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Geografia - FFLCH/USP
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LISTA DE ABREVIATURAS
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 05
PARTE I 00
Atividades discentes curriculares e extracurriculares 06
Ficha do Aluno 11
PARTE II 00
1 INTRODUÇÃO 16
2 REVISÃO DA LITERATURA 18
2.1 A América Latina e o Brasil 18
2.2 A concepção do Memorial 24
2.3 Darcy Ribeiro: consultor cultural do Memorial 35
3 A FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA 43
3.1 Os Aspectos arquitetônicos, culturais e urbanísticos do Memorial 45
4 EXPOSIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49
5
APRESENTAÇÃO
O presente relatório é composto de duas partes. Uma primeira com a narrativa das
atividades curriculares e extracurriculares da estudante durante o período entre seu ingresso no
Programa e a data de entrega deste, juntamente com a ficha do aluno (ao final da Parte I). E uma
segunda parte na qual são apresentados os progressos da pesquisa em curso.
6
Parte I
A partir dessa disciplina foi possível estabelecer um contato inicial com os debates da
produção historiográfica sobre a arte brasileira oitocentista, desmistificando concepções
dualistas sobre o “acadêmico” e o “moderno”. A compreensão do processo de canonização do
Modernismo no século XX certamente está entre os aspectos mais relevantes da disciplina para
esta pesquisa de mestrado em curso. Foi este o ponto de partida para o artigo de trabalho final
apresentado sob o título “A institucionalização do olhar: o triunfo do modernismo no campo
artístico”. No trabalho se pretendeu estudar a consolidação do projeto Modernista como o
grande projeto cultural brasileiro, resultado da relação entre o crescimento da importância do
modernismo em perspectiva histórica e o papel da crítica de arte. Dialogou-se com o conceito
de campo de Pierre Bourdieu, a fim de evidenciar a institucionalização do olhar modernista no
Brasil, paralelo à consolidação do campo artístico. Entre outras leituras importantes que foram
mobilizadas destaca-se A Semana sem fim de Frederico Coelho; Modernidade e vanguarda: o
caso brasileiro de Annateresa Fabris; Modernist painting de Clement Greenberg; Modernisme
brésilien: entre la consécration et la contéstation de Ana Paula C. Simioni e O Moderno antes
do Modernismo: paradoxos da pintura brasileira no nascimento da República também dela
juntamente com Lúcia Stumpf.
7
Prosseguindo com as disciplinas que são partes deste percurso formativo está América
Latina: Laboratório de Pesquisas; ministrada conjuntamente pelas professoras Doutoras
Maria Cristina Machado Freire, Maria Helena Rolim Capelato e Vera Maria Pallamin. Foram
apresentados e discutidos instrumentos teóricos e metodológicos para a compreensão e
problematização da América Latina nas sociedades globais, tomando como referência temas da
8
Como trabalho final foi apresentado um artigo sobre o projeto cultural do Memorial da
América Latina e a gestão cultural desenvolvida atualmente por essa instituição. As principais
referências bibliográficas foram: Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-
2005) de Aracy Amaral; Geopolítica de la sensibilidad y del conocimiento: sobre la
(de)colonialidad, pensamiento fronterizo y desobediencia epistémica de Walter Mignolo; . Do
Teatro da memória ao Laboratório da História: a exposição museológica e o conhecimento
histórico de Ulpiano Bezerra de Meneses; Urbanismo em fim de linha de Maria Otília Arantes.
o outro. A partir dessa concepção foi defendido o ideal de urbanidade, e finalmente foram feitos
alguns apontamentos sobre a cidade de São Paulo e uma breve análise de como se deu a
urbanidade na Barra Funda no último século ressaltando seus aspectos como zona residencial de
área de distribuição de mercadorias e zona industrial; ponto de difusão do samba rural; e mesmo
com retração do setor industrial na década de 1980, os novos projetos urbanos mantiveram a
característica de local de trânsito da Barra Funda.
Para totalizar os créditos necessários para o exame de qualificação foi cursada a
disciplina Intérpretes do Brasil: Como Pensar o Brasil Hoje? Esta foi ministrada
conjuntamente pelos professores Doutores Jaime Tadeu Oliva e Paulo Teixeira Iumatti.
Buscou-se mapear em que medida as “interpretações do Brasil” e a ideia de uma “unidade
Brasil” têm se mostrado relevantes para se pensar o país hoje, A partir da reflexão sobre o
cânone produzido em torno dos chamados “intérpretes do Brasil” Por meio de eixos temáticos
que dialogaram com uma realidade marcada pela nova importância adquirida pelos contextos
locais e regionais e os supranacionais, e também pela crescente relevância adquirida por
diversos agentes na produção da realidade social e cultural contemporânea. Para tanto, as
reflexões sobre as experiências brasileiras foram invocadas a partir da sua complexidade,
utilizando como principio metodológico o enfoque interdisciplinar e a análise do Ensaio como
forma e sua força no pensamento social brasileiro.
A principal atividade extracurricular de que a estudante participou foi a Cátedra
UNESCO Memorial da América Latina do primeiro semestre de 2016, organizada pelo Centro
Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL) do Memorial da América Latina, com a
temática “As Redes e as Ruas: os novos termos do jogo político e social”. Frequentando as aulas
da Cátedra a estudante pôde estar em contato constante com o aspecto acadêmico desenvolvido
pelo Memorial e ter algumas percepções acerca de suas abordagens. O curso foi coordenado
pelo Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira (UNESP / IPPRI – Instituto de Políticas Públicas e
Relações Internacionais), realizadas no período de 30 de março a 1º de junho de 2016,
semanalmente na Biblioteca Latino-americana, totalizando 40 horas-aulas, sendo 7 aulas-
conferências e 3 mesas-redondas. O objetivo do curso foi desenvolver uma agenda teórica que
sirva de base para a reflexão sobre o tema central, com ênfase no modo como movimentos
sociais, redes e ações de protesto estão a se projetar na cena latino-americana atual e ajudando a
formatar o universo da política e da democracia. Os encontros tiveram como temas:
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RESUMO
Parte II
1. INTRODUÇÃO
do Memorial foram decorados por obras de artistas reconhecidos pelo grande público: Cândido
Portinari, Poty Lazarotto, Carybé, Bruno Giorgi, Maria Bonomi, Tomie Otake. Seu
funcionamento e destinação foram pensados pelo antropólogo Darcy Ribeiro o qual reuniu
importantes intelectuais de São Paulo com o objetivo de dar conteúdo ao projeto do Memorial.
Alfredo Bosi, Aracy Amaral, Telê Ancona, Carlos Guilherme Mota, Radha Abramo, entre
outros.
Atualmente a história do Memorial não está constituída em um só trabalho. Todo esse
processo e a contribuição desses diferentes atores estão dispersos, como também carentes de
reflexão analítica. As informações disponíveis sobre o Memorial são de teor institucional.
Grande parte dos artigos encontrados, ainda que em revistas científicas, podem ser
interpretados como um catálogo do Memorial. Todavia não foram realizados estudos
acadêmicos que trouxessem uma visão global sobre esse objeto. Não há teorias ou
sistematizações das informações referentes ao processo de concepção do Memorial em seus
aspectos políticos, culturais e artísticos. Tampouco os sentidos do discurso latino-americanista
apresentado pelo Memorial foram estudados. Este constitui ainda um objeto desconhecido da
comunidade acadêmica e da sociedade de maneira geral, deixando inúmeras questões sem
resposta.
Nesse sentido, o presente estudo pretende obter um melhor entendimento da concepção
idealizadora dos fundadores do Memorial da América Latina, como também perceber os seus
aspectos de atuação e de funcionamento. Espera-se observar o que o Memorial almejava ser e
em que medida o mesmo se aproxima e se distancia disso.
O presente estudo está dividido em quatro componentes: 1.Introdução; 2. Revisão de
Literatura; 3. A Fundação Memorial da América Latina; 4. Exposição e análise dos resultados.
2 REVISÃO DA LITERATURA
da afinidade linguística e cultural dos povos latinos como forma de opor-se à dominação
anglo-saxã, e a França se considerava a líder natural desse processo (PHELAN, 1968).
Apesar da fragmentação da América Espanhola, havia uma consciência entre políticos
e escritores de que existia uma unidade hispano-americana / latino-americana que ultrapassava
os “nacionalismos” locais e regionais. Essa consciência persistia sempre em oposição à
América anglo-saxã, a “outra” América. Posteriormente, a união entre a França e a Espanha
com os Estados Unidos contra a “América Latina”, ainda na intervenção francesa no México,
colaborou para que muitos países se denominassem como “América do Sul” e não “América
Latina” ou “hispano-américa”. Contudo, esses conceitos em sua origem não englobavam o
Brasil. De acordo com Bethell (2009),
O importante é que nenhum dos políticos, intelectuais e escritores hispano-
americanos que primeiro utilizaram a expressão “América Latina”, e nem
seus equivalentes franceses e espanhóis, incluíam nela o Brasil. “América
Latina” era simplesmente outro nome para América Española. (BETHELL,
2009, p. 293).
1
Ver sessão 2.3.
20
se tornou mais próximo ainda dos Estados Unidos e se tornou árduo defensor
do pan-americanismo (BETHELL, 2009, p. 296).
Geograficamente não há uma definição precisa de América Latina. Seria o conjunto dos países
da América do Sul e da América Central? Mas, e o México? Então seriam as nações abaixo do
Rio Bravo? E a Guiana e Belize? O autor segue argumentando que a princípio seria uma
denominação cultural que englobaria os países de cultura latina no continente americano. Mas
Quebec é muito latina e não está incluída na “América Latina”. E sobre essa abordagem no
âmbito das identidades Roquié (2012) diz:
2
Para além destas imprecisões, poderíamos pensar em descobrir uma identidade sub-regional forte, tecida de
diversas solidariedades, que se refiram a vínculos culturais comuns ou de outra natureza. Contudo, a própria
diversidade das nações latino-americanas ameaça menosprezar essa justificativa. A escassa densidade das
relações econômicas, e até culturais, de nações que por mais de um século de independência se davam as costas
olhando deliberadamente para a Europa e a América do Norte, as enormes disparidades entre países seja do
ângulo do tamanho, ou do potencial econômico, ou do papel regional, não favorecem uma real consciência
unitária, apesar das ondas de retórica que o tema não deixa de provocar. (ROQUIÉ, 2012, p.17, tradução nossa)
3
O que está em questão não é somente a dimensão unitária da denominação e da identidade delimitadas frente a
pluralidade das sociedades da América dita latina. No caso, para acentuar a diversidade e evitar qualquer tentação
generalizadora, bastaria evitar o problema falando, como se tem feito, de “Américas Latinas”. Esse termo tem a
vantagem de reconhecer uma das dificuldades, mas ao preço de dar ênfase à questão cultural. No entanto,
também planteia um problema. Por que latina? Tradução da autora. (ROQUIÉ, 2012, p 18, tradução nossa)
23
São latinas essas Américas negras e indígenas ou alemãs, como o caso de Santa
Catarina no Brasil? Na realidade, o termo faz referência à cultura dos conquistadores e dos
colonizadores espanhóis e portugueses para designar formações sociais de componentes
múltiplos (ROQUIÉ, 2012). Mas então seria autêntica a América dos povos nativos do
continente? Intelectuais dos anos 1930 de países andinos chegaram a defender essa posição. O
peruano Haya de La Torre propôs a denominação “Indoamérica”. Contudo, os indígenas não
têm espaço perante as classes dirigentes e compõem uma enorme massa de excluídos na
região.
Todos esses argumentos levantados por Roquié (2012) tinham o único objetivo de
destacar que o conceito de “América Latina” não é plenamente cultural nem somente
geográfico. Os latino-americanos enquanto categoria não representa nenhuma realidade
tangível. O termo possui também uma dimensão oculta que completa o seu sentido (ROQUIÉ,
2012). Há uma inegável dimensão socioeconômica e também geopolítica no conceito, o que
permite que em alguns momentos se inclua países periféricos ao mundo industrializado central
e à cultura latina, como Trinidad e Tobago, Bahamas e Guiana. Sua dependência do mercado
mundial como produtores de matérias-primas e bens alimentícios são o nosso denominador
comum. Outro aspecto de aproximação é o pertencimento cultural ao ocidente pelos países
latino-americanos: o Brasil é o maior país católico do mundo. Além disso, algumas
semelhanças estruturais ultrapassam as fronteiras nacionais: concentração da propriedade da
terra, industrialização tardia, forte urbanização, excessivo desenvolvimento do setor terciário e
a amplitude dos conceitos regionais. Sob a ótica estrutural, “América Latina” designa uma
realidade discernível e específica (ROQUIÉ, 2012). Contudo, a heterogeneidade da região
requer múltiplas tipologias e prescinde de recortes transversais que ressaltem elementos de
unidades e também de diferenças essenciais.
Por todo o aqui exposto, percebe-se a necessidade de uma revisão do uso
indiscriminado do termo “América Latina” como variável independente, uma vez que o termo
em si não define uma experiência (social, histórica, cultural, política e econômica) que lhe seja
prévia, e pode estar arraigado de concepções estereotipadas e exotizadas que geralmente se
referem a uma relação assimétrica entre “nós” e um suposto “centro moderno” (TAVOLARO,
2009). Ademais, o termo busca encontrar uma unidade entre coisas que não necessariamente
têm uma unidade entre si. Sobretudo, é preciso reconhecer que a construção do significado de
“América Latina” não é resultante única e exclusivamente de projeções “de fora”; ao contrário
24
disso, imagens produzidas e projetadas “desde dentro” revelam-se, elas próprias, propulsoras e
catalisadoras da sua posição de “variável independente”, supostamente responsável por
explicar a pretensa peculiaridade social à qual se refere (TAVOLARO, 2009).
Assim, pode-se observar que América Latina tem diferente significação. Ademais, de
início o termo não incluía o Brasil e outros países da mesma região, além de ser um termo
cunhado a partir do pensamento geopolítico da metrópole e em constante ressignificação nos
diversos contextos locais e históricos dentro e fora da região. Posto isso, a complexidade do
debate sobre a América Latina e o Brasil, as delimitações do conceito, ora utilizadas e ora não,
suas imprecisões e dimensões ocultas também estão presentes e se refletem nas
potencialidades e desafios de se compreender o Memorial da América Latina.
O final da década de 1980 no Brasil foi marcado pelo retorno à democracia. Com a
morte de Tancredo Neves, presidente eleito pelo colégio eleitoral para realizar a transição, o
vice-presidente José Sarney assumiu definitivamente o mandato de Presidente da República. E
a este consequentemente coube, embora sofrendo várias restrições de ordem política, a missão
de revogar as leis da Ditadura e de realizar a eleição de uma nova assembleia constituinte,
encarregada de elaborar a nova Constituição Federal (FAUSTO, 1995, p.275). Na política
econômica, O Plano Cruzado (1986) não foi eficaz para impedir que a inflação explodisse e o
Brasil declarasse moratória junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) referente ao
pagamento de juros da dívida externa. Em 1988, a Assembleia Constituinte promulgou a
Constituição Federal que se destacou por dar visibilidade aos direitos sociais. No âmbito da
integração regional, a cooperação entre os países da América Latina foi inserida no texto
constitucional4. Paralelamente, houve uma intensificação das relações políticas e econômicas
do Brasil com alguns dos países vizinhos a partir das negociações para a criação do bloco
econômico MERCOSUL.
No contexto paulista, Orestes Quércia havia sido vice-governador de André Franco
Montoro (1983-1987), o qual mostrava ter forte afinidade política com a pauta “América
4
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988.
25
Latina” desde o início de sua vida pública (MONTORO, 2002, p.22). Esse tema foi uma
constante em sua trajetória política. Desde 1963 já defendia a criação do Parlatino (Parlamento
Latino-americano). Dava destaque a São Paulo como cidade com potencial para centralizar as
questões referentes à América Latina. Defendeu a instalação do Parlatino aqui “por ser um
lugar de fácil acesso e por ser o centro das comunicações no Brasil, e de certa forma um centro
geométrico da América Latina” (MONTORO, 2002, p.23). Para justificar porque não Brasília,
utilizava-se de retórica para dizer que não se deveria confundir a política brasileira com a
política latino-americana. Considerava o MERCOSUL um primeiro passo positivo, seguindo o
exemplo da União Europeia. Defendia a multipolaridade e considerava a integração da
América Latina uma necessidade para isso. Era categórico ao afirmar: “integração ou atraso”
(MONTORO, 2002, p. 25). Em suas falas relembrava o artigo da Constituição Federal do
Brasil, proposto por ele próprio, que diz: o Brasil trabalhará pela integração social, política,
econômica e cultural da América Latina tendo em vista a formação de uma comunidade latino-
americana de nações5. E enfatizava que a integração deveria ser bem mais profunda do que a
econômica e ainda argumentava que “a integração da América Latina não pode ser a
integração dos governos” (MONTORO, 2002). Em entrevista a Jorge da Cunha Lima,
Fernando Henrique Cardoso falou sobre os interesses de Montoro ressaltando a América
Latina: “isso era outra obsessão dele. Espanhol obrigatório, ele botou na constituição. América
Latina, integração” (BRASÍLIA, 2009). Entre seus projetos de integração estava a criação de
hidrovias que interligavam países da região. A Paraguai-Paraná, unindo Argentina, Bolívia,
Brasil, Paraguai e Uruguai. A Tietê-Paraná, de São Paulo a Buenos Aires; e a Hidrovia da
América Latina, do mar das Antilhas a Buenos Aires (MONTORO, 2002).
5
BRASIL. Constituição (1988). Artigo 5° Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
26
o fim do regime militar instaurado no Brasil entre os anos de 1964 e 1985. Havia muitas
articulações políticas por todo o país a fim de definir quem seriam os presidenciáveis para a
primeira eleição direta após a ditatura militar brasileira. A disputa interna no Partido do
Movimento Democrático Brasileiro - PMDB foi muito acirrada: Franco Montoro, Orestes
Quércia e Ulysses Guimarães estavam entre os principais nomes. Desta maneira, Montoro sai
do governo de São Paulo e passa a aspirar a Presidência da República. Sobre isso (MAYER,
1996):
Na expectativa da sucessão de Sarney, Montoro começava a montar sua
estratégia de campanha. Para tanto, procurou acentuar a linha de
independência em relação ao governo federal, manifestando-se contra o
mandato de cinco anos para o presidente, condenando os métodos
“fisiológicos” utilizados na administração pública e a execução da ferrovia
Norte-Sul, um dos principais projetos a ser empreendido na gestão Sarney.
Em junho de 1987, contando com a colaboração de ex-secretários de sua
administração, elaborou um programa de governo intitulado Programa Brasil.
Em setembro seguinte, o Instituto Latino-Americano (Ilam) foi inaugurado,
tendo Montoro como primeiro presidente. A entidade tinha por fim incentivar
a importação e exportação de bens de capitais entre os países envolvidos e
tornar-se o embrião de uma futura comunidade latino-americana. (MAYER,
1996 p. 7).
O ILAM era uma associação privada com o objetivo de apoiar ações que promovessem
a integração latino-americana. Nesse contexto, o governo Quércia teve entre suas primeiras
grandes obras anunciadas a construção do Memorial da América Latina. A imprensa acusou o
Memorial de ser uma jogada política para rivalizar com Montoro e o ILAM, uma vez que o
nome de Quércia também constava entre os presidenciáveis pelo PMBD. Sobre Orestes
Quércia (GOUGET, 2010):
Ainda que Quércia não tenha chegado a disputar a presidência, fato é que por
consequência da a criação do Memorial o ILAM perdeu relevância. Posteriormente seu acervo
literário somou-se à Biblioteca Latino-americana Victor Civita. A natureza do ILAM ainda
precisa ser estudada a fim de se conhecer o peso que pode haver tido sobre a criação do
27
Memorial. Porém, os acervos de André Franco Montoro e do ILAM estão em fase final de
catalogação no Centro de Pesquisa e Documentação de História do Brasil (CPDOC) e
atualmente não estão disponíveis à consulta. Espera-se que no desenvolver das próximas
etapas desta pesquisa, muito em breve, seja possível consultar tal documentação.
Atualmente a revista Nossa América hoje, editada pelo Memorial da América Latina,
ameniza o ocorrido. Segundo Pereira (20014),
Dessa forma, Orestes Quércia conseguiu realizar uma obra com a assinatura de Oscar
Niemeyer com monumentalidade similar às obras realizadas pelo arquiteto em 1954, no parque
Ibirapuera. Não houve um concurso para a escolha do arquiteto. Em nenhum momento se
levantou a possibilidade de um trabalho conjunto entre arquitetos latino-americanos ou outro
nome que não o de Niemeyer. A ideia do Memorial surge atrelada ao nome já
monumentalizado de Oscar Niemeyer. Desde a construção do Ministério da Educação e Saúde
(MES) no Rio de Janeiro, iniciada em 1937 pelo grupo de arquitetos liderados por Lúcio Costa
28
6
, estabeleceu-se um padrão para a realização de grandes obras públicas: repetiam-se os
arquitetos, e estes por sua vez escolhiam os artistas a decorarem os prédios. Esse fenômeno se
iniciou no MES, foi consolidado no complexo da Pampulha em Minas Gerais (1942), teve seu
ápice em Brasília (1960) e chegou até o Memorial da América Latina. De certa maneira, é
como se a escolha desses nomes dispensasse esclarecimentos. Havia muito prestígio em ser
um governador a realizar uma obra de Niemeyer.
É curioso observar que, conforme consta em documentos, foi criada uma Comissão
Especial de Arte com o objetivo de sugerir nomes de artistas plásticos, oferecer orientações e
indicar o melhor projeto para a execução dos painéis do Salão de Atos do Memorial. A
comissão levantou quarenta e três nomes, dos quais seis foram selecionados. Contudo, os
painéis foram realizados apenas por Potty Lazarotto e Caribé, escolhidos por Oscar Niemeyer
e Darcy Ribeiro. O fato gerou uma polêmica no meio artístico. A artista plástica Maria
Bonomi questionou publicamente o processo de seleção dos artistas que decorariam o
Memorial. As críticas repercutiram na imprensa e Oscar Niemeyer respondeu publicamente
justificando que esse era o formato que vinha sendo utilizado desde o convite de Gustavo
Capanema para a construção do MES. Posteriormente, Maria Bonomi conseguiu estar entre os
artistas que também realizou painéis no memorial.
O conteúdo e formato das atividades do Memorial foram definidos a partir da atuação
de Darcy Ribeiro. Contratado como consultor cultural do Memorial, reuniu um grupo de
intelectuais ligados principalmente à Universidade de São Paulo. Grande parte das decisões
nesse âmbito foi delegada por Darcy ao historiador Carlos Guilherme da Mota. O Memorial
assumiu assim um aspecto acadêmico, preocupado em produzir e disponibilizar conteúdos
sobre a América Latina. Nesse sentido, na dissertação de mestrado se dará destaque à
formação da biblioteca latino-americana, da revista Nossa América e da Cátedra UNESCO
Memorial da América Latina.
Muitos dos intelectuais convidados a participarem da concepção do Memorial vieram a
se frustrar como seus resultados. Seja por questões políticas ou por princípios e visões que
tinham quanto à destinação de um equipamento cultural dessa natureza. A historiadora da arte,
Aracy Amaral escreveu (2006):
6
A comissão era formada por Lúcio Costa, Carlos Leão, Afonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Oscar Niemeyer e
Ernani Vasconcellos. Além destes, o arquiteto francês Le Corbusier foi convidado para validar o trabalho do
grupo e dar palestras.
29
Tabela 1.
FASE 2
Out1987 |
- Preparação das comissões responsáveis pela realização do projeto;
- Definição das responsabilidades administrativo-financeiras;
- Criação do Grupo de Trabalho (GTM): Darcy Ribeiro, Oscar Niemayer, José Carlos
Sussekind, Antônio Sérgio Fernandes, Edgard Camargo Rodrigues, Helena Gasparian, Ana
Maria Tebar e Radha Abramo.
FASE 3
Out1987 | Definição do local onde funcionaria o acompanhamento arquitetônico (canteiro de
30
FASE 4
Out/nov1987 |
- GTM define funções e responsabilidades;
- Definição e cronograma das atividades culturais do Memorial;
- Formação dos quadros funcionais;
- Formação do núcleo de programação visual e de divulgação nacional e internacional do
Memorial.
13out1987 |
Apresentação do projeto de comunicação social e assessoria de imprensa do Memorial.
16out1987, às 10h |
Cerimônia de lançamento da 1ª Estação do Memorial (Terminal da Barra Funda).
16out1987, às 13h |
Almoço oferecido pelo governador Orestes Quércia no Palácio dos Bandeirantes aos membros
do corpo diplomático da AL que vieram ao lançamento da 1ª Estação do Memorial.
29jan1988 |
Primeira reunião no campus da USP para a definição dos cursos, cátedras, bolsas de estudos e
atividades de extensão do Memorial.
3fev1988 |
Artistas escolhidos entre os 43 nomes apresentados pela Comissão Especial de Arte do
Memorial para apresentar projetos de painéis para o Salão de Atos: Athos Bulcão, Carybé,
Emanuel Araújo, Maria Bonomi, Poty e Vasco Prado.
31mar1988 |
Publicação de matéria no Jornal da Tarde, com o título “O Memorial da discórdia”, tendo como
fonte principal a artista Maria Bonomi, que reclama da falta de transparência no processo de
escolha dos artistas que iriam confeccionar os painéis do Memorial. A comissão foi dissolvida
após a veiculação da informação de que Darcy Ribeiro havia ignorado a escolha dos artistas e
designado apenas Carybé e Poty para fazer os seis painéis.
17mai1988 |
Darcy Ribeiro envia carta a Rui Guilherme (Secretário Executivo) para pedir que dê condições
de trabalho para que:
31
25jan1989 |
Previsão de inauguração do Memorial da América Latina.
18mar1989 |
Inauguração do Memorial da América Latina.
18mar1989 |
Primeiros prêmios outorgados pelo Memorial:
Artes: Atahualpa del Chopo/Uruguai,
fundador do grupo teatral “El Galpón”;
Ciências: Manuel Elkin Patarroyo/Colômbia,
pelo desenvolvimento da primeira vacina contra a Malária;
Literatura: Augusto Roas Bastos/Paraguai,
autor, entre outras obras, da novela “Yo El Supremo”;
Ciências Humanas: Leopoldo Zea/México, diretor da UNAM.
1989 a 2007 |
Sede do Parlamento Latino-americano.
1992 |
Pedido de tombamento do Memorial ao CONDEPHAAT.
1996 |
Lançamento da 1ª edição da revista institucional “Nossa América/Nuestra America”.
Fonte: elaboração própria.
Tabela 2.
32
Orestes Quércia
Governador do Estado de São Paulo
____________________________________
Equipe do governo relacionada ao Memorial
Radha Abramo
Curadora do Acervo Artístico-cultural dos
Palácios do Governo de São Paulo
Vallandro Keating
Autor de obra sem título, que fica na recepção
da administração do Memorial
Vitor Arruda
Autor do painel “Agora”
Alfredo Cheschiatti
Autor da escultura “Pomba”
Tomie Othake
Autor da tapeçaria do Memorial
34
Carlos Scliar
Autor do painel “Homenagem ao teatro”
Vera Torres
Autora da escultura “Torço negro”
Sebastian
Autor da obra “Ventana negra”
Oscar Niemeyer
Autor da obra “Mão”, que fica na praça cívica
do Memorial
Darcy Ribeiro é derrotado nas urnas pelo peemedebista Wellington Moreira Franco.
Logo após, teve uma breve e frustrada passagem pela Secretaria Extraordinária de
Desenvolvimento Social de Minas Gerais (AZEVEDO, 2002). Em seguida, aceita o convite do
governador de São Paulo, Orestes Quércia, recomendado por Oscar Niemeyer, para elaborar o
projeto cultural do Memorial da América Latina.
Sobre o Memorial Darcy Ribeiro escreveu (1990):
Chegou o tempo da consciência crítica de América Latina. Multiplicam-se
nas universidades brasileiras os institutos de estudos hispano-americanos, e
na América hispânica se multiplicam os centros de estudos brasileiros.
Vamos nos aproximando, à medida que se reforça o sonho boliviano, que
continua tão atual como sempre. A tese da Nação Latino-americana, de
Simón Bolívar, vige e exige espaço.
O Memorial é isso: uma presença física da latino-americanidade, tal como a
mineiridade está em Ouro Preto, representando Minas Gerais. Ele marcará,
como obra de arte, nossa geração no tempo – um tempo em que o sonho de
uma América, unida e fraterna, tornou a ganhar novos alentos (RIBEIRO,
1990, p. 25).
37
7
Intelligentsia aqui entendida como o conceito utilizado por Luciano Martins (1986) para o que é relativo à
existência de um grupo de intelectuais que se caracterizam - e se distinguem de seus pares – por certo número de
atributos, entre os quais o principal refere-se à natureza particular de suas relações com a política.
38
institucionais universitários, uma vez que o Brasil ainda não tinha essa tradição consolidada
(PÉCAULT, 1990).
De fato, muitos intelectuais brasileiros se empenharam em “interferir”. A frase tão
conhecida de Ribeiro citada por Eric Nepomuceno (2010, p. 15) “Nós, latino-americanos, só
temos duas opções, nos resignarmos, ou nos indignarmos. E eu não vou me resignar nunca”,
mostra a imensa disposição de um intelectual, muito vinculado à política (como tantos outros)
de agir e fazer a diferença na construção da sociedade brasileira.
O engajamento dos intelectuais ia além de exaltar o caráter brasileiro e de tentar
constituir o papel das instituições, pois muitos intelectuais se filiaram a partidos políticos
locais. O regionalismo era apenas uma faceta do nacionalismo. As elites políticas e militares
consideravam o positivismo como um princípio de sustentação das práticas políticas. A partir
de 1930 os intelectuais tiveram uma atuação fundamental no redescobrimento do Brasil e na
construção científica de identidade brasileira. A intelligentsia nacional atribuía a si mesma o
papel de ser a consciência esclarecida da nação e do povo.
O artigo ne Luciano Martins (1986) “A Gênese de Uma Intelligentsia” traz uma
importante contribuição ao analisar que, desde a abolição da escravatura e a instituição da
República, os intelectuais brasileiros se engajam na ação política. As chagas da escravidão
permaneciam abertas, o trabalho manual continuou sendo desprezado, e nesse sentido os
intelectuais recebiam alguma valorização e reconhecimento pela sociedade. Mesmo a
proclamação da república não trouxe as mudanças imaginadas. As injustiças sociais eram
denunciadas pelos intelectuais da passagem do século - Lima Barreto e Euclides da Cunha -
como uma indignação moral, mas não com um novo projeto de transformação da sociedade.
A Intelligentsia em formação reivindicava a liderança moral da nação, mas mostrou-se
incapaz de pensar uma nova sociedade, ao contrário da Intelligentsia russa que era provida de
pensamento utópico. No Brasil, a utopia é substituída pela esperança: o Brasil seria o “país do
futuro”. É a exacerbação do ufanismo. Essa situação não se explica por um suposto
alinhamento dos intelectuais à elite, mas talvez, ao fato de que os intelectuais estariam mais
focados em pensar a nação e não a sociedade. Além disso, os intelectuais buscavam encontrar
seu status na sociedade (MARTINS, 1986).
Nos anos 1920 e 1930, as bandeiras dos intelectuais seriam a educação (pública) do
povo, a reforma do ensino e a construção de um campo cultural a partir da universidade. Neste
momento, os intelectuais passavam a se preocupar em construir uma identidade social para si.
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e de “deseuropereização” do europeu (1995). Uma vez que, segundo ele, nascemos ninguém,
recusando a mãe índia ou a mãe preta e rejeitados pelo pai português (o europeu), é
dialeticamente de nossa “ninguendade”, do “não-ser”, que os brasileiros se ergueram como um
dos povos, hoje, mais homogêneos linguística e culturalmente e, também, um dos mais coesos
socialmente do ponto de vista de não se abrigar aqui, por exemplo, nenhum contingente
separatista.
Suas colocações frequentemente careciam de precisão, rigor acadêmico e pesquisa
empírica. Em sua teoria civilizatória desenvolveu uma tipologia ideologicamente artificiosa
(ROQUIÉ, 2012) para referir-se à composição das sociedades do continente americano: os
povos testemunhos, os povos transplantados e povos novos. E retratava respectivamente os
povos nativos da América e descendentes das grandes civilizações pré-colombianas, os povos
de origem branca que mantiveram costumes europeus e os povos originados da mestiçagem
biológica e cultural. Estes últimos considerados por Darcy a “verdadeira América”.
A originalidade do Processo Civilizatório dá-se, de início, por sua releitura inédita de
Marx e Engels visando apreender a lógica do movimento de auto-“transfiguração humana”,
recusando a ideia de sequência evolutiva linear, mas enfatizando as rupturas. Abre-se com isso
um campo de possibilidades outras que tentam ensaiar em sua tipologia várias configurações
históricas. Assim, a evolução humana adquire feições tecnológica, social e ideológica, antes
desconhecidas no processo de mudança social, marcado pelo contato conflituoso entre os polos
dominador e dominado, que se imiscuem e se confundem. Em oposição ao aspecto dicotômico
das representações modernas, “O Processo Civilizatório” explicita uma plêiade de formações
socioculturais concretas, em sincronia, que questionam as hierarquizações espúrias do
colonizador. A posição em que se encontra uma sociedade não corresponde a qualidades inatas
ou a qualidades imutáveis de sua cultura, senão, em larga medida, às circunstâncias
susceptíveis de transformação. Darcy Ribeiro não realizou um estudo acadêmico em sentido
estrito, mas “um esforço deliberado de contribuir para uma tomada de consciência ativa das
causas do subdesenvolvimento” (MIGLIEVCH-RIBEIRO, 2011).
Darcy Ribeiro foi um intelectual ao estilo dos intelectuais americanos do começo do
século XX analisados por Jacoby (1987), no sentido em que não dependia da Universidade
para exercer sua vida intelectual. Contudo, como mostrou o historiador Tony Judt (2007), o
brilho de muitos intelectuais públicos escondia uma relação com o mundo empírico frágil. Ao
considerarmos a interpretação de América Latina, de Darcy Ribeiro, devemos levar em conta
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seu ativismo intelectual e seu estilo ensaístico buscando decodificar suas paixões. E a isso vem
este trabalho, tomando como referência a perspectiva de Darcy Ribeiro.
O projeto cultural do Memorial da América Latina, escrito por Darcy Ribeiro, traz o
objetivo audacioso, e até mesmo desproporcional, de promover a integração regional, a partir
de uma iniciativa do estado de São Paulo. Evidencia-se também uma visão de América Latina
como um subcontinente que precisa vencer o subdesenvolvimento e unir-se contra a
dependência econômica gerada pelos Estados Unidos e anteriormente pela Europa. Esse
posicionamento traz consigo várias nuances que retomam o debate do “sentido” de uma
América Latina. A oposição à América anglo-saxônica é novamente reforçada ao declarar a
necessidade de superação da dependência. A concepção de América Latina como a civilização
do futuro também encontra espaço entre as funções do Memorial da América Latina. Sendo
assim, admite-se mais uma vez que em termos de “civilização” ainda não o somos enquanto
região. A ideia de uma sociedade em construção que almeja chegar a um patamar que até
agora nos foi negado é reiterada. Abaixo as funções descritas no programa de autoria de Darcy
Ribeiro (1989):
Biblioteca Latino-Americana Víctor Civita: Com um acervo composto por livros e materiais
multimídia especializados em cultura latino-americana, conta atualmente com mais de 30.000
volumes que visam fornecer o conhecimento da diversidade da cultura Latino-americana.
Praça Cívica: Amplo espaço livre destinado à reunião de multidões. Conta com um dos
principais símbolos do Memorial, a escultura A Grande Mão, de Oscar Niemeyer.
Galeria Marta Traba de Arte Latino-Americana: Espaço que prioriza a arte latino-americana.
Conta com estrutura para realização de exposições, premiações, leilões e coquetéis de
vernissages. No projeto inicial, esse espaço era destinado a um restaurante circular.
coordenado pela Universidade de São Paulo, pela Universidade Estadual de Campinas e pela
Universidade Estadual Paulista.
Cátedra Unesco Memorial da América Latina. A Cátedra é um serviço oferecido pelo CBEAL
em parceria com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), com o objetivo de oferecer cursos semestrais sobre diferentes temas mediante o
estudo sistemático das realidades culturais, históricas e políticas dos países latino-americanos.
Tomaremos também para o estudo do Memorial algumas reflexões sobre sua dimensão
enquanto monumento. As principais bibliografias mobilizadas nesse sentido serão História e
Memória de Jacques Le Goff e Além dos mapas: os monumentos no imaginário urbano
contemporâneo, de Cristina Freire. Por conseguinte, alguns aspectos da arquitetura moderna
serão debatidos em sua dimensão urbanística. Partiremos do livro A Cidade Modernista, de
James Holston. Para finalizar este ponto, apresentam-se algumas considerações sobre o lugar
de construção do Memorial da América Latina, a Barra Funda.
O bairro Barra Funda tem origem na chácara do Carvalho de propriedade do Barão de
Iguapé, que tendo falecido em 1875, deixou-a para seu neto, o conselheiro Antônio da Silva
Prado. A chácara do Carvalho estava situada ao lado do caminho de Jundiaí, o qual saía do
Triângulo rumo ao interior do Estado e que, antes do advento da ferrovia, era o caminho
seguido pelas tropas de burros (CIRRINCIONE, 2010: p. 74). A chácara, que se estendia do
caminho de Jundiaí até o Tietê nas proximidades da Casa Verde, contribuiu para a formação
dos bairros da Barra Funda e do Bom Retiro (BRUNO, 1984: p.1029). A Barra Funda é um
bairro próximo ao centro de São Paulo que sempre teve sua história relacionada aos meios de
transporte:
Entre 1890 e 1920, o bairro tem seu início como um espaço de ocupação mista: além
de ser ocupado por distintas classes sociais, serviu tanto como zona residencial como área de
distribuição de mercadorias e zona industrial (BORIN, 2014). Com o crescimento da cidade de
São Paulo e do movimento nas estações da Barra Funda, atividades de convívio social que
mesclavam o rural e o urbano foram ganhando força, no que ficou conhecido como o Largo da
Banana.
No filme “Geraldo Filme – crioulo cantando Samba era coisa feia” de Calos Cortez, o
sambista Osvaldinho da Cuíca conta que um importante foco de propagação deste samba dito
“rural” na cidade de São Paulo era o já extinto Largo da Banana, situado na Barra Funda, o
equivalente à Praça Onze no Rio de Janeiro, no que concerne ao desenvolvimento e festejo do
samba. Segundo Marcos (1977),
E nesse bairro foi fundado, por Dionísio Barbosa, o primeiro cordão carnavalesco
paulista, o Grupo Carnavalesco Barra Funda. Formado por membros da população negra que
se sentiam excluídos da Festa do Momo, o grupo teve que paralisar suas atividades nos anos
40 por problemas políticos. Foi reorganizado como Camisa Verde, por Inocêncio Tobias,
tendo sido perseguido pela polícia política de Vargas, confundido como simpatizante do
Partido Integralista, até a alteração do nome para Camisa Verde e Branco. O primeiro desfile
do grupo data de 1954, na comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo.
A Barra Funda, que até então tinha um forte setor industrial, começou a perder essa
característica a partir da década 1950 à medida que as indústrias mudavam para outras cidades
ou estados. O ápice da retração do setor industrial foi na década de 1980, quando “grandes
áreas industriais próximas ao centro passaram a ser propícias à implantação de grandes
projetos urbanos”. (CANUTTI, 2008, p.109). Assim, no final da década de 1980, o governo do
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Estado de São Paulo deu continuidade à implantação do projeto do metrô linha Leste-Oeste,
com a inauguração da Estação Barra Funda em 1988 e, em 1989, de uma rodoviária,
concluindo a obra do Terminal Intermodal Barra Funda com a intenção de organizar o
transporte da Zona Oeste.
O bairro da Barra Funda abriga o Memorial da América Latina, um potencial polo de
diversidade. Quando reconhecemos que o convívio com a diversidade é vantajoso e
importante, que contribui positivamente para a vivência humana, estamos cultivando um valor
urbano. E uma vez que, fora do contexto de cidade, tal experiência não poderia ser vivenciada
com tamanha intensidade. O mundo urbano com sua diversidade traz a necessidade de nos
atentarmos à tolerância e desenvolvermos a capacidade do bom convívio com o outro, ainda
que, na maioria das vezes, desconhecido. O respeito surge como uma prerrogativa para
coexistência urbana. Ao considerarmos valorosa a diversidade peculiar à cidade, estabelece-se
então o desafio da interação. O ideal da máxima interação da diversidade humana advinda das
cidades é uma aposta no potencial produtivo de transformações sociais profundas, as quais se
baseiam no teor de urbanidade que as cidades conseguirão desenvolver. Diante disso, uma das
definições possíveis para o conceito de urbanidade é: o que a cidade deve ser.
Ao se defender a cidade como o espaço dessa mencionada interação máxima da
diversidade humana, mesmo que haja urbanidade em contextos não urbanos, a cidade é o
espaço de maior potencial urbano. Sendo assim, a urbanidade funciona como um indicativo de
como as cidades e seus habitantes se organizam, e ao mesmo tempo é uma diretriz de como
essa organização deve funcionar. No contexto contemporâneo de cidades altamente povoadas,
espera-se que as cidades desenvolvam elevados graus de urbanidade a partir da contiguidade,
da continuidade, da diversidade e da densidade em todas as suas localidades, e que não mais se
restrinjam ao centro.
Nesse sentido, é importante ressaltar que esses projetos urbanos mantiveram a
característica de local de trânsito da Barra Funda. Mesmo a construção do Memorial da
América Latina não foi capaz de alterar o itinerário das pessoas que passam pela Barra Funda
como um território de baldeações. Muitos dos que transitam pela redondeza jamais entraram
no Memorial. Se bem que o Memorial criou uma memória visual para o bairro, seus aspectos
arquitetônicos e o padrão urbanístico que vem se desenvolvendo na região (com edifícios de
altas torres fechados em condomínios) não favoreceram a uma mudança significativa em
termos de urbanidade.
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