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Objetivo Geral

Compreender os erros inatos do metabolismo com ênfase na fibrose


cística e suas repercussões.
1. Definir e classificar os erros inatos do metabolismo
2. Caracterizar fibrose cística
3. Descrever as condutas para fibrose cística.
4. Reconhecer as políticas públicas relacionadas aos erros inatos do
metabolismo.
5. Entender os tipos de desnutrição infantil e suas condutas

Erros Inatos do Metabolismo

Os erros inatos do metabolismo (EIM) são distúrbios de natureza genética que


geralmente correspondem a um defeito enzimático capaz de acarretar a interrupção de uma
via metabólica. Ocasionam, portanto, alguma falha de síntese, degradação, armazenamento
ou transporte de moléculas no organismo. Tais erros do metabolismo são considerados a
causa das Doenças Metabólicas Hereditárias (DMH) em que a ausência de um produto
esperado, acúmulo de substrato da etapa anterior a interrompida ou o surgimento de uma
rota metabólica alternativa podem levar ao comprometimento dos processos celulares.

Epidemiologia
Esse grupo de doenças representa cerca de 10% de todas as doenças genéticas.
E ainda hoje, são tidos por muitos profissionais como casos extremamente raros de se
deparar durante a prática clínica sendo, muitas vezes, a última hipótese diagnóstica. Em
grande parte, são doenças que afetam todo o organismo e podem se manifestar em qualquer
faixa etária, fazendo com que médicos de diferentes especialidades devam atentar aos sinais
e sintomas de um erro metabólico em qualquer paciente que, porventura, possa ser
encaminhado aos seus cuidados.
A incidência isolada de cada uma das doenças metabólicas é pequena, até
porque tratam-se de doenças que, em geral, têm herança autossômica recessiva. No entanto,
se forem contabilizados os dados dos cerca de 500 distúrbios conhecidos, a frequência se
torna mais expressiva, de aproximadamente 1/5000 nascidos vivos. Deve ser considerado
que os números baixos podem representar, não só a raridade dos distúrbios, como, também,
a subestimação de seu diagnóstico. No Brasil, estima-se a prevalência isolada de algumas
doenças, como da fenilcetonúria, variando entre 1:12000 e 1:15000, da Doença da Urina de
Xarope de Bordo com prevalência de 1:43000 e da Deficiência de Biotinidase com 1:125000
recém-nascidos vivos.
Diagnóstico
As crianças portadoras de muitos EIM, como aqueles de manifestação aguda,
parecem perfeitamente normais ao nascimento. Em geral, os sintomas aparecem quando há
alteração, por fatores exógenos, do equilíbrio bioquímico mantido até o momento pela
criança. O diagnóstico clínico correto das DMH é dificultado pelo enorme número de
doenças de grande complexidade, pela variedade de sintomas clínicos, além de serem
consideradas, extremamente, raras pela maioria dos profissionais. Soma-se a tais
dificuldades, uma apresentação clínica bastante inespecífica, incluindo letargia, recusa
alimentar, icterícia, vômitos, diarreia, visceromegalia, retardo de crescimento, convulsões e
coma. Sintomas que sugerem causas bem mais frequentes, a exemplo das infecciosas, as
quais dificultam ainda mais o diagnóstico quando associadas. Entretanto, existem alguns
critérios e sinais que sem outra causa definida levam a pensar em uma Doença Metabólica
Hereditária, quais sejam:
- Hipotonia, hipoglicemia, irritabilidade, acidose, distúrbio hidroeletrolítico,
entre outros já citados;
- Crianças que, em associação aos citados acima, apresentem odores peculiares
ou dismorfias;
- Perda de habilidades adquiridas anteriormente;
- História de recorrência familiar ou consanguinidade entre os pais. A clínica que
alia a história da doença e um bom exame físico contribui, imensamente, para um
diagnóstico preciso através da identificação de sinais característicos de cada grupo de erros
inatos do metabolismo.
É capaz de conduzir para a realização de exames laboratoriais confirmatórios
mais adequados, para a terapêutica precoce, quando esta já se encontra desenvolvida, assim
como para o importante aconselhamento genético. Embora grande parte das DMH se
apresentem logo nos primeiros dias de vida, não se pode desconsiderar as doenças do
metabolismo que se manifestam na idade adulta, seja pelos sinais que passam despercebidos
durante a infância ou mesmo pelo curso natural da doença. A intolerância à frutose detectada
no adulto representa um bom exemplo. Foi descrita em paciente que desenvolveu aversão a
doces durante a infância e, sem diagnóstico, permaneceu sem sintomas por longo período,
até a infusão de uma solução contendo frutose na ocasião de uma cirurgia, quando evoluiu
com grave crise metabólica. Entre as DMH de manifestação em adultos estão as doenças
cujo diagnóstico é realizado na infância e, desde que acompanhado de tratamento adequado,
os pacientes atingem a idade adulta apenas com algumas complicações. A fenilcetonúria,
por exemplo, tratada com dieta pobre em fenilalanina é importante mesmo na vida adulta no
que se refere aos benefícios sobre as funções neuropsicológicas do paciente e, também, à
saúde fetal durante a gravidez de mulheres com hiperfenilalaninemia. A manutenção da dieta
pela mãe diminui a incidência no feto de retardo mental, microcefalia, defeitos congênitos
do coração e retardo de crescimento intra-uterino.
Até o momento, descreve-se mais de 500 tipos diferentes de EIMs,
correspondendo a cerca de 10% de todas as doenças genéticas; ainda que individualmente
raros, os EIMs são frequentes em conjunto, apresentando uma incidência cumulativa
estimada em 1:1.000 recém-nascidos vivos.
A detecção dos EIM é realizada, em parte, por programas de triagem neonatal,
mas a grande maioria depende, essencialmente, da suspeita clínica, visto que, os sintomas,
geralmente, são inespecíficos e podem mimetizar outras patologias mais frequentes. A
suspeita clínica sempre ocorre quando há história de doença neurológica sem etiologia
definida, recorrência familiar de morte neonatal ou infantil sem causa definida,
hepatomegalia (acompanhada ou não por esplenomegalia) sem etiologia, baixa estatura,
retardo mental progressivo, distúrbios bioquímicos recorrentes, vômitos recorrentes,
hipoglicemia, intolerância alimentar, regressão neurológica, displasias ósseas,
consanguinidade entre os pais, entre outros. Cerca de 30% dos pacientes com EIM
apresentam com manifestações neurológicas como convulsões, ataxia, distúrbios de
movimento.
São doenças debilitantes e que normalmente levam algum tempo para serem
descobertas devido a falta de conhecimento a seu respeito.
É importante que o diagnóstico de EIMs seja rápido e correto, uma vez que
muitos possuem tratamentos e reversão da história natural da doença. O tratamento precoce
minimiza os efeitos e os danos causados pelo acúmulo progressivo ou falta de um
determinado produto, que muitas vezes pode ser uma simples vitamina.

Diagnóstico diferencial
Diagnosticar, rapidamente, é essencial para impedir o agravamento e a
irreversibilidade dos sintomas, podendo representar a vida do paciente em alguns casos.
Nesse contexto, vale destacar o papel fundamental da triagem neonatal que possibilitou
grande avanço no conhecimento e tratamento de DHM a partir de sua detecção em fase pré-
clínica, prevenindo o dano neurológico ou mesmo a morte que essas patologias podem
ocasionar. A análise clínica abrangente encaminhará aos exames laboratoriais adequados
que podem começar com simples testes de urina. Esses testes não são suficientes para o
diagnóstico, porém, direcionam a suspeita para determinados tipos de EIM e devem ser
acompanhados de análises sanguíneas que incluam hemograma, gasometria venosa, sódio,
potássio, cloro, lactato, glicemia em jejum, amônia, transaminases hepáticas, colesterol,
triglicerídeos, piruvato, cálcio, fósforo, uréia, creatinina e ácido úrico.
A cromatografia de açúcares e de aminoácidos na urina e no sangue faz parte
dos testes iniciais. A simples observação da amostra e a percepção de odores peculiares
podem auxiliar muito. A partir dos testes já citados e da suspeita clínica, pode-se chegar bem
próximo do diagnóstico correto. No entanto, só será definitivo após a determinação da
atividade enzimática ou a identificação do defeito molecular que são exames bem mais
especializados e nem sempre disponíveis. Portanto, juntar dados clínicos com o resultado
de testes indiretos, como a dosagem sanguínea de substância acumulada, identificação de
metabólitos na urina e visualização de estruturas anormais em materiais de biópsia é uma
saída para o início de um tratamento eficaz. Ainda nos casos de evolução dramática, é
importante coletar material de análise antes do óbito para fins diagnósticos e para o posterior
aconselhamento genético da família.

Tratamento
A terapêutica adequada das DMH depende muito do erro inato do metabolismo
responsável pela doença e da substância acumulada que está levando ao desequilíbrio
bioquímico. Os procedimentos de emergência incluem a coleta de material para análise
laboratorial como já descrito; o tratamento do desequilíbrio metabólico a exemplo da
desidratação, acidose, hipoglicemia e distúrbio eletrolítico; a remoção de metabólitos tóxicos
seja por transfusão sanguínea ou estimulando a excreção; a suspensão da ingesta de proteínas
e carboidratos por cerca de 24 horas, mantendo nutrição parenteral, e, quando possível, a
suplementação com co-fatores que podem aumentar a atividade da enzima residual Com a
manifestação aguda controlada, segue-se para o controle permanente. Este pode relacionar-
se diretamente com a dieta. O tratamento através da dieta, comumente, está direcionado para
a redução de substrato acumulado, para a suplementação de um produto, para a estimulação
do bloqueio metabólico com co-fatores ou precursores enzimáticos, ou ainda para a
desintoxicação por metabólitos. Outros procedimentos são utilizados em doenças específicas
com relativo sucesso, como o transplante de medula óssea para alguns tipos de
mucopolissacaridoses, atenuando os sintomas de forma significativa. A terapia de reposição
enzimática já vem se tornando realidade eficaz para algumas doenças de depósito
lisossômico, como a doença de Gaucher, a doença de Fabry e a mucopolissacaridose I, e,
somada à terapia gênica, representa grande esperança para que se altere, radicalmente, o
prognóstico de muitos pacientes portadores de Doenças Metabólicas Hereditárias.

Fibrose Cística

A fibrose cística (FC) ou mucoviscidose é uma doença genética autossômica


recessiva, decorrente da ausência, deficiência da produção ou defeito na função de um
polipeptídio regulador da condutância transmembrana (cystic fibrosis transmembrane
regulator ou CFTR), que funciona na regulação da permeabilidade do íon cloro através de
células de órgãos epiteliais. A produção dessa proteína é codificada por um gene localizado
no braço longo do cromossomo. Nos últimos 15 anos, estudos com biologia molecular em
genética, transporte iônico e imunologia culminaram com a identificação, clonagem e
sequenciamento do gene da FC, favorecendo o conhecimento dos mecanismos bioquímicos
responsáveis pela fisiopatogenia da doença e abrindo novos horizontes para o
aconselhamento genético e para o tratamento de suas complicações.

Epidemiologia

A incidência da FC é variável de acordo com as etnias, variando de 1/2.000 a


1/5.000 caucasianos nascidos vivos na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá. No Brasil,
a incidência estimada para o Rio Grande do Sul parece aproximar-se da população
caucasiana centro-europeia, enquanto em Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina, reduz-se
para cerca de 1/7.800 a 1/9.500 nascidos vivos. A média da sobrevida na Europa, nos Estados
Uni- dos e no Canadá situa-se atualmente em torno de 35 anos, e estudos brasileiros
demonstraram que ela evoluiu de 6,4 anos no período 1979-1989 para cerca de 12,6 anos
entre 1970-1994. Números mais recentes, relativos aos anos 1990-2000, revelam que ela
atingiu 18,4 anos após o diagnóstico, dado que equivale àquele observado nos Estados
Unidos nos anos de 1980.

Se, por um lado, esses resultados são animadores, por outro, há os que são
preocupantes. Entre eles, destaca-se a idade ao diagnóstico, no Brasil, situada em torno dos
4 anos, diferentemente daqueles países, em que 60% dos casos novos são diagnosticados no
1º ano de vida. Esse perfil sofreu mudança brusca em 3 (MG, PR e SC) das 27 unidades
federativas brasileiras que implantaram a triagem neonatal, pois o diagnóstico definitivo
recuou para cerca de 6 semanas de vida.

Fisiopatologia

Como pode ser visto na Figura 3.1, há vários tipos de mutações no gene da CFTR (cerca de
1.800), que, diferentemente do indivíduo normal, conferem 5 situações das células epiteliais
pulmonares quanto à CFTR: ausência total de síntese, bloqueio no processamento, bloqueio
na regulação, condutância alterada e síntese reduzida. As 3 primeiras condições conferem
manifestações fenotípicas graves, enquanto as 2 últimas resultam em fenótipos com
manifestações mais leves.
Nos pulmões, a falta ou defeito na produção do canal de cloro causa alterações
no líquido de superfície das vias aéreas, com perda de sódio e água para o interstício do
epitélio e desidratação das camadas gel e sol das vias aéreas. O resultado está esquematizado
na Figura 3.2. Assim, altera-se a reologia das secreções das vias aéreas por diminuição do
batimento ciliar e impacção de muco, que favorecem a inflamação e a instalação de bactérias
como S. aureus, Pseudomonas aeruginosa, Stenotrophomonas maltophilia, bactérias do
complexo Burkholderia cepacia (CBc) e micobactérias atípicas. Como se instalam a
colonização e a infecção? O que acontece nas vias aéreas dos pacientes com FC?
Inicialmente, as vias aéreas mostram bactérias da microbiota normal. Com o passar do
tempo, os pacientes passam a ser infectados na seguinte ordem: Haemophilus influenzae e
parainfluenzae, Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa não mucoide,
Pseudomonas aeruginosa mucoide e Burkholderia cepacea.

A colonização por Pseudomonas aeruginosa ocorre entre o 5º e o 6º ano de vida


nos países desenvolvidos. No Brasil, infelizmente, a colonização é mais precoce. A evolução
dos pacientes após a colonização é variável: alguns apresentam pequeno declínio da função
pulmonar, em outros, a função piora rapidamente. Infecção precoce indica pior prognóstico
e parece que o diagnóstico precoce não diminui as chances de colonização. Outros fatores
determinam déficits espirométricos, a saber: desnutrição, infecção por CBc, diabete melito,
exacerbações pulmonares frequentes, insuficiência pancreática e algumas mutações.

Schaedel et al. 5 analisaram a evolução das FC durante 7 anos e observaram que


a gravidade das alterações funcionais verificadas à espirometria associou-se à função
pancreática e à colonização por Pseudomonas aeruginosa. De acordo com cada um dos 4
grupos estudados, o grau de déficit funcional variou na seguinte ordem crescente: suficiência
pancreática e ausência de colonização, insuficiência pancreática e ausência de colonização,
suficiência pancreática e presença de colonização e, finalmente, insuficiência pancreática e
presença de colonização. Os pacientes do grupo 4 foram os mais graves e com maior taxa de
complicações.

Ademais, a colonização por P. aeruginosa está associada ainda ao maior número


e duração das hospitalizações. Disso, depreende-se que a intervenção precoce e a prevenção
da doença pulmonar melhoram a qualidade de vida e incrementam a sobrevida.

Ademais, a colonização por P. aeruginosa está associada ainda ao maior número


e duração das hospitaliza- ções. Disso, depreende-se que a intervenção precoce e a prevenção
da doença pulmonar melhoram a qualidade de vida e incrementam a sobrevida.

Quadro Clínico

Manifestações Respiratórias:

A manifestação respiratória mais comum é a tosse persistente, às vezes


coqueluchoide, que pode instalar-se nas primeiras semanas de vida, perturbando o sono e a
alimentação do lactente. Muitas crianças apresentam-se com história de bronquiolite de
repetição, sibilância sem pronta resposta aos broncodilatadores ou pneumonias de repetição.
Com a evolução da doença, ocorre diminuição da tolerância ao exercício. Alguns pacientes
são oligossintomáticos por vários anos, o que não impede a progressão silenciosa para
bronquiectasias. A doença pulmonar evolui para cor pulmonale em praticamente 100% dos
fibrocísticos. Nas fases avança- das, os pacientes têm tórax em barril, expectoração
purulenta, principalmente matinal, frequência respiratória aumentada, dificuldade
expiratória, cianose periungueal e baqueteamento digital acentuado. Nessa fase, queixam-se
de falta de ar durante exercícios e fisioterapia e, posteriormente, em repouso.

As complicações incluem hemoptises recorrentes, impacções mucoides


brônquicas, atelectasias, empiema, enfisema progressivo, pneumotórax, fibrose pulmonar e
osteopatia hipertrófica, além de cor pulmonale. As vias aéreas superiores são comprometidas
na totalidade dos pacientes, na forma de pansinusite crônica com reagudizações, otite média
crônica ou recorrente, anosmia, deficiências auditivas e rouquidão transitória. A polipose
nasal ocorre em aproximadamente 20% dos pacientes e pode ser a primeira manifestação da
doença.

Como vários dos sinais e sintomas anteriormente relacionados são encontrados


em doenças de elevada prevalência no Brasil (doenças respiratórias, diarreias e desnutrição),
é indispensável que o pediatra esteja atento para possibilidade de FC.

Manifestações Digestivas:

As manifestações digestivas aparecem precocemente, podendo ocorrer até


mesmo na vida intrauterina (obstrução ileal, perfuração intestinal e peritonite meconial),
sendo a maioria decorrente da insuficiência pancreática (IP), que afeta cerca 60% das
crianças até 1 mês de vida, 80% aos 6 meses e 90% aos 12 meses de vida. Nos recém-
nascidos, o íleo meconial (obstrução do íleo terminal por mecônio espesso) é a manifestação
inicial da IP e pode acometer de 15 a 20% dos pacientes, mas, entre esses, cerca de 90%
constituem-se casos de FC. Vale dizer então que todo paciente com íleo meconial tem FC
até que se prove o contrário. Manifestações mais raras, porém muito precoces e sugestivas
de FC, são o edema hipoproteinêmico secundário à IP e aos distúrbios metabólicos, tais
como hiponatremia e alcalose metabólica hipoclorêmica. A principal manifestação digestiva
na FC é a má- -absorção intestinal, e múltiplos fatores contribuem para ela, entre os quais: a
deficiência de enzimas pancreáticas, inicialmente, secundária à obstrução dos ductos por
secreção muito espessa, causa- da pela ausência ou disfunção do CFTR; e, posteriormente,
a destruição progressiva do parênquima pancreático. A deficiência do bicarbonato
pancreático leva à acidificação do duodeno, o que provoca a inativação de enzimas
pancreáticas e favorece a precipitação de sais biliares, com prejuízo da digestão das gorduras.
O aumento de sais biliares conjugados à glicina em relação aos conjugados à taurina piora a
solubilização das gorduras, diminuindo a incorporação e o transporte dos ácidos graxos de
cadeia longa. Há, ainda, alterações funcionais da motilidade intestinal consequente a
alterações anatômicas decorrentes de ressecções (por íleo ou equivalente meconial),
estruturais (devido ao muco entérico mais espesso e abundante) e por eventual infla- mação
crônica da mucosa entérica.
Má-absorção Intestinal: Deve ser sempre considerada quando da presença de
anormalidades, como: distensão abdominal e diarreia crônica caracterizada por evacuações
amolecidas, volumosas, pálidas, com perda às vezes macroscópica de óleo; ganho baixo ou
perda de peso identificados na avaliação ponderal sistemática, principalmente nos pacientes
com uma ingestão calórica adequada ou aumentada (apetite voraz); quantidade anormal de
gordura nas fezes evidenciada pelo exame microscópico e coloração específica Sudam III,
pelo método semiquantitativo do esteatócrito, principalmente nos lactentes ou, ainda mais
acuradamente, pelo método quantitativo, que é a dosagem da gordura fecal de 3 dias (Van
de Kamer), no qual avalia-se a má-digestão e má-absorção. A perda de 2 g/dia ou mais de
gordura nas fezes dos lactentes ou 5 g/dia ou mais nas fezes das crianças maiores é altamente
indicativo de má-absorção de gorduras.

Função Pancreática: A confirmação da insuficiência pancreática é importante


para caracterizar seu diagnóstico, para promoção de uma terapêutica mais adequada pela
reposição enzimática e para orientar eventual suplementação de macro e micronutrientes. A
função pancreática pode ser avaliada por métodos diretos e indiretos. O padrão-ouro entre
os primeiros dá-se por meio da estimulação da secreção pancreática com secretina,
avaliando-se a res- posta com a quantificação das enzimas no suco duodenal. Além de ser
invasivo, é de alto custo.

Os métodos indiretos são os mais usados na prática clínica e incluem


procedimentos como: balanço de gordura (já descrito), que tem como inconvenientes a coleta
e conservação de todas as evacuações durante 72 horas consecutivas e o manuseio de um
grande volume de fezes em laboratório; esteatócrito ácido, que implica na quantificação da
coluna de gordura após diluição e centrifugação de pequena amostra de fezes; e dosagem de
enzimas nas fezes, entre elas a elastase-1 fecal, que representa o teste mais eficaz para
detecção da insuficiência pancreática; e a quimiotripsina fecal, teste de baixa sensibilidade.
A dosagem de tripsina imunorreativa no sangue é o método utilizado na triagem neonatal,
pois possibilita a orientação diagnóstica precoce da FC.

Íleo Meconial: A obstrução do íleo terminal por mecônio espesso é a


manifestação clínica mais precoce da FC e está presente em cerca de 10 a 20% dos pacientes.
Contudo, a maioria dos diagnósticos de íleo meconial deve-se à FC, o que deve servir de
alerta para a possibilidade diagnóstica poder ser sugerida ainda intraútero, quando a
obstrução da luz intestinal por mecônio espesso pode ser vista no exame de ecografia durante
o 2º tri- mestre de gravidez. No exame físico do neonato, observa-se distensão abdominal
progressiva, com vômitos biliosos e ausência de evacuação de mecônio. A radiografia de
abdome mostra sinais de obstrução intestinal baixa: alças distendidas sem níveis hidraéreos,
ausência de ar distalmente e aparência mosqueada, como se fosse vidro fosco, pela mistura
do ar com o mecônio desidratado. O exame contrastado (enema opaco) mostra um
microcólon e a obstrução em íleo distal. A maioria dos casos de íleo meconial necessita de
resolução cirúrgica.

Edema Hipoproteinêmico: É outra manifestação que surge no período neonatal,


com prevalência de 5% dos casos de FC. É secundário à insuficiência pancreática e à
desnutrição. Instala-se caso não haja pronta terapia de reposição enzimática e intervenção
nutricional.

Síndrome da Obstrução Intestinal Distal (Equivalente ao íleo meconial): É a


obstrução intestinal parcial ou completa após o período neonatal, acompanhada de distensão
e cólicas abdominais eventualmente de constipação ou parada de eliminação de gases e
fezes. Ocorre em cerca de 10 a 20% dos pacientes. Na maioria das vezes, tem boa evolução
com o tratamento clínico, pela administração de solução de polietilenoglicol 10 a 20 mL/kg
de peso.

Constipação Intestinal Crônica: É um evento raro que ocorre em alguns dos


pacientes sem insuficiência pancreática ou por saponificação das gorduras com
ressecamento das fezes nos pacientes com insuficiência pancreática.

Refluxo Gastroesofágico (RGE): A incidência elevada de RGE está bem


documenta- da. Alterações na motilidade gastroesofágica e no esvaziamento gástrico, além
de relaxamento inadequado do esfincter gastroesofágico, têm sido implicados como causa
do RGE, agravadas pelo aumento da pressão abdominal desencadeada pela tosse e pelo
rebaixamento diafragmático. Essa condição é deletéria para a função pulmonar, por
apresentar repercussões clínicas (tais como pneumonias de repetição). Aliada ao
comprometimento pulmonar já existente nos pacientes com FC, pode contribuir para uma
piora da função pulmonar.

Prolapso Retal: Ocorre em até 20% dos pacientes fibrocísticos com idade entre
6 e 36 meses com IP, principalmente antes da TRE, ou com reposição de baixas doses, sendo
raro após os 5 anos de idade. É recomendado que se realize o teste do suor em qualquer
lactente que apresente prolapso retal. Acredita-se que esse evento esteja relacionado com
diarreia crônica, fezes volumosas, tônus muscular diminuído, desnutrição e tosse intensa. A
dor abdominal é uma manifestação clínica muito prevalente nos fibrocísticos. Naqueles sem
IP, paradoxalmente, a pancreatite deve ser investigada como uma possível causa da dor.
Naqueles com IP, além da investigação para as causas mais comuns de dor abdominal, na
faixa etária e no nosso meio, investigar também as causas relacionadas à IP.

Manifestações Hepatobiliares: Elas são reconhecidas desde a primeira descrição


da doença por Dorothy Andersen em 1938. Está presente em mais de 50% das autopsias. Em
estudos prospectivos, 25% dos pacientes apresentam alterações laboratoriais, cerca de 5%
são sintomáticos e 2% evoluem para o óbito por doença hepatobiliar. A secreção anormal de
íons pelo epitélio das vias bi- liares, secundária ao defeito básico, leva a aumento da
viscosidade e diminuição do fluxo biliar, predispondo à obstrução dos canalículos biliares,
reação inflamatória e fibrose biliar característica.

Outras Manifestações Clínicas:

Outras manifestações sugestivas da doença incluem atraso puberal, azoospermia,


osteopatia hipertrófica e suor salgado.
Diagnóstico

Nos países desenvolvidos, a maioria dos pacientes tem diagnóstico firmado antes
dos 2 anos de idade. No Brasil, cerca de 80% dos doentes apresentam sintomas sugestivos
da doença antes de completarem 12 meses de vida, mas cerca de 50% dos casos são
diagnosticados apenas após os 3 anos de idade. É responsabilidade do pediatra-geral estar
alerta para as manifestações clínicas da FC, para se orientar melhor quanto à solicitação de
exames complementares visando ao diagnóstico o mais precocemente possível.

Em outras palavras, deve-se suspeitar de FC nas crianças com: história familiar


sugestiva (cloretos alterados, óbitos por doenças respiratórias crônicas), íleo meconial,
pneumopatias crônicas e/ou de repetição (uma vez excluídas as mais prevalentes, como é o
caso da asma), diarreia crônica, desnutrição, déficits de crescimento, distúrbios
hidreletrolíticos (especialmente hiponatremia e alcalose metabólica) e/ou isolamento casual
de P. aeruginosa em secreções respiratórias. Cabe ressaltar, ainda, que a observação clínica
de casos diagnostica- dos pela triagem neonatal tem revelado a presença de avidez pelo
alimento sem a correspondente saciedade. Em todas essas situações, é imperiosa a
solicitação de dosagem de cloretos no suor, fato que vem ocorrendo em Belo Horizonte, após
a divulgação dessas indicações aos pediatras da rede SUS, onde houve expressivo
incremento da solicitação do número de testes de suor. A Figura 3.4, a seguir, mostra um
roteiro diagnóstico para a fibrose cística.

Teste do suor

Tem elevadas sensibilidade e especificidade (> 95%), baixo custo e não é


invasivo. O procedimento mais aceitável é o da dosagem quantitativa de cloretos no suor,
cuja amostra (pelo menos 75 mg) deve ser obtida pelo método da iontoforese após
estimulação com pilocarpina em um período de coleta que não ultrapasse 30 mi- nutos. A
estimulação da sudorese por meio de bolsas plásticas é destituída de valor. O diagnóstico de
FC é confirmado quando a concentração de cloretos é superior a 60 mEq/L. Os níveis
normais são inferiores a 40 mEq/L e dosagens entre 40 e 60 mEq/L de- vem ser consideradas
duvidosas; nesses casos, o teste do suor deve ser repetido principalmente na presença de
sinais e sintomas sugestivos de FC. Pela gravidade da doença e pelo prognóstico reservado
da mesma, o diagnóstico de FC somente poderá ser confirmado com 2 testes positivos,
realizados em momentos diferentes. Não existe correlação entre a concentração de íons no
suor e a gravidade da doença.

Em fibrocísticos, tanto o cloro como o sódio estão elevados, a diferença entre


eles não deve ultrapassar 15 a 20mEq/L, e a relação cloro/sódio deve ser sempre maior que
1. Uma concentração de cloro maior que 160 mEq/L é fisiologicamente impossível e sugere
erro na coleta ou na dosagem.

Resultados falso-positivos podem surgir em doenças raras, como é o caso da


insuficiência suprarrenal não tratada, displasia ectodérmica, hipoparatireoidismo,
hipotireoidismo, diabetes insípido nefrogênico, deficiência de glicose-6-fosfatase, síndrome
nefrótica, doença de Von Gierke, fucosidose, colestase familiar, pseudo-
hipoaldosteronismo, mucopolissacaridose e pan-hipopituitarismo. Por outro lado, a presença
de hipoproteinemia e/ou edema podem ser responsáveis por exames falso-negativos.

Análise de Mutações: A identificação de duas mutações conhecidas confirma o

diagnóstico de FC, sendo decisiva naquele paciente que apresenta quadro clínico compatível
e teste do suor não conclusivo. Trata-se de procedimento de custo elevado.

Triagem Neonatal (TNN): Em 1979, Crossley et al. observaram nível


aumentado de tripsinogênio (TIR) em recém-nascidos com fibrose cística. Acredita-se que
o aumento da tripsina sérica seja secundário ao refluxo de secreção pancreática, provocado
pela obstrução dos ductos no pâncreas. O teste pode ser realizado com amostra de sangue
recolhido sobre papel de filtro na mesma mostra realizada para o teste do pezinho para
fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito e anemia falciforme.
A dosagem do TIR é um indicador indireto da doença, pois avalia a integridade
da função pancreática. Se esta estiver normal por ocasião do nascimento, o teste poderá ser
negativo. Os resultados falso-negativos e falso-positivos estão relacionados principalmente
a condições clínicas no período neonatal, tais como insuficiência respiratória, hipoglicemia
e doenças genéticas.

Quando o teste for positivo com valores acima do padrão adotado, geralmente
70 ng/mL, deverá ser repetido em até 30 dias. Caso persista positivo, o paciente deverá ser
submetido ao teste do suor para confirmar ou afastar a FC.

Em 1989, com a descoberta do gene da FC, a tecnologia do DNA foi incorporada


no diagnóstico da FC e, na TNN, foi possível simplificar os procedimentos com a coleta de
apenas 1 amostra de sangue para a realização de TIR/DNA. TIR/TIR e TIR/DNA têm
sensibilidades similares, e o método que usa DNA ganha em praticidade e tempo, mas tem
como desvantagem a detecção de indivíduos heterozigotos que não têm FC, resultando no
aumento do número de candidatos a realizarem o teste do suor e aconselhamento genético.

Entre os argumentos favoráveis à TNN, encontram-se a melhoria do estado


nutricional e a correção precoce do déficit de vitaminas. Pacientes diagnosticados pela TNN
têm melhor ganho ponderoestatural que o grupo não triado. Foi observada também a relação
entre deficiência de vitamina E e déficit cognitivo, em uma avaliação de crianças submetidas
à TNN comparadas com o grupo-controle. O monitoramento e o diagnóstico de colonização
pelas bactérias envolvidas na FC possibilitam a erradicação precoce dessas bactérias
patogênicas. O diagnóstico precoce da FC, particularmente em pacientes assintomáticos por
ocasião do diagnóstico, é associado com melhor função pulmonar quando com- parado com
o grupo-controle. Esse achado não foi observado no estudo randomizado conduzido pelo
grupo de Wisconsin (EUA). Entretanto, na radiografia de tórax acompanhada durante 10
anos, foi observada menor proporção de anormalidades no grupo TNN. Observou-se também
que pacientes com diagnóstico tradicional tinham 28% de cultura positiva para P. aeruginosa
no primeiro ano após o diagnóstico, contra apenas 12% nos pacientes com TNN.

Finalmente, a TNN proporciona os aconselhamentos genético e reprodutivo e dá


a oportunidade de encaminhar os pacientes para centros de referência de FC para cuidados
especializados e estratégias de prevenção. Pode também eliminar erros diagnósticos,
condutas inadequadas e complicações da doença, prevenindo algumas mortes e diminuindo
o estresse psicológico gera- do pelo diagnóstico tardio.

No Brasil, desde 2001-2003, a triagem tem sido realizada em Minas Gerais,


Paraná e Santa Catarina e, mais recentemente, de acordo com o Ministério da Saúde (que
ora planeja a expansão para todo o território nacional) ela está implantada no Espírito Santo,
Goiás, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul e São Paulo. Os resultados iniciais
mostram diminuição radical da idade média do diagnóstico (que passou a ser feito nas
primeiras 4 a 6 semanas de vida) e melhor condição nutricional dos pacientes triados.

Tratamento
Nos países desenvolvidos, a maioria dos pacientes tem diagnóstico firmado antes
dos 2 anos de idade. No Brasil, cerca de 80% dos doentes apresentam sintomas sugestivos
da doença antes de completarem 12 meses de vida, mas cerca de 50% dos casos são
diagnosticados apenas após os 3 anos de idade. É responsabilidade do pediatra-geral estar
alerta para as manifestações clínicas da FC, para se orientar melhor quanto à solicitação de
exames complementares visando ao diagnóstico o mais precocemente possível.

Em outras palavras, deve-se suspeitar de FC nas crianças com: história familiar


sugestiva (cloretos alterados, óbitos por doenças respiratórias crônicas), íleo meconial,
pneumopatias crônicas e/ou de repetição (uma vez excluídas as mais prevalentes, como é o
caso da asma), diarreia crônica, desnutrição, déficits de crescimento, distúrbios
hidreletrolíticos (especialmente hiponatremia e alcalose metabólica) e/ou isolamento casual
de P. aeruginosa em secreções respiratórias. Cabe ressaltar, ainda, que a observação clínica
de casos diagnostica- dos pela triagem neonatal tem revelado a presença de avidez pelo
alimento sem a correspondente saciedade. Em todas essas situações, é imperiosa a
solicitação de dosagem de cloretos no suor, fato que vem ocorrendo em Belo Horizonte, após
a divulgação dessas indicações aos pediatras da rede SUS, onde houve expressivo
incremento da solicitação do número de testes de suor. A Figura 3.4, a seguir, mostra um
roteiro diagnóstico para a fibrose cística.

Deve-se estabelecer um programa de tratamento multidisciplinar, vigoroso e


contínuo, preferentemente em centro especializado, visando à profilaxia das infecções e das
complicações. Deve ser iniciado o mais precocemente possível e ser individualizado,
levando-se em conta a gravidade e os órgãos acometidos. O tratamento precoce retarda a
progressão das lesões pulmonares, melhora o prognóstico e aumenta a sobrevida.

Tratamento das manifestações Pulmonares: O tratamento é dirigido para a


infecção endobrônquica crônica, preferencialmente em centros especializados, devido ao
caráter multissistêmico da doença. Ainda existem dúvidas e controvérsias. Quando intervir?
Antes dos sintomas? Antes do dano pulmonar se tornar evidente? Na presença de
colonização bacteriana? Na presença de inflamação das vias aéreas?

Sabe-se que a progressão da FC leva à perda da função pulmonar (FP). A taxa


de declínio da FP é inversa- mente correlacionada com a sobrevida, e a redução na taxa de
declínio causa impacto na sobrevida. Quanto mais cedo tratar os pacientes de alto risco,
maiores serão os benefícios.

Uma vez diagnosticada a FP, é necessário seguimento por toda vida. A pesquisa
de microrganismos na oro- faringe, no aspirado traqueal ou no escarro induzido deve ser
realizada rotineiramente, se possível, em todas as consultas de um paciente com FC. Os
fibrocísticos maiores de 6 anos devem realizar espirometria (e, se possível, pletismografia)
2 vezes/ano, e medida da saturação transcutânea de oxigênio da hemoglobina em cada
consulta, radiografia simples de tórax e tomografia computadorizada de alta resolução, a
cada 2 ou 3 anos após 5 a 6 anos de idade ou antes, se as condições clínicas exigirem. Sabe-
se que a TC é mais sensível e específica em detectar alterações iniciais que os raios X e a
espirometria.

Como é mandatória a parceria entre a equipe do centro de referência e o pediatra,


torna-se indispensável que este reconheça os sinais e sintomas associados às exacerbações
pulmonares, pois constituem indicação formal de antibioticoterapia. São eles: febre;
aumento da frequência, intensidade e duração da tosse; aumento ou reapareci- mento da
expectoração, expectoração amarelada ou ama- relo-esverdeada; redução do apetite e da
tolerância aos exercícios; agravamento ou primeiro episódio de hemoptise; e aumento da
frequência respiratória, da fadiga e da sonolência. Ademais, a presença de retrações
intercostais, uso da musculatura acessória, aparecimento de ruídos adventícios, piora da
ausculta pulmonar, perda de peso e aumento dos sinais de aprisionamento de ar são forte-
mente sugestivos de exacerbação. Entre as alterações laboratoriais, destacam-se: a
diminuição do VEF1 (10% ou mais) do valor basal dos últimos 6 meses, radiografia de tórax
com aumento de aprisionamento de ar ou infiltrados aumentados ou de primeiro
aparecimento, leucocitose e diminuição da saturação de oxigênio.

Pacientes infectados cronicamente ou que apresentem exacerbações pulmonares


devem ser internados para receberem antibioticoterapia intravenosa por 14 a 21 dias. Como
frequentemente existe associação de S. aureus com Pseudomonas aeruginosa é oportuno
ministrar: oxacilina (200 mg/kg/dia 4 vezes/dia), amicacina (30 mg/kg/dia 1 a 2 vezes/dia)
e ceftazidima (150 mg/ kg/dia 2 a 3 vezes/dia).

Além das exacerbações, existem duas outras condições que recomendam a


antibioticoterapia: precocemente, diante da primeira cultura de orofaringe positiva ou
mesmo ao aumento dos anticorpos séricos contra Pseudomonas aeruginosa independente do
estado geral do paciente; e nos pacientes colonizados cronicamente com S. aureus e/ou P.
aeruginosa, na tentativa de diminuir o declínio da função pulmonar e reduzir a morbidade.
Em função de fugir do escopo desta obra, o amplo detalhamento das doses de outros
antimicrobianos parenterais e inalatórios usados na FC, os autores sugerem que o leitor
consulte os manuais e livros-texto de pneumologia pediátrica. Entre os mucolíticos, o mais
estudado é a DNase humana recombinante que cliva o DNA do muco, reduzindo a
viscosidade do escarro. Inalações com soluções de NaCl a 7%, administradas 4 vezes por
dia, por períodos curtos ou longos, aumentam o volume do líquido de superfície das vias
aéreas e o clearance mucociliar e melhoram a função pulmonar e a qualidade de vida de
pacientes com fibrose cística. Os estudos preconizam a administração de salbutamol por
aerossol dosimetrado pressurizado (spray oral), 30 a 60 minutos antes da inalação com a
solução salina hipertônica.

As conclusões dos trabalhos recentes são que a ad- ministração de solução


inalatória de 5 mL de NaCl a 7%, precedida de salbutamol inalado (200 mg) é segura, eficaz
e com poucos efeitos colaterais. Dentre a baixa frequência de efeitos colaterais (menos de
2%), foram encontrados (em maior número de fibrocísticos que utilizaram NaCl a 7%,
quando comparados com aqueles que utilizaram placebo): tosse, hemoptise, faringite e
broncoespasmo. Um dos achados mais importantes foi que a solução salina a 7% não piorou
a infecção e a inflamação pulmonar, mesmo quando utilizada por longos períodos de tempo.

No momento atual, a inalação com NaCl a 7% parece ser uma solução


promissora e estimulante para ser aplicada em pacientes com FC no Brasil, até que novas
conclusões de estudos de fase IV possam mostrar o contrário ou confirmar que esta medida
de baixo custo é mesmo eficaz. A longo prazo, o seu uso parece aumentar a colonização e a
infecção endobrônquica por Pseudomonas aeruginosa. Pelo menos 50% dos pacientes
fibrocísticos evoluem com hiper-responsividade das vias aéreas. Nesses, a utilização de beta-
agonistas de longa duração associados a esteroides inalados pode ser benéfica. Seguramente,
deve-se utilizar broncodilatadores e corticosteroides inalatórios nos pacientes fibrocísticos
com asma atópica concomitante.

Mais recentemente, a azitromicina tem demonstrado efeitos anti-inflamatórios


eficazes na FC. Tem-se de- monstrado que os macrolídeos atuam na modulação da
inflamação, na diminuição do número de neutrófilos e de IL-8, no lavado broncoalveolar, no
escarro e na diminuição da migração de neutrófilos e da produção de superóxido. Entre os
efeitos antimicrobianos, cita-se a inibição da formação de biofilme e a da aderência
bacteriana.

 Oxigenoterapia: Na FC, ela está indicada durante o dia, nos casos de


falência respiratória hipoxêmica, ou seja, PaO 2 < 55 mmHg ou PaO 2 < 59 mmHg sob
ar ambiente associada a edema e/ou hematócrito > 55 mm e/ou onda p no ECG. Já a
oxigenoterapia noturna é recomendada quando a SaO 2 é < 90% por período maior que
10% do tempo de sono e/ou SaO 2 < 88% aos exercícios. Os aparelhos para inaloterapia
devem ser individuais e desinfetados com frequência.

Terapia de Reposição Enzimática (TRE): Vem sendo utilizada desde a


descrição da FC, com enzimas obtidas de pâncreas porcino ou bovino inicial- mente, em
apresentações sem controle de qualidade adequado até apresentações sofisticadas, em
microesferas ou microtabletes, ácido-resistentes e concentrações enzimáticas mais
uniformes e padronizadas. Deve ser instituída tão logo seja feito o diagnóstico de FC e de
IP, independentemente da idade, mesmo em recém-nascidos. Alguns autores sugerem que,
frente a uma evidência de íleo meconial, a TRE seja instituída mesmo antes dessa
confirmação, uma vez que ela não interfere no diagnóstico da FC, evitando, assim, a insta-
lação ou o agravamento da desnutrição. Não há uma regra absoluta para sua prescrição.
Muitos fatores interferem na quantidade necessária de enzimas a cada refeição. Pode variar
de paciente para paciente, dependendo da dieta e do grau da IP. Para crianças com
alimentação exclusivamente láctea, oferecer, em média, 500 a 1.000 unidades de lipase por
grama de gordura ingerida por refeição. Por exemplo, lactente de 4 meses recebendo 200
mL de fórmula láctea com 3 g% de gordura a cada 4 horas deve receber de 3.000 a 6.000
unidades de lipase/refeição. Recomenda-se iniciar com a menor dose e ajustá-la conforme
as necessidades.
Outra maneira de orientar a dose de enzimas é prescrever, em média, 500 a 1.000
unidades de lipase/kg/refeição/dia. Uma criança de 1 ano com 9 kg, que faz 6 refeições ao
dia, deveria receber de 4.500 a 9.000 unidades de lipase/refeição. Deve-se levar em conta a
variabilidade da densidade calórica de cada refeição, para melhor orientar as doses de
enzimas em cada refeição. Quando a dose necessária para um bom controle da IP ultrapassar
10.000 unidades de lipase/kg/dia, deve-se atentar para a existência de fatores que interfiram
na ação das enzimas e para os riscos de complicações resultantes do uso de altas doses de
enzima por dia.

Apesar de a evolução tecnológica disponibilizar hoje preparações enzimáticas


de boa qualidade, são recomendados, para os pacientes obterem um melhor aproveitamento
da terapia de reposição enzimática, ajustes sistemáticos das doses das enzimas, levando-se
em conta a quantidade e a qualidade das refeições, os sintomas do paciente, o aspecto das
evacuações e, principalmente, a avaliação do ganho de peso. Para um melhor aproveitamento
das enzimas repostas, é recomendado que as refeições sejam feitas em “blocos”, evitando-
se “beliscar” alimentos, sejam oferecidas enzimas no início de todas as refeições, lembrando
que a ação delas dura aproximadamente 45 a 60 minutos.

O insucesso da TRE pode estar associado à baixa adesão e seus determinantes


nos familiares e no paciente (principalmente no adolescente), enzimas com data de validade
vencida, armazenamento inadequado das mesmas, densidade calórica muito variável das
refeições, não uso de enzimas nos lanches e presença de doenças, como parasitoses
intestinais, intolerâncias e alergias alimenta- res, diabetes, doença hepática e doença celíaca.
Para os recém-nascidos, a cápsula que contém os grânulos de enzimas pode ser aberta, e
esses podem ser fracionados de acordo com a dose recomendada e colocados na porção mais
posterior da boca, oferecendo amamentação logo em seguida.

Deve-se evitar a diluição ou trituração dos grânulos, pois a retirada da proteção


antiacidez favorece a ativação das enzimas, ainda na boca, pela presença do pH neutro
alcalino, com subsequente inativação das enzimas no meio ácido do estômago. Para
pacientes em pós-operatório, com sonda nasogástrica ou entérica ou em ventilação assistida,
as enzimas podem ser oferecidas na forma de pó diluído em pequenos volumes de água (5
mL) na dose de 500 unidades de lipase/kg, através da sonda com intervalos de 3 a 4 horas,
o que evita a obstrução intestinal. Para uma terapia de reposição enzimática ser exitosa, é
necessário ser periodicamente reavaliada.

Os produtos comerciais disponíveis no mercado brasileiro contêm amilase e


protease além da lípase, e recebem denominações de acordo com a concentração desta
última. Existem produtos comerciais contendo 4.500, 10.000, 12.000 e 25.000 unidades.

Suporte Nutricional: A importância da nutrição no bem-estar e na sobre- vida


dos fibrocísticos está bem estabelecida, assim como a associação entre a desnutrição e
deterioração da função pulmonar.
Existem múltiplos fatores interrelacionados que afetam a nutrição, tais como:
genética, insuficiência pancreática, ressecção intestinal, perda de sais e ácidos biliares,
refluxo gastresofágico, inflamação, infecções, diabetes e condições emocionais. É
importante monitorar a nutrição de todos os pacientes em cada vi- sita clínica, e promover
intervenção nutricional adequa- da. Os pacientes devem ser vistos em seguimento de rotina,
a cada 3 ou 4 meses. O objetivo da intervenção nutricional é antecipar e tratar os déficits
nutricionais e as complicações. O manejo nutricional do fibrocístico requer um trabalho
colaborativo de equipe e pais para:

 Fazer um recordatório alimentar no mínimo anual (mais frequente na


condição de perda ou ganho de peso inadequado);
 Fazer uma terapia dietética individualizada, de acordo com a idade,
estado clínico do paciente e outros fatores;
 Integrar o manejo nutricional com outros aspectos do cuidado geral
do paciente;
 Dar informações ao paciente sobre suas necessidades nutricionais;
 Dar assessoria econômica para eventual suporte nutricional.

A avaliação nutricional deve constar das medidas antropométricas (peso, altura,


perímetro cefálico, pregas cutâneas e circunferência do braço), testes de laboratório, exame
físico e avaliação da consistência das fezes, sinais e sintomas abdominais associados e
terapia de reposição enzimática. A intervenção nutricional deve iniciar-se no momento do
diagnóstico e inclui a educação nutricional, a orientação dietética, a suplementação de
vitaminas e a terapia de reposição enzimática.

O paciente e seus familiares devem ter ciência que o alimento é tão importante
quanto um remédio. A orientação deve ser continuada, porque os ajustes na terapia
enzimática são frequentes, em razão das alterações da dieta, dos requerimentos nutricionais
com o crescimento e a idade ou do aparecimento de complicações como diabetes. Deve,
ainda, ser encorajada uma dieta normal, com ênfase na ingestão de gorduras. Também é
importante a suplementação de sais, principalmente no verão, e das vitaminas A, D, E e K
em apresentação hidrossolúvel na condição de IP. Se os problemas nutricionais se tornam
mais graves (exacerbações infecciosas e períodos de crescimento rápido), os cuidados devem
ser tomados na seguinte ordem: aumento da oferta de calorias na dieta, suplementação oral,
suplementação enteral, gastrostomia e nutrição parenteral.

Desnutrição Infantil

A desnutrição energético-proteica (DEP) pode ser considerada um desabalanço


celular entre o suprimento de nutrientes (macro e micro) e a demanda do organismo para
assegurar sua manutenção, crescimento e funções metabólicas. Pode ser classificada como
primária ou secundária.
A forma primária de DEP acontece quando há oferta insuficiente de nutrientes
por determinado período. Nóbrega et al.2 sugerem que, em nosso meio, essa forma de DEP
não deve ser considerada resultado da carência exclusiva de alimentos, tratando-se de uma
entidade multifatorial, envolvendo aspectos de natureza médica e social, o que torna seu
diagnóstico e tratamento ainda mais complexos.

A forma secundária de DEP está associada a outras doenças ou situações (p. ex.:
fibrose cística, cardiopatia congênita, neuropatias). Desenvolve-se por perda anormal de
nutrientes, aumento do gasto energético e/ou diminuição da ingestão alimentar.

Epidemiologia

A prevalência de DEP apresentou significativa redução em vários países,


incluindo o Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional de Demografia da Criança e da Mulher
(PNDS) de 2006, houve declínio expressivo na frequência de déficit de peso/idade,
peso/altura e altura/idade em crianças menores de 5 anos em todas as regiões do Brasil. A
queda foi menos expressiva na Região Norte.

Apesar da queda na
prevalência, mesmo a forma primária de
DEP pode ser encontrada em bolsões de
pobreza urbanos das regiões Sudeste, Sul
e Centro-Oeste; grande parte da Região
Norte, no semiárido nordestino e em
populações indígenas em geral. A forma
secundária a doenças é observada com
frequência em unidades hospitalares. Estudo multicêntrico conduzido com crianças abaixo
de 5 anos internadas em hospitais gerais de ensino de capitais brasileiras encontrou 16,3 e
30% de comprometimento (escore z inferior a -2) dos indicadores peso/ estatura e
estatura/idade, respectivamente.

A OMS estima que mais de 20 milhões de crianças nasçam com baixo peso a
cada ano, cerca de 150 milhões de crianças menores de 5 anos tenham baixo peso para a sua
idade e 182 milhões (32,5%) tenham baixa estatura. Alguns autores referem, no entanto, que
esses valores podem estar subestimados devido a dificuldades para o cálculo de cifras exatas
sobre a prevalência mundial de desnutrição. Cerca de 20 a 30% das crianças gravemente
desnutridas vão a óbito durante o tratamento em serviços de saúde de países em desenvol-
vimento. Essas cifras tem se mantido inalteradas nas últimas 5 décadas e correspondem a
um percentual 4 a 6 vezes mais alto que a taxa de 5%, reconhecida como aceitável pela OMS.

Além da elevada prevalência, a DEP toma-se, direta ou indiretamente, uma das


principais causas de mortalidade e morbidade nas crianças abaixo de 5 anos, período de
maior vulnerabilidade. Isso pode ser explicado pela elevada velocidade de crescimento
observada nessa faixa etária, com maiores necessidades energéticas e também pela perda
paulatina da imunidade passiva ao longo do primeiro ano de vida.
A partir dos estudos de Nóbrega e colaboradores, os desnutridos no Brasil têm
duas origens: os miseráveis, que não dispõem de recurso algum para alimentação da família,
e aqueles que, embora tenham recursos materiais para atender à demanda nutricional das
crianças, não o fazem por não terem o envolvimento e a capacidade pessoal histórica e básica
para suprir os seus filhos. Cerca de 30% das mães de crianças desnutridas são eutróficas ou
obesas, lá uma maior prevalência de desnutrição no segundo ano de vida, porque, apesar do
aleitamento “proteger” as crianças, o desmame é feito precocemente e de forma errada.

Além disso, as condições sanitárias insatisfatórias c as práticas inadequadas de


higiene acompanham a desnutrição, o que favorece a ocorrência de parasitoses, infecções e
diarreia, apetite diminui por causa das dores abdominais e às vezes da febre. A criança passa
a comer menos do que o normal c provavelmente menos do que precisa para ter crescimento
e desenvolvimento normais. A OMS destaca as principais intervenções globais em prol do
combate à desnutrição infantil:

 Intervenções maternas: suplementação de ferro e ácido fólico na


gestação, utilização do sal iodado, suplementação do cálcio materno, redução do
tabagismo e da poluição ambiental.
 Intervenções neonatais: promoção do aleitamento materno.
 Intervenções infantis: promoção ao aleitamento materno, melhoria
da qualidade da alimentação complementar, suplementação de zinco, vitamina A e
iodo e estimulação a práticas de higiene como a lavagem periódica das mãos com
água e sabão.

Etiologia
A desnutrição primária na infância não é apenas
resultado de uma oferta insuficiente de alimentos mas de uma interação de múltiplos fatores
relacionados à pobreza, dentre os quais destacam-se:
• Maior necessidade metabólica na infância, tanto de energia como de
proteínas, em relação aos demais membros da família.
• Administração dos alimentos complementares com baixo teor
energético e com baixa frequência, alimentos muito diluídos e com higiene
inadequada.
• Baixa disponibilidade de alimentos devido à pobreza, desigualdade
social, falta de terra para cultivar e problemas de distribuição intrafamiliar.
• As infecções virais,
bacterianas e parasitárias repetidas, que
podem produzir anorexia e reduzir a
ingestão de nutrientes, sua absorção e sua
utilização, ou produzir a sua perda.
• Desastres ambientais
causados por secas, enchentes ou guerras.
• Desestruturação familiar.

Fisiopatologia

Como consequência da baixa ingestão


alimentar, a criança toma-se hipoativa. Essa é a primeira resposta adaptativa do organismo
à privação energética, quase impossível de se avaliar objetivamente. Posteriormente, ocorre
uma parada do crescimento: inicialmente diminui o ganho de peso e em seguida a estatura.
I lá uma repercussão multissistêmica na DEP moderada a grave.

A fisiologia hormonal se altera com o objetivo de captar energia por outras vias
metabólicas. Entretanto, deve-se observar que a natureza das alterações hormonais e
diferente nos dois principais tipos de desnutrição grave, o marasmo (forma não edematosa)
e o kwashiorkor (forma edematosa). As razões pelas quais algumas crianças desenvolvem
um tipo ou outro de desnutrição não são conhecidas, mas alguns fatores têm sido sugeridos.
Tem sido proposto que o excesso de carboidratos em uma dieta em detrimento do teor
proteico resulte em um maior consumo das proteínas corporais, diminuição da síntese de
albumina e edema periférico, como acontece no kwashiorkor. Enquanto o cortisol está mais
elevado no marasmo, o kwashiorkor apresenta maior nível de hormônio do crescimento. As
soma nível de hormônio do crescimento. As somatomedinas estão normais na criança com
marasmo, mas reduzidas no kwashiorkor.

Alterações metabólicas e Hormonais


Há uma redução global do metabolismo com diminuição do gasto energético, da
atividade da bomba de sódio-potássio e da síntese de proteínas.

Redução de todos os substratos energéticos

Glicogênio, gorduras e proteínas. Inicialmente há um aumento da glicólise


(quebra de glicogênio), lipólise (liberação de ácidos graxos) e neoglicogênese (síntese de
glicose a partir do glicerol dos ácidos graxos e aminoácidos), para geração de energia. O
metabolismo cerebral é mantido à custa de ácidos graxos e corpos cetônicos produzidos pela
lipólise, estimulada pelo hormônio do crescimento e pela epinefrina.

O consumo progressivo desses estoques de energia leva à queda plasmática nos


níveis de glicose e aminoácidos, e com isto ocorre uma diminuição da insulina sérica e um
aumento do glucagon e da adrenalina. Os níveis de GH se elevam, e com ele há maior esti-
mulo à lipólise. Por outro lado, os níveis de IGF-1 (ou Somatomedina C) estão reduzidos. O
estresse provocado pela DEPe as infecções estimulam a secreção de cortisol, que atua sobre
a glicogenólise e gliconeogênese (consumo muscular), aumentando-a. Os níveis de T3 e T4
estão reduzidos em função da diminuição da atividade da enzima 5 monodeio-dinidase e
pela menor captação de iodo tireoidiano. Assim, há queda da termogénese corpórea e no
consumo de oxigênio.

A atividade da bomba de sódio-potássio encontra-se muito reduzida pela menor


oferta de ATP. Com isso, a célula passa a excretar menos sódio e importar menos potássio.
O sódio corporal total está aumentado, mas seus níveis séricos estão reduzidos
(HIPONATREMIA). Embora a água corporal total esteja diminuída em função da redução
da massa muscular e do tecido adiposo, a célula tem tendência a cdemaciar (pela retenção
de sódio). O potássio intra e extracelular encontram-se reduzidos (HIPOCALEMIA). A re-
dução do gradiente de sódio transmembrana faz com que menos H+ seja excretado, pro-
duzindo um quadro de acidose intracelular e alcalose extracelular.

Todo esse desequilíbrio hidroeletrolitico faz com que aumentem os níveis de


cálcio intracitoplasmáticos, com desencadeamento de reaçòcs bioquímicas que levam à lise
celular. A perda de potássio e o aumento do cálcio explicam a redução na força contrátil dos
miócitos cardíacos na DEP grave. A deficiência de magnésio (HIPOMAGNESEMIA)
também é comum na DEP grave.

Alterações Imunológicas

Ocorre um prejuízo nas defesas especificas e inespecíficas, na defesa celular e


humoral. sendo a intensidade do déficit celular de maior importância.

• Imunidade inespecífica: há perda da integridade das barreiras


cpitelial e mucosa, diminuição de fatores como muco, pH e lisozima.
• Imunidade celular: redução na população de linfócitos T no timo,
baço e linfonodos. menor produção de interleucina 1 (IL-1) e redução de quantidade e
qualidade em alguns fatores complemento. Assim, há uma menor capacidade de
opsonização, fagocitose e quimiotaxia. Os testes cutâneos geralmente apresentam-se
negativos (ex.: candidina e PPD).
• Imunidade humoral: a função humoral (linfócitos B e
imunoglobulinas), que está relativamente preservada, pode estar normal em quantidade,
embora ocorra uma deficiência funcional. Entretanto, isto NÃO CONTRA INDICA A
VACINAÇÃO.
A deficiência de IgA é a alteração mais frequente, o que facilita a ocorrência
de diarreia e infecção de vias aéreas. Em crianças mais velhas, e em adultos com
desnutrição grave, pode até oconer uma hipergamaglo-bulinemia, em função de
infecções repetidas, sem que isto se traduza em ganho funcional.
• A falência de mecanismos imunes locais provavelmente altera a
permeabilidade da mucosa intestinal para macromoléculas estranhas, permitindo, então,
a passagem de proteínas através da mucosa e indução de formação de anticorpos
antiproteina alimentar, causando alergia alimentar.

Alterações neurológicas
Déficit cognitivo: é provocado tanto pelo déficit nutricional como pela privação
psicossocial, sendo proporcionalmente mais grave quanto mais precoce, mais intensa e mais
duradoura for a desnutrição.
• Há redução na divisão celular, redução na formação de sinapses e
proliferação dendritica, e retardo na mielinização, bem como prejuízo na síntese de
neurotransmissores. Outros fatores associados à DEP também atuam como coadjuvantes
no comprometimento do SNC, como: anemia ferropriva. deficiência de zinco e de
vitamina E e redução de ácidos graxos de cadeia longa (ômega 3 e 6).

Alterações gastrointestinais

Todas as alterações anatômicas e bioquímicas do trato gastrointestinal descritas


a seguir concorrem para o desencadeamento de uma síndrome disabsortiva e diarreia. A
esteatorreia raramente é observada, pois a ingestão de gordura proveniente da dieta é
pequena.

• Redução na secreção gástrica, pancreática e biliar, com diminuição


das enzimas digestivas dissacaridades intestinais (lactase maltase e sacarase), amilase e
lipase. A diminuição da atividade de lactase intestinal leva à intolerância ao leite e à
presença de fezes ácidas. O decréscimo na atividade de dispeptidases na borda estriada
da mucosa é devido, principalmcnte, à lesão de microvilosidades e a diminuição da
síntese proteica. Há também déficit de absorção de aminoácidos essenciais. Até o
transporte de glicose pode estar comprometido, A utilização de triglicerídeos de cadeia
média é muito comum no tratamento de renutrição, pois são compostos capazes de
penetrar o epitélio intestinal sem modificação pelas enzimas intestinais, seguindo até o
fígado através da circulação porta.
• Perda de tônus das alças intestinais e a diminuição da peristalse
favorecendo a proliferação bacteriana (intestino contaminado), que dificulta a absorção
de água e eletrólitos, e, principalmente, leva à alteração da composição do "pool” de sais
biliares. com aumento no conteúdo de sais biliares desconjugados. Os ácidos biliares
desconjugados na luz intestinal determinam a diminuição da formação de micelas de
gordura, com consequente má-absorção de lipídeos, de vitamina BI2 e de outras vita-
minas lipossolúveis.

No fígado ocorre esteatose, principalmente na forma kwashiorkor, podendo


evoluir com fibrose perilobular e cirrose.

As glândulas parótidas sofrem atrofia, e durante a recuperação nutricional


podem hipertrofiar e aumentar de tamanho.

Alterações cardiovasculares e renais

Déficit contrátil do miócito cardíaco, que resulta em queda do débito cardíaco


basal e resposta cardiovascular inadequada às alterações de volemia.

Outra consequência desta redução no débito cardíaco é a queda nas taxas de


filtração glomerular, com prejuízo das funções de concentração e acidificação urinária.
Queixas de poliúria e nictúria são comuns.

Quadro Clínico

As principais síndromes de DEP grave são o marasmo no qual se aceita


classicamente que a deficiência é predominantemente de ingestão calórica, e o kwashiorkor,
cujo déficit fundamental é a ingestão proteica. Devem ser considerados como os dois
extremos da desnutrição proteico-calórica. contudo o médico deve ficar atento para o grande
número de casos intermediários, entre os quais se destaca o kwashiorkor-marasmático. A
hipoalbuminemia está presente em ambas as formas de DEP grave, no kwashiorkor e no
marasmo. Por que algumas crianças desenvolvem a forma edematosa (kwashiorkor) e outras
a forma não edematosa (marasmo) ainda é um fato desconhecido. Alguns autores propõem
que um dos fatores seja a variabilidade individual na composição corporal e requerimento
de nutrientes no momento em que se dá a privação energético-proteica, desviando o
metabolismo para uma ou outra forma de DEP. Não somente a hipoalbuminemia é a
responsável pela formação do edema subcutâneo. A diminuição da atividade da Na/K-
ATPase, liberação de radicais livres e diminuição de substancias antioxidantes como a
glutationa (sintetizada a partir da metionina proveniente da dieta) parecem contribuir para
geração do edema.

Cerca de 99% das crianças desnutridas apresentam-se com déficit de


crescimento/desenvolvimento e maior propensão às infecções, enquanto apenas 1%
apresentam as formas clássicas da síndrome. A baixa estatura é a queixa principal na maior
parte dos casos de desnutrição, pasmem vocês!

Marasmo: É um estado de má nutrição que resulta de uma deficiência calórica


total (energia e proteínas). Marasmo significa ‘’desgaste" e, em termos grosseiros, denota
inanição. Em tais dietas deficientes, a relação proteína/calorias pode ser normal. Essa
apresentação clínica é mais comum em crianças com menos de um ano de idade, embora
não seja restrita a este grupo etário, em decorrência de déficit na ingestão global de nutrientes
associado ao agravamento do estado nutricional por infecções intercorrentes. A instalação é
insidiosa, permitindo a adaptação do organismo à deficiência.

Ocorre praticamente em todos os países em desenvolvimento, sendo a causa


mais comum a retirada precoce do aleitamento materno. substituindo-o por fórmulas
caloricamente deficientes, muitas vezes diluídas para diminuir o gasto financeiro imediato
da família. Isso, combinado com a ignorância sobre higiene e atrasos costumeiros na ad-
ministração de vacinas, leva frequentemente ao desenvolvimento de infecções imuno-
preveníveis e gastrintestinais, que iniciam o ciclo vicioso, que leva ao marasmo.

A criança geralmente é internada pela intercorrência infecciosa, e não pela


desnutrição! Observam-se déficit de peso e estatura, atrofia muscular extrema,
emagrecimento acentuado com pobreza de tecido celular subcutâneo e pele enrugada,
principalmente nas nádegas e coxas. Pela perda de tecido subcutâneo ocorre
desaparecimento da bola gordurosa de Bichat. Em geral o apetite está preservado, ao contrá-
rio do kwashiorkor, onde há uma inapetência grave. A anemia e a diarreia são comuns e com
frequência as crianças apresentam o abdome volumoso. Não há edema, nem lesões cutâneas.
Os cabelos podem, eventualmente, estar alterados. Assim como no Kwashiorkor (DEP
edematosa), no marasmo também podemos observar hipoalbuminemia.

Kwashiorkor: No kwashiorkor, embora a ingestão calórica possa ser adequada,


observa-se deficiência dietética de proteína. Apesar da energia adequada, a deficiência de
proteínas de alto valor biológico impede a adaptação do organismo à desnutrição. A
instalação costuma ser mais rápida.

Kwashiorkor e um vocábulo africano (Gani), que significa “doença do primeiro


filho quando nasce o segundo”. A síndrome foi inicialmente descrita em lactentes
desmamados subitamente. devido ao fato de a mãe ter engravidado de novo, e ao conceito
de que a manutenção da amamentação poderia “envenenar” o feto. A apresentação clinica
dessa forma de desnutrição é bastante exuberante e mais comum no segundo e terceiro anos
de vida.

A criança geralmente se apresenta com estatura e peso menores do que os


esperados para a idade. A criança apresenta-se consumida, fato este observado
principalmente nos músculos dos membros superiores e inferiores. Esse fato pode ser
mascarado pelo edema. O edema é muito frequente e considerado a manifestação clínica
mais importante dessa síndrome. Vale ressaltar que o edema pode afetar qualquer parte do
corpo, sendo que em crianças que deambulam, mais frequentemente, o edema se inicia com
ligeiro intumescimento dos pés se estendendo pelas pernas. Posteriormente o edema pode
acometer mãos e face (fácies de lua). Em meninos pode ser notado edema em bolsa escrotal.
Alterações mentais/comportamentais estão invariavelmente presentes. A criança se
apresenta apática, hipoativa, anorélica e desinteressada pelos fatos que ocorrem ao seu redor.
Ela geralmente não sorri, mesmo quando estimulada, e está permanentemente irritada, sem
apetite.

Diferente da criança marasmática, a criança com kwashioikor tem tecido celular


subcutâneo. O grau de gordura subcutânea dá uma indicação do grau de deficiência calórica.
A pele da lace está frequentemente despigmentada. descnvolvcndo-se dermatoses em áreas
de atrito, como. por exemplo, na região inguinal e no perineo. Surgem áreas de
hiperpigmentação que. eventualmente, descamam. Os cabelos apresentam alteração de
textura e de cor (discromias) e são quebradiços. Os cabelos pretos tomam-se castanhos ou
avermelhados. Pode estar presente o “sinal da bandeira", que consiste na alteração segmentar
(em faixas) da cor dos cabelos, traduzindo períodos alternados de pior e melhor nutrição. As
fezes podem estar liquefeitas, com sangue e alimentos não digeridos. Anemia está presente
na maioria dos casos. E, em parte, devida à deficiência proteica para síntese de eritrócitos,
deficiência de ferro c de ácido fólico, parasitoses intestinais e infecções frequentes.
Hipoalbuminemia e redução da proteína sérica total, relação com a intensidade do edema,

são observadas em praticamente todos os pacientes. Geralmente as crianças com essa


sindrome têm hepatomegalia (esteatose).

Diagnóstico

Proteínas séricas: As proteínas séricas são bons marcadores de nutrição, e


dependendo de sua meia-vida. teremos dados que nos permitam inferir a duração da des-
nutrição. Uma critica que devemos sempre lembrar ao interpretar esses resultados é que estas
proteínas podem também se alterar (aumentar) cm condições inflamatórias, pois são
reagentes de fase aguda. As principais proteínas viscerais e suas respectivas meias-vidas
estão descritas na tabela 15.
Mas atenção: na presença de situação
infecciosa ou inflamatória, várias destas proteínas
podem ter seus valores alterados, e por isso,
quando você estiver diante de uma criança
desnutrida na vigência de doença aguda deverá
lembrar-se desta interpretação cuidadosa. Veja a
Tabela 16 a seguir.

Avaliação Da Imunidade Celular: Os testes de


reatividade cutânea (ex.: PPD e candidina) têm
baixa sensibilidade e especificidade na avaliação
da imunidade em pacientes graves. O parâmetro
mais confiável é a dosagem de linfócitos totais.
Uma contagem inferior a 1.500 mm1 está
relacionada a um maior grau de desnutrição c
maior taxa de mortalidade.

Hemograma completo, função renal e


hepática também são exames que devem fazer
parte da rotina laboratorial de uma criança
desnutrida. Os achados mais frequentemente
encontrados em desnutridos graves são:

• Hemograma:
o Anemia por deficiência de ferro, ácido fólico, vitamina BI2,
hemólise.
o Linfopenia.
• Lipidograma - redução nos níveis de colesterol e triglicerídeos.
• Hipoglicemia.
• Hemograma completo, função renal e hepática também são exames
que devem fazer parte da rotina laboratorial de uma criança desnutrida. Os achados
mais frequentemente encontrados em desnutridos graves são:
• Hiponatremia - é apenas dilucional, ou seja, o conteúdo total de sódio
do organismo está aumentado, em parte, devido ao aumento do sódio intracelular por
deficiência da bomba de sódio.
• Hipocalemia os conteúdos intra e extra-celular de potássio encontram-
se diminuídos. Os principais sintomas associados a este distúrbio são a fraqueza
muscular, íleo paralítico e alterações da repolarização ventricular (achatamento ou
inversão da onda T). onda U proeminente, infradesnivelamento do segmento ST e
prolongamento do QU. Depleçào grave de potássio pode levar ao prolongamento do
PR e alargamento e redução da voltagem do QRS. bem como aumentar o risco de
arritmias ventriculares.
• Hipomagnesemia.
• Hipofosfatemia.
• Alcalose ou acidose metabólica.

Tratamento

As condutas para manejo da desnutrição grave referendadas pela OMS foram


reunidas em um documento publicado pelo Ministério da Saúde em 2005, com o objetivo de
orientar e unificar o tratamento desta condição em nosso país.

As indicações para internação são:

1. Crianças cujo peso para a altura esteja abaixo de - 3DP (Magreza


acentuada) ou menos que 70% da mediana dos valores de referencia do NCHS/OMS
(“grave- mente emagrecidas”)
2. Crianças com edema simétrico envolvendo no mínimo os pés
(“desnutrição edematosa") estão gravemente desnutridas. Elas devem ser internadas
em hospital. onde poderão ser observadas, tratadas e alimentadas dia e noite.
3. Presença de descompensação metabólica, hidroeletrolítica,
acidobásica, instabilidade hemodinâmica, infecção, anemia grave e hipotermia,
determinam também a necessidade de tratamento iminente e internação hospitalar.

O tratamento da DEP grave pode ser dividido em duas fases. A primeira


ocorre dentro do hospital e envolve dois momentos: fase inicial de estabilização e a de
reabilitação, quando a criança já apresenta condições clínicas de iniciar sua recuperação
nutricional.
Mesmo após a alta hospitalar, ainda é necessária uma assistência multidisciplinar
criteriosa e frequente. Deve-se levar em conta que crianças que apresentem DEP secundária
por vezes não conseguem atingir as metas de recuperação nutricional do desnutrido primário.

É sugestão da própria OMS que as recomendações gerais para tratamento de


DEP (marasmo e kwashiorkor) devam ser seguidas, mas que podem ser utilizadas
adaptações dependendo das características particulares dos centros que prestam assistência.
O importante é considerar que as crianças com DEP grave apresentam características
metabólicas que as diferenciam de crianças eutróficas e que o conhecimento delas é
fundamental para o sucesso da recuperação clínica, nutricional e para a redução de
mortalidade.

Tratamento Hospitalar

O tratamento hospitalar de crianças com DEP está indicado quando há


descompensação metabólica, hidroeletrolítica, infecciosa, instabilidade hemodinâmica,
anemia grave e/ou hipotermia. Tendo em vista a necessidade de atualização e adequada
capacitação na assistência a crianças gravemente desnutridas, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) defende a utilização de um protocolo com essa finalidade.

As condutas propostas pela OMS foram referendadas em publicações recentes


em nosso meio, realizadas pelo Ministério da Saúde, Organização Panamericana da Saú- de,
Sociedade Brasileira de Pediatria e universidades5-7 (Tabela 6.4).

 Fase de estabilização ou fase inicial - 1 a 7 dia: identifcação e


tratamento de fatores que podem levar à descompensação da criança desnutrida,
tratamento de infecções, correção de distúrbios metabólicos e defciências
nutricionais, para que se possa iniciar a recuperação nutricional;
 Fase de reabilitação ou de crescimento rápido – 2ª a 6ª semana:
fase intensiva de recuperação nutricional, reabilitação física e emocional, com
participação da família;
 Seguimento ou acompanhamento: após a alta, a criança e sua
família devem ser acompanhadas, para evitar recidivas e otimizar ao máximo o
crescimento e o desenvolvimento.

Para o cumprimento das metas do tratamento da criança com DEP grave e


hospitalizada, são propostos pela OMS dez passos:

1. Hipoglicemia: glicemia sérica < 54 mg/dL. Causa importante de


mortalidade nos primeiros dias. Os sinais clássicos de palidez, hipotermia, sudorese
e perda de consciência nem sempre estão presentes. Se houver suspeita clínica sem
comprovação laboratorial, tratar como tal. Após o tratamento, reiniciar a dieta em
intervalos não superiores a três horas, incluindo o período noturno:
o Criança consciente: oferecer 50 mL de solução de glicose a
10%, via oral, ou a própria dieta;
o Criança inconsciente ou com convulsões: 5 mL/kg de
solução de glicose a 10% por via endovenosa ou 50 mL de glicose a 10% por
sonda nasogástrica.
2. Hipotermia: temperatura axilar < 35°C. O atendimento da criança
deve ser feito, se possível, em sala com temperatura adequada (25 a 30° C), com a
criança protegida. Se for detectada a hipotermia, providenciar imediatamente o
aquecimento (contato com o corpo, cobertores, roupas).
3. Desidratação (sem choque): os sinais de desidratação na criança
desnutrida são mais difíceis de serem avaliados, em virtude da escassez de tecido
celular subcutâneo. Por isso, sinais clínicos diretos, como frequência cardíaca, débito
urinário e peso, são muito importantes.
o Hidratação por via oral: sempre que possível, preferir a
hidratação por via oral com solução apropriada, contendo menor quantidade
de sódio, maior de potássio, acrescida de micronutrientes – ReSoMal (Tabela
6.5). Iniciar com 5 mL/kg a cada 30 minutos por 2 horas, seguidos de 5 a 10
mL/kg, com reavaliações a cada hora – com cerca de 70 a 100 mL/ kg de
ReSoMal. A dieta deve ser reiniciada no máximo 2 a 3 horas após o início
do processo de hidratação. Há, ainda, a possibilidade de adaptação do soro de
reidratação oral convencional: 1 pacote diluído em 2 litros de água, acrescido
de 50 g de sacarose (25 g/L) e 40 mL da solução de eletrólitos e minerais da
OMS (Tabela 6.6)
4. Hidratação intravenosa: deve ser instituída na impossibilidade da
oral ou em crianças gravemente desidratadas (sem choque). Utilizar 30 mL/kg de
soro glicofisiológico ao meio (0,45 mEq/L de só- dio) em 2 horas, podendo repetir,
se necessário. Sempre que possível, retornar para a via oral. 4. Distúrbios
hidreletrolíticos e acidosbásicos: os mais comuns são os relacionados aos íons
intracelulares (hipopotassemia, hipomagnesemia e hipofosfatemia). A reposição
deve ocorrer por 5 dias a 2 semanas após a normalização dos níveis séricos.
Importante lembrar que, por causa da falência da bomba de sódio e potássio, o nível
sérico de sódio é mais baixo na criança desnutrida, e a reposição deve ser feita de
forma criteriosa e lenta, se os valores forem inferiores a 120 mEq/L. A acidose
metabólica (pH sanguíneo inferior a 7,1) e o bicarbonato plasmático menor que 10
mEq/L devem ser corrigidos.
5. Infecções: por segurança, a criança portadora de DEP grave deve ser
encarada como imunodeprimida. Não apresenta sinais clínicos clássicos de infecção,
como a febre, por isso o uso precoce de antibioticoterapia deve ser considerado, ao
mesmo tempo em que se investiga o foco, utilizando os recursos disponíveis no local
de atendimento. Verificar e atualizar a carteira de vacinação. 6. Terapia nutricional:
deve ser planejada em duas fases: inicial ou estabilização e de crescimento rápido ou
recuperação. A OMS propõe a utilização de fórmulas artesanais preparadas com leite
de vaca em diluição apropriada com acréscimo de óleo vegetal, açúcar, solução de
eletrólitos e minerais e vitaminas na forma de mix acrescido à dieta ou na forma de
medicamentos. As fórmulas industrializadas isentas de lactose e com baixo teor de
lactose podem ser utilizadas nas fases de estabilização e reabilitação,
respectivamente.
o Fase de estabilização - 1 a 7 dias: crianças com
descompensação clínica ou infecciosa): nesta fase, podem ser utilizados
volumes progressivos da fórmula inicial ou fórmulas infantis dietoterápicas
isentas de lactose, disponíveis no mercado. O uso de fórmulas infantis
hidrolisadas deve ser considerado em situações disabsortivas graves
decorrentes de intolerância à proteína do leite de vaca ou em quadros de
sepse. Considerar o uso de sondas se a ingestão energética for inferior ao
gasto energético basal estimado (lactente – 55 kcal/kg);
o Fase de reabilitação – 2ª a 6ª semana: neste momento, a
criança encontra-se estável e o objetivo é a recuperação nutricional. Dessa
forma, ela deve receber 1,5 a 2 vezes a recomendação de nutrientes para sua
idade, quando lactente. Nesta fase, pode-se utilizar a fórmula para
crescimento rápido da OMS ou fórmulas infantis com menor oferta de lactose
disponíveis no mercado. Pode-se optar pelo acréscimo de módulos à dieta:
carboidratos (preferencialmente polímeros de glicose máximo de 5%) e/ou
lipídios (óleo vegetal máximo de 3%).
6. Reposição de micronutrientes: recomenda-se a suplementação, na
fase de recuperação nutricional, de micronutrientes (zinco, cobre, ácido fólico,
vitamina A e ferro) em crianças com DEP. A reposição é importante não apenas
visando à recuperação nutricional, mas também à melhora do sistema imunoló- gico
e à redução do estresse oxidativo. A megadose de vitamina A deve ser feita somente
em regiões onde a prevalência de deficiência é alta. Em estudo recente, Brewster e
colaboradores10 reforçam alguns pontos e sugerem algumas modificações no
protocolo da OMS. Os autores citam a importância da utilização de dietas com menor
osmolaridade na fase de estabilização, especialmente em crianças com HIV e
diarreia; no caso de choque hipovolêmico, a preferência pelo uso de Ringer lactato
na reanimação hídrica, com concomitante monitoramento para hipervolemia e
sobrecarga cardíaca; e a monitoração, com consequente maior preocupação com a
reposição de fósforo.
7. Monitoração da terapia nutricional instituída: o acompanhamento
dos parâmetros clínicos e metabólicos é de fundamental importância para o êxito do
tratamento. O incremento diário de peso é um bom parâmetro de evolução favorável
ou não da terapia nutricional instituída. Considera-se 5 g/kg/ dia o ganho mínimo
para lactentes com DEP em recuperação.
8. Estimulação (sensorial, emocional e do desenvolvimento): o
processo de estimulação deve ser planejado em consonância com as condições
clínicas do paciente. O envolvimento e a participação ativa da mãe e o atendimento
por parte de equipe interprofissional torna-se fundamental para a recuperação global
da criança gravemente desnutrida.
9. O acolhimento da mãe pela equipe e a postura de não elevar os
sentimentos de culpa pela situação de desnutrição do filho são parte importante da
abordagem terapêutica. Nas situações em que o vínculo mãe-filho encontra-se
comprometido, a mãe frequentemente é tão vítima do processo quanto a criança.
Sabe-se que a boa relação entre mãe e filho implica trocas afetivas e, para que ela se
desenvolva, é necessário que a mãe exerça bem seu papel materno, que é influenciado
por vários fatores. Entre estes, sua história de vida, os cuidados e afetos recebidos de
seus pais, a qualidade da relação conjugal e a dinâmica familiar.

Tratamento Ambulatorial

Acompanha-se a criança e sua família, para prevenir a recaída e assegurar a


continuidade do desenvolvimento emocional, tísico e mental da criança.

Quando a criança tiver completado a fase inicial do tratamento, não tiver


complicações c estiver se alimentando e ganhando peso satisfatoriamente (geralmente 2-3
semanas após a admissão), ela geralmente pode continuar o tratamento em um centro de
reabilitação nutricional, sem ser em regime de internação. Um centra de reabilitação
nutricional é um hospital-dia, um centro de saúde ou uma instalação semelhante que preste
cuidado diário através de uma equipe treinada em reabilitação de crianças desnutridas.

A criança dorme cm casa, é trazida ao centro a cada manhã e retoma para sua
casa ao final de cada dia. É necessária uma intima colaboração entre o hospital e o centro,
para assegurar a continuidade do cuidado da criança e facilitar o seu rápido retomo ao
hospital, caso surja algum problema grave.

BIBLIOGRAFIA
1. MARTINS, Mílton de Arruda [et al.] Clínica Médica. Volume 5:
Doenças Endócrinas E Metabólicas, Doenças
2. KUMAR, VINAY[et al]; Robbins, Patologia Básica / ; [tradução de
Claudia Coana... et al.]. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2013.
3. HUSNY, Antonette Souto El; FERNANDES-CALDATO, Milena
Coelho. Erros inatos do metabolismo: revisão de literatura. Revista Paraense de
Medicina, v. 20, n. 2, p. 41-45, 2006.
4. SCHAEFER, G. B.; THOMPSON, J. N. Genética médica: uma
abordagem integrada. Porto Alegre: AMGH, 2015. 384 p.
5. SILVERTHORN, Dee Unglaub. Fisiologia Humana: Uma
Abordagem Integrada. – Equilíbrio Acido Básico. 5. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2012

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