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Universidade Estadual de Santa Cruz

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Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação

ISSN 2237-6984

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Eduardo Lopes Piris
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Revisores
Denise Gonzaga dos Santos Brito • Mirélia Ramos Bastos Marcelino • Moisés Olímpio Ferreira •
Roberto Santos de Carvalho

Capa e logotipo
Laurenci Barros Esteves

Diagramação
Eduardo Lopes Piris
Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação

COMO CONVENCER?
DA COMUNICAÇÃO ARGUMENTATIVA À MANIPULAÇÃO
Philippe Bretoni

Resumo: Desde que Claude Shannon inventou a teoria da informação e Norbert


Wiener criou a cibernética como a “ciência da comunicação”, a comunicação é
definida como uma instância de transmissão social de informação. A extensão desse
conceito a todo o campo de relações entre os humanos forçou a criação de distinções
entre diferentes tipos de comunicação. Aqui distinguimos três tipos que dependem do
que se deseja: persuadir, informar ou compartilhar experiências subjetivas. O
convencimento pode ser feito de diferentes formas. Algumas incluem o uso de
alguma forma de violência, o que inclui a violência psicológica. Nesse caso, nós
falamos de “manipulação”. No que concerne ao restante, convence-se especialmente
pelo uso da “arte de argumentar”. O ato de convencer é dividido em dois por uma
linha ética: de um lado, há a violência, do outro, há a gentileza, o respeito e a simetria
dos pontos de vista.

Palavras-chave: Comunicação. Tipos de Comunicação. Argumentação.

Abstract: Since Claude Shannon invented information theory and Norbert Wiener
created the cybernetics as "communication science", communication is defined as an
instance of social transmission of information. The extension of this concept to the
whole field of relationships between human beings forced to make distinctions
between different types of communication. Here we distinguish three types,
depending on whether you want to persuade, inform or share subjective experiences.
Convincing can be done in different ways. Some include the use of some form of
violence, including psychological violence. In this case we speak of "manipulation".
For the rest, it convinces especially by using the "art of arguing." The act of
convincing is divided in two by a ethics line: one side is violence, the other side is
gentleness, respect and symmetry of points of view.

Keywords: Communication. Types of Communication. Argumentation.

i
Docente da Universidade de Estrasburgo, França. E-mail: breton@unistra.fr.

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BRETON, Philippe. Como convencer? Da comunicação argumentativa à manipulação. Tradução de Flávia Sílvia
Machado e Moisés Olímpio Ferreira. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação,
Ilhéus, n.3, p. 117-132, nov. 2012.
sobre a legalização das drogas, constituem
Introdução uma atividade argumentativa que atravessa as
sociedades democráticas modernas. Esses
debates possuem seus lugares de predileção: as
Historicamente, desde que Calude Shannon discussões entre amigos ou familiares, a
desenvolveu sua teoria da informação e que cafeteria, as páginas especializadas que lhes
Norbert Wiener criou a cibernética como são dedicadas nos jornais (como “debates” e as
ciência da comunicação, a comunicação é cartas de leitores, por exemplo), bem como
definida como uma instância social de nos pequenos e grandes programas de
transmissão da informação. A extensão dessa televisão em que são tratadas as questões da
noção ao conjunto do campo das relações sociedade.
humanas obriga-nos a fazer distinções entre
diferentes gêneros de comunicação. O mundo judiciário está organizado em
Destacamos aqui três gêneros: convencer, torno da possibilidade de todos os seus atores
expressar ou informar. tomarem a palavra para argumentar seu ponto
de vista. A publicidade comercial e
A comunicação argumentativa, que permite institucional é, em princípio, uma atividade de
convencer, distingue-se de outras atividades de argumentação, mesmo que ela não esteja
comunicação. Querer convencer é bem isenta de manipulação. O mundo político, em
diferente do desejo de expressar ou da democracia, exerce sua atividade em torno de
intenção de informar. Onde a expressão é argumentos que visam a convencer. A vida
comunicação de um estado subjetivo, vivido e profissional da atualidade, que agrega tanta
sentido, e onde a informação é a pesquisa de importância à troca verbal, à “reunião” como
uma comunicação, a mais objetiva possível, uma ferramenta de trabalho e à necessidade de
dos fatos, convencer supõe uma opinião da convencer em vez de comandar, está
qual nos ocupamos para defender, para levá-la parcialmente organizada em torno da
ao auditório, com o objetivo de compartilhá-la. argumentação.
O convencer pode ocorrer de diferentes
maneiras. Algumas não excluem o uso de uma Argumentar: uma situação de comunicação
certa forma de violência, inclusive a específica
psicológica. Nesse caso, falaremos de
manipulação. No restante dos casos, Definiremos argumentação, seguindo
convence-se, sobretudo, pela utilização da arte Chaïm Perelman, filósofo e jurista belga que
de argumentar. A atividade que consiste em está na origem do renascimento da retórica,
convencer é dividida em duas por uma linha como um conjunto de técnicas discursivas que
ética: de um lado, a violência, do outro, a permitem provocar ou aumentar a adesão dos
gentileza, o respeito e a simetria de pontos de espíritos às teses que se apresentam ao seu
vista (BRETON, 2008). assentimento (PERELMAN e OLBRECHTS-
TYTECA, 1958, p. 5). Argumentar é uma das
Os campos de aplicação da argumentação prescrições mais frequentes que encontramos
são imensos, tanto na vida privada quanto na na vida cotidiana, seja no domínio privado ou
vida pública ou profissional. A maior parte dos profissional, seja no espaço público. As
grandes debates da sociedade vale-se, numerosas situações de comunicação
recorrentemente, desses campos. Dos debates possuem, com efeito, por objetivo, propor a
cujo ardor se viu provisoriamente diminuído, uma pessoa, a um auditório ou a um público,
como aquele sobre o aborto, aos debates que adote tal comportamento ou que
“aquecidos”, como aquele sobre a eutanásia ou compartilhe de tal opinião.

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BRETON, Philippe. Como convencer? Da comunicação argumentativa à manipulação. Tradução de Flávia Sílvia
Machado e Moisés Olímpio Ferreira. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação,
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De maneira geral, argumentar apresenta-se comunicação, ao lado da expressão e da
como uma das melhores alternativas ao uso da informação.
violência física ou à manipulação psicológica.
Argumentar não consiste simplesmente em
Pode-se, com efeito, obter de um outro um ato,
fornecer um ou vários argumentos em apoio a
em geral, indesejável, ao utilizar-se da força
uma opinião. Tais argumentos devem ser
ou de técnicas sutis de intervenção sobre a
concebidos em função dos auditórios aos quais
relação, ou de maquilagem da mensagem.
eles se dirigem. Argumentar é, primeiramente,
Renunciar o uso da violência, seja ela qual for,
comunicar: nós estamos, então, em uma
representa um passo em direção à humanidade,
situação de comunicação que implica, como
a um vínculo social compartilhado e não toda situação desse tipo, parceiros e uma
imposto.
mensagem, uma dinâmica própria (BRETON,
A maioria das técnicas da argumentação 2006).
foram descritas no âmbito da retórica antiga,
Sem dúvida, alguém que insistisse em
concebida como a arte de convencer. A teoria convencer “no vazio”, em “pregar no deserto”
de Aristóteles (Retórica) descreve não ou, ainda, que se dirigisse ao que certos
somente essas técnicas, mas também a relação filósofos chamaram de auditório universal, ou
que o orador deve ter com seu auditório, assim seja, a ninguém em particular, arriscar-se-ia a
como os princípios éticos a serem
se encontrar em certas dificuldades. A
implementados nesse momento. As técnicas
argumentatividade de seus enunciados seria
modernas da argumentação, que constituem
muito fraca. Nesse sentido, uma argumentação
doravante um fundo comum de nossa cultura,
nunca é universal, ao contrário da
inspiram-se na retórica antiga.
demonstração de um teorema matemático.
A argumentação nasceu no coração da
democracia grega, como ferramenta de uma A preparação da argumentação
nova relação social mais justa e pacificada.
Argumentar, ou seja, implementar um A preparação de um argumento refere-se,
princípio simétrico do discurso, é criar o neste caso, à antecipação de uma situação
cotidiano da democracia concreta. Argumentar comunicativa em que todos aqueles
é um primeiro passo indispensável à conduzidos a tomar a palavra para convencer
negociação, uma situação, ao mesmo tempo, são confrontados. Já na retórica antiga
original e frequente, em que se deve conjugar encontramos os protocolos de preparação, que
harmoniosamente a força da argumentação, a se distinguem, cada vez, entre as várias etapas,
escuta do outro e a capacidade de renunciar por questões que devem encontrar uma
parcialmente a seus interesses para atingir um resposta: a invenção (Que auditório? Sobre
objetivo comum. Trata-se, como afirma o quais acordos prévios se apoiar? Que ângulo
filósofo belga Michel Meyer (1993), da utilizar? Que argumentos utilizar para
negociação de uma distância entre os homens. defender uma opinião?); a disposição (Que
plano? Qual a melhor ordem para os
Argumentar é, enfim, uma fonte de argumentos?); a elocução (Como colocar em
desenvolvimento e de bem-estar pessoal que texto, em fala, ou em imagem, as diferentes
implica um desenvolvimento da memória, uma partes do discurso?); a memorização (Como
expansão mental, uma atenção aos outros. Sua mobilizar sua memória? Que suportes
prática permite a cada um reforçar sua utilizar?; e, finalmente, a ação (Como
presença no mundo. Nesse sentido, trata-se de antecipar a situação concreta na qual a
uma figura central de atividade de argumentação tomará lugar?).

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Notar-se-á que, cronologicamente, a se servir dessas ligações (…) o orador não
primeira tarefa daquele que se coloca na pode escolher como ponto de partida de seu
raciocínio senão as teses reconhecidas por
posição de convencer consiste em se indagar aqueles aos quais ele se dirige.
sobre o auditório, antes mesmo de conceber,
de inventar um argumento. O marketing A noção de acordo prévio deve ser
moderno, quer seja no campo da política ou no compreendida como ponto de partida da
da publicidade, no fundo, não faz mais do que argumentação. A partir disso, o problema será
aplicar esse princípio. Argumentar, longe de construir, etapa por etapa, transferindo o
ser uma demonstração em referência à lógica, acordo inicial de uma etapa a outra, um
é uma situação de comunicação que implica caminho que levará o auditório até a opinião
um questionamento sobre as modalidades de que se lhe propõe. Dessa forma, nas alegações
recepção das mensagens enviadas, e, portanto, judiciais, o advogado pode recorrer à infância
um conhecimento profundo do público ao qual do acusado. Todos concordam com o fato de
se dirige, bem como de suas expectativas. que as situações vividas na infância podem
Aristóteles consagra, em sua Retórica, uma influenciar comportamentos futuros. Insistindo
parte importante destinada a descrever os concretamente nesse aspecto, no caso
auditórios. particular de um acusado que teria sido, por
exemplo, maltratado psicologicamente e
A busca de um acordo prévio molestado fisicamente, o defensor pode vir a
valorizar um elemento que explica ou atenua a
Dessa observação decorre a importância da
violência do próprio acusado.
noção de acordo prévio. Toda argumentação
parte, inicialmente, de um conhecimento do Na política, permanecer no acordo prévio,
auditório, do contexto de recepção da opinião. sem introduzir elementos novos, é uma das
Chaïm Perelman enfatiza a necessidade de forças da demagogia, que consiste em fazer o
uma abordagem, de certa maneira concêntrica, público acreditar que pensamos como ele e
da questão do auditório, para obter, de início, que incorporamos seus valores. A
uma comunhão efetiva dos espíritos; em implementação do acordo prévio, como ponto
seguida, um bom conhecimento do auditório e, de partida da argumentação, implica, como
finalmente, uma adaptação do orador ao dissemos, um bom conhecimento dos públicos
auditório. O que o criador da Nova Retórica e das opiniões. O campo da comunicação
quer dizer é que não há argumentação possível política é muito familiar a essas ferramentas de
se os parceiros não aceitarem colocar-se numa sondagem e de medida que permitem construir
situação de convencer e, eventualmente, de se os argumentos.
deixar convencer: escutar alguém é mostrar-se
disposto a admitir eventualmente seu ponto de O exemplo da comunicação política
vista (PERELMAN e OLBRECHTS-
TYTECA, 1958, p. 22). Os primórdios do marketing político datam
da década de 1930 nos Estados Unidos. A
Chaïm Perelman descreve as modalidades partir dessa época, os profissionais de
técnicas de adaptação ao auditório, que comunicação têm progressivamente
constitui o coração da ação argumentativa em substituído partidos políticos em declínio
termos de busca para obter acordos em vários quanto à organização de campanhas eleitorais.
níveis: A profissão de aconselhamento em marketing
político tornou-se gradualmente independente
[...] esse acordo ora apoia-se nos conteúdos
das premissas explícitas, ora nas ligações
do mundo dos publicitários, daquele dos
particulares empregadas, ora na maneira de

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homens do marketing, em sentido geral, como As pesquisas de opinião foram difundidas
profissionais ligados às relações públicas. na década de 1960. O uso dessas sondagens
permite que os jornalistas se igualem aos
O período do pós-guerra é marcado pelo
representantes da política, em particular nos
surgimento de técnicas de comunicação e de
programas televisivos de cunho político.
grandes mídias no campo da política. Para
Alguns podem argumentar a partir de seu
muitos especialistas, a campanha da eleição
poder de representação ou de seu
presidencial americana de 1952 marcou o
conhecimento do “terreno” eleitoral, outros,
início de uma nova era em que a ideia política
por sua vez, encontram na pesquisa ou no
tornou-se uma mensagem midiática completa.
estudo político o substituto de um
O uso massivo das pesquisas eleitorais, da
conhecimento que eles não possuem.
publicidade política e das técnicas de
marketing modificaram o ritmo tomado pelo Devemos distinguir claramente a pesquisa
debate político. O exemplo mais significativo eleitoral – instrumento a serviço do marketing
dessa importante mudança das práticas político, tomado em duas restrições: na de ter
políticas, pelo menos nos Estados Unidos, é o um custo que deve permanecer limitado e na
fato de que as mídias fazem cada vez mais o de ser encomendada para servir a uma
papel de “filtro” na seleção dos candidatos por finalidade precisa – e a enquete, tal como os
própria formação política deles. Os políticos sociólogos, por exemplo, as conduzem. Esta
possuem, atualmente, uma dupla legitimidade: destaca a pesquisa fundamental, e seu objetivo
a que lhes é conferida pela eleição e a que é é produzir conhecimentos profundos. A
atribuída pelas mídias. pesquisa eleitoral, por sua vez, não se
interessa, por definição, senão pelas opiniões,
Os três domínios em que esses profissionais
e as suas enquetes procuram definir as
investem seus talentos são: os estudos – que
atitudes, os valores e as representações, que
não devem ser confundidos com pesquisas de
são menos facilmente apresentáveis em termos
caráter científico –, cujo objetivo é melhor
simples e que nem sempre permitem tirar
conhecer, em uma perspectiva operacional, o
conclusões operacionais sobre um real sempre
clima político e eleitoral; as atividades de
complexo. Segundo Lacroix, um número
conselho estratégico, para orientar de uma
crescente de pesquisas e enquetes tendem,
forma ou outra a argumentação dos
atualmente, a não ser senão artefatos que
candidatos; e, enfim, a realização de operações
criam, a partir do nada, aquilo que elas
diversas que visam à melhor utilização das
presumem medir.
mídias.
Apesar de seus limites intrínsecos, todas
O marketing político possui a sua
essas ferramentas participam da preparação da
disposição um certo número de instrumentos
argumentação, da busca dos acordos prévios e
que estão mais ou menos sob seu controle,
da utilização de estratégias argumentativas. O
como a publicidade política ou as pesquisas de
elemento central e concreto de toda
opinião. Eventualmente, pode-se conhecer os
argumentação é o argumento, figura de
sentimentos, as reações do público e o
discurso muito específica, que contém em si
momento em que o outro está suscetível a
todas as possibilidades de inversão de uma
receber mais diretamente uma mensagem
situação. O argumento é, ao mesmo tempo,
política. Tais recursos múltiplos concederam a
uma estrutura formal, que pede uma
ilusão de um esquema funcional onde o
taxionomia, e um conteúdo particular,
homem político pudesse se adaptar de forma
adaptado ao auditório a que é dirigido.
permanente e quase em tempo real à opinião
cujo apoio ele busca.

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BRETON, Philippe. Como convencer? Da comunicação argumentativa à manipulação. Tradução de Flávia Sílvia
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A aplicação de argumentos merecemos elogios, por nos termos mostrado
Há numerosas taxionomias de argumentos. mais justos do que implicava a nossa força,
Regruparemos aqui os argumentos em quatro (discurso pronunciado quinta-feira, 27 de
grandes famílias: os argumentos que se apoiam março de 2003, na conferência anual do
sobre uma autoridade; os que se baseiam em Instituto Internacional de Estudos Estratégicos,
pressuposições comuns a uma comunidade; os em Londres). Em uma perspectiva
que consistem em apresentar, em “enquadrar” completamente diferente, uma publicidade
o real de uma certa maneira; e, enfim, aqueles canadense usava, na televisão, esse argumento
que convocam uma analogia. Essa incontestável de autoridade aplicado a uma
classificação (autoridade, comunidade, pasta de dentes: X, a marca que os dentistas
enquadramento e analogia) engloba, de mais utilizam para si mesmos.
maneira simplificada, todos os tipos de François Fillon, enquanto primeiro-ministro
argumentos descritos na literatura da área francês, ao intervir no debate sobre a
sobre essa questão (BRETON, 2006). hierarquia das civilizações, utilizou um
argumento de enquadramento que ampliou seu
Quatro grandes famílias campo de interpretação, afirmando que
A família de argumentos de autoridade nós não aceitamos a segregação entre
abrange todos os processos que consistem em homens e mulheres. Nós não aceitamos que
mobilizar uma autoridade, positiva ou a religião predomine sobre os direitos
humanos e sobre as regras de
negativa, aceita pelo público, e que defende a funcionamento do Estado. Esta é uma luta
opinião que propomos ou criticamos. Já a que tem sido realizada desde o passado
família dos argumentos de comunidade apela a contra os excessos temporais da Igreja
crenças e valores compartilhados pelo Católica; e, atualmente, é sobretudo em
auditório, que já contêm, de alguma forma, a relação ao Islã que a questão surge, mas é
algo conjuntural. A mesma questão foi
opinião que é o objeto do empreendimento de colocada em relação a todas as religiões do
convicção. Os argumentos de enquadramento passado (Entrevista publicada no Le
consistem em apresentar o real de um certo Monde, 13 de fevereiro de 2012).
ponto de vista, ampliando, por exemplo,
alguns aspectos e limitando outros, a fim de Outro argumento de enquadramento, que
enfatizar a legitimidade de uma opinião. amplifica certos aspectos de uma descrição, é
Finalmente, a família dos argumentos de proposto pelo jornalista Philippe Boucher ao
analogia implementa figuras clássicas, como tratar da indústria do tabaco, apresentando-a
por exemplo, a analogia de quatro termos, ou a como a única indústria que não retira do
metáfora, dotando-lhes de uma gama mercado um produto até que seja notado que
argumentativa. Vários exemplos ilustram essa ele é defeituoso ou perigoso, (Philippe
tipologia. Boucher, citado por Laurence Folléa, Le
Monde, 16 de março de 1996).
Dominique de Villepin, ministro das
Relações Exteriores da França, no início da O enquadramento pode assumir a aparência
guerra contra o Iraque, não hesitou em de uma descrição quase objetiva, permanecendo
convocar, com um entusiasmo unanimente orientada para a tese a ser defendida:
reconhecido, a autoridade de um antigo
Todos podem ver que os espaços de
historiador grego, a fim de defender a recusa estacionamento reservados a pessoas com
da França em intervir no conflito: desde deficiência estão sempre vazios. A razão é
sempre, somente a moderação torna o poder simples: A deficiência deve ser de 80%
aceitável, como já afirmava Tucídides: Nós para que alguém tenha o direito a seu uso.

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Com 80% de deficiência, são poucos os mais velhos (Libération, 25 de janeiro de
que são capazes de dirigir. Então, eles estão 2001).
sempre vazios e são inúteis (Raymond
Collomp, que se apresenta como tendo 68% Nesse caso, os juízes permaneceram
de deficiência; Cartas do Leitor, Le Figaro, sentados...
16 de outubro de 2000).

A analogia é uma fonte poderosa para Um exemplo: a argumentação no mundo


convencer. Para criticar a classe política e se judiciário
distanciar dela, Gérard de Villiers, político Tradicionalmente, o mundo judiciário
francês da direita, declarou certa vez: Há reserva um grande lugar à atividade
somente políticos mantidos em cativeiro; eu argumentativa. Os promotores e advogados
sou um dos últimos mantidos em campo competem para tentar impor seu ponto de vista
aberto, (entrevista com o jornal Le Monde, 17 diante dos juízes. Alguns defendem a
de março de 2005). Esse tipo de argumentação sociedade, outros os seus clientes. A
permite igualmente as réplicas contundentes: substituição da vingança pela justiça projetou
Ao apresentar o plano [de demissão de um lugar muito importante para a lei, mas,
funcionários] nesta manhã, a administração sobretudo também, à palavra. Qualquer um
disse-nos que estávamos todos no mesmo que matou pode ver seu crime discutido de
barco. Eu simplesmente os lembrei que maneira contraditória e pode, portanto, ser
quando o Titanic afundou, apenas as declarado inocente (por exemplo, no caso de
primeiras classes saíram (Brigitte legítima defesa). A justiça não é automática a
Moutoussay, representante assalariado do partir do momento em que o discurso
sindicato do comércio parisiense, sobre o intervém. Não podemos confundir a
fechamento na França das lojas Marks & argumentação e a eloquência: o objetivo é
Spencer, Le Monde, 31 de março de 2001). fazer com que o júri concorde e não lidar com
A analogia pode ser condensada em os efeitos de ordem estética.
metáfora, como afirmou o professor Carlos Consideremos, por exemplo, como um
Vainer, da Universidade Federal do Rio de grande advogado francês, Robert Badinter,
Janeiro, ao relatar que, no âmbito da futuro Ministro da Justiça do Presidente
organização dos Jogos Olímpicos em 2016, o François Mitterand, confrontado com questões
conceito que hoje melhor define o Brasil é o dramáticas, tal como a da possibilidade de uma
de cidade-vitrine, lugar onde devemos sentença de morte para seu cliente (fato
esconder tudo o que não se encaixa em uma ocorrido na França, antes da abolição da pena
vitrine, como a pobreza e a miséria de morte), prepara e entrega sua
(BELDYK, 2012, p. 29). argumentação. Seu objetivo é fazer todo o
A argumentação pode se apoiar em crenças possível para que a vida do cliente seja
e valores já reconhecidos pelo público, tal poupada. O júri popular, no entanto, não está
como no episódio em que o ex-ministro particularmente predisposto:
francês Roland Dumas, conduzido perante o
Tribunal Penal, disse: [...] como nada era possível se eu não fosse
capaz de perfurar essa blindagem de frieza,
essa muralha de suspeitas, eu suspeitava de
É fácil criticar a vida privada! Mas vou
citar a Bíblia: que aquele que nunca pecou tudo que pudesse parecer proceder da
atire-me a primeira pedra. Eu acrescentaria habilidade ou da profissão do advogado. Eu
apenas queria ser, perante (os jurados), esse
esta frase: perante essas palavras, todos se
homem que fala aos demais para lhes dizer
levantaram e partiram, começando pelos
a sua verdade. Era um rosto nu que se lhes

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BRETON, Philippe. Como convencer? Da comunicação argumentativa à manipulação. Tradução de Flávia Sílvia
Machado e Moisés Olímpio Ferreira. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação,
Ilhéus, n.3, p. 117-132, nov. 2012.
voltava. Minha fala não emprestava mais As ferramentas da argumentação
nada à eloquência... Enquanto meus publicitária
colegas contestavam, eu me aplicava em
voltar para dentro de mim, tão O século XX assistiu, progressivamente, à
profundamente quanto possível... Diante instalação de um novo gênero de mensagens
desses juízes, eu estava em pé como um
penitente… E, enquanto eu não sentisse, nas
argumentativas destinadas não para defender
profundezas de mim mesmo, em plena uma opinião ou uma causa, mas para promover
certeza, que a barreira que nos separava um produto e incentivar a sua compra: a
havia cedido, que o gelo da desconfiança publicidade. Sua importância social é
havia desaparecido, eu procurava o olhar e a inquestionável. Por tratar-se de atividade de
audiência deles, para que eles se fixassem,
comunicação multifacetada e legitimamente
se agarrassem, se cravassem em mim.
Somente então, eu realmente começaria, partidária, ela mobiliza todos os recursos e,
verdadeiramente, minha argumentação além disso, a argumentação.
(BADINTER, 2000, p. 190-1).
O surgimento da publicidade moderna,
O mestre Robert Badinter nos explica, em diferente do antigo “reclame”, dá-se em
seguida, que tipo de argumento convincente meados da década de 1920. Esse fenômeno
ele emprega: acompanha uma mudança fundamental na
produção e no consumo de bens econômicos.
Procurava, então, a imagem mais marcante, A cultura da poupança, que até então regia o
sob a forma mais despojada, para expressar mundo ocidental, cede gradualmente o passo
a realidade do suplício. Guilhotinar não era rumo a uma cultura dos gastos. Stewart Ewen
mais do que tomar um homem e o cortar,
ainda vivo, em dois pedaços; assim tão
lembra que as noções de uso ou propriedades
simples e insustentável. Essa é a decisão mecânicas já não eram argumentos suficientes
que era pedida aos juízes e aos jurados. Eu para vender os produtos no ritmo imposto pela
decidi lançar-lhes isso em rosto... Era produção em série (EWEN, 1983, p. 48). Dada
preciso que esse horror lhes fosse a abundância de produtos concorrentes, muitas
imputado, que ele caísse sobre eles
diretamente. Tratava-se, com toda a
vezes dotados das mesmas características, a
intensidade possível, de os levar para diante informação já não é suficiente para estimular
da guilhotina, de lhes mostrar esse jovem as vendas. Com isso, a publicidade tornou-se o
diante deles, e de lhes dizer: cabe a vocês, estimulante principal do consumo.
agora, decidir se ele deve ser cortado em
dois pedaços no pátio da prisão. Foi ante tal Alguns sustentam que a publicidade apenas
escolha que era preciso colocá-los, sem manipula a opinião. Ela, de acordo com
lhes permitir qualquer deslocamento Stewart Ewen, visa a controlar as
(BADINTER, 2000, p. 84-5).
consciências que agora estão sob influência.
Outros a veem como um poder sem
A argumentação tinha sido bem preparada
consequência. A realidade está, sem dúvida,
em função do público, da situação, e os
em ambos os casos. É impossível definir a
argumentos tiveram resultado: o acusado não
mensagem publicitária sob o ângulo de uma
foi condenado à morte e, uma vez que a sua
única categoria que lhe confiaria uma
pena foi anulada, ele foi liberado e reintegrado
especificidade imutável. Neste sentido, “a”
à sociedade!
publicidade em si não existe e seu estudo
registra uma pluritipologia.
Do ponto de vista de uma análise técnica
rigorosa, deve-se notar que certos enunciados
publicitários são verdadeiras informações
sobre o produto. Estamos lidando nesse caso

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BRETON, Philippe. Como convencer? Da comunicação argumentativa à manipulação. Tradução de Flávia Sílvia
Machado e Moisés Olímpio Ferreira. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação,
Ilhéus, n.3, p. 117-132, nov. 2012.
com uma comunicação descritiva que visa a A inspiração da retórica antiga
informar objetivamente. Outros enunciados
A retórica publicitária inspira-se
são pura e simplesmente estéticos, a fim de amplamente na retórica antiga, mesmo quando
captar a atenção dos auditórios, constituindo
coloca os argumentos em imagem: uma
uma comunicação expressiva. Outros tentam analogia permanece uma analogia, mesmo
convencer usando métodos reconhecidos como
quando ela não se mostra em texto, mas sim
manipuladores. Esse é o caso da utilização de
em filme. Todos os manuais que descrevem a
técnicas de Pavlov, que associa, por exemplo, criação publicitária e que a ensinam,
uma imagem erótica a um produto, com o
reproduzem, às vezes sem saber, as normas de
objetivo de torná-lo “agradável” ao público produção do discurso argumentativo da
pela contaminação mútua dos dois temas.
retórica antiga. Bernard Brochand e Jacques
Outros enunciados, finalmente, oferecem boas Lendrevie, por exemplo, definem a
razões para se comprar um produto. Neste publicidade como
último caso, deparamo-nos, claramente, com
uma comunicação argumentativa. uma comunicação partidária... que se
distingue da informação, ora no que tange
Devemos distinguir, ainda, os efeitos da ao conteúdo, ora à forma. Em relação ao
publicidade em diferentes auditórios. Um conteúdo, a publicidade é mais próxima do
enunciado manipulador fará uma parte do procedimento do advogado que do
público rir, desfazendo os seus efeitos, mas jornalista. Ela não visa à objetividade... ela
forçará ao consumo aqueles que não avaliaram procura influenciar as atitudes e
comportamentos, e não apenas a transmitir
a tempo o procedimento utilizado (é assim que fatos. As informações que a publicidade
vemos solteiros comprarem carros do tipo veicula são meios ou argumentos. As
breaks1, ou pais de famílias numerosas mensagens são breves, densas e seletivas. A
adquirirem coupés2 esportivos). A publicidade procura primeiramente ser
manipulação publicitária também sabe utilizar atraente e sedutora, misturando, em doses
variáveis, o racional e o afetivo
as competências psicológicas do desejo e da (BROCHAND e LENDREVIE, 1983, p. 2).
necessidade irracional.
Evitaremos ter, quanto a esse ponto de Essa definição de comunicação partidária
vista, uma visão pessimista demais, mas corresponde absolutamente à definição
também aquela que é excessivamente otimista tradicional da retórica, definida por Aristóteles
da situação. Vale ressaltar que, tecnicamente, como a arte de encontrar aquilo que um dado
nada há, em termos da comunicação, que caso possui de convincente.
impeça a publicidade de ser, ao mesmo tempo,
agradável, informativa e argumentativa. O fato Uma arte do convencer criativo
de a situação ser muitas vezes diferente não
O publicitário situa-se numa posição-chave
está relacionado às coerções próprias das
no processo de fabricação, produção,
técnicas de comunicação, mas sim à escolha
distribuição e venda de bens de consumo. À
dos atores concernidos.
apresentação do objeto em sua realidade
comum, o publicitário adicionará o argumento
que o tornará desejável. Redescobrindo os
1
A expressão breaks refere-se a veículos cuja métodos da retórica, o publicitário encontra a
carrosseria parece a de uma minivan, fechada com característica essencial dessa disciplina: ela é,
vidros atrás.- NT. ao mesmo tempo, técnica e arte. Toda reflexão
2
A expressão coupés refere-se a veículos esportivos ou sobre a criatividade retórica ensina a
de passeio, com duas portas, que possuem, geralmente,
humildade. Em última análise, cada um luta
dois (ou quatro) lugares. – NT.

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BRETON, Philippe. Como convencer? Da comunicação argumentativa à manipulação. Tradução de Flávia Sílvia
Machado e Moisés Olímpio Ferreira. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação,
Ilhéus, n.3, p. 117-132, nov. 2012.
para construir modelos verdadeiros que da palavra para convencer é acompanhada do
explicariam a eficácia de um determinado necessário respeito às regras, das quais a
anúncio. principal, sem dúvida, é a renúncia à defesa
fora de causa.
A formação da ideia corresponde à elocutio.
O papel da memória é essencial, já que se Trata-se, neste caso, de se manter afastado
trata, tanto na publicidade quanto na retórica, dos processos que apelam, por exemplo, a uma
de estabelecer uma ligação entre o imaginário emoção que não teria nada a ver com a causa
do emissor e o imaginário do receptor, e de defendida (Vocês podem condenar uma
fazer reter para fazer agir em um ambiente mulher tão bonita?, diz uma velha história
saturado de mensagens, frequentemente para grega para ilustrar a tentativa de sedução do
produtos que em nada são diferenciados, com júri que se confrontava, entretanto, com um
exceção da publicidade que os destacam. crime hediondo). Aristóteles lembra-nos, em
sua Retórica, que em várias cidades, a lei
Todos os autores destacam a importância
proíbe... falar fora da causa; nas deliberações,
das técnicas de marketing. Conhecer bem o ou
os auditórios aos quais nos endereçamos é os auditores irão vigiar o suficiente a si
mesmos (Retórica, I, 1355a)3, porque não se
essencial. No entanto, isso seria compreender
deve perverter o juiz, levando-o à cólera,
mal o trabalho criativo dos publicitários, como
raiva ou ódio, o que distorceria a regra da
o de todos aqueles que são responsáveis pela
qual devemos nos servir (Retórica, I, 1354a)4.
criação de argumentos, como o de acreditar
Entretanto, atualmente, muitas publicidades
que se trata de uma simples declinação desse
argumentam essencialmente fora da causa
conhecimento. Além disso, os estudos de
(como no exemplo do modelo pavloviano da
imagens, das atitudes, ou as investigações
associação de um produto a um estímulo
sobre estilos sociais, sempre concernem às
erótico, artifício antigo ainda válido),
categorias de públicos e não ao consumidor
ignorando assim qualquer preocupação ética
enquanto pessoa; a experiência mostra que o
nessa área.
apoio de um acordo prévio não vale senão se o
argumento exceder esse acordo e oferecer algo Pode-se sustentar que o público toma tudo
novo. Argumentar é oferecer ao auditório boas isso num outro nível de interpretação; no
razões para adotar uma opinião ou um produto entanto, não é menos verdadeiro que há uma
comercial e essas boas razões devem relação dessa credibilidade artificialmente
comportar uma verdadeira parte de novidade. construída e fora da causa com o argumento
Essa é a contribuição específica do (como no exemplo: Vocês estarão em boa
publicitário, desse profissional da forma).
argumentação comercial. Tudo isso é muito diferente do que parece
ser um verdadeiro argumento, pelo menos
Um esquecimento da ética? daquele que é eticamente aceitável, que
A lembrança da redescoberta das defende no interior da causa como, por
possibilidades oferecidas pela retórica antiga 3
“... a lei proíbe em muitos sítios falar do que é alheio
não seria completa se não disséssemos também ao assunto, ao passo que, nas assembléias deliberativas,
que uma parte considerável da reflexão são os próprios ouvintes que cuidam de o evitar”
retórica está, no entanto, ausente. Tudo o que (Retórica, Tradução Alexandre Júnior et al., 2006) –
se relaciona com a questão ética é, por vezes, NT.
4
suprimido em um meio frequentemente muito “...pois está errado perverter o juiz incitando-o à ira, ao
ódio ou à compaixão. Tal procedimento equivaleria a
pressionado pela demanda da eficácia
falsear a regra que se pretende utilizar” (Retórica,
imediata. Assim, para Aristóteles, a colocação Tradução de Alexandre Júnior et al., 2006) – NT.

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BRETON, Philippe. Como convencer? Da comunicação argumentativa à manipulação. Tradução de Flávia Sílvia
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exemplo, a campanha clássica que a empresa orador/auditório são numerosas, bem
de aluguel de automóveis Avis lançou há conhecidas, de uso difundido e nem todas
algum tempo: Quando você está em segundo ornamentadas com negras vestimentas da
lugar, você se esforça para fazer mais. De manipulação das consciências. As estratégias
fato, isso é frequentemente verossímil. de sedução, por exemplo, tão frequentes na
comunicação política ou na publicidade,
Argumentação e manipulação podem ser argumentos periféricos em apoio
ilustrativo a um outro argumento, mas também
Como vimos pelo exemplo da publicidade, podem deixar o quadro argumentativo se o
argumentar é também saber restringir em apelo aos sentimentos toma o lugar do
nome de uma ética: às vezes, é mais fácil argumento principal, constituindo o único
convencer o interlocutor, pelo menos a curto meio de transporte da opinião.
prazo, usando apenas figuras de estilo ou
raciocínios truncados; torna-se também mais
fácil, para aqueles que têm habilidade, A sedução
manipular psicologicamente a relação com o A sedução em si não é condenável e seu uso
objetivo de convencer. Mas argumentar é no registro dos sentimentos é, muitas vezes,
também ser alguém que se recusa a empregar portador de uma dinâmica propícia ao
qualquer meio a serviço de um único valor: a estabelecimento de relações. Empregada,
eficiência a todo custo. porém, fora do seu campo original, a sedução
torna-se uma arma num momento em que a
Não só diversas regras éticas enquadram a
argumentação poderia ser o lugar das relações
argumentação, a fim de protegê-la de qualquer
pacificadas.
deriva: a coerção de não defender fora da
causa, como acabamos de ver, mas também a O uso da sedução ou, de uma maneira mais
necessária coerência entre opinião e geral, o do recurso à emoção, muitas vezes
argumento que o orador utiliza para defendê- leva ao que se denomina amálgama, no que há
la, e a manutenção da liberdade de recepção do uma antiga questão com a qual a retórica se
auditório (BRETON, 1997 e 2006). confronta há muito tempo, ou mesmo desde a
sua origem. Testemunha a antiga história
Utilizar um argumento muito distante da
grega que o defensor de uma linda mulher,
opinião que se defende é o principal recurso da
cruel assassina de seu marido, por falta de
demagogia, que visa, para garantir a
argumento para convencer os juízes, retirou o
popularidade de uma política, a creditar-lhe
vestido da acusada para apresentá-la em toda a
virtudes, eventualmente contraditórias entre si,
sua nudez. Sua pergunta: como vocês podem
que satisfazem a diferentes auditórios, que são
condenar uma mulher tão linda? O júri
tomados, assim, uns e outros, para serem
respondeu que não, nós não podemos. É
agradados. A argumentação pressupõe uma
preciso dizer que a Beleza tinha virtudes
diferença entre a opinião do orador e a do
antigas que talvez ela não tenha mais, exceto
público e, por isso, contitui-se profundamente
no recurso exclusivo dos incontáveis
como um ato de comunicação.
comerciais contemporâneos, que mostram uma
Às vezes, é mais eficaz intervir na relação mulher bonita ao lado de um carro, de uma
entre orador/auditório para fazer “passar” o máquina de lavar, ou de qualquer outro objeto,
argumento do que deixar percorrer o caminho esperando uma contaminação de um sobre
mais longo e difícil: outro no registro do desejável, uma versão
opinião/orador/argumento/auditório. As modernizada dessa mesma história antiga.
possibilidades de intervenção direta na relação

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Podemos rir do júri grego em nome da ideia que comparava os contratos de assistência de
que fazemos da Justiça, mas deveríamos sorrir retorno ao trabalho, ação do governo há muito
menos diante do pensamento de que esquecida, ao STO (Serviço de trabalho
compramos produtos em grande quantidade forçado sob a ocupação nazista); ou, ainda,
sob o pretexto de que se está amalgamado a desse sindicalista camponês, que compara os
eles, sem se dar conta das operações eróticas. locais de criadouros em larga escala aos de
Stalags (campos de prisioneiros militares,
O amálgama é, além disso, uma das
abertos pelos nazistas durante a Segunda
instâncias da proposta xenófoba de extrema
Guerra Mundial)...
direita, que associa, ao título de problemas
majoritários, a nossa sociedade, que enfrenta a
AIDS, a insegurança, os estrangeiros, o A propaganda
desemprego. Encontramos, atualmente, A propaganda, nas formas altamente
frequentes amálgamas tentando relacionar uma sofisticadas que o século XX lhe conferiu,
causa, que se deseja criticar, ao nazismo, assim continua a ser o modelo de referência de
promovido bem além de seus limites manipulação da relação orador/auditório com
históricos, como um monstro, ou mesmo como o objetivo de fazê-lo aceitar, quer queira ou
uma figura generalizada do Mal. Esse é o caso, não, certas opiniões. A propaganda reside
por exemplo, do deputado do Texas, principalmente na manipulação psicológica do
aparentemente muito hostil ao federalismo e auditório, em parceria, frequentemente, com os
defensor dos interesses industriais de seu meios de coerção física, a fim de condicioná-lo
distrito, que trata a agência de proteção ao recebimento de uma certa opinião.
ambiental como a gestapo do governo.
Esquece-se, por exemplo, que a ação
O uso desse tipo de figura tornou-se comum formidável dos propagandistas do regime
e colonizou o debate político francês, levando nazista, liderada pelo sinistro Goebbels, teve
as associações de luta contra a expulsão de seu efeito sobre o povo alemão não somente
estrangeiros irregulares no país a comparar o pelos discursos e pelas cenas “estéticas” de
retorno destes à fronteira como a própria multidões bem ordenadas, mas também porque
deportação dos judeus, ou mesmo levando um a Gestapo e as outras polícias políticas
membro da esquerda, Serge Latchimy, durante ameaçavam de aprisionamento, ou de algo pior
a sessão da Assembleia Nacional Francesa, de do que isso, qualquer eventual adversário. O
7 de fevereiro de 2012, a dirigir-se ao Ministro condicionamento das multidões passa também
do Interior da época em termos associados aos pela repressão dos auditórios.
nazistas: Vós, Sr. Guéant, vós privilegiais a
sombra, vós nos reconduzis todos os dias às A propaganda nasceu, paradoxalmente, da
ideologias europeias que deram origem aos democracia. Para que a propaganda exista, é
campos de concentração. essencial que haja confronto de ideias e que a
opinião das pessoas seja levada em conta. Em
Pode-se reprovar a política de migração de um contexto em que a coerção pura é
um governo, ou as posições de um ministro suficiente, a propaganda não faz sentido. No
sobre as diferenças entre civilizações, sem que entanto, o objetivo da propaganda é eliminar a
para isso seja necessário utilizar tais processos possibilidade de escolha, base constitutiva da
manipuladores no plano da comunicação democracia. Dá-se a ilusão de um acordo entre
política, que são insultantes às vítimas do o propagandista e a sua vítima. A existência da
nazismo, que, assim, veem a sua situação propaganda moderna está relacionada a uma
banalizada. O que dizer, então, do dirigente dupla tomada de consciência: por um lado, a
sindicalista do trabalho francês, Marc Blondel, da eficácia real da aplicação de técnicas de

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influência sobre a massa e, por outro, a da A informação de campo foi amplamente
importância da psicologia no domínio da controlada pelas autoridades militares que se
política. Essa tomada de consciência serviram da mídia para construir, in abstracto,
generalizada se formou durante a Guerra de para a opinião pública, uma certa imagem da
1914-18 e a Revolução de Outubro, na Rússia. guerra. O objetivo desse reenquadramento em
grande escala foi o de se fazer crer na ideia de
A propaganda é, portanto, a forma de
uma guerra "limpa", moderna e "cirúrgica",
apresentar e de divulgar uma informação
em que o uso massivo de novas tecnologias
política de tal maneira que o seu receptor
permitiu evitar vítimas.
fique, ao mesmo tempo, de acordo com ela e
incapaz de fazer uma outra escolha. Como A guerra contra o Afeganistão em 2001, na
lembra Hitler em Mein Kampf, quando uma medida em que foi anunciada como um
nova concepção de mundo é ensinada a todas conflito em que, de acordo com o presidente
as pessoas, ainda que imposta em caso de norte-americano, quem não é por nós é contra
necessidade, ela anda de mãos dadas com uma nós, conduziu, segundo a jornalista Florence
organização social que inclui o mínimo de Amalou, àquilo que a propaganda atinge de
homens absolutamente indispensáveis para mais violento na mídia dos EUA (Le Monde, 3
ocupar o centro nervoso do Estado. A de outubro de 2001), mesmo que algumas
propaganda é incompatível, de fato, com o agências de notícias tenham dado um exemplo
partilhamento e com o controle do conjunto do de integridade durante a ocasião. Assim, a
debate político por cada cidadão. agência de notícias britânica Reuters, menos
de duas semanas após os ataques de 11 de
Hoje, seria um equívoco reduzir a
setembro de 2001 aos Estados Unidos e em um
propaganda aos totalitarismos que fazem dela
contexto delicado a partir desse ponto de vista,
uma política de Estado. Toda sociedade
passou a não mais utilizar termos emotivos
democrática pode acomodar dentro de si, em
como terroristas. Não qualificamos os sujeitos
algumas ocasiões e em relação a certos
– disse a agência Reuters –, mas descrevemos
assuntos, uma verdadeira atividade
as ações, nós as identificamos e as colocamos
propagandística, que excede, em muito, a
em seu contexto. Não saberíamos expressar
informação e a argumentação orientada. O
melhor o fato de que em algumas situações,
exemplo do status da informação nos países
devemos renunciar à argumentação e à
ocidentais durante a guerra do Golfo, ou
manipulação para tentar promover, pura e
daquela contra o Afeganistão, está aí para nos
simplesmente, a informação.
lembrar que uma certa dose de propaganda
pode envenenar a democracia sem deixá-la
morrer. Ainda podemos falar de manipulação?
O tratamento da informação durante esses Para alguns, o termo manipulação não seria
períodos é, de fato, um estudo de caso em que mais pertinente. A palavra não cobriria
se vê reunidos, em ambos os lados, os qualquer realidade e seu uso revelaria uma
ingredientes da propaganda e da censura, sem mera ideologia. Em suma, o termo
mencionar, claro, os da desinformação. manipulação não serviria senão para
Quando a cobertura da guerra do Vietnã pelas manipular, o que em si é, evidentemente, um
mídias americanas e internacionais mostrou os paradoxo. Se olharmos de perto, há pelo
avanços possíveis no que tange à informação menos cinco razões, que não são homogêneas,
sobre as situações de guerra, a Guerra do geralmente empregadas para renegar ao termo
Golfo mostrou que significativos retrocessos manipulação todo seu potencial descritivo.
ainda eram possíveis.

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A primeira razão é que esse termo serviria Desde seu nascimento, a Retórica esteve sob a
para denunciar as opiniões e não os processos. suspeita, como arte de convencer, de ser pura
Toda ideia com a qual eu não concordo não se manipulação. Nas relações humanas, tudo
apoiaria sobre raciocínios inválidos, mas sim seria artificial, manipulável e, in fine, que a
sobre opiniões consideradas manipuladoras. única regra da palavra seria a relação de força.
No debate político, essa tendência existe na Essa objeção é a mais frágil, uma vez que, de
esquerda: crer que as ideias da direita são fato, ela não se opõe à existência da
falsas e manipuladoras por natureza, já que são manipulação, muito pelo contrário.
da direita. O mesmo ocorre com a direita A manipulação consiste em estabelecer uma
quanto às ideias da esquerda, cujo sucesso não relação de força, mas a característica desse
pode depender da propaganda. A extrema empreendimento é esconder que ele o faz. Os
direita utiliza o termo manipulação para técnicos da manipulação são bem cientes de
designar quase todas as ideias que não são que devem velar ao público os procedimentos
suas. Assim, o emprego do termo seria um empregados, sob a pena de perder a eficácia
trabalho puramente ideológico e, portanto, esperada. Alguns têm medo de aceitar a
questionável. existência da manipulação por medo, talvez
Essa objeção é válida. Servir-se do termo inconsciente, de descobrir que ela está em toda
manipulação para designar conteúdos, parte e que os cínicos estão certos. A realidade
opiniões com as quais não se concorda, não é é mais modesta.
aceitável. Esse uso somente é possível, porque Fenômeno ética e moralmente detestável,
se supõe a existência de uma verdade e de uma embora muito presente no universo cotidiano,
falsidade no campo da política e, de um modo a manipulação ocupa um território mais
geral, no campo das opiniões. modesto do que imaginamos. Nós não
A grande lição da retórica, especialmente a vivemos em um universo de manipulação
partir de Aristóteles, é permitir a disjunção generalizada.
entre a verdade e a opinião – disjunção Embora em algumas situações
inclusive fonte de muitos contrassensos em um estrategicamente importantes a utilização de
universo cultural como o nosso, dominado tais procedimentos tendam a aumentar como,
pelo imaginário cartesiano de que aquilo que por exemplo, durante conflitos e guerras ou
se discute é necessariamente falso. Para provar ainda, o que não é comparável, durante o
que a ideia de manipulação não é pertinente, período das campanhas eleitorais. Toda
temos de provar que podemos dizer a verdade descrição objetiva da manipulação não pode
em política. Sem essa prova, estamos e senão constatar as suas limitações no espaço
permanecemos no âmbito da opinião, da público.
probabilidade, de sua fragilidade constitutiva
e, portanto, da possibilidade de sua trucagem,
que denominamos, precisamente, Homens livres?
manipulação. A terceira razão é que nós, agora, seríamos
uma sociedade livre, em que cada um tem a
Um mundo cínico? escolha, graças à possibilidade de deserção, no
sentido empregado pelo cientista político
A segunda razão diz respeito ao fato de que
americano Albert Hirschman (1995). O
a manipulação não constituiria um conceito
homem teria se tornado, na sociedade
pertinente, simplesmente porque tudo seria
moderna, democrática e liberal, um ser
manipulação. Todo processo, todo artifício, no
racional, pouco influenciável, sobre o qual a
domínio da palavra, revelaria a manipulação.

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manipulação não mais se sustentaria. Nesse epistemológica. Mas, salvo se considerarmos
caso, a manipulação é um conceito que os psicossociólogos são todos
ultrapassado, anterior à queda do muro de incompetentes ou mentirosos, devemos
Berlim. Nessa perspectiva, as teorias de reconhecer a realidade dos fenômenos de
influência, ditas “seringa hipodérmica", nunca influência e de manipulação no campo do
foram ou não são mais apropriadas; trata-se de convencimento. Muitas experiências têm
um verdadeiro modelo teórico ultrapassado. A apontado esse caminho, e esta constatação é
manipulação era um conceito-chave das bem-vinda: o esquema era mais complexo do
teorias de influência. As teorias da recepção, que jamais se imaginou.
muito populares nas Ciências da Dessa reflexão sobre a liberdade, podemos
Comunicação, teriam posto em ordem o extrair precisamente um elemento definidor de
dispositivo comunicacional que, até então, não manipulação: há manipulação quando a
funcionava bem: é o auditório, o público, in liberdade do auditório para escolher a opinião
fine, o indivíduo livre que constitui, à la carte, que nós lhe propomos não está mais garantida.
a sua própria ideia, suas próprias A nossa liberdade é o primeiro alvo dos
representações. manipuladores. Precisamente sabendo que o
Essa objeção supõe, portanto, que somos ideal dos homens é o de serem livres, as
homens livres, em uma sociedade livre, pouco técnicas de manipulação se concentram em
influenciáveis ou ainda - o que é um oxímoro todos os procedimentos que limitam essa
frequentemente encontrado -, "voluntariamente liberdade, dando-nos a ilusão de possuí-la.
influenciáveis". Haveria, certamente, Alguns sustentam que somos manipulados
manipuladores e empresas de manipulação, apenas quando "quisermos ser". Aqui, mais
mas elas afundariam permanentemente na uma vez, a menos que se considere que o
impotência. Nós as olharíamos com um sorriso masoquismo se generalizou como valor, o
irônico, opondo-lhes um segundo nível de oxímoro está próximo, mesmo se for verdade
interpretação salutar. que haja "terrenos favoráveis" e posturas do
Aqueles que defendem tais propostas têm auditório que favoreçam a manipulação, o que
garantido o sucesso público: nunca gostamos ninguém pode negar.
da ideia de que podemos ser enganados; Nesse domínio, uma teoria limitada de
preferimos o ideal do indivíduo perfeitamente influência encaixa-se perfeitamente em uma
senhor de seu destino. Ao contrário, aquele teoria limitada da recepção. A manipulação
que denuncia a manipulação jamais traz boas segue, a partir desse ponto de vista, a mesma
notícias. E, nesse caso, sabemos muito bem o inclinação que a retórica: um argumento pode
que frequentemente acontece com o convencer um determinado auditório, em uma
mensageiro. determinada situação... mas não há um
É verdade que, em muitos casos, somos auditório universal. O processo manipulador
capazes de nos afastar, de desertar, de recusar fará rir uma parte do público, que o
um produto comercial ou resistir às propostas interpretará como rude e transparente, e surtirá
de um político. Entretanto, essa liberdade é um outro tipo de efeito em outra parte do
faca de dois gumes, porque, como todos os público. A manipulação designa processos que
especialistas afirmam, nunca se é tão são concernentes ao conjunto do esquema
manipulável como quando se acredita ser livre. comunicacional; ela supõe um emissor
manipulador, mensagens, um contexto
Todo mundo está pronto para aceitar a ideia
construído para esse feito e um auditório
de que um modelo mecanicista de influência e
condicionado a isso.
de manipulação é uma ingenuidade

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BRETON, Philippe. Como convencer? Da comunicação argumentativa à manipulação. Tradução de Flávia Sílvia
Machado e Moisés Olímpio Ferreira. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação,
Ilhéus, n.3, p. 117-132, nov. 2012.
Uma delimitação possível A Manipulação da Palavra. São Paulo: Edições
Loyola, 1999.
Como conclusão desse percurso que nos
conduziu das técnicas de argumentação às de ______. L’argumentation dans la
manipulação, antes mesmo de verificar quais communication. Paris: La Découverte, 2006
são as técnicas da informação, é preciso (édition révisée).
relembrar de tudo o que foi dito ao longo deste
artigo. A palavra humana dotou-se de ______. L’incompétence démocratique: La crise
ferramentas formidáveis para convencer, mas a de la parole aux sources du malaise (dans la)
técnica não é tudo. Deve-se fazer tudo o que se politique. Paris: La Découverte, 2006. Traduzido
pode fazer? Essa questão é crucial no campo em português por Constância Maria Egrejas
Morelt, sob o título: A incompetência
da comunicação, cujas técnicas são poderosas
democrática. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
e eficazes, mas nem sempre estão a serviço da
comunicação em si. É no cerne das técnicas de ______. Convaincre sans manipuler. Paris: La
convencimento que essa questão está posta há Découverte, 2008.
muito tempo e, sem dúvida, com a maior
intensidade. Ela suscita uma reflexão em BROCHAND Bernard et LENDREVIE Jacques.
termos de responsabilidade ética. A escolha Le Publicitor. Dalloz, Paris, 1983, p. 2.
entre a argumentação, que respeita o auditório,
e a manipulação, que implementa uma certa EWEN Stuart. Consciences sous influence.
violência, sempre depende, in fine, daquele Publicité et genèse de la société de consommation.
que possui a responsabilidade de implementar Paris: Aubier, 1983.
as técnicas de comunicação apropriadas.
HIRSCHMAN Albert O. Défection et prise de
parole. Paris: Fayard, 1995.
Referências
MEYER, Michel. Questions de Rhétorique:
ARISTOTE, Rhétorique. Tomes I, II, et III. Texte
établi et traduit par Médéric Dufour. Paris: Les langage, raison et seduction. Paris: Librairie
Belles Lettres, 1967. Générale Française, 1993.

ARISTÓTELES. Retórica. Livros I, II e III. PERELMAN Chaïm et OLBRECHTS-TYTECA,


Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Lucie. Traité de l’argumentation. Paris: PUF,
Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento 1958 [remis aux Éditions de l’Université de
Pena. 3. ed., Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Bruxelles, Bruxelles, 1970].
Moeda, 2006.

BADINTER Robert. L’Abolition. Paris: Fayard, Tradução:


2000. Flávia Sílvia Machado.
Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo.
BELDYK, Mariano. Courrier International. n. E-mail: fsm19@hotmail.com.
1124, du 17 au 23 Mai 2012. URL:
http://issuu.com/kanabiz/docs/courrier_interna Moisés Olímpio Ferreira.
Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo.
tional_n_1124_du_17_au_23_mai_2012
Email: moisesolim@usp.br
BRETON Philippe. La parole manipulée, Paris:
La Découverte/Poche, 1997. Prêmio de filosofia
moral e política, em 1998, da Academia de
Ciências Morais e Políticas. Traduzido em
português por Maria Stela Gonçalves, sob o título

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