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GRR20143551
CURITIBA
2017
AGRADECIMENTOS
A meu pai Américo Nunes e à minha mãe Lucélia Clarindo por estarem sempre ao meu
lado e por terem me apresentado, através de suas trajetórias, a possibilidade de vivenciar
experiências felizes e positivas provenientes de momentos artísticos de brincadeira e imaginação.
À minha irmã Amelu Clarindo e a meu irmão Iam Clarindo por serem meus eternos companheiros
nesta jornada artística.
A Indioney Rodrigues, orientador desta pesquisa, pelas dicas que foram fundamentais
para a arquitetura deste trabalho e pelas conversas filosóficas sempre muito inspiradoras.
A Vina Lacerda, grande mestre da percussão, que me ensinou os primeiros toques de
pandeiro no Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba. A Marcos Suzano, por ser
sempre uma grande influência e referência para o mundo do pandeiro. A Bernardo Aguiar, pela
gentileza em compartilhar suas ideias sobre pandeiro moderno comigo. A Túlio Araújo e Leonardo
Gorosito, por terem me ajudado com questões técnicas sobre notação para pandeiro.
A todos os pandeiristas e estudiosos do assunto que acabei conhecendo pessoalmente ou
através da internet ao longo desta pesquisa, que acabaram me incentivando através de suas histórias
e de seus talentos, que têm alegria ao tocar pandeiro e reconhecem o potencial que esse instrumento
tem de sintetizar ideias rítmicas que acabam surgindo a partir das nossas mais profundas emoções.
Aos membros da banca de defesa, professor José Gava e professor Leandro Gaertner,
pelas dicas fundamentais para uma melhor organização deste trabalho.
A meus amigos Luimar Mendes, Joaquim Lima e Alisson Santos por terem acreditado no
meu progresso com o pandeiro e terem sempre dedicado um pouco do seu tempo para fazer música
comigo, mas principalmente por serem grandes amigos.
A meu tio e grande amigo Adrian Lincoln por sempre me fazer acreditar que longe é um
lugar que não existe e por ter contribuído com a epígrafe deste trabalho.
A Deus por me dar a capacidade de ouvir música, criar música e me emocionar com
música, atividades que ampliam o significado da minha existência.
“Das mãos um eco do que se movimentava dentro de todos nós”.
(Adrian Clarindo)
RESUMO
ABSTRACT
Figuras:
Exemplos:
Tabelas:
INTRODUÇÃO 1
3. PANDEIRO ESPECTRAL
3.1 Processo de composição 21
3.2 Processo de registro audiovisual 23
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 25
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O abafamento citado na legenda pode ser realizado com o dedo médio da mão que
sustenta o instrumento pressionado contra a pele por baixo do instrumento (estilo de Jorginho do
Pandeiro) assim como com o toque do polegar ou ponta dos dedos no centro da pele com a mão
que percute o instrumento (estilo de Marcos Suzano). Para distinção mais clara do que é a parte
de cima e parte de baixo do instrumento, uma vez que o pandeiro da pesquisa é sustentado na
posição horizontal, paralelo ao chão, utilizo esta figura encontrada na dissertação de Eduardo
Vidili:
Quanto a aspectos técnicos, Suzano dividiu conceitualmente a mão direita (a que efetivamente
percute o pandeiro) em duas metades: a) a inferior, a cargo do polegar e base da mão, próxima ao
punho; b) a superior, constituída pelas pontas dos demais dedos. Ambas são capazes de extrair
basicamente os mesmos sons do instrumento, que, para o músico, se constituem em graves,
médios (tapas) e agudos (platinelas). A mão esquerda, responsável pela sustentação do
instrumento, passou a ter um papel mais ativo, com a incorporação sistemática, quando
necessário, dos movimentos de rotação do pandeiro (2016, p.3).
1
[...] by striking the drum in a vertical position, the performer adds a small amount of sustain to the sound of the
platinelas, giving the second stroke a slight emphasis.
5
1.3 Tapa com o polegar e som grave com as pontas dos dedos
Na maneira habitual de se tocar pandeiro é natural que o som médio do tapa seja
realizado com a mão aberta percutida no centro do instrumento assim como que o som grave seja
realizado com o polegar percutido na borda. No entanto, recentemente, um número cada vez
maior de pandeiristas tem buscado extrair o som grave também com a ponta dos dedos e o som
do tapa com o polegar percutido no centro do instrumento. Essas técnicas, no entanto, requerem
prática, pois pode haver uma variação de timbre, especialmente entre o tapa com o polegar e o
tapa de mão aberta que dificilmente produzem sons exatamente iguais.
Neste novo contexto, ao realizar uma sucessão de toques graves no pandeiro, o
pandeirista passa a ter duas opções e cada uma delas tem um timbre característico. A primeira
delas consiste em realizar os golpes repetindo o toque do polegar (movimento bastante utilizado
em levadas de samba). Essa opção, no entanto, pode se tornar cansativa quando há a necessidade
de vários sons graves em sequência ou quando a música é muita rápida. A segunda opção é a de
extrair o som grave de maneira alternada entre o polegar e a ponta dos dedos. Essa opção, aliada
à rotação da mão que sustenta o instrumento, gera maior fluidez na execução de uma sequência
de sons graves.
pandeiristas da atualidade como Sergio Krakowski e Túlio Araújo, essa técnica possibilita a
realização do som médio em diferentes posições dentro das células rítmicas o que contribui para
a construção de uma maior variedade de estruturas rítmicas. Essas estruturas podem ser
realizadas sem que seja preciso repetir um mesmo movimento e sem interromper a rotação da
mão que sustenta o instrumento. Um bom exemplo disso é a figura rítmica do maculelê ou funk
carioca.
Outra característica da técnica invertida é que ela propicia que o som grave com o
polegar seja executado no quarto tempo do compasso, o que caracteriza muitos ritmos da música
afro-brasileira como bem resume Eduardo Vidili neste trecho de sua dissertação:
Constatando que em vários padrões rítmicos, tanto da música do candomblé quanto em alguns
gêneros de música pop, ocorre a predominância de sons graves nas posições contramétricas dos
tempos do compasso, Suzano percebeu que, ao inverter a lógica dos toques tradicionais de
pandeiro e iniciando o toque por cima, estes sons graves em posições contramétricas passariam a
ser automaticamente obtidos pelo polegar, resultando em condição de execução mais confortável
(2017, p.163).
Segundo Marcos Suzano, a técnica invertida possibilita que o pandeiro exerça a função
do rum, o tambor mais grave e solista do candomblé. As características da música afro-brasileira
influenciaram Suzano a usar a técnica invertida e pandeiros com o som mais grave. “Como ele
via o candomblé como o coração de todos os ritmos afro-brasileiros, ele começou a usar a sua
técnica invertida em todos os gêneros brasileiros, incluindo samba, choro, baião e maracatu,
enfatizando as síncopes em baixa frequência em cada um destes estilos” (Potts, 2012, p.34,
tradução minha2).
Um bom exemplo de funcionamento da técnica invertida está na realização de uma das
variações do ritmo do maracatu de baque virado (manifestação folclórica do estado de
Pernambuco). Com essa técnica, os sons graves característicos desse ritmo podem ser realizados
com o polegar:
Outro exemplo prático da lógica por trás da técnica invertida pode ser observado em
uma das variações do ritmo do baião. Iniciar a batida pelo eixo superior do instrumento permite
que o dedo polegar seja posicionado no quarto tempo dos compassos e que o som médio do tapa
seja feito com a mão aberta. Isso gera uma solução técnica que, em minha opinião, dá mais
2
As he viewed candomblé as the heart of all Afro-Brazilian rhythms, he began to use his inverted technique across
all Brazilian genres, including samba, choro, baião, and maracatu, emphasizing the low-frequency syncopations in
each of these styles.
8
fluidez para a execução desse ritmo, uma vez que é mais confortável para o pandeirista realizar o
som grave com o polegar e o som médio com a mão aberta.
Esse mesmo ritmo, quando iniciado com o polegar, faz com que o pandeirista necessite
realizar o som grave do quarto tempo com a ponta dos dedos e o som do tapa com o polegar.
Em entrevista que realizou com Nelson Faria, disponível no Youtube, Suzano explica os
fundamentos de muitas das técnicas avançadas apresentadas neste trabalho e também fala que
uma de suas maiores contribuições para o universo do pandeiro é a técnica invertida. O processo
pelo qual Suzano passou até chegar a esta técnica é bem explicado neste trecho retirado da
dissertação de Eduardo Vidili.
Sua grande atração pelo instrumento foi despertada em uma ocasião em que assistiu, pela TV, a
uma performance de Jorginho do Pandeiro acompanhando a cantora Clementina de Jesus. Suzano
tentou imitar os toques de Jorginho e, curiosamente, em suas primeiras tentativas, tocou “ao
contrário”, ou seja, iniciando a batida pela parte superior da mão direita, ao invés da inferior.
Percebendo o que lhe parecia um equívoco, Suzano o corrigiu e passou a tocar o pandeiro de
choro da maneira tradicional, iniciando o toque por baixo. Porém, anos mais tarde ele retomaria e
desenvolveria esta forma de tocar, que chamaria de técnica invertida (Vidili, 2017, p.153/154).
É difícil indicar quem inventou uma ou outra técnica de pandeiro devido à escassez de
registros escritos neste meio. Suzano comentou, em entrevista concedida por e-mail, que há uma
possibilidade de João da Baiana ter utilizado a técnica invertida anteriormente. Sobre o som
grave extraído com a ponta dos dedos, Suzano escreveu que essa prática surgiu com pandeiristas
de choro e que também verificou a utilização dela por parte de Jackson do Pandeiro nas vezes
que o viu tocar. Contudo, a maneira como Suzano utiliza esta técnica, alternando os sons graves
entre a ponta dos dedos e o polegar, aliada ao uso de timbres mais graves, gera um efeito muito
pessoal. É possível perceber isso com clareza nos discos que gravou com o grupo Aquarela
Carioca no fim da década de 80 e começo da década de 90, no disco Olho de peixe (1993), que
gravou em parceria com o músico Lenine, em seus álbuns solo Sambatown (1996), Flash (2000)
e Atarashii (2007) e também em diversas apresentações suas disponíveis na internet.
Uma grande contribuição de Marcos Suzano para o mundo do pandeiro foi a utilização
de um microfone preso ao corpo do instrumento em vez de preso a um pedestal. Isso dá mais
liberdade para os movimentos do pandeirista e valoriza a pressão dos sons graves por causa da
proximidade entre o microfone e o instrumento (Potts, 2012, p.44). Marcos Suzano relatou por e-
mail que passou a utilizar microfones dessa maneira com a ajuda do engenheiro de som Denílson
Campos em apresentações com o grupo Aquarela Carioca.
Em entrevista publicada na tese de Brian Potts (2012, p.45), Suzano comenta que, na
música afro-brasileira, o som grave é o que realiza os solos e gera diálogos com a melodia, como
é o caso do tambor rum do candomblé. Suzano também faz analogias dessa mesma
funcionalidade do som grave com as linhas de contrabaixo do reggae, com o grave do violão de
7 cordas do choro e com o som do bumbo da bateria do funk. Sendo assim, concluo que Suzano
valoriza o som dos graves do pandeiro e utiliza a técnica invertida para incluir o pandeiro no
10
O pandeiro brasileiro vem ganhando cada vez mais adeptos e mais notoriedade no
mundo da percussão. Além disso, novas maneiras de se tocar o instrumento e novas opções de
timbre estão sendo experimentadas como, por exemplo, a amplificação do instrumento com
microfones e a utilização de efeitos eletrônicos que geram uma infinidade de novos sons. Diante
dessa mudança de paradigma é importante que se aprofunde a discussão sobre essas novas
formas de execução desse instrumento. Sendo assim, neste capítulo, comento diferentes técnicas
de pandeiro, cito diferentes modelos de pandeiro e nomeio músicos de destaque nesse universo e
que merecem uma atenção especial quanto às inovações técnicas que realizam.
Instrumentos similares ao pandeiro brasileiro existem há milhares de anos em diversas
partes do mundo. Eles são pertencentes a uma família de instrumentos conhecida como frame
drums, tambores que em sua estrutura física possuem uma membrana ou pele esticada presa a
um aro, com um corpo ressonador de profundidade menor que o raio de sua membrana (Vidili,
2017, p.53). Exemplos desses instrumentos são o daf no Irã, o tamburello na Itália, a kanjira na
Índia, o adufe de Portugal, o riq no Oriente Médio etc. Um vasto estudo sobre a história dos
frame drums até a sua chegada no Brasil foi realizado por Valeria Rodrigues em sua dissertação:
Pandeiros: entre a Península Ibérica e o Novo Mundo, a trajetória dos pandeiros ao Brasil
(2014). Cada frame drum tem maneiras próprias de serem tocados e muitos percussionistas, hoje
em dia, misturam técnicas e ritmos de culturas diferentes que, somados a seus estilos pessoais,
geram resultados muito interessantes.
Um exemplo desse intercâmbio de técnicas é a utilização das técnicas do tamburello
italiano no pandeiro brasileiro por parte de percussionistas como Caito Marcondes e Vina
Lacerda. A técnica do tamburello é muito diferente das técnicas do pandeiro brasileiro. Por
exemplo, nela, o instrumento é tocado na vertical e pode ser percutido com as duas mãos. Um
italiano de destaque no tamburello é Carlo Rizzo que, além de demonstrar grande habilidade
técnica, desenvolveu complexas adaptações em um de seus instrumentos com mecanismos que
lhe permitem, dentre outras coisas, controlar a tensão exercida sobre a pele.
Assim como no tamburello e outros frame drums orientais, em alguns ritmos
tradicionais da cultura brasileira como o do cavalo-marinho pernambucano e o do fandango
paranaense, o pandeiro é também sustentado na posição vertical. No entanto, estes ritmos tem
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técnicas complexas e peculiares que são transmitidos oralmente de geração em geração e que
acabam sendo utilizadas exclusivamente dentro das manifestações folclóricas de que fazem
parte.
O pandeiro brasileiro tem se difundido de tal maneira que hoje em dia existem
construtores de pandeiros com características diferentes em diversas partes do mundo. Um
exemplo disso é o pandeiro que Marcos Suzano utiliza, feito pelo japonês Teruhiko Toda. Ele
tem, dentre algumas de suas características, a vantagem de ser extremamente leve. Outro músico
que possui pandeiros diferenciados é Caito Marcondes. Um de seus pandeiros foi construído pela
empresa alemã Anklang e tem uma chave que permite ajustar a quantidade de som emitido pelas
platinelas. Caito Marcondes também possui um pandeirão, instrumento típico do folclore
maranhense, cuja pele pode ser afinada por uma câmara de ar posicionada sob a borda da mesma
ou desinflada por meio de um bico similar ao dos pneus de uma bicicleta para que o som fique
mais agudo ou grave.
Além de técnicas de toque e instrumentos diferentes, alguns percussionistas utilizam
efeitos eletrônicos no pandeiro. Marcos Suzano, por exemplo, costuma alterar o som do pandeiro
utilizando pedais de guitarra como: pedais de volume, pedais de delay, filtros de frequência,
oitavadores etc. Além destes efeitos, Suzano obteve resultados interessantes em seu novo disco
Atarashii utilizando um aparelho chamado Sherman Filterbank V2 que modifica bastante o
timbre do instrumento. Túlio Araújo também é um pandeirista que explora a adição de efeitos
eletrônicos ao pandeiro como pude perceber num vídeo disponível na internet3 em que ele
aparece modificando o som do instrumento com um equipamento chamado Korg Wave Drum
Mini. Outro interessante projeto utilizando pandeiro e aparelhos eletrônicos é o Talking Drums,
criado por Sergio Krakowski. Nesse projeto Krakowski utiliza o pandeiro para controlar efeitos e
trechos de vídeos ao vivo através de técnicas de programação adquiridas no seu PhD em música
de computador.
Outra proposta interessante de utilização do pandeiro é a peça Jogo de pandeiro (2013)
do curitibano Leonardo Gorosito. Nessa peça, que foi feita para dois pandeiros, os intérpretes
devem realizar coreografias enquanto tocam o que dá a ela um caráter totalmente teatral. Além
dessa peça, Gorosito compôs outras que contêm propostas diferenciadas de execução. Na peça
Ao léu (2005), que criou ao lado de Rafael Alberto (seu parceiro no duo de percussão Desvio), os
intérpretes devem executar ritmos utilizando somente as platinelas do instrumento além de que
ao final da obra os instrumentistas lançam o instrumento para o ar a fim de gerar um timbre
específico. Já em Folhagens (2012), Leonardo e Rafael desenvolveram um mecanismo que abafa
3
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=i54MteuQROk>
13
4
In order to increase the pitch of the drumhead, the pandeirista squeezes the head with the left thumb. As this pitch
is directly proportional to the tension of the drumhead, the pandeirista can emulate multiple toms by adjusting the
amount of pressure admnistered.
15
Pelo motivo que, nos pandeiros que costumo tocar, obtenho a distinção clara de somente
três notas diferentes, resolvi limitar a transcrição de alguns trechos do solo à indicação destas
três notas. Para uma melhor indicar a modulação da pele na minha execução, relacionei esses três
sons possíveis aos números zero, um e dois. O som número zero é o som grave, natural da pele
do pandeiro, o som número um é o som médio, resultante da pele sendo pressionada levemente
pelo polegar esquerdo e o som número dois é o som agudo. Nesse último, a pressão do polegar
contra a pele é acentuada. A posição do polegar nesses três sons pode ser visualizada nesta
imagem:
Fig. 3 – Posição do polegar da mão que sustenta o pandeiro na técnica do pandeiro melódico
(fotografias e produção minha).
utilização deste recurso nos métodos para pandeiro de Vina Lacerda e Luiz Sampaio, métodos
que utilizam o sistema de Carlos Stasi.
Fig 4 – Representação de efeito de glissando por Anunciação e Stasi retirado do artigo de Gianesella
(2012, p.196).
Fig. 5 – Transcrição de Eduardo Vidili para efeito de glissando realizado por Marcos Suzano em
trecho da música Mais além (1993) de Lenine, Bráulio Tavares, Lula Queiroga e Ivan Santos.
Diferentemente de Vidili, Brian Potts sugere uma maneira alternativa de notação para o
efeito do pandeiro melódico ao transcrever ritmos de bateria para o pandeiro na sua tese de
doutorado. Potts indica a modulação do som da pele com o polegar da mão que sustenta o
instrumento usando uma seta apontada para cima logo abaixo da nota alterada. Segundo Potts,
17
esse tipo de efeito permite a simulação de múltiplos tom-toms da bateria através do ajuste da
pressão exercida contra a pele a partir do polegar (2012, p.71). Essa maneira de se enxergar o
pandeiro explica o porquê de muitos percussionistas o chamarem de “bateria de bolso”, aludindo
à sua grande portabilidade e capacidade de síntese rítmica, entendida como análoga ao de uma
bateria (Vidili, 2017, p.151). As setas representando esse efeito podem ser observadas na
transcrição da música África do cantor e compositor D’Angelo retirada da tese de doutorado de
Potts.
De acordo com a legenda extraída da tese de Brian Potts, a seta representa o polegar
grave com tom elevado. O efeito resultante equivale aos sons 1 ou 2 que constam na concepção
da técnica do pandeiro melódico representada na figura 3.
Fig. 7 – Legenda extraída da tese de Brian Potts com seta representando elevação do tom da pele
através do polegar (2012, p.67).
Em conversa com Bernardo Aguiar, este me disse que também pretende utilizar essa
seta no método de pandeiro moderno que está desenvolvendo juntamente com Brian Potts no
intuito de fixar uma escrita padrão para pandeiro. Esse tipo de notação me pareceu interessante
para minhas transcrições, no entanto, senti falta da distinção entre a pressão leve e a pressão
acentuada uma vez que a seta limita-se a representar um único movimento do polegar. Cogitei a
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possibilidade de utilizar setas de tamanhos diferentes para representar a distinção dos sons, mas
acabei achando outra solução que apresento mais adiante.
Outra opção de notação para o pandeiro melódico foi apresentada a mim pelo
pandeirista Túlio Araújo e envolve a utilização do pentagrama (sistema de cinco linhas). Túlio
acredita que o sistema notacional para pandeiro de uma linha só, criado por Carlos Stasi, pode
não ser algo familiar para músicos de outras nacionalidades habituados ao sistema universal do
pentagrama. A alternativa de representação que Túlio me apresentou foi desenvolvida a partir de
seus estudos com o percussionista cubano Santhiago Reyther e parte do pressuposto de que deve
haver na partitura, representações independentes para cada mão utilizada, assim como já
acontece em outros instrumentos. No exemplo que me enviou é possível perceber que a linha
superior representa os toques da mão que percute o instrumento, em que utiliza o mesmo sistema
de Stasi, e a linha inferior indica o gesto que deve ser realizado através do ajuste da pressão do
polegar da mão que sustenta o instrumento, no caso do exemplo a seguir, uma variação do agudo
para o grave:
Fig. 8 – Exemplo cedido por Túlio Araújo que apresenta uma alternativa de notação
para o efeito do pandeiro melódico.
Aproveito este espaço para levantar aqui uma discussão interessante sobre notação para
pandeiro em geral que surgiu durante esta pesquisa, especialmente na leitura da monografia A
funcionalidade do sistema notacional para pandeiro de Carlos Stasi de Helvio Monteiro
Mendes. Segundo esse trabalho, alguns percussionistas defendem a instituição de um único
sistema notacional para pandeiro. Por outro lado, o próprio Carlos Stasi, criador do sistema
notacional de pandeiro mais utilizado nesse meio, afirma ser contrário a essa padronização
(Mendes, 2010, p.25). Stasi concorda com Vina Lacerda quando este afirma que “o surgimento
de novos virtuoses do instrumento, bem como mais peças solo poderá levar à necessidade de
novas criações agregadas às já existentes”. Stasi também diz que “ao desenvolver a notação
deixou em aberto um espaço para essas futuras criações, mas sempre com a tentativa de expor o
menor uso possível de elementos na notação original” (Mendes, 2010, p. 23).
Sobre esse assunto, concordo com a opinião de Vina Lacerda descrita no trabalho de
Helvio Mendes de que “a partir do momento que se entra num consenso sobre a forma de
reprodução, a compreensão globaliza-se e permite que os ritmos brasileiros e o pandeiro se
difundam com maior fluidez” (2010, p.28/29). Sendo assim, considerei que o sistema notacional
criado por Carlos Stasi era o que poderia me auxiliar na representação das composições deste
trabalho com mais clareza. No entanto, acredito que, assim como ocorre na grafia de técnicas
extendidas para outros instrumentos, novos símbolos devem ser inventados no intuito de
representar as múltiplas possibilidades de movimentos que esse instrumento oferece.
5
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=UxkSRU1-_Dc>.
21
3. PANDEIRO ESPECTRAL
6
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gB5pLudu3Os>.
22
7
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=HT_YgpuDto8&feature=youtu.be>
23
Ao analisar o vídeo de Pandeiro espectral percebi que apliquei nele algumas estruturas
rítmicas que desenvolvi ao longo do tempo e que costumo utilizar bastante em minhas práticas
com o instrumento. Uma delas envolve criar ritmos alternando os sons do punho e do polegar
como é o que acontece logo nos primeiros instantes do vídeo e que pode ser melhor visualizado
na seguinte transcrição:
Exemplo 10 – transcrição do início do solo, ritmo alternando punho e polegar (produção minha).
Para que este efeito seja ouvido com clareza é necessário que ele seja executado com o
couro do pandeiro bem frouxo. A captação do som com bons microfones juntamente com o
processamento do áudio é capaz de atenuar os timbres da técnica do pandeiro melódico e a
utilização de fones de ouvido ou caixas de som de boa qualidade ajudam para melhor distinção
destes sons.
Além destes movimentos, outra característica pessoal que pus em prática no vídeo foi a
utilização de uma estrutura rítmica que me possibilita ganhar maior velocidade na rotação da
mão que sustenta o instrumento e que gera um efeito sonoro similar ao de uma engrenagem. Esse
ritmo acontece no minuto 3:34 do vídeo e pode ser visualizado nesta transcrição:
Finalmente, percebi também que em alguns trechos do vídeo Pandeiro espectral, como
é o caso dos minutos 0:33, 4:08, 5:20 e 5:50, eu crio alguns temas melódicos que me direcionam
durante trechos da execução.
A partir do momento que adquiri certa prática com o pandeiro, eu passei a registrar em
vídeo alguns dos solos que realizo. Como tratam-se de execuções improvisadas, cada vídeo tem
uma execução única e original e desde então passei a publicar parte deste material na internet.
Algo que incentivou esta minha iniciativa foram vídeos de Marcos Suzano realizando longos
solos de improviso com pandeiro aos quais assisti na internet. A liberdade da invenção
momentânea de material musical que a música improvisada possibilita é um assunto que tem
ganhado meu apreço recentemente, assim como o uso do pandeiro como instrumento solista,
algo que desatrela este instrumento da função de somente manter o ritmo das músicas dentro de
um conjunto, função popularmente atribuída a instrumentos de percussão.
Todas as filmagens que já realizei foram feitas de forma caseira, em minha casa com
meu computador pessoal e minha placa de som. Ao longo destas filmagens, fui aprimorando o
processo de captação da imagem e do som, embora o processo de registro costuma acontecer da
seguinte maneira. Eu capto a imagem com a câmera do meu próprio celular e simultaneamente
capto o áudio com microfones que são enviados a um programa de edição no computador através
de uma interface de áudio. Então, faço alguns ajustes no áudio dentro do programa no
computador como: ajuste de volume, compressão de som, eliminação de ruídos, delimitação de
frequência etc. Finalmente, utilizando um programa de edição de vídeo, eu sincronizo o vídeo
captado pelo celular com o som aprimorado e crio um novo vídeo.
No caso de Pandeiro espectral não foi muito diferente. Eu captei a imagem em minha
casa com a câmera frontal do meu celular da marca Motorola, modelo G4 Plus, o que me rendeu
uma qualidade de vídeo em alta definição. O áudio foi captado com um microfone de lapela
simples da marca Leson que anexo ao corpo do pandeiro com um prendedor de papéis de
maneira que o microfone permaneça bem próximo à pele. Tive essa ideia ao ver na tese de Brian
Potts uma foto mostrando como Marcos Suzano costumava prender o microfone diretamente no
corpo do pandeiro.
25
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considero que este trabalho possa somar-se ao conjunto de fontes sobre características
técnicas e de timbre que permeiam o cenário do pandeiro brasileiro atual a partir de Marcos
Suzano. Assim como apresentadas na tese de doutorado de Brian Potts e na dissertação de
Eduardo Vidili, também apresentei aqui algumas técnicas utilizadas no pandeiro moderno, tais
como: a rotação da mão que sustenta o instrumento, o tapa com o polegar e o som grave com a
ponta dos dedos, a técnica invertida e também a maneira com que Marcos Suzano capta o som
do pandeiro com um microfone preso direto ao corpo do instrumento. Além disso, o principal
resultado da pesquisa foi a criação de um solo com rotinas de improvisação controlada que
chamei de Pandeiro espectral, em que utilizo as técnicas do pandeiro moderno mencionadas
acima bem como a captação do som de maneira similar à de Marcos Suzano.
O principal impulso criativo que me ajudou a desenvolver a composição de Pandeiro
espectral baseia-se na técnica utilizada por Suzano de modular o som da pele do pandeiro
utilizando o polegar da mão que sustenta o instrumento. Esta técnica, também chamada por
alguns autores de glissando e que recebeu neste trabalho o nome de técnica do pandeiro
melódico, viabiliza uma infinidade de novas possibilidades para a prática do pandeiro. A técnica
do pandeiro melódico possibilita que o pandeirista realize linhas melódicas no instrumento,
efeito que com amplificação adequada faz com que este instrumento pareça estar realizando uma
linha de contrabaixo juntamente com o ritmo. Este tipo de técnica, juntamente com outras
técnicas modernas, aliadas à possibilidade de alteração dos sons do pandeiro com pedais e
recursos eletrônicos, insere o instrumento em outros meios de atuação como o da música pop e o
da música contemporânea.
Na intenção de representar de forma mais fiel os efeitos do pandeiro melódico na
partitura, eu pesquisei métodos de pandeiro e outros trabalhos sobre o tema a fim de encontrar
uma notação adequada. Finalmente, com base nessa pesquisa, criei uma notação bastante
funcional que distingue três níveis de pressão na pele do pandeiro de maneira que sejam
claramente diferenciados os três sons disponíveis na técnica do pandeiro melódico. Acredito que
outros pandeiristas poderão usufruir desta mesma notação para transcrever suas ideias e também
que os símbolos que escolhi são de fácil compreensão por parte de qualquer músico que tenha
um conhecimento básico da escrita musical tradicional.
Para concluir, afirmo que o processo de criação deste trabalho foi imensamente
gratificante. Ao longo deste processo, mergulhei profundamente no universo do pandeiro, estive
em contato com pandeiristas de diversos lugares e pude explorar e praticar o instrumento das
27
mais diversas maneiras. O processo da leitura de outros trabalhos sobre as técnicas do pandeiro
moderno e a comunicação com grandes pandeiristas foram significativos para o processo de
criação e execução de Pandeiro espectral.
Esse processo, que contou com a exploração de diversas rotinas de improvisação
controlada, utilizadas como geradoras de seguimentos rítmicos, foi fortemente influenciado pelas
ideias de Marcos Suzano. O fluxo de execução e a acuidade da captação que acentua as
frequências graves do instrumento aliados à técnica do pandeiro melódico resultam não só dessa
influência de Marcos Suzano, mas também recebem uma base significativa na contemplação e
leitura da obra e estilo de diversos outros pandeiristas, entre os quais cito principalmente Vina
Lacerda e Bernardo Aguiar. Meu trabalho criativo busca integrar todas essas influências
consolidando-as numa peça original.
Finalmente, considero que o contato com as técnicas do pandeiro moderno contribuiu
para que as qualidades de timbre e de ritmo presentes nas técnicas tradicionais dos ritmos
brasileiros, que estão presentes nas manifestações culturais ao redor do país e que são a origem
de tudo que o pandeiro veio a se tornar, fossem valorizadas aos meus olhos. Considero também
que este trabalho possa servir como uma fonte de reflexão e prática em torno de uma técnica
ainda muito recente entre os pandeiristas, e que futuras pesquisas possam se valer das
informações e dos processos criativos aqui descritos de maneira que o estudo e a prática do
pandeiro continuem sendo aprofundados.
28
REFERÊNCIAS
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D’ANUNCIAÇÃO, Luiz Almeida. A percussão dos ritmos brasileiros – sua técnica e sua
escrita. Caderno 2: pandeiro estilo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: edição do autor, 2009.
DOCUMENTÁRIO - Brasileirinho. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Tsj9LJcNQls>. Acesso em 24/09/2017.
GIANESELLA, Eduardo Flores. O Uso Idiomático dos Instrumentos de Percussão Brasileiros:
principais sistemas notacionais para o pandeiro brasileiro. Revista Música Hodie. Goiânia,
v.12, n.2, p. 188-200, 2012.
LACERDA, Vina. Pandeirada brasiliera. Curitiba: edição do autor, 2007.
MENDES, Monteiro Mendes. A funcionalidade do sistema notacional para pandeiro de Carlos
Stasi. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, monografia (Bacharelado em Música e
Instrumento – Percussão), 2010.
POTTS, Brian J. Marcos Suzano and the amplified pandeiro: techniques for nontraditional
performance. (Doutorado em artes musicais) - Universidade de Miami, Miami, 2012.
RODRIGUES, Valeria Zeidan. Pandeiros: entre a Península Ibérica e o Novo Mundo, a
trajetória dos pandeiros ao Brasil. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da
Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.
SAMPAIO, Luiz Roberto Cioce; BUB, Victor Camargo. Pandeiro brasileiro Vol. 1. São Paulo:
DPX, 2004.
SAMPAIO, Luiz Roberto Cioce. Pandeiro brasileiro Vol. 2. São Paulo: Bernúncia, 2007.
_________. Estudos e peças para pandeiro brasileiro Livro 2. Belém: Livre Percussão, 2013.
SERGIO Krakowski's Pandeiro Talking Drum Project. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Tf4t34nlOus>. Acesso em 24/09/2017.
UM café lá em casa com Marcos Suzano e Nelson Faria. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=dZWhAEs82ac&t=520s>. Acesso em 24/09/2017.
VIDILI, Eduardo Marcel. Pandeiro brasileiro: transformações técnicas e estilísticas conduzidas
por Jorginho do Pandeiro e Marcos Suzano. Dissertação (Mestrado em Música) - Centro de
Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.
_________. Pandeiro brasileiro: inovação e metodologia na performance de Marcos Suzano em
Olho de Peixe. Trabalho apresentado no XXVI Congresso da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Música, Belo Horizonte, 2016.
WORKSHOP Marcos Suzano parte 1. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=-NUF65Ie0sQ>. Acesso em 24/09/2017.
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ANEXOS:
Entrevista concendida por Marcos Suzano através de e-mail no dia 30 de Junho de 2017:
Marcos Suzano: Sou familiarizado e acho uma boa definição, me considero um dos
pioneiros na difusão dessa técnica. O resultado mais objetivo se vê na quantidade de pandeiretas
de todas as partes do mundo empregando essa técnica, assim como o surgimento de construtores
de pandeiro em lugares até bem pouco tempo atrás, improváveis, como Japão, Estados Unidos ,
Alemanha, Argentina... meus pandeiros são feitos pelo Teruhiko toda, de Tokyo.
Luam: Das técnicas A, B, C, citadas acima. Quais seriam de autoria sua? Sei que a
técnica invertida foi você que inventou. A rotação da mão esquerda, sei que se baseou no
Jorginho do Pandeiro, no entanto, a maneira como você rotaciona a mão me parece ter sido
invenção sua também, correto (ou seria uma tendência que já estava acontecendo)? O grave com
a ponta dos dedos, alguns pandeiristas do choro já utilizavam, correto? E o tapa com o polegar,
você viu alguém fazer, você utiliza com frequência este movimento?
Marcos Suzano: Acho que a técnica invertida é de minha autoria...mas penso que há uma
possibilidade do João da Baiana utilizá-la também...mas a falta de registros é cruel nessas horas.
As outras citadas, uso todas ! O tapa com o polegar muita gente usa. O Krakowski usa muito
bem. O grave com o dedo médio vem dos pandeiretas de choro. O Jorginho e o Gilberto D`Ávila
são meus ídolos ! A dinastia Silva tem um toque lindo! Como tive a chance de ver o Jackson do
Pandeiro várias vezes, ele também usava o dedo médio pra gerar o grave e , se não me engano,
também usava a mão esquerda em rotação.
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Marcos Suzano: Acho que sim. Comecei a usar em shows do Aquarela Carioca, onde
tinha que ter mais pressão sonora. O apoio técnico do engenheiro de som Denílson Campos foi
fundamental.
Luam: Conheço alguns pandeiristas que seguem o seu estilo, o qual eu chamo de técnica
moderna, dentre eles Bernardo Aguiar, Brian Potts, Scott Feiner, Segio Krakowski, Tulio
Araujo. Você saberia nomear alguns outros pandeiristas que seguem esta mesma escola?
Marcos Suzano: Vina Lacerda, Fernando Schmidt, Yago Avelar, Clarice, Tadeu ,
Tigoko(Adriano), se lembrar de mais gente, aviso...
Marcos Suzano: Ganhei um pandeiro de um aluno meu que tinha um ganzá no lugar das
platinelas... hahaha! Mas soa bem!
Eu gosto de usar filtros lowpass, delays e pedais que alteram a afinação, tipo Whammy.
Mas tenho um Sherman 2 no meu estúdio que é bem radical... obtive resultados bem legais com
ele no meu disco Atarashii.
Às vezes uso o pandeiro no colo, tocando com as duas mãos... fica legal também. Ainda
não "triguei"o pandeiro... acho que será bem complexo o processo pra brigar o som grave quando
se quer só o grave e os outros também separadamente... mas se eu conseguisse separar pelo
menos o grave e o tapa, já ficaria feliz. Assim como usar um "gate", ao vivo...só em palcos muito
grandes e distantes do público , onde acusticamente seria impossível de haver vazamento dos
sons agudos das platinelas.
Quanto às técnicas diferentes , o Yago Avelar e os irmãos Emerson e Enio Taquari
merecem um capítulo à parte. Assim como Adriano Tigoko !!! São demais!!! Os italianos
Andrea Piccioni e Carlo Rizzo são geniais nos pandeiros italianos. Selva Ganesh na kanjira , o
pandeiro indiano, é inspiração total!
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Luam: No meu trabalho, vou criar algumas brincadeiras alterando o pitch com o polegar
da mão esquerda, pensei em chamar este efeito de pandeiro melódico. Alguns chamam de
glissando, porém estou utilizando 3 notas distintas, pele solta, um pouco apertada, e mais
apertada. Como você costuma chamar este efeito?
Marcos Suzano: Acho que glissando ou portamento pode ser uma definição legal!
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Luam: A técnica do pandeiro moderno, com este nome, foi inventada por Marcos
Suzano? Teria data?
vai vindo dessa linhagem do choro, mas eu tenho relatos de pessoas que conviveram com ele
nessa época, eu sou aqui do Rio de Janeiro e alguns amigos dos meus pais tem amigos em
comum. Meu pai, minha mãe, frequentavam a mesma galera do Suzano então viram todo o
surgimento do Suzano como músico. Ele também tinha a cabeça muito aberta pra rock’n roll,
pop, pra ritmos ímpares, essa coisa toda e ele levou o pandeiro até as últimas consequências né,
realmente desenvolveu. Pega Aquarela Carioca, os dois primeiros discos, você vê o processo
evolutivo e tem coisas como, o álbum que ele gravou com a Zizi Possi que é anterior ao Olho de
Peixe, talvez aquele do Gil seja anterior ou bem próximo, mas eu entendo que ali no Olho de
Peixe o som tá formado, o que é o pandeiro modermo. Entendeu, o que é o pandeiro moderno
com grave, a técnica, eu não sei dizer se já estava formado antes mas posso dizer que o Olho de
Peixe é um marco, além de que é um disco belíssimo, ainda têm isso.
Luam: Quais seriam as grandes inovações apresentadas nesta técnica? Rotação da mão
esquerda? Início do toque com a ponta dos dedos? Mudança do "pitch" do instrumento com a
mão esquerda? O que mais?
Bernardo Aguiar: Essa é uma pergunta bem técnica né, essa coisa de começar uma
levada, que é o seguinte né, a ideia de você dividir a mão em dois e ter grave, médio e agudo nas
duas partes da mão, faz com que você possa trabalhar com movimentos alternados, tudo isso não
é pra ser levado ao pé da letra porque, movimentos alternados é uma maneira de tocar, mas uma
maneira inovadora, no sentido que você não precisa repetir o eixo, não tem um som que só existe
em um eixo da mão, né, por exemplo, polegar faz o grave, tem o grave ali em cima, no choro já
existia esse grave. Não é todo mundo que usa, nas técnicas tradicionais espalhadas pelo Brasil,
mas o choro já rolava, mas ninguém começava a levada, qualquer técnica que você pegar, de
capoeira, de partido alto, de samba tradicional, de sei lá, fandango, de frevo, todo mundo começa
pela parte de baixo da mão, é natural, o som do grave e o do tapa são sons naturais. Então é
muito normal nestas técnicas você repetir eixos da mão. Mas o Suzano, ele entendeu, eu já fiz
essa música diretamente pra ele, ele falou que quando pegou o pandeiro pela primeira vez ele já,
intuitivamente começou com a parte de cima da mão, e esse foi um detalhezinho que fez toda a
diferença porque quando você começa a levada pela parte de cima da mão, com o grave em
cima, você coloca o tapa, pra tocar música pop por exemplo, o tapa fica no dois e no quatro e o
tapa da parte de cima da mão, ele é mais confortável, o dedão também é mais confortável, ele
fica na parte de baixo da mão, então por exemplo, você começa a levada pela parte de cima da
mão, dentro da lógica afro-brasileira, o grave, o polegar né, fica nas síncopes e fica dentro da
lógica afro brasileira. Ele fala isso no DVD Brasileirinho, tem uma cena com Jorginho e com
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Celsinho, tem essa cena ele falando. Essa técnica fez sentido tanto pra tocar pop, porque esse
tapa mais confortável de ser dado, que é esse tapa com a parte de cima da mão, cai no dois e no
quatro, usando movimentos alternados e os graves caem nas síncopes e tem tudo a ver com o
trabalho que o rum faz, na cultura afro brasileira, tem muito essa coisa do grave fazer o solo,
interagir com a dança, fazer o transe, né, e isso tem muita coisa de síncope, então você
começando por cima, você ganha em todos os sentidos, e aí a ideia, eu dou aula e tal, eu passo a
ideia de que a gente tem que procurar fazer as levadas começando por cima e por baixo, mesmo
que você vá escolher uma maneira melhor, que seja mais confortável, na hora de decidir se
começa por cima e por baixo, o conforto é um critério. Levadas com o tapa da parte de cima são
mais confortáveis de serem dadas do que com o tapa na parte de baixo, isso assim, de uma
maneira bem natural, então, mas a ideia é que você consiga tocar qualquer ritmo tanto
começando por cima quanto começando por baixo, essa é a ideia, entendeu, da técnica, a
filosofia da técnica. Então, isso muda tudo, esse ponto aí. E aí, vocÊ perguntou, rotação da mão
esquerda, tem haver com movimentos alternados, que também é inovador, é uma máquina né, eu
chamo de máquina, esse é um nome que eu dei junto com Brian Potts, que tá me ajudando a
escrever meu método, a gente usa essa ideia de rotação da mão esquerda. Aí com essa ideia de
movimentos alternados você acaba dando mais trabalho pra mão esquerda e a mão direita fica
confortável tocando. Depois de um tempo você não pensa mais, é que nem andar. E é assim com
a mão esquerda também, aí gera um conforto né, fica bem intuitivo. Isso é uma inovação forte..
Mudança do pitch, com certeza, aí é uma coisa, no meu método eu chamo de técnica avançada,
que aí é uma coisa mais que torna o pandeiro delicioso, você poder mexer com o pitch né, fazer
melodias, eu exploro muito isso no Pandeiro e Repique Duo. São coisas inovadoras.
Luam: Estes tempos li no seu site que você estaria lançando um livro sobre este tema.
Existe previsão de lançamento? Como é esta ideia? Você usará algumas das técnicas citadas
acima?
Bernardo Aguiar: Pois então, não é um livro exatamente é um método, muito focado no
áudio visual, já tá tudo gravado essa parte áudio visual, eu tenho trabalhado diariamente nisso,
agora que tô no Rio, e agora to aproveitando o tempo para prosseguir no método. É um método
da técnica moderna e uso essas técnicas que a gente falou claro, pretendo lançar esse ano, corro
pra isso e é um método que eu dividi em adaptações, tradições e criações. Acontece que eu só
gravei adaptações porque eu entendo que noventa porcento do método é adaptações e o étodo eu
entendo que vai ser uma coisa em construção. Na verdade eu trabalhei muito escrevendo e na
hora de gravar o áudio visual eu gravei só alguns então tem muito trabalho escrito que ainda não
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tá publicado mas eu tô focado nesse material áudio visual, eu pretendendo lançar em streaming
pras pessoas que estejam espalhadas no mundo poderem acessar. E aí, essa coisa de você pegar
um ritmo que já existe no mundo e adaptar pro pandeiro, então por exemplo, você pega um
maracatu, maracatu não tem pandeiro tocado tradicionalmente, nada te impede de ouvir o
maracatu e adaptar algum elemento, pegar o desenho da alfaia e transpor mas pensando na caixa
e botar um gonguê, você pega a somatória de tudo e adapta. Seja ritmos de raiz como o maracatu
ou ritmos eletrônicos como drum n bass, essa é a ideia. E adaptações também diz respeito a
ritmos que tem o pandeiro sendo tocado tradicionalmente, por exemplo samba, samba tem a
maneira tradicional de tocar, mas também nada te impede de você adaptar outra coisas, outros
elementos do samba, você ouvir um repique de mão, um repique de anel e adaptar essa
linguagem, duas atabaques tocando juntom, ou uma levada de tamborim, uma levada de caixa,
então você pode adaptar isso pro pandeiro. A gente tá falando de um gênero, samba, que existe o
pandeiro sendo tocado tradicionalmente mas a minha abordagem no caso é utilizar a maneira
tradicional para adaptar alguma coisa a mais que não seja tradição. Adaptação é uma coisa muito
genérico e diz respeito a ritmos consolidados no mundo, sei lá o reggae, o funk americano, o
funk carioca e por aí vai. Aí eu tô divindo assim, adaptações, aí tem tradições que é essa coisa da
inspiração, da raiz, mas é importante dizer dentro da filosofia da técnica moderna, não importa se
você toca tradição ou não, o instrumento é feito para você colocar ideias, o cara pode estar na
Austrália, no Japão, na China e tocar pandeiro sem nunca ter tocado um samba, ou ritmos
brasileiros, essa é uma filosofia da técnica, você não precisa tocar ritmos de raiz pra poder tocar
pandeiro porque é um instrumento de síntese, agora, eu pessoalmente tenho uma pesquisa com
ritmos de raiz, e tudo mais, então, acho interessante, pra mim funciona como uma coisa de
inspiração, de trazer ideias, um manancial de ideias e tal, então eu vou incluir mais pra frente
essa parte mas não vai ser uma coisa muito aprofundada não, só pra deixar claro essa diferença
da tradição para adaptação. E criação são ritmos originais que eu criei na minha trajetória,
técnicas originais que eu vou criando, descobrindo, a filosofia da técnica é a certeza de que o
pandeiro é um instrumento infinito, é o frame drum né, isso não tem fim. Então é muito legal
pensar o pandeiro daqui vinte anos, vinte anos é amanhã em perspectiva histórica, como vai tá o
pandeiro daqui vinte anos, vai ter muita coisa acontecendo nestes vinte anos, então é isso,
pandeiro moderno é infinito.
Luam: Você poderia nomear alguns pandeiristas que se apropriam da técnica do pandeiro
moderno?
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Bernardo Aguiar: Rapaz, tem muita gente né, eu fico até com medo de esquecer de
pessoas, tem muita gente no mundo, nesse momento to recebendo aqui, tá me ajudando a
concluir meu método, Brian Potts, que fez até um doutorado sobre pandeiro na universidade de
Miami, você já deve ter cruzado com o nome dele. Sergio Krakowski, tem um cara do Uruguai,
Nacho Delgado, tem Scott Feiner, Vina Lacerda, tem Sebastian Notini, sueco que mora na
banheiro, tem Tikogo, baiano, tá morando em Berlim, toca pra caramba. Tem um livro que um
cara da Austrália fez com esse levantamento, uma porrada de pandeirista, ele me entrevistou na
época.
Luam: Você por acaso já encontrou notação específica para a técnica de mudar o pitch
do pandeiro?