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Universidade de São Paulo

Instituto de Estudos Brasileiros – IEB

Programa de Pós-graduação em “Culturas e Identidades Brasileiras”

Memorial da América Latina: sentidos do discurso de fundação

Luana Nascimento de Lima Souza

São Paulo, janeiro de 2017.


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Luana Nascimento de Lima Souza

Exame de Qualificação de Projeto de Mestrado, apresentado à banca


examinadora, como requisito parcial de avaliação para obtenção do título
de Mestre em Culturas e Identidades Brasileiras pela Universidade de São
Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Jaime Tadeu Oliva

São Paulo, janeiro de 2017.


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Luana Nascimento de Lima Souza

Exame de Qualificação de Projeto de Mestrado, apresentado à banca


examinadora, como requisito parcial de avaliação para obtenção do título
de Mestre em Culturas e Identidades Brasileiras pela Universidade de São
Paulo.

Banca Examinadora:

________________________________________

Prof. Dr. Jaime Tadeu Oliva (Orientador)

Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP

________________________________________

Profa. Dra. Maria Mónica Arroyo

Geografia - FFLCH/USP

________________________________________

Prof. Dr. Paulo Teixeira Iumatti

Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/USP

Data de aprovação: ____/____/____


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LISTA DE ABREVIATURAS

CBEAL- Centro Brasileiro de Estudos da América Latina do Memorial da América


CIEP - Centro Integral de Educação Pública
CPDOC- Centro de Pesquisa e Documentação de História do Brasil
FMI - Fundo Monetário Internacional
ILAM-Instituto Latino Americano
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MES - Ministério da Educação e Saúde
PARLATINO - Parlamento Latino-americano
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
TCSP - Tribunal de Contas de São Paulo
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 05
PARTE I 00
Atividades discentes curriculares e extracurriculares 06
Ficha do Aluno 11
PARTE II 00
1 INTRODUÇÃO 16
2 REVISÃO DA LITERATURA 18
2.1 A América Latina e o Brasil 18
2.2 A concepção do Memorial 24
2.3 Darcy Ribeiro: consultor cultural do Memorial 35
3 A FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA 43
3.1 Os Aspectos arquitetônicos, culturais e urbanísticos do Memorial 45
4 EXPOSIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49
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APRESENTAÇÃO

Este relatório de qualificação contextualiza a pesquisa “Memorial da América Latina –


sentidos do discurso de fundação”, orientado pelo professor Jaime Tadeu Oliva, que
corresponde à produção de mestrado inserida na linha de pesquisa “Brasil: a Realidade da
criação, a Criação da realidade” do programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Culturas e
Identidades Brasileiras; Área de Concentração: Estudos Brasileiros do Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de São Paulo. O início desse estudo ocorreu em agosto de 2015 e
terá como resultado uma dissertação de mestrado com finalização prevista para julho de 2017.

Luana Nascimento de Lima Souza é graduada em História pelo Centro Universitário de


Brasília com habilitação em licenciatura (2007) e bacharela em Ciências Sociais pela
Universidade de Brasília (2013).

O presente relatório é composto de duas partes. Uma primeira com a narrativa das
atividades curriculares e extracurriculares da estudante durante o período entre seu ingresso no
Programa e a data de entrega deste, juntamente com a ficha do aluno (ao final da Parte I). E uma
segunda parte na qual são apresentados os progressos da pesquisa em curso.
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Parte I

Atividades discentes curriculares e extracurriculares

A primeira atividade curricular da estudante foi a disciplina Arte e Sociedade no Brasil


(Séculos XIX e Início do XX): do Academismo ao Modernismo que tem como docente
responsável a Professora Doutora Ana Paula Cavalcanti Simioni. Atendendo aos objetivos da
disciplina foi discutida a produção artística, notadamente de cunho plástico, realizada no Brasil
ao longo do século XIX e primeiras décadas do século XX, tendo em vista alguns temas
centrais: 1) os condicionantes institucionais das práticas artísticas designadas como
“acadêmicas” e “modernistas”; 2) as conexões entre as produções artísticas e os projetos
culturais das elites políticas nacionais em diversos momentos históricos e, 3) a relações entre a
produção local e os modelos estéticos internacionais em circulação, de sorte a verificar a relação
dinâmica e seletiva entre a arte “nacional” e “estrangeira”.

A partir dessa disciplina foi possível estabelecer um contato inicial com os debates da
produção historiográfica sobre a arte brasileira oitocentista, desmistificando concepções
dualistas sobre o “acadêmico” e o “moderno”. A compreensão do processo de canonização do
Modernismo no século XX certamente está entre os aspectos mais relevantes da disciplina para
esta pesquisa de mestrado em curso. Foi este o ponto de partida para o artigo de trabalho final
apresentado sob o título “A institucionalização do olhar: o triunfo do modernismo no campo
artístico”. No trabalho se pretendeu estudar a consolidação do projeto Modernista como o
grande projeto cultural brasileiro, resultado da relação entre o crescimento da importância do
modernismo em perspectiva histórica e o papel da crítica de arte. Dialogou-se com o conceito
de campo de Pierre Bourdieu, a fim de evidenciar a institucionalização do olhar modernista no
Brasil, paralelo à consolidação do campo artístico. Entre outras leituras importantes que foram
mobilizadas destaca-se A Semana sem fim de Frederico Coelho; Modernidade e vanguarda: o
caso brasileiro de Annateresa Fabris; Modernist painting de Clement Greenberg; Modernisme
brésilien: entre la consécration et la contéstation de Ana Paula C. Simioni e O Moderno antes
do Modernismo: paradoxos da pintura brasileira no nascimento da República também dela
juntamente com Lúcia Stumpf.
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A disciplina A História da Arte como Subgênero da História nos Discursos sobre os


Artistas Florentinos dos Séculos XIII ao XV ministrada pelo professor Doutor Luiz Armando
Bagolin consta na ficha do aluno devido ao não cancelamento em tempo hábil, a mesma não
chegou a ser cursada pela estudante. Entre os objetivos dessa disciplina estava o estudo do
gênero epidítico que foi abordado na disciplina: Monumentos Públicos no Brasil: a Memória
do Poder. Século XIX e Primeiros Decênios do Século XX. Sendo esta a disciplina cursada
mais relevante para o andamento desta pesquisa. Primeiramente porque foi ministrada pela
professora Doutora Mayra Laudanna, então orientadora responsável pela mesma. Depois,
porque o conhecimento sobre o estudo de Monumentos levou ao redirecionamento do objetivo
geral desta investigação.
Para o estudo de monumentos estavam definidos os objetivos de considerar os discursos
políticos que incitaram a implantação de monumentos públicos desde o Segundo Reinado até os
primeiros decênios do século XX; analisar a documentação concernente às obras que serão
destacadas, quando existentes, e discutir sobre a simbologia das obras com o intuito analisar
discursos produzidos para a implantação de monumentos e compreender a mudança do estatuto
dos artistas no final do decênio de 1930. O trabalho final da disciplina foi um artigo destinado
ao levantamento do monumento “Os Guerreiros” (1959) de Bruno Giorgi, escultura fixada na
Praça dos Três Poderes em Brasília. Para isso, partindo do contexto histórico e artístico nacional
e da trajetória social do escultor ressaltando sua participação no conjunto escultórico do
Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro e nas obras que decoram Brasília. Por fim,
foram apresentas as imprecisões encontradas quanto às razões que levaram à sua escolha da
obra e o lugar destinado à sua fixação. A partir desse trabalho foi possível conhecer parte dos
processos de contratação e de escolha dos artistas responsáveis pelos principais monumentos
públicos brasileiros do século XX. Além disso, pode-se perceber uma permanência desses
artistas até mesmo nas obras que compõe o Memorial da América Latina, para o qual Bruno
Giorgi também esculpiu.

Prosseguindo com as disciplinas que são partes deste percurso formativo está América
Latina: Laboratório de Pesquisas; ministrada conjuntamente pelas professoras Doutoras
Maria Cristina Machado Freire, Maria Helena Rolim Capelato e Vera Maria Pallamin. Foram
apresentados e discutidos instrumentos teóricos e metodológicos para a compreensão e
problematização da América Latina nas sociedades globais, tomando como referência temas da
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geopolítica e história do continente e investigações sobre temas relacionados às suas


representações políticas, sociais, culturais, urbanísticas e artísticas. Sendo a América Latina o
eixo condutor dessa disciplina que pressupõe um conhecimento a ser construído por meio de
novas abordagens e investigações e pelo consequente desenvolvimento de uma epistemologia
crítica própria. A articulação de diferentes objetos de estudo tomou como referência comum o
processo cultural e artístico do continente na contemporaneidade e seus processos correlatos de
subjetivação.

Como trabalho final foi apresentado um artigo sobre o projeto cultural do Memorial da
América Latina e a gestão cultural desenvolvida atualmente por essa instituição. As principais
referências bibliográficas foram: Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-
2005) de Aracy Amaral; Geopolítica de la sensibilidad y del conocimiento: sobre la
(de)colonialidad, pensamiento fronterizo y desobediencia epistémica de Walter Mignolo; . Do
Teatro da memória ao Laboratório da História: a exposição museológica e o conhecimento
histórico de Ulpiano Bezerra de Meneses; Urbanismo em fim de linha de Maria Otília Arantes.

Além dessas disciplinas cursadas formalmente, participei ainda, como ouvinte, da


disciplina A Urbanidade e a Imagem da Metrópole de São Paulo como Fatores de sua
Produção e de sua Interpretação ministrada pelo professor Doutor Jaime Tadeu Oliva, atual
orientador desta pesquisa. Foi feito o esforço de interpretar a realidade urbana da metrópole de
São Paulo a partir de sua dimensão espacial, da qual se extrai uma construção complexa e
abrangente: a urbanidade. O que trouxe um novo entendimento sobre a cidade e a estranheza do
Memorial da América Latina neste espaço.
Isto resultou no ensaio apresentado como trabalho final em que se pretendeu analisar as
urbanidades vivenciadas no bairro da Barra Funda quando ali existia o Largo da Banana até os
dias de hoje onde se encontra Memorial da América Latina. Para isso, levantei algumas ideias
sobre urbanidade, suas expressões e transformações na cidade de São Paulo. O ponto de partida
consistiu em uma breve explanação do conceito de cidade como uma das interfaces do “ser
social”. Pensada no ensaio como mais um “meio de comunicação” da humanidade. A cidade foi
entendi como um processo onde o contato triunfa sob o afastamento. Aliado ao contato vem a
diversidade. Sendo o espaço em que diferentemente das experiências anteriores de organização
social, reúne um número elevado de realidades humanas. A cidade é o espaço do convívio com
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o outro. A partir dessa concepção foi defendido o ideal de urbanidade, e finalmente foram feitos
alguns apontamentos sobre a cidade de São Paulo e uma breve análise de como se deu a
urbanidade na Barra Funda no último século ressaltando seus aspectos como zona residencial de
área de distribuição de mercadorias e zona industrial; ponto de difusão do samba rural; e mesmo
com retração do setor industrial na década de 1980, os novos projetos urbanos mantiveram a
característica de local de trânsito da Barra Funda.
Para totalizar os créditos necessários para o exame de qualificação foi cursada a
disciplina Intérpretes do Brasil: Como Pensar o Brasil Hoje? Esta foi ministrada
conjuntamente pelos professores Doutores Jaime Tadeu Oliva e Paulo Teixeira Iumatti.
Buscou-se mapear em que medida as “interpretações do Brasil” e a ideia de uma “unidade
Brasil” têm se mostrado relevantes para se pensar o país hoje, A partir da reflexão sobre o
cânone produzido em torno dos chamados “intérpretes do Brasil” Por meio de eixos temáticos
que dialogaram com uma realidade marcada pela nova importância adquirida pelos contextos
locais e regionais e os supranacionais, e também pela crescente relevância adquirida por
diversos agentes na produção da realidade social e cultural contemporânea. Para tanto, as
reflexões sobre as experiências brasileiras foram invocadas a partir da sua complexidade,
utilizando como principio metodológico o enfoque interdisciplinar e a análise do Ensaio como
forma e sua força no pensamento social brasileiro.
A principal atividade extracurricular de que a estudante participou foi a Cátedra
UNESCO Memorial da América Latina do primeiro semestre de 2016, organizada pelo Centro
Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL) do Memorial da América Latina, com a
temática “As Redes e as Ruas: os novos termos do jogo político e social”. Frequentando as aulas
da Cátedra a estudante pôde estar em contato constante com o aspecto acadêmico desenvolvido
pelo Memorial e ter algumas percepções acerca de suas abordagens. O curso foi coordenado
pelo Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira (UNESP / IPPRI – Instituto de Políticas Públicas e
Relações Internacionais), realizadas no período de 30 de março a 1º de junho de 2016,
semanalmente na Biblioteca Latino-americana, totalizando 40 horas-aulas, sendo 7 aulas-
conferências e 3 mesas-redondas. O objetivo do curso foi desenvolver uma agenda teórica que
sirva de base para a reflexão sobre o tema central, com ênfase no modo como movimentos
sociais, redes e ações de protesto estão a se projetar na cena latino-americana atual e ajudando a
formatar o universo da política e da democracia. Os encontros tiveram como temas:
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 Modernidade em crise, governos impotentes, vida fora de controle.


Marco Aurélio Nogueira (UNESP/IPPRI);
 Limites e dificuldades do debate público democrático.
Carlos Melo (Insper);
 Representação, participação e políticas públicas.
Marco Antônio Carvalho Teixeira (FGV-SP);
 A democracia em transformação e o refluxo dos partidos políticos.
Milton Lahuerta (Unesp);
 Cultura cívica, intolerância e democracia: de que modo estamos protestando? Maria
Alice Rezende de Carvalho (PUC-RJ);
 Cidades, periferias, conflitos. Gabriel de Santis Feltran (Ufscar);
 Mesa-redonda: Formas e possibilidades de participação: redes e mídias sociais. Marisa
Von Bülow (UnB) & Pablo Ortellado (USP);
 Entre classes, identidades e instituições: movimentos sociais na América Latina. Maria
da Gloria Gohn (FE/Unicamp);
 Mesa-redonda: Formas e possibilidades de participação: as ruas, os movimentos, a
política. Marcelo Castañeda (UERJ) e Andrea Roca (Sociologia USP, bolsista
FAPESP);
 Mesa-redonda: Protestos, indignação e dissonância: a violência nas ruas.
Bruno Paes Manso (Jornalista) & Sérgio Adorno (USP).

Outra atividade extracurricular de grande contribuição: a exposição “Franco Montoro,


100 anos” promovida pelo Memorial da América Latina. A exposição recontou em fotos,
documentos, jornais, depoimentos e registros audiovisuais a trajetória do político, ex-
governador de São Paulo (1983-1987), um dos protagonistas da campanha Diretas já e
defensor da integração latino-americana. Além dos itens de família, a exposição foi organizada
a partir dos acervos do Centro de Memória Franco Montoro (Biblioteca Latino-Americana),
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV),
Arquivo Público do Estado de São Paulo e TV Cultura. Muitas das questões políticas
referentes à concepção do Memorial são entendidas neste trabalho a partir da rivalidade entre
André Franco Montoro e Orestes Quércia.
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Ficha da aluna atualizada


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RESUMO

O Memorial da América Latina é um centro cultural polivalente. Foi pensado inicialmente


como um centro cívico, cultural e artístico destinado a promover a integração latino-
americana. Dessa forma, este estudo tem como problema: o Memorial se tornou o que
almejava ser? O objetivo geral consiste em conhecer o processo de concepção do Memorial da
América Latina em seus aspectos políticos, culturais e artísticos em torno do projeto e das
intencionalidades relacionadas à sua criação e ao seu funcionamento, bem como a percepção
destes em meio aos seus visitantes e gestores a fim de mensurar em que grau se atingiu ou não
os objetivos iniciais do Memorial. E tem como objetivos específicos: Relatar o processo
histórico de concepção do Memorial; Apresentar o debate sobre a América Latina e o Brasil;
Especificar o pensamento de Darcy Ribeiro e seu aporte no projeto cultural do Memorial;
Levantar aspectos artísticos, arquitetônicos e urbanísticos do Memorial; Descrever a atuação
da Fundação Memorial da América Latina em seus diversos âmbitos; Apontar o alcance do
projeto do Memorial entre seus os visitantes e gestores. Trata-se de pesquisa com natureza
descritiva, com aspecto qualitativo e quantitativo. As técnicas utilizadas para o levantamento
de dados foram: pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. Está previsto a aplicação de
questionário junto aos visitantes e gestores do Memorial e entrevista com os envolvidos no seu
processo de concepção. Como resultado deste estudo, procurou-se obter um melhor
entendimento da concepção idealizadora dos fundadores do Memorial da América Latina,
como também perceber os seus aspectos de atuação e de funcionamento.
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Parte II

1. INTRODUÇÃO

O Memorial da América Latina é um centro cultural com atividades prioritariamente


relacionadas às temáticas latino-americanas. Construído pelo governo de Orestes Quércia em
1989, é formado por um conjunto arquitetônico de oito blocos com projetos de Oscar
Niemeyer. Seu programa cultural teve como principal responsável o antropólogo Darcy
Ribeiro. Pensado inicialmente como uma instituição que deveria fomentar a integração entre
os povos latino-americanos gerou diversos questionamentos quanto à sua pertinência e o seu
formato institucional, uma vez que a categoria analítica “América Latina” e sua relação com o
Brasil levantam inúmeros debates.
O processo de criação do Memorial da América Latina contou com a participação de
intelectuais, artistas, políticos, servidores de altos postos da administração pública estadual e
de universidades e embaixadas de diversos países. As contribuições foram variadas e muitas
vezes divergentes quanto ao caráter e a destinação que o Memorial deveria assumir. Em quase
três décadas de funcionamento, a instituição Memorial passou por diversas transformações
quanto à sua natureza, porém seu processo de criação carece de estudos e reflexões.
Nesse sentido, a pesquisa tem como tema o Memorial da América Latina: sentidos
do discurso de fundação. E espera responder a indagação: o Memorial se tornou o que
almejava ser? Tem como objetivo geral conhecer o processo de concepção do Memorial da
América Latina em seus aspectos políticos, culturais e artísticos em torno do projeto e das
intencionalidades relacionadas à sua criação e ao seu funcionamento, bem como a percepção
destes em meio aos seus visitantes e gestores a fim de mensurar em que grau se atingiu ou não
os objetivos iniciais do Memorial. Os objetivos específicos são: Relatar o processo histórico de
concepção do Memorial; Apresentar o debate sobre a América Latina e o Brasil; Especificar o
pensamento de Darcy Ribeiro e seu aporte como consultor cultural do Memorial; Levantar
aspectos artísticos, arquitetônicos e urbanísticos do Memorial; Descrever a atuação da
Fundação Memorial da América Latina em seus diversos âmbitos; Apontar o alcance do
projeto do Memorial entre seus os visitantes e gestores.
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Em relação a metodologia, a pesquisa tem natureza descritiva, no sentido proposto por


Gil (2010) como a descrição das características de determinado fenômeno. Com esse
entendimento, Richardson (2012) esclarece:
Os estudos de natureza descritiva propõem-se investigar o “que é”, ou seja, a
descobrir as características de um fenômeno como tal. Nesse sentido são
considerados como objeto de estudo uma situação específica, um grupo ou
um indivíduo. (RICHARDSON, 2012, p.71)

Também tem aspecto qualitativo e quantitativo. Nessa perspectiva, o campo empírico


da pesquisa será o Memorial da América Latina. Inicialmente as técnicas utilizadas para o
levantamento de dados foram: pesquisa bibliográfica, de autores estudiosos do assunto e
pesquisa documental realizada no acervo da Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR) que está no
Memorial Darcy Ribeiro (o Beijódromo), localizado na Universidade de Brasília. Entre a
documentação encontrada estavam correspondências oficiais entre Darcy Ribeiro e demais
membros do governo de São Paulo, calendário de obras, andamento da montagem do acervo,
atas de reuniões, plano de comunicação, convites e pedidos de compras e aumento de
destinação de recursos e contribuições externas para os projetos do Memorial. O arquivo
histórico da Biblioteca Latino-americana, que compõe o Memorial, também foi consultado.
Este não contava de catalogação do acervo histórico referente ao próprio Memorial. De
maneira aleatória, estavam disponibilizadas as primeiras versões do projeto cultural do
Memorial e o clipping das notícias da época de sua inauguração. Para a etapa seguinte, estão
previstas a aplicação de questionário e entrevista junto às pessoas envolvidas na concepção do
Memorial, como também aos visitantes e gestores a fim de atender aos objetivos desta
pesquisa.
O processo de criação do Memorial da América Latina (1989) é contemporâneo à
redemocratização do Brasil, inserido no contexto prévio às primeiras eleições diretas a serem
realizadas pós-ditadura militar (1964-1985). Em 1986 o Brasil iniciou as negociações que
levaram à criação do Mercado Comum do Sul MERCOSUL assinada em 1991. À época o
apelo à integração (econômica) com os países vizinhos ganhava peso no discurso político, e
São Paulo já havia se consolidado como o principal polo de instituições culturais do país.
Contou com o projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, responsável pelos projetos de diversos
prédios públicos construídos ao longo do século XX, entre eles o Palácio Capanema (1939) no
Rio de Janeiro e os Palácios do Planalto, Alvorada e Itamaraty (1960) em Brasília. Os espaços
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do Memorial foram decorados por obras de artistas reconhecidos pelo grande público: Cândido
Portinari, Poty Lazarotto, Carybé, Bruno Giorgi, Maria Bonomi, Tomie Otake. Seu
funcionamento e destinação foram pensados pelo antropólogo Darcy Ribeiro o qual reuniu
importantes intelectuais de São Paulo com o objetivo de dar conteúdo ao projeto do Memorial.
Alfredo Bosi, Aracy Amaral, Telê Ancona, Carlos Guilherme Mota, Radha Abramo, entre
outros.
Atualmente a história do Memorial não está constituída em um só trabalho. Todo esse
processo e a contribuição desses diferentes atores estão dispersos, como também carentes de
reflexão analítica. As informações disponíveis sobre o Memorial são de teor institucional.
Grande parte dos artigos encontrados, ainda que em revistas científicas, podem ser
interpretados como um catálogo do Memorial. Todavia não foram realizados estudos
acadêmicos que trouxessem uma visão global sobre esse objeto. Não há teorias ou
sistematizações das informações referentes ao processo de concepção do Memorial em seus
aspectos políticos, culturais e artísticos. Tampouco os sentidos do discurso latino-americanista
apresentado pelo Memorial foram estudados. Este constitui ainda um objeto desconhecido da
comunidade acadêmica e da sociedade de maneira geral, deixando inúmeras questões sem
resposta.
Nesse sentido, o presente estudo pretende obter um melhor entendimento da concepção
idealizadora dos fundadores do Memorial da América Latina, como também perceber os seus
aspectos de atuação e de funcionamento. Espera-se observar o que o Memorial almejava ser e
em que medida o mesmo se aproxima e se distancia disso.
O presente estudo está dividido em quatro componentes: 1.Introdução; 2. Revisão de
Literatura; 3. A Fundação Memorial da América Latina; 4. Exposição e análise dos resultados.

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 A América Latina e o Brasil

A relação do Brasil com a América Latina tem um antecedente histórico de notável


distanciamento. Pode-se dizer que a inclusão do Brasil na América Latina é um fenômeno
recente. A ideia de América Latina é de origem francesa, usada para justificar a intervenção
daquele país liderada por Napoleão III, no México, entre 1861 e 1867. Havia uma valorização
19

da afinidade linguística e cultural dos povos latinos como forma de opor-se à dominação
anglo-saxã, e a França se considerava a líder natural desse processo (PHELAN, 1968).
Apesar da fragmentação da América Espanhola, havia uma consciência entre políticos
e escritores de que existia uma unidade hispano-americana / latino-americana que ultrapassava
os “nacionalismos” locais e regionais. Essa consciência persistia sempre em oposição à
América anglo-saxã, a “outra” América. Posteriormente, a união entre a França e a Espanha
com os Estados Unidos contra a “América Latina”, ainda na intervenção francesa no México,
colaborou para que muitos países se denominassem como “América do Sul” e não “América
Latina” ou “hispano-américa”. Contudo, esses conceitos em sua origem não englobavam o
Brasil. De acordo com Bethell (2009),
O importante é que nenhum dos políticos, intelectuais e escritores hispano-
americanos que primeiro utilizaram a expressão “América Latina”, e nem
seus equivalentes franceses e espanhóis, incluíam nela o Brasil. “América
Latina” era simplesmente outro nome para América Española. (BETHELL,
2009, p. 293).

A literatura brasileira da segunda metade do século XIX não se dedicava à temática


“América Latina” como um importante elemento de unidade regional. Entretanto, a herança
indígena em comum das Américas era o que despertava a imaginação dos autores brasileiros
(BETHELL, 2009, p. 293). Esse interesse chegou até o século XX como podemos ver na obra
de Darcy Ribeiro, antropólogo indigenista e defensor do latino-americanismo1.
Pensadores hispano-americanos, como José María Torres Caicedo, jornalista, poeta e
crítico colombiano (1830-1889); Francisco Bilbao, intelectual socialista chileno (1823-1865),
e Justo Arosemena, jurista, político, sociólogo e diplomata colombo-panamenho (1817-1896)
são reconhecidos como autores do termo América Latina segundo Bethell. Esse conceito se
externava sempre em oposição aos Estados Unidos ou denominando uma ligação forte entre as
repúblicas hispano-americanas. O Brasil de então estava mais identificado com o pan-
americanismo. Segundo Bethell (2009),

Para os republicanos, o Brasil era “um país isolado”, infelizmente separado


das repúblicas hispano-americanas não só pela geografia, história, língua e
cultura, mas também pelo seu ponto de vista imperial/monárquico da forma
de governo. Esse fato também separava o Brasil dos Estados Unidos. Com a
Proclamação da República em 1889, o Brasil começaria a desenvolver
relações mais próximas com alguns vizinhos hispano-americanos,
principalmente a Argentina e o Chile. Ao mesmo tempo, no entanto, o Brasil

1
Ver sessão 2.3.
20

se tornou mais próximo ainda dos Estados Unidos e se tornou árduo defensor
do pan-americanismo (BETHELL, 2009, p. 296).

Entre os principais intelectuais da Primeira República a pensar o Brasil na América


Latina pode-se destacar: Eduardo Prado (1860-1901) denunciante do imperialismo americano
que rechaçava o ideário pan-americano, Manoel de Oliveira Lima (1867-1928) que incluiu não
somente o estudo comparativo entre o Brasil e os EUA, mas também buscou compreender a
vasta porção do continente de fala espanhola (pela qual não nutria muita simpatia); Joaquim
Nabuco (1849-1910) que se tornou um defensor de uma aproximação com os Estados Unidos
e um admirador da civilização norte-americana com uma visão da América
Espanhola/América Latina em grande medida negativa. Euclides da Cunha (1966-1909)
considerava inevitável a dominação norte-americana nas Américas. Com outra perspectiva,
Manoel Bomfim (1868-1932) representa um importantíssimo expoente entre os pensadores
que manifestaram seu engajamento intelectual pela causa latino-americana atribuindo os
problemas da América Latina ao “parasitismo social”, construído sistematicamente pelo tipo
de colonização implantado pelas metrópoles sobre os organismos que eram as colônias.
Os intelectuais do período seguinte estavam mais preocupados em pensar a formação
da identidade nacional, e abordaram em suas obras a relação do Brasil com a América Latina /
Hispânica de maneira periférica: Gilberto Freyre (1900-1987) demonstrava uma clara
disposição em defender, idilicamente, a América Ibérica e mestiça diante de um mundo de
intolerância e guerra; Sergio Buarque de Holanda (1902-1982) expressava um grande interesse
pela literatura dos países vizinhos e pela comparação da história dos países hispano-
americanos com a nossa. E ainda Caio Prado Júnior (1907-1990) pensou o Brasil na América
Latina a partir da ótica marxista e da análise da especificidade do modo de produção
desenvolvido aqui.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se consolidam como potência.
Disso surge a necessidade de mais especificidade no planejamento militar e político. A
América Latina passou a ser tratada pela política externa americana como um continente
separado dos Estados Unidos, o qual abrangia também o Brasil. Esta visão influenciou
organismos multinacionais. A criação da Comissão Econômica para América Latina das
Nações Unidas (ECLA/ CEPAL), em 1948, intensificou a aproximação do economista Celso
Furtado (1920-2004) com os debates desenvolvidos na região. Furtado integrou a CEPAL
21

durante a direção do argentino Raúl Pebrisch e nessa época publicou Subdesenvolvimento e


estagnação na América Latina (1966) e Formação Econômica da América Latina (1969).
Apesar de o Brasil ter desenvolvido uma relação próxima com os Estados Unidos,
mantinha uma política externa independente que dialogava com URSS e com diversos países.
Durante a Guerra-fria o tratamento dado pelos EUA ao Brasil não foi diferente do tratamento
dispensado aos demais países da América Latina (BETHELL, 2009). Sendo assim, a ideia de
Brasil como parte da América Latina e em oposição à América Anglo-Saxônica era reforçada
em grande parte pela arbitrariedade e desconfiança da política externa americana.
Com a ditadura militar instalada com o golpe de estado de 1964 no Brasil, muitos
intelectuais foram para o exílio em países latino-americanos, o que favoreceu o intercâmbio e a
identificação com a “América Latina”. Fernando Henrique Cardoso ao viver o exílio político
no Chile publicou com Enzo Faletto Dependência e Desenvolvimento na América Latina
(1970) primeiramente em espanhol (BETHELL, 2009). Rui Mauro Marini e Theotônio dos
Santos também viveram o exílio e tiveram uma produção relevante sobre a América Latina. Da
mesma forma Darcy Ribeiro penetrou profundamente nos estudos da América a partir de seu
exílio no Uruguai. Esse processo é relatado em mais detalhes na sessão 2.3.
A redemocratização do Brasil trouxe um novo contexto para a política externa, houve
uma intenção de protagonismo brasileiro em relação aos países vizinhos. A integração política
e econômica com a América do Sul tornou-se um dos principais focos. Data desse período o
início das negociações para a criação do bloco econômico iniciado por Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai: o MERCOSUL. Contudo, conforme aponta Leslie Bethell, a região
passou a ser a América do Sul e não a América Latina. Por fim, Bethell defende: “É chegada a
hora de o mundo parar de considerar o Brasil como parte daquilo que, na segunda metade do
século XX, foi chamado de América Latina, um conceito que seguramente perdeu a utilidade
que talvez tenha tido alguma vez.”. (BETHELL, 2009, p. 314).
No entanto, o conceito América Latina ainda é muito utilizado e, a despeito de suas
imprecisões, ainda situa um pensamento que mais oculta do que explicita ideias. Foi nesse
sentido que o cientista político francês Alain Roquié escreveu O extremo Ocidente: introdução
à América Latina. Partindo da pergunta O que é América Latina? O autor demonstra que há
uma precariedade nessa definição de “área cultural”. O livro é feito com o intuito de verificar a
(im) precisão do conceito, recordar sua história e criticar seu uso. Roquié alega que o conceito
é utilizado sem rigor e o termo é mais fonte de confusão do que uma delimitação e precisão.
22

Geograficamente não há uma definição precisa de América Latina. Seria o conjunto dos países
da América do Sul e da América Central? Mas, e o México? Então seriam as nações abaixo do
Rio Bravo? E a Guiana e Belize? O autor segue argumentando que a princípio seria uma
denominação cultural que englobaria os países de cultura latina no continente americano. Mas
Quebec é muito latina e não está incluída na “América Latina”. E sobre essa abordagem no
âmbito das identidades Roquié (2012) diz:

Más allá de estas imprecisiones, podríamos pensar en descubrir una identidad


subcontinental fuerte, tejida de diversas solidaridades, ya sea que se refieran a
una cultura común o a vínculos de otra naturaleza. Sin embargo la diversidad
misma de las naciones latinoamericanas, amenaza con menospreciar esta
justificación. La escasa densidad de las relaciones económicas, y hasta
culturales, de naciones que durante más de un siglo de vida independiente se
volvieron la espalda mirando deliberadamente hacia Europa o América del
Norte, las enormes disparidades entre países ya sea desde el ángulo del
tamaño como del potencial económico o del papel regional no favorecen una
real conciencia unitaria, a pesar de las oleadas de retórica obligada que este
tema no deja de provocar. (ROQUIÉ, 2012, p. 17).2

O que seria a identidade latino-americana? Existe uma identidade latino-americana?


Não seriam múltiplas as identidades latino-americanas? O conceito “América Latina”
denomina uma cultura? Os intelectuais vêm abordando essas questões sem resposta definitiva.
Na opinião de Roquié (2012),

Lo que está en tela de juicio no es sólo la dimensión unitaria de la


denominación y la identidad que encierra frente a la pluralidad de las
sociedades de la América llamada latina. En efecto, en ese caso, para poner el
ácento en la diversidad y evitar cualquier tentación generalizante, bastaría
con eludir la cuestión hablando, como por lo demás se ha hecho, de
"Américas latinas". Este término tiene la ventaja de reconecer una de las
dificultades, pero al precio de acentuar la dimensión cultural. Ahora bien,
también plantea un problema. Por qué latina? (ROQUIÉ, 2012, p. 18.) 3

2
Para além destas imprecisões, poderíamos pensar em descobrir uma identidade sub-regional forte, tecida de
diversas solidariedades, que se refiram a vínculos culturais comuns ou de outra natureza. Contudo, a própria
diversidade das nações latino-americanas ameaça menosprezar essa justificativa. A escassa densidade das
relações econômicas, e até culturais, de nações que por mais de um século de independência se davam as costas
olhando deliberadamente para a Europa e a América do Norte, as enormes disparidades entre países seja do
ângulo do tamanho, ou do potencial econômico, ou do papel regional, não favorecem uma real consciência
unitária, apesar das ondas de retórica que o tema não deixa de provocar. (ROQUIÉ, 2012, p.17, tradução nossa)
3
O que está em questão não é somente a dimensão unitária da denominação e da identidade delimitadas frente a
pluralidade das sociedades da América dita latina. No caso, para acentuar a diversidade e evitar qualquer tentação
generalizadora, bastaria evitar o problema falando, como se tem feito, de “Américas Latinas”. Esse termo tem a
vantagem de reconhecer uma das dificuldades, mas ao preço de dar ênfase à questão cultural. No entanto,
também planteia um problema. Por que latina? Tradução da autora. (ROQUIÉ, 2012, p 18, tradução nossa)
23

São latinas essas Américas negras e indígenas ou alemãs, como o caso de Santa
Catarina no Brasil? Na realidade, o termo faz referência à cultura dos conquistadores e dos
colonizadores espanhóis e portugueses para designar formações sociais de componentes
múltiplos (ROQUIÉ, 2012). Mas então seria autêntica a América dos povos nativos do
continente? Intelectuais dos anos 1930 de países andinos chegaram a defender essa posição. O
peruano Haya de La Torre propôs a denominação “Indoamérica”. Contudo, os indígenas não
têm espaço perante as classes dirigentes e compõem uma enorme massa de excluídos na
região.
Todos esses argumentos levantados por Roquié (2012) tinham o único objetivo de
destacar que o conceito de “América Latina” não é plenamente cultural nem somente
geográfico. Os latino-americanos enquanto categoria não representa nenhuma realidade
tangível. O termo possui também uma dimensão oculta que completa o seu sentido (ROQUIÉ,
2012). Há uma inegável dimensão socioeconômica e também geopolítica no conceito, o que
permite que em alguns momentos se inclua países periféricos ao mundo industrializado central
e à cultura latina, como Trinidad e Tobago, Bahamas e Guiana. Sua dependência do mercado
mundial como produtores de matérias-primas e bens alimentícios são o nosso denominador
comum. Outro aspecto de aproximação é o pertencimento cultural ao ocidente pelos países
latino-americanos: o Brasil é o maior país católico do mundo. Além disso, algumas
semelhanças estruturais ultrapassam as fronteiras nacionais: concentração da propriedade da
terra, industrialização tardia, forte urbanização, excessivo desenvolvimento do setor terciário e
a amplitude dos conceitos regionais. Sob a ótica estrutural, “América Latina” designa uma
realidade discernível e específica (ROQUIÉ, 2012). Contudo, a heterogeneidade da região
requer múltiplas tipologias e prescinde de recortes transversais que ressaltem elementos de
unidades e também de diferenças essenciais.
Por todo o aqui exposto, percebe-se a necessidade de uma revisão do uso
indiscriminado do termo “América Latina” como variável independente, uma vez que o termo
em si não define uma experiência (social, histórica, cultural, política e econômica) que lhe seja
prévia, e pode estar arraigado de concepções estereotipadas e exotizadas que geralmente se
referem a uma relação assimétrica entre “nós” e um suposto “centro moderno” (TAVOLARO,
2009). Ademais, o termo busca encontrar uma unidade entre coisas que não necessariamente
têm uma unidade entre si. Sobretudo, é preciso reconhecer que a construção do significado de
“América Latina” não é resultante única e exclusivamente de projeções “de fora”; ao contrário
24

disso, imagens produzidas e projetadas “desde dentro” revelam-se, elas próprias, propulsoras e
catalisadoras da sua posição de “variável independente”, supostamente responsável por
explicar a pretensa peculiaridade social à qual se refere (TAVOLARO, 2009).
Assim, pode-se observar que América Latina tem diferente significação. Ademais, de
início o termo não incluía o Brasil e outros países da mesma região, além de ser um termo
cunhado a partir do pensamento geopolítico da metrópole e em constante ressignificação nos
diversos contextos locais e históricos dentro e fora da região. Posto isso, a complexidade do
debate sobre a América Latina e o Brasil, as delimitações do conceito, ora utilizadas e ora não,
suas imprecisões e dimensões ocultas também estão presentes e se refletem nas
potencialidades e desafios de se compreender o Memorial da América Latina.

2.2 A concepção do Memorial

O final da década de 1980 no Brasil foi marcado pelo retorno à democracia. Com a
morte de Tancredo Neves, presidente eleito pelo colégio eleitoral para realizar a transição, o
vice-presidente José Sarney assumiu definitivamente o mandato de Presidente da República. E
a este consequentemente coube, embora sofrendo várias restrições de ordem política, a missão
de revogar as leis da Ditadura e de realizar a eleição de uma nova assembleia constituinte,
encarregada de elaborar a nova Constituição Federal (FAUSTO, 1995, p.275). Na política
econômica, O Plano Cruzado (1986) não foi eficaz para impedir que a inflação explodisse e o
Brasil declarasse moratória junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) referente ao
pagamento de juros da dívida externa. Em 1988, a Assembleia Constituinte promulgou a
Constituição Federal que se destacou por dar visibilidade aos direitos sociais. No âmbito da
integração regional, a cooperação entre os países da América Latina foi inserida no texto
constitucional4. Paralelamente, houve uma intensificação das relações políticas e econômicas
do Brasil com alguns dos países vizinhos a partir das negociações para a criação do bloco
econômico MERCOSUL.
No contexto paulista, Orestes Quércia havia sido vice-governador de André Franco
Montoro (1983-1987), o qual mostrava ter forte afinidade política com a pauta “América

4
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988.
25

Latina” desde o início de sua vida pública (MONTORO, 2002, p.22). Esse tema foi uma
constante em sua trajetória política. Desde 1963 já defendia a criação do Parlatino (Parlamento
Latino-americano). Dava destaque a São Paulo como cidade com potencial para centralizar as
questões referentes à América Latina. Defendeu a instalação do Parlatino aqui “por ser um
lugar de fácil acesso e por ser o centro das comunicações no Brasil, e de certa forma um centro
geométrico da América Latina” (MONTORO, 2002, p.23). Para justificar porque não Brasília,
utilizava-se de retórica para dizer que não se deveria confundir a política brasileira com a
política latino-americana. Considerava o MERCOSUL um primeiro passo positivo, seguindo o
exemplo da União Europeia. Defendia a multipolaridade e considerava a integração da
América Latina uma necessidade para isso. Era categórico ao afirmar: “integração ou atraso”
(MONTORO, 2002, p. 25). Em suas falas relembrava o artigo da Constituição Federal do
Brasil, proposto por ele próprio, que diz: o Brasil trabalhará pela integração social, política,
econômica e cultural da América Latina tendo em vista a formação de uma comunidade latino-
americana de nações5. E enfatizava que a integração deveria ser bem mais profunda do que a
econômica e ainda argumentava que “a integração da América Latina não pode ser a
integração dos governos” (MONTORO, 2002). Em entrevista a Jorge da Cunha Lima,
Fernando Henrique Cardoso falou sobre os interesses de Montoro ressaltando a América
Latina: “isso era outra obsessão dele. Espanhol obrigatório, ele botou na constituição. América
Latina, integração” (BRASÍLIA, 2009). Entre seus projetos de integração estava a criação de
hidrovias que interligavam países da região. A Paraguai-Paraná, unindo Argentina, Bolívia,
Brasil, Paraguai e Uruguai. A Tietê-Paraná, de São Paulo a Buenos Aires; e a Hidrovia da
América Latina, do mar das Antilhas a Buenos Aires (MONTORO, 2002).

A iniciativa da criação do Memorial da América Latina, a depender da afinidade de


Montoro, foi de seu sucessor Orestes Quércia (1987-1991). Eleito a partir de uma articulação
entre as cidades do interior, tinha como plataforma política o “municipalismo”. Quércia já
havia rompido publicamente com Montoro desde 1985 para lançar-se candidato. Na
convenção regional do partido, foi indicado candidato com 70% dos votos, tendo como
companheiro de chapa Almino Afonso (Verbete Orestes Quércia, CPDOC-FGV). Era uma
época de muitas expectativas em torno da política nacional recentemente redemocratizada com

5
BRASIL. Constituição (1988). Artigo 5° Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
26

o fim do regime militar instaurado no Brasil entre os anos de 1964 e 1985. Havia muitas
articulações políticas por todo o país a fim de definir quem seriam os presidenciáveis para a
primeira eleição direta após a ditatura militar brasileira. A disputa interna no Partido do
Movimento Democrático Brasileiro - PMDB foi muito acirrada: Franco Montoro, Orestes
Quércia e Ulysses Guimarães estavam entre os principais nomes. Desta maneira, Montoro sai
do governo de São Paulo e passa a aspirar a Presidência da República. Sobre isso (MAYER,
1996):
Na expectativa da sucessão de Sarney, Montoro começava a montar sua
estratégia de campanha. Para tanto, procurou acentuar a linha de
independência em relação ao governo federal, manifestando-se contra o
mandato de cinco anos para o presidente, condenando os métodos
“fisiológicos” utilizados na administração pública e a execução da ferrovia
Norte-Sul, um dos principais projetos a ser empreendido na gestão Sarney.
Em junho de 1987, contando com a colaboração de ex-secretários de sua
administração, elaborou um programa de governo intitulado Programa Brasil.
Em setembro seguinte, o Instituto Latino-Americano (Ilam) foi inaugurado,
tendo Montoro como primeiro presidente. A entidade tinha por fim incentivar
a importação e exportação de bens de capitais entre os países envolvidos e
tornar-se o embrião de uma futura comunidade latino-americana. (MAYER,
1996 p. 7).

O ILAM era uma associação privada com o objetivo de apoiar ações que promovessem
a integração latino-americana. Nesse contexto, o governo Quércia teve entre suas primeiras
grandes obras anunciadas a construção do Memorial da América Latina. A imprensa acusou o
Memorial de ser uma jogada política para rivalizar com Montoro e o ILAM, uma vez que o
nome de Quércia também constava entre os presidenciáveis pelo PMBD. Sobre Orestes
Quércia (GOUGET, 2010):

Em 1989, políticos do PMDB paulista fiéis à liderança de Quércia lançaram


seu nome como candidato à presidência da República, contando também com
o apoio de Luís Antônio de Medeiros, presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Paulo. Quércia declarou, porém, que não interromperia
seu mandato de governador e defendeu a indicação do deputado Ulysses
Guimarães para a sucessão de Sarney. Na prática, a candidatura Ulysses
Guimarães foi abandonada pela máquina quercista. (GOUGET, 2010, p. 13)

Ainda que Quércia não tenha chegado a disputar a presidência, fato é que por
consequência da a criação do Memorial o ILAM perdeu relevância. Posteriormente seu acervo
literário somou-se à Biblioteca Latino-americana Victor Civita. A natureza do ILAM ainda
precisa ser estudada a fim de se conhecer o peso que pode haver tido sobre a criação do
27

Memorial. Porém, os acervos de André Franco Montoro e do ILAM estão em fase final de
catalogação no Centro de Pesquisa e Documentação de História do Brasil (CPDOC) e
atualmente não estão disponíveis à consulta. Espera-se que no desenvolver das próximas
etapas desta pesquisa, muito em breve, seja possível consultar tal documentação.

Contudo, a construção do Memorial da América Latina levantou suspeita quanto à sua


legalidade. A gestão de Orestes Quércia dedicou-se prioritariamente à área de transportes,
tendo realizado inúmeras obras que incluíram rodovias, o sistema ferroviário, a hidrovia do
Tietê e o metrô da capital (GOUGET, 2010). Nesse sentido, a implantação da linha Leste-
Oeste do metrô, e sua estação terminal na Barra Funda, foi de importância capital para a
construção do Memorial da América Latina. O bairro passava por um processo de
reestruturação urbana, uma vez que vinha perdendo sua característica industrial desde a década
de 1950 (Martins, 2011, p. 34). A construção do Memorial foi realizada pelo Metrô e pela
construtora Mendes Júnior. A obra foi feita sem abertura de licitação, o que gerou inúmeras
denúncias de corrupção. Contudo, as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas de São
Paulo (TCSP).

Atualmente a revista Nossa América hoje, editada pelo Memorial da América Latina,
ameniza o ocorrido. Segundo Pereira (20014),

Para evitar que o início dos trabalhos se atrasasse, o governador


simplesmente descartou fazer licitação e, numa jogada arriscada ao limite,
agregou o projeto à planilha de custos das obras do Metrô.
Mais tarde, confessaria que “se fosse fazer concorrência, como manda o
figurino, não sairia nada”. O formato proposto por Quércia foi aprovado pelo
Tribunal de Contas do Estado, que deu razão ao governador por considerar
que, aditado ao Metrô, o projeto saiu por um custo bem menor (PEREIRA,
2014, p 22).

Dessa forma, Orestes Quércia conseguiu realizar uma obra com a assinatura de Oscar
Niemeyer com monumentalidade similar às obras realizadas pelo arquiteto em 1954, no parque
Ibirapuera. Não houve um concurso para a escolha do arquiteto. Em nenhum momento se
levantou a possibilidade de um trabalho conjunto entre arquitetos latino-americanos ou outro
nome que não o de Niemeyer. A ideia do Memorial surge atrelada ao nome já
monumentalizado de Oscar Niemeyer. Desde a construção do Ministério da Educação e Saúde
(MES) no Rio de Janeiro, iniciada em 1937 pelo grupo de arquitetos liderados por Lúcio Costa
28
6
, estabeleceu-se um padrão para a realização de grandes obras públicas: repetiam-se os
arquitetos, e estes por sua vez escolhiam os artistas a decorarem os prédios. Esse fenômeno se
iniciou no MES, foi consolidado no complexo da Pampulha em Minas Gerais (1942), teve seu
ápice em Brasília (1960) e chegou até o Memorial da América Latina. De certa maneira, é
como se a escolha desses nomes dispensasse esclarecimentos. Havia muito prestígio em ser
um governador a realizar uma obra de Niemeyer.
É curioso observar que, conforme consta em documentos, foi criada uma Comissão
Especial de Arte com o objetivo de sugerir nomes de artistas plásticos, oferecer orientações e
indicar o melhor projeto para a execução dos painéis do Salão de Atos do Memorial. A
comissão levantou quarenta e três nomes, dos quais seis foram selecionados. Contudo, os
painéis foram realizados apenas por Potty Lazarotto e Caribé, escolhidos por Oscar Niemeyer
e Darcy Ribeiro. O fato gerou uma polêmica no meio artístico. A artista plástica Maria
Bonomi questionou publicamente o processo de seleção dos artistas que decorariam o
Memorial. As críticas repercutiram na imprensa e Oscar Niemeyer respondeu publicamente
justificando que esse era o formato que vinha sendo utilizado desde o convite de Gustavo
Capanema para a construção do MES. Posteriormente, Maria Bonomi conseguiu estar entre os
artistas que também realizou painéis no memorial.
O conteúdo e formato das atividades do Memorial foram definidos a partir da atuação
de Darcy Ribeiro. Contratado como consultor cultural do Memorial, reuniu um grupo de
intelectuais ligados principalmente à Universidade de São Paulo. Grande parte das decisões
nesse âmbito foi delegada por Darcy ao historiador Carlos Guilherme da Mota. O Memorial
assumiu assim um aspecto acadêmico, preocupado em produzir e disponibilizar conteúdos
sobre a América Latina. Nesse sentido, na dissertação de mestrado se dará destaque à
formação da biblioteca latino-americana, da revista Nossa América e da Cátedra UNESCO
Memorial da América Latina.
Muitos dos intelectuais convidados a participarem da concepção do Memorial vieram a
se frustrar como seus resultados. Seja por questões políticas ou por princípios e visões que
tinham quanto à destinação de um equipamento cultural dessa natureza. A historiadora da arte,
Aracy Amaral escreveu (2006):

6
A comissão era formada por Lúcio Costa, Carlos Leão, Afonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Oscar Niemeyer e
Ernani Vasconcellos. Além destes, o arquiteto francês Le Corbusier foi convidado para validar o trabalho do
grupo e dar palestras.
29

O Memorial da América Latina, seu projeto cultural, sua fisicalidade e seu


projeto arquitetônico são dados polêmicos, porquanto só a abordagem de
obra de Oscar Niemeyer já dá margem a um debate passional, tal a reação
que suas realizações suscitam. Entretanto, o empreendimento do Memorial
da América Latina em São Paulo, de alcance fundamental quanto ideia, pela
importância de podermos nos articular culturalmente com o continente com o
qual temos uma história em comum, apesar de nossas diferenças,
concretizou-se em uma iniciativa que ficou apenas em um anteprojeto, com
espacialidade questionável tanto por sua localização discutível quanto pela
concepção arquitetônica (AMARAL, 2006, p. 59).

Pelo exposto, observa-se que a concepção do Memorial contemplou aspectos de


aparente relevância política de renome artístico e arquitetônico, além de dar visibilidade à
temática América Latina, fato que em si mobilizava a muitos. Contudo, nesse processo muitas
ideias não foram contempladas, e desde a sua inauguração já se duvidava da possibilidade de
que seus objetivos fossem atingidos. A partir da documentação da Fundação Darcy Ribeiro
sobre o Memorial da América Latina, foi possível construir uma cronologia de sua criação,
bem como levantar nomes e funções desempenhadas pelos envolvidos, como se pode ver nas
tabelas 1 e 2:

Tabela 1.

Linha do tempo de criação do Memorial da América Latina


FASE 1
Jul/ago1987 | Anteprojeto e definição dos objetivos do Memorial;
Ago/set1987 | Apresentação e aprovação da maquete;
Ago/set1987 | Escolha do local para implantação;
16out1987 | Lançamento da primeira estaca e início das obras.

FASE 2
Out1987 |
- Preparação das comissões responsáveis pela realização do projeto;
- Definição das responsabilidades administrativo-financeiras;
- Criação do Grupo de Trabalho (GTM): Darcy Ribeiro, Oscar Niemayer, José Carlos
Sussekind, Antônio Sérgio Fernandes, Edgard Camargo Rodrigues, Helena Gasparian, Ana
Maria Tebar e Radha Abramo.

FASE 3
Out1987 | Definição do local onde funcionaria o acompanhamento arquitetônico (canteiro de
30

obras do Metrô Barra Funda);


Out1987 | Definição de local para instalação do núcleo GTM no Palácio dos Bandeirantes.

FASE 4
Out/nov1987 |
- GTM define funções e responsabilidades;
- Definição e cronograma das atividades culturais do Memorial;
- Formação dos quadros funcionais;
- Formação do núcleo de programação visual e de divulgação nacional e internacional do
Memorial.

13out1987 |
Apresentação do projeto de comunicação social e assessoria de imprensa do Memorial.

16out1987, às 10h |
Cerimônia de lançamento da 1ª Estação do Memorial (Terminal da Barra Funda).

16out1987, às 13h |
Almoço oferecido pelo governador Orestes Quércia no Palácio dos Bandeirantes aos membros
do corpo diplomático da AL que vieram ao lançamento da 1ª Estação do Memorial.

29jan1988 |
Primeira reunião no campus da USP para a definição dos cursos, cátedras, bolsas de estudos e
atividades de extensão do Memorial.

3fev1988 |
Artistas escolhidos entre os 43 nomes apresentados pela Comissão Especial de Arte do
Memorial para apresentar projetos de painéis para o Salão de Atos: Athos Bulcão, Carybé,
Emanuel Araújo, Maria Bonomi, Poty e Vasco Prado.

31mar1988 |
Publicação de matéria no Jornal da Tarde, com o título “O Memorial da discórdia”, tendo como
fonte principal a artista Maria Bonomi, que reclama da falta de transparência no processo de
escolha dos artistas que iriam confeccionar os painéis do Memorial. A comissão foi dissolvida
após a veiculação da informação de que Darcy Ribeiro havia ignorado a escolha dos artistas e
designado apenas Carybé e Poty para fazer os seis painéis.

17mai1988 |
Darcy Ribeiro envia carta a Rui Guilherme (Secretário Executivo) para pedir que dê condições
de trabalho para que:
31

- O professor Antônio Cândido escolha e defina os prêmios do Memorial;


- O professor Alfredo Bosi coordene o editorial da primeira edição da Revista Nossa América
(a 1ª edição só saiu em 1996);
- O professor Otávio Ianni organize os dois primeiros congressos e seminários temáticos
mensais para movimentar o Memorial;
- A professora Telê Porto Ancona Lopes coordene a organização da biblioteca do Memorial
- A professora Maria Ângela D’incão proponha um programa de bolsas de viagens de
hispânico-americanos ao Brasil;
- O professor Carlos Guilherme Mota detalhe o sistema de concessão das Cátedras.

25jan1989 |
Previsão de inauguração do Memorial da América Latina.

18mar1989 |
Inauguração do Memorial da América Latina.

18mar1989 |
Primeiros prêmios outorgados pelo Memorial:
Artes: Atahualpa del Chopo/Uruguai,
fundador do grupo teatral “El Galpón”;
Ciências: Manuel Elkin Patarroyo/Colômbia,
pelo desenvolvimento da primeira vacina contra a Malária;
Literatura: Augusto Roas Bastos/Paraguai,
autor, entre outras obras, da novela “Yo El Supremo”;
Ciências Humanas: Leopoldo Zea/México, diretor da UNAM.

1989 a 2007 |
Sede do Parlamento Latino-americano.

1992 |
Pedido de tombamento do Memorial ao CONDEPHAAT.

1996 |
Lançamento da 1ª edição da revista institucional “Nossa América/Nuestra America”.
Fonte: elaboração própria.

Tabela 2.
32

Orestes Quércia
Governador do Estado de São Paulo
____________________________________
Equipe do governo relacionada ao Memorial

Antônio Carlos Mesquita


Secretário de Estado

Fraderico Mathias Mazzucchelli


Secretário de Economia e Planejamento

João Oswaldo Leiva


Secretário de Obras

Beth de Oliveira (15mar87 - 21dez88)


Fernando Morais (1988 – 1991)
Secretária/o da Cultura

Mauro Martins Bastos


Coordenadoria de imprensa

Radha Abramo
Curadora do Acervo Artístico-cultural dos
Palácios do Governo de São Paulo

Maria Angélica Travolo Popoutchi


Coordenadora-geral da Comissão de
Implantação do Memorial (10nov1988)

Rui Guilherme Granziera


Secretário executivo do Memorial (20mai1988)

Darcy Ribeiro Oscar Niemayer


Consultor cultural do Memorial Arquiteto do Memorial
___________________________________ _____________________________________
Equipe especial Artistas convidados para “preencher” o
de trabalho do Darcy Memorial criado por Oscar Niemayer

Maureen Bisilliat Carybé


Fotógrafa, ajudou a montar o acervo do Autor dos painéis dos povos iberos, povos afro
Pavilhão da Criatividade e os edificadores

Tais Gasparian Poty Lazzarotto


Advogada Autor dos painéis dos povos indígenas,
imigrantes e edificadores
33

Maria Alice Faria Cândido Portinari


Especialista em Turismo Autor da obra “Tiradentes”, que fica no Salão
de Atos
Alex Abiko
Engenheiro Fernan Lemos
Criou o primeiro logotipo do Memorial
Antônio Brito
Bibliotecário Sérgio Ferro
Autor de “Cenas e sonhos latino-americanos”,
Maria Terezinha de Souza (Teco) que fica na entrada do Memorial
Pedagoga
Franz Weissmann
Francisco Bede Autor da escultura “Grande Flor Tropical”,
Engenheiro e psicólogo que fica na praça cívica do Memorial

Vera Lucia Borba Bruno Giorgi


Economista Autor da obra “Integração”, que fica na praça
cívica do Memorial
Fausto Furnari
Engenheiro mecânico Maria Bonomi
Autora do painel “Etnias – do primeiro e
______________________________________ sempre Brasil” e “Futura memória”

Contribuições Diversas Athos Bulcão


Autor do painel “Inventário dos símbolos”
Antônio Cândido
Coordenar o prêmio Memorial Marianne Pereti
Autora do painel “América Latina”
Telê Ancona Lopez
Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) Mário Gruber
Autor do painel “Homenagem a Clay Gama de
Carvalho”

Vallandro Keating
Autor de obra sem título, que fica na recepção
da administração do Memorial

Vitor Arruda
Autor do painel “Agora”

Alfredo Cheschiatti
Autor da escultura “Pomba”

Tomie Othake
Autor da tapeçaria do Memorial
34

Carlos Scliar
Autor do painel “Homenagem ao teatro”

Vera Torres
Autora da escultura “Torço negro”

Sebastian
Autor da obra “Ventana negra”

Oscar Niemeyer
Autor da obra “Mão”, que fica na praça cívica
do Memorial

Comissão especial de arte do Memorial Comissão criada para propor


as atividades/programação do Memorial

Radha Abramo Carlos Guilherme Mota


Representante do Governo Historiador (IEA/USP)

Glauco Pinto de Morais Alfredo Bosi


Indicado por Radha como artista responsável Crítico e historiador da literatura brasileira
pela comissão
Aracy Amaral
José Roberto Teixeira Leite Crítica e curadora de arte
Representante da da Associação Brasileira de
Críticos de Arte (ABCA) Carlos Vogt
Linguista e poeta
Ernestina Karman
Representante da Associação Paulista de Octávio Ianni
Críticos de Arte (APCA) Sociólogo

Sônia Von Brusky Padre Oscar Beozzo


Representante da Associação de Artistas Teólogo, historiador e sociólogo
Plásticos de São Paulo (APAB)
Enrique Amayo Zevallos
Sociólogo

Paulo Sérgio Pinheiro


Cientista político

Nestor Goulart Reis


Arquiteto e urbanista
Fonte: elaboração própria.
35

A dissertação de mestrado apresentará essa rede de pessoas e ideias com maior


profundidade, a fim de que se chegue a uma narrativa histórica da concepção do Memorial.
Para tanto, serão realizadas entrevistas, a se confirmar, com algumas das pessoas envolvidas
nesse processo.

2.3 Darcy Ribeiro: consultor cultural do Memorial

O antropólogo, político e educador Darcy Ribeiro foi um dos principais representantes


do latino-americanismo no Brasil. Seu processo de identificação intelectual com a temática
cresceu potencialmente a partir de seu exílio no Uruguai, em 1964, chegando até a criação do
Memorial da América Latina em 1989, onde atuou como consultor cultural. Sua produção
sobre a América Latina ganhou relevância entre os intelectuais dos Latin America Studies.
Tendo iniciado sua trajetória intelectual como antropólogo, teve grande parte de sua
vida direcionada à produção de obras etnográficas, à defesa da causa indígena e à educação.
Criou a Universidade de Brasília (1961) e foi Ministro da Educação, em 1962, no governo de
João Goulart. Chegou a ministro-chefe da Casa Civil, ainda do presidente João Goulart (1963),
coordenando a implantação de reformas estruturais pretendidas pelo governo até o momento
de sua interrupção pelo golpe militar de 1964, o qual o forçou ao exílio. A partir disso, se deu
a identificação de Darcy Ribeiro com a defesa da integração latino-americana, inspirada nos
moldes da Pátria Grande imaginada por Simón Bolívar.
Como foi dito na seção 2.1, essa situação de exílio de intelectuais brasileiros em países
latino-americanos, consequência da Ditadura Militar, aproximou-os do debate sobre a América
Latina. Entre os exemplos mais expressivos, certamente está Darcy Ribeiro. Ao exilar-se,
primeiramente no Uruguai, onde exerceu o cargo de professor de Antropologia da
Universidade da República Oriental do Uruguai, o escritor brasileiro gestou parte de sua obra
antropológica, entrou em contato com diferentes intelectuais uruguaios, criou intensos laços de
amizade e se reconheceu como latino-americano (COELHO, 2002).
A partir dessa experiência, nota-se uma mudança na sua produção intelectual
evidenciada pela publicação de La Universidad Latinoamericana y el Desarrolllo Social
(1967). Publicou Las Américas y la Civilización – Proceso de formación y causas del
36

desarrollo desigual de los pueblos americanos (1968) e O Dilema da América Latina:


Estructuras de poder y fuerzas insurgentes (1971). Morou em diversos países da América
Latina atuando prioritariamente em temas de educação e integração regional, sem abandonar,
contudo, a temática indígena. Em 1979 regressou definitivamente ao Brasil. Encontrou
obstáculos impostos pela ditadura à sua recontratação em universidades brasileiras, mas por
interferência do ministro Eduardo Portela pôde voltar a ensinar Antropologia na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (Pinheiro, 2006). Nessa mesma época Leonel Brizola também
retorna do exílio estreitando sua amizade com Darcy Ribeiro. Dedicam-se então, novamente à
política. Tendo sido eleitos sob a legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) governador
e vice-governador do estado do Rio de Janeiro, em 1982, respectivamente.
Durante o mandato Darcy Ribeiro se destacou com a criação do Centro Integral de
Educação Pública (CIEP), o que lhe garantiu a candidatura majoritária nas eleições seguintes.
Nas palavras de Pinheiro (2006),

Ao final do mandato encabeçado por Leonel Brizola, a repercussão do projeto


educacional foi tão grande que ele próprio, Darcy Ribeiro, no ano de 1986, assume
o primeiro nome na chapa do PDT para o governo do Estado do Rio de Janeiro. O
principal tema da campanha era a ampliação dos CIEPs (PINHEIRO, 2006, p 64).

Darcy Ribeiro é derrotado nas urnas pelo peemedebista Wellington Moreira Franco.
Logo após, teve uma breve e frustrada passagem pela Secretaria Extraordinária de
Desenvolvimento Social de Minas Gerais (AZEVEDO, 2002). Em seguida, aceita o convite do
governador de São Paulo, Orestes Quércia, recomendado por Oscar Niemeyer, para elaborar o
projeto cultural do Memorial da América Latina.
Sobre o Memorial Darcy Ribeiro escreveu (1990):
Chegou o tempo da consciência crítica de América Latina. Multiplicam-se
nas universidades brasileiras os institutos de estudos hispano-americanos, e
na América hispânica se multiplicam os centros de estudos brasileiros.
Vamos nos aproximando, à medida que se reforça o sonho boliviano, que
continua tão atual como sempre. A tese da Nação Latino-americana, de
Simón Bolívar, vige e exige espaço.
O Memorial é isso: uma presença física da latino-americanidade, tal como a
mineiridade está em Ouro Preto, representando Minas Gerais. Ele marcará,
como obra de arte, nossa geração no tempo – um tempo em que o sonho de
uma América, unida e fraterna, tornou a ganhar novos alentos (RIBEIRO,
1990, p. 25).
37

O tom das declarações de Darcy Ribeiro era eloquente, utópico, generalizante,


exagerado e retórico. O projeto do Memorial propunha agrupar as diferentes realidades latino-
americanas em uma única problemática, apoiando-se nas consistentes similaridades entre os
povos da região (já questionadas acima).
Para entender o a atuação de Darcy Ribeiro na concepção do Memorial é importante
considerar o papel da Intelligentsia brasileira7, marcada por uma estreita ligação com a política
e com a educação. Havia o constante objetivo de entender (e resolver) o Brasil. No livro “Os
intelectuais e a política no Brasil: Entre o povo e a nação” (1990), Daniel Pécaut fala sobre
duas gerações de intelectuais comprometidas com a construção da nação: geração de 1925-45
e geração de 1954-64. A primeira estava preocupada com a construção da identidade nacional
e com suas instituições, tinham o objetivo de organizar a nação. A coordenação desse processo
caberia às elites. Enquanto que a segunda toma o povo como já constituído. Povo e nação se
tornam indissociáveis. A legitimidade desses intelectuais como elite esclarecida decorre de
serem intérpretes das massas populares.
As duas gerações coincidiram em considerar-se responsáveis pela construção de uma
cultura política (aderir a uma mesma concepção de formação social e na difusão de um
significado comum). A cultura política é constitutiva da identidade do grupo. Daniel Pécaut
(1990) estuda três de seus aspectos: a posição social que os intelectuais atribuem a si próprios;
as representações do fenômeno político traduzidas na busca de uma unidade anterior aos
processos de instituição do social; e as articulações entre o campo intelectual e a esfera
política.
A geração de 1925-40 solidarizou-se com o Estado na missão de construir uma
sociedade sob bases racionais, proclamando assim sua vocação para ocupar a posição de elite.
Havia um apelo entre os intelectuais para que eles se integrassem à nação e assumissem seu
papel de exercerem influência como uma força social capaz de interferir nas questões do
Estado. A modernidade chegou ao Brasil paralelamente ao nacionalismo, muitos expoentes do
Modernismo passaram a defender o engajamento entre o cultural e o político. A legitimidade
desses intelectuais vinha da posse de um saber sobre o social reconhecido e valorizado por
amplos campos da sociedade, pois na época tais intelectuais não obedeciam aos vínculos

7
Intelligentsia aqui entendida como o conceito utilizado por Luciano Martins (1986) para o que é relativo à
existência de um grupo de intelectuais que se caracterizam - e se distinguem de seus pares – por certo número de
atributos, entre os quais o principal refere-se à natureza particular de suas relações com a política.
38

institucionais universitários, uma vez que o Brasil ainda não tinha essa tradição consolidada
(PÉCAULT, 1990).
De fato, muitos intelectuais brasileiros se empenharam em “interferir”. A frase tão
conhecida de Ribeiro citada por Eric Nepomuceno (2010, p. 15) “Nós, latino-americanos, só
temos duas opções, nos resignarmos, ou nos indignarmos. E eu não vou me resignar nunca”,
mostra a imensa disposição de um intelectual, muito vinculado à política (como tantos outros)
de agir e fazer a diferença na construção da sociedade brasileira.
O engajamento dos intelectuais ia além de exaltar o caráter brasileiro e de tentar
constituir o papel das instituições, pois muitos intelectuais se filiaram a partidos políticos
locais. O regionalismo era apenas uma faceta do nacionalismo. As elites políticas e militares
consideravam o positivismo como um princípio de sustentação das práticas políticas. A partir
de 1930 os intelectuais tiveram uma atuação fundamental no redescobrimento do Brasil e na
construção científica de identidade brasileira. A intelligentsia nacional atribuía a si mesma o
papel de ser a consciência esclarecida da nação e do povo.
O artigo ne Luciano Martins (1986) “A Gênese de Uma Intelligentsia” traz uma
importante contribuição ao analisar que, desde a abolição da escravatura e a instituição da
República, os intelectuais brasileiros se engajam na ação política. As chagas da escravidão
permaneciam abertas, o trabalho manual continuou sendo desprezado, e nesse sentido os
intelectuais recebiam alguma valorização e reconhecimento pela sociedade. Mesmo a
proclamação da república não trouxe as mudanças imaginadas. As injustiças sociais eram
denunciadas pelos intelectuais da passagem do século - Lima Barreto e Euclides da Cunha -
como uma indignação moral, mas não com um novo projeto de transformação da sociedade.
A Intelligentsia em formação reivindicava a liderança moral da nação, mas mostrou-se
incapaz de pensar uma nova sociedade, ao contrário da Intelligentsia russa que era provida de
pensamento utópico. No Brasil, a utopia é substituída pela esperança: o Brasil seria o “país do
futuro”. É a exacerbação do ufanismo. Essa situação não se explica por um suposto
alinhamento dos intelectuais à elite, mas talvez, ao fato de que os intelectuais estariam mais
focados em pensar a nação e não a sociedade. Além disso, os intelectuais buscavam encontrar
seu status na sociedade (MARTINS, 1986).
Nos anos 1920 e 1930, as bandeiras dos intelectuais seriam a educação (pública) do
povo, a reforma do ensino e a construção de um campo cultural a partir da universidade. Neste
momento, os intelectuais passavam a se preocupar em construir uma identidade social para si.
39

A Revolução de 1930 marcou o surgimento de uma “modernização conservadora” feita a partir


de conflitos da sociedade civil, mas dirigida pelo Estado.
O “movimento modernista” era uma parte de Intelligentsia preocupada especificamente
com temas relacionados à cultura e à política, e foi desse movimento que surgiu a inovação.
Os modernistas, num primeiro momento, buscavam sua identidade cultural e social, rompendo
a barreira entre o erudito e o popular. Com o Modernismo, a Intelligentsia procurou atravessar
o espelho (europeizado) para “ver” o país – e advogar a mudança. A busca da identidade social
passava pela ponte da renovação cultural e a reforma da sociedade: a ponte entre a
modernidade e a modernização do país. Logo, os modernistas atuavam inicialmente na
valorização de tudo que é brasileiro, em combate ao espírito tradicionalista sempre voltado
para a Europa. No segundo momento, a ambivalência dos modernistas é encoberta por um
nacionalismo (político-econômico) sedento por explicações racionais de nossas mazelas
(MARTINS, 1986).
O posicionamento político da Intelligentsia a atrelava ao poder, sendo este uma forma
de dominar os problemas do país e a força criadora da própria Intelligentsia, a qual queixava-
se das estruturas atrasadas e rígidas, sem rejeitar o país para sentir-se “civilizada”. Estava
convencida da sua importância na transformação das estruturas sociais, ainda que não soubesse
como fazê-la (MARTINS, 1986).
Contudo, para Martins (1986), a Intelligentsia, nascida nos anos 1920, fracassou a
partir do momento em que estruturou sua relação com a política, ficando isolada da sociedade
e sozinha diante do Estado. Essa Intelligentsia brasileira era dotada do sentido de missão
(papel social do intelectual) e desprovida de utopia. Nesse sentido, a Intelligentsia buscava
campos além das “ideias” e partia para ação. Buscou a modernização/reprodução da elite pela
reforma do ensino, e isso relacionava-se com a ideia de estruturar o campo cultural.
As relações da Intelligentsia e do Estado eram em ampla medida condicionadas pela
autonomia que o “campo cultural” conseguia desenvolver em relação ao Estado. O campo
cultural fora politizado desde seu nascimento, antes mesmo de o Estado consolidar suas
instituições. A universidade é tida muito mais como um elemento politizador do que um
elemento de produção científica. A Revolução de 1930 criou o Ministério da Educação e da
Saúde, e com ele o debate sobre a autonomia da Universidade frente ao Estado.
Apesar de não ser o foco desta pesquisa, vale mencionar que desde sua gênese a
Intelligentsia brasileira buscou alavancar profundas reformas no Ensino Brasileiro. Em 1924, a
40

criação da Associação Brasileira da Educação, impulsionada pelo grupo de “educadores


reformadores”, consequentemente originou o movimento Escola Nova (VELOSO &
MADEIRA, 1999). Darcy Ribeiro também expressou essa característica de membro da
Intelligentsia brasileira quando desenvolveu o projeto dos CIEPS, da Universidade de Brasília
e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, trazendo suas perspectivas para o sistema
de ensino brasileiro.
Como já mencionado, alguns pensadores brasileiros se dedicaram a refletir sobre o
lugar do Brasil na América Latina, como uma forma de encontrar caminhos para essa
transformação das estruturas sociais. A pesquisadora Tracy Devine Guzmán (2011), da
Universidade de Miami, sintetizou o trabalho de Darcy Ribeiro sobre a América Latina e o
Brasil. Em seu trabalho, Guzmán traz como característica do latino-americanismo de Ribeiro a
questão indígena incluída na Pátria-Grande. A autora atribui isso à experiência de etnógrafo
vivida pelo antropólogo, que o permitiu chegar a propor a criação da Federação dos Estados
latino-americanos meridionais.
Quando se analisa a obra de Darcy Ribeiro sobre a América Latina, nota-se claramente
o esforço empenhado em descolonizar o pensamento latino-americano. Segundo Adélia
Miglievch Ribeiro (2012), o exílio no Uruguai e a influência dos Seminários ministrados por
Herbert Baldus levaram Darcy Ribeiro a compreender a vocação da Antropologia em sua
competência para “elaborar uma teoria sobre o humano e sobre as variantes do humano e
melhorar o discurso dos homens sobre os homens”. (RIBEIRO, 1997, p 6.) Entre o
primitivismo e a civilização não há uma sequência evolutiva uniforme, daí a multiplicidade
das formações socioculturais e a recusa da ideia de sequência evolutiva linear. “A posição em
que se encontra uma sociedade não corresponde a qualidades inatas ou a qualidades imutáveis
de sua cultura, senão, em larga medida, a circunstâncias susceptíveis de transformação”
(RIBEIRO, 2001, p.135). Por isso, para Ribeiro, a totalidade da estrutura do
subdesenvolvimento não pode ser rompida, senão através da gestação de uma sociedade capaz
de se acelerar evolutivamente para se incorporar autonomamente às sociedades futuras.
Nesse contexto de descolonização do pensamento, Anísio Teixeira, na apresentação do
livro O processo civilizatório (RIBEIRO, 2001), faz referência ao fato da obra ter sido escrita
a partir do terceiro mundo, sem que tal condição impusesse a Darcy Ribeiro alguma espécie de
subordinação mental. Defendia que o povo novo nascido na maioria dos países da América
Latina é resultado dos processos “dedesindianização” do índio, de “desafricanização” do negro
41

e de “deseuropereização” do europeu (1995). Uma vez que, segundo ele, nascemos ninguém,
recusando a mãe índia ou a mãe preta e rejeitados pelo pai português (o europeu), é
dialeticamente de nossa “ninguendade”, do “não-ser”, que os brasileiros se ergueram como um
dos povos, hoje, mais homogêneos linguística e culturalmente e, também, um dos mais coesos
socialmente do ponto de vista de não se abrigar aqui, por exemplo, nenhum contingente
separatista.
Suas colocações frequentemente careciam de precisão, rigor acadêmico e pesquisa
empírica. Em sua teoria civilizatória desenvolveu uma tipologia ideologicamente artificiosa
(ROQUIÉ, 2012) para referir-se à composição das sociedades do continente americano: os
povos testemunhos, os povos transplantados e povos novos. E retratava respectivamente os
povos nativos da América e descendentes das grandes civilizações pré-colombianas, os povos
de origem branca que mantiveram costumes europeus e os povos originados da mestiçagem
biológica e cultural. Estes últimos considerados por Darcy a “verdadeira América”.
A originalidade do Processo Civilizatório dá-se, de início, por sua releitura inédita de
Marx e Engels visando apreender a lógica do movimento de auto-“transfiguração humana”,
recusando a ideia de sequência evolutiva linear, mas enfatizando as rupturas. Abre-se com isso
um campo de possibilidades outras que tentam ensaiar em sua tipologia várias configurações
históricas. Assim, a evolução humana adquire feições tecnológica, social e ideológica, antes
desconhecidas no processo de mudança social, marcado pelo contato conflituoso entre os polos
dominador e dominado, que se imiscuem e se confundem. Em oposição ao aspecto dicotômico
das representações modernas, “O Processo Civilizatório” explicita uma plêiade de formações
socioculturais concretas, em sincronia, que questionam as hierarquizações espúrias do
colonizador. A posição em que se encontra uma sociedade não corresponde a qualidades inatas
ou a qualidades imutáveis de sua cultura, senão, em larga medida, às circunstâncias
susceptíveis de transformação. Darcy Ribeiro não realizou um estudo acadêmico em sentido
estrito, mas “um esforço deliberado de contribuir para uma tomada de consciência ativa das
causas do subdesenvolvimento” (MIGLIEVCH-RIBEIRO, 2011).
Darcy Ribeiro foi um intelectual ao estilo dos intelectuais americanos do começo do
século XX analisados por Jacoby (1987), no sentido em que não dependia da Universidade
para exercer sua vida intelectual. Contudo, como mostrou o historiador Tony Judt (2007), o
brilho de muitos intelectuais públicos escondia uma relação com o mundo empírico frágil. Ao
considerarmos a interpretação de América Latina, de Darcy Ribeiro, devemos levar em conta
42

seu ativismo intelectual e seu estilo ensaístico buscando decodificar suas paixões. E a isso vem
este trabalho, tomando como referência a perspectiva de Darcy Ribeiro.
O projeto cultural do Memorial da América Latina, escrito por Darcy Ribeiro, traz o
objetivo audacioso, e até mesmo desproporcional, de promover a integração regional, a partir
de uma iniciativa do estado de São Paulo. Evidencia-se também uma visão de América Latina
como um subcontinente que precisa vencer o subdesenvolvimento e unir-se contra a
dependência econômica gerada pelos Estados Unidos e anteriormente pela Europa. Esse
posicionamento traz consigo várias nuances que retomam o debate do “sentido” de uma
América Latina. A oposição à América anglo-saxônica é novamente reforçada ao declarar a
necessidade de superação da dependência. A concepção de América Latina como a civilização
do futuro também encontra espaço entre as funções do Memorial da América Latina. Sendo
assim, admite-se mais uma vez que em termos de “civilização” ainda não o somos enquanto
região. A ideia de uma sociedade em construção que almeja chegar a um patamar que até
agora nos foi negado é reiterada. Abaixo as funções descritas no programa de autoria de Darcy
Ribeiro (1989):

Estreitar as relações culturais, políticas, econômicas e sociais do Brasil e de


São Paulo com a América Latina;
Constituir-se como um instrumento concreto de colaboração científica e
tecnológica, cultural e educativa;
Coordenar iniciativas internacionais de alcance continental, que encarnem os
interesses dos povos latino-americanos;
Aprofundar a convivência e a amizade dos povos da América Latina, dando
aos brasileiros e aos paulistanos um papel ativo na promoção da solidariedade
latino-americana;
Operar como núcleo de criação e intensificação de uma consciência crítica
latino-americana, marcada por sua lucidez, frente a realidade presente e
altamente motivada para superação do atraso e da dependência;
Fomentar todas as formas de expressão da identidade latino-americana e de
incentivo à criatividade cultural;
Organizar e manter um centro de informações básicas, que retrate a realidade
latina americana, em todos os aspectos, através de uma biblioteca
especializada e de um banco de dados;
Difundir o conhecimento objetivo da história dos povos latino-americanos,
acentuando o orgulho de nossa identidade, como um dos principais blocos
mundiais e como matriz de uma futura civilização, generosa e solidária;
Incentivar a cooperação entre as instituições científicas, artísticas
educacionais de São Paulo e suas congêneres da América Latina (RIBEIRO,
1989, p. 2).
43

O pressuposto assumido é o de uma unidade latino-americana capaz de superar e a


América Latina pensada como um lugar de exploração. Na prática, a consultoria cultural
prestada por Darcy Ribeiro foi de caráter articulador. Teve a capacidade de envolver diversos
agentes em seus projetos, as correspondências encontradas mostram que houve um intenso
intercâmbio de ideias com a Universidade Nacional do México (UNAM) e com o músico
uruguaio Daniel Viglietti, quem propôs o acervo sonoro do Memorial. O Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de São Paulo demonstrou interesse em sediar a pesquisa para a
iconografia do Índio da América Latina; O Ministério das Relações Exteriores da França deu
seu parecer sobre o Memorial; O centro de Estudos Interamericanos da universidade de Porto
Rico se colocou à disposição para manter o intercâmbio com pesquisadores ligados ao
Memorial. Nesse processo, Darcy empenhou-se em garantir os recursos para a composição do
acervo do Memorial, especialmente para a biblioteca e o Pavilhão da Criatividade. Em
inúmeras correspondências solicita à secretaria executiva do Memorial ampliação dos recursos
para a compra de artefatos.
Verifica-se o teor utópico de algumas das funções apresentadas. Isso proporcionou
diversos fracassos no sentido em que plantava-se objetivos irreais, que muitas vezes
ultrapassavam em muito o escopo de um equipamento público de cultura. Contudo, a
capacidade articuladora de Darcy Ribeiro fez com que muitos de seus projetos fossem adiante.
O projeto cultural do Memorial, mesmo não sendo de sua iniciativa, está moldado de acordo
com a sua visão de América Latina, o que demonstra a influência do seu pensamento.

3 A FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA

Esta sessão da dissertação terá a descrição da atuação da Fundação Memorial da


América Latina em seus diversos âmbitos. Partindo da lei de sua criação e especificando a
natureza e função dos diferentes componentes do Memorial. A hipótese é que cada setor do
Memorial atue de forma autônoma e descoordenada entre si. Além de conhecer bem a atuação
do Memorial, levantarei o debate sobre as mudanças do cenário cultural partindo do
pensamento de Otília Arantes em seu livro Urbanismo em fim de linha e apresentarei as
mudanças do caráter do Memorial, enquanto instituição cultural em busca de um maior
número de visitantes. Também está previsto apresentar algumas considerações sobre Memória,
a partir do diálogo com a obra Culturas do passado-presente de Andreas Huyssen. E ainda
44

assim o estranhamento do termo “memorial” para designar o Memorial da América Latina, a


fim de pensar como a designação foi utilizada ideologicamente.

O Memorial da América Latina é administrado pela Fundação Memorial da América


Latina, de direito público, vinculada ao Governo do Estado de São Paulo e instituída pela Lei
nº 6.472/89. Foi estruturado a partir de diversos serviços que visavam atender ao objetivo de
favorecer a integração latino-americana:

Biblioteca Latino-Americana Víctor Civita: Com um acervo composto por livros e materiais
multimídia especializados em cultura latino-americana, conta atualmente com mais de 30.000
volumes que visam fornecer o conhecimento da diversidade da cultura Latino-americana.

Salão de Atos: Destinados a solenidades e recepções oficias do Governo do Estado de São


Paulo. Conta com painéis dos artistas Candido Portinari, Poty e Caribé.

Pavilhão da Criatividade Darcy Ribeiro: Apresenta como destaque a uma exposição


permanente de arte popular latino-americana que reúne, em especial, trabalhos dos países com
forte influência das civilizações pré-colombianas, quais sejam a Bolívia, México, Guatemala,
Peru e Equador.

Praça Cívica: Amplo espaço livre destinado à reunião de multidões. Conta com um dos
principais símbolos do Memorial, a escultura A Grande Mão, de Oscar Niemeyer.

Anexo dos Congressistas: Espaço reservado a atividades acadêmicas, diplomáticas, encontros


intelectuais, pequenas exposições e a comemorações de datas nacionais. Atualmente é a sede
da Secretaria Estadual de Direitos Humanos.

Galeria Marta Traba de Arte Latino-Americana: Espaço que prioriza a arte latino-americana.
Conta com estrutura para realização de exposições, premiações, leilões e coquetéis de
vernissages. No projeto inicial, esse espaço era destinado a um restaurante circular.

Centro Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL): Espaço destinado ao


desenvolvimento de estudos latino-americanos sob uma perspectiva interdisciplinar,
45

coordenado pela Universidade de São Paulo, pela Universidade Estadual de Campinas e pela
Universidade Estadual Paulista.

Edifício da Administração: Sede da Fundação Memorial da América Latina e do Centro


Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL).

Cátedra Unesco Memorial da América Latina. A Cátedra é um serviço oferecido pelo CBEAL
em parceria com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), com o objetivo de oferecer cursos semestrais sobre diferentes temas mediante o
estudo sistemático das realidades culturais, históricas e políticas dos países latino-americanos.

3.1 Os Aspectos arquitetônicos, culturais e urbanísticos do Memorial

Tomaremos também para o estudo do Memorial algumas reflexões sobre sua dimensão
enquanto monumento. As principais bibliografias mobilizadas nesse sentido serão História e
Memória de Jacques Le Goff e Além dos mapas: os monumentos no imaginário urbano
contemporâneo, de Cristina Freire. Por conseguinte, alguns aspectos da arquitetura moderna
serão debatidos em sua dimensão urbanística. Partiremos do livro A Cidade Modernista, de
James Holston. Para finalizar este ponto, apresentam-se algumas considerações sobre o lugar
de construção do Memorial da América Latina, a Barra Funda.
O bairro Barra Funda tem origem na chácara do Carvalho de propriedade do Barão de
Iguapé, que tendo falecido em 1875, deixou-a para seu neto, o conselheiro Antônio da Silva
Prado. A chácara do Carvalho estava situada ao lado do caminho de Jundiaí, o qual saía do
Triângulo rumo ao interior do Estado e que, antes do advento da ferrovia, era o caminho
seguido pelas tropas de burros (CIRRINCIONE, 2010: p. 74). A chácara, que se estendia do
caminho de Jundiaí até o Tietê nas proximidades da Casa Verde, contribuiu para a formação
dos bairros da Barra Funda e do Bom Retiro (BRUNO, 1984: p.1029). A Barra Funda é um
bairro próximo ao centro de São Paulo que sempre teve sua história relacionada aos meios de
transporte:

A história da Barra Funda está ligada ao aparecimento em São Paulo dos


meios de transporte. A primeira linha de bondes elétricos, a “Barra Funda
13”, foi inaugurada pela Light em sete de maio de 1900 (JORGE, 2006: p.
91). Os paulistanos murmuravam que a escolha de Antônio Prado fora
proposital visto que ele morava na chácara do Carvalho.
46

O ônibus foi mais determinante que o bonde no desenvolvimento do bairro.


Já em 1926 os passageiros faziam na Barra Funda a baldeação para o bonde,
o trem ou outro ônibus, para chegar ao Centro ou aos bairros mais afastados
(CIRRINCIONE, 2010: p. 75).

Entre 1890 e 1920, o bairro tem seu início como um espaço de ocupação mista: além
de ser ocupado por distintas classes sociais, serviu tanto como zona residencial como área de
distribuição de mercadorias e zona industrial (BORIN, 2014). Com o crescimento da cidade de
São Paulo e do movimento nas estações da Barra Funda, atividades de convívio social que
mesclavam o rural e o urbano foram ganhando força, no que ficou conhecido como o Largo da
Banana.
No filme “Geraldo Filme – crioulo cantando Samba era coisa feia” de Calos Cortez, o
sambista Osvaldinho da Cuíca conta que um importante foco de propagação deste samba dito
“rural” na cidade de São Paulo era o já extinto Largo da Banana, situado na Barra Funda, o
equivalente à Praça Onze no Rio de Janeiro, no que concerne ao desenvolvimento e festejo do
samba. Segundo Marcos (1977),

Lá os trens descarregavam bananas trazidas de outras regiões e muitos negros


trabalhavam como carregadores e ensacadores. O Largo era também um
espaço de sociabilidade da população negra paulistana, sendo que, nas horas
vagas, entre um trem e outro, estes trabalhadores formavam rodas de samba e
tiririca. A tiririca era um jogo de pernada, semelhante à capoeira, que
misturava samba e jogo, tocado ao som do samba paulista com instrumentos
improvisados como: a caixa de engraxate, tampa de graxa, caixa de lixo,
pedaços de madeira, entre outros (MARCOS, 1977).

E nesse bairro foi fundado, por Dionísio Barbosa, o primeiro cordão carnavalesco
paulista, o Grupo Carnavalesco Barra Funda. Formado por membros da população negra que
se sentiam excluídos da Festa do Momo, o grupo teve que paralisar suas atividades nos anos
40 por problemas políticos. Foi reorganizado como Camisa Verde, por Inocêncio Tobias,
tendo sido perseguido pela polícia política de Vargas, confundido como simpatizante do
Partido Integralista, até a alteração do nome para Camisa Verde e Branco. O primeiro desfile
do grupo data de 1954, na comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo.
A Barra Funda, que até então tinha um forte setor industrial, começou a perder essa
característica a partir da década 1950 à medida que as indústrias mudavam para outras cidades
ou estados. O ápice da retração do setor industrial foi na década de 1980, quando “grandes
áreas industriais próximas ao centro passaram a ser propícias à implantação de grandes
projetos urbanos”. (CANUTTI, 2008, p.109). Assim, no final da década de 1980, o governo do
47

Estado de São Paulo deu continuidade à implantação do projeto do metrô linha Leste-Oeste,
com a inauguração da Estação Barra Funda em 1988 e, em 1989, de uma rodoviária,
concluindo a obra do Terminal Intermodal Barra Funda com a intenção de organizar o
transporte da Zona Oeste.
O bairro da Barra Funda abriga o Memorial da América Latina, um potencial polo de
diversidade. Quando reconhecemos que o convívio com a diversidade é vantajoso e
importante, que contribui positivamente para a vivência humana, estamos cultivando um valor
urbano. E uma vez que, fora do contexto de cidade, tal experiência não poderia ser vivenciada
com tamanha intensidade. O mundo urbano com sua diversidade traz a necessidade de nos
atentarmos à tolerância e desenvolvermos a capacidade do bom convívio com o outro, ainda
que, na maioria das vezes, desconhecido. O respeito surge como uma prerrogativa para
coexistência urbana. Ao considerarmos valorosa a diversidade peculiar à cidade, estabelece-se
então o desafio da interação. O ideal da máxima interação da diversidade humana advinda das
cidades é uma aposta no potencial produtivo de transformações sociais profundas, as quais se
baseiam no teor de urbanidade que as cidades conseguirão desenvolver. Diante disso, uma das
definições possíveis para o conceito de urbanidade é: o que a cidade deve ser.
Ao se defender a cidade como o espaço dessa mencionada interação máxima da
diversidade humana, mesmo que haja urbanidade em contextos não urbanos, a cidade é o
espaço de maior potencial urbano. Sendo assim, a urbanidade funciona como um indicativo de
como as cidades e seus habitantes se organizam, e ao mesmo tempo é uma diretriz de como
essa organização deve funcionar. No contexto contemporâneo de cidades altamente povoadas,
espera-se que as cidades desenvolvam elevados graus de urbanidade a partir da contiguidade,
da continuidade, da diversidade e da densidade em todas as suas localidades, e que não mais se
restrinjam ao centro.
Nesse sentido, é importante ressaltar que esses projetos urbanos mantiveram a
característica de local de trânsito da Barra Funda. Mesmo a construção do Memorial da
América Latina não foi capaz de alterar o itinerário das pessoas que passam pela Barra Funda
como um território de baldeações. Muitos dos que transitam pela redondeza jamais entraram
no Memorial. Se bem que o Memorial criou uma memória visual para o bairro, seus aspectos
arquitetônicos e o padrão urbanístico que vem se desenvolvendo na região (com edifícios de
altas torres fechados em condomínios) não favoreceram a uma mudança significativa em
termos de urbanidade.
48

Esta sessão da dissertação terá a descrição da atuação da Fundação Memorial da


América Latina em seus diversos âmbitos. Partindo da lei de sua criação e especificando a
natureza e função dos diferentes componentes do Memorial. A hipótese é que cada setor do
Memorial atue de forma autônoma e descoordenada entre si.
Além de conhecer bem a atuação do Memorial, levantarei o debate sobre as mudanças
do cenário cultural usando partindo do pensamento de Otília Arantes em seu livro Urbanismo
em fim de linha e apresentarei as mudanças do caráter do Memorial, enquanto instituição
cultural em busca de um maior número de visitantes.
Também está previsto apresentar algumas considerações sobre Memória, a partir do
diálogo com a obra Culturas do passado-presente de Andreas Huyssen. Bem como o
estranhamento do termo “memorial” para designar o Memorial da América Latina a fim de
pensar como a designação foi utilizada ideologicamente.

4 EXPOSIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nesta seção será identificada a concepção de fundação entre os envolvidos com o


projeto do Memorial. Da mesma forma, será verificado o alcance do projeto do Memorial
entre seus gestores e visitantes.
Será aplicada uma entrevista junto às pessoas envolvidas com o projeto do Memorial, a
fim de conhecer melhor a rede de pessoas e ideias sobre a concepção de criação da instituição.
Tal levantamento pretende identificar a concepção de fundação pensada pelos envolvidos.
Da mesma maneira, serão entrevistados os coordenadores dessa instituição. Tal
levantamento tem como finalidade recolher informações acerca da percepção do projeto do
Memorial junto aos seus gestores.
Além disso, serão aplicados questionários junto aos seus visitantes. Pretende-se com
isso, também identificar o alcance do projeto do Memorial por parte dos visitantes.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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