A Colonização do Imaginário: sociedades indígenas e ocidentalização do México
espanhol séculos XVI - XVIII
Serge Gruzinski Companhia das Letras 488 páginas Compre
Para o leitor que não pertence à academia, e mesmo para
os acadêmicos que não se debruçam sobre o problema, o imaginário é uma grande incógnita, um ilustre desconhecido.
Imaginário não é exatamente algo irreal, distante do
empírico, do mundo sensível. É algo que está em relação com o mundo real e com as experiências cotidianas mas que, ao mesmo tempo, não prende-se somente a elas. É uma dimensão na qual as sociedades constroem a forma através da qual vêem o mundo e a si mesmas; é na esfera do imaginário que residem os problemas de ordem histórico-antropológicos. O imaginário é composto - de forma bastante geral - de elementos que dão sentido e valor às nossas experiências sensíveis. Toda sociedade, e mesmo os grupos que as compõem, possuem seus imaginários. Imaginários sobre si e sobre os outros, questão indispensável no trato entre as culturas.
Serge Gruzinski, que é profundamente interessado tanto
em história quanto em antropologia, desta vez decidiu enfrentar o problema da dominação colonial no México a partir não da esfera política e militar, mas a partir daquilo que ficou velado, que se passou na difícil esfera do invisível, da mentalidade.
É claro que um desafio desta ordem jamais será
profundamente conclusivo. Não se trata de determinar o volume de produção de milho de uma determinada região ou do acordo político perpetrado entre dois grupos ou dois chefes, trata-se de penetrar no campo mais desconhecido para o ser humano - e conseqüentemente para qualquer ciência - que é o nosso próprio pensamento. Mesmo assim, não deixa de ser um estudo poderoso.
Com a chegada dos espanhóis na América, uma forma de
ver o mundo ruíra; Todorov já lembrava disto alhures. Mas o que poderia ter ocorrido com a mentalidade e com a forma de ver o mundo destes nativos das Américas? E mais do que isso, onde ir buscar elementos capazes de revelar estas transformações? Bom, são dois problemas capazes de consumir muitos anos de trabalho e muita paz de espírito.
Gruzinski optou por relacionar elementos que poderiam
denunciar tais transformações a partir de duas esferas: a cristianização do México e as transformações nas formas de linguagem nativas.
No século XVI a comunicação visual na região do México
era profundamente marcada pela pictografia - indicando uma lenta, mas identificável, transposição para uma escrita fonética semelhante à que foi desenvolvida pelos gregos por volta do século V antes de Cristo. Nos séculos seguintes, a escrita pictográfica, que também implicava em uma relação visceral entre linguagem e concepção histórica, passa por um controle cada vez mais presente dos invasores espanhóis, o que levou ao surgimento de formas híbridas e cada vez mais ocidentalizadas de linguagem. Na forma original, a escrita - se é que podemos chamá-la assim - era "lida" por um indivíduo treinado para tal ofício que narrava em alto e bom som o conteúdo das histórias contidas em pinturas executadas em peles especialmente preparadas. Tal ofício será perseguido e jovens nativos serão treinados por escolas dos espanhóis a fim de que tal procedimento desaparecesse da sociedade mexicana.
Por outro lado, a mentalidade indígena também será
transmutada lentamente graças a penetração do cristianismo que, nunca é demais lembrar, não é um problema somente de ordem teológica superficial, mas implica na transformação da visão de mundo, da concepção de permissão e interdição, de temporalidade, de sentido da existência e da própria teogonia e cosmogonia. Ora, nada mais crucial, mais íntimo e assustador do que a transformação da concepção de "sentido".
O livro de Gruzinki não é leve, decididamente a escrita é
densa e trata de temas difíceis, que recorrem a um profundo conhecimento da teoria da linguagem e das relações culturais, e isto dentro das especificidades da América mexicana e do tempo. "A colonização do imaginário" é um livro importante sem dúvida, mas, como todo aquele que chega primeiro e abre a clareira, existe a sensação de solidão. Gruzinki e seu livro melhorarão à medida em que ganharem interlocução mais próxima. Interlocução que, diga-se de passagem, compõe um dos desafios mais significativos das ciências humanas neste momento; penetrar no não declarado e integrar os problemas e as soluções.