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Gestão democrática: entre a utopia e a realidade

Constantino Comninos
Professor. Mestre em Educação -
área de concentração: Instituições
de Ensino Superior. Cônsul
Honorário da Grécia em Curitiba (PR-
SC-RS).

“A grandeza não consiste em receber honras,


mas em merecê-las.”

Aristóteles

Apresentação

“Um mapa do mundo que não inclua a utopia, não merece


sequer um rápido olhar... O progresso é a realização da
utopia.”

Oscar Wilde

Ao escrever este texto, cujo título é intrigante por natureza, a


convite e destinada para atender certo público, em primeiro lugar,
manifesto a minha preocupação, pois, uma palestra, dependendo de como
as palavras venham a ser utilizadas, geralmente suscita as mais
controvertidas manifestações. Em segundo lugar, confesso que o
tema me assusta, mesmo que tenha passado uma boa parte de minha
vida vivenciando algumas funções públicas e importância relativa,
conquanto funções que exigiram o tempo todo, uma atenção as questões
de negociação, leia-se democraticamente -, com a ordem política vigente,
mas que muito me gratificaram -, ao lado de minha vida acadêmica -,
exercida ao longo de minha trajetória profissional como planejador
governamental.
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Em terceiro lugar, me encontro diante de um dilema. O que abordar


primeiro, dado que o tema proposto contém diversas nuances e é deveras
desafiador. E o que mais me assusta, é o título que encima o texto.
Assim, digamos que me proponho tão somente, contextualizar o tema.
Espero que, ao longo do texto, haja vista a complexidade da
temática proposta, eu consiga abordar em síntese, os principais pontos
que o título do artigo propõe. Como se trata de um tema amplo, vou
abordar alguns pontos que considero importantes para a sua discussão.
Para tanto, tentarei seguir um preceito do dramaturgo grego Eurípides, em
sua tragédia As Fenícias, que diz: “A exposição da verdade não tem
duplicidades”.

Fundamentos básicos

“A qual soberano, então, ou a qual dos filhos do


Paraíso, alguém pode recorrer para descobrir como
receber o que é de seu merecimento – quando o filho de
Cronos [censurando Zeus, que a nós todos concebeu e
nos deu à luz, mostra-se também um mero padrasto
para uns e um verdadeiro pai para outros?”

Cercidas, de Megalópolis

Falar sobre democracia é tarefa gratificante. Falar sobre a utopia


democrática é tarefa desafiadora. Tendo em vista as mudanças
verificadas nos últimos decênios do século que findou e as que estão
sendo testemunhadas nos primeiros anos do século que se inicia, vou me
ater ao que considero o ponto mais importante do tema, qual seja, a
democracia e passar pela utopia dentro de limites fronteiriços possíveis.
Ao longo do texto, algumas “quase” provocações farão parte, mais
no sentido de fazer ver ao público leitor, alguns pontos que visem o
debate e a percepção de certas maneiras de ver as coisas que, na minha
opinião, o modismo denomina de paradigmas. Entretanto, confesso,
minha preocupação é mais a de fazer prevalecer algumas interrogações.
Não tenho assistido a nenhuma conferência, palestra ou equivalente, que
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não tenha ouvido a frase padrão: “temos que mudar os paradigmas”.


Deixemos este assunto para os que entendem da matéria. Isto porque,
não querendo entrar em polêmica com algumas categorias profissionais
que utilizam demasiadamente este termo, que em grego traduzindo
literalmente quer significar “exemplo”, conquanto, quero crer que mudar
atitudes, é o significado maior que os entendidos vem dando ao termo.
Pelo menos, foi o que KHUN provou em sua tese sobre “As estruturas das
revoluções científicas”, quando lançou os paradigmas para a sociedade,
nas formulações por ele desenvolvidas. E pelo que o título encerra, é
neste campo, ou seja, na necessidade de mudanças, contudo as
resistências, que pretendo conduzir as minhas provocações acadêmicas.
Segundo Sir Ernest Barker, “a reflexão política começa com os
gregos”, cujo racionalismo viceja na Grécia antiga conduzindo as mentes
para projetar o ordenamento do pensar, criando saberes que até hoje
estão presentes no cotidiano da razão ocidental. “Há um dito famoso de
Platão, segundo o qual ‘a filosofia é a criatura do espanto’” (BARKER,
1987). Ouso afirmar que a democracia é uma das maiores invenções
gregas, assim como a cidade-estado – a polis grega (JAGUARIBE, 1982), e
ambas, a democracia e a polis devem ter nascido do “espanto” ao qual
se refere Platão. A História vem mostrando que a democracia sempre é
citada, é exercitada e ao mesmo tempo atacada, e assim mesmo,
sobrevive a cada momento que nela se pensa e se a adota. A democracia,
foi mais do que uma invenção grega, foi a maior aventura grega, pois é
um regime político criado para conviver com a antítese entre o indivíduo e
o estado. Enquanto as constituições estabelecem as relações entre estado
e cidadão, a democracia exercita o poder constituído com liberdade,
legitimidade, consagrando o desejo da maioria. Filosoficamente falando,
trata-se saber como conceituar a existência do pensamento político.
Por outra face, as ditaduras, leia-se militarismo, se esvaem assim
como os regimes totalitários que foram debelados com e após a Segunda
Grande Guerra do século passado. É óbvio, em que pese este fato
histórico, marcante como divisor de águas para a humanidade, fenômeno
este estudado por milhares e analistas, pensadores e professores, muitas
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democracias se tornaram ditaduras e muitas ditaduras vieram a adotar a


democracia. E não pensem que esta atitude ocorreu somente quando de
mudanças de governo nas fronteiras das nações. Tal fenômeno, não está
isento nas organizações, quer sejam empresas privadas de qualquer
natureza, empresas públicas ou de economia mista, estas duas últimas
organizações, nascidas das ideologias nacionalistas exacerbadas, ainda
vigentes em sociedades que lutam para atingir a maturidade política,
aliada a dependência econômica, classificadas pelos desenvolvimentistas,
como nações periféricas, algumas até cognominadas como emergentes.
Vale dizer, que o exercício da democracia depende de vigilância
permanente, pois, tem-se notado que nas grandes corporações o
fenômeno da queda e da ascensão de executivos é muito comum,
seguindo, em escala menor, os mesmos padrões que ocorre em certos
países. O poder sempre foi o fascínio dos homens. E a ciência política, das
mais recentes ciências sociais, leva o estudioso ao fascinante cenário do
exercício do poder.
Nas nações que se tornaram estados nacionais modernos, os
homens, mesmo acreditando na prática efetiva da democracia, a traem e
para tanto, no ímpeto de garantir o exercício de certas ideologias, ou
mesmo ideários que eu denominaria de espúrios, rasgam as constituições,
pisoteiam as instituições políticas e criam em novo status quo para
justificar suas atitudes. Líderes de muitos países, libertadores na palavra,
cognominados por si próprios como salvadores da pátria, derrubam
governos constituídos, alguns legitimamente eleitos democraticamente,
sob a promessa de que o novo regime, ou sistema, ou forma de governo,
irá assegurar a plenitude dos direitos políticos e a justiça distributiva de
bens e serviços aos cidadãos.
Também é óbvio, e a observação o comprova que o
desaparecimento dos regimes totalitários não significa dizer que eles
venham a sumir do planeta. E este fato está mais do que comprovado.
Vide a África e a América Latina, a Ásia, o Oriente Crescente. E mais.
Esta análise não pode ser feita somente à luz de estatísticas, já que
estamos abordando fenômeno tipificado no campo das ciências sociais.
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E estas ciências não pertencendo ao rol das ciências exatas - apenas os


fenômenos da economia, única ciência social entre elas, cujas variáveis
são passíveis de quantificação -, os fenômenos sociais são qualificáveis, o
que torna até difícil, qualquer argumentação para os não iniciados.
Exemplificando. Assim, se a China – que durante seus quatro mil anos de
história nunca exercitou governo democrático -, é um país socialista, e a
Índia, que sofreu autoritarismos ao longo de muitos séculos e um período
longo de colonialismo imperialista, hoje, é a maior democracia do mundo,
observamos que é possível o primado da democracia em situações as
mais diversificadas.
Portanto, não se pode afirmar que é pelo tamanho da população
que se mensura os regimes políticos. Este exemplo comprova que a Índia
para sobreviver politicamente, teve que passar por mudanças radicais em
sua estrutura de poder, instituindo a duras penas o Federalismo
Corporativo, gastando todos os anos, milhares de Rúpias, com o apoio do
povo indiano, para manter o sistema, para tanto, criando milhares de
agências para agilizar a ordem política do país. Contudo, por mais que
estas liberdades políticas estejam asseguradas, a liberdade de poder
comprar está limitada a alguns poucos dólares anuais. E é o pais onde a
sobrevivência é o maior desafio para a população e via de conseqüência,
onde se encontra a maior pobreza comprovada no planeta.
Neste momento, alguém pode estar pensando, o que estas palavras
significam em um contexto atual, frente a novas realidades que o mundo
está vivenciando? Podem até estar se perguntando, o que nos interessa
graus de comparação política, já que somos também um país continental,
convivendo em unidade nacional na diversidade regional e até, porque
não, com sucesso razoável? Simplesmente, contemplo o problema
comparativamente, pois, em Ciência Política, comparar necessário é.
Ainda os gregos antigos, nos legaram um método de trabalho,
produto de suas especulações, que estabelece as relações entre a
diacronia e a sincronia. Pois, é importante, também, “procurar
semelhanças quanto procurar diferenças” (LA PALOMBARA, 1982).
Utilizando o mesmo autor, encontramos os conceitos utilizados: “às
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análises espaciais nos referimos como sincrônicas”, enquanto “a análise


diacrônica implica que a estabilidade ou a mudança, semelhanças ou
diferenças no tempo constituem dimensão de observação e chave
igualmente importante para o entendimento e a explicação” (LA
PALOMBARA, 1982).
Ainda os gregos, para ordenar as coisas da política – minha
impressão é que aqueles gregos de “todas as grécias” (TOYNBEE, 1978),
passavam o tempo todo filosofando como melhor governar e para
interpretar o fenômeno do poder, onde as guerras eram o mote de sua
existência -, estabeleceram, para a melhor compreensão dos fatos, duas
formas de ver o tempo, isto é: ao tempo eterno, de longo prazo,
chamaram de CHRONUS, ao tempo presente de KAIROS. Ora. Nesta
ordem de coisas, a experiência participa como ponto de partida do
ordenamento político, da ordem institucionalizada, do conhecimento da
logística que permitirá à sociedade viver e conviver com sua escassez ou
com o seu excedente econômico. A natureza foi observada pelos gregos
como em nenhuma outra sociedade. Cito como exemplo, e apenas como
exemplo, o Corpus Hipocrático, que fundamentou a prática da medicina,
onde se encontra todas as etapas da cura, inclusive algumas práticas
como fisioterapia – desenvolvida em nosso mundo após a Segunda Grande
Guerra -, práticas esportivas racionalizadas – andar, caminhar -,
orientação para as clínicas de repouso – os SPAs da modernidade -, e tudo
o que a medicina moderna contempla.
Mas, a prática da democracia, ou da cidadania, se deu na Grécia
antiga, pela educação, que os gregos denominaram como PAIDÉIA, no
sentido da prática da educação integral. Esta paidéia representava o
ponto alto do processo educativo cidadão, onde a prática do governo era
exercitado nas ágoras, praças públicas de todas as cidades-estado do
mundo grego. De outro lado, o teatro e os jogos olímpicos, ambos
dedicados aos deuses, manifestavam para o povo, no drama – tragédia -,
a catársis, para Aristóteles, a purificação, e na comédia, a crítica aos atos
do Estado, onde, em cada apresentação, os governantes lá estavam para
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apreciar na crítica do maior dos autores, Aristófanes, as tomadas de


decisão do poder, não aceitas pelo povo.
Diante destas considerações, vou me permitir entrar em um campo
minado. E o faço baseado apenas em experiência. Pois bem. Saio da
Grécia, e vou trilhar alguns caminhos na velha Roma. Trata-se de lembrar,
pois as vezes, os técnicos que trabalham em gestão “da coisa pública” –
(lqt. RESPUBLICA), no ímpeto de se considerarem como tão somente
técnicos, crêem que estão exercendo o poder que nem sempre o têm,
esquecendo que ao exercerem funções públicas, devem ter idéias
políticas, mesmo que seus projetos, metas, e conselhos sejam destinados
a decisões que não lhes cabe ultimar, haja vista, que este é o papel dos
políticos, cuja visão do conjunto, admite-se, caber a eles, já que a eles se
deu o direito e exercer o poder e, quer queiramos ou não, o conhecimento
global da realidade. Longe de mim, atribuir neste contexto a frase de
Poincaré, ao se referir ao fracasso das estratégias tomadas pelos militares
da Primeira Grande Guerra do século XX, quando disse: “a guerra é um
assunto muito sério para ser decidido apenas por generais”. Daí
nasceram os governos civilistas, mantidos em muitos países, quando
passaram a destinar as pastas militares a políticos e não apenas aos
oficiais superiores das forças armadas. No Brasil, a primeira experiência
na República deu-se entre 1919-1922, reaparecendo com a criação do
Ministério da Defesa, em anos recentes.
Reduzindo a escala sociológica da realidade presente, a gestão
moderna vem de exigir, que os “estrátegos de escrivaninha” e
basicamente aqueles que dominam a informatização, entendam que o
mundo não é mais aquele que era. E via de conseqüência, sua missão está
mais para executivos de ações táticas, dependendo dos estrategistas
que ocupam funções superiores na escala funcional. A nova economia
encontra-se situada na geometria planetária moderna, regionalizada,
fundamentada em blocos, alguns altamente diversificados e sem
estruturas políticas amadurecidas, e face a este fato, seus planos não
conseguem sair do papel. Seus objetivos estão diluídos em razões mal
explicadas.
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Observem que os termos utilizados foram estratégia e tática. Esta


refere-se a ação no terreno. Aquela a política global a ser implantada e
que deve sempre ser revista, sob pena da organização perecer e deixar
de funcionar democraticamente. Em qualquer situação, quer nas
organizações governamentais, quer a conquista por novos mercados,
papel das empresas, mister se faz adotar logísticas claras.
Este é um outro termo que, deixando de ser utilizado somente por
militares, foi absorvido na Ciência Política e notadamente na Política
Internacional, pois determina, o que uma nação possui para se manter
ou em estado de paz ou em estado de beligerância. Em ambos os casos,
trata-se de saber quanto tempo pode-se contar com os meios disponíveis,
até impor a sua vontade ao inimigo ou eliminar o concorrente. Tanto na
esfera nacional quanto na livre iniciativa, a logística, isto é, os meios
disponíveis devem ser avaliados, inclusive o conhecimento e a informação
que os seus executivos detém, para a certeza do objetivo à alcançar.
Assim funcionam os Estados. . Assim funcionam as organizações. E
não é novidade. Apenas mudaram as formas de conquista, pois, a
história não para no tempo.
Na minha percepção, aí se encontra a primeira das utopias
democráticas frente a uma realidade objetiva, isto é, como e porque
tomar decisões para o cumprimento de um plano de trabalho que faz
parte de um programa estratégico de governo, independente em qual das
esferas de poder elas se encontram. Na organização empresarial, ocorre o
mesmo fenômeno em escala menor, ou até de maior magnitude,
dependendo se a corporação tiver um papel estratégico entre as demais,
frente a geometria do sistema como um todo.

Alguns conceitos

“As experiências são, portanto de muitas espécies


diferentes. O mesmo se diga das descobertas. Algumas
delas parecem como se fossem meramente um
reconhecimento ou apreensão de como é a natureza;
são lições que aprendidas por meio de um humilde
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anotar o que se passa; elas têm ares de ser não mais do


que aquilo que esteve sempre à mostra esperando
registro.”

P. B. Medawar

Sêneca, pensador latino, nas cartas a Lucílio, entendia ser “longo o


caminho dos preceitos, breve e eficaz o dos exemplos”. Para não perder
o vício do magistério, e lá vão alguns decênios de experiência, permito-me
conceituar alguns termos, utilizando o título em si: “Gestão democrática:
entre a utopia e a realidade”.
Atenho-me inicialmente ao título em seu todo, dando-me ao luxo de
formular algumas hipóteses que possam nos transportar para alguns
cenários, mais no sentido de balizar a nossa discussão, tais como: A
democracia existe de fato? A democracia é uma utopia? É possível gerir
empresas e governos utilizando marcos referenciais teóricos que possam
levar ao bom termo a gestão dos negócios privados ou públicos? Seria a
democracia, mesmo utópica, o instrumento adequado para o sucesso das
organizações?
Vejamos o que é gestão. Segundo verbete de dicionário da língua
portuguesa,

gestão. [Do lat. gestione.] S. f. Ato de gerir; gerência,


administração. (AURÉLIO, 1986)

Por mais que modernamente se entenda a aplicação deste termo


com maior abrangência, a leitura do vocábulo nos leva até a República
Romana, onde o poder republicano, pouco tinha de democrático, mas cuja
gestão sofria o controle e a crítica do senado. Lembro que a língua grega
antiga e a moderna, não contém a palavra república, mas democracia.
Existe um Programa de Aprendizagem - leia-se disciplina -, do Curso
de Comunicação Social, área de Relações Públicas, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, que tem o seguinte título: “Gestão do
conhecimento organizacional”. Esta disciplina, Programa de
Aprendizagem, seja qualquer a denominação que as instituições de
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ensino superior queiram dar, na minha percepção, deveria ser obrigatória


em todos os cursos de ensino superior.
Vivemos um período de transformação social nunca visto até hoje.
Estamos nos comunicando em rede há alguns anos e cada dia que passa,
é possível o maior contato com o ambiente externo com mais velocidade
do que os nossos contatos com o ambiente interno. As organizações, por
incrível que pareça, estão se democratizando via rede. Contudo,
necessário se faz, controlar as nossas informações e os nossos
conhecimentos, que são verdadeiros investimentos, assegurando o
sigilo, uma vez que é por meio destes seguimentos que a difusão da
descoberta está sendo difundida. Ainda que, também na minha
percepção, esta difusão se encontre na mão de alguns privilegiados que
dominam as técnicas da informatização e utilizam este artifício para o
domínio de certas unidades do conhecimento.
Vejamos o que é democracia. Ainda que muito se tenha dito linhas
atrás. O verbete diz:

Democrática, leia-se democracia. [Do grego demokratia.] S. f.


1. Governo do povo; soberania popular; democratismo. [Cf.
Vulgocracia.] 2. Doutrina ou regime político baseado nos
princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do
poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em
essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes
e pelo controle da autoridade, i.e., dos poderes de decisão e de
execução; democratismo.

O título da palestra coloca a palavra utopia. A primeira vez que li


sobre utopia, foi a obra de mesmo nome de Thomas Morus. Confesso,
que na ocasião, vibrei com as colocações, mas, aos poucos, entendi que
utopia, se nos dermos ao trabalho de um olhar crítico, veremos que é
algo inatingível, e, no caso deste autor, concebido sob o ideário do
humanismo cristão.
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Utopia é o lugar que não existe em parte alguma; mais


estritamente, é o tipo de sociedade que não se estabeleceu em
nenhum lugar. Uma utopia é uma construção mental a que se
pode aplicar o termo ucronia, i.e., o que não se produziu em
nenhum tempo (in Dicionário de Ciências Sociais - DCS).

Conforme Karl Mannheim, sociólogo alemão, carro chefe da


sociologia do conhecimento, “um estado de espírito é utópico quando se
revela desproporcional com respeito à realidade dentro da qual ocorre....”.
Para Platão, a cidade por ele concebida na República (entenda-se a
cidade-estado, a polis grega, cuja tradução literal deveria ser O ESTADO),
chega a “perfeição de uma estátua de Fídias. Funciona mentalmente como
uma engrenagem sem índice de atrito” (in DCS). Só que Platão vivia em
uma área geográfica, cuja geopolítica era limitada ao mundo grego, onde,
mesmo tendo-se inventado a democracia, poucos decidiam pelos muitos.
Nos dias em que vivemos a prática da democracia pode ser vista
como uma verdadeira utopia. Vive-se, antes se tendo lutado para
retornos aos estados de direito, ou para que os estados de direito não
venham a desaparecer, fenômeno este que não se manifesta ou se
manifestava somente na América Latina, mas, também na África, no
Oriente Crescente, na Ásia – e pouco se fez até agora -, no sentido de
fazer com que a plenitude da democracia seja exercitada conforme a
própria utopia democrática vislumbra. Diria que o não exercício pleno da
democracia seria o mesmo que retornar à barbárie política.
De outro lado, vou me aventurar a um matrimônio entre a política e
a economia, contemplada na denominação clássica economia política. E
me pergunto, de que adianta ter-se plena liberdade política, se não
houver liberdade econômica – renda suficiente –, para se poder adquirir
os bens básicos para a sobrevivência da maioria dos homens deste
planeta?
Como exemplo, cito os povos africanos, que se constituíram em
Estados Nação Modernos após decênios de colonização, e que, contudo
muitos de seus líderes estarem preparados para esta empreitada, ainda
não conseguiram atingir a maturidade política e via de conseqüência, a
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melhor ordem econômica que os colocaria em patamares dignos de suas


ambições libertárias. A maioria das nações africanas detém algum tipo de
democracia, camuflada, o que as tornam utópicas frente as exigências
internacionais. Lembro a Turquia moderna, que é candidata a integrar a
União Européia, e que, pelo estatuto do Direito Comunitário Europeu,
ainda não atingiu a maturidade política, principalmente no tocante as leis
que regem o direito dos cidadãos quanto aos seus direitos civis, onde a
mulher é a mais atingida neste contexto. Os consultores e politicólogos a
União Européia, admitem cerca de 15 anos, o tempo para a Turquia se
adaptar as normas da organização, antes de integrar-se a ela.

Outro termo do título desta conferência é realidade. Vejamos o que


diz o dicionário:

realidade. S. f. 1. Qualidade de real. 2. Aquilo que existe


efetivamente; real. ... {em filosofia} juízo de realidade. O que
enuncia um fato ou uma relação entre fatos. (Opõe-se a juízo de
valor), que significa, o que enuncia uma apreciação (AURÉLIO,
1986).

Uma determinada realidade deve ser analisada em todas as suas


nuances. Só que observar realidades e trazer a luz o que cada uma delas
representa efetivamente, depende do olhar ótico que por sua vez,
depende do conhecimento teórico que cada observador possui. A mesma
realidade pode ser vista de várias óticas. O cuidado da observação deve
ser levado em conta, no sentido de evitar conclusões precipitadas.
Posições filosóficas não devem ser intempestivas. Em política, é comum
distorcer fatos, mesmo em nome da democracia, e daí é que ela se torna
utópica, quando certos atos não legais, são denominados de legítimos, e
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nada pior do que afirmar que um golpe de estado, por mais necessário
que venha a ser, é um ato legal, pois, ausente de legitimidade.
Mesmo que a legitimidade deva anteceder a legalidade, necessária
é, uma parceria indissolúvel entre ambas. Este preceito vale para todas
as organizações. É o que mais se erra quanto juízos de valor são utilizados
para observar realidades que não merecem as intervenções que muitas
vezes se cometem.
Retorno aos gregos: sincronia, diacronia, chronus, kerós, paidéia,
democracia, utopia, enfim, tudo o que se deve descobrir, investigar,
avaliar, analisar, no sentido da veritas, a verdade.

Conclusão

“O que importa na cidade é o centro da administração,


a pólis ou a ástu, e, como um ou outro desses termos
se aplica a toda a região, os cidadãos são chamados ora
de astoí, ora de polítai.”

Gustave Glotz

Após todo este tempo explanando pontos de vista, citando autores,


idéias, ouso me questionar, no pensamento de Descartes que disse: “a
dúvida é o início do conhecimento”.
Vou ater-me basicamente a democracia - ainda que eu tenha
convivido por forças das circunstâncias, a metade dos anos de minha vida
com as ditaduras ou os autoritarismos -, sempre entendi que este
regime político é o mais pertinente para ser praticado pelos homens. Por
outro lado, sendo de descendência grega e tendo a Grécia antiga
inventado este regime, e Aristóteles ter comprovado ser o melhor de
todos os que os homens criaram e vem sendo praticado até os nossos
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dias, nada mais adequado do que explanar a respeito. E a maior razão


deste fato é que tenho me dedicado ao estudo da Ciência Política, por
alguns anos, e procurando entender as suas variáveis e a sua dinâmica,
onde, não encontrei nada melhor do que a democracia. Temo, às vezes,
certos ímpetos de democratites, digamos, excesso de liberdade, que se
confunde com permissividade. Infelizmente, em nome de uma maioria,
minorias sobressaem-se em excessos e não entendem que o exercício da
democracia está em estabelecer os limites dos direitos de uns quando
terminam os dos outros. Por outro lado, é necessário também entender
que deveres fazem parte das relações entre cidadãos, entre estado e
cidadãos, e entre membros do estado, estes, dirigindo a respublica – da
coisa pública -, responsáveis pelas decisões que devem ser sábias,
isonômicas, eqüitativas e justas.
Vocábulos como democracia, democrático, sistemas e regimes
políticos, sempre fizeram parte de meu cotidiano. Entretanto, o que mais
me preocupa, são os títulos dos livros e dos artigos sobre a matéria. Há
anos que os autores, na maioria professores universitários e consultores
de empresas, escrevem seus livros e dão-lhes títulos como que pregando
o fim de tudo, como se o mundo estivesse a mercê dos cavaleiros do
apocalipse. Entre tantos títulos, lembro os livros de Revel, “Como
terminam as democracias”, ou o “Como renascem as democracias” de
Rouquié, Lamounier e Schvarzer (organizadores), ou ainda “A democracia
no Brasil” de Wanderley Reis e O´Donnel (Org.); Touraine, muito festejado
no Brasil mesmo que seus pontos de vista não coincidam totalmente com
o que se vive em matéria de práxis política neste país da “luso-
tropicologia”, segundo Gilberto Freire, em sua obra “O que é a
democracia?”, o autor entende que “a democracia é uma idéia nova”, e o
afirma com base no desmoronamento dos autoritarismos de esquerda na
Europa, a partir dos anos 1990.
Eurípides, dramaturgo grego, afirmava que “cada novo dia permite
que se aprenda algo de novo”. Sem querer ser negativista, os exemplos
nos levam a observar certo perigo, quando se trata de exercitar a
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democracia em sua plena concepção, e a democracia torna-se libertina,


quando ausente de vigilância.
Entendo que o mundo está dividido politicamente em três categorias
de pessoas, onde há um componente institucional, sem o qual a sociedade
não se firma. Trata-se do Um, o governo constituído, dos Poucos, os
privilegiados e dos Muitos, os que não tem poder para quase nada, além
de votar em maioria, se soubessem exercer o voto majoritário, sendo que
em muitas sociedades, não votam, porque não se lhes deram tal direito,
não estão aptos a participar diretamente do processo democrático.
Remontando a Grécia de Péricles. As informações nos dizem que a
cidade-estado de Atenas, era o maior aglomerado humano de todas as
grécias. Entretanto, dos 250.000 habitantes que lá viviam 10.0000 eram
os homens livres, 40.000 os métecos – estrangeiros -, e 200.000 os
escravos. Entenda-se que escravo na Grécia antiga, não tinha a mesma
conotação de outras culturas. Eram artesãos, professores, mestres de
artes, em sua maioria. Os estrangeiros, como os escravos, não tinham os
mesmos direitos dos cidadãos livres. Será que a utopia democrática
começou por aí? Será que a maioria dos cidadãos, com o seu voto,
efetivamente conseguem ter a representatividade que merecem? No
mundo moderno, quando se trata de nações com milhares de habitantes,
seccionadas em áreas urbanas, metropolitanas, rurais, suburbanas e
outras denominações que a geografia consagra, como se poderá alcançar
a democracia plena, sem relacioná-la com a utopia em realidades as mais
distintas de geopolítica mundial?
Todas as democracias do mundo assim se formam, se formaram e
podem ser destruídas, se não forem vigiadas. O exemplo da República
Veneziana, a mais próspera República Mercantilista que o mundo viu até
os nossos dias, viveu cerca de 800 anos, porque o Um em consonância
com os Poucos, formularam um pacto democrático na escolha do Doge,
que governava após eleito, como se ditador fosse. Portugal foi em seu
período áureo, uma potência européia, haja vista que seu império foi o
mais longo império colonial que existiu após os descobrimentos. Só que o
Reino português, quando se tratava de estabelecer normas de gestão para
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as “terras de além mar”, tratava-as como a continuidade de seu quintal, o


que levou o Brasil pós-independência a ficar à margem da história, e por
tradição, a manter um estado de centralização burocrática, mesmo tendo
adotado o federalismo com a República. Esta não é uma das utopias
democráticas, vigente há muitos decênios na realidade brasileira?
Para não fugir a regra, o que acontece com a democracia
americana? Como votam os cidadãos daquela nação? Simples. A
democracia americana é tão utópica, na medida em que votar é uma
obrigação cívica não obrigatória, e onde o voto majoritário depende da
escolha do colégio eleitoral que pode ter mais força do que o voto da
maioria. Daí, o poder judiciário de um município, em um Estado da
Federação Americana de menor importância econômica e eleitoral, decidir
em sentença prolatada, os destinos de uma nação inteira, em nome do
direito de igualdade firmado pelos pais da pátria que proclamaram uma
Constituição em 1776, imutável até o presente. Esta é a garantia da
representação local e regional americana. È a força do Federalismo, em
sua verdadeira concepção.
Venho defendendo uma velha tese que não é de todo minha, mas,
que passei a acreditar nela, dentro de minha experiência de planejador
governamental. Acredito no município. Estou convicto que a menor
unidade político-administrativa adotada no país, deva ter maior
autonomia. Creio que é necessário um esforço para a mudança de
mentalidade na gestão da cidade. Acredito na força do município, como
acredito que a gestão municipal não está ausente de críticas devido à
carência de recursos disponíveis nesta esfera de governo. Em alguns
municípios, considerando a sua grandeza, muitas funções foram criadas
como se fossem governos estaduais. Até ai, tudo bem. Só que a
megalomania se estendeu aos municípios menores, criando cargos e
funções, como se estados federados fossem, só para seguir uma
interpretação de um preceito que diz que em esferas menores, a
administração deve acompanhar a esfera maior.
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Este é uma das utopias democráticas que está fora da realidade


local ou regional, já que leva a aumentos consideráveis nas despesas, no
não cumprimento de planos, de promessas eleitorais e quejandos.
Nos últimos anos, uma enxurrada de livros oriundos de países ricos,
vem inundando as livrarias. Alguns deles, tipo literatura de aeroporto, com
destino certo: atender executivos que desejam se inteirar dos cataclismas
que advirão, e para onde vamos. Na perspectiva de alguns autores, tratam
de relatar o fim de tudo. Grande parte destes autores são intelectuais
consagrados, que se transvestem como os cavaleiros do apocalipse – em
grego, apokálipsis, descoberta -, e que escrevem no sentido mais de
preocupar mentes ocupadas com problemas que não dizem respeito ao
seu cotidiano. E vendem. Segundo Vargas Llosa, romancista peruano,
“todo autor só será bem sucedido, se relatar as misérias e as amarguras
do povo e do mundo”.
Cito alguns títulos, a título de, digamos, cultura subjacente.
Fukuyama com o seu “O fim da História; Kennedy, Ascensão e queda das
grandes potências; Omae, com O fim do Estado-Nação; Nye Júnior, O
paradoxo do poder americano; Huntington, O choque de civilizações;
Bloom, A decadência da cultura ocidental (a edição portuguesa traduziu
por A Cultura Inútil); Casper e Von Humboldt, Um mundo sem
universidades; Kourganoff, A face oculta da universidade; Drucker, As
novas realidades. Há quem esteja atrás dos que pensam e intitulam suas
obras com títulos de impacto como: Os últimos intelectuais de Jacoby; A
sinecura acadêmica, de Campos Coelho; as crises da América latina, da
Ásia, dos ex tigres, pelo jeito que as coisas vão, parece que o marketing
garante o sucesso mesmo que tenham se transformado de tigrões de
Bengala em modestas jaguatiricas mato-grossenses. Como a moda agora
é cognominar qualquer crise com a denominação de tsunami, parece que
estamos vivenciando um novo apocalipse, manifesto nas crises, mudanças
e dias sombrios que poderão advir.
Culpa da democracia? Responsabilidade da utopia? Retorno aos
gregos. E como eles se perguntavam, pergunto eu: qual o melhor regime
para o exercício pleno da cidadania? Como ocorre nos dias de hoje, os
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gregos se perguntavam qual o “verdadeiro sentido da instituição?”


(BARKER, 1978). No mesmo autor lê-se: “qual o melhor estado? Já que os
requisitos para a cidadania eram diferentes em Atenas, Tebas e Esparta”.
Outra questão deve ter sido um encanto para os gregos, quando se
perguntavam “qual das formas existentes está mais próxima da
perfeição?” (BARKER, 1978). Vejam que estes questionamentos referiam-
se a tirania siracusiana, a oligarquia e timocracia de Esparta, comparadas
com a democracia ateniense, modelos estes, inaceitáveis por Platão, que
considerava espúrias haja vista afastarem a sabedoria e a ignorância ser a
regra da vida política.
Assim como na Grécia antiga desenvolveu-se um “ethos” particular,
ligado a conduta englobada por um código ético, assim também, deve-se
praticar a democracia nos dias de hoje, com os mesmos valores,
postulados, princípios fundamentados na ciência política. O próprio
Aristóteles não via nenhuma diferença entre a ética e a ciência política.
Sua obra a POLÍTICA, é o primeiro marco histórico de uma nova ciência
que só seria consagrada como título de disciplina isolada, modernamente,
a partir de meados do século XX, após mais de 25 séculos de quando
apareceu pela primeira vez.
A democracia deve estar imbuída e atrelada à arete – virtude -, que
atribui distinção entre a teoria da Lei moral e da Lei civil, definida pela
trilogia: “ela é a teoria do Estado, da moral e do direito” (BARKER, 1978).
Em minha humilde percepção, aí está a relação fundamental entre a
realidade, a utopia e a gestão democrática.
Termino citando Platão: “uma cidade é feita de idéias, portanto,
nunca construída de fato, por isto erigida para sempre” (in Livro IX da
República, leia-se o Estado).

Referências

BARKER, Sir Ernest. Teoria política grega. Brasília.Editora Universidade de


Brasília, 1978.

DAHL, Robert A. Sobre democracia. Brasília, Editora UNB, 2001.

---------------- Um prefácio à democracia econômica. Rio de Janeiro, Zahar


19

Editores, 1990.

FINLEY, M. I. Uso e abuso da história. São Paulo, Livraria Martins Fontes


Editora, 1989.
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Áster, 1975.

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1982.

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1984.

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Paulo.
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1984.

TOURAINE, Alan. O que é democracia? Petrópolis, Vozes, 1996.

WANDERLEY REIS, Fábio et ali (org). A democracia no Brasil – dilemas e


perspectivas. Rio de Janeiro, Vértice, 1988.

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