Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
88 | 2010
Violência, memória e representação
Publisher
Centro de Estudos Sociais da Universidade
de Coimbra
Electronic version
URL: http://rccs.revues.org/1672 Printed version
ISSN: 2182-7435 Date of publication: 1 mars 2010
Number of pages: 233-235
ISSN: 0254-1106
Electronic reference
Daniela Mateus de Vasconcelos, « Santos, Cecília MacDowell; Teles, Édson; Teles, Janaína de Almeida
(orgs.), Desarquivando a ditadura: memória e justiça no Brasil », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online],
88 | 2010, colocado online no dia 01 Outubro 2012, criado a 30 Setembro 2016. URL : http://
rccs.revues.org/1672
Recensões
volume aborda a repressão, ideologia mili‑ ossuem uma estreita relação com os li‑
p
tar e instituições de Estado e os artigos tra‑ mites impostos pelo tipo de transição e
zem à baila questões relacionadas com as o ainda relevante poder de influência no
práticas repressivas, tais como a influência sistema político dos sectores militares e
da doutrina francesa de guerre révolution‑ segmentos políticos conservadores, ou
naire no Exército brasileiro, os tribunais mesmo, pouco democráticos. Segundo
militares no Cone Sul, o sistema penal de Ruti Teitel, em Transitional Justice Gene‑
excepção, a natureza da censura praticada alogy, as distintas formas de confrontação
pelos órgãos estatais, a Operação Condor; legal dos abusos do regime anterior, as cha‑
assim como examinam o funcionamento de madas iniciativas de “justiça de transição”,
instituições como o Congresso Nacional e são influenciadas pelas condições políticas.
a administração da justiça criminal. Esse argumento é corroborado por Eliza‑
O volume II reúne as partes III (capítulos beth Jelin, em State Repression and Labors
15 a 21) e IV (capítulos 22 a 27); os estudos of Memory, ao afirmar que a apropriação
incluídos referem‑se ao contexto do pro‑ do passado depende de um complexo ce‑
cesso de redemocratização e às discussões nário político e social e que raramente ela
contemporâneas. A terceira parte aborda pode ser entendida fora do contexto onde
o direito à verdade, à reparação e à puni‑ é objecto de disputa e conflito e do qual,
ção e analisa a problemática que envolve ao mesmo tempo, é produto.
a Lei de Amnistia de 1979; o acesso aos A presente obra, dado seu caráter multi‑
arquivos da ditadura, especialmente aos disciplinar, propicia um rico diálogo entre
documentos públicos relativos à repressão vários campos do conhecimento e enri‑
política; e o papel da justiça transnacional quece a actual produção académica sobre
na construção da memória dos crimes da a memória recente da ditadura no Brasil.
ditadura. E, por fim, os textos da Parte IV Os trabalhos desse livro, ao lançarem luz
– “Imaginando a democracia como uma sobre questões antes pouco estudadas e
memória livre” – apresentam uma reflexão introduzirem novas perspectivas analíticas
crítica sobre o tema da memória política e e teóricas, contribuem para o alargamento
da justiça nos regimes democráticos, su‑ do debate sobre o processo de interpreta‑
blinhando os aspectos políticos, sociais, ção e reelaboração do passado pelas socie‑
históricos e também subjectivos que condi‑ dades democráticas.
cionam a apropriação do passado pelas de‑ Os autores trabalham com a ideia de que
mocracias, com destaque para o processo o “acerto de contas” com o passado de re‑
de transição negociada ocorrida no Brasil pressão e violência é um aspecto essencial
e suas consequências para o tratamento do para o aprofundamento democrático dos
legado de violações de direitos humanos. regimes que emergem após experiências
Percebemos pelos trabalhos que, no caso autoritárias. Todavia, não ficam claras
brasileiro, os poucos avanços e os gran‑ as variáveis determinantes da relação de
des retrocessos no enfrentamento da he‑ causalidade directa ou indirecta entre a
rança autoritária pelos governos pós‑1985 qualidade da democracia e a aplicação das
medidas de justiça de transição, ou seja, de
Autores do Volume II: Ana Maria de Almeida
Camargo, Cecília MacDowell Santos, Denise Rol‑ que maneira as políticas de investigação,
lemberg, Edson Teles, Glenda Mezarobba, Heloisa punição e reparação reforçariam as várias
Amelia Greco, Jaime Ginzburg, Larissa Brizola Brito dinâmicas do regime democrático, seja o
Prado, Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Ludmila
da Silva Catela, Márcio Seligmann‑Silva, Marlon Wei‑ funcionamento das instituições políticas,
chert, Samuel Alves Soares, Zilda Márcia Gricoli Ioki. do poder judiciário, ou a configuração da
Recensões | 235
cultura política e da sociedade civil. Assim, passado autoritário com um olhar crítico
os demais vínculos entre memória, justiça e atento sobre o presente e o futuro da
e democracia podem ser explorados por democracia no Brasil. Trata‑se, portanto,
futuras investigações, tal como a obra si‑ de uma leitura fundamental em momento
naliza para o leitor. de intensa batalha contra o silêncio, o
Para concluir, Desarquivando a ditadura esquecimento e a impunidade.
apresenta um conjunto de trabalhos que
desafiam o leitor a reflectir sobre o recente Daniela Mateus de Vasconcelos
estudios elaborados sobre las políticas de la recorrido por las principales corrientes
memoria en el Estado Español y la segunda académicas euro‑norteamericanas y por
surge un año después de la aprobación de los debates socio‑políticos‑liberales que
la Ley 52/2007 del 26 de diciembre me‑ han suscitado la integración del concepto
jor conocida como la “Ley de la memoria de la memoria, tanto individual, histórica,
histórica” (ley “por la que se reconoce y institucional, colectiva y sociales, así como
amplían derechos y se establecen medidas las denominadas prácticas de la memo‑
en favor de quienes padecieron persecu‑ rias en las discusiones sobre los procesos
ciones o violencia durante la Guerra Civil ideales de justicia transicional. A su vez, la
y la Dictadura”), damos paso a una breve autora muestra cómo se ha construido la
descripción y análisis de los argumentos, tensión entre las posturas que proponen
las discusiones y críticas suscitadas ante la los usos de las memorias históricas, sociales
lectura del mismo. o colectivas y las posturas que argumentan
El texto tiene por objetivo describir cuáles los usos del olvido y el aprendizaje en los
fueron los efectos que tuvieron sobre la procesos de transición a la democracia y la
Transición los recuerdos, historias y políti‑ reconciliación, tanto en el Estado Español
cas de la memoria y memorias de la política como en otros contextos socio‑políticos
que se implantaron respecto a la Guerra que han experimentado situaciones simi‑
Civil durante la Dictadura Franquista, así lares. De este modo, entendemos que el
como los recuerdos que se tenían de ésta capítulo en sí mismo constituye una rica
durante la Transición. La autora deja claro fuente bibliográfica sobre las corrientes
que su interés de investigación, más que las euro‑norteamericanas más importantes so‑
memorias de la política (es decir, los efec‑ bre el tema. Aunque en algunos momentos
tos que tuvo la recepción de la producción el texto carece de críticas profundas a la
de una memoria oficial o institucional del visión orgánico‑positivada de la memoria
pasado sobre las acciones del estado y las y a las concepciones estado‑céntricas de
élites que lo representan en la sociedad), la construcción y reproducción de ésta,
es estudiar las políticas de la memoria, es así como no incorpora una discusión de
decir, los discursos, historias y políticas literaturas críticas que planteen la sociedad
implementadas por el Estado y las élites como eje de producción de memoria, sí
políticas, en tanto que agentes emisores que es cierto que en la propia presentación
de una memoria que pretendía ser hege‑ de definiciones, la autora logra romper con
mónica y/o dominante. Concretamente, algunas de estas limitaciones epistemológi‑
su interés hace referencia a la memoria cas que supone el diálogo con las corrien‑
producida de arriba hacia abajo y no al tes de pensamiento liberal.
contrario. Para estos propósitos, la autora El segundo capítulo, “Las políticas de la
divide las 583 páginas que componen su memoria bajo el franquismo: de la justifica‑
texto en cuatro capítulos, un epílogo y una ción de la guerra a la exaltación de la paz”,
extensa área de anexos. parte de una descripción de los discursos,
El primer capítulo, titulado “Acerca de la prácticas políticas y tipos de legitimidad
memoria, el aprendizaje y el olvido”, funge agenciada por el régimen franquista (legiti‑
como una extensa introducción al tema midad de origen y de ejercicio) para funda‑
de la memoria, donde la autora muestra el mentar su permanencia en el poder durante
marco teórico que sostiene el desarrollo de 40 años (1939‑1976). Aquí, Aguilar Fernán‑
su investigación. En este apartado, Aguilar dez muestra un elemento que, a nuestro
Fernández realiza un breve, pero profundo entender, ha sido escasamente trabajado
Recensões | 237
élites y los expertos que dicen represen‑ así como otras propuestas que redundan
tar al Estado en las transiciones. McEvoy en el ámbito del pluralismo jurídico. Esta
critica la versión dominante de la justicia postura implica la ruptura con la visión
transicional, entendida bajo los preceptos legalista o juridificada y con la visión li‑
del derecho penal internacional y local, la neal de las transiciones a la democracia
criminología y la imposición del discurso en las agendas postconflictivas. Es decir,
juridificado sobre los derechos humanos, hacer del proceso constituyente un pro‑
concebidos desde una perspectiva alta‑ ceso realmente participativo, inclusivo y
mente liberal y poco emancipadora. Otra democrático que surja desde abajo. Estos
de las contribuciones fundamentales del argumentos, en cierta forma, se repiten
texto aparece en el artículo “International en el artículo “The Role of Comunity in
Law as a 'Tiered Process': Transitional Participatory Transitional Justice”, donde
Justice at the Local, National and Inter‑ Patricia Lundy y Mark McGregor cuestio‑
national Level”, donde Lorna McGre‑ nan los presupuestos establecidos por la
gor desarrolla una crítica a la hegemonía comunidad internacional y la ONU en lo
eurocéntrica del derecho internacional y que respecta a los procesos de transición.
a su imposición en las transiciones a la Para los autores, los actores internaciona‑
democracia. Para la autora, los derechos les han focalizado la transición en varios
humanos y toda la producción jurídica elementos fundamentales: la justicia y/o
liberal relativa al derecho internacional la implementación de reformas legales y
suponen un proyecto cultural eurocén‑ jurídicas que conduzcan a la imposición
trico que, en la mayoría de las ocasiones, de un estado de derecho fuerte que se rija
no representa, ni satisface las necesidades bajo los principios euro‑norteamericanos
de las comunidades y los Estados en vías de derecho, la reconstrucción económica,
de transición. Las propuestas concretas la integración del Estado en organismos
de la autora son: cambiar las percepciones financieros internacionales y la inclusión
estado‑céntricas de la transición; valorar e en la economía de mercado, dejando de
incluir los intereses y propuestas surgidas lado los intereses y propuestas de las co‑
al nivel local; democratizar los procesos munidades locales y de las “víctimas” de
de transición incluyendo la participación las distintas actuaciones ilegales o extra‑
popular, incluso aquellos más técnicos; así judiciales llevadas acabo por el régimen
como reconceptualizar múltiples estrate‑ anterior.
gias de justicia transicional que no satisfa‑ De esta primera parte que, en cierta me‑
cen las necesidades de las comunidades y dida, aparenta ser la más teórica, el texto
de las víctimas de la violencia y la represión da un salto y pasa a considerar ciertos
del pasado. estudios de caso que denotan, en mayor
La perspectiva de focalizar los procesos o en menor medida, la inclusión de las
en las comunidades continua vigente en comunidades en los procesos de transi‑
el artículo “Constitution‑making, Tran‑ ción. Un ejemplo de ello es el artículo
sition and the Reconstitution of Society”, “The Lost Agenda: Economic Crimes and
elaborado por Kirsten McConnachie y Truth Commissions in Latin America and
John Morison. En éste se plantea un ar‑ Beyond”, donde James Cavallaro y Sebas‑
gumento radical en lo relativo a los pro‑ tián Albuja evalúan los efectos que han
cesos constituyentes, esto es, la inclusión tenido la gran cantidad de comisiones de
de las comunidades, de los intereses so‑ la verdad impuestas en América Latina si‑
ciales, de las prácticas normativas locales, guiendo los esquemas internacionales, que
240 | Recensões
en ocasiones, no responden a las realida‑ Catalina Díaz muestra cómo algunas co‑
des del conflicto y a las realidades cultura‑ munidades han iniciado procesos locales
les de las sociedades. Es decir, que a pesar para romper con la impunidad de la que
de los efectos positivos que tienen las co‑ gozan los paramilitares en Colombia. Así,
misiones de la verdad en desvelar muchas critica la implementación de la idea de
de las violaciones y acciones del pasado, que Colombia se encuentra en un pro‑
éstas en algunos casos no logran ser real‑ ceso de transición, argumentando que la
mente efectivas en la medida que no sur‑ denominada “Ley de Justicia y Paz” ha
gen como procesos endógenos o propios representado una estrategia para mani‑
de las sociedades. No obstante, y como pular y provocar la desmovilización de
contrapartida, los autores muestran cómo ciertos actores socio‑políticos. Para Díaz,
algunas comisiones de la verdad estable‑ Colombia es un ejemplo de cómo la justi‑
cidas por las comunidades se dedicaron a cia transicional, en el momento actual, no
desvelar las acciones que redundaron en la puede ser equiparada a los procesos de
violaciones de los derechos económicos de transición de un sistema represivo a uno
las comunidades y de sus componentes, la democrático, sino que se ha convertido en
corrupción y otros elementos que no sue‑ una herramienta de acción y contención
len ser considerados por las comisiones jurídico‑política. Finalmente, en el artí‑
y tribunales establecidos por el Estado y culo “Burden or Benefit? Paradoxes of
por las organizaciones internacionales. El Penal Transition in Russia”, Laura Piacen‑
enfoque sobre las comunidades y las comi‑ tini elabora un detallado análisis del valor
siones de la verdad continua presente en el simbólico de la transición (en su forma
artículo “Social Repair at the Local Level: liberal) en las prisiones rusas, mostrando
The Case of Guatemala”, en el que Laura una importante corrección a la literatura
Arriaza y Naomi Roht‑Arriaza trabajan el antes presentada, esto es, que la perspec‑
tema de la reparación de los crimines co‑ tiva de abajo hacia arriba no debe ser ne‑
metidos por el Estado y por otras organi‑ cesariamente pensada fuera del Estado,
zaciones paramilitares durante el conflicto sino que también puede ser pensada en su
en Guatemala. Del mismo modo, en el interior, tal y como ocurrió en el sistema
artículo “The Political Economy of Tran‑ carcelario ruso donde los guardias pena‑
sitional Justice in Timor‑Leste”, Elizabeth les iniciaron una ruptura con las prácticas
Stanley observa la tensión experimentada totalitarias del régimen anterior.
en el proceso de transición en Timor del Este texto nos brinda una visión novedosa
Este, tensión generada entre el hecho de sobre la justicia transicional, sobre sus
atender a las violaciones de los derechos perspectivas dominantes y, sobre todo,
económicos, políticos y sociales y el hecho nos brinda una invitación para repensar las
de contar la verdad y/o hacer justicia. Es concepciones institucionalizadas existentes
interesante notar que, ante esta tensión y sobre el tema. Éste representa una invita‑
ante el número de tribunales instaurados ción para reflexionar e iniciar procesos de
para atender el caso, así como el desarrollo democratización y participación que pro‑
epistemológico que tenía la justicia transi‑ pendan en la configuración de sociedades
cional en ese momento, las comunidades más justas. De ahí que, algunas de nuestras
continuaron siendo rezagadas del proceso. propuestas para futuras investigaciones
En el artículo “Challenging Impunity irían en la línea de ampliar el marco de es‑
from Below: The Contested Ownership tudio y la inclusión de otros casos donde
of Transitional Justice in Colombia”, las transiciones han redundado en un
Recensões | 241
“Desculpe parece ser a palavra mais difí‑ a rrependimento pelos seus crimes é sinal
cil”, como nos lembrou Elton John. Como de uma hipocrisia “liberal” ecuménica? Ou
bem de mais sabemos, isto é verdade para será que os pedidos de desculpas são meios
as relações interpessoais. E no que se refere essenciais de um auto‑aperfeiçoamento de‑
às tentativas colectivas de pedir desculpas? mocrático, permitindo corrigir práticas de
Por motivos óbvios, os grupos enfrentam discriminação e de opressão?
problemas ainda maiores quando pro The Politics of Official Apologies, de Me‑
curam expressar arrependimento pelas lissa Nobles, merece elogios por tornar
suas acções: quem é que está em posição claro que a resposta à última pergunta não
de pedir desculpas em nome do colectivo? pode senão ser afirmativa. Trata‑se de uma
Pode alguém pedir desculpas por alguma obra de uma clareza exemplar que propõe
coisa que não fez pessoalmente? Para que uma tese com incisividade e estilo. A tese
servem as desculpas quando o que está é bastante simples: as desculpas pedidas
em causa é uma injustiça em larga escala, por estados ou, mais precisamente, por
como, por exemplo, a escravatura? governos (e não por chefes de Estado)
Para alguns, perguntas como estas põem visam, em primeira linha, reformular os
em causa a própria noção de desculpas “termos da pertença a uma nação” (36).
colectivas. Não obstante, recentemente, Isto significa que as desculpas procuram
as coisas parece terem mudado de forma rectificar injustiças resultantes da discrimi‑
s ignificativa, ao ponto de haver agora nação e opressão de minorias no seio do
quem chame à nossa época “a era das Estado. Há uma forma específica de injus‑
desculpas”. Muitos agentes colectivos, da tiça que conduziu a uma discriminação e
Igreja Católica dos Estados Unidos a um opressão em larga escala, a injustiça histó‑
conjunto de empresas privadas, vieram nos rica. A injustiça histórica é especialmente
últimos anos a público exprimir arrepen‑ – mas não apenas – visível relativamente a
dimento por actos passados. Ainda mais grupos indígenas. Estes grupos têm sido
digno de nota é o facto de estarmos agora a permanentemente maltratados no mais
assistir a uma vaga de pedidos de desculpas elementar dos sentidos: nas palavras de
apresentados por estados, tanto aos seus Duncan Ivison, espoliar os aborígenes das
próprios cidadãos como a outros estados. suas terras não é apenas problemático por
Já não é possível negar que pedir desculpas se tratar de um roubo de propriedade, mas
se tornou numa espécie de tendência tanto sim, num sentido determinante, por ser
no plano interno como no plano interna‑ uma “violação dos termos de associação
cional. Do que se trata, evidentemente, é justos”.
de como interpretar esta tendência: será A injustiça histórica é, assim, radicalmente
que exigir aos estados que exprimam incompatível com as normas igualitárias
242 | Recensões
britânicas não constitui uma amostra re‑ não tem que ser visto como uma limitação
presentativa de um ponto de vista global. grave; talvez devêssemos tomá‑lo como um
É evidente que os pedidos de desculpas incentivo para expandir o quadro compa‑
por injustiças históricas são extremamente rativo, de modo a comprovar se a tese de
controversos numa série de contextos Nobles sobre a pertença nacional passa o
pós‑coloniais, da América do Sul à África. teste da realidade numa perspectiva glo‑
O governo peruano, por exemplo, pediu bal. Seja como for, temos de estar gratos à
desculpas em finais de 2009 aos seus ci‑ autora de The Politics of Official Apologies
dadãos com ascendência africana, com a por nos ter oferecido um estudo tão infor‑
intenção de promover “uma verdadeira mado e interessante sobre os estados que
integração de toda a população multicultu‑ apresentam desculpas.
ral do Perú”. Mas o facto de o âmbito geo
gráfico e cultural desta obra ser reduzido Mathias Thaler
Tendo já contribuído com outras análises português, o autor vai construindo pontes,
sobre o direito de manifestação e os movi‑ enumerando contradições e avaliando os
mentos de contestação ou protesto, assim efeitos recíprocos que se estabelecem entre
como sobre outras questões relacionadas, a Constituição da República Portuguesa
António Francisco Sousa consegue elevar (CRP) e a Lei Ordinária, mas também
este livro ao estatuto de verdadeiro ma‑ entre (e com) os dispositivos do direito
nual, tanto na perspectiva da compreensão internacional. Tudo isto cerzido com um
como do exercício do direito de reunião grande suporte teórico, sobretudo no uni‑
e de manifestação. De forma simples e verso jurídico. Por outro lado, embarca tão
eloquente, o autor permite a transposição retrospectivamente quanto possível numa
– para muitos leitores – dos inacessíveis viagem pela história comparativa do direito
muros da análise jurídica, colocando em de reunião e de manifestação, confron‑
diálogo esta disciplina com outras áreas tando a realidade portuguesa com outras
das ciências sociais. realidades, sobretudo europeias.
A análise empreendida conduz‑nos numa O livro estrutura‑se em seis partes, in‑
leitura em forma de puzzle, que vai acres‑ cluindo um importante acervo de legis‑
centando em cada parágrafo mais uma lação em anexo à obra, para além de um
peça, num esforço de interrelacionar, inter‑ índice remissivo de assuntos.
pretar e colocar em diálogo o saber jurídico O ponto I dá conta da liberdade de reu‑
com a interpretação perita. Simultanea‑ nião e de manifestação em face da CRP
mente, ao ancorar a escrita na antecipação e ao Estado de Direito, analisando não
das múltiplas dúvidas que deste ponto de só a realidade portuguesa como a de ou‑
vista possam surgir para os mais leigos, tros países (Inglaterra, França, Espanha,
consegue contrariar a visão espartilhada Alemanha, Itália, entre outros). Neste
e dispersa que encontramos nos vários di‑ sentido, deixa‑se claro que a evolução
plomas legais que regulam estas questões. do(s) direito(s)/liberdade(s) se fez acom‑
Assumindo como ponto de partida os panhar da trajectória socioeconómica de
dispositivos jurídicos em vigor no direito cada país até o(s) mesmo(s) se tornar(em)
244 | Recensões
Ainda nesta primeira parte, António Fran‑ público? Tal indagação suscita, aliás, ou‑
cisco Sousa assume o direito de reunião tras questões inevitáveis como, por exem‑
e de manifestação enquanto indicadores plo, a de saber o que pode ser considerado
preciosos do tipo de democracia vivida espaço público.
por uma determinada sociedade, isto é, Para o autor “a organização política que
como “elementos vitais da democracia e não reconheça o direito de reunião e de
sedes da soberania popular” (34). Ao con‑ manifestação revela a sua incapacidade
siderar que “as reuniões e manifestações para responder aos desafios das demo‑
são uma verdadeira válvula de segurança cracias modernas” (33). Deve, contudo,
da sociedade democrática, porque através sublinhar‑se que essa incapacidade é bem
das reuniões e manifestações, as minorias, mais complexa, não residindo só no não
normalmente afastadas dos centros de reconhecimento destes direitos essenciais,
decisão, podem erguer a sua voz e dar a mas também – à luz das verdadeiras demo‑
conhecer as suas exigências” (33), o au‑ cracias modernas – na promoção de outras
tor vem reforçar a noção de que o cenário formas de participação.
privilegiado para o exercício destes direi‑ Nesse mesmo sentido, refere‑se que o di‑
tos é aquele que se pinta com as cores da reito de manifestação e de reunião são uma
democracia representativa, ignorando por “janela por onde se fazem ouvir as mino‑
conseguinte as possibilidades de enquadrar rias” (34), numa visão talvez demasiado
estes direitos em articulação com uma pa‑ redutora desses direitos. Considerando‑os
lete de mecanismos mais coloridos, capazes como indicadores indissociáveis do tipo
de estimular uma democracia de mais alta de democracia praticada numa sociedade,
intensidade, de base participativa. esperar‑se‑ia que o autor os fizesse entrar
Apesar disso, o autor envereda por uma pela porta principal da democracia.
linha argumentativa que considera estes O ponto II dedica especial atenção à ques‑
direitos como dos “mais fundamentais” tão jurídico‑procedimental, identificando
direitos políticos, inscritos no campo do as partes envolvidas nestes processos, a
direito básico de participação política necessidade de aviso prévio e a constitu‑
democrática, contrariamente às áreas de cionalidade deste dever, consolidando a
análise das ciências sociais que se dedicam ideia de que o livro pode servir de manual
às questões da participação cidadã na vida de funcionamento sobre o direito de reu‑
política e que, muitas vezes, resistem a con‑ nião e manifestação, já que discute, por
ceder protagonismo à contestação e aos exemplo, a utilidade funcional de meios
protestos (ou ao direito de manifestação), materiais usados em reuniões e manifes‑
enquanto mecanismos nobres de partici‑ tações (altifalantes, cartazes, bancas de in‑
pação na vida pública. formação, etc.), bem como da pertinência
Nesse sentido, aprofunda ainda a defini‑ que assume a total liberdade de escolha do
ção de participação, entendendo‑a como visual, dos objectos, de exercício artístico e
“o envolvimento das pessoas presentes”, de expressão (nos limites da lei).
o que sugere a limitação da participação à No ponto III analisam‑se as manifestações
sua dimensão presencial num determinado de bloqueio, discutindo‑se a controvérsia
espaço público. Como entender, assim, suscitada, por exemplo, por corpos acor‑
o direito de manifestação, e portanto de rentados ou deitados num acto de bloqueio
participação, a partir das novas formas e explorando até onde levar os limites da
de protesto virtual que dispensam o avis‑ violência e do exercício deste direito, in‑
tamento físico do participante no espaço cluindo a questão da sua licitude.
246 | Recensões