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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

“RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE
AFRICANA”
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SUMÁRIO

UNIDADE 1: INTRODUÇÃO...............................................................................................................................3
UNIDADE 2: A ÁFRICA E SUAS RELIGIÕES..................................................................................................4
UNIDADE 3: O PRINCÍPIO DA VIDA................................................................................................................8
UNIDADE 4: AS RELIGIÕES ANCESTRAIS E OS CULTOS DOMÉSTICOS.............................................9
UNIDADE 5: ÁFRICA E O CRISTIANISMO COPTA....................................................................................13
UNIDADE 6: A ÁFRICA E O ISLAMISMO.....................................................................................................15
UNIDADE 7: O PANTEÃO YORUBÁ...............................................................................................................19
UNIDADEE 8: A RELIGIOSIDADE NA DIÁSPORA ATLÂNTICA.............................................................23
UNIDADE 9: AS IRMANDADES CATÓLICAS NO BRASIL........................................................................25
UNIDADE 10: O VODU DO HAITI...................................................................................................................28
UNIDADE 11: O CANDOMBLÉ E A UMBANDA NO BRASIL.....................................................................31
REFERÊNCIAS......................................................................................................................................................43
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UNIDADE 1: INTRODUÇÃO

A cultura brasileira construiu-se, a partir de um longo e doloroso processo.


Formada a partir da migração, da diáspora e da escravidão e do drama do genocídio
(no caso dos ameríndios), nasceu ela pluricultural desde o início, contudo as
relações de poder legaram espaços diferentes para a manifestação dos elementos
da expressão cultural dos diferentes grupos. Se os portugueses puderam ter sua
cultura exteriorizada na língua que herdamos e na estrutura da religião que no
período colonial se tornava oficial, aos africanos e ameríndios, restariam outros
espaços para que pudessem expressar suas respectivas crenças.
No caso dos africanos escravizados, o campo da religiosidade foi um espaço
no qual as diversas culturas africanas puderam encontrar espaço para reconstruir
seus valores e reencontrar sua dignidade.
Observaremos aqui a trajetória das religiões em África e alguns dos caminhos
das expressões da religiosidade africana aqui no Brasil, não apenas com o intuito de
conhecermos mais sobre a nossa própria gente, mas, principalmente com o intuito
de nos equipar contra o desconhecimento e o preconceito.
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UNIDADE 2: A ÁFRICA E SUAS RELIGIÕES


Ivete Batista da Silva Almeida1.

É fato que, erroneamente, comete-se, ainda hoje, dois grandes enganos


quando o assunto se refere às religiões de origem africana: o primeiro engano é
imaginar o candomblé como sinônimo da religião de todos os africanos, o que
sabemos, não corresponde à verdade, nem hoje, nem no passado, uma vez que,
desde o período da diáspora atlântica movida pelo escravismo colonial, eram várias
as religiões dos diferentes africanos que por aqui chegaram. O segundo erro é
associar algumas das formas de expressão do sentimento religioso, originárias de
culturas africanas, a demonstrações de algo malévolo ou demoníaco. A presença
dos visitadores do Santo Ofício da Inquisição em terras brasileiras e, suas normas,
durante o período colonial, tiveram sobre nossa cultura grande influência e, em
parte, um pouco dessa visão demonizante, das religiões africanas, se deve a isso.
Parte dessa imagem negativa pode também ser atribuída ao total desconhecimento
que temos sobre as culturas africanas. As imagens criadas pelo cinema de uma
África, mágica, cheia de feiticeiros e feiticeiras também contribuíram, em muito, para
nossa visão deturpada. Não podemos negar que, mesmo hoje, causa-nos mais
estranhamento a narrativa sobre cerimônias realizadas por tribos africanas, nas
quais animais eram sacrificados, do que as descrições da leitura dos auspícios nas
entranhas dos bois, como faziam os gregos e romanos. Muito desse nosso espanto
está ligado ao passado colonial, de negação da cultura africana e também às
imagens do universo de fantasias da literatura e do cinema, que, até pouco tempo
atrás, era a única fonte de informações sobre a África que o grande público possuía.
As religiões africanas, tal qual ocorreria posteriormente na própria Europa,
constituíram-se, no passado, por manifestações que deificavam a natureza,
personificando-a no formato de deuses, que na trama de seus destinos vivenciavam
experiências que corresponderiam às origens dos fenômenos do mundo em que
vivemos.
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Ivete Batista da Silva Almeida é professora da Universidade de Taubaté, em São Paulo, ocupando a
cadeira de História da África e da Ásia. É autora de São Paulo durante a Revolução de 1932,
participou como colaboradora na elaboração de materiais didáticos e pára-didáticos na área de
História.
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Assim seria com a religião e a mitologia grega e, assim fora, anteriormente,


com a religião e a mitologia egípcia.
Os deuses do panteão egípcio são tão antigos quanto os próprios povos das
margens do rio Nilo; formado por deuses antopozoomórficos – deuses com forma de
homem e de animal – o panteão egípcio associava-se às forças da natureza e às
virtudes humanas.
A religião no Egito era organizada a partir dos templos, verdadeiros centros
administrativos, nos quais os sacerdotes exerciam função de comando, não apenas
da vida religiosa da comunidade, como também da vida econômica. Durante a maior
parte da Antigüidade egípcia, ficou a cargo do templo administrar recursos, estocar
alimento para a entressafra, redistribuí-los arregimentar homens para as grandes
construções e mesmo para a guerra. Declarar guerra, conduzir os homens na
batalha e realizar as negociações com os Estados vizinhos, ficava a cargo do faraó
(faraó significa, nada mais nada menos que “palácio”), que tinha o seu poder
garantido enquanto fosse reconhecido como um deus vivo.
Dentro das crenças egípcias, o imperador era compreendido como alguém
que, em função de sua origem nobre, teria o poder de trazer à tona sua identidade
divina, para assumir o trono, os sacerdotes auxiliavam-no em seu mergulho místico,
a partir do qual passaria ele, o imperador, a ser o receptáculo de um espírito divino;
um deus passaria a falar por ele, dizendo o que era certo ou errado fazer para
alcançar a prosperidade, a segurança, a justiça e a vitória.
Por um certo tempo, a historiografia questionou se esse sistema, no qual o
imperador, ou seja, o faraó, era tido como um deus vivo, não passaria de um
mecanismo de dominação, que serviria somente para manter os privilégios das
classes dominantes em detrimento dos despossuídos. Todavia, hoje, perspectivas
como a da História Cultural e História das Mentalidades abrem a discussão para
uma outra perspectiva, aventando a hipótese de que embora os interesses dos
grupos privilegiados estivessem em jogo, trata-se de um mecanismo de cultura e
religião, no qual tanto nobres quanto o povo comum acreditavam. Mesmo a situação
do faraó deus-vivo não era assim confortável, uma vez que, se o imperador
fracassava em suas decisões, rumores sobre sua incapacidade de estabelecer o
contato com a divindade começavam a circular e, por vezes, acabavam por serem
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mortos por seus próprios sacerdotes que acreditavam ter chegado a hora de
procurar no sucessor do imperador o poder de recontactar-se com o mundo dos
espíritos.
O cidadão comum participava das grandes cerimônias oferecidas pelo templo,
ao deus da cidade (como Aton, deus de Akhetaton ou Sobek, deus de Ombo e
Crocodilópolis ou ainda o velho deus Ptá, deus da antiga capital Mênfis). Concebido
a partir dos cálculos dos sacerdotes, que observavam as estrelas, o calendário era
organizados, anualmente, pontuado pelas datas festivas.
Nessas festividades, os populares tinham a oportunidade de ver a estátua do
deus da cidade, havia entre os egípcios, tal qual entre os gregos, a idéia de que, o
deus de fato, habitava a estátua, justamente por isso, no dia-a-dia, ela era banhada,
vestida e maquiada pelos sacerdotes e seus ajudantes e somente era vista pelo
povo, em dias de festividade, quando seguiam em barcas, carregadas pelos
sacerdotes, em forma de procissão.
Os populares acompanhavam o trajeto da estátua do deus e aproveitavam
para fazer seus pedidos; se o cortejo continuava seguindo em frente após o pedido,
significava a aprovação do deus, mas se o cortejo parasse ou desse um passo para
trás, significava a desaprovação.
Outras também eram as formas de consultar-se a vontade dos deuses. Os
egícios, como todos os outros povos da antiguidade, utilizavam-se dos oráculos;
templos nos quais sacerdotes ou sacerdotizas teriam o poder de falar em nome de
um deus.
“Os oráculos divinos desempenham importante papel na vida dos egípcios.
O oráculo de Amon em Tebas, o de Ísis em Coptos e o de Bes em Abidos
são particularmente célebre. Diante de um problema difícil, pode-se ainda
tirar a sorte em tabletes de madeira ou pequenas lâminas de caniço, nas
quais estão inscritas diferentes respostas à pergunta feita. Pode-se também
passar a noite num templo e esperar pelos conselhos do deus. Os sonhos
são igualmente carregados de sentido, e os escribas desenvolveram um
método complexo para interpretá-los: o homem que, no sonho, está olhando
para o fundo de um poço será aprisionado; quem encontra um anão vai
perder metade da vida ...Em compensação se no sonho a pessoa está
olhando por uma janela, é sinal de que o deus vai atender a seu pedido.”
(QUESNEL, 1987, p.25)
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UNIDADE 3: O PRINCÍPIO DA VIDA


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O surgimento da vida e do mundo como conhecemos, na concepção egípcia,


estaria estritamente relacionado com aquilo que de mais concreto lhes parecia ser a
fonte de suas próprias vidas: o Rio Nilo. De acordo com o mito, no início não havia
nada, apenas o Num, um grande oceano que recobria tudo (não havendo, portanto,
terra firme). É do Num, oceano primitivo que emerge uma massa, que forma a
primeira ilha e dela surge um ovo, e desse o deus Rá, o deus o Sol, que após
nascer, traz à luz seus filhos: Geb, o deus terra; Chu, o ar; Nut , o céu. Geb e Nut
teriam quatro filhos: Osíris, Ísis, Néftis e Set. Se os filhos de Rá representam as
forças da natureza, os netos representariam as virtudes, defeitos e conhecimentos
necessários aos homens. Osíris, senhor do mundo dos mortos, conhecedor dos
segredos da vida eterna; Ísis, Grande mãe e esposa, traz consigo não só o
segredo da vida (por ser mãe), mas por ter trazido de volta o marido do mundo
dos mortos; e Set, “o deus vermelho”, “o assassino de Osíris”, que representava a
fúria, a inveja, a traição e a violência.
Dos deuses do antigo Egito, sem dúvida, o mais popular de todos foi a deusa
Ísis, adorada não apenas na região nilótica, mas também em todo o mundo antigo;
após a conquista do Egito, o culto a Ísis passaria a ser o mais popular entre as
mulheres romanas, que adotariam não apenas a deusa como guardiã das mulheres
como também passariam a adotar adornos e tecidos em suas vestimentas que
aludissem ao Oriente, ao Egito.
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UNIDADE 4: AS RELIGIÕES ANCESTRAIS E OS CULTOS


DOMÉSTICOS

No caso africano – no qual a diversidade cultural é bastante grande – embora


estejam presentes hoje, inúmeros grupos religiosos, utilizamos o termo “religiões
tradicionais” ao nos referirmos às crenças e práticas milenares, de grupos étnicos
que não empregam um termo específico e nem encerram suas práticas em um
codex específico. A religião, como princípio básico para a compreensão e
interpretação do mundo, está presente em todas as culturas africanas, poderíamos
mesmo dizer que, se há um princípio de africanidade que une a todas as culturas
africanas, esse princípio seria a compreensão religiosa da vida, mesmo não
existindo, na maioria dos idiomas africanos, uma palavra específica para “religião”.
“(Em África) a religião adquire-se ao nascer como um direito de primogenitura
(por exemplo); não há conversão no sentido que se dá a esse termo no Ocidente” .
(Grandes Impérios e Civilizações, p.31) .
Essa compreensão religiosa da vida, já foi definida, pelos pesquisadores
europeus do século XIX como sendo uma visão animista, ou seja, a crença na
existência de espíritos que habitariam a natureza e todo o mundo material. Já foi
definida também como uma visão mágica, em função da presença das cerimônias e
amuletos. Mas hoje, os antropólogos tendem a definir essa compreensão africana do
mundo como “um conjunto de religiões que partem do princípio da existência
de uma ‘força vital”. Esse termo tenta englobar o princípio ordenador das crenças
que vêem tanto os seres da natureza como portadores de alma, quanto aquelas que
crêem na intervenção dos antepassados como protetores de seus descendentes
aqui na terra. Nessa visão religiosa do mundo e da vida, as diferentes religiões se
colocam lado a lado na crença de que não há morte, tudo na natureza renasce e
mesmo os homens, ao morrerem, não deixam o clã, passam a ter uma nova função
numa vida imaterial.

“Nas ofertas costuma atuar como sacerdote o chefe de família ou do clã,


mas se há altar, fazem nele os seus sacrifícios e, por vezes, é atendido por
sacerdotes profissionais, plenamente dedicados ao culto. Em quase todas
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as sociedades há um especialista em matérias religiosas, muitas vezes


denominado ‘médico bruxo’. As suas funções não consistem na prática da
feitiçaria, mas em descobrir a origem do mal em todas as suas formas e em
aconselhar-se sobre a maneira de se ver livre dele. Por vezes, trata-se de
uma pessoa que também conhece as virtudes das ervas e faz as vezes de
curandeiro. (Para essas culturas) o mal pode proceder de antepassados
desconsiderados, de espíritos malévolos ou de bruxas. Estas últimas
costumam ser correntes, fazendo parte da comunidade, que podem ter,
herdado o seu poder ou ter-se tornado bruxas involuntariamente, por
ciúmes, ódio ou inveja. A eliminação da bruxaria é importante, dado que a
bruxa não sabe por vezes que embruxou a pessoa em questão. No mundo
africano, não é possível separar totalmente a magia e a bruxaria da
religião.” (Grandes Impérios e civilizações, p. 33)

As religiões tradicionais africanas têm em comum, além da crença na


“força vital”, um grande respeito pela vida, não comporta princípios ascéticos,
seus valores máximos estão ligados à harmonia na família e no clã, é
essencialmente comunitária, não individual, a identidade do indivíduo se
constrói a partir do lugar dos seus no grupo e de seu lugar na família;
exatamente por isso a diáspora atlântica, ocorrida durante o escravismo
colonial, foi profundamente traumática, tanto para aqueles que ficaram quanto
para aqueles que deixaram suas famílias.
Enquanto os povos do Nilo – egípcios, merítas e kushitas – cultuavam os
mesmos deuses cultuados no Egito antigo; os numidas, divindades gregas como
Atena e Posseidon (Giordani, p.158) e também símbolos ligados à dendolatria, os
povos da região da Costa da Guiné, Rio Níger, Delta do Níger, Congo-Angola e
mesmo região Oriental – como o Zimbábwe - do continente representariam de forma
mais plena os costumes das religiões ancestrais, as ditas “religiões tradicionais”
africanas.
Insistimos no fato de que, no caso das culturas das regiões citadas, não se
definia um nome para a crença, pois as expressões do sentimento religioso, para
esses povos, manifestavam-se nos atos cotidianos, individuais e coletivos, ou seja, a
religiosidade se manifesta em todos os costumes e práticas diárias, exatamente por
isso não há um nome que separe o sentimento religioso da própria vida.
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Outro princípio que une todas essas visões religiosas é a crença na


existência de um único princípio criador para tudo o que existe (esse fator
facilitou em muito a aceitação tanto do islamismo quanto do cristianismo entre os
povos africanos).
“Os atributos dessa divindade suprema são imprecisos. Deus (para eles)
reside muito longe, quer além do firmamento, que nas profundezas. Este
distanciamento é, em certos mitos, a punição de uma falta humana, pois houve um
tempo em que Deus e o céu estavam ao alcance do homem. Mas a conseqüência
deste distanciamento de um Deus impessoal, todo-poderoso, que não tem
necessidade de nada e (acrescentam alguns) infinitamente bom, portanto não
podendo fazer o mal, é que a religião quase nunca se dirige a ele. (Para eles) Deus
não tem necessidade dos homens. Entre os Dogon, Amma, o deus criador, possui
um lugar especial no culto: cada chefe de família oferece-lhe sacrifício. Para os
bambara, Faro, o deus superior, criou-se a si mesmo do caos original, venceu o
deus da terra, Pemba, e organizou o mundo. Entre os achanti, Nyamé ou Nana é o
deus supremo. Olorun ocupa esse lugar entre os yorubá. Na região dos grandes
lagos o deus supremo é o todo-poderoso e onipresente Mulungu.” (Giordani, p.
160)

Os deuses secundários seriam aqueles ligados às forças da natureza – o


trovão, os raios, a terra, as águas etc – existindo ainda os gênios que seriam como
espíritos que vagam pela terra podendo ter diferentes comportamentos desde roubar
comida, a revelar segredos ou mesmo proteger a aldeia. Também alguns animais
representariam espíritos protetores, como o crocodilo – para egípcios e mandingas –
as cobras gigantes e as tartarugas. Também os astros seriam considerados
divindades - como entre os primeiros povos da atual Etiópia – sendo o Sol e a Lua
os mais importantes dentre eles.
Tal como as religiões tradicionais que eram diversas, porém com uma lógica
semelhante, os cultos também possuíam particularidades e pontos em comum. Uma
desses pontos comuns era a existência dos sacrifícios. A função desse era sempre
a de transferir forças, não apenas ao sacrificador, mas a todo o grupo a que ele
pertencia. Acompanhando o sacrifício, as cerimônias eram sempre acompanhadas
pelo canto e pela dança.
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Num mundo compreendido como um campo envolto por tanta magia, a figura
dos sacerdotes, adivinhos e curandeiros, seria sempre muito importante,
estendendo-se a função desses personagens a várias instâncias da vida cotidiana,
como: prever problemas, detectar doenças, encontrar curas e localizar feiticeiros e
feiticeiras.
Nas sociedades africanas, a idéia da manipulação e interpretação da natureza
para o bem coletivo era vista como algo necessário, contudo, a manipulação das
forças da natureza para o mal não era tolerada.
“A(O) feiticeira(o) era severamente punida(o). Descoberto, o feiticeiro era
torturado, entregue às formigas, ou queimado e lançado como pasto às
hienas” (Giordani, p. 164).
No período do escravismo colonial, homens e mulheres, acusados de
feitiçaria em suas tribos eram, freqüentemente, condenados a serem vendidos como
escravos para os traficantes. Parte da imagem negativa e “demoníaca” que se
construiu das religiões africanas entre os colonos brasileiros (imagem ainda perdura
em nossos dias) têm sua origem no fato de que os próprios escravizados que
vinham num mesmo navio identificavam os “feiticeiros” que ali estavam entre eles e
alardeavam o perigo e os poderes que tais pessoas pretensamente teriam, porém é
fundamental, para que possamos romper com o preconceito, que entendamos que
essas religiões nada têm de malévola em suas origens e nem em suas crenças
basilares.
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UNIDADE 5: ÁFRICA E O CRISTIANISMO COPTA

A região do Axum corresponde ao que os geógrafos chamam de “Chifre da


África”, ali temos hoje as regiões da Etiópia e Eritréia. No passado, essa porção
Leste do Continente africano foi palco de uma grande civilização. Organizados em
torno de suas cidades e do comércio, a sociedade axumita tinha na tradição
hebraica seu mito de formação.
Para os axumitas, o reino teria suas origens no mito da rainha de Sabá. Diz o
mito que quando Makeda, a rainha de Sabá, ouviu de um mercador que haveria um
rico reino na região da palestina, a rainha, que até então seguia o culto dos astros,
resolveu viajar com uma caravana de mais de 700 cavalos para conhecer tal reino.
Chegando a Israel, teria se encantado com a hospitalidade e gentileza de Salomão,
abandonado suas antigas crenças e, adotando o culto ao deus de Israel. Segundo a
lenda, Salomão também teria se encantado pela rainha e teria arquitetado um plano
para tê-la para si. Conforme o mito, Salomão oferecera um banquete de despedida
com alimentos fortemente condimentados, para que a rainha sentisse sede mais
tarde. À noite, prometera não tocá-la contanto que ela também não tocasse em nada
do palácio. Atormentada pela sede a rainha, no meio da noite encontrou água
somente nos aposentos do rei que, flagrando-a ao saciar sua sede, cobra dela a
promessa que, por sua vez, vencida, acaba cedendo aos desejos do rei. Desse
encontro, nasce em Sabá, Menelike, o Leão de Judá, que ao chegar a idade de um
jovem voltaria a Israel e seria sagrado rei pelo próprio Salomão, que teria entregado
a Menelike e sua comitiva, a preciosa arca da aliança, para que ficasse para sempre
guardada em segurança em território africano. Esse mito alimenta a crença de fiéis
até hoje, que garantem permanecer a arca, até nossos dias, em solo africano. Os
judeus etíopes ainda existem, são os chamados falachas, vivem na região do Lago
Tana e se consideram descendentes de Menelike.
Contudo, segundo os historiadores, os primeiros reis axumitas não seguiam a
religião de Israel, predominando naquelas terras o paganismo, até meados do
século IV, quando o monge sírio Fromentius introduziu o cristianismo na região do
Axum. O rei Ezana converte-se ao cristianismo e seu filho Ameda é batizado. Após a
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conversão da família real o cristianismo etíope toma grande força e começa a traçar
suas características próprias, adotando a vertente do arianismo e depois, do
nestorianismo.
Porém, àquela época, não apenas o Axum, dentre as regiões ao Norte da
África, mas, também, o Egito, adotara o cristianismo. O cristianismo egípcio,
chamado de cristianismo copta - por ter seus textos escritos no formato da escrita
copta, a última das formas das escritas antigas egípcias, formada por uma variação
do demótico somado ao alfabeto grego - era bem mais antigo, segundo a tradição, o
cristianismo teria chegado à Alexandria já no ano 60, da Era Cristã, por intermédio
de São Marcos Evangelista, fortalecendo-se desde então, até os nossos dias, sendo
hoje a igreja oficial do Egito. Alexandria tornava-se um centro do cristianismo
nestoriano em território africano, pois, submetiam-se à liderança do patriarca de
Alexandria a igreja cristã etíope e também os cristãos da Abissínia. Por não
concordar com as posições do concílio de Calcedônia, em 451, a Igreja Copta
Egípcia separa-se adotando calendários e costumes distintos.
Entre os cristãos coptas, as cerimônias eram realizadas com danças
acompanhadas pelos tambores; em dias especiais, sacrificavam-se cabras; fazia-se
distinção entre o que chamavam de “carne pura” e “carne impura” (animal
estrangulado); havia a interdição de entrar na igreja no dia seguinte a relações
sexuais e a observação do sábado (como na antiga tradição cristã) e não do
domingo (como o fazem os católicos apostólicos romanos). Há ainda, até os nossos
dias, a divisão do clero entre um clero secular – do povo – formado por ministros que
devem se casar e constituir família; e um outro clero, o clero regular, do qual saem
os bispos. A formação dos sacerdotes é complementada pelo estudo da leitura na
antiga língua ge’ez e é ministrada até hoje nas escolas monásticas. Com a fusão da
igreja Etíope com a Igreja Copta Egípcia, os etíopes tornaram-se dependentes das
decisões de Alexandria.
Hoje, o número de cristãos coptas é de mais de 42 milhões de fiéis, dentre os
quais 10 milhões estariam no Egito; 30 milhões estariam na Etiópia e
aproximadamente 2 milhões na Eritréia.
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UNIDADE 6: A ÁFRICA E O ISLAMISMO

Como sabemos, em meados do século VII, os árabes estavam em pleno


processo de expansão, guerreando e conquistando terras em nome da religião que
havia nascido com as palavras de Maomé: o islamismo. Em 642, os árabes
avançavam sobre o Egito e seguiam em direção à porção Oeste do Norte da África,
o Magreb (essa parte do continente é até hoje denominada assim, porque Magreb
em árabe significa simplesmente Ocidente).
Conforme Joseph Ki-zerbo em seu História da Áfica Negra, “foi um
verdadeiro furacão”. A invasão árabe no continente africano transformou
completamente o perfil da África do Norte, do Mediterrâneo até a faixa sudânica.
Uma região que mantivera, até então, estreito contato com o mundo europeu
(cultural e comercialmente, desde o florescimento do Império Egípcio, a colonização
grega na Cirenaica, até o estabelecimento das colônias romanas na África
Mediterrânica) passaria agora a voltar-se – cultural e economicamente – para o
Oriente Médio; adotando dele não só costumes os e a língua, mas também e,
principalmente, a religião.
A conversão das áreas conquistadas ao islamismo não ocorria unicamente e
nem exclusivamente pela força:

“(...) muitas vezes, também a conversão foi efetivada na ausência de toda a


força, quer por marabus2isolados que não tinham outro poder senão sua fé,
quer por infiltrações lentas. Procurava-se antes de tudo ganhar a
aristocracia, depois, aos poucos, ganhar a massa camponesa” (Giordani, p.
130)

Assim, por vezes, apenas o soberano e sua corte adotavam oficialmente o


islamismo, garantindo a fidelidade ao Islã; em outras ocasiões a conversão do rei e
de sua corte implicava conversão de todo o seu povo, nesse caso, para alguns
povos, o islamismo, adotado pelo povo, convivia com as religiões ancestrais,

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marabu (líder espiritual islâmico)
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enquanto que para outros, a adoção de todo o reino ao islamismo implicava a


proibição dos cultos ancestrais.
Outras vezes ainda, o islamismo se impunha pela força:

“O fanatismo e o orgulho dos conquistadores levava-os quer a desprezar os


pagãos e a deixá-los viver submissos ou escravos, quer a deixar-lhes a
escolha entre a morte e a conversão.” (Giordani, p.130)

Alguns povos resistiram mais, outros menos. Os berberes do deserto, por


exemplo, resistiram por muito tempo ao domínio territorial e cultural árabe. Na região
do Axum, os cristãos etíopes também resistiram, mas sem enfrentamento, uma vez
que, ainda durante o período em que se encontrava vivo, Maomé teria recebido uma
carta do rei Etíope, que reconhecia como legítima a mensagem do profeta de Alá.
Contudo, após a morte de Maomé, o Axum colocou-se contra a entrada do
islamismo em seu território, que foi poupado da guerra santa, pelo menos até o
século XII, em razão da simpatia que o profeta sentira pela mensagem do monarca
axumita.
Todavia, como insiste o historiador africano de Burkina Faso, Joseph Ki-
Zerbo, não se pode acreditar de todo na intensidade da destruição causada pela
chegada dos muçulmanos à África. Segundo o historiador, os relatos de tais
acontecimentos, embora existam, não devem ser levados ‘ao pé da letra’, até
mesmo porque a chegada dos muçulmanos trouxe para a África Mediterrânica e
Sudânica uma nova dinâmica comercial, além de uma nova relação com o registro
da memória e da História, que até então eram fundamentalmente orais, e que a
partir da presença dos árabes, com seus geógrafos, historiadores e astrônomos,
passaria a ser, escrito.
Os muçulmanos trouxeram consigo uma grande rede de contatos e comércio,
fazendo com que as regiões islamizadas da África passassem a fazer parte desse
‘circuito’. Nos reinos que se convertiam ao islamismo, a fundação de cidades, como
Timbucto e Gao, na faixa do rio Níger, ou Sidjilmassa e Marrocos, no Magreb - eram
acompanhadas pela construção de palácios e mesquitas. De toda forma, embora
possa parecer que, no processo de islamização da África, essa teria perdido suas
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características próprias em detrimento da religião e da cultura islâmica, os


historiadores estão de acordo ao afirmar que teria ocorrido justamente o oposto: o
que houve foi uma “africanização do islã”.
Se por um lado, o Egito, após a conquista territorial, vai deixando o
cristianismo copta de lado e se tornando cada vez mais islamizado, alcançando o
posto de região mais importante do mundo islâmico entre os séculos XII e XIII;
regiões a Costa Ocidental africana e mesmo o Magreb, desenvolveriam um
islamismo que convive lado a lado com as tradições ancestrais, como no Songhai,
onde o rei Sonni Ali era songhali (portanto africano), muçulmano e respeitado
feiticeiro.
O islamismo penetrou as regiões da África do Norte e África Mediterrânica;
zona central (entre o Senegal e o lago Chade, tomando os povos da região do rio
Níger, os mande e os haussá) ; zona litoral Oriental (Eritréia, Somália, Madagascar
e Zanzibar ).
Quanto a organização da religião islâmica propriamente dita, no caso
africano, as confrarias e sociedade secretas desempenharam um papel importante
na organização do islamismo. Mesmo com relação aos princípios morais, a religião
de Maomé não entraria em choque com o ethos das sociedades do Norte da África:
o marabu não diferia muito da figura do adivinho; os anjos e os djinns (intermediários
entre os homens e os anjos, no islamismo) não diferiam muito da figura dos espíritos
de proteção e, mesmo a moral muçulmana, com relação a alguns princípios
adaptava-se perfeitamente aos costumes da maioria dos povos, como a permissão
para o homem possuir tantas esposas quantas pudesse manter (tradição existente
tanto no Oriente Médio muçulmano quanto entre os povos africanos dessa região).
Um ponto característico da tradição islâmica, a peregrinação obrigatória à
cidade sagrada de Meca (onde o profeta teria ouvido o chamado de Alá), que
deveria ser realizada por todos os fiéis, pelo menos uma vez na vida, no islamismo
africano teria sofrido modificações. Por se tornar longa, perigosa e cara, a
peregrinação era realizada apenas raramente e, em geral, pelos governantes e seu
séqüito. Ampliava-se o culto aos homens santos e a visitação aos lugares pelos
quais teriam passado. Outra característica marcante do islamismo africano seriam
as salmodias (cânticos dos salmos), que:
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“(...) eram tidas por encantamentos mágicos, a ponto de se espalhar


o hábito de trazer em amuletos determinados versículos escritos em
pergaminho. O amuleto muçulmano fascinava não só os novos convertidos,
mas também os que ainda o não estavam, e não tardou a transformar-se
em indústria do maalam, que os preparava, benzia e vendia.” 3(Giordani,
170)

3
Note-se que esses eram os mesmos amuletos utilizados aqui pelos escravizados de religião
muçulmana. Em geral, as regiões islamizadas não eram alvo de apresamento de escravos, mas por
vezes, homens negros muçulmanos eram capturados ou mesmo julgados e condenados à
escravidão. No Brasil, esses escravizados, praticantes do islamismo eram chamados de MALÊS, e
traziam consigo os amuletos descritos por Giordani. Durante o período colonial, acreditava-se que os
versos escritos no amuleto eram, de fato, encantamentos. Durante a Revolta dos malês, na Bahia em
1835, acreditava-se que os versos nos amuletos, na verdade eram instruções para a insurreição.
19

UNIDADE 7: O PANTEÃO YORUBÁ

A região ao Sul do Rio Níger, margeando o grande oceano da Costa Oeste


africana, era considerada pelos povos antigos como uma região sagrada. Ali, o povo
yorubá, um povo citadino, desenvolveu sua cultura e sua religião, que teve grande
influência na formação das culturas afroamericanas após a diáspora atlântica.
Embora hoje, a grande parte da população da Nigéria e do atual Benim
(antigo reino do Daomé) seja de cristãos e muçulmanos, a religião tradicional não
deixou de ser praticada.

“A religião tradicional dos Iorubas consta de um sistema de seres espirituais,


ou quase espirituais, escalonados em quatro categorias. Na categoria
superior está o ser supremo, Olodumaré, também conhecido por Olorum
(senhor do céu). Os seus ministros, os deuses subordinados (orisha),
ocupam o segundo escalão e entre eles seguem uma espécie de ordem
hierárquica. O mais importante desses deuses de segunda fila é Obatalá.
No terceiro posto, depois dos deuses secundários, encontram-se os
antepassados deificados como Shango. Em último lugar, figuram os
espíritos associados aos fenômenos naturais tais como a terra - Ile, os rios,
as montanhas e as árvores. (Grandes Impérios, p.39)

Embora não erigissem templos ou altares em nome de Olodumare, os Yorubá


entoavam orações ao seu deus supremo, contudo, os outros deuses e entidades
menores, possuíam templos, altares, santuários e sacerdotes que organizavam seus
cultos.
Entre os populares, além da participação nas grandes cerimônias públicas em
honra dos deuses era também muito forte o culto aos antepassados e a adivinhação,
sendo o oráculo mais famoso o da cidade de Ifa.

“Os iorubas utilizam diversos sistemas de adivinhação. Os objetos básicos


do sistema conhecido com o nome de Ifá, são: cocos especialmente
selecionados; a bandeja, que deve ter a forma retangular, circular ou
semicircular; o sino, que deve ser de marfim ou de madeira e que se utiliza
para invocar o espírito do oráculo; e grupos de objetos, que podem ser
20

dentes de animais, conchas de caurim ou fragmentos de cerâmica. O


sacerdote (o babalao), talvez o mais preparado de todos os sacerdotes
iorubas, atua partindo de um conjunto de 16 poemas (odus) que contém
todas as experiências que um ser humano é capaz de conhecer. Orunmila,
uma das divindades mais importantes, encarna o poder que há por detrás
do oráculo. Está embebido de sabedoria de Olodumaré e as pessoas tratam
de propiciar a seu favor.” (Grandes Impérios, p.39)

O início

Embora Olodumaré (Olorum, para a nação Keto) seja o deus supremo, a vida
dos homens estaria, conforme a tradição, associada a Obatalá, que é considerado
entre os yorubás o mais importante entre os deuses menores, uma vez que teria
sido Obatalá o representante de Olodumaré na criação. Após aprender com
Olodumaré a dar forma aos seres humanos, moldou homens e mulheres que depois
recebiam do ser supremo o princípio da vida.
Na mitologia yorubá, cada orixá possui uma função, uma área sobre a qual
atuaria e exerceria sua proteção; possui uma cor que o simboliza e uma expressão
com a qual deve era saudado por seus seguidores. (Observe que algumas das
expressões yorubá que representam os diferentes orixás podem ser encontradas em
versos de alguns sambas antigos). Os principais deuses do panteão yorubá são:

Iemanjá
Um dos orixás mais conhecidos e festejados, principalmente, no Brasil. A
senhora das águas (águas salgadas), mãe dos orixás tem as vestes nas cores
branco, azul ou verde claro, ornamentadas por colares de contas de vidro verde
claro ou azul claro. Iemanjá é saudada pela expressão “Odô ia” e, conforme a
tradição teve seus seios dilascerados em uma luta contra Exu, que desejava possuí-
la, na luta feriu-se e de seus olhos correriam tantas lágrimas que formariam toda a
água salgada do mundo.
21

Nanã
Senhora da lama do fundo dos rios, a lama que moldara todos os homens. É
o orixá mais velho, sendo, justamente por isso, muito respeitada. Nanã se veste com
roupas brancas e azuis, adornadas por contas de louça branca com riscos azuis e
um cetro, o Ibiri. É saudada com a expressão “Saluba!”. Conforme a tradição, tentou-
se fazer o homem com diferentes elementos, ar, água, fogo, mas nenhuma das
tentativas dera certos, assim sendo, Nanã teria emprestado o barro, com a condição
de que, quando os homens morressem, lhes fossem devolvidos.

Ogum
Deus ferreiro, Ogum identifica-se com a guerra e com as técnicas. Veste-se
com azul escuro ou verde com listas azuis, adornado por colares de contas azul
escuro. É saudado com a expressão: ”Ogunhê!”

Oxalá
É um dos orixás ligados à criação do mundo, é denominado um orixá “funfun”,
ou seja, que se vestem de branco. É o deus criador dos homens e da cultura
material; no Brasil é tido como o pai dos orixás. É comumente saudado com a
expressão “Epa Babá!”

Oxosssi
Rei da cidade de Keto, Oxossi é identificado como um deus caçador é, por
isso, identificado como protetor dos caçadores, dos chefes de família e dos animais
que vivem nas florestas. Veste-se com as cores azul, verde e vermelho e a
expressão com a qual o saúdam: “Okê aro Oxossi!”.

Oxum
Deusa da água doce. Representaria o ouro, o amor e a fecundidade. Veste-se
de amarelo, dourado, rosa e azul claro, adornando-se com contas amarelo claro ou
escuro. Quando dança, utiliza um espelho na mão. É a segunda esposa de Xangô e
é a que de fato possuiria o seu amor. É saudada com a expressão: “Ora ieie ô”.
22

Iansã
Senhora dos ventos e das tempestades; primeira esposa de Xangô e senhora
dos raios. É a ela que pertenceriam as almas dos mortos. Veste-se de marrom e
vermelho e, por vezes, de branco. É saudada pela expressão: “Eparrei!”.

Xangô
Senhor do trovão e da justiça; usa roupas brancas e vermelhas adornadas por
contas das mesmas cores. Quando dança, usa coroa na cabeça (pois era rei de
Oro) e um machado duplo na mão, o Oxé, que simboliza o julgamento e a justiça
(Lembre-se de que na mitologia romana, o símbolo da justiça era uma balança, ou
seja um instrumento bipartido, tal qual o Oxé). Era saudado pela expressão: “Kawó-
kabyesilé.
Embora algumas das divindades da tradição yorubá sejam cultuadas
localmente, em apenas algumas regiões ou mesmo em uma única região específica,
outras, por sua vez, como Ogum, são reconhecidas e reverenciadas em todo o
território ocupado pelos povos yorubá.

“Segundo assegura a tradição, Ogum serviu-se do machete para abrir


caminho aos deuses, com o objetivo de os atrair a viver na terra. Devido a
sua habilidade no manuseio do machete e à sua força, foi considerado o
deus dos caçadores, ferreiros e açougueiros, barbeiros, soldados e, hoje,
dos caminhoneiros, assim como de todos quantos trabalham com o ferro e o
aço. Ogum é também um testemunho de pactos e convenções. Hoje,
quando um seguidor da religião tradicional ioruba tem de comparecer
perante um tribunal, não jura pelo Alcorão nem pela Bíblia, mas fá-lo sobre
um fragmento de ferro, que representa e simboliza Ogum.” (Grandes
Impérios e Civilizações, p.39)
23

UNIDADEE 8: A RELIGIOSIDADE NA DIÁSPORA


ATLÂNTICA

Conforme afirmam Sidney Mintz e Richard Price na obra O nascimento da


cultura afroamericana, na vinda para a América, tanto brancos quanto negros
tiveram que recriar seus valores, crenças e modos de vida. Mesmo o branco, que
tinha a seu favor o estabelecimento da língua, do domínio sobre as terras e acima
de tudo, a liberdade, pôde transpor por completo seus valores da Europa para a
América. Todos teriam passado, de maneira mais ou menos traumática, por um
processo de ressignificação de seus valores, de reconstrução das identidades e de
reorganização da vida, contudo, os africanos escravizados teriam passado por esse
processo, mas de forma infinitamente mais intensa e traumática, uma vez que a
vinda para o novo continente significava a perda da terra, da família, do nome, da
identidade e a da liberdade.
Ao contrário do que se possa imaginar, reconstituir o universo de costumes e
crenças deixado na África não era fácil e, muitas vezes, não era sequer possível. Os
escravizados vinham, com freqüência, de regiões diferentes, falavam línguas
diferentes (o que não era exatamente um problema, pois era comum, na África, que
um mesmo indivíduo fosse um falante de diversos idiomas, dada a pluralidade
lingüística de todas as regiões), muitos teriam que conviver com indivíduos de tribos
inimigas; havendo ainda as rivalidades entre os criollos (os nascidos na América), os
boçais (os que haviam chegado há mais tempo, já dominavam a língua e possuíam
sua rede de contatos) e os ladinos (recém chegados). Não era possível recriar um
universo cultural em particular, simplesmente porque aqueles indivíduos faziam parte
de universos culturais distintos; e encontravam-se, mesmo entre escravizados,
condições de poder, diferentes. Os recém chegados deveriam se submeter à
liderança daqueles que aqui estavam a mais tempo, uma vez que passavam a fazer
parte de uma nova ordem social.
A religião e, os elementos da cultura em geral seria fortemente afetados por
essa realidade. Qual modelo religioso reconstruir? Uma vez que a senzala
comportava escravizados cristãos, muçulmanos, praticantes das diversas religiões
24

ancestrais, praticantes do candomblé yorubá, qual modelo prevaleceria?


Prevaleceria o modelo da maioria, contudo, não de forma pura, mas sim, somado a
elementos que compunham as crenças dos demais, somados ainda a uma
interpretação que não era do sacerdote, mas do escravizado-homem-comum;
somada ainda ao cristianismo do colonizador, um cristianismo readaptado a uma
vida distante dos olhos do centro de poder da Igreja; e somada ainda às crendices
do branco homem-livre-pobre e, do indígena, livre ou escravizado, que conviviam
lado a lado com o escravizado africano e com ele aprendiam e ensinavam os
conhecimentos e crenças populares sobre a vida.
Dessa forma, no caso brasileiro, tendo sido a primeira fase do tráfico de
escravos marcado pela exploração da Costa Ocidental da África, um grande número
de indivíduos vindos de regiões de cultura yorubá vieram para o Nordeste brasileiro.
Isso não significa dizer que a religião recriada pelos homens negros de Pernambuco
e Bahia fosse o retrato da religião dos yorubá; significa apenas afirmar que a base
da religiosidade ali recriada seria a das sociedades yorubá, contudo, a presença de
elementos do cristianismo, por exemplo, são fortemente sentidas, tanto àquela
época quanto hoje.
Podemos, portanto, afirmar que as religiões e as formas de expressão da
religiosidade dos afro-brasileiros apresentava-se de maneira sincrética e
miscigenada, como tudo o mais na vida da colônia.
25

UNIDADE 9: AS IRMANDADES CATÓLICAS NO BRASIL

No cenário das minas coloniais, um fenômeno que nos chama a atenção foi o
do florescimento de um grande número de irmandades religiosas e confrarias.
Leigos, organizados em torno de uma irmandade de fiéis que organizavam a vida
religiosa e mesmo social de seus participantes. Homens, mulheres, brancos e
negros, todos encontravam uma irmandade que os aceitasse.
No caso específico dos africanos escravizados, a irmandade tornava-se não
somente um espaço de sociabilidade, mas também um espaço para a construção de
uma linguagem própria para a religiosidade de africanos e afrodescendentes que,
agregavam aos ritos e costumes da religião católica elementos das culturas vindas
da África. Além de espaço de reconstrução de uma identidade cultural, as
irmandades dos homens pretos – como eram chamadas – cumpriam também função
assistencialista, resgatando negros velhos e doentes ou mesmo possibilitando a
reunião de uma família, separada pelo comércio de escravos. Embora alguns
estudiosos tenham visto nas irmandades um espaço de aculturação do africano, que
abandonaria suas crenças adotando a dos europeus, na visão do grande
antropólogo Roger Bastide, o resultado não teria sido bem esse, pois segundo o
pesquisador: “a religião do colonizador sobressaiu-se à africana, porém, não a
substituiu.”

Os missionários wesleyanos em Demerara

A presença do cristianismo, principalmente entre os colonos do continente


americano, não se fez presente somente na figura dos missionários da ordem
católica inaciana da Companhia de Jesus, também missionários cristãos
protestantes e evangélicos aqui estiveram, contribuindo para a formação das
culturas afroamericanas.
No caso específico dos missionários metodistas wesleyanos, destacamos sua
importância em relação aos negros escravizados que trabalhavam na produção de
açúcar, na colônia inglesa de Demerara, na antiga Guiana Inglesa.
26

Movidos pelo ideal de inconformismo que o próprio metodismo wesleyano


trazia consigo – posto que ousava enfrentar o anglicanismo em plena Inglaterra – os
jovens missionários, vindos das classes operárias, viajavam pelo mundo
impregnados pelos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade e um sentido de
justiça que podiam facilmente voltar-se contra a ordem estabelecida. Isso seria
particularmente verdadeiro nas sociedades escravistas, onde a ética, implícita nesse
novo cristianismo evangélico, parecia não só deslocada, mas profundamente
subversiva”. (VIOTTI DA COSTA, p.30)
Ao chegarem nas terras americanas, os missionários procuravam evangelizar
os escravizados, ensinando-lhes a ler a bíblia e a interpretá-la como uma mensagem
de esperança; contudo, num contexto escravista, como coloca Emília Viotti em sua
obra Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue, a mensagem evangélica deu aos
oprimidos um código para julgar seus opressores.

“A maioria dos colonos estava convencida de que dar instrução religiosa aos
escravos, ensiná-los a ler, tratá-los como iguais, chamá-los ‘irmãos’ –
abolindo assim as distinções e protocolos sociais que na experiência diária
reafirmavam o poder que os senhores tinham sobre eles – cedo ou tarde
levaria os escravos a rebelar-se.” (VIOTTI DA COSTA, p.35)

Em Demerara, o cristianismo dos missionários metodistas serviu de canal


para a reorganização da comunidade negra na Guiana, da mesma maneira que
aqui, no Brasil, as Irmandades religiosas teriam cumprido esse papel.
É importante relembrarmos que, o sentimento de união com o grupo, o
fortalecimento da vida em família e em comunidade sempre fora, para as sociedades
africanas, fator fundamental para a construção da própria identidade, da própria
dignidade. A reorganização da comunidade negra, em Demerara, em torno da
evangelização, propiciou a reconstrução da dignidade do grupo, que decidiu tomar
as rédeas do próprio destino.
Reuniam-se para as aulas de leitura e de bíblia, estruturavam uma hierarquia
para a comunidade de evangelizandos em função de seus antigos laços na África e
também em relação às suas novas posições na colônia (os mensageiros eram
fundamentais para que o contato entre todos fosse efetivado; os escravos
27

domésticos mantinham o grupo informado sobre as conversas dos senhores,


principalmente sobre a situação das transformações na Inglaterra).
Dessa forma, a religião, na colônia inglesa, tornou-se fórum privilegiado para
a conscientização e para a organização política, fazendo com que em 1823,
Demerara fosse o cenário de uma das maiores revoltas de escravos da história das
Américas: aproximadamente 12 mil escravos, segundo Emília Viotti, se sublevaram;
mais de 200 negros entre escravos e libertos foram mortos, muitos foram julgados e
vários enforcados. O missionário metodista wesleyano que se encontrava na colônia
àquela época, John Smith, foi acusado de ter induzido os escravos a revoltar-se, foi
igualmente julgado e condenado à morte.
28

UNIDADE 10: O VODU DO HAITI

No caso haitiano, a religião também seria um elemento agregador.


Constituída como uma colônia de exploração, o Haiti teve sua mão-de-obra
escrava vinda, em sua grande maioria, de uma mesma região da África: o reino do
Daomé.
No início do tráfico negreiro, os senhores de engenho que vinham para a
colônia portuguesa, resistiam à compra de muitos escravos oriundos de um mesmo
reino, temiam que se organizassem e se sublevassem, as experiências de
Demerara, da Revolta dos Malês na Bahia e do Haiti, provaram que estavam certos.
Embora o cristianismo tenha chegado às terras haitianas por meio dos
missionários católicos, a religião daometana, o vodu, predominava, como
predomina na ilha até hoje.
É importante lembrar que, o sentimento religioso, para as culturas africanas,
estaria ligado à forma de compreender o mundo e seu próprio lugar no mundo,
dessa forma tornam-se muito abertas a somar novos elementos para o universo da
religiosidade. Contudo, em alguns casos, o olhar africano – de reverência à
natureza, de conexão com o mundo espiritual por meio da música e da dança etc –
iria absorver os elementos do catolicismo, como no caso da umbanda brasileira; em
outros, o olhar africano teria uma presença subliminar, sendo absorvido pelo
cristianismo com o qual tiveram contato aqui na América – como no caso das
Irmandades religiosas de Minas Gerais – mas, em outros casos ainda, o catolicismo
e a religião trazida da África, caminhariam lado a lado. Como dizem os próprios
haitianos hoje: “90% dos haitianos são católicos, 10% são protestantes e 100%
são do vodu” .
Insistimos que, no caso haitiano, essa reconstrução não somente da crença
trazida da África, mas também dos rituais e até mesmo das linhagens sacerdotais,
só foi possível em função de serem eles indivíduos vindos de um mesmo reino;
possuindo assim, um laço entre si, muito mais estreito.
Tal qual o metodismo em Demerara, o vodu no Haiti também teria um papel
importante na formação de uma consciência revolucionária entre os haitianos.
29

Segundo a tradição, as discussões que culminaram na maior revolta de negros


escravizados na América, resultando na independência do Haiti e na formação do
primeiro Estado negro livre do continente.
O vodu como expressão da religiosidade, assemelha-se às religiões
ancestrais africanas, pois acredita na existência de uma força criadora, na presença
de gênios que circulam pelo mundo material e que podem ser consultados, a quem
se pode pedir proteção; acreditam ainda na figura dos ancestrais como protetores
das novas gerações.
Segundo declaração do ex-diretor da Igreja Metodista Britânica Leslie
Griffiths:

“Ao contrário do que podem pensar fiéis ocidentais, (o vodu) não é do todo
ruim. (...) Há excessos cometidos em nome do vodu que todo mundo
condena, incluindo alguns seguidores do vodu, mas em geral, não é
incomum para as pessoas frequetarem tanto o mundo do vodu quanto ao
mundo do catolicismo (...) Pelo menos 95% do vodu é simplesmente invocar
os espíritos (os lois e os ancestrais) para ajudar as pessoas a sobreviver no
que é, muitas vezes, uma vida muito difícil.” (BBC-Brasil, 01/05/2003)

Os especialistas concordam que muito da imagem negativa que se tem do


vodu se deve a duas origens: as atitudes do antigo ditador haitiano françois Duvalier,
o ‘Papa Doc’ , e seu filho Jean Claude, ‘Baby Doc’, que usavam seus supostos
poderes vodu (somado à força bruta militar e um regime de repressão) para oprimir
o povo. No auge da crise política dos anos 60, Papa Doc afirmava que teria sido o
responsável pelo assassinato do presidente John Kennedy, por ter jogado uma
praga no presidente americano (BBC-Brasil, 01/05/2003).
Outra fonte de maus entendidos seria o cinema americano que, inspirado
pelos mitos dos afroamericanos de Nova Orleans – também praticantes do vodu –
criaria um universo de velhas bruxas e mortos vivos, que até hoje é explorado pelo
turismo da região. Na verdade, segundo os pesquisadores, a “produção de zumbis”
– mortos vivos – características dos mitos vodu, nada mais seria do que um truque
de velhos sacerdotes que, conhecedores das ervas, induziriam, por meio de
beberragens, sua vítima a um estado de catalepsia, sendo que depois, ao acordar,
30

entrariam num estado hipnótico, no qual permaneceriam sob o comando do


hipnotizador.
Mesmo as “bonecas vodu” seriam, na verdade, muito mais relevante para
imagem hollywoodiana e para o comércio do turismo do que para as cerimônias.
Sendo uma religião fortemente ligada à veneração dos ancestrais, o vodu
reconhece nos mortos – e não nos vivos – a autoridade para comandar a
comunidade; por essa razão, os ancestrais seriam evocados e consultados para
auxiliarem seus descendentes na jornada da vida, para que mantivessem sua
identidade como povo.
31

UNIDADE 11: O CANDOMBLÉ E A UMBANDA NO BRASIL

Embora ambos tenham suas origens na estrutura da religião dos yorubá,


Candomblé e Umbanda são manifestações religiosas distintas.
Praticado desde a chegada em terras brasileiras, o culto aos ancestrais e aos
orixás, desde o século XVI, foi sendo reconstruído pelos homens e mulheres
trazidos para cá à força. Embora siga uma estrutura muito semelhante àquela dos
yorubá da África, o candomblé brasileiro possui as suas particularidades. Tal qual o
rito africano, o Candomblé corresponde a uma religião totêmica, que cultua um deus
único, criador de si mesmo e de tudo no universo – Olorum – e seus orixás – deuses
menores – que comandam as forças da natureza. No candomblé os espíritos não
falam com os consulentes diretamente, mas somente por meio do jogo de búzios –
forma de oráculo que só pode ser compreendido por um sacerdote, o babalorixá. Em
relação ao modelo africano, existem diferenças quanto a alguns adereços, cânticos,
ritmos e mesmo a forma de organização dos terreiros – que aqui recebe sempre a
todos os orixás, enquanto lá, existe uma divisão.
O candomblé desenvolveu-se fortemente na Bahia, onde a comunidade de
sudaneses ocidentais de origem yorubá era numerosa. Isso não significa dizer que
todos os africanos migrados para lá à força fossem de origem yorubá; significa sim,
compreender que, à medida que eram inseridos nessa nova coletividade os
africanos, recém chegados, assimilavam o novo modelo de organização social e
religiosa, promovendo o crescimento e o fortalecimento dessa cultura afrobrasileira.
O candomblé no período colonial, embora não fosse bem visto nem pelos
senhores de escravos e nem pela igreja católica, foi sendo reconstruído a partir das
lembranças do que se praticava na África e também das novas necessidades da
vida desprovidada de liberdade. Em seu artigo Sincretismo da Crença no Brasil do
Século XVI, Sônia A. Siqueira, apresenta fragmentos de correspondências de padres
e senhores que, concordam entre si com a necessidade de permitir aos negros que
tivessem um pequeno tempo para suas festas para que, assim, não se sentissem
pressionados demais e não se rebelassem.
32

A festa foi o espaço no qual a religião pôde renascer. Não entendendo como
um círculo de pessoas que cantam e dançam, sem altar, nem imagens, poderia se
configurar numa cerimônia religiosa, os portugueses acabavam permitindo que, bem
debaixo de seus olhos, um sentimento religioso renascesse e uma prática religiosa
fosse construída.
Tal qual o candomblé africano, o candomblé dos afrobrasileiros seria
fortemente marcado pelo toque dos tambores, que “falam” pelos orixás: cada toque
representa um orixá, cada ritmo um estado de espírito – irado, feliz, em guerra, em
paz – como também a dança os representava, uma vez que para cada orixá,
dançava-se de maneira diferente. Os cantos eram entoados em yorubá e, com o
tempo, eram entoados a partir “daquilo que se lembravam, aquilo que acreditavam
ser yorubá”. Hoje, grupos ligados à preservação da memória e da cultura, na Bahia,
realizam um trabalho de resgate desses cânticos e também de transmissão formal
da língua yorubá.
Já a umbanda, corresponde a um fenômeno muito mais recente. Nascida nas
metrópoles do século XIX (Rio e São Paulo), a umbanda corresponde a uma
manifestação religiosa fortemente sincrética, pois assimila os santos do catolicismo,
personagens da mitologia ameríndia, da cultura popular e principalmente o
espiritismo.
Embora os orixás cultuados, na umbanda, sejam os mesmos do candomblé,
na umbanda, existe toda uma gama de outras entidades que, ao contrário dos orixás
do candomblé que não falam com seus fiéis, na umbanda, existem diversos espíritos
que viriam à cerimônia e, ao serem incorporados por um médium (herança nítida do
espiritismo) falariam com os participantes, comeria e beberia com eles e,
principalmente, responderia a suas perguntas sobre o presente e o futuro.
A umbanda foi muito perseguida no final do século XIX e início do século XX.
As cerimônias de “incorporação”, bem como as de consulta aos espíritos – seguindo
a “mesa branca” espírita – eram identificadas como rituais demoníacos; à pedido da
igreja, terreiros eram fechados e prisões eram realizadas.
Para o célebre antropólogo Roger Bastides, essa expressão religiosa que
aqui se desenvolveu trouxe consigo uma grande carga de influência dos rituais
africanos ligados aos mortos. Os familiares mortos, os ancestrais apareceriam como
33

conselheiros, como aqueles que conseguem “ver” com maior clareza o que está nos
acontecendo e para onde estamos indo. Para Bastides, muito do que se tornou
posteriormente a umbanda e a “macumba” paulista, teve sua origem na organização
dos rituais fúnebres nas irmandades de homens pretos.
Contudo, principalmente a partir dos anos 30, com o crescimento das
pesquisas antropológicas, tanto a umbanda quanto o candomblé passaram a ser
vistos como manifestações nascidas de um contexto muito específico de nosso
passado cultural; essas manifestações seriam testemunhas da formação da cultura
afrobrasileira e de todo o preconceito sofrido por aqueles que não se conformavam
simplesmente em aceitar um modelo de crença importada mecanicamente da
Europa.
Essas manifestações representariam um primeiro impulso, uma primeira
movimentação em busca de uma religiosidade que representasse a vida, as
angústias do homem livre pobre, também, das comunidades negras do período
colonial e, depois, do breve império brasileiro.
Isso acontece simplesmente porque a cultura espelha as relações
presentes e passadas de um povo; da mesma maneira que nossa forma de
viver muda, as expressões culturais igualmente mudam, mudando também não
a visão religiosa de uma sociedade, mas sim as maneiras pelas quais essa
visão será representada.
Sobre a umbanda, o historiador Paulo Koguruma, em sua obra Conflitos do
Imaginário, afirma que:

“Essa religião afrobrasileira (a umbanda) pode ser considerada como uma


dentre as múltiplas interpretações, reelaborações, ressignificações e
reinvenções das práticas e representações que foram legadas pelas
tradições das diversas etnias que constituíram o conjunto da população
brasileira. Ela pode ser caracterizada como uma ‘síntese’ inacabada de um
tenso e conflituoso processo de sincretismo, em que houve a
interpenetração das variadas formas de religiosidade e dos valores
civilizatórios que se encontravam presentes no dramático desdobrar da
formação de nossa sociedade. “ (KOGURUMA, 2001)
34

Música e Missa afro

A África, como sabemos, é um continente formado por diferentes culturas e


etnias, ali se construíram diferentes expressões da religiosidade que, teriam em
comum: 1) a visão de uma única força criadora; 2) a visão de unidade entre
homem/natureza-homens/famílias/comunidades e, 3) a crença na existência de uma
força vital que perpassa toda criatura viva.
Essas crenças basilares se fizeram presentes tantos nas várias formas de
expressão religiosa surgidas no continente africano quanto nas religiões nascidas
durante a formação da cultura afroamericana.
Da mesma forma que as religiões de origem africana possuem entre si pontos
em comum, uma das formas de manifestação da religiosidade africana e
afroamericana pode ser facilmente identificada: a presença da música.
No caso africano, é importante entender que, os instrumentos de percussão
seriam os instrumentos que melhor representariam a musicalidade africana.
Segundo o teólogo Gabriel Gonzaga Bina, os tambores africanos formariam um
universo próprio de instrumentos; seria uma infinidade, todos com diferentes “vozes”,
representando justamente a pluralidade das vozes de um grupo, de uma aldeia, de
um diálogo. Para Gonzaga Bina, é inconcebível para o negro deixá-los (os
tambores) fora do culto (religioso) pelo fato de os tambores serem instrumento
natural e cultural do africano e conseqüentemente do afro-descendente brasileiro.

“por ser usado nos candomblés e pelos povos negros (em seus cultos
tradicionais, na África), o atabaque foi um instrumento discriminado pela
hierarquia da igreja católica do Brasil formada quase que exclusivamente de
brancos. Foi acusado de instrumento ‘de negro’, de macumba, do demônio,
de instrumento barulhento e que tira a concentração. Este preconceito foi
passado para o povo cristão, inclusive o povo negro, durante o processo de
“evangelização”, domesticação e ideologia do embranquecimento,
dificultando hoje o seu uso oculto. A lavagem cerebral foi tão profunda que o
próprio povo negro ...já não reconhece de imediato o que sempre foi seu.”
(BINA, p.19)
35

Da mesma maneira que a música sacra norteamericana produzida por


afrodescendentes mantém a característica da coletividade, do canto em coro, da
dança e da alegria – elementos presentes no canto religioso africano – no Brasil, os
tambores e atabaques, presentes em nossa música popular, estão lentamente sendo
aceitos também como instrumentos de nossa música sacra, resgatando e permitindo
a livre expressão do sentimento e da expressão da religiosidade de toda uma
cultura.

Mapa da África Ocidental, região do Rio Níger.


Fonte: A history of african people. July, Robert. NY: The city University of New York, 1974.
36

Mapa da Região do Rio Nilo.


Fonte: A history of african people. July, Robert. NY: The city University of New York, 1974.
37

Deuses do panteão egípcio:

Fonte: QUESNEL, A. O Egito. Mitos e


Lendas. pág.20.
Deuses do panteão egípcio:

Fonte: QUESNEL, Alain. O Egito.


Mitos e Lendas. São Paulo: Editor
Ática, 1997, pág.19
38

Deuses do panteão egípcio.

Fonte: Fonte: QUESNEL, Alain. O Egito. Mitos e Lendas. São Paulo: Editor Ática, 1997, pág.18
39

Os cristãos do antigo Axum, atual Etiópia.

Acima, Imagem da Igreja de São Jorge em Lalibela, Etiópia.


Abaixo, Imagem do Mural da Igreja: São Jorge matando o dragão.

Fonte: Grandes Impérios e Civilizações, África volI., p.41.


40

Deuses do panteão Yorubá:

Ogum. Oxossi.

Oxumaré. Xangô.

Iansã . Oxum.
41

Iemanjá. Oxalá.

Fonte: Imagens de Os Orixás. Arquivo de PLANETA, n° 4. Grupo de comunicação


Três Ltda.
42

REFERÊNCIAS

BINA, Gabriel Gonzaga. O atabaque na igreja. Mogi das Cruzes: Editora e Gráfica
Brasil, 2002.

CAPONE, Stefania. A busca da África no Candomblé. Rio de Janeiro: Livraria contra


Capa/ Pallas, 2004.

GIORDANI, Mário Curtis. História da África. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.

Grandes impérios e civilizações. Madrid: Ediciones Del Prado, 1984, vol I e vol II.

Haiti Oficializa o Vodu. BBC Brasil/ BBC World Service. 01 de maio de 2003.
Publicado às 11h34. Disponível em http://KI-ZERBO, Joseph. História da África
Negra. Lisboaa: Publicações Europa-América, 1972.

KI-ZERBO, Joseph. História Geral da África. Vol. I. São Paulo: Ática/UNESCO, 1988.

KOGURUMA, Paulo. Conflitos do Imaginário. São Paulo; Annablume, 2001.

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Paulo: Pallas, 2004.

MOKHTAR, Gamal. História Geral da África. Vol. II. São Paulo: Ática/UNESCO,
1988.

QUESNEL, Alain. O Egito. Mitos e Lendas. São Paulo: Editor Ática, 1997.

SIQUEIRA, Sônia. Sincretismo da crença no Brasil do Século XVI. In Revista de


História, n°176. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1976.
43

VIOTTI DA COSTA, Emília. Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue. São Paulo: cia
das Letras, 1998.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

CAPONE, Stefania. A busca da África no Candomblé. Rio de Janeiro: Livraria contra


Capa/ Pallas, 2004.

KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Lisboa: Publicações Europa-América,


1972.

KOGURUMA, Paulo. Conflitos do Imaginário. São Paulo; Annablume, 2001.

MINTZ, Sidney e PRICE, Richard. O nascimento da cultura afroamericana. São


Paulo: Pallas, 2004.

MOKHTAR, Gamal. História Geral da África. Vol. II. São Paulo: Ática/UNESCO,
1988.

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