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ADOÇÃO – QUEM EM NÓS QUER UM FILHO?

Lúcia Maria de PaulaFreitas –


Advogada. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família
Plug-in Ausente
SUMÁRIO: 1. A Questão Precedente e Essencial; 2. Adoção: Primeiro Ato – A Adoção
Recíproca como Legitimadora da Verdadeira Relação de Pais e Filhos; 3.
Considerações Finais; 4. Bibliografia.

Primeiramente, explicito que esse trabalho é fruto de reflexão de vida acerca da


questão da adoção, reflexão essa que sempre teve como busca o sentido de ser
tratada a questão de forma às vezes tão primitiva, bastante superficial, sempre
temerosa e preconceituosa no seio da sociedade, espraiando essa ótica em todos os
seguimentos e produções culturais humanas, inclusive no Direito. Nessa via de
reflexão não é de se estranhar que o discurso jurídico no tempo, incluindo-se os
textos legais produzidos sobre a adoção no país, sempre revele esse tortuoso
caminho que ainda embota a relação adotiva, efetivando-se em claro sintoma social
da exclusão, da supremacia do jus sanguini e do assujeitamento imposto por uma
“síndrome de caridade” nefasta.

Conseqüentemente, a burocracia imposta aos processos de adoção no país


justificam, muitas vezes, a prática corriqueira de fraude à lei, na busca de registros
civis de filiação, feitos de forma direta, como se a relação parental se desse pelo
curso biológico, preferindo o caminho da fraude, ao enfrentamento do longo e
tortuoso processo de adoção que se inicia com uma inscrição em juizados de
menores ou entidades a eles ligadas, com preenchimento de fichas, entrega de
documentos, entrevistas preliminares, filas imensas de candidatos, até o momento
em que esse “candidato” é chamado ao encontro da criança para o início do
processo de adoção que precede de um período de guarda provisória, audiências,
provas, até decisão final sujeita a recurso.

1 A Questão Precedente e Essencial

Muitos são os motivos que fazem com que o desejo pelo filho, o desejo do filho, o
desejo pela paternidade e pela maternidade produza suas manifestações no ser
humano.

O discurso científico dominante defende a vocação humana ao estabelecimento da


paternidade, não pelo seu aspecto afetivo, mas por um determinismo genético/social,
posto com vistas à “perpetuação da espécie”. Reduz-se, à maneira culinária dos
grandes chefs, a estrutura afetiva, a capacidade simbólica do ser humano, sua
própria estrutura cultural a um traço simplista que é, em si, uma verdade oficial em
oposição ao real, ao afirmar o determinismo genético como a base suprema de
construção das relações familiares e afetivas. O discurso científico então, ao trazer
para o cerne de tais relações um impulso procriador e perpetuador determinante, de
ordem puramente genética, mais que excluir, nega a capacidade afetiva e simbólica
do ser humano que, enquanto forças criadoras, perpetuadoras e transformadoras,
têmprovado, no curso dos tempos, maior vigor que esse construto teórico-científico
que, revela em si, mais que uma verdade científica, o motor de um preconceito que,
como tal, torna-se responsável por trevas que se têm propagado absurdamente mais
que a luz.

Por que colocar como precedente e essencial a busca da origem desse desejo?

Exatamente por entender que o desejo pelo filho perpassa, independentemente da


possibilidade do casal de gerar filhos biológicos, por caminhos que se situam ao
largo desse dito determinismo biológico. Tal crença cega num determinismo pode
gerar filhos indesejados afetivamente, talvez muito mais que efetivamente
abandonados por seus pais. Um filho afetivamente indesejado, no sentido de que foi
concebido dentro da ordem natural das coisas, concebido na crença cega do
determinismo, muito embora permaneça na companhia dos pais e por eles seja
criado, certamente sofrerá as carências e a indisponibilidade para ser amado, pois
amar exige trabalho, disposição para, troca, pausas, todo o envolvimento com o outro
através do amor que se projeta no outro e que do outro também nos é projetado,
formando o amálgama, o vínculo que se estrutura pr si e se fortalece e fortalece aos
que se amam. Não só pode-se negar o amor ao filho, como se pode negar que esse
filho seja um sujeito capaz do amor.

Essa crença de que se procria pelo determinismo genético pode vedar a real
possibilidade da construção da relação de amor, de afeto entre pais e filhos, a
primeira e essencial relação a se estabelecer, de onde tudo se irradia. Pode-se
projetar essa estrutura familiar diretamente para um outro patamar, categorizado
como da órbita da substância, do cerne: a relação de paternidade que se dá sob a
órbita do determinismo, vista sob o aspecto do social, ou seja, paternidade enquanto
papel social. 1 A Questão Precedente e Essencial
Muitos são os motivos que fazem com que o desejo pelo filho, o desejo do filho, o
desejo pela paternidade e pela maternidade produza suas manifestações no ser
humano.

O discurso científico dominante defende a vocação humana ao estabelecimento da


paternidade, não pelo seu aspecto afetivo, mas por um determinismo genético/social,
posto com vistas à “perpetuação da espécie”. Reduz-se, à maneira culinária dos
grandes chefs, a estrutura afetiva, a capacidade simbólica do ser humano, sua
própria estrutura cultural a um traço simplista que é, em si, uma verdade oficial em
oposição ao real, ao afirmar o determinismo genético como a base suprema de
construção das relações familiares e afetivas. O discurso científico então, ao trazer
para o cerne de tais relações um impulso procriador e perpetuador determinante, de
ordem puramente genética, mais que excluir, nega a capacidade afetiva e simbólica
do ser humano que, enquanto forças criadoras, perpetuadoras e transformadoras,
têmprovado, no curso dos tempos, maior vigor que esse construto teórico-científico
que, revela em si, mais que uma verdade científica, o motor de um preconceito que,
como tal, torna-se responsável por trevas que se têm propagado absurdamente mais
que a luz.

Por que colocar como precedente e essencial a busca da origem desse desejo?

Exatamente por entender que o desejo pelo filho perpassa, independentemente da


possibilidade do casal de gerar filhos biológicos, por caminhos que se situam ao
largo desse dito determinismo biológico. Tal crença cega num determinismo pode
gerar filhos indesejados afetivamente, talvez muito mais que efetivamente
abandonados por seus pais. Um filho afetivamente indesejado, no sentido de que foi
concebido dentro da ordem natural das coisas, concebido na crença cega do
determinismo, muito embora permaneça na companhia dos pais e por eles seja
criado, certamente sofrerá as carências e a indisponibilidade para ser amado, pois
amar exige trabalho, disposição para, troca, pausas, todo o envolvimento com o outro
através do amor que se projeta no outro e que do outro também nos é projetado,
formando o amálgama, o vínculo que se estrutura pr si e se fortalece e fortalece aos
que se amam. Não só pode-se negar o amor ao filho, como se pode negar que esse
filho seja um sujeito capaz do amor.

Essa crença de que se procria pelo determinismo genético pode vedar a real
possibilidade da construção da relação de amor, de afeto entre pais e filhos, a
primeira e essencial relação a se estabelecer, de onde tudo se irradia. Pode-se
projetar essa estrutura familiar diretamente para um outro patamar, categorizado
como da órbita da substância, do cerne: a relação de paternidade que se dá sob a
órbita do determinismo, vista sob o aspecto do social, ou seja, paternidade enquanto
papel social.

É evidente que hoje, quando jurisprudência e doutrina falam em papel social da


paternidade, não se pode negar um avanço na construção do discurso jurídico, posto
que muitas questões, hoje levadas à interlocução no campo do Judiciário, têm
deslocado sua análise para o sujeito, quando antes, centrava-se prioritariamente no
objeto. Quando se fala em Direito, quando se pensa em Direito, quando a atuação
jurídica visa ao Direito enquanto ciência essencialmente comprometida com a
realização da justiça e quando se busca nesse deslocamento do objeto para o sujeito
de direito efetivar, em relação a ele, uma tutela jurídica comprometida com justiça,
antevê-se um movimento hercúleo de intenção de avanço humano e social. Mas é
exatamente esse o momento mais profícuo para que se derrubem muralhas e se
desfaçam os nós ancestrais de nossas mazeas e preconceitos. Mais que um
momento para aplausos, é emergência de nossas expiações, do enfrentamento nu de
nossos preconceitos e do trazer ao campo do real, do institucional, as fraturas a
serem tratadas. É o momento de se dizer das trevas e de efetivar a luz.

Na busca dessa luz e do enfrentamento dos preconceitos que se arraigam muitas


vezes na norma dita jurídica, no texto legal, não se pode olvidar que o dito papel
social da paternidade ou a paternidade social, discurso esse aplicado em vários
julgados e por vários doutrinadores, não deixa também de reproduzir a segunda fase
do “discurso científico” fundamentado no determinismo genético procriador, com
vistas à perpetuação da espécie. É que esse “dito” papel social também se ancora
com facilidade no fundamento de que se deve prover as crias, que por instinto, deu
vida, ou que por instinto, adotou-se. Eis o determinismo gerando estrutura social à
raça humana. A estrutura da família, a paternidade deslocam-se em direção ao
sujeito, em direção a uma não-priorização absoluta do biológico no estabelecimento
dessa relação, mas centrando-e tal relação, agora, no campo dos direitos e deveres,
na órbita do que se denomina social. O direito de ser provido e o exercício do dever
de prover.

Mas, não se trata também de uma visão restrita, negando um desejo humano
subjacente e uma capacidade humana de estruturar-se afetivamente de formas tão
complexas e mais que isso, simbolizar e produzir ou, até mesmo, exterminar cultura?
Tal discurso que impregna muitos outros discursos funda-se num determinismo
patriarcal, patriarcalismo esse que hoje, inclusive, não mais se sustenta absoluto e
inarredável diante das novas organizações familiares que se estabelecem tanto
afetivamente como economicamente.

Ao se refletir mais profundamente acerca do discurso jurídico da paternidade social,


observa-se que, não obstante um avanço, pode o mesmo representar um risco de
repetir um modelo fundado na supremacia biológica, na genética e no compromisso
social conseqüente, provocando um hiato que sepulta toda a ordem de construção
afetiva na estrutura da família.

Voltando à pergunta acerca da essencialidade do desejo pelo filho, podemos chegar a


algo que é comum aos que podem ou não gerar filhos biológicos e que representaria
o substrato desse desejo: uma via de mão dupla, um desejo de ordem diversa do
determinismo preservador no sentido genético, mas talvez manifestado por um
desejo de preservação não da espécie, mas da estrutura humana emocional, do que
nos transcende e perpetua, um caminho que, pouco importando ter sua origem no
biológico, leva o ser humano ao encontro com a realização do desejo essencial de
amar e ser amado.

Essa a questão essencial no desejo pelo filho. O desejo pelo filho, que é também o
desejo do filho, funda-se no desejo humano, essencial, de amar e ser amado. Esse
desejo não pertence à ordem restrita do biológico, nem se realiza verdadeiramente no
seu aspecto social. É, antes, essencialmente, um vínculo de afeto que, como tal,
precisa ser desnudado e assim vivido pelos homens, para que se dissipem os
preconceitos, busque-se mais a essência afetiva da paternidade e chegue-se à
realização dos avanços do direito em relação à efetiva tutela das relações de
paternidade e filiação.

2 Adoção: Primeiro Ato – A Adoção Recíproca como Legitimadora da Verdadeira


Relação de Pais e Filhos

Buscando-se a essencialidade da paternidade na construção afetiva, no desejo


essencial de amar e ser amado, não é novidade afirmar-se que, biológicos ou não,
todos os filhos hão que ser adotados por seus pais. Sem o estabelecimento essencial
da afetividade na relação de pais e filhos, vive-se apenas o papel social dessa
relação, pouco importando, muitas vezes, em prejuízo dos filhos, que a construção e
o aprendizado amoroso a eles seja negado, tornando-se, eles também, muitas vezes,
incapazes de amar.

Portanto, também não é novidade que os filhos não biológicos tornam-se filhos
verdadeiramente, antes que pelo ato jurídico, pelo instituto da adoção, através do
mesmo desejo e construção que move os pais biológicos a tornarem-se
verdadeiramente pais de seus filhos. Não se pode admitir que um ato mecânico,
instintivo torne pura e simplesmente alguém filho de alguém, em essência. Também
não é um papel social desempenhado, desconectado de sua essência original afetiva,
de um sentimento centrado na necessidade humana de amar e ser amado que torna
alguém filho de alguém.

Assim, a filiação adotiva dá-se nas mesmas bases da filiação biológica, quando se
investiga o sentido dessa relação sob o aspecto afetivo e não do determinismo
genético.

E assim também, essa filiação adotiva pode dar-se nos mesmos moldes do sentido
social que se ancora no genético: o cumprimento de um papel social, de um
determinismo genético, de uma ordem natural: crescer e viver a paternidade
enquanto papel social, enquanto personas de pai e mãe, enquanto papéis que se
esperam dos adultos pela sociedade.

Nesta linha de reflexão, cita-se o brilhante mestre RODRIGO DA CUNHA PEREIRA


que, citando ainda o jurista contemporâneo LUIZ EDSON FACHIN, leciona:

“Por mais que as leis jurídicas queiram trazer garantias da paternidade através dos
registros cartoriais, de investigações de paternidade, etc., por mais que seja
importante para o filho saber de sua origem genética, não há como assegurar, pela
via apenas jurídica, a verdadeira paternidade. Esta, como já dito, é muito mais da
ordem da cultura que propriamente da biologia ou genética. ‘A paternidade não é
apenas um ‘dado’: a paternidade se faz’, já disse o grande jurista contemporâneo,
LUIZ EDSON FACHIN em seu trabalho ‘A tríplice paternidade dos filhos imaginários’.”
1

Sob a ótica do genético, do biológico, é que se chama a relação adotiva de filiação


artificial. Em artigo publicado na Revista da Abraminj, a juíza LILIAN MACIEL
SANTOS, afirma:

“A adoção, como sabido, é uma ficção legal de uma geração de sangue entre
adotante e adotado; é na tradicional definição de COLIN e CAPITAIN, ‘ato jurídico que
cria entre duas pessoas relações fictícias e puramente civis de paternidade e de
filiação’. Na feliz expressão de ANTONIO CHAVES ‘a legalização da suposição do
parto’.” 2 (destacou-se)

É a manifestação de uma aplicadora do direito em texto doutrinário, citando demais


autores que ratificam seu entendimento, trazendo no bojo dos discursos
apresentados a visão e análise da adoção sob o aspecto puramente biológico. Fala-se
em ficção legal, relações fictícias e puramente civis e legalização da suposição do
parto. Pode-se negar que esse mesmo discurso não traga em si uma visão
preconceituosa que suprima nessas relações de filiação a estruturação antecedente,
subjacente e essencial do afeto?

Não se pode questionar se a tal discurso não corresponda, dada tanta ficção e
suposição nele contidas, um preconceito que faz crer na impossibilidade de uma
verdadeira relação de filiação estabelecida entre pais e filhos sem vínculo biológico e,
contrario sensu, numa presunção absoluta de filiação verdadeira entre pais e filhos
biológicos?

Sim, porque assim considerada a relação entre pais e filhos sem vínculo biológico,
como estabelecida na órbita da ficção, da suposição, de vínculos puramente civis,
desconsidera-se ou, mais que isso, nega-se a capacidade afetiva do ser humano que
o encaminha, que o move à paternidade.

Assim, negada a construção do amor e do afeto entre pais e filhos sem vínculos
biológicos, perpetua-se a pseudoverdade científica determinista e punem-se os dois
lados dessa relação: o adulto que não se adapta aos melhores exemplares da espécie
humana por não procriar e o filho que, presumidamente rejeitado na cadeia biológica,
há de carregar também essa pecha genética para sempre. À impossibilidade de gerar
filhos biológicos corresponde, dada a ficção, a simulação no campo puramente civil,
uma infertilidade no campo afetivo, no campo do amor entre pais e filhos. A filiação
afetiva pertence, pois, ao campo da ficção e da simulação, restando incapaz de gerar
também afeto e verdadeira relação humana natural de amor, pois que, confirmando a
reflexão já articulada, não é tida como natural, entendendo-se natural apenas no que
se refer ao aspecto genético/biológico da espécie humana.

Também é essa mesma lógica que reserva a tal relação, sem vínculos biológicos, o
papel do filho ao de assujeitado à expectativa social de agradecer a caridade recebida
dos pais pela adoção. Deverá sempre dar o melhor de si, no sentido de representar e
expressar a gratidão numa atitude súplice e submissa ao papel do eternamente grato.
Qualquer deslize e qualquer rebeldia serão punidos com a lembrança de que deve
gratidão pela caridade da adoção. Do julgamento imediato de que seu ato rebelde, de
que suas demandas enquanto sujeito devem-se ao fato de que é adotado. É muito
comum ouvir-se que esse filho teve sorte de ser adotado por pais tão abonados, que
lhe podem dar uma vida digna.

Felizmente, ao contrário do que pretende a teoria determinista da ciência, a sociedade


em geral e o direito, as relações de paternidade e filiação sem vínculos biológicos
avançam em sentido diametralmente oposto.

As reflexões advindas dos pais e filhos sem vínculos biológicos são cada vez mais
profícuas no sentido de realizarem o afeto e o amor verdadeiros.

Cada vez mais as peias do preconceito cedem lugar à integralização dos sujeitos e de
sua libertação rumo às relações plenas.

Assim, não mais se admite estabelecer o discurso da filiação adotiva no nível


ficcional, tampouco se centra em figuras estanques como adotante e adotado. Numa
verdadeira relação de pais e filhos, ambos se adotam. Não há como pensar uma
relação de afeto, de amor, sem que os vínculos sejam recíprocos. Os pais adotam os
filhos, tanto quanto os filhos adotam os pais. Mais, os filhos adotam a família, todo o
grupo parental, tanto quanto esse grupo parental adota o neto, o sobrinho, o primo e
assim por diante. Isso porque o ser humano tem aprendido, a duras penas e, em
verdade, em níveis ainda insipientes, que, nas relações humanas, a construção
afetiva é determinante. A adoção existe não como uma ficção, não como um ato
meritório, não como um ato humanitário, não como a solução de um problema social.
A adoção, como qualquer relação enre pais e filhos, deve ser vista e entendida como
a construção real da afetividade humana, do desejo e da necessidade básica humana
de amar e ser amado.

É preciso que se entenda que o estabelecimento da relação de filiação sem vínculos


biológicos parte de um desejo íntimo, individual, antes de tudo. Não é um ato de
caridade, pois se assim visto, se assim afirmado e reafirmado, bloqueia-se no
espectro psíquico-afetivo, familiar e social a plenitude da realização de todos os
sujeitos dessa relação familiar. Os ditos adotantes paralisarão seu amor na leitura
social de ato humanitário, de mera caridade, e o dito adotado paralisará sua condição
humana no objeto da caridade e na rejeição que o fez sujeito dessa mesma caridade e
não, de amor essencial desses pais.

Tal visão primitiva e preconceituosa que ainda se acha reforçada na sociedade e no


Direito, inibe que se viva à plenitude da filiação sem vínculos biológicos, como se a
própria natureza dessa filiação é que contivesse a chave dessa inibição, por não
corresponder ao que se prega “natural da espécie” quando, na verdade, o bloqueio
de tal plenitude encontra-se no artifício humano do preconceito, uma vez que a
relação de filiação sem vínculos biológicos é tão plena e iluminada quanto a que se
estabelece com vínculos biológicos, posto que a verdadeira filiação se dá no campo
do afetivo, no campo do amor e isso independe da genética.

Por isso, entender que a adoção é sempre via de mão dupla, que pais e filhos se
adotam e não os pais aos filhos e que essa relação de troca vai-se dando na órbita
familiar mais ampla, com os avós, os tios, os primos e até na órbita das demais
relações afetivas com os amigos. A relação se amplia e se multiplicam as adoções
recíprocas. Isso permite que o filho não seja assujeitado na relação. Que também seja
sujeito ativo, tanto quanto os pais. Que os pais entendam que também precisam
dessa legitimação da paternidade pelo afeto do filho, pois só serão pais se esse filho
os legitimar.

Nesse mesmo sentido, não podemos deixar de citar o brilhante e excepcional texto do
grande jurista JOÃO BAPTISTA VILLELA: Desbiologização da Paternidade, datado de
1979, no qual, de maneira profunda e corajosa no seu todo e com coerência ímpar, o
autor nos conduz ao descortinamento do preconceito e da prevalência do biológico
sobre o afetivo, na maioria das vezes, em detrimento da verdadeira relação de
paternidade que, não obrigatoriamente, coincide com a gênese biológica. Nesse
ponto, cita o brilhante jurista a lenda do Círculo de Giz, na versão que lhe deu
BRECHT, em que o juiz AZDAK sentencia como verdadeira mãe da criança MIGUEL, a
criada GRUSCHE, diante do sorriso de MIGUEL a ela, ao iniciar-se a prova a definir
sua verdadeira mãe, bem como a atitude dessa em soltá-lo nos braços da mãe
biológica, qando essa mesma atitude levaria à derrota, exclamando ao juiz: “Eu o
criei! Devo agora machucá-lo? Não posso fazê-lo”. Concluindo, reflete VILLELA:

“O sorriso que a criança dirigiu a GRUSCHE é sintomático e de nenhum modo


irrelevante para a conclusão. Exprime, no contexto, uma ligação de confiança e
ternura, ingrediente fundamental de uma verdadeira paternidade. Ali era o fruto
maduro de uma convivência plantada no solo fértil do amor e que, muito
significativamente, deslocava as frias pretensões da consangüinidade.” 3

Esse o real sentido da paternidade: a que se funda na construção e aprofundamento


dos vínculos afetivos entre o pai e o filho, entendendo-se que a real legitimação
dessa relação se dá não pelo biológico, nem pelo jurídico. Dá-se pelo amor vivido e
construído por pais e filhos.

3 Considerações Finais

Como já dito, não estamos num momento de aplausos, mas de emergência e de


aprofundamento das reflexões, levantando-se as questões que, mesmo que para elas
não tenhamos de imediato as respostas, possamos caminhar em direção à busca das
mesmas.

Não obstante os avanços trazidos na órbita da legislação, impostos pela Carta


Constitucional de 1988 e efetivados pela Lei nº 8.069 de 13.07.90 – Estatuto da
Criança e do Adolescente, não devemos nos esquecer que o Código de Menores, Lei
nº 6.697/79, revogado pelo ECA em 1990, previa duas formas de adoção, a simples e a
plena, sendo que na simples, repetindo disposições do Código Civil Brasileiro,
impedia o acesso à herança quando o adotado concorresse com filho biológico
anterior à adoção, ou lhe deferia metade da cota do filho biológico havido após a
adoção. Tal absurdo jurídico, fundado com toda certeza numa discriminação, num
preconceito, prevaleceu até bem pouco tempo no nosso ordenamento jurídico.

Lembremos ainda que, enquanto resquícios medievais e escravagistas, muito comum


ocorrer de nos depararmos com a condição daquele que é “criado” por uma família.
Trata-se do indivíduo que vive e parcialmente convive em uma família, regularmente
desde tenra idade, mas que ali está mais na condição literal de criado, eufemismo
para o empregado “da casa” , que recebe pequenos favores, tais como estudar,
alimentar-se, ser vestido, viajar, mas também pagar por esses favores com trabalho,
sem receber salário. Não é da família, não é filho, porque é criado. Também não é
empregado, não recebe salário, não tem folga, não tira férias, porque é criado como
se fosse, mesmo não sendo, um membro da família.

Coloco, então, a questão: se o Direito avança no sentido de reconhecer as uniões


estáveis entre homem e mulher, elevando-as praticamente ao status de casamento
civil, se as mesmas relações estáveis entre homossexuais são reconhecidas para fins
patrimoniais amplos, o que só se tem a louvar em ambos os casos, por que esse
mesmo Direito fecha os olhos a essa relação jurídica que se estabelece no caso dos
que são ditos “criados”? Por que, também, não avançar o Direito no sentido da tutela,
do reconhecimento de uma situação de fato desses filhos /chamados “de criação”,
abrindo-lhes as portas para que se façam ouvidos, quando esse mesmo Direito
desenvolve um discurso com ar de modernidade e quebra de preconceitos acerca do
papel social do pai? Muitos são os que, morrendo os “pais de criação”, vêem-se na
rua, e uma hora para outra, quando não recebem, por favor, a caridade dos “irmãos
de criação”, representada por um naco de herança. Não se pode mais permitir que a
filiação fique paralisada num estágio naturalista, biológico, diante das estruturas
familiares que se estabelecem, desconsiderando os sujeitos dessa e nessa estrutura,
vendo na relação de filiação o direito natural como meramente biológico.

Finalizando, retomo a questão inicial: quem em nós quer um filho? Só a partir dessa
reflexão profunda e verdadeira, poderemos nos despir dos preconceitos e vivermos,
com vínculos biológicos ou sem vínculos biológicos, a plenitude da relação de pais e
filhos, fundada e centrada no afeto e na construção do amor que, por despido de
preconceito, revoluciona e liberta. Via de conseqüência, poderá o Direito despir-se do
traço preconceituoso de seu discurso, imprimindo às relações de filiação e
paternidade sem vínculo biológico sua finalidade essencial de justiça, de igualdade,
de eficiência e agilidade, de possibilidade viável da vinculação pelos laços afetivos,
legitimando, apenas enquanto lei formal, o que a construção humana afetiva já
legitimou.

4 Bibliografia

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? In: PEREIRA, Tânia da
Silva (Coord.). O melhor interesse da criança. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

SANTOS, Lílian Maciel. A adoção efetivamente rompe com os vínculos


biopsicológicos? Revista da Abraminj. Belo Horizonte, ano 1, nº 1, 2000.
VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Revista da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, ano XXVII, nº 21
(Nova Fase), maio/1979. (Separata)

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