que possibilitou certa superação dos conflitos setoriais e regionais da
iniciado no governo Sarney que segue o padrão das obras da ditadura. Como parte do projeto Nordestão, classe dominante brasileira, abrindo margem para um real processo dh e egemoma " burguesa no pais.
'10

de Andreazza, temos visto a implementação da transposição das águas do rio São Francisco, apesar de Nesse novo concerto, vê-se a liderança do processo legado ao setor bancário-financeiro e do capital
todas as polêmicas e reações às medidas, alto preço da obra eimpactos positivos questionáveis para os industrial monopolista, incluindo de maneira privilegiada as grandes empreiteiras brasileiras, apesar
pequenos agricultores do sertão nordestino. As rodovias internacionais da Amazônia foram retomadas, de O epicentro da acumulação ter se transferido para o setor financeiro. 11 Oúltimo ciclo de acumulação
com ligações por terra com países vizinhos, renovando a diretriz principal do projeto da Trarisamazônica. centrado no setor industrial, entre 1955 e 1980, deu lugar a um novo padrão de acumulação, calcado
Por fim, o combalido projeto nuclear não foi deixado de lado, e a terceira usina termonuclear de Angra principalmente nos ramos bancário e financeiro. Nesse sentido, se a ditadura dos empreiteiros - e de
deve ser completada nos próximos anos. Aretomada dessas obras não evidencia apenas a inspiração outros empresários também, sobretudo industriais - acabou, dando lugar à república dos banqueiros,
e admiração dos líderes políticos atuais ao modelo de desenvolvimento posto em prática naqueles os empreiteiros da ditadura têm se mostrado firmes e fortes nesse novo contexto político.
Essas reflexões acerca de algumas marcas de continuidade entre a ditadura e o modelo de-
mocrático representativo atual não nos devem levar a fazer tábua rasa entre os dois regimes políticos.
Os grupos sociais que mais sofreram com o golpe de 1964 e com o Al -5 foram as classes populares e,
' Como é a leitura de autores como FICO, Ca rlos. OGrande Irmão: da Operação BrotherSam aos anos de chumbo; o governo dos Estados
Unidos e a ditadura militar brasileira. 2' ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008; e BORGES, Nilson. "Adoutrina de segurança , Como foi exposto explicitamente em discursos das principais autoridades do país ultima mente. Dentre outras afirmações, o ex-
naciona Ie os governos militares". ln: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida (org.). OBrasil Republicano. Vai. 4. Rio de Janeiro: ·presidente, Lu ís Inácio da Silva, disse que Geise l foi "o presidente que comandou o último grande período desenvolvimentista do
CivllizaçãoBrasileira, 2003. p. 15-42. país". Ver <http://www.estadao.eom.br/>, acesso em 8 de fevereiro de 2012.
7 Conforme indica LEMOS, Renato em "Contrarrevolução e ditadura no Brasil: elementos para uma periodização do processo político 10 OLIVEIRA Francisco de. Os Direitos do Antivalor. op. cit. p. 9-16.
brasileiro pós-64". ln: VI Congres du CE/SAL. Toulouse: 2010. p. 1-21. Sobre iss~, 0 empreiteiro Murillo Mendes afirmou em 2004: "os nossos credores fin anceiros, estejam eles sediados no Brasil ou no
• CAMPOS, Roberto. Apud PRADO, Lafayette. TransporteseCorrupção. op. cit. p. 223. exterior. São eles os novos donos do País". MENDES, Murillo Valle; ATTUCH, Leonardo. Ouebrade Contrato. op. cit. p. 2.
418 Fstranhascaredrais

apesar de todas as limitações e desilusões vividas após os anos 80, o processo de redemocratização é
uma vitória em especial desses mesmos grupos.
Alguns debates atuais têm se dado em torno das questões da memória e da reparação no que fONTES E BIBLIOGRAFIA
concerne à ditadura civil-militar brasileira. Historiadores e movimentos sociais têm reclamado o acesso
aos arquivos públicos e documentos produzidos à época do regime, ainda liberados a conta-gotas por 1. Fontes primárias
parte do aparelho de Estado. Toda uma questão se dá também no que diz respeito ao pagamento de
indenizações às pessoas que sofreram com a tortura, a perseguição e o exílio ao longo do regime. Se- 1.1. Livros e publicações de associações, sindicatos e órgãos governamentais
gundo o modelo adotado no Brasil, o Estado é o único onerado por esses processos, com o pagamento AEERJ. AEERJ 30 Anos: 30 anos de obras públicas no Rio de Janeiro (1975-2005). Rio de Janeiro: AEERJ,
de indenizações, sendo que não há incriminação de torturadores, militares que cometeram atrocidades 2005. 265p.
e empresários que financiaram a repressão e enriqueceram com o regime. Recorrentemente, são
questionados os valores dessas indenizações e seu alto custo para as contas públicas nacionais, que têm CLUBE de Engenharia. Luta pela Engenharia Brasileira. Rio de Janeiro: Engenharia, 1967. 211p.
prioridades tão urgentes em nosso país. Uma solução possível seria cobrar essa justa reparação direta- FUNDAÇÃO de Economia e Estatística. AIndústria da Construção: uma análise econômico-financeira. Porto
mente das ricas e poderosas empresas monopolistas estrangeiras e brasileiras - como as empreiteiras Alegre: Secretaria de Coordenação e Planejamento do Rio Grande do Sul, 1984. 175p.
-, que contribuíram e se beneficiaram com as políticas da ditadura. Afinal, elas compunham ou não o
FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação
Estado brasileiro naquela ocasião?
João Pinheiro, 1984. 20 + 3 vol.
-GUEDES, Henrique (APEOP). AOutra Face do Empreiteiro. São Paulo: Pini, 1977. 167p.
HONORATO, Cézar Teixeira (org.). OClube de Engenharia nos Momentos Decisivos da Vida do Brasil. Rio de
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,_ INSTITUTO de Engenharia. Engenharia no Brasil: 90 anos do Instituto de Engenharia, 1916-2006. São
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ROTSTEIN,Jaime (Clube de Engenharia). Em Defesa da Engenharia Brasileira. Rio de Janeiro: Engenharia, 1966. 173p.
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