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Revista de Economia Politica, vol 5, nt 3, julho-setembro/1985 O proletariado como produtor e como produto JOAO BERNARDO* Considero que no modo de produgao capitalista se articulam desde inicio trés classes. As classes capitalistas so a burguesia e os gestores, definindo a burguesia como a classe dos proprietarios parti- culares do capital e os gestores como a classe dos proprietarios cole- tivos do capital. A classe explorada ¢ 0 proletariado. Embora em varios casos empregando outras denominagdes, sAo muitos os autores, que admitem a existéncia de uma classe gestorial.’ Alguns, porém, encaram-na numa perspectiva supra-histérica, analisando sistemas ‘ormais de organizagio, ditos burocriticos, € no uma classe social specifica do capitalismo. Para outros autores, a classe gestorial fun- damentaria uma forma de organizagao capitalista radicalmente dis tinta da que prevalecera no periodo de hegemonia da classe bur- guesa, ou sustentaria até um modo de produgio novo, ultrapassando 08 quadros do capitalismo. A minha posicao ¢ diferente de qualquer dessas. Considero os gestores como uma classe especificamente capi talista e tenho pretendido mostrar como os mecanismos do capita- lismo de Estado sustentados pela classe gestorial permitem repensar 0 modo de funcionamento das épocas anteriores do capitalismo. Ea tentativa de analisar todas as formas histdricas de existéncia do capital, & luz da experiéncia das formas totalizantes do capitalismo contemporaneo, que inspira o presente artigo. Procuro aqui propor um modelo que explique a produco e a reproducao do proletariado, “Autor de varios livros editados em Portugal, inclusive Marx eritico de Marx. Porto, Afrontamento. £0 problema de existencia da classe dos gestores esta intimamentsligado & definigdo do capitalismo de Estado. A critica da sociedade soviética enquanto capitalismo de Estado possibilitou seu confronto teorico com as formas de capitalismo vigentes nos outros paises, produzindo-se assim novos modelos de andlise em que se atribui aos gestores um papel histérico decisivo enquanto classe exploradora, pois constituem um elemento comum aos varios sistemas capitalistas. De inicio, foi sobretudo entre as Correntes marxistas, ou de inspira¢do marxista, opostas ao leninismo que essas teses se desenvolveram. 83 mediante a completa integragio de toda a vida social ds trabalhadores nos mecanismos da producao de mais-valia. O proletariado enquanto produtor, quer no sentido mais restrito de fabricante de bens, quer na acepcio ampla de produtor d> préprio movimento histérico, € um tema referido na teoria marxista com muita freqiiéncia, Menos analisado ¢ 0 problema do proletariado enquanto produto.* 1. A tese-classica considera que os proletarios so produzitos num processo exterior & produgo capitalista e decorrente no ambito de cada unidade familiar isoladamente conside- rada. Tratar-se-ia entéo do tinico caso a que seria possivel aplicar 9 modelo da “produgao mercantil simples”, que em meu entender nao possui nenhuma outra validade, nem como instrumento de andlise histérica, nem como elemento da génese do capitalismo. Nas sociedades contempordneas articular-se-iam, segundo essa tese, em dois proces- sos: Num deles o proletério vende ao capitalista a utilizagdo da sua forca de trabalho por um prazo determinado, apropriando-se o capitalista dos frutos do valor de uso dessa fora de trabalho, Como 0 valor de uso da forga de trabalho consiste na possibilidade de incorporar nos produtos, no ato de fabrico, um tempo de trabalho superior ao incorporado na propria forca de trabalho e, como € 0 tempo de trabalho incorporado o fundamento do valor doz Posteriormente, com inspiragdo tedrica € objetivos politicos opostos, algumas correntes conservadoras abordaram também esta problematica. Uma etapa crucial iniciou-se com a assinatura, em 1939, do Pacto Germano-Soviético. A alianga entre as classes dirigentes da URSS ¢ da Alemanha nazi desencadeou uma série de cisdes no movimento trotskista, cuja doutrina oficial afirma o cardter socialista da economia da URSS e que apoiava a posi¢do dos seus governantes na guerra mundial; estes cisionistas baseavam-se nas teses que consideravam a URSS como um capitalismo de Estado e a classe entée dominante como uma glase getoral. As tansformaydes operadas pela Segunda Guerra Mundial e pela Guerra Fria levaram varios desses ex-trotskistas, dos quais James Burnham ¢ 0 mais conhecido, a defender orientagdes politicas conservadoras, Veicularam-se assim influéncias tedricas reciprocas entre as correntes de esquerda e de direita que se propunham a analisaro capitalismo de Estado ¢ a classe dos Bestores, © ess situagdo manteve-se até hoje. Uma bibliografia detalhada dessa problematica no periodo mais decisivo do seu desenvolvimento é-nos fornecida por MOREL, Henri E., “As discussdes sobre a natureza dos paises do Leste (até a Il Guerra Mundial). Nota Bibliogréfica”. in NEVES, Artur J Castro (org.). A natureza da URSS (antologia). Porto, Afrontamento, 1977. pp. 237-252. *Agradego a Rita Delgado suas criticas © sugestdes feitas apés leitura da primeira versio deste artigo. + Na maior parte dos casos, esta tese ¢ afirmada apenas implicitamente, 4 medida que a producao do proletariado nao é inserida no Ambito da produgao da mais-valia nem, por consegusnte, abarcada pela lei do valor, ficando assim excluida do processo central que define 0 capitalismo. E esta a concepedo que prevalece na obra de Marx e é significative considerar que, quando ele se refere a producao da Slasse operiria alribuia geralmente @ expansio do capitalismo sobre dreas socials que até entao se Ihe mantinham exieriores, ndo considerando 0 problema da producio de proletirios no interior do Capitalismo. Numa passagem da sua obra maxima, a propésito da reprodugao da forga de trabalho, Marx parece upontar noutro sentido, sublinhando a intima relagdo estrutural entre capitalistas ¢ proletarios, considerados como classes globais; ao mesmo tempo, porém, nio deixa de afirmar que a roduedo ¢ reprodugao da forga de trabalho ocorrem na esfera privada de cada trabalhador: cf. MARX, rl, Le capital. Paris, Editions Sociales, 1973, Livro I, v. 3, cap. 23, p. 14-20. Em 1884, no prefasio & Primeira edigdo de um dos seus livros, Engels parecia inclinar-se no sentido de incluir a analise do Processo de’ feprodugio dos trabalhadores no interior da produ¢o econémica global, mas sem empregar porém esta orientago no estudo da sociedade capitalista. E curioso considerar que, mesmo assim, um ortodoxo editor francés se apressou em nota a restabelecer a tese cldssica: cf ENGELS, Friedrich. L‘orgine de la famille, de la propriété privée et de I'Etat. Paris, Editions Sociales, 1972, pp. 17-18 ¢ 8 n. 1. Em suma, apesar de uma ou outra intuigdo em sentido diferente, ¢ a tese classica que Vigora nas andlises de Marx ¢ de Engels, como tem dai em diante presidido as da generalidade dos seus continuadores, Uma recente defesa da tese clissica. com abundantes referéncias polémicas a outras FormulacGes dessa mesma tese, encontra-se em: LINDSEY, J.K. The work that must be done; social Practice and society. Faculté de Droit, Université de Liége, em especial no cap. 6. (Manuscrito ainda ndo publicado.) 84 produtos, resulta daqui que, no processo de trabalho, 0 proletério cria um excedente de va- lor igual a diferenca entre o tempo de trabalho que incorpora nos produtos € 0 tempo de trabalho incorporado na sua forca de trabatho. E esse o mecanismo da mais-valia, Nesse processo transfere-se do proletdrio para o,capitalista essa mais-valia, de que é suporte mate- rial 0 produto fabricado, Num segundo processo transferem-se do capitalista para o proletério as subsisténcias fabricadas no primeiro proceso, em troca da transferéncia do proletario para o capitalista do montante do salario que, no primeiro processo, constituira o prego do uso da forca de tra- balho. Esses bens de subsisténcia iriam entdo ser consumidos no Ambito de cada unidade fa- miliar, 0 que seria, relativamente ao capitalismo, uma esfera inteiramente privada. Af, exte- riormente ao capital, o proletariado organizaria ele proprio a reprodugdo da sua forca de trabalho a procriagdo dos futuros trabalhadores. Consumidas as subsisténcias e reconsti- tuida a forca de trabalho, o proletdrio pode de novo vendé-la no primeiro processo, inaugurando-se novo ciclo. Segundo a tese clissica os dois processos articular-se-iam da maneira seguinte: Os capitalistas funcionariam, relativamente ao proletariado, como um monopsénio no assalariamento de forca de trabalho € como um monopélio na venda dos bens de subsistén- cia exigidos pela producio e pela reprodugio da forca de trabalho. O proletariado constituir-se-ia, relativamente aos capitalistas, como um monopélio na venda de forga de trabalho. Essa articulagao ¢ desprovida de simetria, pois a aquisi¢&o dos bens produzidos no primeiro proceso néo obedece a0 modelo do monopsénio; enquanto adquiridores desses bens, além dos proletdrios, contam-se os capitalistas, quer como consumidores (adquiridores do output do setor IIb), quer como organizadores do proceso produtivo (adquiridores do output do setor I). Desse modo, os adquiridores de produtos repartem-se socialmente e so insuscetiveis de se organizarem num monopsénio. Nessa articulago, 0 processo de produ- 40 da mais-valia, que ¢ o proprio fulcro da sociedade capitalista, circunscreveria 0 processo de produgao e reprodugao da forga de trabaiho, mas sem o invadir nem Ihe alterar o seu c: riter de produgdo mercantil simples. Por outras palavras, domin4-lo-ia sem o assimilar, Seria © cardter simultaneamente monopsonista e monopolista das classes capitalistas que Ihes ga- rantitia a hegemonia. Essa tese cldssica ¢ suficientemente ampla para poder sustentar interpretagdes politi- cas diferentes, ou até opostas. Nomeadamente, uma perspectiva anticapitalista, como é aquela que sigo, pode adotar essa tese. Os sindicatos seriam entdo a organizacio onde se ar- ticulariam as classes capitalistas enquanto compradoras monopsonistas do uso da forca de trabalho ¢ a classe proletaria enquanto seu vendedor monopolista, funcionando os dirigentes sindicais enquanto gestores do mercado de trabalho. As organizacdes de consumidores, numa situagdo em que a aquisi¢ao dos produtos fabricados no primeiro processo néio pode obedecer ao modelo monopsonista, pois reparte-se por fungdes sociais distintas, esto con- denadas a um Ambito muito mais restrito do que o das organizacées sindicais; representam formas de ambigilidade ¢ de confusio de interesses entre as classes capitalistas € 0 proleta- tiado. 85 Numa orientagdo contraria A que sigo, a tese cldssica pode ainda servir de quadro perspectiva reformista hoje muito em voga, que encontra no interior do capitalismo espagos de liberdade e que considera que a transformaco da sociedade atual poderia resultar do desenvolvimento desses espacos num sentido nao-capitalista. E no segundo processo que essa perspectiva localiza tais dreas exteriores a0 dominio capitalista direto, dai o interesse com que se ocupa, conjugada ou alternadamente, das relagdes sexuais, dos écios ¢ da pro- blemética do consumo. Além disso, o quadro da producdo mercantil simples em que decor- reria o segundo processo fornece o modelo econémico as sociedades alternativas que nessa perspectiva so propostas: pequenas comunidades de produtores-consumidores relaciona- das entre si por um mercado de unidades indiferenciadas. Uma tese tdo ampla que abarca perspectivas opostas pode parecer indestrutivel e essa propria ampliddo sera talvez um pesado argumento em seu favor. A uma andlise mais atenta, porém, erguem-se contra essa tese classica varias objegdes: a) E muito dificil explicar 0 comportamento monopolista da classe proletdria na venda do uso da sua forca de trabalho por um modelo em que todo o processo de produ- cio € de reprodugio dessa forga de trabalho ccorreria em unidades familiares parti- cularizadas absolutamente desprovidas de qualquer inter-relago estruturada. Para justificar esse comportamento monopolista, invocam-se geralmente as rela- ges de classe estabelecidas entre os proletdrios no processe de produgao ao nivel das empresas. Mas fica por explicar o fundamental, isto é, como se transferem essas relagées de classe do primeiro proceso para o segundo, de maneira a poderem ser- vir de base ao movimento pelo qual, a partir do segundo proceso, se entra em rela- do com o primeiro. Enquanto, no proceso de producéo da mais-valia, o mono- polio de que as classes capitalistas desfrutam relativamente aos bens fabricados indissocidvel do proprio processo de produciio desses bens, 0 processo de produgio da forga de trabalho ocorreria, pelo contrério, em unidades familiares particulariza- das, s6 posteriormente aparecendo o proletariado enquanto classe, como vendedor ‘monopolista do uso da sua forga de trabalho, Nada na tese clissica permite explicar tal salto. b) Sempre que a produgdo capitalista se articulou com outros sistemas de produgdo, ‘como ocorreu durante a expansio colonial, em caso nenhum se limitou a circunscrevé-los mediante os mecanismos meramente econémicos do mercado, ¢ estes apareceram sempre estreitamente associados a repressio e a violéncia fisica. Se a produgao da forga de trabalho ocorrer num processo exterior 4 produgo capi- talista, como pode esta limitar-se a circunscrevé-lo economicamente, sem 0 procu- rar controlar mais estreitamente nem nele interferir permanentemente pela repres- so? No entanto, 0 capitalismo nao intervém habitualmente na esfera doméstica mediante quaisquer formas repressivas diretas a vida segue af o mesmo tipo de normalidade econdmica que caracteriza a produgao capitalista de bens. Nada na tese clissica permite explicar esse comportamento do capitalismo, absolutamente contraditério com todos os seus outros aspectos ¢ com toda a sua histéria. Parece-me possivel apresentar outro modelo que procure analisar 0 processo de pro- dugo da forga de trabalho sem se deparar com as insuficiéncias da tese classica. 2. O ponto de partida deste modelo, que aqui apresento como uma hipdtese de traba- Iho, é a concepgdo do salério como saldrio familiar? O saldrio que o pai e a mie recebem na(s) empresa(s) onde trabalham nao se destina apenas a remunerar a utilizagao ai da sua forca de trabalho, mas também o trabalho doméstico de ambos; ou, se apenas um deles tra- balhar numa empresa, o salério familiar remunera a utilizagdo parcial da forca de trabalho desse elemento na empresa, a sua utilizagao parcial no trabalho doméstico ¢ a utilizago ex- clusiva no trabatho doméstico da forca de trabalho do outro elemento da familia. O trabalho na empresa destina-se A produgao de bens materiais ou de servigos. O tra- balho doméstico destina-se exclusivamente a colaborar em duas operagdes: a reconstituiglo da forca de trabalho assalariada e a produgdo de nova forga de trabalho. Quer dizer, o traba- Iho doméstico incide na reproducao alargada da forca de trabalho proletdria de geracéo para geracdo, mediante a conservagdo da forga de trabalho existente jé produzida ¢ a cria- gio e educago de filhas e filhos, que irdo ser a nova forga de trabalho. O ato sexual, em si, é trans-histérico, isto é, ultrapassa os modos de produgdo. E a forma da sua realizagio que € social ¢ decorre do modo de produgio. Copular é exterior ao capitalismo; ter filhos ¢ educd-los é para o proletariado, neste modelo, um processo interno ao capital. A articulago do trabalho na empresa e do trabalho doméstico processa-se, de ime- diato, por quatro mecanismos: Em primeiro lugar, pelo fato de o saldrio recebido pagar conjuntamente e sem distin- co a utilizacio da forca de trabalho em ambos os locais; no saldrio familiar so sempre in- discrimindveis as partes que se destinam ao trabalho na empresa ¢ ao trabalho doméstico. A produso da forca de trabalho proletdria aparece assim desde inicio, e completamente, inse- rida na esfera do assalariamento proletério. A situaco de proletdrio nfo & uma caracteristica individual. As classes referem-se a praticas sociais e no a um agregado de individuos que, enquanto tais, so apenas elementos bioldgicos © psicoldgicos. Se neste modelo o saldrio & familiar, s6 pode entdo defini como unidade constitutiva da classe proletdria, a familia proletaria. Em segundo lugar, pelo fato de a reconstitui¢ao da forca de trabalho despendida e a produgao de nova forca de trabalho resultarem da combinagio do trabalho doméstico com o se, » Nos ultimos anos desenvolveu-se em critica A tese cldssica uma corrente distinta da que aqui Proponho: essa orientagio encontra-se expressa, por exemplo, em: CLEAVER, Harry. Reading “Capital” politically, Brighton, Harvester Press, 1979, onde existem abundantes referéncias a outros autores da mesma corrente. Enquanto eu pretendo aqui integrar 0 processo de produgio ¢ de reprodugao lo proletariudo nos mecanismos da mais-valia definidos a partir da andlise do processo de produgio na empresa, os autores inseridos nessa outra corrente procuram, pelo contrario, reformular 0 modelo da mais-valia'e da lei do valor, a partir de campos sociais exteriores & empresa, considerando largas camadas da classe gestorial como pertencentes ao proletariado. Por isso, embora tanto nas teses desses autores como no modelo que aqui proponho se inclua a reproducao do proletariado no interior dos mecanismos do capital, estes so concebidos de forma diferente e as conclusces a que chegamos si0 consideravelmente distintas, quer quanto ao funcionamento dos mecanismos da lei do valor implicados na produgdo € reprodugdo da forca de trabalho, quer quanto & apreciagdo dos movimentos de luta social. Em meu entender essa corrente, ao mesmo tempo que critica a tese clissica, arrisca-se a partilhar com éla — ou fa-lo efetivamente — a ja referida perspectiva reformista que encontra no interior do capitalismo espagos de liberdade. trabalho nas empresas que produzem servicos destinados & producdo ¢ a reprodugdo da forga de trabalho (infantérios, escolas, centros culturais € recreativos, cantinas etc.), essas empresas exciuem-se dos setores de produco no inicio definidos. O trabalho de producio e reproduco da forca de trabalho reparte-se de modo variavel por esses dois tipos de locais. Assim, neste modelo, conjugam-se dois critérios de divisio: o que distingue consoante 0 pro- duto, opondo a produc&o de bens materiais ¢ de servigos com eles relacionados nos setores I € II, ao trabalho doméstico e 4s empresas de servicos destinados & produgo de forca de tra- balho; € 0 que distingue consoante os locais de trabalho, opondo ao trabalho doméstico 0 que decorre em empresas de qualquer tipo. Os limites temporais da utilizagdo da forca de trabalho estabelecem-se de maneira di- ferente na empresa ¢ em casa, Na empresa, a fixacio desses limites ¢ aparentemente rigo- rosa, resultante do jogo de forgas entre um coletivo de operarios e os capitalistas; na pratica, © rigor é muito menor, pois a imposigdo de horas extraordindrias ou a suspensio do trabalho permite aos capitalistas certa adequagio do horario de trabalho as variagdes de fluxo de producdo. Quanto ao. trabalho doméstico, pelo contrdrio, seria aparentemente impossivel estabelecer-Ihe limites de tempo; porém, consoante for organizada a oferta de servigos desti- nados A produgo e reprodugao de forga de trabalho ¢ a oferta de certos servigos e bens ma- teriais decorrentes do setor Ila (mAquinas para trabalho doméstico, alimentos j4 preparados ete.), 0 trabalho em casa, para a execucdo das mesmas tarefas, variard de duraco. Em terceiro lugar, os processos de trabalho em ambos os locais articulam-se porque 0 output do trabalho nas empresas do setor Ia constitui o input na produgio de forea de traba- Iho. Daqui decorrem, de imediato, duas conseqiiéncias. Existe uma radical disting2o, quanto aos mecanismos ¢ ao significado econdmico, entre o consumo de bens pelo proleta- Tiado € pelas classes capitalistas; a producdo e reproducio fisica dos capitalistas é um pro- cesso interno ao consumo improdutivo, quer dizer, respeita & utilizagdo do lucro e nao pro- dugdo de mais-valia, E 0 consumo proletario estd inteiramente englobado, tanto como output como input, no processo de producdo. Por essas duas razdes, é inteiramente invidvel pensar 0 consumo como uma categoria econémica prépria e auténoma. A transformagao dos bens do setor Ila de output em input opera-se parcialmente me- diante 0 mercado; mas a fungao do mercado varia para a classe proletaria consoante seja maior ou menor a parte ocupada pela prestaco direta de servicos destinados & produgao da forga de trabalho, e consoante a composicdo da oferta de bens e servicos do setor Ila. Assim, por exemplo, a criagdo de infantérios e escolas permite diminuir 0 tempo de trabalho domés- tico destinado a formago da nova forga de trabalho, transferindo-o para processos de traba- Iho que ocorrem no interior de empresas (os infantarios e escolas enquanto empresas), e/ou concentrar esse trabalho doméstico em certos aspectos apenas da formagao da forga de trae balho. Se 0 acesso aos infantérios ¢ escolas ndo depender de pagamento direto por parte dos pais cujos filhos e filhas constituem forga de trabalho em formagao, entio a transferéncia do proceso de produgio de forca de trabalho da casa para a empresa no implicard qualquer papel acrescido do mercado; se nos infantarios e escolas se exigir pagamento, entdo dessa 88 transferéncia resultaré o aurnento do papel do mercado. O mesmo sucede com todos os ou- tros servicos ou bens que possam ser prestados sem pagamento direto por parte dos utentes. Deve sublinhar-se aqui que a auséncia de pagamento nio significa gratuitidade. Quanto maior for a parte ocupada pelo mercado nesse processo, tanto mais considerdvel terd de ser © salério familiar em dinheiro. Quando o proletariado, para a reproducao da sua forca de trabalho, pode dispor de bens e servicos na aparéncia gratuitos, isso significa na verdade que eles constituem um elemento em géneros do salério, diminuindo correspondentemente a parte em dinheiro. O mercado dos servicos que colaboram na producao de fora de trabalho e dos bens e servicos do setor IIa constitui, por conseguinte, um mecanismo substituivel pelo pagamento direto em géneros de parte do salério. A utilizagdo de um ou outro desses mecanismos deve-se ao seguinte fator: quando 0 empregador direto de uma dada forca de trabalho prevé que continuard a sé-lo, pode dimi- nuir a parte em dinheiro do salério e fornecer parte em géneros — tanto bens como servicos — destinados a reconstituir essa forca de trabalho assalariada. E o que sucede, por exemplo, com as cantinas das empresas. E quando o empregador de individuos pertencentes a dadas familias prevé que vird a empregar os seus descendentes, pode fornecer, como parte em géneros dos saldrios, bens e servicos destinados a formagao das novas geracées proletarias, E © que se passa desde o principio do capitalismo com as empresas que aparecem como em- pregadores monopsonistas numa dada localidade, fornecendo bairros, escolas, etc,, ¢ tam- bém desde os inicios do modo de producio, cada vez mais 4 medida que aumentam as fun- ges do Estado, com os bens e servigos urbanos ¢ escolares que este fornece sem pagamento direto pelos utentes, A medida que se desenvolve a concentragao econdmica, diminuindo a dispersio das empresas, os empregadores tornam-se mais homogéneos, com o conseqiiente reforgo do papel do Estado ¢ a hegemonia da classe dos gestores sobre os restantes capitalis- tas, Aumenta-se assim o mimero de familias proletdrias decorrentes de um mesmo pélo de assalariamento torna-se mais estével ¢ continuada a relacio que mantém com o emprega- dor; tanto mais vasta e variada pode ser por isso a parte em géneros dos salérios — ¢ tanto mais a relagdo entre os proletarios ¢ os capitalistas aparece como uma relaco entre classes organicamente constituidas. Em suma: hé uma relagdo direta entre a previsio por um dado empregador do periodo de tempo em que reproduzird o assalariamento nas mesmas familias proletérias e a parte ocupada no saldrio pelas prestagdes em géneros, que ¢ inversamente proporcional ao papel desempenhado pelo mercado. O que confirma o cardter meramente secundario do mercado no capitalismo, substituivel desde o préprio inicio deste modo de produgao por outros mecanismos econémicos. Por sua vez, a gama de artigos necessérios 4 produgio da forga de trabalho e a adapta- cdo das prestacdes regulares de saldrio a procura esporddica e irregular de varios bens impe- de que a parte em dinheiro do salario seja inferior a certos limites, no interior dos quais se mantém em vigor esse tipo de mercado. Em quarto lugar, 0 trabalho na empresa eo trabalho doméstico articulam-se porque 0 produto do processo em que incide o trabalho doméstico — a forca de trabalho reconstituida ou a nova forga de trabalho criada — ird assalariar-se numa empresa, ou integrar-se na 89 famitia de um assalariado, participando ento do saldrio familiar. Enquanto no mecanismo anterior o output do trabalho em empresas (do setor Ia) ia servir de input ao trabalho do- méstico (bem como ao trabalho nas empresas que colaboram na produgio de forca de traba- Iho), neste quarto mecanismo ¢ o output em cuja elaboragao participa o processo de trabalho doméstico a servir de input A totalidade das empresas. A classificagao de input é, porém, inteiramente técnica ¢ os mecanismos econdmicos so radicalmente diferentes consoante o input seja um bem ou forga de trabalho. A forga de trabalho é 0 tnizo input capaz de incorporar mais tempo de trabalho do que aquele nele in- corporado — e a mais-valia assim produzida sustenta todo o sistema econdmico e a sua re- produgdo alargada, Assim, a forca de trabalho proletaria que se assalaria nas empresas & produtora de mais-valia; mas ela ¢ também produto, resultado de um trabalho que decorreu Ro Ambito do salario familiar, por isso o trabalho doméstico é produtor de mais-valia. Se o proletariado enquanto produtor é o agente da mais-valia, enquanto produto € 0 suporte de uma mais-valia produzida pelo processo de trabalho de que ele, como proletario, resulta. E est 0 fulcro dos mecanismos de articulagdo dos varios processos de trabalho cobertos pelo saldrio familiar e, como veremos na se¢do seguinte, o centro da propria dindmica do capita- lismo. A predugao de mais-valia provém sempre de uma troca: do capitalista para o prole- tério vai um salério; do proletdrio para o capitalista vai o direito ao uso da forga de trabalho, que inclui o direito & apropriagao dos resultados do processo de trabalho em que essa forca de trabalho se inseriu. Sendo duplo o processo de trabalho coberto pelo salario familiar, na empresa o proletdrio incorpora tempo de trabalho num bem ou num servigo de que o capita- lista se apropria e, no ambito doméstico, incorpora também tempo de trabalho num produto apropriado pelo capitalismo: a forca de trabalho. A condico proletaria de cada nova gera- do criada pelas familias proletérias ¢, pois, fixada de antemio. Ela ¢ uma condenagao. ato do assalariamento néo marca, portanto, a inauguragao do processo de apropria- G80, pelo capitalista, do uso da forca de trabalho, O assalariamento ocorre porque o capita- lista ja detinha previamente o direito de usar a fora de trabalho proletaria. O salArio ¢, neste modelo, a condi¢ao para a reprodugdo desse processo de apropriagao, e nfo o seu funda- mento. Sob o ponto de vista dos capitalistas particulares, ha aqui uma diferenca de ritmos im- portante: os produtos materiais ¢ os servicos neles incidentes tém um tempo de fabrico rela- amente curto, enquanto o produto, em cuja elaboragao participam o trabalho doméstico ¢ © trabalho nas empresas destinadas a formagao da forga de trabalho, tem um tempo de pro- dugdo muito longo. Assim, o capitalista particular que vai usar efetivamente uma dada for¢a de trabalho seré eventualmente diferente daquele que pagou pelo menos parte dos salrios familiares com que se sustentou a produgao dessa forca de trabalho, Essa defasagem de rit- mos explica por que, desde 0 inicio do capitalismo, tem cabido a um érgio do conjunto dos capitalistas — 0 aparelho de Estado — a incumbéncia de contribuir com parte considerdvel do salario familiar, em dinheiro ou pela prestac&o direta de bens e servicos. Nas fases iniciais do proceso de concentragio, 0 ambito reduzido de cada uma das empresas ¢ a sua acen- 90 tuada particularizagao, agravando as conseqiiéncias da referida defasagem de ritmos, dio grande relevo & cooperaco do Estado no pagamento do salirio familiar. Quando a concen- tracdio das empresas atinge uma maior dimensio € 0 Ambito de cada uma se alarga, ess tervencdo do Estado nfo se reduz: mostrei no terceiro mecanismo como, pelo contrério, se amplifica. Sucede, entdo, que a cooperacdo entre os empregadores diretos ¢ o Estado, no pagamento dos salérios, torna-se cada vez mais estreita. Assim, o papel do Estado neste me- canismo nuclear do capitalismo ¢ amplo ¢ decisivo desde 0 proprio inicio do modo de produ- cdo, constituindo-se uma necessidade estrutural. A evolucdo do sistema nao faz declinar ‘esse papel do Estado, mas integra-o com o das empresas cada vez mais concentradas. Mos- trei j4 como, neste modelo, o mercado destinado a classe proletdria ndo ¢ estruturalmente exigido pelo capitalismo: vemos agora como o papel do Estado enquanto empregador, ou ‘empregador central, é desde sempre requerido pelo funcionamento do sistema. Deste quarto mecanismo resultam problemas que aparecem como 0 exato reciproco dos que, no terceiro mecanismo, enunciei em torno da questdo do mercado. Se a dispersaoe a particularizagdo das unidades empresariais forem grandes, torna-se necessario repartir en- tre 0s varios capitalistas particulares a forga de trabalho cuja produgio decorreu, em grande parte, no Ambito das instituiges conjuntas dos capitalistas. E esta a fungdo do mercado de trabalho, O que geralmente se denomina liberdade da forca de trabalho resume-se A questio do ajustamento, entre as varias empresas, da forca de trabalho produzida. E um problema que se integra, antes de mais, nas relacGes intercapitalistas. O mercado de trabalho aparece, portanto, neste modelo, como um mecanismo substituivel por outros, sem que decorra de qualquer necessidade estrutural do sistema. Por outras palavras: se neste modelo a producdo da forga de trabalho ndo obedece ao quadro da “producao mercantil simples”, ento 0 apro- priador do produto desse processo de produgio so as classes capitalistas globalmente consi- deradas. A apropriac&o da forga de trabalho nfo resulta de uma relacio entre um capitalista particular e um proletario particular, mas de uma felacdo entre classes globalizadas, s6 even- strumento de reparti¢do da forga de traba- tualmente mediatizada pelo mercado enquant Iho entre os capitalistas. Até aqui os mecanismos deste modelo foram apresentados independentemente do fun- cionamento dindmico do sistema. Vou procurar em seguida aplicar 0 modelo a reprodugio dos ciclos do capital. Veremos entdo que a articulagao do trabalho doméstico e do trabalho nas empresas ¢ mais estreita ainda e decorre de varios outros mecanismos. 3. Se 0 processo de reproducdo da forga de trabalho é um processo de produgdo de mais-valia ¢, se a mais-valia consiste no fato de o tempo de trabalho incorporado no con- junto dos produtos ser superior ao tempo de trabalho incorporado na forga de trabalho pro- dutora, conclui-se que 0 produto do trabalho de reprodugao da forga de trabalho, isto ¢, uma nova geragdo proletéria, incorpora um tempo de trabalho superior ao incorporado na geracdo proletaria precedente. Se, para jd, admitirmos um sistema em que se mantém cons- tante o niimero de elementos componentes do produto, quer dizer, se aceitarmos como hi- potese a estabilidade demografica, concluimos que na formagao de cada novo proletario se despende um tempo de trabalho superior ao despendido na constituigao de cada um dos prole- 91 térios. Esta € uma conclusio central, que resulta imediatamente da admissio da fora de trabalho como produto de um processo de produgdo capitalista. E este o fundamento do Progresso tecnologico no capitalismo. E certo que a prépria forca de trabalho luta permanentemente para ampliar 0 seu di- Feito a0 consumo, mediante a elevacao dos saldrios. Mas 0 que o proletariado pretende as- sim fundamentalmente obter ¢ um maior input de bens materiais na sua forga de trabalho, enquanto a rroducao capitalista de forca de trabalho consiste sobretudo na incorporagao di- reta de tempo de trabalho nos jovens proletdrios em formaciio. Mediante um vasto conjunto de mecanismos, que vao desde 0 estabelecimento de normas juridicas e a coagio policial até as formas mais sub-repticias de pressdo resultantes da oferta de certos servicos e bens desti- nados a formacao da nova forga de trabalho, que incluem a recusa por parte dos capitalistas de assalariar forga de trabalho que nao obtenha dado grau e certo tipo de formagao, 0 capi- tal consegue impor que, na produgdo de cada nova geraco de forga de trabalho, se despenda um tempo de trabalho crescente ¢ que essa formacio se oriente em dados sentidos. HA um aumento permanente do nivel de instrugdo e alarga-se a difusio de conhecimentos porque esses so requisitos de uma produgdo da forca de trabalho que obedece ao modelo da produ- ¢40 da mais-valia, Assim, uma parte consideravel da formaco ministrada a cada nova gera- sao proletéria nao pode estar a cargo da generalidade dos proletdrios da geragiio prece- dente, que ndo possuem os novos conhecimentos € especialidades requeridos. Verifica-se por isso um permanente acréscimo da importancia relativa das empresas de servicos espe- ializados em aspectos especificos dessa formacdo, nomeadamente as de Ambito escolar — 0 que ¢ mais um fator que reforga o papel do Estado. Mas esse aumento relativo nao imy qualquer diminuicdo absoluta da importncia do trabalho doméstico nos restantes aspectos da formacdo das novas geragées proletdrias, Cada geragao incorpora, assim, uma parte rela- tiva sempre maior de tempo de trabalho especializado. Desse modo, o capitalismo produz geracées proletdrias capazes de proceder a um trabalho sempre mais complexo. Como o trabalho complexo corresponde a uma multiplicacao de trabalhos simples, im- plica uma utilizagdo mais intensiva e concentrada da forca de trabalho; por isso, sendo da- dos os mesmos limites da jornada de trabalho, o tempo de trabalho despendido por um pro- cesso de trabalho complexo ¢ quantitativamente superior ao despendido por um processo de trabalho mais simples. Cada nova gera¢do proletéria ¢, assim, capaz de incorporar no pro- duto de uma mesma jornada de trabalho um tempo de trabalho quantitativamente superior 0 incorporado pela geragao anterior. Dai, que, a0 nivel das empresas, se desenvolvam técni- cas de produgio mais complexas e/ou sistemas de organizagio do trabalho que cada vez mais exigem, além da forca muscular, a atividade cerebral do proletario, precisamente para aproveitar ¢ realizar produtivamente as capacidades decorrentes desse crescendo de tempo de trabalho incorporado em cada nova geragao de forga de trabalho produzida. Neste mo- delo nao é um progresso tecnolégico materialmente considerado a arrastar um progresso na instrugao ¢ na preparacdo técnica do proletariado; pelo contrério, é o aumento da prepara- do do proletariado, socialmente considerado, a arrastar o progresso tecnoldgico. Uma tec- nologia € meramente a realizagdo material de relagées sociais. 92 Porém, se enquanto ouput o proletariado resulta de um processo de produgao de mais- valia e tem incorporado em si um tempo de trabalho superior ao incorporado na fora de trabalho que o fabricou, enquanto input, para o capitalista que o vai assalariar, esse acrés- cimo do valor das novas geragdes proletdrias seria um fator de reducio da mais-vatia na glo- balidade dos ramos de produgao (pois trata-se de um aumento do tempo de trabalho incor- porado na forca de trabalho produtora) e/ou um fator de reduco do lucro realizavel (pois para acrescer a mais-valia numa situagdo de aumento do valor da forca de trabalho seria ne- cessdrio aumentar o valor dos produtos, reduzindo por conseguinte as possibilidades da sua comercializagdo). Assim, entre o processo pelo qual o proletariado acaba de se constituir como output ¢ aquele em que comega a aparecer como input hé uma radical contradi¢ao. No primeiro processo convém ao capitalista que o proletariado incorpore um tempo de trabalho crescente; no segundo proceso convém ao capitalista que o valor da forga de trabalho pro- letéria seja reduzido. Essa contradi¢ao é, no modelo que aqui apresento, o fulero da dind mica do capitalismo. A forma capitalista de resolugao desta contradigao consiste na desvalo- rizagdo da forca de trabalho proletdria quando da sua passagem do processo em que ¢ output para o processo em que € input. Essa desvalorizagdo pode ocorrer porque o interesse do capitalista consiste apenas na apropriagao do valor de uso da forca de trabalho. Ao capitalista interessa que a forga de tra- balho, enquanto output, represente um tempo de trabalho superior ao incorporado na fora de trabalho que a produz; porém, transformada em input, a forga de trabalho jé interessa a0 capitalista s6 pelo seu valor de uso, isto é, pela capacidade de incorporar um tempo de traba- Iho superior ao nela incorporado, sem que seja para isso necessdrio manter o valor efetivo da forea de trabalho acabada de produzir. Assim, quando as novas geragGes proletarias, com a capacidade acumulada para proceder a um trabalho mais complexo, comegam a realizar na pritica, em proveito do capitalista, o valor de uso da sua forga de trabalho, o capitalista, 20 mesmo tempo que se apropria dos frutos desse valor acrescido, desvaloriza essa forga de tra- batho. Os mecanismos deste processo de desvalorizagio constituem a mais-valia relativa, que €a propria dindmica do modo de produgdo. A problemética da mais-valia relativa surge as- sim, estruturalmente, no centro do capitalismo; ela s6 secundariamente ¢ analisdvel ao nivel da concorréncia entre capitalistas particulares, explicando-se sobretudo num sistema de produgao globalmente considerado e integrado, ao nivel da prépria relacdo entre as classes, no movimento do proletariado de output para input ‘A forma de mais-valia relativa primordial para essa desvalorizacao da forga de traba- Iho consiste no seguinte processo: V valor das subsisténciast > v valor da forca de trabalho — V duragio do tempo de trabalho necessério > A duracio do sobretrabalho -» A mais-valia. Esse processo de mais-valia relativa exige formas de inter-relacdo das empresas ao ni- vel da globalidade do sistema econdmico, Para que diminua o valor das subsisténcias, é ne- +0 simbolo do delta invertide indica aqui um incremento negativo, ou seja, uma diminuicao. 93 cessério que diminua o tempo de trabalho incorporado em cada unidade, ou seja, que au- mente a produtividade com que sio fabricadas. Assim, neste processo: A produtividade no setor Ha + v valor das subsisténcias + ete. © primeiro movimento, porém. nao depende apesar do setor Ha. Qualquer aumento da produtividade pode resultar ou de uma reducio do valor dos inputs, ou de uma reorganizago dos processos de fabrico de modo diminuir os inputs por cada unidade produzida, ou de diferentes combinacdes dos dois movimentos. A diminuigio relativa do valor da forga de trabalho é a forma mais imediata de redugiio do va- lor dos inputs, mas ela aqui ¢.a conseqiéncia, € nao o dado inicial. Temos por isso de tomar outro ponto de partida, Como esse processo da mais-valia relativa decorre de uma necessi- dade vital para todos os capitalistas, a todos os ramos de produgdo interessa fazer convergir 08 esforgos nesse sentido. O movimento A produtividade no setor Ha ndo resulta apenas da reorganizacao ai dos processos de trabalho, colaborando também nesse movimento a redu- do do valor dos inputs do setor, que so os outputs do setor Ib. O movimento: A intensidade do trabalho (= duracdo constante dos limites extremos do tempo de trabalho total / menores periodos intermédios de ndo-trabalho) -» A quantidade de produtos > V valor de cada pro- duto sustenta o aumento da produtividade do trabalho em cada um dos setores. E 0 movi- mento: A produtividade no setor Ib > v valor da maquinaria destinada ao fabrico de subsis- téncias + A produtividade no setor Ha» etc. concorre para acentuar 0 processo de mais- valia relativa. Por sua vez, a produtividade no setor Ib decorre também dos ramos de produ- ‘so que se destinam ao fabrico mais geral de méquinas para fazer m4quinas. Assim, essa mesma dindmica processa-se entre o setor Ia ¢ 0 setor Ib. Como o setor Ia se relaciona com a generalidade dos processos industriais, esses varios movimentos integram a totalidade da economia nessa forma de mais-valia relativa. E como: A produtividade nurn dado ramo + V quantidade de forca de trabalho necesséria nesse ramo, libertam-se permanentemente traba- Ihadores dos ramos de produgao ja estabelecidos para outros a desenvolver ou a criar, pelo que essa forma de mais-valia relativa reproduz alargadamente a totalidade econdmica. Assim, a inter-relaco econémica e tecnolégica das varias empresas e dos varios seto- res de produgdo ¢ uma necessidade estrutural do funcionamento do capitalismo. Por isso, 0 capitalismo desenvolve, desde o seu inicio ¢ como condi¢ao da sua vigéncia, um campo de instituiges proprio a essa inter-relagdo — as Condicdes Gerais de Produco, que fundamen- tam a existéncia social da classe dos gestores ¢ onde se expande a agdo do Estado. Em conclusio, a acdo de todos os setores econdmicos converge nessa forma de mais- valia relativa. Mas vejamos o funcionamento do seu mecanismo central: V valor das subsis- téncias+ A valor da forga de trabalho. E necessario distinguir entre dois processos: 0 da re- constitui¢o da forca de trabalho assalariada e o da producao de nova forca de trabalho, Na produgdo de nova forca de trabalho uma quantidade muito considerdvel de tempo de trabalho ¢ despendida sob forma direta, ndo mediatizada por quaisquer bens, nas opera- bes de criacdo, instrugdo, treino etc.; trata-se do dispéndio de um trabalho sempre mais complexo, que ¢ 0 valor de uso da forca de trabalho assalariada na criagdo de nova forga de trabalho. A outra componente deste proceso so os bens de subsisténcia, que podemos con- siderar em sentido lato, se neles incluirmos, além da alimentagao, vestudrio etc., as instala- 94 Bes onde decorrem os servigos que colaboram com o trabalho doméstico na produgao do proletariado, A diminuigao do valor das subsisténcias tem efeitos distintos consoante 0 tempo de trabalho despendido seja diretamente incorporado, ou se essa incorporagiio for me- diatizada por bens produzidos, quer sejam bens de subsisténcia ou outros. A diminuigdo do valor dos bens de subsisténcia consumidos pela jovem forca de trabalho durante a sua for- magdo corresponde a uma diminuicdo do tempo de trabalho (aqui, tempo de trabalho crista- lizado nesses bens) incorporado na nova geracdo proletaria, sendo portanto um fator que tende a baixar o seu valor. Esse fator pode ser mitigado pelo aumento do consumo de subsis- téncias; mas a prazo a diminuigao do valor das subsisténcias ultrapassa sempre 0 aumento quantitativo do seu consumo. Quanto mais baixar o valor das subsisténcias, enquanto com- ponentes do processo de produgao da nova forga de trabalho, tanto mais consideravel se torna relativamente a parte que corresponde ao outro elemento desse proceso, o tempo de trabalho diretamente despendido; a defasagem é acentuada ainda pelo fato de 0 tempo de trabalho resultar do uso de capacidades de trabalho cada vez mais complexas. Assim, no que diz respeito ao processo de criagdo da nova forca de trabalho, os mecanismos desta forma de mais-valia relativa sustentam o crescent valor incorporado nas sucessivas geragdes prole- tdrias; com efeito, ao diminuir a parte relativa das subsisténcias enquanto input direto ¢ a0 aumentar correspondentemente a parte do tempo de trabalho direto enquanto input, essa forma de mais-valia relativa assegura ao capital que as novas geracdes proletarias consubs- tanciario um crescente valor. Sob esse ponto de vista sio trés os aspectos que distinguem radicalmente a produgdo de proletérios dos outros tipos de servigos ¢ processos de fabrico que tém como objeto bens materiais; na producdo de proletdrios: o trabalho é muito mais complexo e, portanto, 0 tempo de trabalho incorporado ¢ quantitativamente muito superior; o tempo de trabalho di- retamente despendido ocupa uma parte muito mais consideravel no processo de produgéo total; a parte que corresponde A incorporagao direta de tempo de trabalho tem sempre au- mentado, sem que se desenvolvam processos mecinicos intermediarios entre o trabalho € 0 seu objeto. Exprime-se assim, a nivel tecnoldgico, a necessidade de o capital valorizar per- manentemente a forca de trabalho no processo da sua formagio, nao surgindo por isso quaisquer formas de mecanizagdo que aumentem a produtividade com que so produzidas as novas geragdes proletérias. E essa a razio por que, havendo frangos de avidrio, ndo exis- tem proletarios de incubadora. Quanto ao tempo de trabalho despendido, ele decorre do uso de dada forga de traba- Iho que é remunerada pelo saldrio familiar. A diminuigdo do valor das subsisténcias permite miltiplas combinagGes de duas variantes: o saldrio € 0 input fisico de bens. Como todo 0 con- dicionalismo capitalista obriga ao dispéndio de um tempo de trabalho crescente na produ- do de novos proletarios, temos que, para 2 forca de trabalho que os produz, diminuindo o valor das subsisténcias, diminui a duragao do tempo de trabalho necessério & sua reconstitui- do e aumenta a duracdo do sobretrabalho. Aumenta, por conseguinte, a mais-valia corpori- zada na jovem geracaa proletaria em formagao. Vimos antes como aumenta o valor de cada nova geracio proletaria enquanto 0 produto aumenta — relativamente ao valor da prece- 95 dente —; vemos agora como, para os capitalistas, os custos da formagao da nova forga de tra- balho diminuem — relativamente ao maior tempo de trabalho nela incorporado. A nivel global do capitalismo, 0 movimento do proletariado de output para input é evi- dentemente continuo, Em cada momento novos proletarios comegam a ser criados, outros iniciam o percurso do assalariado. Por isso, ao mesmo tempo que essa forma da mais-valia relativa exerce os efeitos descritos quanto aos processos de produgao da nova forga de tra~ balho, exerce outro tipo de efeitos sobre o proceso de reconstituigao da forca de trabalho assalariada, isto €, j4 produzida, Nesse tiltimo processo, ao contrario do que sucedia no pri- meiro, minimo o dispéndio de tempo de trabalho sob uma forma direta, enquanto 0 con- sumo de subsisténcias constitui a sua componente quase exclusiva. Ora, a partir do momento em que uma forca de trabalho se assalaria e se torna input e outras comegam a ser produzi- das, 0 proletdrio que se assalaria no tem outra realidade senio a da sua reconstituigio, nem outra medida sendo a da sua comparagio com as novas geracées proletarias em formacdo. Quanto & sua reconstituicao, a parte praticamente exclusiva que nela ocupa o consumo de subsisténcias permite agora que, com cada novo ciclo dessa forma de mais-valia relativa, di- minua o valor da forca de trabalho; e, como tal diminui¢ao nao ¢ compensada por qualquer dispéndio apreciavel de novo tempo de trabalho incorporado diretamente no proletdrio as- salariado, prevalece a tendéncia para a desvalorizagao deste enquanto forga de trabalho. A cada novo ciclo que ocorrer, o tempo de trabalho que foi diretamente incorporado no prole- trio durante o periodo da sua formaco serd 0 denominador de uma fracio em que o nume- rador so os valores sucessivamente diminuidos das subsisténcias. E essa a f6rmula da desva- lorizagio permanente da forca de trabalho, uma vez convertida em input. Essa desvaloriza- do ¢ acelerada ainda por outra forma. O valor é relativo e o trabalho complexo de que & ca paz uma dada geragdo proletaria, se é mais complexo relativamente 4 anterior, é menps complexo relativamente a seguinte. O proletdrio nao tem outra medida sendo a da sua com- paraco com os jovens proletarios. E os niveis de preparagio atingidos por cada geracio eo préprio contetido dessa instrucdo so permanentemente desquallificados tendo em conta as novas geragdes. Mediante a conjugacao de todos esses mecanismos, esta forma de mais-valia simultaneamente permite o aumento do valor da forga de trabalho a ser produzida e a desva- lorizagdo da forga de trabalho a ser utilizada. Se essas serdo as formas normais, ou permanentes, do proceso, a inflacdo e o desem- prego podem apresentar-se como as suas formas extremas. A inflagdo exprime € a0 mesmo tempo realiza a desvalorizacdo acelerada da forga de trabalho. E 0 desemprego, reduzindo a reconstitui¢do da forga de trabalho ao minimo fisico socialmente admitido e eliminando a reconstitui¢do das suas capacidades técnicas, é uma forma brusca € maciga de proceder & desvalorizagao da forca de trabalho, pela sua prépria desqualificagao. Por isso, a inflagdo eo desemprego sio recursos capitalistas complementares. Uma forma mais paulatina de desem- prego, mas também mais durdvel e generalizada, porque tendente a impor novos padrdes so- ciais, é a reforma antecipada. Ela marca para a forca de trabalho ponto a partir do qual se arrasta no declinio. A morte, tal como a copula, é trans-histérica e exterior ao capitalismo. 10 hoje processos internos ao capital. Mas tanto a juventude como a velhice s 96 A ecologia é, nos paises industrializados, a ideotogi correspondente nos paises menos industrializados é o fundamentalismo religioso. Ambos propéem um vasto programs. de desvalorizacio da forga de trabalho, assente no retrocesso tecnolégico geral ena liquidacdo macica de numerosas técnicas particulares. Projetam si- multaneamente drasticas redugdes do consumo e uma reforma dos padrdes de vida que le- vem a fortes economias na reconstituigdo da forga de trabalho. Assim, ao mesmo tempo que © proletariado assalariado se desqualificaria nas capacidades técnicas, veria reduzida a sua margem de consumo, desvalorizando-se duplamente. Tenho até agora suposto neste modelo que se verifica uma estabilidade demogralica, € € esse 0 caso nos paises onde os mecanismos da produtividade sio mais desenvolvidos onde, por canseguinte, é mais acelerada a sucessio dos ciclos da mais-valia relativa. Pelo contrario, nos paises onde a produtividade é mais reduzida, so também menores as possibi- lidades de preparar e instruir a forca de trabalho. Verifica-se af que o tempo de formagao de cada proletério é mais curto e a sua procriagao é mais abundante, o que representa uma ele- vada taxa de crescimento da populacao. Quanto mais acentuado for o crescimento demogré- fico, tanto menor serd a diferenca entre o tempo de trabalho incorporado num novo prole- tario e 0 incorporado em cada elemento da forca de trabalho que o formou. Daqui provém uma reducdo da capacidade de trabalho complexo, possivel de executar pelas geragdes pro- letdrias que resultam de taxas demograficas muito elevadas; essa forga de trabalho pode ape- nas sustentar as tecnologias menos sofisticadas, o que por sua vez reproduz ¢ amplifica os efeitos dessa situaco. A composi¢do da populagdo mundial reflete assim a distribuigio mundial da mais-valia entre os capitalistas. Se 0 proletariado enquanto produto incorpora mais-valia, os proletarios-output em que essa mais-valia é menor encontram-se precisamente naqueles paises onde sfio mais escassos os recursos da produtividade e mais lenta a sucesso capitalista da atual crise e a sua dos ciclos da mais-valia relativa E agora que o salario pode ser definido. Sabe-se bem que ele corresponde ao valor da forga de trabalho. Mas que significa isso? Nos termos deste modelo, o saldrio no paga o va lor da forga de trabalho enquanto output; paga o valor de uma forca de trabalho enquanto input, em desvalorizagao permanente. O mecanismo da mais-valia consiste numa troca, indo do capitalista para o proletario um saldrio e, do proletério para o capitalista, 0 uso da forga de trabalho. Ora, a capacidade laboral da forca de trabalho € fundamentalmente determi- nada no periodo de sua formagio e ¢ essa capacidade acumulada que o capitalista usa. Mas © valor da forga de trabalho que define o montante salarial é determinado, agora, ndo pelo processo de producio dessa forca de trabalho, ja praticamente encerrado, mas pelo pro- cesso de sua reconstituigdo — & neste que incidem os mecanismos de desvalorizagao. Em conclusio: a mais-valia, mecanismo central de todo o capitalismo, explica também © movimento do proletariado de output para input. 4, O proceso descrito neste modelo € profundamente desequilibrado. Entre o proleta- riado como produto ¢ o proletariado como produtor ha uma radical defasagem econdmica, que o capitalista pode resolver no seu interesse, mas sem que por isso incuta mais equilibrio a0 modelo. O desequilibrio ¢, porém, para os modelos econdmicos, uma condigio neces- 97 sdria de realismo. O modelo da mais-valia, em que a forga de trabalho ¢ explorada apesar de paga ao seu valor, permite construir um sistema matematicamente coerente e, portanto, de funcionamento econdmico vidvel — embora socialmente desequilibrado — e, portanto, de so- lucdo revoluciondria possivel. Limitei-me aqui a tentar ampliar 0 modelo da mais-valia, da esfera da produgdo de bens e servigos, para a da propria redugo do proletariado, fazendo com que a totalidade social obedega a mais-valia. O modo de producéo capitalista ¢ assim apresentado, neste modelo, como uma globa- lidade que encerra toda a sociedade, tanto a vida na empresa como a vida doméstica. E ne- nhum elemento dessa globalidade pode servir de veiculo de transi¢o para um futuro modo de produgao. E um modelo fechado de capitalismo que pretendo aqui apresentar, onde € desprovida de sentido qualquer problematica de uma “fase de transicao". Nem sio também contrérias ao capitalismo, neste modelo, as reivindicages formula- das pelos proletdrios em luta — ¢ cuja sistematizacio e negociagio constituem o objetivo das instituigdes sindicais. Relativamente aos elementos materiais do processo produtivo, 0 pro- letariado tem uma dupla particularidade: a de poder incorporar mais tempo de trabalho do que o nele incorporado, que Ihe permite tornar-se num produtor de mais-valia, € a de pre- tender que na sua constituigdo entrem inputs em quantidades sempre crescentes, que thes permitam tornar-se num reivindicador salarial, De imediato, essas reivindicagdes apresentam-se contrérias a produtividade capitalista, que consiste precisamente na diminui- do dos inputs incorporados num produto. Para que o capitalista possa responder no campo econdmico as reivindicacSes, € preciso que o acréscimo de inputs reclamado pelo proleta- riado se torne um acréscimo em termos meramente materiais, ¢ ndo em termos de valor. Ou seja, é necessirio que o valor desses inputs baixe tanto, ou mais, quanto aumente 0 seu con- sumo material. E 0 processo da mais-valia relativa que garante ao capital o funcionamento desse mecanismo. Mas 0 processo da mais-valia relativa é também o préprio proceso da desvalorizagao da forga de trabalho assalariada. Por isso, ao nivel exclusivamente dessas rei- vindicagdes, ndo se liberta o proletariado do sistema global do capital, em cuja engrenagem continuara ento a constituir um mero elemento. Mas quando os proletérios reivindicam — se o fazem formular essas exigéncias pontuais e integraveis no capital. Organizam-se para isso; € a0 organizarem-se estabelecem entre si relacdes inteiramente distintas das que prevalecem na sociedade capitalista, Sio essas relagSes 0 tinico campo possivel de constituir exteriormente a0 capitalismo e que a ele se opde, porque apenas elas obedecem a um modelo radicalmente antagdnico do capitalismo — sdo relagdes de forma igualitdria e comunitaria. Nao cabe aqui analisar as condigdes de desenvolvimento dessa forma de relagdes, nem as suas possibilida- des. Nem estas decorrem, alids, de qualquer andlise, mas s6 da experiéncia pratica futura. 0 que me parece desde jd possivel é apresentar ambas as formas sociais como sistemas fecha- dos e globalmente opostos, relativamente aos quais nao se pode falar em fases de transi¢do, € apenas em modos de destruicdo. Mas as relagdes que se desenvolvem a partir das formas di- retas de luta proletéria podem ocorrer precisamente porque 0 capitalismo funciona num modelo desequilibrado e porque sempre as reivindicagdes assimilaveis pelo funcionamento etamente — ndo se limitam a 98 do modo de produc&o, quando formuladas diretamente, sustentam formas de organizacio antagdnicas a0 modo de produgao As formas proletérias de luta concentram-se no ponto crucial de desequilibrio do mo- delo, na desvalorizagao da forga de trabalho. Por isso, elas desencadeiam-se fundamental- mente ao nivel das empresas, onde pelos mecanismos da mais-valia relativa a forca de traba- tho € continuamente desvalorizada. O processo de desenvolvimento da totalidade social contida em gérmen nessas formas de luta — tal como até aqui tem ocorrido em experiéncias historicas multiplas — visa, numa primeira fase, reestruturar 0 processo de producio ao nivel da empresa. Mas se as relagdes sociais decorrentes dessas formas de luta continuarem a desenvolver-se, entram ento ruma segunda fase, abarcando o trabalho doméstico e pondo em causa as relagdes capitalistas na familia ¢ nos locais de habitacdo. O trabalho doméstico ndo constitui o foco de aparecimento das formas de luta — mas sem que elas o englobem no nfo poderfo expandir-se numa totalidade seu desenvolvimento, as novas relagdes sociais crescente. A dindmica desse processo resulta, assim, dos mecanismos da formagio e da des- valorizagio da forca de trabalho € no obedece aos critérios da “concentragao operari entendida como 0 mimero de trabalhadores por local de trabalho. Esse critério vigorou no aram por um padrio militarizado, durante as periodo em que as lutas proletarias se orgar Segunda e, sobretudo, Terceira Internacionais. Na realidade, porém, a concentragio de tra- balhadores nao ¢ forgosamente, em todas as épocas, maior nas empresas do que nas dreas de habitagdo; tudo depende dos sistemas de trabalho € dos padrées urbanisticos. Se 0 modelo de Sraffa, da “produgio de mercadorias por meio de mercadorias”, re- presenta uma forma maxima de reificagdo do capitalismo, de naturalizacdo das relagdes so- ciais que 0 constituem, anulando nas mercadorias qualquer realidade que nao seja a da sua mera existéncia material, um modelo como este, a produgiio de proletdrios por meio de proletérios, de que aqui apresento apenas os lineamentos, poderd talvez, depois de desenvol- vido, permitir a exposi¢o com critérios rigorosos do que tem sido dito de modo apenas rico pelas teorias da praxis. Nomeadamente: podera analisar, consoante um modelo unifi- cado, a totalidade das praticas sociais; poderd integrar num modelo tnico as praticas decor- rentes em qualquer das formas de capitalismo hoje prevalecentes no mundo, quer sejam as de tipo soviético, ou norte-americano, ou de qualquer variante mista. Pretendi, com efeito, mostrar ao longo da exposi¢ao deste modelo, em primeiro lugar, que a redugdo do papel do mercado era estruturalmente possivel no capitalismo desde o seu proprio inicio; em segundo lugar, que a func&o econémica do Estado ¢ primordial em todo o sistema capitalista; em ter- s-valia relativa, ou seja, a propria dindmica do modo de produgio, nio entre empresas particulares; em quarto lugar, que a classe dos gesto- res est definida na estrutura origindria do capitalismo, assentando-se nas Condigdes Gerais de Produgao, sem as quais ndo opera o processo da mais-valia relativa. Pela passagem do proletariado de produto a produtor explicar-se-iam os fatos mais correntes da vida quotidiana, O proletdrio adulto, que sofre 0 proceso de desvalorizagio da sua forga de trabalho, que se desespera ou que contra ela luta, oscila entre o paraiso prome- tido da revolugdo e a idade de ouro da sua juventude. O jovem proletirio em formacao, ceiro lugar, que am: resulta da concorrénci 99 consciente da superioridade da capacidade de trabalho que adquire relativamente & dos adultos, seus contempordneos, mas sofrendo a situacdo de dependéncia em que se encontra ainda enquanto produto, dirige contra os adultos o seu desprezo, sem deles, porém, conse- guir libertar-se, E so ainda jovens proletérios em formagao que tentam sabotar a instrugao e a aprendizagem de que sio objeto, recusando a escola e os ensinamentos; pretende nesses casos o proletariooutput limitar a mais-valia de que o capitalista se apropriara, mas no mesmo gesto sacrifica mais ainda o seu valor futuro. E uma auto-imolagao, elitista como todos os atos romanticos, afinal, indtil. O conflito de geragese a recusa da escola, a raiva, 0 sonho, a nostalgia nao séo aspectos periféricos nem fendmenos exteriores & luta de classes. Pretendo com este modelo mostrar como eles sfo, entre tantos outros, elementos compo- nentes de uma luta de classes globalmente concebida. Um modelo nio se justifica por qualquer eventual coeréncia interna, mas tdo-s6 pela capacidade de explicar uma dada pratica social. Por isso, este primeiro esbogo, que aqui apresento como uma hipétese de trabalho, fica aberto a principal das criticas: a da prética desejada sobre os fatos existentes. ABSTRACT ‘The author criticizes the theses according to which the labour force is produced outside the capitalist production process. In the model he proposes the family-wages covers both the production of goods and services and the production of labour force. The proletariat considered as input produces surplus value and considered as output embodies surplus value. The author analyses the relationships between the labour force as output and as input. He also intends to show that the market role in the capitalism is minor and the state role is the central one. In changing from output to input the labour force is devalued by the process of the relative surplus value. At last he analyses some implications of this model as far as the social struggles are concerned. 100

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