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Fábio Aresi1
fabio_koy@yahoo.com.br
RESUMO: Meu objetivo neste trabalho é explorar as noções de índices específicos e de procedimentos
acessórios no texto de Émile Benveniste, intitulado O aparelho formal da enunciação (1970), formulando
hipóteses acerca do que elas possam se referir no plano da enunciação. Para tanto, apresento as discussões
relativas a significação e subjetividade no pensamento de Benveniste a partir de uma revisão cronológica de
textos importantes do autor. Assim, acredito que as noções de índices específicos e procedimentos acessórios
figuram como um “ponto de chegada” da busca de Benveniste pela questão da subjetividade na linguagem, ou
ainda, pela questão da significação, trazendo consigo alusão a outras noções desenvolvidas ao longo das
reflexões anteriores do linguista.
PALAVRAS-CHAVE: Enunciação; índices específicos; procedimentos acessórios.
INTRODUÇÃO
O título deste trabalho remete à seguinte passagem do célebre texto de 1970 de Émile
Benveniste, chamado O aparelho formal da enunciação:
Este trecho brilhante parece apresentar uma noção de enunciação, ainda que não
abarque a totalidade da questão (trata-se da enunciação enquanto realização individual). No
entanto, esta mesma passagem é também um tanto intrigante. Ora, quais são os índices
específicos e os procedimentos acessórios que possibilitam ao locutor enunciar sua posição de
sujeito? Acredito que esse questionamento se deva, principalmente, à diferença que este texto
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Aluno de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
VISLUMBRE DA ENUNCIAÇÃO
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Cabe avisar que não entrarei aqui em detalhes sobre as investigações de Benveniste acerca das categorias de
pessoa, tempo e espaço. Um trabalho de revisão dos estudos do linguista acerca dos pronomes pessoais, dos
verbos e dos demais elementos por ele designados de “indicadores de subjetividade”, além de demandar um
grande espaço, não é do interesse deste estudo. Pressuponho aqui que tais estudos já sejam de conhecimento do
leitor.
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Os textos de Benveniste em geral são caracterizados por certa “flutuação” terminológica, em virtude, talvez, da
distância que existe entre cada um dos textos, embora dentro de um mesmo texto encontremos o emprego de
termos como “enunciação” com mais de um sentido, ou mais de um termo com o mesmo sentido. O termo
“instância de discurso” aqui trazido se configura uma das muitas denominações da noção de enunciação
empregadas por Benveniste em seus textos. Para mais sobre o assunto, ver Ono (2006) e Normand (1996).
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“Forma e sentido devem definir-se um pelo outro e devem articular-se juntos em toda extensão da língua. As
suas relações parecem-nos implicadas na própria estrutura dos níveis e na das funções a que elas correspondem,
que aqui designamos constituinte e integrante” (Benveniste, 1964/2005: 135).
Esses dois sistemas se superpõem assim na língua tal como a utilizamos. Na base, há
o sistema semiótico, organização de signos, segundo o critério da significação [...].
Sobre este fundamento semiótico, a língua-discurso constrói uma semântica própria,
uma significação intencionada (op. cit.: 233-234, grifo meu).
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A noção de agenciamento será de grande importância no próximo bloco deste trabalho.
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“O mecanismo dessa produção é um outro aspecto maior do mesmo problema. A enunciação supõe a conversão
individual da língua em discurso. Aqui a questão – muito difícil e pouco estudada ainda – é ver como o ‘sentido’
se forma em ‘palavras’, em que medida se pode distinguir entre as duas noções e em que termos descrever sua
interação. É a semantização da língua que está no centro deste aspecto da enunciação” (Benveniste, 1970/2006:
83).
Além disso, o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Ferreira, 2004: 1095)
define o vocábulo “índice”, entre outras coisas, como “tudo aquilo que indica ou denota
alguma qualidade ou característica especial” (grifo meu). Tais índices seriam, portanto, os
indicadores por excelência da subjetividade na linguagem.
No que diz respeito ao termo “procedimento”, percebemos que, embora não seja
recorrente nos trabalhos de Benveniste, ele parece estar mais próximo da idéia de
organização, ou ainda, de “agenciamento”, tal como esta noção é definida no Dicionário de
Linguística da Enunciação (Flores et al., 2009: 47): “Processo de organização sintagmática
pelo sujeito”. Ou seja, “Através do agenciamento, o sujeito organiza as formas da língua para
transmitir a ideia a ser expressa em seu enunciado” (op.cit.: idem). É em concordância com
essa concepção que o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss; Villar, 2009:
1554) define um dos usos do termo “procedimento”: “Modo de fazer (algo); técnica,
processo, método” (grifo meu).
Assim, acredito que a noção de índice remete à noção de unidade, de elemento formal
“indicador” tal como este último termo figura nos textos benvenistianos, enquanto que a
noção de procedimento está mais relacionada à noção de processo, de modo de organização
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Mantenho aqui ambas as grafias, “auto-referenciais” e “autorreferenciais”, obedecendo tanto à versão do termo
presente no Problemas de Linguística Geral I e à versão presente no Dicionário de Linguística da Enunciação.
Estas condições iniciais [de ato e de situação] vão reger todo o mecanismo de
referência no processo de enunciação, criando uma situação muito singular [...]. Esta
situação vai se manifestar por um jogo de formas específicas cuja função é de
colocar o locutor em relação constante e necessária com sua enunciação
(Benveniste, 1970/2006: 84, acréscimos e grifos meus).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Com relação a esse aparelho de funções, Benveniste faz corresponder as funções da interrogação, da
intimação e da asserção, funções sintáticas possíveis no uso da língua somente através de leis de agenciamento
das formas: “Todas as formas lexicais e sintáticas da interrogação, partículas, pronomes, sequência, entonação,
etc. derivam deste aspecto da enunciação” (Benveniste, 1970/2006: 86). O linguista também concebe neste
mesmo texto de 1970 “todos os tipos de modalidades formais, [...] uns pertencentes aos verbos, [...] outros à
fraseologia”, como característicos da enunciação, embora reconheça que tais elementos são menos
categorizáveis. Seriam os “modos” verbais e as unidades do tipo “talvez”, “sem dúvida” e “provavelmente”
indicadores específicos ou processos de agenciamento sintagmático? A questão é particularmente difícil e a
deixarei por ora deliberadamente em suspenso.
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Quando digo que os índices específicos e procedimentos acessórios são articuladores de semiótico e
semântico, não falo no sentido de que o primeiro corresponderia ao plano semiótico e segundo ao plano
semântico. Ora, tanto nos índices específicos como nos procedimentos acessórios há algo de repetível (aspecto
semiótico) e algo de irrepetível (aspecto semântico) a cada enunciação. Assim, tais noções são articuladoras no
sentido de que possibilitam essa passagem do semiótico ao semântico, isto é, a atualização da língua em
discurso.
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Tomo aqui o termo frase no mesmo sentido dado por Benveniste no texto Os níveis da análise linguística
(1964), isto é, como “unidade do discurso”, “criação indefinida, variedade sem limite” (Benveniste, 1964/2005:
139).
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Não entrarei aqui na discussão acerca da noção de nível de análise pelo viés enunciativo. Para mais sobre o
tema, ver Flores (2009) e Cardoso (2010).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABSTRACT: My goal in this paper is to explore the notions of specific index and accessory proceedings
in the text of Émile Benveniste, titled O aparelho formal da enunciação (1970), creating hypothesis about what
they may refer in the scope of énonciation. In order to achieve this goal, I present discussions related to
signification and subjectivity in Benveniste’s thinking through the chronological revision of important
texts of the author. In conclusion, I believe that the notions of specific index and accessory proceedings
figure as an “outcome” of Benveniste’s pursuit of the matter of subjectivity in language, or yet, of
signification, bringing together other notions developed during the previous reflections of the linguist.
KEYWORDS: Énonciation; specific index; accessory proceedings.
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Não é minha intenção terminar este trabalho propondo uma “metodologia enunciativa”, no sentido de um
modus operandi da enunciação. Não há, em Benveniste, a proposição de um modelo de análise propriamente
dito, e se falo aqui de análise enunciativa, é numa relação de implicação teórica e não de proposição de um
método.