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SOBRE A AUTORA
K EI C YA N E T EI X EI R A

Baiana, mas brasiliense de coração. Graduanda em Jornalismo pela Faculdade


Anhanguera de Brasília, costuma dizer que o Jornalismo a escolheu, já que o amor pela
profissão é visível. O gosto por escrever esteve sempre presente e viu nesse projeto
a oportunidade de contar histórias de vida de pessoas que lutam, todos os dias, para
serem aceitas apenas por amar.

Foto: Patricy Albuquerque

© 2017. Keicyane Teixeira.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do autor.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n° 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
AUTORA
K E I C YA N E T E I X E I R A

ORIENTAÇÃO
RODRIGO ARDENGHI PAEL

REVISÃO
RODRIGO ARDENGHI PAEL

CAPA, PROJETO GRÁFICO E


DIAGRAMAÇÃO

© 2017. Keicyane Teixeira.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização do autor.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n° 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
AGRADECIMENTOS

A todas as personagens que permitiram-me retratar


suas histórias de vida e aos demais entrevistados.
Agradeço pela atenção e disponibilidade.

Ao meu orientador, Rodrigo Ardenghi Pael, por


todo o aprendizado nos últimos meses.

Para as minhas supervisoras de estágio, Lívia e


Mônica, por todas as dicas e aprendizado.
E por me deixar utilizar as horas vagas para a
confecção do meu projeto.

Aos meus amigos, que tiraram um tempinho


para ler o meu projeto, ainda em andamento.
Agradeço pelas dicas e críticas construtivas.

Todo esse apoio e aprendizado me fez crescer


profissional e pessoalmente. Gratidão a todos.
ÍNDICE

21
INTRODUÇÃO

COMUNIDADE LGBT, 21
O MOVIMENTO LGBT NO BRASIL, 22
GRUPO DE AÇÃO LÉSBICA FEMINISTA, 25

29
“DECIDI QUEM NINGUÉM NUNCA
MAIS IA ENCOSTAR A MÃO EM MIM”

35
“EU ME SINTO DIFERENTE, COMO
SE NÃO FOSSE DA FAMÍLIA”

39
“MINHA MÃE FALECEU
SEM ACEITAR QUEM EU SOU”
43
“MEU PAI COMEÇOU A ME TRATAR
NO MASCULINO. COMO SE SÓ
POR EU GOSTAR DE MENINAS ME
TORNASSE UM GAROTO”

47
“A LESBOFOBIA É VISTA MAIS COMO MACHISMO. PORQUE
JÁ ROLOU VÁRIAS VEZES DE EU TÁ ANDANDO COM A
MINHA NAMORADA E CHEGAR CARA, DO NADA, E TIPO
PERGUNTAR ‘POSSO PARTICIPAR?’”

51
CASO KATYANE CAMPOS DE GOIS E A
INVISIBILIDADE DO ESTADO

61
LESBOFOBIA E O ESTUPRO CORRETIVO
Dedico esta obra para a minha mãe, Sueli,
(in memoriam). Busco, em meio a tantas
lembranças, a força que preciso para
seguir em frente.

Ao meu pai, Zacarias, e minhas irmãs Joice


e Karla por todo o apoio. Vocês são os que
tenho de mais importante no mundo.
“UMA MULHER AMAR OUTRA MULHER,
EM UMA SOCIEDADE EM QUE MULHERES
ANA CLÁUDIA BESERRA, MEMBRO DO
SÃO CRIADAS PARA SEREM RIVAIS, É COLETIVO COTURNO DE VÊNUS
REVOLUCIONÁRIO. SAPATÃO É RESISTÊNCIA.
SAPATÃO É REVOLUÇÃO.”

16 17
Fragmentos da Lesbofobia

INTRODUÇÃO
COMUNIDADE LGBT

A Comunidade LGBT é um grupo formado por lésbicas, gays, bissexu-


ais, transexuais e simpatizantes, e não é necessário ter características ou traços
homossexuais para identificar-se no conceito. Simpatizantes são englobados na
comunidade, pois prestam seu apoio.
O movimento em defesa dos direitos civis dos homossexuais, transgê-
neros e bissexuais surgiu na Europa, no século passado, e teve como bandeiras o
respeito e a defesa dos homossexuais. Em 28 de junho de 1969, gays que estavam
no bar Stonewall, em Nova York, rebelaram contra a perseguição de policiais.
Sendo assim, celebra-se nesta data o “Dia do Orgulho LGBT”.
Entenda melhor cada um dos elementos desta sigla:
1

• LÉSBICA - A mulher homossexual, cujo amor e atração física pertence ape-


nas a outras mulheres. A origem do nome lésbica vem da ilha grega Lesbos, onde
vivia a deusa Safo. Responsável por escrever poemas que refletiam um amor se-
xual entre ela e outras mulheres.

• GAYS - São homens que sentem atração física e sentimentos de amor por pes-
soas do mesmo sexo.

• BISSEXUAIS - São pessoas que manifestam tendência afetiva sexual com


membros de ambos os sexos. Estudada por profissionais, esta orientação sexual é
motivo de dúvida para uns e certeza para outros.

• TRANSGÊNEROS - São pessoas que possuem identidade de gênero dife-
rente do nascimento, porém não desejam viverem e serem aceitos como pessoas
do sexo oposto. Um exemplo são as drag queens, que vestem-se como alguém do
sexo oposto apenas por prazer ou profissão.

• TRANSSEXUAIS - São pessoas que possuem identidade de gênero dife-


rente do nascimento. Destacam-se pelo desejo de viver e ser aceito como alguém
do sexo oposto. A transexualidade ainda é reconhecida como um transtorno de
identidade de gênero pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

1
Com informações do site lgbt.pt

19
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

• SIMPATIZANTES OU MILITANTES - São heterossexuais que não pos-


suem preconceito com pessoas da comunidade LGBT. Os simpatizantes apoiam a
legalização dos direitos homossexuais, sem estarem relacionados a eles.
No Mundo, os direitos LGBTs são variáveis. Em países como Arábia
Saudita, Mauritânia e Iêmen a homossexualidade é condenada por meio de pena
de morte. Em contrapartida, países como Canadá, Espanha, Holanda e Portugal,
o relacionamento homoafetivo é aceito.

O MOVIMENTO LGBT
NO BRASIL

A década de 1960, no Brasil, foi marcada pela ditadura militar. Um mo-


vimento estudantil ganha visibilidade nessa época, mesmo que a repressão tenha
durado por quase 20 anos. Na metade da década de 1970, surgiu o primeiro mo-
vimento homossexual do Brasil, o Somos - Grupo de Afirmação Homossexual,
de São Paulo. As reuniões aconteciam em bares e clubes, com circulação de publi-
cações com conteúdos homossexuais. Os periódicos serviram de informação na
fase inicial da organização.
O Somos foi o primeiro grupo politizado no Brasil, criado entre os anos
2

de 1978 e 1979, em meados do regime militar, era composto por estudantes, bancá-
rios, escriturários e intelectuais que se reuniam semanalmente em São Paulo. Fo-
ram idealizadores do periódico “O Lampião da Esquina”, destinado para publicar
discursos sobre sexualidade, artes, discriminação racial, ecologia e machismo.
Fundado em 1978, o Lampião da Esquina foi o primeiro periódico desti-
nado à homossexuais, com circulação nacional e fazia parte da imprensa alterna-
tiva da época. Criado com o intuito de fazer oposição à ditadura militar, o jornal
servia para denunciar abusos contra LGBTs. Um exemplo foi a prisão abusiva
de lésbicas devido a sua orientação sexual em 1980, em São Paulo, apelidado de
“Operação Sapatão”.
3

Lampião da Esquina, agosto de 1978. Foto: Reprodução/Jornal Nexo Digital


2
Com informações do arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade de Campinas (Unicamp).
3
Com Informações do jornal digital Nexo. Disponível em <https://goo.gl/RQd652>

20 21
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

O Somos permaneceu com suas atividades e uma sede foi criada, em


São Paulo, com eventos culturais, reuniões de conscientização, além da publica-
ção do boletim “O Corpo”. Entretanto, em 1984, o grupo chegou ao fim.

GRUPO DE AÇÃO
LÉSB I C A FEM I N I STA

Ainda na época da ditadura militar, início da década de 80, as mu-


lheres do Somos criaram o grupo Lésbico Feminista (LF), a primeira auto-or-
ganização de lésbicas do Brasil. Quando o Somos chegou ao fim, algumas mi-
litantes do LF deram continuidade à organização. O Grupo de Ação Lésbica
Feminista (Galf) surgiu em São Paulo, no ano de 1981, com o objetivo de defen-
der as mulheres lésbicas.
Em 1979, o Galf conseguiu espaço no Lampião da Esquina, onde teve
o artigo “Não somos anormais” publicado pela primeira vez. Foi daí então que o
grupo decidiu criar, em 1981, o jornal Chanacomchana, vendido no Ferro’s Bar,
local que costumava ser frequentado por lésbicas no centro de São Paulo. 4

Sua venda não era permitida pelos donos do local, o que resultou em ex-
pulsão das militantes à época. Em 19 de agosto de 1983, integrantes do Galf, com
apoio de outras feministas e de gays, fazem ato político e conseguem reverter a
proibição. A manifestação teve repercussão nacional e foi comparada à Revolta de
Stonewall. Anos depois, militantes na causa decretaram 19 de agosto como o “Dia
do Orgulho Lésbico”, reconhecido em São Paulo, pela Assembleia Legislativa.
5

Capa do jornal Chanacomchana. Foto: Reprodução/Jornal digital Nexo


5
Com Informações do jornal digital Nexo. Disponível em <https://goo.gl/RQd652>

22 23
“LESBOFOBIA: É O MEDO QUE AS MULHERES
TÊM DE AMAR OUTRAS MULHERES, ASSIM CYNTHIA PETERSON, PROFESSORA DE DIREITO
NA UNIVERSIDADE DE OTTAWA
COMO O MEDO QUE OS HOMENS TÊM DAS
MULHERES NÃO OS AMAR.”

24 25
CAMILA ROCHA. FOTO: REPRODUÇÃO / ARQUIVO PESSOAL Fragmentos da Lesbofobia

1
“D E C I D I Q U E M N I N G U É M N U N C A
M A I S I A ENCOSTA R A M ÃO EM M I M”

D
esde o início da adolescência, a estudante de Estética e Cosmética Ca-
mila Rocha, de 24 anos, sente na pele a dor de não ser aceita por parte
da família por ser lésbica. Filha de pais separados, os problemas come-
çaram quando ela precisou morar com o pai, aos 13 anos.
A estudante era obrigada a se conter, principalmente quando estava na compa-
nhia do pai e em ambientes familiares. “Eu sempre vi mulheres com olhos di-
ferentes. Aquela beleza sempre me atraiu e acho que meu pai sempre viu que eu
era diferente. Por isso, nas rodas de amigos, sempre que surgia esse assunto de
homossexualidade ele sempre fazia questão de falar em alto e bom tom que se eu
inventasse essas palhaçadas ele resolvia meu problema. Que gay é falta de surra”,
completa a estudante ao relembrar do passado.
Camila convivia com o pai, que é uma pessoa extremamente agressiva
até hoje. Teve seu primeiro confronto com ele quando completou 16 anos. “Ele
tinha a mania de querer fiscalizar a minha vida e por isso mexia nas minhas coi-
sas. E achou uma carta que uma namorada tinha escrito para mim. Tomou meu
celular e verificou minhas mensagens e eu apanhei uns dois dias”.
De acordo com os resultados da Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que realizou pesquisa com pais de
estudantes entre 10 e 24 anos, há uma grande dificuldade quanto a aceitação por
parte dos familiares. Os dados foram publicado no livro “Juventude e Sexuali-
dade”, sendo que o número de pais que mencionam não gostar que homossexuais
fossem colegas de escola do seu filho está entre: 47,5% em Fortaleza e 22,2% em
Porto Alegre.
6

6
ABRAMOVAY, M. Juventude e sexualidade. Brasília. Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2004.

27
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

a bíblia repudia a homossexualidade serve apenas como desculpa à aversão e à


prática de atividades contra os homossexuais. 8

Se uma mulher, seja ela lésbica ou bissexual, demonstrar que não tem
a vocação do feminino que é esperado dela, já se torna motivo suficiente para
colocá-la em situação de risco extremo. É o que explica Liz-Elainne Mendes, pro-
motora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação
do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (NED/MPDFT), porque
“ela não está autorizada, sob nenhum aspecto, a não corresponder ao estereótipo
da mulher exigido em uma sociedade machista, androcêntrica como a nossa”. [...]
“Tudo isso tem trazido um sofrimento psíquico, é uma violação. É como se a liber-
dade pra ela fosse diferente, fosse condicional”, completa a promotora.
“Me lembro também de um episódio onde fomos a uma festa de casa-
mento. E quando começou a tocar funk [...] me puxaram para uma roda. [...] E
quando cheguei em casa, apanhei sem motivo algum na cara. Levei uma surra
com o sapato social que ficou marcado por alguns dias”, a estudante relata mais
Pesquisa feita com pais de alunos do ensino fundamental e médio, nas principais capitais brasileiras,
segundo a indicação de que não gostaria que homossexuais fossem colegas de classe de seus filhos. Fonte: uma das agressões por parte do pai. “E a vida era assim, pisando em ovos e sem-
Unesco, Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas.
pre pensando como ele poderia interpretar cada passo meu. Porque a qualquer
momento eu podia apanhar. Mas eu nunca me calava quando ele vinha com as
A situação vivida pela estudante foi suficiente para despertar fúria em agressões e por isso apanhava mais”.
seu pai, que insistia em saber onde sua namorada morava. “Cada vez que eu re- Mesmo em meio à situação conturbada em que vivia com o pai, Camila
cusava a dizer era uma agressão nova. Cintadas, chineladas, puxões de cabelo, ressalta que “a única coisa boa disso tudo foi o apoio que recebi da minha mãe.
ameaças… Depois disso, minha vida passou a ser um inferno. Não podia ter amigas Eu tive que contar pra ela que eu ficava com mulheres, porque minha avó me viu
mulheres porque para ele sempre tinha algo a mais”, explica. ficando com uma garota na escola”. Por medo, a madrasta e o irmão raramente se
Depois do ocorrido, Camila tomou a decisão de se afastar dos amigos, intrometiam. Diferente da sua mãe que deu todo o apoio. “[...] Contou a todos os
independente do sexo. Como a estudante temia envolver mais alguém na sua situa- meus familiares maternos, para caso alguém tivesse problemas com isso já avisar
ção, contatos com amigos da escola passaram a ser superficiais. “Nesse tempo, meu logo, pra ela não perder tempo frequentando a casa de alguém que não aceita a
pai decidiu virar evangélico porque, segundo ele, Deus iria me curar. E começou a filha dela”. A estudante ressalta que pode ser ela mesma quando está ao lado dos
me obrigar a ir para a igreja todos os domingos com ele. Se eu recusasse, apanhava”. parentes maternos.
[...] “Ele só parou de me obrigar a ir quando viu que eu estava me envolvendo no gru- Para Camila Rocha, os piores momentos vieram aos 18 anos de idade,
po de jovens da igreja, mas apenas por interesse em uma menina, que tinha todos quando se envolveu com uma mulher e seus parentes paternos descobriram. “Me
os estereótipos que a sociedade classifica como sapatão”, confessa Camila. obrigaram a contar para o meu pai. Com medo do meu pai descobrir que eles sa-
A rejeição à homossexualidade por parte das instituições religiosas é biam e sobrar pra eles, contei. Ele conseguiu ser mais agressivo do que das outras
seguida pela sociedade que se recusa a contrariar a igreja. O que faz com que 7
vezes”. Nesse momento, a estudante lembra que apanhou por quatro dias segui-
muitos cristãos acredite que Deus possa curar os homossexuais. A ideia de que dos. O suficiente para deixá-la com marcas no braço, no rosto e com as costas

7
MEDEIROS, A. A evolução histórica da intolerância à homossexualidade. 8
MEDEIROS, A. A evolução histórica da intolerância à homossexualidade.
Jusbrasil, 2015. Acesso em <https://goo.gl/fsRFyr> Jusbrasil, 2015. Acesso em <https://goo.gl/fsRFyr>

28 29
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

cortadas de cinto. “Pela primeira vez, alguém interferiu. Meu irmão disse que ia sofreu preconceito ou agressões nas ruas e reforça que “o que mais me marca e me
chamar a polícia. Ele saiu de casa, mas quando voltou começou tudo de novo. Eu pesa realmente são os acontecimentos que ocorreu dentro de casa. E que ainda
lembro que comecei a apanhar na sexta-feira e seguiu até segunda-feira”. hoje, ele tenta tirar a culpa dele me falando e falando para os outros que eu saí de
O momento de agressões contínuas foi o impulso que faltava para Camila casa por ser revoltada, pois ele nunca me expulsou. Como se precisasse expulsar”.
decidir sair de casa. Mesmo sem nunca ter trabalhado, a estudante determinou que
mudaria sua história dali para frente. “Decidi que nunca mais ninguém ia encos-
tar a mão em mim e fui pra casa dessa minha namorada, que seria o único local a
onde meu pai não ia me encontrar”. Camila acrescenta que mesmo com as amea-
ças constantes do pai, que ameaçava chamar a polícia, ela não voltou atrás da sua
decisão. “Falei que podia chamar, que aí ele seria preso por todas as marcas que eu
estava no corpo”, finaliza a estudante, ao relatar mais um episódio vivido.
Quando uma mulher lésbica sofre ameaça, agressão física ou agressão
verbal, é alvo de piadas machistas e de diversas formas de ofensa verbal e não-
-verbal ela está sendo vítima de lesbofobia. Segundo o Portal Sapatomica, “tal
agressão pode ser feita por pessoas desconhecidas ou conhecidas, até mesmo por
um parente seu, membro da família. Ou seja, a lesbofobia é qualquer manifesta-
ção discriminatória ou vexatória por causa da orientação sexual de uma garota
ou de duas garotas que estão juntas”.
9

Dois anos depois da última agressão, já com 22 anos, Camila volta a fre-
quentar a casa do seu pai aos fins de semana. Mesmo após passar por todas as
fases ruins, a estudante confessa que não se rebaixa e não aceita mais nenhuma
agressão que venha dele. “Faz um ano que retornei a casa dele, devido a uma sín-
drome do pânico que desenvolvi, pois fui assaltada dentro do meu apartamento,
onde morava sozinha”.
Ela conta que não recebe mais agressões físicas, mas as psicológicas e
ameaças persistem em acontecer às vezes. “Além da falta de liberdade que eu te-
nho de poder falar ao telefone com alguma mulher, sair ou até mesmo convidar
pra vir aqui em cara curtir uma piscina, tomar uma cerveja. Mesmo que seja ape-
nas amiga”, completa a estudante.
Assim como Camila Rocha, muitas mulheres são criadas desde crian-
ça para tornarem-se boas esposas, boas mães e boas donas de casa. Por isso os
pais de mulheres lésbicas muitas vezes não sabem lidar com a sexualidade não
normativa de suas filhas. A estudante finaliza sua história ao contar que nunca
10

9
Com informações do Portal Sapatomica. Disponível em <https://goo.gl/gjuXUZ>
Camila Rocha, 24 anos, estudante de Estética e Cosmética durante Parada do Orgulho LGBT em Brasília,
MARCELINO, S. R. S. Entre o racismo e a lesbofobia: relatos de ativistas negras lésbicas
10
Distrito Federal.Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal
do Rio de Janeiro. Niterói, 2016. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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VIGÍLIA FEMINISTA EM SAMAMBAIA. FOTO: FACEBOOK / COTUENO DE VÊNUS Fragmentos da Lesbofobia

2
“E U M E S I N T O D I F E R E N T E , C O M O
SE N ÃO FOS SE DA FA M Í LI A”

M
ulheres lésbicas são inexistentes para o poder público, para o esta-
do, enfrentam preconceitos no ambiente de trabalho, são vítimas
de violência moral e física e, muitas vezes, não são aceitas pela fa-
mília. A estudante Caroline Reis * é lésbica. Foi mais uma dentre
11 12

as tantas mulheres vítimas de lesbofobia no Brasil. Ela, que preferiu não se iden-
tificar, sofreu preconceito por parte da mãe, quando ainda estava no início do
ensino médio.
“O boato que eu era lésbica já tinha se espalhado na rua toda e chegado
nos ouvidos dela. No início da conversa, eu perguntei se ela me amava, por carência
mesmo e pra contar que eu decidi cursar algo que não dava lucro, que era licencia-
tura”, começa Caroline, ao relembrar de quando decidiu falar com a mãe sobre seu
futuro acadêmico. A estudante completa que sabia que a mãe não dava importância
para isso de profissão que não dá dinheiro, mas preferiu conversar antes, pois que-
ria ter certeza do apoio dela. Mas, a reação foi diferente da esperada por Caroline.
“Ela começou a gritar ‘se for pra falar que gosta de mulher, não vem’”, conta.
O Brasil está habituado a diversas crenças religiosas e culturais. Essas es-
pelham em seus fiéis estereótipos de acordo com seus segmentos e assim, reforça
o preconceito com determinadas situações da sociedade. O preconceito e violência
contra a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT)
é um exemplo vivo do espelho desses estereótipos impostos à sociedade. 13

Reis confessa o quanto ficou abalada com a atitude da mãe, a qual não
era esperada por ela. Ela lembra que mesmo na inocência questionou tal atitude
e foi pega de surpresa pela resposta da mãe, que nem ao menos a deixou explicar

11
Com informações do portal Rede Brasil Atual. Acesso em <https://goo.gl/T8AfE5>
12
* Nome fictício para preservar a identidade da personagem.
13
RESENDE, L. S. Homofobia e violência contra a população LGBT no Brasil:
uma revisão narrativa. Universidade de Brasília, 2016.

33
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

o que tanto queria falar. “Ela disse ‘eu não te esperei nove meses e te criei pra ser gonhosa em que foi submetida, ela confessa que ser acusada de assédio teve um
sapatão. Isso é nojento, me dá nojo. Deus fez o homem pra mulher. Você não é ho- forte impacto na sua vida.
mem. Tem que se portar como mulher’”, finaliza Reis, ao descrever o preconceito Com o passar do tempo, entre progressos e retrocessos, muita coisa evoluiu, mas a
que sofreu no passado. homossexualidade feminina continua invisível para o estado. A sociedade nega e
A promotora de Justiça do MPDFT Liz-Elainne Mendes reforça a co- desacredita no amor entre duas mulheres. Segrega as mulheres que não cumprem
brança do feminino ao qual mulheres são submetidas, principalmente no am- seu papel na sociedade heteronormativa. São vítimas de lesbofobia diariamen-
biente familiar. “Eu não tenho diagnóstico, mas o homem homoafetivo ele, por te. A sociedade condena e julga quando elas passeiam de mãos dadas nas ruas.
incrível que pareça, ele ainda se encontra em uma liberdade maior para assumir Ofendem verbalmente quando elas se beijam em um show. Essa mesma socieda-
a sua identidade”. Liz-Elainne ressalta as cobranças que são direcionadas às mu- de acredita que lésbicas podem ser curadas ou corrigidas. 15

lheres, como a maternidade, o casamento e a figura que a mulher precisa repre- O sentimento de vergonha tomou conta da Amanda no momento em
sentar na sociedade. que foi envergonhada pela tia em público. Ela lembra que muitas pessoas escuta-
Liz-Elainne entre em detalhes também sobre a falta de liberdade que a mu- ram as acusações, inclusive a do suposto assédio. “Sinto que minha prima tam-
lher sofre para usufruir dos espaços públicos que a coletividade dispõe e que parece bém é homossexual, mas ela tem muita vergonha de se assumir. Eu não assediei
ser negado para elas. “Quando ela vai exercitar isso, ela entra em uma situação de ela. Ela quis ficar comigo. E muitas pessoas só vão saber disso quando ela se assu-
risco extremo por conta dos rechaços, das violências que ela é submetida. E os cons- mir”, finaliza a estudante.
trangimentos familiares, no meio comunitário, no meio social”, finaliza a promotora
ao frisar os impactos que são atribuídos à personalidade dessas mulheres.
Assim como Caroline, a estudante lésbica Amanda Castro *, também
14

foi vítima de preconceito no ambiente familiar. Ela, que pediu para não ser iden-
tificada, conta que foi pega pelo avô, enquanto ficava com uma prima, no início
da adolescência. “Desde então, todos têm esse receio de me deixar sozinha com
alguma menina da família. Eles não entendem que minha prima estava com
vontade de ficar comigo. Era uma vontade mútua e eu não obriguei ela.” A es-
tudante completa que sempre teve o estereótipo classificado como de sapatão e
por isso foi a única culpada.
Para Amanda, o que mais dói nessa situação é a forma em que fami-
liares passaram a tratá-la após o ocorrido. “Esse preconceito, esse olhar torto…
Me faz sentir como um monstro. Eu me sinto diferente, como se não fosse da
família”, desabafa a estudante.
A estudante desabafa sobre outra situação que também a constrangeu.
Ela relembra do dia em que estava acompanhada de uma garota, no shopping,
e encontrou com uma tia. “Ela fez o maior escândalo, falando que no futuro eu
ia me arrepender disso e de ter assediado minha prima”. Além da situação ver-

14
* Nome fictício para preservar a identidade da personagem. 15
Com informações do Portal Blogueiras Feministas. Acesso em <https://goo.gl/zyuSuU>

34 35
BANDEIRA LGBT. FOTO: REPRODUÇÃO Fragmentos da Lesbofobia

3
“M I N H A M Ã E F A L E C E U
SEM ACEITA R QU EM EU SOU ”

J
úlia Nóbrega, estudante de Jornalismo, é lésbica assumida. Foi vítima de lesbo-
fobia em casa e também na rua, sempre que saía com a namorada ou com garo-
tas que se relacionou no passado. Além da discriminação por orientação sexual,
Júlia também foi vítima de machismo e racismo. “Em casa, falei sobre a minha
sexualidade aos 18 anos. Minha mãe sempre foi muito religiosa e ela não aceitava de
forma alguma minha sexualidade”, explica a estudante.
Ser lésbica torna as mulheres ainda mais vulneráveis às diversas for-
mas de violências cometidas contra elas. Silencia o sexo, a sexualidade e omite a
violência. O corpo lésbico se torna alvo do controle da sociedade. A heterossexua-
lização imposta às mulheres lésbicas constitui essa invisibilidade e silenciamento
vindo do estado. Adentram na domesticação do corpo, nas práticas de ensino e
nas formas de punição. 16

Júlia conta que a justificativa dada pela mãe foi que ela era feminina de-
mais para gostar de mulher. E que, por já ter se relacionado com homens no pas-
sado, ela não poderia se sentir dessa forma. “Meu irmão também é gay. E ela dizia
aceitar mais sobre ele, porque ele gostava de brincar com boneca quando criança.
E eu nunca tinha demonstrado que curtia coisas de homem. [...] Até que um ano
depois, mais ou menos, minha mãe faleceu sem aceitar quem eu sou”, desabafa a
estudante, que relembra uma das vezes em que foi vítima de lesbofobia.
Mulheres com orientação sexual diferente da heterossexual tendem a ser
ignoradas ou marginalizadas pela população machista e sexista, pois a função da
mulher perante a sociedade é ser mãe e uma boa esposa. Em 2011, a Fundação Per-
seu Abramo estudou sobre a lesbofobia no Brasil. A pergunta feita aos entrevistados foi
apenas: “Mulher que se assume lésbica é porque não conheceu homem de verdade?”. O
resultado apontou que do total de entrevistados, 31% responderam afirmativamente.

MARCELINO, S. R. S. Entre o racismo e a lesbofobia: relatos de ativistas negras lésbicas


16

do Rio de Janeiro. Niterói, 2016. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

37
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

soma à punição racial. Parte significativa da violência sofrida por elas no cotidia-
no são invisibilizadas e silenciadas.
18

A lesbofobia está enraizada e escondida em muitas das tentativas de


controle sobre as mulheres. Desde os comentários hostis que são direcionados
a mulheres consideradas pouco femininas, até a divisão sexual do trabalho, que
veta determinadas profissões às mulheres. Por fim, as dificuldades enfrentadas
pelas lésbicas no Brasil são frutos da misoginia e do ódio contra as mulheres que
se relacionam com mulheres. Como se essa orientação sexual fosse um ato de
insubmissão passível de punição. 19

Júlia encerra sua história com mais um relato: o preconceito sofrido


no ambiente de trabalho, quando uma colega descobriu sua orientação se-
xual. “Começou todo um discurso sobre como ela não achava que aquilo era
natural. E que ela não era preconceituosa, mas acha que a homossexualidade
e que mulheres precisam ser submissas e é nosso papel satisfazer homens”,
finaliza a estudante.

Do resultado da pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, dos 31% que afirmaram, 23% concordaram
totalmente e 9% concordaram em partes.

A conclusão que se pode tirar é que a lesbofobia anda de braços dados


com o machismo. A mulher deve se submeter à vontade masculina. Sendo assim,
não há desejo na mulher se não por homens. 17

Júlia conta que além da lesbofobia, foi vítima de injúria racial e de assé-
dio em espaço público. “Uma das vezes eu estava com a minha namorada, andan-
do de mãos dadas, e um cara deu em cima da gente. Eu mandei ele sair e ele come-
çou a me xingar. Falando que aquilo não era normal e que eu era uma macaca e
me achava demais por estar pegando uma mulher branca”, completa a estudante.
Trazer à tona os efeitos do racismo e da lesbofobia através da represen-
tação da mulher negra significa que a luta é de toda a sociedade e não apenas de
um grupo específico. Todos devem ser parceiros no enfrentamento da violência
que silencia, invisibiliza e pune. Para a mulher lésbica e negra, a lesbofobia se

MARCELINO, S. R. S. Entre o racismo e a lesbofobia: relatos de ativistas negras lésbicas


18

do Rio de Janeiro. Niterói, 2016. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.


17
LEONEL, V. In: VENTURINI, G; BOKANI, V. Diversidade sexual e homofobia no Brasil.
1. Ed. Editora: Anita Garibaldi. Perseu Abramo, 2011. 19
Com informações da Revista Fórum. Acesso em <https://goo.gl/wsDkjs>

38 39
FOTO: FACEBOOK / COTURNO DE VÊNUS Fragmentos da Lesbofobia

4
“M E U P A I C O M E Ç O U A M E TR ATA R
NO M A SCULINO. COMO SE SÓ
POR EU GOSTA R D E MENINAS ME
TORN A SSE UM GA ROTO”

D
esde o início da adolescência, Bianca Fernandes * soube da sua atra-
20

ção por mulheres. Por isso, sofreu preconceito da sociedade, da família


e dos amigos apenas por ser ela mesma. Em uma das vezes, a estudante
de administração relata o dia em que sofreu preconceito, enquanto an-
dava de mãos dadas com uma garota no shopping. “Não havia nada demais, né?
Casais héteros sempre andam de mãos dadas e ficam trocando carícias por aí. O
problema mesmo foi quando a gente deu um pequeno selinho, simples e rápido. E
aí parece que o shopping inteiro estava olhando para nós, principalmente quando
uma senhora passou do nosso lado falando coisas ruins”, conta a estudante. Bian-
ca foi obrigada a escutar que aquela situação era uma pouca vergonha, que esses
atos não eram de Deus.
Bianca Fernandes foi mais uma das vítimas de lesbofobia no Brasil.
Mas, o que seria a lesbofobia? É uma forma negativa em relação às mulheres lés-
bicas como casal, pessoas ou grupo social. Relatos mais comuns são agressões
físicas e verbais, além do medo que as mulheres têm de assumirem-se. Esse pre-
conceito é considerado um tipo de violência que despreza o desejo da mulher, que
julga, machuca e acaba com o direito de escolha.
Em casa, a situação não foi diferente para a estudante, quando se assu-
miu para a mãe. “Eu contei a ela depois dela ficar me forçando a querer arrumar
um namorado. Toda hora ela falava que eu precisava porque minha prima estava
namorando”, relata. Foi nesse momento que a Fernandes, já cansada de toda a
situação, contou sobre sua orientação sexual para a mãe. “Ela ficou cinco minutos
rindo e falando que não acreditava. Que agora sim tinha que arrumar homem
pra mim, pra ver se eu parava com essa besteira de querer ser lésbica”. Bianca
confessa que o pior foi a mãe obrigá-la a ver fotos de homens que ela considerava

20
* Nome fictício para preservar a identidade da personagem.

41
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

bonitos. Insistia na ideia de que a filha brincava de ser lésbica e acreditava que homem. Isso sendo que nem casar eu quero, muito menos com um homem”, con-
assim faria Bianca gostar de homens. Chegou até a passar o telefone da estudante fessa. A estudante conta que essas situações despertam mágoa e raiva.
para um garoto, sem a permissão da mesma. A lesbofobia impede mulheres lésbicas de viverem sua orientação se-
O maior problema que envolve a lesbofobia é contestar e duvidar dos xual. É muito comum escutar que tudo não passa de uma fase. Quem pratica tais
desejos da mulher lésbica. Quando o assunto em pauta é a homossexualidade atos acredita que mulheres foram feitas apenas para satisfazerem os homens,
masculina, as principais reações são a não aceitação e o ódio. O que muda quan- onde suas vontades não são válidas. A lógica de acreditar que lésbicas se envolve-
do a questão é a homossexualidade feminina? A diferença gritante está no modo rão sexualmente com homens em algum dado momento de suas vidas é firmar
em que a mulher é obrigada a escutar que isso é só uma fase de descobertas, que é uma necessidade inquestionável delas por eles e subjugá-las aos homens. 22

comum entre mulheres, que ela precisa mesmo é encontrar o homem certo. Situ- Bianca Fernandes encerra sua história com mais um episódio de lesbo-
ações assim constrange a mulher e invalida completamente sua identidade e sua fobia. Ela conta que nem todos do seu círculo de amizade aceitaram sem questio-
orientação sexual. nar. Recebia olhares tortos e muitas [amigas] afastaram da estudante. “Ficaram
21

A situação constrangedora persistiu por um tempo, até a mãe entender sem falar comigo pelo resto do dia, até eu questionar se nossa amizade continua-
que não era uma brincadeira da filha. “Contudo, ela fica me jogando para cima ria a mesma. A resposta foi sim, desde que eu não desse em cima delas. O que me
de alguns garotos da minha idade, querendo que eu seja aquilo que não sou”, con- ofendeu demais. Não é porque eu me assumi lésbica que eu iria sair me atacando
fessa a estudante. Se a situação foi difícil com a mãe, Bianca relata que quando pra geral, principalmente em minhas amigas”, finaliza.
contou para o pai foi ainda pior. “Simplesmente fez um escândalo e quis me bater
depois do dia que eu tive a minha primeira namorada. Ele falou coisas terríveis,
disse que era errado e não ia aceitar isso de jeito nenhum”. A estudante ficou me-
ses sem conversar com o pai. Quando reataram, ela relembra que ele passou a
tratá-la no masculino. Na cabeça do pai, sua filha havia virado um garoto apenas
por gostar de meninas.
Liz-Elainne Mendes, promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de
Direitos Humanos do MPDFT, destaca a importância do respeito à diversidade no
espaço familiar e público. “É claro que a opinião pessoal de cada um é de cada um.
Mas o respeito à diversidade e o respeito ao uso do espaço público tem que ser pra
todos, pra todas. Tem que ser amplo. As pessoas precisam ser quem elas são, onde
quer que elas estejam e não só dentro de casa. Precisam ter respeito na rua, que
todo mundo tem”, completa.
Bianca pôde contar com o apoio de algumas amigas, mas conta que vez ou
outra a sua sexualidade é questionada. “Não falta algo? [...] Homem é muito melhor.
O cheiro, o corpo, tudo. Elas continuam fazendo perguntas do gênero e dizem que
eu deveria experimentar novamente. Que eu não tinha achado o garoto certo para
gostar e ter boas experiências. A outra diz que acha que eu vou me casar com um

22
GAUDAD, L. A heteronormatividade em dispositivos visuais: análise de campanhas
21
* Nome fictício para preservar a identidade da personagem. governamentais de sexualidade para mulheres lésbicas. Universidade de Brasília, 2013.

42 43
JÉSSICA SANTOS, ESTUDANTE DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Fragmentos da Lesbofobia
FOTO: REPRODUÇÃO / ARQUIVO PESSOAL

5
“A L E S B O F O B I A É V I S T A M A I S C O M O
M ACHISMO. PORQUE JÁ ROLOU VÁRIA S
V E ZES DE EU TÁ A N DA N DO COM A M I N H A
NAMOR ADA E CHEGAR CAR A, DO NADA, E
TI PO PERGU NTA R ‘POSSO PA RTICI PA R?’”

J
éssica Santos é estudante de Educação Física pela Universidade do Estado
da Bahia (Uneb). Foi vítima de preconceito devido a sua orientação sexual
diversas vezes, o que inclui também agressão física. “Esse relato que eu fiz
[no facebook] sobre uma quase agressão, que na verdade foi uma agressão
porque ele me empurrou, foi a primeira vez que me aconteceu. Já sofri alguns pre-
conceitos por olhares, olhares feios, eu andando com a minha namorada. Mas nada
de agressão física”, relata.
Para a estudante, o que mais pesou foi o fato dela ter cortado o cabelo. Acre-
dita também que usar roupas masculinas contribuiu para todo esse preconceito. O que
reforça o estereótipo de que mulheres precisam ser femininas. “Não sei o que passa na
cabeça dessas pessoas. Eu não falo homofobia porque fobia é medo, pânico. E essas
pessoas têm preconceito mesmo”, confessa Jéssica.
As agressões dirigidas à população LGBT tomam títulos de atos bárbaros,
devido à gravidade e o modo como foram realizadas. Ressalta a questão de não serem
crimes passionais e sim crimes de ódio. Pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça
23

mostrou que em 2016, o preconceito contra lésbicas aumentou 2,42% em relação aos
anos anteriores. Em 2015, o total de denúncias foram 130, indo para 160 em 2016. 24

Jéssica conta que, durante o momento da agressão, tentou se pronunciar para


resolver a situação, mas foi em vão. “Talvez ele estava pensando que eu era um cara e
tava querendo arrumar confusão com alguém. Mas não, ele continuou me empurran-
do, querendo arrumar confusão”. [...] “Eu estava torcendo para que nada acontecesse.
Por mais que eu tenha experiência em arte marcial, eu não queria estragar uma festa

RESENDE, L. S. Homofobia e violência contra a população LGBT no Brasil: uma


23

revisão narrativa. Universidade de Brasília, 2016.


BRASIL. Ministério da Justiça. Acesso à informação. Balanço geral LGBT. Distrito
24

Federal, 2017.

45
Fragmentos da Lesbofobia

por esse tipo de besteira”. Ela completa que teve sorte pois o local contava com seguran- Em relação à identidade sexual, a maioria é de não informados (46,8%), seguido de gays
ças que acompanharam toda a situação. (24,5%), travestis (11,9%), lésbicas (8,6%), transexuais (5,9%) e bissexuais (2,3%).
O Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos Quando a mulher se assume lésbica, a sociedade invalida completamente
estudou casos de homofobia no Brasil, referente a dados de 2013. O relatório destaca sua identidade e sua orientação sexual. Estabelecida enquanto mulher na sociedade,
ao menos cinco casos de violência homofóbica por dia no Brasil. No ano de 2013, vem o machismo. Uma mulher lésbica só é bem tratada na sociedade se ela tiver uma
foram registradas 1.965 denúncias de 3.398 violações relacionadas à população beleza que agrade os olhos masculinos. Que os faça pensar que [eles] podem entrar e
LGBT, que envolve 1.906 vítimas e 2.461 suspeitos. 25
participar a qualquer momento. Quando a mulher lésbica atinge os padrões de beleza
Os dados divulgados no relatório estão longe de corresponder o total de impostos pela sociedade masculina, vem a hiperssexualização de seus relacionamen-
crimes ocorridos por dia, pois estes são baseados nas queixas feitas por meio das ou- tos. Um casal de lésbicas é encarado como material rico para pornografia. Para mexer
vidorias do Sistema Único de Saúde (SUS) e das secretarias de Políticas para Mulhe- com o imaginário masculino, servir de fetiche, de fantasia. 26

res e de Direitos Humanos, pelo Disque 100. O relatório esclarece que “as violências
ocorridas cotidianamente contra os LGBT [são] infelizmente muito mais numero-
sas do que aquelas que chegam ao conhecimento do poder público. Salienta-se que a
falta de um marco legal que regulamente a punição de atos discriminatórios contra
a população LGBT aprofunda a dificuldade de realização de diagnósticos estatísti-
cos desta natureza”.
A pesquisa revela que houve redução de 44% das notificações em rela-
ção a 2012. Contudo, os dados apontam para um quadro preocupante de homo-
fobia no país.

Resultado de busca no Google. Ao pesquisar a palavra lésbica, sites de pornografia aparecem em primeiro
lugar. Foto: Arquivo pessoal.

A história de Jéssica Santos chega ao fim com mais um relato. Dessa vez, a
lesbofobia esteve presente com toda a força. Para a estudante, em todo o lugar, esse
tipo de preconceito é visto como machismo. “Porque já rolou várias vezes de eu ‘tá an-
dando com a minha namorada e chegar cara, do nada, e tipo perguntar posso parti-
cipar? Sem respeito nenhum, entendeu? Isso não rola com um casal hétero. Ninguém
Tipos de violências e subtipo mais presentes da violência segundo denúncias do Disque 100. Fonte: Relató-
rio de violência homofóbica no Brasil: ano 2013. chega em um casal hétero e pergunta posso participar? E com lésbica acontece muito,
muito mesmo”, encerra.

BRASIL. Relatório da Violência Homofóbica no Brasil: ano 2013. Ministério das


25

Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Brasília, 2016. 26


Com informações do Portal Sapatomica. Acesso em <https://goo.gl/MS963E>

47
PROTESTO POR KATYANE CAMPOS EM FRENTE AO TEATRO Fragmentos da Lesbofobia
NACIONAL. FOTO: FACEBOOK / COTURNO DE VÊNUS

6
C A SO K AT YA N E C A M P OS D E G O I S E A
I N V I SI B I LI DA D E DO ESTA DO

O
Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. A expectativa média
de travestis e transexuais é de apenas 36 anos contra 73 anos do res-
tante da população. Segundo dados, 40% dos assassinatos de traves-
tis e transexuais do mundo acontecem no Brasil, sendo que a cada 28
horas um LGBT é morto. E sabe por que esse dado pode ser ainda pior? Devido à
ausência de uma lei que especifique o crime da homofobia. Muitas vezes a queixa
é registrada como uma agressão qualquer. 27

Katyane Campos de Gois foi mais uma dentre tantas vítimas de homo-
fobia no país. Em 27 de agosto de 2016, mês da Visibilidade Lésbica, seu corpo
foi encontrado nu, carbonizado, com sinais de violência sexual e estrangula-
mento, na entrada de emergência da Sala Villa Lobos do Teatro Nacional em
Brasília. O assassinato da jovem de 26 anos chocou familiares, amigos e mili-
tantes na causa LGBT, que clamam por Justiça e lutam para que o crime de ódio
não caia no esquecimento.
O local, no centro de Brasília, tornou-se foco de usuário de drogas, nos
últimos anos, sem nenhuma fiscalização da polícia. No primeiro momento, asso-
ciaram a jovem Katyane a uma moradora de rua e viciada em drogas. No entanto,
a mulher não era viciada e morava em Santa Maria, no Distrito Federal, onde
tinha uma vida cheia de sonhos e planos. Mesmo assim, o crime bárbaro continua
invisível para o Estado. Continua em silêncio. 28

Para a família e amigos de Katyane, restaram apenas a dor e a lembran-


ça. Quem era próximo da jovem sabia o quanto ela era reservada e confiava em
poucas pessoas. Os amigos com quem ela dividia as gargalhadas e o sonho de ser

27
Dados retirados do documentário E se fosse você? (Por que criminalizar a homo-
fobia?)
28
Com informações do Portal Metrópoles.

49
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

cantora eram como sua família. Acompanhada pelo violão ou à capela, ela inter-
pretava desde Cássia Eller até canções gospel. Seus amigos costumavam chamá-
-la de camaleoa, já que seu visual estava em constante mudança. Em suas fotos,
postadas em sua página em uma rede social, Katyane aparecia sempre com um
sorriso no rosto, afinal, amava a vida. Em outras, o olhar não conseguia esconder
certa tristeza. 29

Durante comissão sobre violência doméstica na Câmara dos Deputa-


dos, em setembro de 2016, Ana Cláudia Beserra representou a Associação Lésbica
Feminista de Brasília Coturno de Vênus. Dedicou sua fala à memória de Katyane
e Luana Barbosa. Essa última era negra, lésbica, periférica e que foi brutalmente
espancada e morta pela Polícia Militar de São Paulo.
“Uma jovem de 26 anos negra e lésbica foi encontrada morta no Teatro
Nacional, em Brasília, com o corpo carbonizado e com marcas de violência sexu-
al. O lesbocídio ocorreu na semana do Dia Nacional da Visibilidade lésbica, 29
de agosto deste ano, e foi noticiado como mais uma morte por dívida de drogas.
Queremos Justiça para Katyane. As vidas negras e lésbicas importam. Nenhuma
Katyane a menos. Nenhuma Luana a menos”.

Principais jornais de Brasília relatam o assassinato de Katyane Campos de Gois. Portal Metrópoles, Jornal
29
Com informações do jornal Correio Braziliense. de Brasília e Correio Braziliense respectivamente. Foto: Arquivo Pessoal.

50 51
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

A homofobia afeta tanto os relacionamentos familiares, quanto a vida


profissional e social. Segundo pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), o
número de mortes por LGBTfobia no Brasil, em 2016, foram 343. Desses homi-
cídios, 50% eram gays; travestis e transexuais foram 42%, e lésbicas 3%. O pre-
conceito contra LGBTs traz ao indivíduo uma vitimização por parte da sociedade
brasileira que limita as oportunidades e os direitos dessa população por seguir
certa heteronormatividade construída socialmente no país. 30

A homofobia não significa apenas rejeição ao homossexual, mas tam-


bém quaisquer atos de discriminação contra homossexual ou homossexualidade.
Ao contrário do que muitos pensam, a homossexualidade está ligada a fatores
genéticos e hormonais. Não é uma opção ou escolha.

Principais jornais de Brasília relatam o assassinato de Katyane Campos de Gois. Portal Metrópoles, Jornal
de Brasília e Correio Braziliense respectivamente. Foto: Arquivo Pessoal.

Mesmo que a homofobia não seja considerada crime para a Constitui-


ção Brasileira, pode-se afirmar que é uma forma de discriminação, classificada
como crime de ódio. É o que explica a promotora de Justiça Liz-Elainne Mendes.
“Não é que a homofobia não seja crime. Qualquer ofensa que atinja a honra de
uma pessoa é crime de injúria. Pode ser de difamação e pode ser de calúnia. Injú-
ria é a maior parte dos casos. [...].

Violência contra a população LGBT no Brasil em 2016. Balanço revela o perfil das vítimas. Foto: Reprodu-
RESENDE, L. S. Homofobia e violência contra a população LGBT no Brasil: uma
30
ção / Quem a homotransfobia matou hoje?
revisão narrativa. Universidade de Brasília, 2016.

52 53
Keicyane Teixeira

Mas esses crimes são guarda-chuvas. Eles não são específicos quando a ofensa
dirige ao público LGBT”, conta a promotora. Ela explica também que quando a
ofensa atinge a honra de uma pessoa em razão de sua orientação sexual, é quali-
ficado como injúria. Quando é um atributo da honra subjetiva, pode ser classifi-
cado como difamação.
A homofobia afeta tanto os relacionamentos familiares, quanto a vida
profissional e social. Segundo pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), o
número de mortes por LGBTfobia no Brasil, em 2016, foram 343. Desses homi-
cídios, 50% eram gays; travestis e transexuais foram 42%, e lésbicas 3%. O pre-
conceito contra LGBTs traz ao indivíduo uma vitimização por parte da sociedade
brasileira que limita as oportunidades e os direitos dessa população por seguir
certa heteronormatividade construída socialmente no país. “Crime de ódio. Machismo. Racismo. Lesbofobia. Assim foi o lesbofemi-
A homofobia não significa apenas rejeição ao homossexual, mas tam- nicídio de Katyane Campos de Gois. Katyane voltava de uma entrevista
bém quaisquer atos de discriminação contra homossexual ou homossexualidade. de emprego quando foi sequestrada, estuprada e brutalmente assassi-
Ao contrário do que muitos pensam, a homossexualidade está ligada a fatores nada. [...] Seu corpo carbonizado, com marcas de violação sexual foi
genéticos e hormonais. Não é uma opção ou escolha. encontrado abandonado próximo ao Teatro Nacional, em Brasília. Um
A jovem Katyane havia saído de sua casa, em Santa Maria, para uma ano se passou e nada foi feito pelo poder público. Um descaso, como
entrevista de emprego quando supostamente aceitou uma carona. Quando se essa vida fosse descartável. Não esqueceremos! E, por isso, um ano
teve seus sonhos interrompidos ao ser assassinada brutalmente. A suspeita de após sua morte, lançamos o Dia Distrital de Enfrentamento ao Lesbofe-
sequestro não foi descartada pelos amigos. Era uma mulher lésbica, negra e minicídio! Reafirmamos: vidas negras importam! Vidas periféricas
periférica. Acima de tudo, mulher. No Brasil, a vida vale pouco para humanas importam! Vidas lésbicas importam!”
lésbicas, negras e periféricas. A morte da jovem é um retrato da invisibilidade
por parte do Estado. 31

NOTA DIVULGADA NA PÁGINA OFICIAL DO


A rápida tentativa de vincular à morte de Katyane ao acerto de drogas
COLETIVO COTURNO DE VÊNUS
esconde a possibilidade de ela ter sido morta por lesbofeminicídio. Movimentos
32

lésbicos levantam essa bandeira Brasil afora, enquanto lutam para que a memória
da jovem não caia no esquecimento. Um ano depois, nenhum suspeito foi identi-
ficado. Não há denúncia. Não há solução. O silêncio significa muito para amigos e
familiares e para a militância, que clamam por Justiça. 33

31
Com informações do Portal Metrópoles.
32
Lesbofeminicídio é o crime de ódio contra mulheres lésbicas.
33
Com informações do Portal Metrópoles.

54
Fragmentos da Lesbofobia

No Brasil, a misoginia é ainda mais presente quando se trata de mulhe-


res negras. Entre os anos de 2003 e 2013, o assassinato de negras cresceu 54%,
enquanto o de brancas diminuiu, de acordo com dados do Mapa da Violência
2015. A juventude negra engloba o maior número de homicídios no país. Segundo
a Anistia Internacional, dos 56 mil homicídios que ocorrem por ano no Brasil,
mais da metade são entre jovens. E dos que morrem, 77% são negros. Familiares e
amigos de Katyane exigem respostas do Governo de Brasília (GDF) e dos sistemas
de Justiça. A vida de Katyane importa.

“BASTA DE RACISMO. BASTA DE MACHISMO.


BASTA DE LESBOFOBIA. EXIGIMOS JUSTIÇA
POR KATYANE.”
COLETIVO COTURNO DE VÊNUS

Protesto realizado em frente ao Teatro Nacional de Brasília, um ano após a morte de Katyane Campos, e
lançamento do Dia Distrital de Enfrentamento ao Lesbofeminicídio. Foto: Reprodução / Página oficial do
coletivo Coturno de Vênus.

57
BANDEIRA LÉSBICA. FOTO: REPRODUÇÃO Fragmentos da Lesbofobia

7
LESBOFOBIA E O
ESTUPRO CORRETIVO

A
violência cotidiana a qual mulheres são submetidas é praticamente
invisível para o Estado, o que as obrigam a conviver com o machis-
mo todos os dias. A mulher lésbica é condenada pelo seu comporta-
mento e seu jeito de viver, principalmente se a sua forma de ser ou
de se vestir não for igual ao padrão definido pelo patriarcado. Toda
essa invisibilidade faz com que homens estejam no topo da pirâmide e colocam
as mulheres como suas posses.
Na sociedade em que vivemos, a mulher encontra-se no ranking quan-
do o assunto é violência e estupro. Porém, resta a dúvida: O que aumentou fo-
ram os casos ou as notificações? Segundo dados da Secretaria de Segurança
Pública do Distrito Federal (SSPDF), as vítimas passaram a denunciar mais, o
que comprova o aumento de 63 casos registrados em agosto, para 82 casos entre
2016 e 2017.
Em meio aos casos de estupro, um chama a atenção: o estupro corretivo.
Conhecido por tentar apagar a identidade lésbica, esse tipo de violência consiste
na prática criminosa na qual o agressor acredita que poderá mudar a orientação
sexual da mulher lésbica através da violência. De todas as justificativas, a mais
utilizada é de que assim a vítima irá aprender a gostar de homem. 34

O estupro corretivo é a exteriorização da cultura do estupro voltada


para as mulheres lésbicas. Segundo a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), estima-se
que cerca de 9% das vítimas de estupro que procuraram o Disque 100 do Gover-
no Federal, entre 2012 e 2014, eram mulheres lésbicas. E, dentro dessa estatística,
havia um percentual considerável de denúncias de estupro corretivo. 35

34
Agência Patrícia Galvão. Disponível em <https://goo.gl/eKUUii>
35
Agência Patrícia Galvão. Disponível em <https://goo.gl/eKUUii>

59
Keicyane Teixeira Fragmentos da Lesbofobia

É perdoável estuprar uma mulher lésbica com o pretexto de torná-la expulsas de casa e não recebem qualquer amparo do Estado, além de serem sub-
heterossexual? Ana Cláudia Beserra, representante da Associação Lésbica Femi- metidas a tratamentos violentos em consultórios ginecológicos, a discriminação
36

nista de Brasília Coturno de Vênus, durante comissão sobre violência doméstica e lesbofobia nas escolas”.
na Câmara dos Deputados, em 2016, reforçou que a negligência persistente dos No Brasil, corre em segredo de Justiça no Ministério Público Federal
governos deixa as mulheres lésbicas ainda mais vulneráveis. “Eu gostaria de po- (MPF) investigação para apurar seis instituições clandestinas que prometem tra-
der dizer quantas nós lésbicas somos, dados básicos de leis e de políticas públicas, tamento de reversão sexual (ou cura gay) por meio da violência. Algumas são
mas nós somos invisíveis para o Estado. Nem ao menos temos indicador de orien- ligadas a igrejas cristãs dos estados de Goiás, do Mato Grosso, do Mato Grosso do
tação sexual no censo”, completa. Sul, de Minas Gerais, do Pernambuco e de Sergipe. Ana Cláudia Beserra exige
38

O estupro corretivo é motivado tanto pela misoginia como pela lesbofo- urgência na mudança da cultura do machismo e pede que não haja espaço para a
bia. É a violência usada para punir a mulher que ama e deseja outras mulheres. Os LGBTfobia. “Sem isso, não conseguiremos enfrentar de verdade a violência con-
dados de espancamento e morte de mulheres lésbicas são questionáveis devido à tra as mulheres e, como destaque, o estupro corretivo. [...] Somos adolescentes,
falta de investigação e o descaso em relação aos levantamentos de casos. Porém, adultas e idosas lésbicas. Estamos por todas as partes. Exigimos o direito à auto-
o estupro corretivo é uma violência que não existe e não há esforço nenhum para nomia de nossos corpos, a não violação de nossos corpos. Sapatão é resistência e
que debate sobre o caso seja iniciado. 37
vamos resistir aos fundamentalismos”, finaliza.
Para a promotora de Justiça Liz-Elainne Mendes, existe uma violência Um passo importante na construção de políticas públicas para mulhe-
misógina na nossa sociedade. E o homem não quer abrir mão dos privilégios que res lésbicas é o mapeamento de suas necessidades e violências que seus corpos
lhes são proporcionados, o que impede de reconhecer igualdade entre gêneros. sofrem. Os poucos dados disponíveis resultam em falta de munição para que gru-
“A igualdade é só formal. A igualdade material não interessa pra quem está usu- pos de militantes possam cobrar providências do Estado. Não é difícil ver que as
fruindo de privilégios. [...] Os homens dentro dessa sociedade patriarcal são apri- mulheres lésbicas mais marginalizadas, e que carregam mais opressão em seus
sionados dentro de uma virilidade, de uma necessidade de demonstração dessa corpos, são as que mais sofrem com a lesbofobia. Também é uma violência que o
virilidade. E o estupro coletivo, o estupro corretivo são formas de manter essa Estado feche os olhos para isso. 39

virilidade em alta”. A promotora completa que essa violência por meio da subju-
gação da mulher é uma moeda de troca para sejam aceitos em grupos e conside-
rados como defensor dos privilégios que a sociedade confere ao homem.
Em seu discurso na Câmara dos Deputados, Ana Cláudia Beserra re-
força a dominação e o abuso sofrido por mulheres lésbicas por meio do estupro
corretivo. Violência muitas vezes cometida por parentes e amigos próximos.
“Você vai aprender a gostar de homem. [...] Alguém precisa dar um jeito nela,
hein? Vou fazer você virar mulher de verdade. Essas são as frases ditas para as
lésbicas antes de elas serem estupradas, violentadas, abusadas sexualmente por
não corresponderem ao padrão social da heteronormatividade”. [...] “Jovens são

36
TOLEDO, L. G. “Será que eu tô gostando de mulher?”: tecnologias de normatiza-
ção e exclusão da dissidência erótica feminina no interior paulista. Universidade
Estadual Paulista, 2013. 38
Com informações do Portal Metrópoles.
37
Com informações do Portal Blogueira Feminista 39
Com informações do portal Blogueiras Feministas.

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Capa: Futura BdCn BT
Títulos e destaques: Futura Lt BT, Futura Md BT
Corpo: Adamina Regular

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