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Susan Elizabeth Phillips – Chicago Stars 06

Case-me se puder

PROJETO REVISORAS TRADUÇÕES


Revisão Inicial: Ludmila Serra
Revisão Final: Fafa Serra
Visto Final e Formatação: Jujuba
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Sinopse

Annabelle está farta de ser a única fracassada em uma família de ganhadores. Suportou
trabalhos sem futuro e o rompimento de um compromisso de matrimônio. Até mesmo seu cabelo
é um desastre! Mas tudo isso pode mudar agora que ela é a encarregada da agência de
casamentos de sua falecida avó. Para promover de uma forma grandiosa a agência a única coisa
que ela tem que fazer é conseguir como cliente o solteiro mais cobiçado de Chicago...
Com sua sagacidade, seus incríveis olhos verdes e um calculado charme, Heath Champion é o
melhor representante esportivo do país. É rico, decidido e espetacularmente atraente, por que
precisaria de um casamento? Mas Heath anda buscando o símbolo perfeito de seu sucesso: a
esposa perfeita.
Portia Powers, magra, rica e sem piedade, é a dona da agência de casamentos mais importante
da cidade. Uma intrusa como Annabelle não vai impedi-la de conseguir o que ela quer: que sua
agência seja a que consiga o par para Heath...

Para os nossos filhos…


E as mulheres que amam

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Se não tivesse encontrado o corpo de um homem debaixo do Sherman, Annabelle não teria
chegado tarde ao seu encontro com Píton. Mas dois pés descalços e sujos saiam debaixo do velho
carro de Nana. Uma prudente conferida revelou que pertencia a um sem teto conhecido apenas
pelo apelido de Rato, famoso no bairro de Wicker Park por sua falta de higiene e seu vicio por
vinho de garrafa. Próximo ao peito do homem, que subia e baixava ao ritmo de seus úmidos
roncos, havia uma garrafa com tampa de rosca. Era tão importante para ela seu encontro com
Píton, que considerou por um instante a possibilidade de tirar seu carro fazendo uma manobra ao
redor do corpo, mas sua vaga no estacionamento tinha pouco espaço.

Tinha planejado um tempo mais que suficiente para se vestir e fazer o trajeto até o centro para
seu encontro às onze da manhã. Por desgraça, não fazia mais do que encontrar obstáculos,
começando com o Senhor Bronicki, que a abordou na porta do edifício e se negou a deixá-la ir sem
antes espetá-la com tudo o que tinha a dizer. Entretanto, o incidente com o vagabundo ainda não
constituía uma emergência. Só tinha que tirar o Rato de debaixo do Sherman.
Deu-lhe um suave pontapé no tornozelo e ao fazê-lo percebeu que a mistura de xarope de
chocolate Hershey’s e cola Elmer que tinha aplicado a um raspão no salto de sua sandália de tiras
favoritas não ocultava o defeito completamente.
—Rato?
Deu-lhe outro cutucão mais forte.
—Rato, acorda. Você tem que sair daí.
Nada. Se não fosse pelos ruidosos roncos, podia pensar que era um cadáver.
Sacudiu-o com mais força.
— Não é por nada não, sabe? Mas este é o dia mais importante da minha vida profissional. Cairia
bem um pouco de cooperação.
O Rato não estava a fim de cooperar.
Ela necessitava um ponto de apoio. Apertando os dentes, segurou cuidadosamente a saia do terno
de seda crua amarela pálida que comprou no dia anterior em uma liquidação com sessenta por
cento de desconto e agachou junto ao para-choque.
—Se não sair agora mesmo, vou chamar a policia.
O Rato grunhiu. Annabelle fincou os saltos no chão e chutou seus imundos tornozelos. Sentiu na
nuca a pontada do sol da manhã. O Rato virou até que seu ombro bateu no chassi. Annabelle
voltou a chuta-lo. Debaixo do blazer, a blusa sem mangas, que escolheu para combinar com os
brincos de lagrimas de pérolas da Nana, começou a grudar na pele. Procurou não pensar no que
estaria acontecendo com seu cabelo. Não era o melhor dia para ficar sem gel fixador, e rogou para
que o aerosol de máxima fixação Aqua Net que encontrou debaixo do lavabo fosse capaz de
manter a rebelião de seus cachos vermelhos, uma maldição permanente em sua vida,
principalmente nos úmidos verões de Chicago.
Se não conseguisse tirar o Rato em cinco minutos, acabaria metida em um sério problema. Dirigiu-
se a porta do condutor. Seus saltos rangeram quando voltou a se inclinar e olhou a cara de
mandíbula solta do vagabundo.
—Rato, levante-se! Não pode ficar ai!
Um olho sujo entreabriu somente para voltar a fechar.
—Escuta! Se você sair daí, te darei cinco dólares.
O Rato moveu a boca e deixou escapar um ruído gutural junto com fio de saliva:

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—Deixe-me… paz.
O cheiro fez com que Annabelle lacrimejasse. Por que teve que escolher justamente hoje para
perder a consciência debaixo do meu carro? Não podia ter escolhido o carro do Bronicki?, pensou.
O senhor Bronick era aposentado, morava em frente e dedicava seu tempo descobrindo novas
maneiras de fazer a vida dela impossível.
Faltava pouco tempo e começou a deixar-se levar pelo pânico.
—Você quer dormir comigo? Se você sair, podemos discutir isso.
Mais babas e roncos fedorentos. Era um caso perdido. Annabelle se endireitou num salto e correu
para casa. Dez minutos mais tarde conseguiu que saísse na posse de uma lata de cerveja aberta.
Annabelle havia tido dias melhores.
Quando conseguiu tirar o Sherman da vaga tinha apenas vinte minutos para evitar o
engarrafamento até o centro e encontrar uma vaga para estacionar. Tinha as pernas sujas, a saia
amarrotada e quebrou uma unha ao abrir a lata de cerveja. O meio quilo a mais que acumulou
desde a morte de sua avó já não lhe parecia um problema de verdade.
Ás 10h39min. Não podia arriscar-se em ficar parada na autoestrada Kennedy, assim que pegou o
atalho pela Divisão. No retrovisor via como outro cacho se liberava da opressão do fixador e sua
face se encharcava de suor. Pegou um desvio pela Halsted para evitar outra via em obras. Enquanto
manobrava o enorme veiculo no meio do trafego, esfregou a sujeira das pernas com um papel
toalha úmido que havia trazido de sua casa. Por que Nana não podia ter escolhido um pequeno e
bonito Honda Civic no lugar daquele repugnante trambolho verde devorador de combustível? Com
seu um metro e sessenta de estatura, Annabelle tinha que se sentar sobre uma almofada para
poder enxergar acima do volante. Nana nunca se deu ao trabalho de colocar uma almofada, mas
também é verdade que mal dirigia. Depois de doze anos de uso, o marcador de quilometragem do
Sherman não chegava a 63.000.
Um taxi fechou a passagem. Ela buzinou com raiva e um fio de suor deslizou entre seus seios. Deu
uma olhada em seu relógio às 10h50min. Tentou lembrar se passou desodorante depois do banho.
Claro que sim. Sempre passava. Levantou os braços para ter certeza, mas nem bem aspirou levou
um baque e sua boca bateu contra a borda do blazer, deixando uma mancha de batom
avermelhada.
Proferiu uma exclamação de desgosto e estendeu o braço até o outro extremo do longo assento
frontal, só para deixar cair à sua bolsa no Grand Canyon abaixo. O semáforo da Halsted com
Chicago ficou vermelho. Annabelle sentiu que seu cabelo estava grudando na nuca e que cada vez
haviam mais cachos soltos. Tentou praticar sua respiração de yoga, mas só assistiu a uma aula que
não serviu de nada. Por que o Rato tinha que escolher justamente esse dia, no qual o futuro
financeiro de Annabelle estava em jogo, para dormir tranquilamente debaixo de seu carro?
Entrou lentamente no centro. Ás 10h59min. Outra via em obras. Chegou junto ao Daley Center.
Não teve tempo para sua prática habitual de patrulhar as ruas até encontrar uma vaga com
parquímetro grande o suficiente para o Sherman. Ao invés disso entrou no primeiro
estacionamento (exorbitantemente caro) que encontrou, jogou as chaves para o encarregado e
saiu às ruas para a corrida. Ás 11h05min. Não precisava entrar em estado de pânico.
Simplesmente explicaria o ocorrido com o Rato. Sem sombra de duvidas Píton entenderia. Ou não.
Uma rajada do ar-condicionado acertou-a ao passar pela entrada do imponente edifício dos
escritórios. Ás 11h08min. O elevador estava felizmente vazio então apertou o botão do décimo
quarto andar.
“Não deixe que te intimide. — tinha dito Molly pelo telefone. — Píton se alimenta de medo.”
Para ela era fácil dizer. Molly tinha uma vida invejável, com um atraente jogador de futebol
americano como marido, uma magnífica carreira e dois filhos adoráveis.
As portas fecharam. Annabelle viu a si mesma na parede espelhada e fez uma careta de desgosto.
Seu terno de seda crua tinha se convertido em uma massa disforme e amarrotada de cor amarela

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pálida, a saia estava suja de um lado e a marca de batom na borda chamava a atenção como um
cartaz luminoso. O pior de tudo era que seu cabelo estava se libertando, cacho por cacho, do
fixador; as mechas que se soltavam caiam sem vida ao lado de seu rosto como molas de um
colchão, expelidas por uma fresta de seu esconderijo e abandonadas a voracidade da oxidação de
um beco.
Geralmente, quando não gostava de sua aparência, inclusive quando sua própria mãe a descrevia
como “linda”, dizia a si mesma que devia sentir-se agradecida por seus traços nada desdenháveis:
uns bonitos olhos cor de mel, cílios grossos e uma tez suave com aproximadamente uma dezena de
sardas. Mas nenhuma dose de pensamentos positivos podia evitar que a imagem que lhe devolvia
o espelho a horrorizasse. Começou a ocultar um par de cachos atrás das orelhas e a alisar sua saia,
mas as portas do elevador se abriram antes que conseguisse reparar ao menos uma parte do
desastre. Às 11h09min. Diante dela havia uma parede de cristal na qual, letras douradas,
emolduravam: CHAMPION. GESTÃO ESPORTIVA. Percorreu depressa o corredor acolchoado e abriu
uma porta com maçaneta de metal. Na área da recepção havia um sofá de couro e poltronas que
faziam jogo, fotos de eventos esportivos emolduradas e uma televisão de tela grande na qual
passava um jogo de beisebol sem som. A recepcionista tinha o cabelo curto cinza da cor de aço e
uns lábios muito finos. Reparou no aspecto descuidado de Annabelle através de uns óculos de
leitura metálico da cor azul.
— Em que posso te ajudar?
— Sou Annabelle Granger. Tenho um encontro com Pí… Com o senhor Champion.
—Temo que tenha chegado tarde, senhorita Granger.
—Somente dez minutos.
—Dez minutos era todo o tempo que o senhor Champion podia dedicar-lhe.
Suas suspeitas se confirmaram. Tinha aceitado vê-la só porque Molly insistiu e não queria ficar mal
com a esposa de seu melhor cliente. Deu uma olhada no relógio da parede.
—Na verdade, só me atrasei nove minutos. Ainda me resta um minuto.
—Sinto muito. — A recepcionista virou as costas e começou a teclar em seu computador.
—Um minuto— suplicou Annabelle. — É tudo que eu peço.
—Temo que eu não possa fazer nada.
Annabelle precisava desse encontro e precisava dele já. Virou sobre os saltos e correu até a porta
no outro extremo da sala de recepção.
—Senhora Granger!
Entrou como uma corrente de ar num corredor aberto com escritórios em ambos os lados, um
deles ocupado por dois jovens de terno e gravata. Ignorando-os, dirigiu-se a uma imponente porta
de mogno localizada no centro da parede traseira e virou o puxador.
O escritório do Píton era da cor do dinheiro: paredes revestidas em jade, tapetes grossos verde
musgo e moveis acolchoados em distintos tons de verde ressaltados com almofadas vermelho
sangue. Atrás do sofá estava pendurada uma coleção de fotos jornalísticas, junto com um símbolo
em metal branco oxidado e o nome BEAU VISTA impresso em letras maiúsculas negras um pouco
descoloridas. Adequado, considerando os vidros que dominavam o lago Michigan à distância.
O próprio Píton estava sentado atrás de uma elegante mesa em forma de U, sua poltrona de costas
altas viradas para a vista do lago. Ao alcance de sua mão, um computador desktop de ultima
geração, um pequeno notebook, um BlackBerry e um sofisticado telefone negro com botões
suficientes para fazer com que um Jumbo aterrissasse. Junto ao telefone descansava o executivo.
Píton falava diretamente por um fone de ouvido.
—O salário do terceiro ano parece promissor, mas não se rescindirem antes o contrato. — disse em
uma voz ressoante e clara com um sotaque do Meio Oeste. — Sei que é um risco, mas se assina
por um ano podemos apostar no mercado livre. — Annabelle só conseguia ver um pulso forte e

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bronzeado, um relógio sólido e uns dedos longos sujeitando o fone. — Em todos os casos, é você
que tem que tomar a decisão, Jamal. O único que posso fazer é te aconselhar.
A porta se abriu nas suas costas e a recepcionista entrou precipitadamente.
—Sinto muito, Heath. Ela passou por mim.
Píton voltou lentamente em sua poltrona e Annabelle sentiu como se acertassem um soco em seu
estomago. Tinha uma mandíbula quadrada e forte, e era por inteiro a proclamação do homem com
coragem que cresceu por si mesmo…, um tipo duro que reprovou em sedução nas primeira duas
vezes, mas que finalmente conseguiu passar na terceira. A cor de seu cabelo, grosso e vigoroso, era
uma mistura de carteira de couro com uma garrafa de Budweiser. Seu nariz reto transmitia
confiança em si mesmo e suas sobrancelhas escuras, audácia. Uma delas estava cortada próxima
do extremo por uma fina cicatriz pálida. As linhas bem desenhadas de seus lábios sugeriam escassa
tolerância à gente estúpida, uma paixão por trabalho duro beirando a obsessão e, possivelmente
— ainda que esse ultimo podia ser produto de sua imaginação— a determinação de possuir um
pequeno chalé próximo a Saint Tropez antes de fazer cinquenta anos. A não ser por uma vaga
irregularidade em suas feições, era insuportavelmente atraente e extremamente bonito. Por que
um homem assim precisaria de uma casamenteira?
Sem deixar de falar pelo telefone, deu-lhe um olhar. Seus olhos eram exatamente da mesma cor
verde que uma nota de cem dólares com as extremidades queimadas com desagrado.
—Para isso que você me paga, Jamal. — Contemplou o aspecto desalinhado de Annabelle e lançou
um duro olhar para a recepcionista. —Falarei mais tarde com Ray. Cuide desse ligamento. E diz a
Audette que vou enviar-lhe outra caixa grande de Cuvée Krug1.
—Seu encontro das onze— explicou a recepcionista assim que ele desligou. — Disse-lhe que tinha
chegado muito atrasada para te ver.
Afastou um exemplar de Pro Football Weekly. Suas mãos eram largas e tinha unhas limpas e
cuidadosamente cortadas. Ainda assim, não era difícil imaginá-las pingando óleo de motor. Ela
observou sua gravata azul marinho que provavelmente custava mais que toda a sua vestimenta e o
corte perfeito de sua camisa azul pálida, que só podia ter sido feita sobre medida para acomodar a
amplitude de seus ombros, antes de se estreitar em sua cintura.
—Ao que parece, tem problemas de audição. — Ao virar sua poltrona, deixou entrever um peitoral
impressionante. Incômoda, Annabelle tentou recordar vagamente o que aprendeu sobre cobras
em suas aulas de ciências. Devorava inteiramente sua preza, começando pela cabeça.
—Quer que eu chame os seguranças? — perguntou a recepcionista.
Bastou-lhe virar seus olhos de predador para desarmá-la e deixá-la ao ponto para desferir um
desses golpes mortais. Apesar do esforço que fez para polir todas as asperezas, não podia ocultar o
briguento de bar que tinha dentro de si.
—Acho que posso resolver isso sozinho.
Annabelle experimentou um arrebatamento sexual... tão inoportuno, tão fora de lugar, que
tropeçou em um dos sofás. Nunca sentiu-se cômoda na presença de homens excessivamente
seguros de si mesmos e a imperiosa necessidade de impressionar aquela espécime em particular
fez com que maldissesse em silêncio seu tropeço, seu aspecto murcho e sua cabeleira de Medusa.
Molly aconselhou-a que fosse agressiva.
“Ele abriu seu próprio caminho aos pontapés até o topo, cliente após cliente. Heath Champion não
conhece outra coisa que não seja a força bruta.”
Mas Annabelle não era uma pessoa naturalmente agressiva. Todos se aproveitavam dela, desde os
empregados bancários até os taxistas. Há apenas uma semana perdeu o pulso com um menino de
nove anos de idade que a deixou nervosa jogando ovos no Sherman. Inclusive, sua própria família,
especialmente sua própria família, aproveitava-se dela.

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Champagne

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E estava farta. Farta de que a tratassem com condescendência, farta de que todo mundo a
utilizasse, farta de se sentir fracassada. Se a botasse para fora agora onde acabaria? Olhou seus
olhos verdes cor-de-dólar e soube que tinha chegado a hora de recorrer à reserva genética dos
Granger e mostrar-se implacável.
—Encontrei um cadáver debaixo do carro. — Era quase verdade. Rato era um peso morto.
Afortunadamente, Píton não pareceu impressionado, provavelmente deixou tantos cadáveres em
sua carreira até o topo que o conceito da morte em si lhe aborrecia. Soltou um profundo suspiro.
—Toda essa burocracia… fez com que me atrasasse. Senão chegaria pontualmente. Mais que
pontual. Sou extraordinariamente responsável. E profissional. —Ficou sem ar. — Posso me sentar?
—Sim.
—Obrigada. —Annabelle se deixou cair na poltrona mais próxima.
—É surda, verdade?
—Como?
Ele a estudou uns instantes antes de dirigir-se a sua recepcionista:
—Não me passe chamadas durante cinco minutos, Sylvia, a menos que se trate de Phoebe
Calebow. — A mulher saiu, e ele deixou escapar um suspiro de resignação. —Suponho que você é a
amiga de Molly. — Inclusive seus dentes eram intimidantes: fortes, quadrados e muito brancos.
—Companheira de faculdade.
Tamborilou os dedos sobre a mesa.
—Não quero ser grosseiro, mas não tenho tempo de sobra.
A quem queria enganar? Era próprio dele, ser grosseiro. Imaginou-o na Universidade, jogando
pelas janelas um pobre nerd ou rindo da cara de alguma namorada chorosa e presumivelmente
grávida.
Adotou uma postura mais reta com fim de transmitir confiança.
—Sou Annabelle Granger, do Perfeita para Você.
—A casamenteira. — Seus dedos deixaram de tamborilar sobre a mesa.
—Prefiro me considerar uma facilitadora de casamentos.
—Tudo bem. —Voltou a examiná-la com aqueles olhos de dinheiro acumulado. — Molly me disse
que sua empresa se chama algo como Myrna, a Casamenteira.
Muito tarde. Ficou obvio que não passou despercebido aquele detalhe especifico durante suas
conversas com Molly.
—Bodas Myrna foi fundada nos anos setenta por minha avó. Ela morreu faz três meses. Desde
então estou modernizando a empresa, e também mudei o nome para um que reflete a filosofia de
um serviço personalizado para executivos exigentes. Sinto muito Nana, mas tive que fazer, pensou.
—Qual é o tamanho de sua empresa exatamente?
Um telefone, um computador, o velho e empoeirado arquivo de Nana e ela mesma.
—É de um tamanho manejável. Acredito que a chave da flexibilidade é trabalhar com o pessoal
necessário. — E agregou: — Ainda que tenha herdado a empresa da minha avó, estou
perfeitamente qualificada para dirigi-la.
Sua preparação consistia numa licenciatura em artes cênicas pela Northwestern que nunca tinha
utilizado oficialmente, um efêmero período em uma “ponto.com” que tinha falido, uma associação
em uma loja de presentes fracassada e, além disso, um posto em uma agência de empregos que
teve que fechar.
Ele se recostou na poltrona.
—Serei direto. Assinei um contrato com Portia Powers.
Annabelle estava preparada para isso. Portia Powers, do Casais Power, dirigia a agência
matrimonial mais exclusiva de Chicago, Powers levantou seu negócio graças a altos executivos
atarefados demais para encontrar as mulheres troféus que desejavam e com dinheiro suficiente
para pagar seus exorbitantes honorários. Tinha boas conexões, era agressiva e com uma reputação

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impiedosa, ainda que esta opinião provinha de sua concorrente e, portanto, podia ser produto de
inveja. Já que Annabelle não a conhecia pessoalmente, preferiu não fazer um juízo de valor.
—Estou ciente, mas isso não impede que se beneficie do Perfeita para Você.
Ele dirigiu seu olhar para os botões piscando de seu telefone, com seu rosto marcado por uma
linha vertical de impaciência.
—Por que deveria fazer isso?
—Por que trabalharei para você com mais afinco do que pode imaginar. E porque te apresentarei a
um grupo de mulheres com cérebro e credenciais, mulheres que não te entediarão quando tenha
desaparecido a novidade.
Ele arqueou a sobrancelha.
—Acha que me conhece bem, eh?
—Senhor Champion,— Esse não pode ser seu verdadeiro nome, — evidentemente está
acostumado a estar cercado de mulheres bonitas, e estou segura de que teve mais oportunidades
de casar-se com elas do que se pode contar com os dedos da mão, mas não o fez. Isso significa que
busca uma mulher mais multifacetada do que uma simples esposa extraordinária.
—E não acredita que posso encontra-la com Portia Powers.
Não gostava de falar mal da concorrência, apesar de saber que Powers lhe apresentaria justamente
as modelos e famosas.
—Só sei o que Perfeita para Você pode te oferecer, e acredito que ficará impressionado.
—Quase não tenho tempo para Casais Power, quanto mais para agregar outra pessoa na equação.
— Levantou-se da poltrona. Era alto, assim que levou um pouco de tempo para endireitar-se.
Ela já tinha reparado na largura de seus ombros, agora contemplou o resto. Tinha um corpo
atlético e musculoso, sem um pingo de gordura. Se você gosta de homens com testosterona em
abundancia e de levar uma vida sexual perigosa, ele era o candidato perfeito para ocupar o
primeiro lugar em sua lista de encontros fugazes. Não que Annabelle pensasse na sua vida sexual.
Pelo menos, não o tinha feito até que ele se pôs de pé.
Inclinou-se sobre a mesa e estendeu-lhe sua mão.
—Boa tentativa, Annabelle. Obrigado por seu tempo.
Não estava disposto a dar-lhe uma oportunidade. Nunca esteve disposto a fazer nada mais que
cumprir com o roteiro para deixar Molly contente. Annabelle pensou no esforço que fez para
chegar ali, as vinte pratas que sairiam de seu bolso para tirar o Sherman do estacionamento, o
tempo que dedicou para averiguar tudo acerca do bem-sucedido caipira de trinta e quatro anos
que tinha diante de si. Pensou na esperança que depositou neste encontro, no seu sonho de fazer
Perfeita para Você uma empresa única e prestigiosa. Vários anos de frustração alimentadas por
anos de ideias estúpidas, má sorte e oportunidades perdidas começaram a ferver em seu interior.
Ficou de pé em um salto sem responder a mão estendida, e inclinou a cabeça para trás para olha-
lo nos olhos.
—Você lembra ainda o que era ser rejeitado, senhor Champion, ou foi há muito tempo atrás?
Lembra quando tinha tanta vontade de fechar um acordo que estava disposto a fazer o que quer
que fosse para conseguir? Dirigir toda a noite para tomar café da manhã com um candidato ao
Heisman. Passar horas e horas no estacionamento do campo Bears tentando chamar a atenção de
alguns veteranos. E quando se levantava da cama ainda que estivesse com um resfriado galopante
para pagar a fiança de um cliente de outro agente?
—Vejo que fez sua pesquisa. — Dirigiu um olhar impaciente aos cintilantes botões do telefone,
mas não a expulsou, então ela continuou falando.
—Quando começou neste negócio, jogadores como Kevin Tucker não tinha tempo para lhe
conceder uma reunião. Lembra como se sentia? Lembra quando os jornais não te ligavam para
pedir informações confidenciais? Quando não lhe chamavam por seu nome de batismo indicando
que era alguém da Liga Nacional de Futebol?

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—Se digo que me lembro, você irá embora? — Agarrou o fone abandonado junto ao telefone.
Annabelle apertou os punhos com a esperança de soar mais apaixonada que louca.
—O único que quero é uma oportunidade. A mesma oportunidade que você teve quando Kevin
rompeu o contrato com seu agente e pôs sua carreira nas mãos de um sabichão em esportes que
falava muito rápido e abriu seu caminho desde uma cidadezinha insignificante do sul de Ilinois até
a faculdade de direito de Harvard.
Ele voltou a sentar-se em sua poltrona, com uma sobrancelha ligeiramente arqueada.
—Um garoto de origem humilde que jogava futebol para ganhar uma bolsa universitária, mas que
confiava em seu cérebro para ir adiante. Um garoto com grandes sonhos e uma solida ética de
trabalho como carta de apresentação. Um jovem...
—Pare antes que comecem sair às lagrimas— Interrompeu-a com um tom seco.
—Só te peço uma oportunidade. Deixe-me organizar um encontro. Somente um. Se não gosta da
mulher escolhida, não voltarei mais a te incomodar. Por favor, farei qualquer coisa.

Estas últimas palavras atraíram sua atenção. Colocou de lado seus fones, inclinou a poltrona para
trás e tocou as margens dos lábios com o polegar.
—Qualquer coisa?
Annabelle sustentou o olhar examinador.
—O que seja necessário. —disse.
O olhar seguiu um calculado caminho desde a descabelada cabeleira vermelha até a boca, e logo
desceu pelo pescoço até os seios.
—Bom, faz muito tempo que não tenho uma rapidinha.
Notou como relaxaram seus músculos do pescoço. O Píton estava brincando com ela.
—Então, por que não buscamos uma solução permanente? — Pegou a bolsa de imitação de couro
e tirou a pasta com o material que terminou de preparar às cinco da manhã. — Aqui encontrará
mais informações sobre o Perfeita para Você. Incluindo a declaração dos princípios, um programa e
nosso esquema de preços.
Depois de se divertir um pouco, voltou aos negócios.
—O que me interessa são os resultados, não as declarações de princípios.
—E é isso que você terá.
—Veremos.
Ela tomou o ar com dificuldade.
—O que você quer dizer...?
Ele pegou o fone do telefone e colocou ao redor do pescoço, deixando o cabo pendurado sobre a
camisa como uma serpente.
—Você tem uma oportunidade. Amanhã a noite. Apresente para mim sua melhor candidata.
—Verdade? — Relaxou os joelhos. —Fantástico! Mas... preciso saber o que busca exatamente.
—Mostre o quão boa você é. — Pegou novamente o fone. — Às nove no Sienna’s, na Clark Street.
Faça as apresentações, mas não nos deixe a sós. Sente-se conosco na mesa e mantenha a conversa
viva. Meu trabalho já é muito cansativo, não quero que isso também seja assim.
—Quer que eu fique?
—Vinte minutos exatamente. Depois ela vai embora com você.
—Vinte minutos? Não acha que ela pode achar um pouco... ofensivo?
—Não, se ela é a mulher adequada. — Dedicou-lhe seu sorriso de garoto do interior. — E sabe por
que, senhorita Granger? Porque a garota adequada é doce demais para se sentir ofendida. Agora
vá embora antes que eu me arrependa.
Ela foi.
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Quando entrou no banheiro do McDonald’s, Annabelle já tinha deixado de tremer. Colocou uma
calça capri, uma camiseta sem magas e uma sandália. A experiência vivida não fez mais que
reforçar sua fobia por serpentes, mas outras mulheres não levariam a mesma impressão de Heath
Champion. Era rico, tinha sucesso e era glorioso, o que o convertia no partido dos sonhos, sempre
que não desse um susto mortal nas mulheres que encontrasse, o que constituía uma possibilidade
nada insignificante. A única coisa que tinha que fazer era encontrar a mulher adequada.
Prendeu a cabelo que caia desordenado sobre seu rosto com um par de prendedores. Preferia ter
o cabelo curto para manter o controle, mas suas mechas encaracoladas davam-lhe um aspecto de
estudante de primeiro ano da universidade ao invés de uma profissional séria, assim que decidiu
fazer das tripas coração e deixa-lo crescer. Não era a primeira vez que desejava economizar
quinhentos dólares para alisa-lo com um profissional, mas nem sequer podia pagar os gastos de
sua casa.
Guardou os brincos de perola da Nana numa caixinha Altoids e tomou um gole de água quente de
uma das garrafinhas que tinha desenterrado do assento traseiro do Sherman. Costuma ter o carro
bem abastecido: snacks e garrafas de água; compressas e objetos de toalete; seus novos panfletos
e cartões de visita; uns alteres no caso de ter vontade de fazer exercícios, o que raramente
acontecia, e adicionado recentemente, uma caixa de preservativos no caso de que algum de seus
clientes sentisse subitamente uma necessidade imperiosa, se bem que Ernie Marks e John Nager
não eram, precisamente, homens impulsivos. Ernie era o diretor de uma escola primária, carinhoso
com as crianças mas inseguro com as mulheres, e John o hipocondríaco era incapaz de ter relações
sexuais sem fazer que sua companheira se submetesse a todas os exames pertinentes na Clinica
Maio.
De uma coisa estava certa, nunca se veria na posição de ter que dar camisinhas de emergência a
Hearth Champion. Um homem como ele estaria sempre preparado. Franziu a testa. Chegou a hora
de deixar de lados suas antipatias. Não fazia diferença que fosse prepotente e autoritário, além de
extremamente rico e bem-sucedido para seu próprio bem. Ele era a chave de seu futuro
econômico. Se quisesse que Perfeita para Você fosse adiante como um serviço matrimonial
especializado de alta categoria, tinha que consegui-lhe uma esposa. Se conseguisse, a noticia se
propagaria e Perfeita para Você se converteria na empresa matrimonial da moda em Chicago. Algo
bem distante do que era na atualidade, porque herdar o negócio de sua avó também significava
herdar os clientes que restavam. E ainda que Annabelle fizesse o possível para honrar a memória
de Nana, chegou a hora de dar um salto.
Jogou um punhado de sabonete em suas mãos e considerou seu lugar no mundo empresarial.
Existiam agências matrimoniais para todos os gostos, e o auge dos serviços de relacionamentos
pela internet obrigou muitas empresas tradicionais, como a sua, a fechar. Enquanto outras se
matavam para encontrar seu lugar, ofereciam encontros grupais, festas noturnas e excursões de
aventuras. Algumas organizavam jantares para solteiros, enquanto outras se especializavam em
graduados de universidades prestigiosas ou em membros de determinadas denominações
religiosas. Umas poucas, como Casais Power, sobrevivem com “serviços para ricos”, só aceitando
clientes do sexo masculino dos quais cobravam suntuosas somas para apresentar-lhes a mulheres
bonitas.
Annabelle estava disposta a fazer de Perfeita para Você uma empresa diferente de todas as outras.
Queria que seu nome fosse à primeira coisa a vir na mente dos solteiros, tanto homens como
mulheres, da classe alta de Chicago, dispostos a dar o próximo passo do compromisso e
conscientes de que a melhor maneira de fazê-lo era através de um serviço personalizado
tradicional. Já tinha alguns clientes, dos quais Ernie e John eram os mais recentes, mas não eram
suficientes para que a empresa fosse rentável. E até que fizesse um nome, não poderia aumentar
as tarifas. Encontrar uma companheira para Hearth Champion lhe permitiria conseguir esses

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

clientes seletos e aumentar suas tarifas. Mas continuava sem entender porque ele não foi capaz de
encontrar uma esposa.
Teria que deixar suas especulações para mais tarde, porque era hora de por as mãos em obra.
Tinha se proposto a passar a tarde visitando os cafés do centro, terreno mais fértil para procurar
tanto futuros clientes, assim como possíveis pares para aqueles que não tinham, mas isso foi antes
de saber que não dispunha de muito tempo para encontrar uma candidata de deixasse Heath
Champion de queixo caído.
Sentiu o calor que desprendia do asfalto enquanto atravessava o estacionamento em direção ao
seu carro. Havia um cheiro de fritura e gases de canos de escape no ar. Junho estava começando e
Chicago já tinha declarado o primeiro dia de Proteção a Camada de Ozônio do verão. Jogou o terno
amarelo completamente murcho num contêiner de lixo para nunca mais voltar a vê-lo.
Seu celular tocou enquanto entrava no sufocante carro. Abriu a porta para poder respirar.
—Annabelle.
—Annabelle, tenho uma grande noticia.
Suspirou e apoiou o rosto sobre o volante quente. Logo quando pensava que o pior já tinha
passado.
—Olá, mamãe.
—Seu pai conversou com Doug faz uma hora. Seu irmão é oficialmente vice-presidente. Fizeram o
anuncio essa manhã.
—Que fantástico!
Ainda que Annabelle não coubesse em si de alegria e entusiasmo, a percepção extrasensorial de
sua mãe não demorou a agir:
—Lógico que é fantástico. —disse bruscamente — Sério, Annabelle, não sei por que tem que ser
tão invejosa. Doug trabalhou duro para chegar onde está. Ninguém lhe deu nada.
Exceto pais que o adoravam, uma educação universitária de primeira linha e um generoso presente
de graduação em dinheiro para ajudá-lo a começar.
As mesmas coisas que recebeu Annabelle.
—Ele só tem trinta e cinco anos —prosseguiu Kate Granger — e já é vice-presidente de uma das
empresas de contabilidade mais importantes do sul da Califórnia.
—É um gênio. —Annabelle levantou o rosto do abrasante volante antes que fosse marcada com o
estigma de Caim.
—Candace vai oferecer uma festa na piscina, no próximo fim de semana, para celebrar a promoção
de Doug. Convidaram Johnny Depp.
Por algum motivo, Annabelle não podia imaginar Johnny Depp numa das festas na piscina de sua
cunhada, mas não era estúpida o bastante para expressar seu ceticismo.
—Nossa! Que incrível!
—Candace não se decidiu entre uma festa do Pacifico Sul ou algo mais próprio do Oeste.
—Ela é uma grande anfitriã, tenho certeza que faça o que faça, será um sucesso.
As habilidade psíquicas de Kate Granger estavam a altura de sua própria linha 800.
—Annabelle, você tem que se esforça mais para superar essa hostilidade com Candece. Não existe
nada mais importante que a família. Doug a adora. E é uma mãe maravilhosa.
Sua cabeça estava começando a encher de gotas de suor.
—Como está o treinamento de Jamison para deixar as fraudas?
Não Jimmy, nem Jamie, nem Jim, nem nenhuma das variações comuns. Simplesmente, Jamison.
—É tão esperto… É só uma questão de tempo. Tenho que admitir que era um pouco cética sobre
todas essas fitas de aprendizagem, mas basta ver, só tem três anos e olha quanto vocabulário
conhece.
—Continua falando “otário”.
—Isso não tem graça.

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Nos velhos tempos, quando sua mãe tinha senso de humor, seria engraçado, mas, aos sessenta e
dois anos, Kate Granger não conseguia se acostumar a sua nova vida de aposentada. Apesar dos
pais de Annabelle comprou uma espetacular casa de praia, em Naples, Florida, Kate tinha saudades
de St. Louis. De natureza inquieta, dirigia toda sua energia, que antes dedicou em uma carreira
bancaria bem-sucedida, para seus três filhos. Especialmente para Annabelle, seu único fracasso.
—Como está o papai? —perguntou Annabelle, com esperança de adiar o inevitável.
—Como você acha que está? Joga dezoito buracos pela manhã e passa toda a tarde vendo o canal
de golfe. Leva vários meses sem abrir uma revista médica. O normal seria que depois de quarenta
anos como cirurgião, sentisse curiosidade, mas as únicas ocasiões na que demonstra algum
interesse pela medicina é quando fala com seu irmão.
Segundo capítulo da surpreendente saga dos Assombros gêmeos Granger, dedicado à vida
extraordinária do doutor Adam Granger, o reconhecido cirurgião cardiovascular de St. Louis.
Annabelle pegou uma garrafa de água e lamentou não haver tido a premonição de enchê-la com
vodka com sabor de pêssego.
—Estou num engarrafamento, mamãe. Vou ter que desligar daqui a pouco.
—Seu pai está tão orgulhoso de Adam... Acabam de publicar-lhe um artigo no Diário de Cirurgia
torácica e cardiovascular. Ontem, quando nos reunimos com os Anderson para a Noite Caribenha
no clube, tive que dár-lhe um chute debaixo da mesa para que deixasse de falar dele. Os filhos dos
Anderson são uma verdadeira decepção.
Como Annabelle.
Sua mãe deu uma picada sobre sua presa.
—Recebeu os formulários para a aplicação?
Levando em consideração que Kate enviou documentação por Fedex e sem sombra de duvidas,
tinha acompanhado o seguimento da entrega pela internet, à pergunta era retórica.
—Mamãe…
—Não pode continuar andando a deriva... no trabalho, em seus relacionamentos. Nem sequer vou
mencionar esse horrível negócio com Rob. Devíamos ter deixado de financiar seus estudos quando
insistiu em fazer licenciatura em teatro. Uma mina de ouro para oportunidades laborais, não é
mesmo? Você tem trinta e um anos. É uma Granger. Faz muito tempo que deveria ter centrado sua
cabeça e dedicado seus esforços em algo produtivo.
Annabelle prometeu a si mesma não morder a isca, por muito que a provocasse, mas entre Rato,
Heath Champion, a menção de Rob e o temor de que sua mãe tivesse razão, apenas saiu:
—Na família Granger, dedicar todos os esforços a algo produtivo só quer dizer duas coisas,
verdade? Medicina ou finanças.
—Não comece. Sabe exatamente o que quero dizer. Essa horrível agência de matrimônios não dá
lucros há anos. Mamãe a abriu exclusivamente para meter o nariz na vida dos outros. O tempo não
para de correr, Annabelle, e não penso ficar de braços cruzados enquanto você segue
desperdiçando sua vida, ao invés de voltar a universidade e se preparar para o futuro.
—Não quero…
—Sempre foi boa com os números. Seria uma magnífica contadora. E te disse que estamos
dispostos a pagar seus estudos...
—Não quero ser contadora! E não preciso de sua ajuda financeira.
—E viver na casa da Nana não é uma ajuda, verdade?
Foi como uma punhalada certeira. As bochechas de Annabelle se incendiaram. Sua mãe tinha
herdado a casa de Nana na Wicker Park. E agora ela a ocupava, sobre o pretexto de evitar que a
roubassem, mas a verdade era que Kate não queria que sua filha vivesse em algum “bairro
perigoso”. Annabelle respondeu ofendida:
—Muito bem! Quer que eu deixe o apartamento? É isso que você quer?

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Oh Deus, soou como voltasse a ter quinze anos. Por que deixava sempre que Kate fizesse isso?
Antes que pudesse se fortalecer, Kate prosseguiu, falando-lhe no mesmo tom paciente e maternal
que utilizou quando Annabelle tinha oito anos e ameaçou sair de casa se seus irmãos não
parassem de chama-la de “Batatinha”.
—Eu quero é que você volte à faculdade e obtenha o título de contadora. Sabe que Doug te
ajudará a conseguir um emprego.
—Não penso em ser contadora!
—Então, no que pensar ser, Annabelle? Diga-me. Acha que tenho prazer em voltar uma e outra vez
no mesmo tema? Se pelo menos me explicasse...
—Quero dirigir meu próprio negócio — respondeu Annabelle, sem conseguir evitar um tom
queixoso.
—Você já tentou, lembra? A loja de presentes. Depois fez uma horrível “ponto.com”. Doug e eu te
advertimos. E depois essa horrível agência de empregos. Nada dá certo.
—Isso não é justo! A agência de empregos quebrou.
—Também quebraram a loja de presentes e a “ponto.com”. Nunca pensou que existe algo além de
coincidências no fato de todos os negócios em que se envolve acabam falindo? Isso é por que você
vive nas nuvens, não na realidade. Como esse sua fantasia de se torna uma atriz.
Annabelle afundou no assento. Sua carreira de atriz não foi tão ruim, desempenhou sólidos papeis
secundários e um par de produções da universidade e dirigiu algumas peças de teatro. Mas
durante o terceiro ano universitário chegou à conclusão de que o teatro não a apaixonava só era
uma válvula de escape do mundo no qual tivera que ser a irmãzinha incompetente de Doug e
Adam.
—Vejo o que se passou com Rob. —continuou Kate— De todos os... Bom, deixa para lá. O
problema é que você caiu nesse disparate New Age que diz que o que alguém tem que fazer é
desejar algo com toda sua força para conseguir. Mas a vida não funciona assim. Precisa de algo
mais que desejo. As pessoas de sucesso são pragmáticas, fazem planos com os pés no chão.
—Não quero ser contadora!!!
Com o estouro seguiu um silencio de reprovação. Annabelle sabia exatamente o que sua mãe
estava pensando. Que Annabelle estava sendo Annabelle outra vez, irritável, exagerada e carente
de senso pratico; o único fracasso da família. Mas ninguém podia irritá-la tanto como sua mãe.
Exceto seu pai. E seus dois irmãos.
“Deixe de arruinar sua vida e se dedique a algo prático”, tinha lhe escrito Adam, o grande médico,
no seu último e-mail, com cópias para o resto da família e mais duas tias e três primos.
“Você já tem trinta e um”, tinha anotado Doug, o grande Contador, em um cartão, na ocasião de
seu recente aniversário. “Aos trinta e um, eu ganhava duzentos mil ao ano”.
Seu pai, o grande cirurgião, dizia-lhe de outra forma. “Ontem fiz um birdie no buraco quatro. Meu
putt melhora a cada dia. E, Annabelle... já é hora de que se encontre.”
Somente Nana Myrna lhe tinha dado apoio “Encontrará a si mesma quando chegar o momento,
meu amor.” Annabelle sentia falta de Nana Myrna. Ela também foi um fracasso.
—A carreira contábil tem muita demanda. —disse sua mãe. —Cada dia mais.
—Meu negócio também. — replicou Annabelle num demente ato autodestrutivo. — Consegui um
cliente muito importante.
—Quem?
—Sabe que eu não posso dizer o nome.
—Tem menos de setenta?
Annabelle disse a si mesma que não morderia a isca, mas não era a toa que ganhou a reputação de
fracassada da família.
—Tem trinta e quatro e é um milionário importante.
—Se isso é verdade por que teria de contratar você?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Annabelle apertou os dentes.


—Porque sou a melhor. Por isso.
—Veremos. — O tom de sua mãe suavizou como se houvesse decidido lhe dar uma trégua. — Sei
que posso chegar a te exasperar, meu bem, mas faço isso porque te amo e quero que desenvolva
seu potencial.
Annabelle suspirou.
—Eu sei, mamãe. Também te amo.
Finalmente, a conversa chegou ao fim. Annabelle guardou o celular, fechou a porta e introduziu a
chave na ignição. Talvez as palavras de sua mãe a incomodassem tanto porque havia nelas um
grande fundo de verdade. Enquanto tirava o carro do estacionamento olhou o retrovisor e
pronunciou a palavra favorita de Jamison. Duas vezes.

Dean Robillard entrou no clube como se fosse uma estrela de cinema, com uma jaqueta de linho
esportiva pendurada em seus ombros, um brinco de diamante brilhante no lóbulo de sua orelha e
uns óculos Oakley que velavam seus olhos azuis Malibú. Com a pele bronzeada pelo sol, a barba
de três dias por fazer e o cabelo estilo loiro surfista todo reluzente e cheio de gel, era um presente
de Los Angeles para a cidade de Chicago. Heath agradeceu a distração com um sorriso. O garoto
tinha estilo, e a Cidade do Vento tinha sentido sua falta.
—Conhece Dean? — A loira que tentava pegar o braço direito de Heath continuava olhando para
Robillard, que devolvia seu sorriso à multidão como se caminhasse num tapete vermelho. Teve que
levantar a voz por cima da musica ruim da pista de dança de Waterworks, onde se realizava a festa
privada daquela noite. Ainda que os Sox estivessem jogando em Cleveland e os Bulls ainda não
tivessem voltado, as demais equipes da cidade estavam bem representadas na festa,
principalmente os jogadores dos Stars e dos Bears, mas também grande parte dos jogadores dos
Cubs, um par de Blackhawks e um porteiro do Chicago Fire. Na mistura também se somavam um
par de atores, uma estrela do Rock e mulheres, dezenas de mulheres, as mais atrativas possíveis, a
pilhagem sexual dos ricos e famosos.
—Claro que conhece Dean. — A morena que estava de seu lado esquerdo olhou a loira com
condescendência. — Heath conhece a todos os jogadores de futebol da cidade, verdade meu bem?
—Enquanto falava, deslizou furtivamente a mão pela parte interior de sua coxa, mas Heath
procurou fazer caso omisso de sua ereção, do mesmo modo que esteve fazendo caso omisso de
suas ereções desde que decidiu treinar-se para o casamento. Treinar para o casamento era um
verdadeiro inferno.
Lembrou a si mesmo que chegou até onde estava aferrando-se a um plano, e que o seguinte passo
era estar casado antes de completar trinta e cinco anos. Sua mulher seria o símbolo mais
importante de seus sucessos, a prova definitiva de que deixou para trás o estacionamento de
trailers de Beau Vista para sempre.
— Conheço sim, — disse, sem adicionar que esperava conhecê-lo muito melhor.
Quando Robillard avançou para o interior do grande salão, a multidão do Waterworks abriu
caminho para o ex-jogador do sul da Califórnia que vendeu seu passe para o Stars para ocupar o
posto de primeiro quarterback quando Kevin Tucker pendurasse as chuteiras no final da próxima
temporada. A história familiar de Dean Robillard estava envolta num mistério, e quando alguém
sondava o jogador, ele respondia com frases vagas. Depois de fazer algumas averiguações por sua
conta, Heath encontrou alguns rumores interessantes que preferiu manter em segredo. Os irmãos
Zagorski, que até então estavam tentando algo com um par de garotas morenas no outro estremo

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do bar, se deram conta do que estava acontecendo. Uns segundos depois, avançaram entre
tropeços com seus mocassins Prada para serem os primeiros a chegarem até ele.
Heath tomou outro trago de sua cerveja e deixou que fizessem isso. Não lhe surpreendia o
interesse dos Zagorski em Robillard. O agente do quarterback morreu em um acidente durante
uma escalada há cinco dias, deixando-o sem representante, algo que os irmãos Zagorski e todos os
demais agentes do país, esperavam remediar. Os Zagorski eram donos da empresa Z-Group, a única
concorrente séria de Heath em Chicago. Ele os odiava até a morte, principalmente por sua falta de
ética, mas também porque roubaram-lhe um candidato a primeira ronda do Draft cinco anos atrás,
quando mais necessitava. Sua vingança tinha consistido em tirar-lhes Rocco Jefferson, o que não foi
nada difícil. Os Zagorski eram bons em fazer grandes promessas a seus clientes, mas não em
cumpri-las.
Heath não fazia ilusões em cima de seu trabalho. Nos últimos dez anos, o negócio de
representação esportiva tinha se tornado mais corrupto que uma briga de galos. Na maioria dos
Estados praticamente davam-se de presente as licenças para trabalho. Qualquer vulgar caloteiro
podia mandar imprimir um cartão de visitas com o título de representante e aproveitar-se de
esportistas universitários crédulos, ainda mais daqueles que cresceram na miséria.
Estes caloteiros pegavam dinheiro por debaixo dos panos, prometiam carros e joias, contratavam
garotas de programa e pagavam “recompensas” para qualquer um que pudesse conseguir a
assinatura de um atleta importante em um contrato de representação. Alguns agentes sérios
abandonaram a profissão porque consideravam que não podiam ser honestos e competitivos ao
mesmo tempo, mas Heath não estava disposto a deixar que passassem por cima dele. Apesar da
profissão estar se tornando sórdida, ele gostava do que fazia. Amava descarregar a adrenalina que
produzia conseguindo que o cliente assinasse um contrato. Gostava de descobrir até onde podia
apertar a corda. Era o que fazia de melhor. Levava as regras até o limite, mas não as quebrava. E
jamais enganava um cliente.
Viu como Robillard abaixava sua cabeça para ouvir o que diziam os Zagorski. Heath não estava
preocupado. Robillard podia ser um convencido de Los Angeles, mas não era estúpido. Sabia que
todos os agentes do país se interessavam por ele, e não ia tomar sua decisão da noite para o dia.
Uma gata sensual que já havia dormido com ele um par de vezes antes da concentração abordou-o
com cabelos balançando e seios enrugados como cerejas maduras sob um top colado e
provocante.
—Estou fazendo uma pesquisa. Se só pudesse fazer um tipo de sexo o resto da sua vida qual seria?
Até agora, a votação está 3-1 a favor do sexo oral.
—Que tal eu votar no sexo heterossexual?
As três mulheres riam de dar gargalhadas, como se nunca tivessem escutado nada mais engraçado.
Ao que parecia, ele era o rei dos monólogos de humor.
A festa começou a ficar animada e algumas mulheres na pista de dança começaram a desfilar. Suas
roupas colavam-se a pele, destacando cada curva e cada cavidade de seus corpos. Quando foi um
recém-chegado na cidade, se deixou seduzir por clubes, musicas, bebidas, lindas mulheres e sexo
liberal, mas depois de fazer trinta anos, ficou entediado. Mesmo assim, ser visto, fosse ou não uma
droga, era parte importante do seu negócio, e não conseguia se recordar da última vez que foi
dormir sozinho numa hora decente.
—Heath, meu homem!
Recebeu Sean Palmer com um sorriso. O novato do Chicago Bears era um garoto de boa aparência,
alto e musculoso, com um queixo quadrado e pícaros olhos castanhos. Ambos encenaram um forte
aperto de mão que Heath tinha chegado a dominar ao longo dos anos.
—Como está nosso Píton2 essa noite? —perguntou Sean.

2
As pessoas apelidaram Heath de Píton (cobra que não possui veneno, mas que agarra as vítimas com longas presas).

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—Não posso reclamar. — Heath trabalhou duro para recrutar o fullback do Ohio, e quando Sean foi
eleito o nono jogador dos Bears na primeira ronda do draft, foi um daqueles momentos perfeitos
que compensavam toda a merda que tinha que engolir. Sean era um trabalhador incansável,
proveniente de uma grande família. Heath estava disposto a fazer todo o possível para mantê-lo
afastado de problemas. Fez um gesto para que as mulheres os deixassem a sós, e Sean pareceu
momentaneamente decepcionado ao vê-las se afastarem. Como todos no clube, ele queria falar
sobre o Robillard.
—Por que você não está lá beijando a bunda magra e branca de Dean como todos os outros?
—Deixo os beijos para os ambientes privados.
—Robillard é um cara esperto. Vai levar seu tempo antes de escolher seu novo agente.
—Não posso culpá-lo por isso. Tem um grande futuro.
—Quer que eu fale com ele?
—Não. —Heath esboçou um sorriso. Robillard não ia levar a sério as recomendações de um
novato. A única opinião que podia merecer seu respeito era a de Kevin Tucker, e nem disso ele
estava certo. Dean se debatia entre idolatrar Kevin ou ter rancor contra ele por não sofrer
nenhuma lesão durante a última temporada, o que o obrigaria a ficar um ano a mais no banco.
—E sobre o que é isso que andam falando, que ultimamente não liga para as mulheres? Hoje todas
as mulheres estão falando de você. Sentem-se abandonadas, sabe?
Não tinha sentido explicar a um garoto de vinte e dois anos com bolos de notas de cem dólares em
cada bolso que este jogo já o deixava farto.
—Tenho estado ocupado.
—Preocupado demais para pensar em xoxotas?
Sean parecia tão genuinamente estupefato que Heath não teve outro remédio que rir. E, para dizer
a verdade, o garoto tinha suas razões. Onde quer que olhasse via peitos redondos disfarçados
apenas por decotes profundos e saias curtas marcando as curvas de extraordinários traseiros. Mas
ele queria algo mais que sexo. Queria o grande prêmio. Uma mulher refinada, linda e doce.
Imaginou sua esposa de berço nobre, esbelta e formosa, a calmaria no meio da tormenta. Sempre
estaria ali para ele e lapidaria suas asperezas. Uma mulher que lhe fizesse sentir que conseguiu
tudo o que sempre sonhou. Com exceção de jogar para os Dallas Cowboys. Sorriu diante de seu
sonho de infância. Ao que teve que renunciar, junto com seu plano juvenil de transar com uma
estrela pornô diferente em cada noite. Entrou na Universidade de Illinois com uma bolsa de estudo
de futebol e tinha jogado quatro anos como titular. Mas durante seu último ano percebeu que
nunca deixaria o banco para se tornar um profissional. Mesmo então, soube que não podia dedicar
sua vida a algo no qual não fosse o melhor, assim conduziu seus sonhos para outra direção. Possuia
as melhores notas nos exames para a carreira de direito, e um ex-aluno influente da Universidade
de Illinois moveu as cordas para facilitar sua entrada em Harvard. Heath aprendeu a combinar seu
cérebro com o que aprendeu nas ruas e sua habilidade camaleônica de adaptar-se em qualquer
ambiente: um boteco, um vestiário, a cobertura de um iate privado...
Apesar de não ocultar suas raízes de garoto do interior, chamava a atenção para eles quando o
convinha, evitava que alguém visse a quantidade de terra que ainda estava presa a suas raízes.
Vestia as roupas mais caras, dirigia os melhores carros, morava na melhor região da cidade. Sabia
diferenciar um bom vinho, apesar de raras vezes beber, entendia de belas artes em termos
acadêmicos, senão estéticos, e não precisava de um manual de boas maneiras para identificar um
garfo de peixe.
—Já sei qual é seu problema— disse Sean com um olhar malicioso. —As garotas daqui não tem
classe suficiente para o Senhor Ivy League. Vocês engomadinhos gostam das mulheres com
monogramas de elefantes tatuados na bunda.
—Sim, para combinar com o grande e elegante H de Harvard que tenho tatuado na minha.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Sean se pôs a rir, e as mulheres olharam para eles para ver o que tinha causado tantos risos. Há
uns anos, Heath teria desfrutado de sua sexualidade predatória. As mulheres se sentiam atraídas
por ele desde era um menino. Aos treze anos foi seduzido por uma das namoradas de seu pai.
Agora sabia que foi objeto de um abuso sexual, mas naquele momento o ignorava, e se sentiu tão
culpado que vomitou de temor que seu pai descobrisse. Um episódio sórdido a mais em uma
infância marcada por eles.
A maior parte dos restos dessa infância ficaram para trás, e as demais desapareceriam quando
encontrasse a mulher ideal. Ou quando Portia Powers a encontrasse para ele. Depois de passar o
último ano procurando por conta própria, chegou à conclusão de que não encontraria a mulher
dos seus sonhos nos bares ou clubes noturnos que frequentava no seu tempo livre. Ainda sim,
nunca teria pensado em contratar uma agência de matrimônios, se não tivesse encontrado um
artigo sobre a Powers na revista Chicago. Suas impressionantes conexões e seu formidável
histórico eram exatamente do que precisava.
Não podia dizer o mesmo de Annabelle Granger. Como profissional curtido no combate, não se
deixava enganar, mas sua sinceridade desesperada o tinha ganhado. Lembrava de seu terrível
terno amarelo, seus grandes olhos cor de mel, suas bochechas redondas e rosadas, e seu cabelo
vermelho e solto. Parecia ter saído do saco do Papai Noel depois de uma viagem de trenó sinuosa.
Deveria ter evitado falar de sua procura por uma esposa na frente de Kevin. Mas como ia saber
que Molly, a esposa de seu cliente estrela, tinha uma amiga no negócio das agências de
matrimônio? Assim que terminasse o encontro que lhe prometeu, Annabelle Granger e sua
desatinada operação seriam história passada.
***

Depois da uma da manhã, Dean Robillard se aproximou finalmente de Heath. Apesar da escassa
iluminação do clube, o garoto ainda usava seu Oakley, mas tirou a jaqueta esportiva e sua camiseta
branca sem mangas destacava o Santo Graal dos ombros de futebolistas: grandes, fortes e sem
estragos pela cirurgia artroscopia.
Dean apoiou o quadril no banco vazio ao lado de Heath. Enquanto estendia uma perna para não
perder o equilíbrio, deixou entrever uma bota de couro cor havana, da qual Heath escutou uma
das garotas dizer que era Dolce & Gabanna.
—Tudo bem, Champion, sua vez de me cortejar.
Heath apoiou um cotovelo no balcão.
—Meus pêsames por sua perda, McGruder era um bom agente.
—Odiava você até a morte.
—Eu também, mas isso não muda o fato de que era um bom agente, e não sobram muitos assim.
— Observou de perto o quarterback— Merda, Robillard, está clareando o cabelo?
—Reflexos. Você gosta?
—Se você fosse um pouco mais bonita, tentaria ficar com você.
Robillard sorriu para ele.
—Teria que entrar na fila.
Ambos sabiam que não estavam falando de relacionamentos.
—Gosto de você, Champion,— admitiu Robillard— assim que não vou fazer rodeios. Você está fora
da corrida. Seria estúpido da minha parte assinar um contrato com o agente numero um na lista
negra de Phoebe Calebow.
—A única razão pela qual estou na lista é porque Phoebe é tacanha. —Não era completamente
verdade, mas não queria entrar nos complicados detalhes de sua relação com a proprietária dos
Chicago Stars. — Phoebe não gosta quando não pego os ossos que ela joga, como todos fazem. Por
que não pergunta ao Kevin se ele tem alguma queixa?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Sim, mas Kevin está casado com a irmã de Phoebe e eu não, assim que a situação não é
exatamente a mesma. O fato é que já aborreci a senhora Calebow sem querer, e não penso em
piorar as coisas te contratando.
Mais uma vez sua relação pouco funcional com Phoebe Calebow se interpunha em seus interesses.
Por mais que tentasse resolver as coisas com ela, os erros que tinha cometido no passado o
perseguiam uma e outra vez para cobra-lhe seu preço. Não deixou que se notasse a tensão,
simplesmente, encolheu os ombros.
—Faça o que tiver que fazer.
—Vocês são um bando de sanguessugas. — disse Dean com um tom amargo — Levam dois ou três
por cento de todos os benefícios brutos, para que? Para fazerem um par de trâmites. Que grande
façanha! Quantos entretenimentos duplos teve que suportar?
—Não tantos como você, sem dúvida. Estava muito ocupado conseguindo direitos contratuais
extras.
Robillard sorriu. Heath respondeu-lhe com um sorriso.
—Só para deixar as coisas claras… Quando se trata desses importantes contratos de promoção que
consigo aos meus clientes, fico com muito mais que três por cento dos benefícios brutos.
Robillard não piscou.
—Os Zagorski me garantiram um contrato com a Nike. Pode me conseguir o mesmo?
—Nunca garanto o que não posso assegurar. —Tomou um gole de sua cerveja. — Não conto
lorotas aos meus clientes, pelo menos não sobre coisas importantes. Também não roubo, nem
minto, nem falto com respeito pelas suas costas. Não existe nenhum agente neste negócio que
trabalhe mais duro do que eu. Nenhum. E isso é tudo o que tenho para oferecer. — Ficou de pé,
tirou a carteira e colocou uma nota de cem sobre o balcão. —Quando quiser falar sobre o assunto,
já sabe onde me encontrar.

***

Ao chegar em casa nessa mesma noite, Heath pegou o convite manchado em uma das caixas de
sua cômoda. O conservava como um lembrete da dor descomunal que sentiu a primeira vez que
tinha se aberto aos vinte e três anos.

Está cordialmente convidado para assistir a boda de


JULIE AMES SHELTON e HEATH D. CAMPIONE

A celebração das bodas de prata de


VICTORIA e DOUGLAS PIERCE SHELTON III
e

A celebração das bodas de ouro de


MILDRED e DOUGLAS PIERCE SHELTON II

Dia dos Namorados


18.00 horas
The Manor
East Hampton, Nova York

O organizador do casamento tinha enviando o convite sem perceber que ele era o noivo, um erro
sumamente eloquente que o permitiu descobrir que o casamento com Julie não era nada mais que
uma engrenagem na mais bem aceita maquinaria da produção familiar. Sempre pensou que era

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muito bom para ser verdade: Julie Shelton apaixonada por um garoto que pagava o curso de
Direito limpado fossas sépticas.
“— Não sei por que leva a mau — tinha dito Julie quando pediu-lhe explicações — As datas
simplesmente coincidiram. Devia ficar feliz por mantermos as tradições. Casar no dia dos
namorados trás boa sorte em minha família.
Isso não é um dia dos namorados qualquer. — tinha respondido— Bodas de ouro, bodas de prata...
Com quem se casaria se eu não tivesse aparecido a tempo?
— Mas apareceu, assim que não sei qual é o problema.”
Tinha lhe pedido para trocar a data, mas ela negou. “Se me ama, fará do meu jeito”, ela disse. Ele a
amava, mas depois de uma semana de noites sem dormir chegou à conclusão de que ela só o
amava por interesse.
O casamento finalmente se realizou com um dos amigos de infância de Julie na qualidade de noivo
da terceira geração do dia dos namorados. Heath demorou vários meses para se recuperar por
completo. Dois anos mais tarde, o casal se divorciou, colocando um ponto final na tradição dos
Shelton, mas Heath não encontrou consolo nisso. Julie não era a primeira pessoa a quem ele
entregava seu coração. Quando criança tinha entregado a todo mundo desde o bêbado de seu pai
até a ladainha de namoradas passageiras que o velho levava a sua casa. Cada vez que uma nova
mulher entrava na bagunçada expedição, Heath suspirava para que fosse a que preenchesse o
vazio deixado pela sua mãe falecida.
Quando a coisa não funcionava, e nunca funcionava, entregava seu carinho aos vira-latas da rua
que acabavam parados pelo caminho da vizinhança, à velhinha da romaria continua que gritava se
sua bola caísse perto de seu jardim de rodas de trator, à professora da escola que tinha seus
próprios filhos e não queria mais nenhum. Mas teve que passar pela experiência com Julie para
apreender a lição que não se permitia esquecer: sua sobrevivência emocional dependia de que
não se apaixonasse.
Esperava que isso mudasse algum dia. Amaria seus filhos, disso estava certo. Nunca permitiria que
crescessem como ele. E quanto a sua esposa... isso tomaria seu tempo. Mas uma vez que estivesse
convencido de seu amor, tentaria. Por agora tinha previsto tratar a busca por uma esposa assim
como tratava outro aspecto de sua vida de negócios, razão pela qual tinha contratado a melhor
agência de matrimônio da cidade. E pela qual tinha que se desfazer de Annabelle Granger.

***

Menos de vinte quatro horas mais tarde, Heath entrou no Sienna’s, seu restaurante favorito, para
cumprir com seu acordo. Annabelle tinha um cartaz de fracassada colado na sua testa, e aquilo era
uma grande perda de tempo que não lhe sobrava. Enquanto ia para sua mesa habitual, em um
canto do fundo do bar bem iluminado, cumprimentou em italiano Carlos, o proprietário. Heath
aprendeu o idioma na universidade, e não com seu pai, que só falava em embriaguez. O velho
morreu de uma mistura de enfisema e cirrose quando Heath tinha vinte anos. Ainda não tinha
derramado uma só lágrima por ele.
Fez uma ligação rápida para Caleb Crenshaw, o runningback dos Stars, e outra para Phil Tyree, de
Nova Orleans. O alarme de seu relógio soou assim que desligou. Às nove da noite levantou a vista
e, com efeito, Annabelle Granger caminhava em sua direção. Mas foi a deslumbrante loira que
caminhava ao seu lado que chamou sua atenção. Santo Deus... De onde tinha saído? O cabelo liso
e curto caia em um corte moderno até a mandíbula. Tinha traços perfeitamente equilibrados e
uma figura magra, de pernas longas. Então, Tinker Bell não tinha só papo.
Sua casamenteira era meia cabeça mais baixa que a mulher que tinha trazido. Seu emaranhado de
cabelos ouro avermelhados brilhavam ao redor da pequena cabeça. O casaco curto branco que
usava com o vestido de alça verde limão era, sem duvida, uma grande melhoria sobre o conjunto

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

do dia anterior, ainda sim, continuava parecendo uma fada louca do bosque. Ficou de pé para
saudá-las.
—Gwen, te apresento Heath Champion. Heath, Gwen Phelps.
Gwen Phelps o olhou com um par de inteligentes olhos castanhos que se inclinavam de forma
atraente no canto.
—É um prazer. —disse com um tom profundo e baixo — Annabelle me falou tudo sobre você.
—Fico feliz em saber. Isso quer dizer que podemos falar de você, que, pelo que eu vejo, será muito
mais interessante. — Foi um comentário muito convencional, e inclusive pareceu que ouvia um
grunhido, mas quando desviou o olhar para Annabelle, só viu em sua expressão ânsia por agradar.
—Eu duvido disso. — Gwen deslizou com graça sobre a cadeira que ele segurava para ela. A mulher
destilava classe. Annabelle puxou a cadeira situada no extremo oposto, mas emperrou em um dos
pés da mesa. Ocultando a irritação, Heath se pôs a ajuda-la. Annabelle era um desastre ambulante,
e agora se arrependia de exigir que ela se sentasse com eles, mas de momento tinha parecido uma
boa ideia. Quando decidiu contratar uma agência matrimonial, também prometeu a si mesmo
fazer com que o processo fosse eficiente. Já havia tido dois encontros organizados pela Casais
Power. Mesmo antes de chegarem às bebidas, sabia que nenhuma das mulheres era adequada
para ele, e tinha perdido um par de horas se livrando delas. Entretanto, essa prometia.
Ramon veio do bar para anotar seus pedidos. Gwen pediu um club soda, Annabelle algo aterrador
chamado fantasma verde. Ela o olhava com uma expressão jovial e impaciente de dono que
aguarda que seu cachorro de raça mostre suas habilidades. Sim, se esperava que ela conduzisse a
conversação, podia esperar sentado.
—É de Chicago, Gwen? —perguntou Heath.
—Cresci em Rockford, mas vivo na cidade há anos. Em Bucktown.
Bucktown era um bairro do norte de Chicago popular entre os jovens, não muito distante dali. O
mesmo bairro no qual ele viveu durante um tempo, de modo que trocaram uns quantos
comentários superficiais sobre a região, justamente o tipo de conversa irrelevante que ele queria
evitar. Lançou um olhar para a senhorita casamenteira. Ela, que não era boba, captou a indireta.
—Vai gostar de saber que Gwen é psicóloga. É uma das principais autoridades do país em educação
sexual.
Isso atraiu sua atenção. Evitou fazer muitos dos comentários de vestiário de homens que vinham a
sua mente.
—Um campo de estudo pouco comum.
—A educação sexual não tem boa reputação. —respondeu a formosa psicóloga — Mas se utilizada
de forma adequada, pode ser uma magnífica ferramenta terapêutica. Propus-me a dar a relevância
que merece.
A psicóloga começou a fazer um resumo de seu trabalho. Tinha um grande senso de humor, era
esperta e sexy. E como era sexy! Tinha subestimado completamente as habilidades casamenteiras
de Annabelle Granger. Entretanto, justo quando começava a relaxar com a conversa, Annabelle deu
uma olhada em seu relógio e ficou de pé.
—O tempo acabou.— anunciou com um tom de voz jovial que deu-lhe inveja.
A atraente psicóloga ficou de pé com um sorriso.
—Foi um prazer te conhecer, Heath.
—O prazer foi meu. — Como foi ele quem pôs o limite de tempo, não teve outro remédio que
ocultar sua irritação. Nunca tinha esperado que uma estúpida como Annabelle o apresentasse uma
mulher deslumbrante como aquela, muito menos no primeiro encontro. Gwen abraçou
rapidamente Annabelle, voltou a dirigir um sorriso para Heath e foi embora. Annabelle acomodou-
se em sua cadeira, bebeu um trago de seu fantasma verde e colocou a mão na bolsa, desta vez cor
turquesa com palmeiras cobertas de lantejoulas.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Segundos depois, tinha diante de seus olhos um contrato. O mesmo que deixou sobre sua mesa no
dia anterior.
—Garanto a você um mínimo de duas apresentações por mês. — Uma mecha de seu cabelo louro
avermelhado caiu sobre seu rosto. —Cobro d...dez mil dólares por seis meses. — Não lhe passou
inadvertido nem o gaguejo, nem o súbito tom vermelho daquelas bochechas de esquilo. Tinker
Bell estava a todo vapor. —Normalmente a tarifa inclui uma sessão com um assessor de imagem,
mas... —Dedicou um olhar a seu corte de cabelo, retocado a cada duas semanas por oitenta
dólares a visita ao estilista, a sua camisa negra Versace e a sua calça cinza pálida Joseph Abboud. —
Eh...eh... mas acho que podemos economizar isso.
E era assim. Heath tinha um gosto lamentável para roupa, mas imagem era tudo em sua profissão,
e o fato de que não importasse um pingo pelo que usasse, não significava que seus clientes
tivessem a mesma opinião. Um assessor de imagem gay e refinado comprava tudo o que usava
Heath. Além disso, o tinha proibido de combinar qualquer peça sem consultar alista pendurada em
seu armário.
—Dez mil dólares é muito dinheiro para alguém que está começando. — disse.
—Igual a você, cobro pelo que valho. —Seus olhos se detiveram em sua boca.
Segurou o sorriso. Tinker Bell precisava praticar sua cara de poker.
—Já paguei muito por meu contrato com Portia Powers.
O pequeno arco de Cupido do centro de seu lábio superior empalideceu um pouco, mais ainda
restavam recursos.
—E quantas mulheres como Gwen ela te apresentou?
Agora ela o pegou e dessa vez não ocultou seu sorriso. No lugar disso, pegou o contrato e começou
a ler. Os dez mil dólares eram um blefe, nada mais que uma ilusão da parte dela. Mesmo assim,
tinha lhe apresentado Gwen Phelps. Leu as duas páginas. Podia fazê-la baixar o preço, mas até
onde queria chegar? A arte do acordo requeria que ambas as partes se sentissem ganhadoras. Do
contrário, o ressentimento podia influenciar negativamente nos resultados. Pegou seu Mont blanc
e começou a fazer modificações: riscou uma cláusula, alterou um par e acrescentando suas
próprias. Finalmente, devolveu seu papel.
—Cinco mil adiantados. O resto só se você conseguir a mulher ideal.
Os pontos dourados de seus olhos castanhos brilharam como purpurina de um ioiô de criança.
—Isso é inaceitável. Praticamente está me pedido para trabalhar gratuitamente para você.
—Cinco mil dólares não é exatamente pouca coisa. E seu currículo não me impressiona.
—Mesmo assim, trouxe Gwen.
—Como eu sei que ela não é tudo que você tem? Existe uma grande diferença entre prometer
resultados e consegui-los. — Sinalizou o contrato. — Passo a bola para você.
Pegou as folhas e analisou as modificações com cenho franzido, mas no final assinou, assim como
ele tinha previsto. Depois que ele também assinou, se mexeu em sua cadeira e a estudou.
—Dê para mim o telefone de Gwen Phelps. Eu mesmo marcarei o próximo encontro.
Ela apoiou um dedo em seu lábio inferior, revelando os dentes brancos e pequenos.
—Tenho que perguntar a ela primeiro. É um acordo que faço com todas as mulheres que
apresento.
—Parece sensato, mas eu não me preocuparia com isso.
Enquanto ela procurava o telefone em seu celular, ele deu uma olhada no relógio. Estava cansado.
Passou o dia em Cleveland e ainda tinha a agenda cheia, desde o café da manhã até a meia noite.
Na sexta tinha que pegar um voo para Phoenix na primeira hora e, na semana seguinte, viajaria
para Tampa e Baltimore. Se tivesse uma esposa, teria uma mala feita sempre que precisasse, e
encontraria algo além de cerveja na geladeira quando voltasse para casa depois de um voo
noturno. Também teria alguém com quem falar sobre o trabalho, a oportunidade de baixar a
guarda sem se preocupar com seu sotaque do interior que aparecia em sua fala quando estava

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

cansado, ou de apoiar-se sem se importar que os cotovelos estivessem sobre a mesa enquanto
comia um lanche ou qualquer outra bobagem das quais tinha que estar permanentemente atento.
Acima de tudo, teria alguém que ficaria.
—Gwen, quem fala é Annabelle. Obrigada mais uma vez por aceitar que te apresentasse a Heath
com tão pouco tempo de antecipação. —Dirigiu-lhe um olhar incisivo. Tinker Bell o estava
mortificando. —ele me pediu seu numero de telefone. Acho que ele planeja te convidar para
jantar— outro olhar corrosivo— no Charlie Tritter’s.
Teve vontade de começar a rir, mas se manteve inexpressivo para não lhe dar a satisfação.
Ela fez uma pausa, escutou e assentiu. Ele pegou seu celular e consultou a lista de chamadas que
tinham entrado enquanto falava com Gwen. Em Dever ainda não eram as nove. Ainda tinha tempo
de ligar para Jamal para interar-se sobre seu ligamento.
—Sim. — ela disse — Sim, direi a ele. Obrigada. — Fechou o celular, colocou na bolsa e voltou a
olhá-lo. — Gwen disse que gostou de você, mas só como amigo.
Heath ficou sem palavras, o que raramente acontecia.
—Temia que isso pudesse acontecer. — ela se apressou em dizer — Vinte minutos não é tempo
suficiente para causar a melhor impressão.
Ele a olhou, incapaz de acreditar no que ela estava dizendo.
—Gwen me pediu que transmitisse seus melhores desejos. Disse que você é muito bonito, e que
está certa de que não te custará muito encontrar a uma mulher adequada.
Gwen Phelps o tinha rejeitado?
—Talvez, — disse Annabelle pensativa. — tenha que baixar um pouco o nível na escala de modelo
feminino perfeito.

O jaguar cor azul marinho virou silenciosamente a esquina da Hoyne até a estreita rua de Wicker
Park. A mulher ao volante foi prestando atenção aos números dos portões atrás de seus óculos de
sol Chanel sem armação, com suas minúsculas “Cs” de falsa pedraria entrelaçadas nas alças. Eram,
estritamente, óculos fashion, o que significava que mal tinha proteção contra os raios ultravioletas,
nem sequer o suficiente para um dia nublado, mas ficava incrivelmente bem com sua pele pálida e
sua mata de cabelos escuros, e Portia Powers não era partidária de sacrificar a elegância pela
funcionalidade.
Nem na iminência de seu aniversário, o trigésimo sétimo para os amigos mais próximos, o
quadragésimo de acordo com sua mãe, faria-lhe considerar a possibilidade de trocar seus sapatos
de salto agulha de Christian Louboutin por um tênis. Seu ex-marido tinha falado com ela em certa
ocasião que seu cabelo escuro, sua cútis branca invernal, seus assombrosos olhos azuis e sua figura
extremamente esguia faziam que se parecesse com a Branca de Neve depois de fazer dois meses
da dieta de South Beach.
Diminuiu a velocidade quando encontrou o que procurava na rua coberta por árvores. Nunca viu
uma candidata mais digna de demolição que aquela casinha de madeira pintada com a cor azul dos
ovos de tordo, com vários tipos de vegetais descascados. Uma cerca negra de ferro forjado
cercando um quintal do tamanho do seu banheiro. O lugar parecia um jardim coberto de alguma
das duas elegantes casas restauradas de tijolos e dois andares, que haviam de ambos os lados.
Como tinha conseguido se livrar da avalanche de demolições que tomou conta da maioria dos lares
de Wicker Park?
Portia viu a propaganda do Perfeita para Você sobre a mesa de Heath Champion no dia anterior,
quando passou para fazer uma visita e seu formidável instinto competitivo disparou. Nos últimos

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

doze meses tinha perdido dois clientes importantes para agências novas, e um marido para uma
organizadora de eventos de vinte e três anos. O fracasso tinha um determinado cheiro, e estava
disposta a se matar trabalhando antes de permitir que esse cheiro grudasse nela. Umas poucas
horas de investigação foram o bastante para descobrir que o Perfeita para Você era simplesmente
o novo nome de Bodas Myrna Reichman, sua neta tinha se encarregado do negócio. Algumas
pesquisas a mais revelaram que essa mesma neta foi companheira de universidade da mulher de
Kevin Tucker, Molly. Portia pode assim se tranquilizar um pouco. Evidentemente, Heath se sentiu
obrigado a conceder um encontro de cortesia com a garota se a mulher de seu cliente pedisse, mas
ele era muito exigente para trabalhar com uma despreparada. Podia dormir livre de
preocupações... e teve um sonho erótico com seu apreciado cliente. Claro que jamais tentaria
colocá-lo em prática. Uma aventura com Heath Champion teria certa emoção, mas nunca
permitiria que sua vida pessoal interferisse em seus negócios.
Infelizmente, a ligação telefônica que recebeu aquela manhã trouxe novamente sua parte
ansiedade. Ramon, o garçom do Sienna’s, fazia parte do numeroso pessoal de prestação de
serviços bem localizados que recebia dela esplêndidos presentes em recompensa por facilitar
informações uteis, comunicou-lhe que uma casamenteira chamada Annabelle apareceu ali na noite
passada na companhia de uma mulher belíssima que apresentou a Heath. Portia saiu para o
Wicker Park assim que pode. Precisava saber em que medida essa mulher seria uma ameaça, mas
essa casa em ruínas demonstrava que o Perfeita para Você era um negócio somente na cabeça da
senhorita Granger.
Champion simplesmente estava sendo amável para agradar a esposa de Kevin Tucker.
Sentido-se um pouco mais tranquila, tomou direção ao sul, para o centro, rumo a sua esfoliação
mensal.
Gastava uma fortuna para conservar seu rosto livre de rugas e seu corpo esbelto como um graveto.
A idade podia aumentar o poder de um homem, mas acabava com o de uma mulher, e depois de
uma hora, voltou a retocar seu radiante rosto enquanto entrava nos escritórios do Casais Power,
situado no primeiro andar de um edifício vitoriano de tijolos, pintado de branco, não muito
distante da biblioteca Newberry.
Inez, sua recepcionista/secretária, se apressou a desligar o telefone com cara de culpa. Mais
problemas no cuidado de seus filhos. Como as mulheres iam progredir se o fardo de cuidar de seus
filhos recaia sempre sobre elas? Portia relaxou na repousante elegância da ampla área de seu
escritório, com suas paredes verde cálidas e seus negros divãs baixos, de inspiração oriental. Suas
três ajudantes estavam em frente de suas mesas, separadas por sofisticados biombos de
pergaminho com molduras revestidas em negro. Suas ajudantes, cujas idades oscilavam entre
vinte e dois e vinte e nove, patrulhavam os bares mais famosos da cidade e faziam entrevistas
iniciais. Portia as contratou de acordo com seus contatos, seus cérebros e suas aparências. Exigia
que vestissem preto no trabalho, ternos simples e elegantes, calças largas com blusas e suéteres
clássicos, e um blazer com bom corte. Para ela, as normas eram mais flexíveis, hoje tinha escolhido
um modelo cinza perola da Ralph Lauren, blazer de ponto veraneio, blusa bordada, saia tubo e
perolas, rematados por sapatos de salto alto cor lavanda com um arco muito feminino no peito do
pé.
Não tinha clientes no escritório, assim fez seu temido anuncio:
—Atenção todas vocês, hoje é aquele dia da semana. Vamos, vamos. Acabemos com esse calvário
o quanto antes.
Susu Kaplan deixou escapar um gemido.
—Estou menstruada.
—Você ficou assim semana passada. —Respondeu Portia. — Nada de desculpas. —Só seu contador
e o guru da informática que trabalhava na web de Casais Power estavam isentos de seu ritual

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semanal, levando em consideração que eles não entravam em contato com os clientes. Além disso,
eram homens, precisavam de outra justificativa? Portia entrou em seu escritório.
—Você também, Inez.
—Eu sou recepcionista. —protestou Inez. — Não tenho que ir a bares pela noite.
Portia a ignorou. Todas queriam o prestigio de trabalhar no Casais Power, mas nenhuma estava
disposta a assumir o trabalho duro e a disciplina inseparável daquilo. A disciplina torna o sonho,
realidade. Quantas vezes repetiu aquelas palavras as mulheres que apadrinhava na Iniciativa
Comunitária da Pequena Empresa? E quantas vezes escolhiam não lhe fazer caso?
Kiki Ono sorriu feliz e Briana não parecia muito preocupada, mas Susu Kaplan seguia franzindo o
cenho, daquele jeito ia precisar de Botox antes de fazer trinta anos. Nos escritórios de Portia, meia
dúzia de obras de cerâmica de cor curry constituíam os únicos complementos decorativos de um
espaço dominado por cristal, linhas retas e superfícies duras. Suas preferências pessoais eram
destacadas por interiores mais suaves, mais femininos, mas acreditava que o escritório de uma
mulher tinha que projetar autoridade. Os homens podiam rodear-se de todos os troféus de boliche
e fotos familiares que quisessem, mas uma executiva não podia dar-se ao luxo. Enquanto se dirigia
ao banheiro privado, escutou o ruído de tirar sapatos e blazers, o tilintar de fivelas e pulseiras
deixadas de lado. Com a ponta de seus Christian Louboutin cor lavanda, correu a balança de
precisão de cromo e cristal que tinha deixado debaixo da pia, pegou-a e levou ate o chão de
mármore negro do escritório. Quando tirou de sua mesa a ficha com a tabela que precisava, Susu
já tinha ficado nua e usava apenas um jogo azul marinho de sutiã e calcinha.
—Quem é a corajosa que vai primeiro?
—Eu mesma. —Briana Olsen, uma esbelta beleza escandinava, subiu na balança.
—Cinquenta e quatro e meio. — Portia anotou o peso em suas tabelas. —Engordou meio quilo
desde o mês passado, mas com sua altura isso não é um problema. Essa manicure em
contrapartida... —Sinalizou o esmalte descascado cor café de seu dedo indicador. —Sério, Briana.
Quantas vezes terei de dizer? A aparência é tudo. Arrume-as. Inez, agora é você.
Que Inez tinha uns quilos a mais estava claro, mas tinha uma pele fabulosa, sabia maquiar-se
maravilhosamente e conseguia fazer com que os clientes se sentissem confortáveis. Além disso, a
mesa da recepção era bastante alta para ocultar a gordura que lhe sobrava.
— Se pretende conseguir um marido algum dia…
—Já sei, — disse Inez. —Um dia me dedicarei a isso seriamente.
Kiki, sempre a jogadora da equipe, lhe deu uma ajuda.
—Agora é minha vez. — disse, toda jovial. Jogando garbosamente seu sedoso cabelo negro sobre
os ombros, subiu na balança.
—Quarenta e seis quilos e quatrocentos. — anotou Portia. —Excelente.
—É muito mais fácil se você é asiática. — disse Susu com um tom de mal-humorado. — As
orientais têm ossos pequenos. Eu sou judia.
Como lembrava cada vez que era sua vez de pesar. Mas Susu era graduada em Brown e se
relacionava com algumas das famílias mais ricas da costa norte. Com seu cabelo fantástico, com
incrível cachos caramelo, e uns olhos infalíveis para a moda, irradiava um sex appeal a La Jennifer
Aniston. Lamentavelmente não tinha o corpo de Aniston. Portia indicou vagamente a balança.
—Acabemos com seu sofrimento.
Susu ficou plantada.
—Quero que conste que isso me parece vexatório e insultante.
—Possivelmente, mas também é para seu próprio bem, assim que suba.
Ela subiu resmungando.
Portia anotou a cifra com um suspiro.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Cinquenta e sete quilos e setecentas gramas. —Diferente de Inez, Susu não tinha mesa para se
esconder atrás. Ia aos bares representando Casais Power. —Todas as demais, de volta ao trabalho.
Susu, temos que conversar.
Susu colocou um cacho de seu cabelo reluzente atrás da orelha e ficou com cara de aborrecida.
Kiki deu-lhe um olhar de compreensão e solidariedade antes de desaparecer com as outras. Susu
pegou seus vestido tubinho negro da Banana Republic e o abriu na frente de Portia.
—Isso é discriminatório e ilegal.
—Meu advogado não pensa da mesma forma, e o contrato que assinou é explicito. Já falamos disto
antes de que te contratasse, lembra? O aspecto pessoal é primordial neste negócio, e eu ponho
meu dinheiro no que e em quem se ajusta aos meus critérios. Ninguém oferece prêmios e
benefícios como eu ofereço. Ao meu ver, isso implica que posso me permitir ser um pouco
exigente.
—Mas sou a melhor colaboradora que tem. Quero que me julgue por meu trabalho, não por meu
peso.
—Posso te implantar um pênis. —Susu continuava sem entender que Portia não fazia mais que
zelar pelos interesses de ambas. —Você tentou, pelo menos?
—Sim, mas...
—Qual é sua altura?
—Um e sessenta e quatro e meio.
—Um e sessenta e quatro e meio e cinquenta e sete quilos e setecentas. — Apoiou-se na borda de
cristal da mesa. — Eu sou dez centímetros mais alta. Vamos ver o que peso. —Ignorando o olhar
resentido de Susu, tirou os sapatos e o blazer, deixou as perolas encima da mesa e subiu na
balança. —Cinquenta e cinco quilos. Aumentei um pouco. Essa noite, nada de carboidratos para
mim. — Desceu da balança e colocou novamente os sapatos. —Vê como é fácil? Se não gosto do
que me diz a balança, me imponho restrições.
Susu caiu no sofá, e as lagrimas afloraram em seus olhos.
—Eu não sou como você.
As que choravam no trabalho reforçavam todos os clichês negativos relativos às mulheres no
ambiente laboral, mas Susu não tinha desenvolvido ainda a dura casca que a experiência dava, e
Portia se ajoelhou ao seu lado, tentando fazê-la compreender.
—É uma trabalhadora estupenda, Susu e tem um grande futuro. Não permita que a obesidade se
interponha em seu caminho. Existem estudos que demonstram que mulheres com sobrepeso
recebem menos promoções e ganham menos dinheiro. É uma das diversas formas que o mundo
dos negócios nos descrimina. Mas o peso, pelo menos, é algo que podemos controlar.
Susu deu-lhe um olhar obstinado.
—Cinquenta e sete quilos não é obesidade.
—Não, mas também não é a perfeição. Verdade? E é pela perfeição que todas devemos buscar.
Agora entre no meu banheiro e tome uns minutos para acalmar-se. Depois, volte ao trabalho.
—Não! —Susu ficou de pé em um salto, com a cara vermelha. —Faço um bom trabalho para você,
e não tenho que aguentar isso. Peço demissão.
—Venha, Susu…
—Odeio trabalhar para você! É impossível estar à altura de suas expectativas. E já não me importo.
Será vencedora e tão rica como quer, mas não tem uma vida. Todo mundo sabe, e me dá pena.
Eram palavras que ardiam, mas Portia nem pestanejou.
—Tenho uma vida estupenda— disse com frieza. — E não vou me desculpar por exigir excelência. É
evidente que você não está preparada para isso, assim que esvazie sua mesa. —Dirigiu-se até a
porta e a manteve aberta.
Susu estava furiosa e chorava, mas não tinha vontade de dizer nada mais. Segurando o vestido pela
frente, saiu como uma flecha do escritório. Portia fechou a porta com cuidado, assegurando-se de

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evitar batê-la com força, e depois se recostou sobre ela e fechou os olhos. As palavras iradas de
Susu tinham dado-lhe um branco. Ela sempre supôs que aos quarenta e dois anos teria tudo o que
queria, mas apesar de todo dinheiro e de suas conquistas, o orgulho de se sentir realizada ainda
estava distante dela. Tinha dezenas de amizades, mas nenhum amigo de coração, e seu casamento
foi um fracasso. Como isso pode acontecer, quando ela esperou tanto e escolheu com tanto
cuidado?
Carlton tinha sido seu par perfeito, um par Power, educado, rico e triunfador. Esteve na lista de
casais mais bem cotados de Chicago, convidados as melhores festas, presidindo uma importante
fundação beneficente. Seu casamento tinha que ter funcionado, mas durou um ano. Portia nunca
esqueceria do que ele disse no dia que a deixou: “Estou esgotado... Estou tão preocupado que me
corte as bolas que não posso nem que sequer dormir tranquilo a noite.”
Foi uma pena que não conseguisse, porque, depois de três semanas, ele foi morar com uma
organizadora de eventos de vinte e três anos cabeça-oca, com implantes nos peitos, um
permanente e um risinho ridículo. Portia verteu meia garrafa de Pellegrino numa das taças Villeroy
& Boch que Inez guardava junto a sua mesa. Talvez algum dia Susu compreendesse o terrível erro
que cometeu ao não aproveitar o fato de que ela estava disposta a ser sua mentora. Ou talvez não.
Para Portia não choviam precisamente notas de agradecimento de suas antigas empregadas nem
das mulheres que tentava assessorar.
O dossiê de Heath Champion jazia em sua mesa, se sentou para estudá-lo. Mas enquanto
contemplava a pasta, viu o papel pintado de chaleiras douradas da cozinha da casa que tinha
crescido em Terre Haute, Indiana. Seus pais, da classe trabalhadora estiveram satisfeitos com suas
vidas: as roupas de armazém em promoção, as mesinhas ornamentais de imitação de madeira, os
quadros a óleo produzidos em série comprados nas lojas de algum artista famoso em Holiday Inn.
Mas Portia sempre desejou mais. Com seu dinheiro comprava revistas como Vogue ou Town &
Country. No painel de cortiça de seu quarto colava fotos de lindas casas e móveis elegantes.
Quando ia ao instituto, assustava seus pais com os ataques de histeria que lhe acometiam se não
tirasse as maiores notas em uma prova. Durante toda sua infância, fantasiou que era uma vitima
dessas pouco usuais trocas de bebês na maternidade, ignorando o fato de que tinha herdado os
olhos, a cor de pele e o cabelo de seu pai.
Sentou-se em sua cadeira e tomou um trago do Pellegrino antes de voltar a concentrar-se no que
devia, encontrar a esposa perfeita para Heath Champion. Podia ser que tivesse perdido dois
clientes ilustres e um não menos ilustre marido, mas não voltaria a falhar. Nada, nem ninguém iam
impedi-la de encontrar a pessoa certa para ele.

A voz profundamente masculina retumbou com desagrado no fone de ouvido.


—Tenho outra ligação. Disponho de trinta segundos.
—Tempo insuficiente. — replicou Annabelle — É preciso que sentemos os dois para que possa ter
uma ideia mais concreta do que você procura. —Não gastou saliva pedindo que preenchesse um
questionário que levou tantas horas para aperfeiçoar. A única forma de conseguir a informação que
precisava era averiguando-a.
—Digamos assim — respondeu ele. — A ideia que tenho de passar um bom momento com minha
futura esposa é sentar-me no Soldier Field em janeiro, com o vento soprado desde o lago a trinta
nós. Que seja capaz de alimentar meia dezena de atletas universitários com uma comida a base de
espaguete sem aviso prévio e de fazer dezoito buracos jogando golfe nos Ts dos homens sem

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

envergonhar a si mesma. Sexy como o inferno, sabe se vestir e acha engraçado piadas de peido.
Alguma coisa mais?
—É tão terrivelmente difícil fazer uma lobotomia em uma mulher nos dias de hoje. Mesmo assim,
se é isso que você quer...
Um suspiro surdo. Se era de irritação ou de graça, não pode discerni-lo.
—Poderia ser amanhã pela manhã? — perguntou ela, tão jovial como se fosse uma das
animadoras com as que, sem duvida, ele saiu uma dezena de vezes em seus dias de esportista
universitário.
—Não.
—Diga então onde e quando.
Ouviu então um suspiro que combinava resignação e exasperação.
—Vou ver um cliente em Elmhurst dentro de uma hora. Você pode me acompanhar até lá. Espere
na frente do meu escritório às duas. E se não chegar pontualmente, irei sem você...
—Estarei ai.
Desligou o telefone e sorriu para a mulher sentada do outro lado da mesa de metal verde.
—Bingo.
Gwen Phelps Bingham deixou sobre a mesa seu copo de chá gelado.
—Convenceu-o a preencher seu questionário?
—Mais ou menos— respondeu Annabelle— Terei que entrevistá-lo no seu carro, mas mais vale
isso do que nada. Não posso seguir a diante sem ter uma ideia mais concreta do que ele quer.
—Loira e com peitos. Lembre-se de dár-lhe meus comprimentos. —Gwen sorriu e desviou seu
olhar para o conjunto de lírios cheios de mato que marcavam seu jardim na ruela atrás de seu
duplex em Wrigkeyville. — Tenho que admitir que é bem atraente... para quem gosta de homens
duros e conquistadores e ao mesmo tempo TÃO ricos e bem sucedidos.
—Ouvi você.
Ian, o marido de Gwen, colocou a cabeça pela porta aberta do terraço.
—Annabelle, essa enorme cesta de fruta não começa nem a compensar pelo que me fez passar na
semana passada.
—E o que me diz do ano de babá grátis que eu te prometi?
Gwen deu umas palmadas no seu ventre quase plano.
—Tem que admitir, Ian, só por isso já valia a pena.
Ele continuou passeado pelo pátio.
—Não penso em admitir nada. Vi as fotos desse cara, e ainda por cima tem cabelo.
Ian estava mais suscetível que o normal quando o assunto era cabelo, o dele já raleava, e Gwen o
olhou com ternura.
—Casei com você por seu cérebro, não por seu cabelo.
—Heath Champion foi o numero um de sua turma de direito — disse Annabelle, só para atiçar. —
Assim está claro que também tem cérebro. Razão pela qual cativou tanto nosso Gwennie.
Ian se negou a morder a isca.
—Sem mencionar o pequeno detalhe de que você lhe disse que ela era uma educadora sexual.
—Não é verdade. Eu disse que era uma autoridade nas matérias de educações sexuais. E eu li sua
tese de doutorado, assim que isso conta.
—Engraçado que não se incomodou em dizer que agora exerce a psicologia numa escola primária.
—Levando em conta todo o demais que não me incomodei em mencionar, parecia uma questão
irrelevante.
Annabelle conheceu Gwen e Ian um pouco antes de deixar a universidade, quando viviam no
mesmo bloco de apartamentos. Apesar de perder o cabelo, Ian era um cara muito atraente, e
Gwen o adorava. Se não fossem tão apaixonados, Annabelle nunca teria pensado em recorrer a
Gwen naquela noite, mas Heath a tinha posto entre a cruz e a espada, e sua situação era

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

desesperadora. Ainda que tivesse em mente umas quantas mulheres para apresentá-lo, não tinha
certeza de que nenhuma delas causasse o efeito demolidor que precisava para garantir seu
contrato. Então pensou em Gwen, uma mulher que tinha nascido com esse genes misteriosos que
fazia com que os homens se derretessem só de olha-la.
Ian seguia se sentido irritado.
— O cara é rico, bem sucedido e atraente.
—Você também, — disse Gwen com toda lealdade — exceto por ser rico, mas ainda chegará lá.
A empresa de Software que Ian dirigia da sua casa começa por fim a dar algum lucro, e era por isso
que estavam a ponto de mudar-se de casa. Annabelle experimentou uma dessas pontadas de
inveja que sentia a cada momento que encontrava com eles. Ela desejava uma relação assim.
Houve um tempo em que acreditou que a tinha com Rob, o que lhe deu ocasião de comprovar que
era insensatez seguir os instintos de seu coração.
Ficou de pé, acariciou a barriga de Gwen e deu um abraço adicional em Ian. Não só tinha
emprestado sua mulher, como estava criando sua web página. Annabelle sabia que tinha que estár
presente na rede, mas não tinha intenção de transformar Perfeita para Você em um serviço de
encontros pela internet. Nana mostrou-se veemente nesse ponto. “Três quartos dos homens que
se inscrevem nessas coisas ou estão casados, ou na prisão, uns pervertidos.” Nana exagerava.
Annabelle conhecia pessoas que encontraram o amor online, mas pensava igualmente que não
havia computador no mundo que pudesse superar o toque pessoal.
Retocou a maquiagem no banheiro de Gwen, comprovou que não tinha manchado a saia curta cor
caqui nem a blusa verde menta e foi para o centro. Chegou ao edifício do escritório de Heath com
uns minutos de antecedência, assim buscou abrigo no Starbucks que havia cruzando a rua e pediu
um frappuccino com moca caríssimo.
Ao sair novamente à rua, viu-o aparecer com um celular grudado à orelha. Usava óculos de aviador,
uma polo cinza claro e calças esporte. Levava pendurado no ombro um casaco esportivo com pinta
de caro.
Os homens como ele deveriam ser obrigados por lei a carregar um desfibrilador cardíaco.
Dirigiu-se ao passeio, onde esperava um Cadillac Escalade negro e reluzente com vidros fumês e o
motor ligado. Ia abrir a porta de traz sem olhar sequer se a via, ela percebeu que ele tinha se
esquecido de sua existência. A história de sua vida.
—Espere! — Cruzou a rua e o trajeto, esquivando um taxi e um Subaru vermelho. Houve estrondo
de buzinas e relinchar de freios, e Champion levantou a vista. Fechou seu celular com um estalido
no momento que ela subia no passeio.
—Não tinha visto uma corrida com uma trajetória assim desde que Bobby Tom Denton deixou os
Stars para se aposentar.
—Já ia sair sem mim.
—Não tinha te visto.
—Também não procurou!
—Tenho muita coisa na cabeça. — Pelo menos, segurou aberta a porta de trás do quatro por
quatro para que ela entrasse e sentasse ao seu lado. O motorista puxou para frente o assento do
copiloto para dar mais espaço as pernas, antes de que virasse para examiná-la.
O motorista era um tipo grande, de um tom moreno atroz. O colossal par de braços e o pulso com
o que tinha rodeado o volante estavam adornados com tatuagens. A cabeça raspada, uns olhos de
quem sabe tudo e um sorriso perverso que lhe dava um ar de gêmeo mal de Bruce Willis que era
muito sexy e dava bastante medo ao mesmo tempo.
—Onde vamos? —perguntou.
—Elmhurst. — disse Heath— Crenshaw quer que eu veja sua casa nova.
Como torcedora dos Stars que era, Annabelle reconheceu o nome de seu runningback titular.
—Os Sox vão ganhar de dois a um. — disse o motorista — Quer escutar na parte de trás?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Sim, mas por desgraça tenho que atender a um assunto que prometi de que me ocuparia.
Annabelle, este é Bodie Gray, o melhor linebacker que já existiu em Kansas City.
—Selecionado na segunda ronda do draft em Arizona — disse Bodie ao entrar no trafego com o
quatro por quatro. — Joguei duas temporadas com os Steelers. Mas esmaguei minha perna em um
acidente de moto no mesmo dia que assinei com os Chiefs.
—Isso deve ter sido terrível.
—Às vezes se ganha, às vezes se perde, verdade chefe?
—Ele me chama assim só para me encher o saco.
Bodie a examinou pelo retrovisor.
—Então você é a casamenteira?
—Facilitadora de encontros. — Heath tomou seu frappuccino com moca.
—Ei!
Ele deu um trago com o canudinho, e Bodie deu uma risada.
—Que facilitadora de encontros, hein? Encontrou um trabalho sobre medida com o chefe,
Annabelle. Tem uma longa história de amores e desamores. — Virou a esquerda pela LaSalle. —
Mas veja que ironia... A última mulher que despertou seu interesse, uma que se achava só porque
trabalhava no escritório do prefeito, deu-lhe um fora. Por que esse riso?
Heath bocejou e estirou as pernas. Apesar de seu luxuoso guarda-roupa, para ela não custava
muito imaginá-lo como um cowboy, com camiseta surrada e botas de trabalho surradas. Bodie
entrou pela Congress.
—Deu-lhe um fora porque não parava de colocar-lhe chifres.
Annabelle encolheu seu estomago.
—Ele era infiel?
—É a fama — Bodie trocou de pista. — Passava o dia traçando seu celular.
Heath tomou outro trago de frappuccino.
—Ele está ressentido porque sou um vencedor e fuderam a vida dele.
Não teve resposta do assento da frente. Que estranho tipo de relação era essa?
Tocou o celular. Não o que Heath tinha utilizado há momentos antes. O som desse vinha do bolso
do casaco. Pelo que parecia, não lhe bastava ter um celular.
—Champion.
Annabelle aproveitou a distração para recuperar seu frappuccino. Ao estreitar os lábios entorno do
canudinho, veio a sua cabeça o deprimente pensamento que aquilo era o mais próximo que estaria
de trocar saliva com um multimilionário lindo.
—O negócio dos restaurantes está construído com cadáveres de grandes atletas, Rafe. É seu
dinheiro, assim que só posso te aconselhar, mas...
O inconveniente de ser uma casamenteira era que talvez ela mesma nunca voltasse a ter um
encontro. Toda vez que encontrava com um solteiro atraente, tinha que fazê-lo seu cliente, e não
podia permitir que sua vida pessoal complicasse isso. Não que fosse um problema neste caso
concreto... Deu uma olhada para Heath. A simples proximidade de tal macho disponível quase a
deixava acesa. Até seu cheiro era sexy, como o de lençóis caros, um bom sabonete e o almiscarado
dos feromônios. O frappuccino que deslizava por sua garganta não contribuía muito para esfriar
seus tórridos pensamentos, e no final encarou a triste verdade de que estava faminta por sexo.
Haviam dois infelizes anos, desde que rompeu seu compromisso com Rob. Em todos casos, era
tempo demais dormindo sozinha.
Os compassos iniciais da abertura de Guillermo Tell interromperam seus pensamentos. Heath não
se privou de franzir o cenho ao vê-la pegar seu celular.
—Alô!
—Annabelle é a sua mãe.
Afundou em seu assento, se recriminando por não se lembrar de desligar o maldito celular.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Heath aproveitou a ocasião para voltar a tomar seu frappuccino, sem deixar de atender sua própria
conversa.
—… Se trata simplesmente de fixar as prioridades financeiras. Uma vez que tenha coberta a
segurança de sua família, poderá se permitir assumir riscos como um restaurante.
—Verifiquei a entrega da aplicação através do FedEx, — disse Kate — assim que já sei que chegou.
Ainda não o preencheu?
—Uma pergunta muito interessante. — brandiu Annabelle — Depois te ligo e podemos discutir o
tema.
—Vamos discutir agora.
—É um cavalheiro, Raoul. E obrigada pela noite. Comportou-se muito bem. — desligou a ligação e
o celular.
Ia lhe custar caro, mas teria tempo de se preocupar mais tarde.
Heath pôs um ponto final em sua ligação e a contemplou com aqueles olhos cor de dólar e de
garoto do campo.
—Se vai programar seu celular para que toque uma música, podia pelo menos ser mais original.
—Obrigada pelo conselho. —Sinalizou seu frappuccino. — Para sua sorte, as possibilidades de que
tenha difteria são mínimas. Deixe-me dizer que essas feridinhas na pele são um saco.
Disparou nele uma comissura na boca.
—Coloque a bebida na minha conta.
—Você não tem uma conta. — Pensou no estacionamento onde foi obrigada a colocar o Sherman
mais uma vez, levando em consideração que não sabia quanto tempo que ia levar ali. — Apesar
que devo abrir uma hoje mesmo. — Pegou o questionário de sua bolsa Target com estampa
tropical.
Ele observou os papeis com desgosto.
—Já te disse o que estou procurando.
—Eu sei. Soldier Field, piadas de peido, etc. Mas preciso de algo mais que isso. Por exemplo, que
grupo de idade tem em mente? E por favor, não me diga dezenove, loiras e peitudas.
—Isso você já provou, verdade chefe? — Interveio Bodie desde a frente. — Durante os últimos dez
anos.
Heath o ignorou.
—Superei meu interesse por garotas de dezenove. Digamos entre vinte e dois e trinta. Não mais.
Quero ter filhos, mas depois de um tempo.
Isso fez que Annabelle, com seus trinta e um, se sentisse uma anciã.
—E se é divorciada e já tenha filhos?
—Não pensei nisso.
—Teria alguma preferência religiosa?
—Nada de loucas. Fora isso, estou aberto a tudo.
Annabelle tomou nota.
—Sairia com uma mulher sem nível universitário?
—Desde já. O que eu não quero é uma mulher sem personalidade.
—Se tivesse que descrever um tipo físico em palavras, que palavras escolheria?
—Magra, em forma e gostosa. — disse Bodie — Não gosta de carne em abundancia.
Annabelle afundou ainda mais suas próprias carnes no assento.
Heath deslizou o polegar sobre a correia metálica de seu relógio, um TAG Heuer, segundo observou
ela, similar ao que comprou seu irmão Adam quando o nomearam cirurgião chefe de St. Louis.
—Gwen Phelps não se encontra na lista telefônica. — disse Heath.
—Já sei. Que coisas não suporta?
—Penso em encontra-la.

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—Por que se incomodar? — apressou em dizer Annabelle, talvez muito rápido. — Ela não está
interessada.
—Não pensa seriamente que me desanimo tão facilmente, verdade?
Ela se concentrou em apertar o botão de sua caneta e revisar o questionário.
—O que não suporta?
—Bichos esquisitos. Os sorrisinhos. Muito perfume. Torcedoras dos Cubs.
Annabelle ergueu a cabeça bruscamente.
—Adoro os Cubs. — disse.
—Que grande surpresa.
Decidiu deixar aquilo passar por alto.
—Nunca saiu com uma ruiva. — teceu Bodie.
Heath fixou a vista na parte de trás do pescoço de Bodie, onde uma tatuagem de guerreiro maori
curvava até desaparecer debaixo da gola da camisa.
—Talvez devesse deixar que meu fiel ajudante responda o resto das perguntas, já que parece ter
todas as respostas.
—Estou economizando o tempo dela. — replicou Bodie. — Se chega a trazer uma ruiva, a faria
sofrer. Procure mulheres com classe, Annabelle. Isso é o que mais importa. Que sejam do tipo que
estudaram em internatos e falam francês. Têm que ser autenticas, por que ele detecta as
impostoras a quilômetros. E ele gosta das atléticas.
—Estou certa que sim. — disse ela secamente. — Atléticas, caseiras, deslumbrantes, bem
relacionadas socialmente e patologicamente submissas. Encontrarei-a em um piscar de olhos.
—Você se esqueceu do gostosa. — Heath sorriu. — E o pensamento derrotista é para os
perdedores. Se quer vencer na vida, Annabelle, precisa de atitude positiva. Queira o que queira o
cliente, você o consegue. É a primeira regra de negócios com sucesso.
—Claro. O que pensa de mulheres com uma carreira profissional?
—Não sei se isso funcionária.
—O tipo de mulheres potenciais que você descreve não vão estar sentadas por aí esperando que
lhe apresentem seu príncipe azul. Dirigem uma companhia importante. Quando não estejam
posando para o catálogo da Victoria’s Secret.
Ele arqueou uma sobrancelha.
—Atitude, Annabelle, atitude.
—Tudo bem.
—Uma mulher com carreira não pode voar comigo a outra ponta do país com duas horas de
antecedência para entreter a mulher de um cliente. —Ele disse.
—Dois na base, nenhum fora. — Bodie subiu o volume.
Enquanto os homens escutavam o jogo, Annabelle contemplou suas anotações com o coração
apertado. Como ia encontrar uma mulher que se encaixasse naqueles critérios? Não podia. Mas
por outro lado, Portia Powers também não ia encontrar, porque uma mulher assim não existia.
E se Annabelle seguisse outro caminho? E se encontrasse a mulher que Heath Champion precisava
de verdade, ao invés da que ele acreditava precisar? Rabiscou as margens do questionário. O que
tinha esse homem, além de dinheiro e conquista? Quem era o verdadeiro homem que se escondia
atrás de seus muitos celulares? Na superfície era todo refinado, mas sabia por Molly que cresceu
com um pai abusivo. Ao que parecia, começou a cavar no lixo dos vizinhos procurando coisas para
vender antes de aprender a ler, e desde então não deixou de trabalhar.
—Como se chama de verdade? — perguntou Annabelle, enquanto deixavam a circulação de
pedestre East West para a York Road.
—O que te faz pensar que Heath Champion não é meu nome verdadeiro?
—É muito conveniente.
—Campione. Champion, em italiano.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Ela assentiu com a cabeça, mas algo na forma que evitava olhá-la lhe disse que omitia algo a
respeito do tema. Continuaram na direção norte até o próspero subúrbio de Elmhurst. Heath
consultou sua agenda eletrônica no BlackBerry.
—Estarei no Sienna’s amanhã pela tarde, as seis. Traga a sua próxima candidata.
Ela transformou seu rabisco num sinal de Stop.
—Por que agora?
—Porque acabo de reorganizar minha agenda.
—Não, quero dizer por que decidiu que quer casar agora?
—Por que já é hora.
Antes que pudesse perguntar o que significava isso, ele estava novamente no telefone.
—Já sei que está fazendo seu máximo, Ron, mas também sei que não quer perder um grande
runningback. Diz a Phoebe que vai ter que fazer alguns ajustes.
...Assim como Annabelle, pelo que parecia.

***

Bodie a enviou de volta a cidade em um taxi pago por Heath. Depois de pegar o Sherman e dirigir
até sua casa, já era mais de cinco. Entrou pela porta detrás e deixou cair suas coisas sobre a mesa
da cozinha, uma de pinos de asas reclináveis que tinha comprado Nana nos anos oitenta, quando
tinha tendências para decorações rústicas. Os eletrodomésticos eram todos clássicos, mas
cumpriam seu papel, assim como as cadeiras rústicas com suas almofadas de cretone. Mesmo que
já vivesse por três meses na casa, Annabelle seguia pensando na casa como se fosse de Nana, e
não fez muito mais que organizar a cozinha e tirar o lixo da empoeirada grinalda de palha junto
com a cortina de mirtilos com babados da janela da cozinha.
Algumas das lembranças mais felizes de sua infância aconteceram nessa cozinha, ainda mais nos
verões que ia ali para uma visita que durava a semana toda. Nana e ela costumavam se sentar
nessa mesma mesa e falar sobre o humano e o divino. Sua avó jamais riu de seus sonhos e ilusões,
nem sequer quando Annabelle fez dezoito anos e anunciou que queria estudar teatro e se
transformar numa atriz famosa. Nana trabalhava apenas com possibilidades. Mas não pensou em
dizer que Annabelle não tinha nem beleza e nem talento para triunfar na Broadway.
Soou a campainha, e ela foi abrir a porta. Fazia anos que Nana tinha transformado a sala de estar e
a sala de jantar na recepção e no escritório do Bodas Myrna. Igual a sua avó, Annabelle vivia no
andar de cima. Desde a morte de Nana, Annabelle tinha pintado e modernizado a área do
escritório com um computador e uma distribuição mais eficiente das mesas.
A velha porta principal tinha um óvalo central de cristal esmerilhado, mas a borda bisotada
permitiu-lhe ver a figura disforme do senhor Bronicki. Queria fingir que não estava em casa, mas
ele morava do outro lado da rua, assim que a tinha visto entrar com o Sherman. Ainda que Wicker
Park tivesse perdido a grande parte dos idosos em prol de seu aburguesamento, ainda haviam os
que resistiam e seguiam morando nas mesmas casas onde criaram suas famílias. Outros se
mudaram para uma vizinhança de idosos menos distante, e outros viviam nas ruas, mais baratas,
da periferia. Todos e cada um deles conhecia sua avó.
—Olá, senhor Bronicki.
—Annabelle. — Era de constituição enxuta e fibrosa, e tinha sobrancelhas brancas como os pelos
de uma lagarta, com uma inclinação mefistofélica. O cabelo que faltava na sua cabeça brotava em
abundância nas suas orelhas, mas gostava de estar muito bem arrumado e usava camisas
esportivas de manga larga e sapatos de cordão engraxados até nos dias mais quentes.
Deu-lhe um olhar furioso debaixo de suas satânicas sobrancelhas.
—Pensava que ia me ligar. Deixei três mensagens.
—Era a próxima coisa que eu ia fazer — mentiu — Fiquei fora todo o dia.

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—Bem, eu sei. Dizem por ai que você anda por ai que nem uma galinha que perdeu a cabeça.
Myrna tinha o costume de ficar em casa para que as pessoas pudessem encontra-la. — Tinha o
sotaque de alguém de Chicago por toda sua vida e a agressividade de um homem que passou a
vida dirigindo um caminhão da Companhia de Gás. Entrou intimidando dentro da casa e quase
derrubou-a. — O que vai fazer sobre a minha situação?
—Senhor Bronicki, seu acordo era com a mina avó.
—Meu acordo era com Bodas Myrna. Os idosos são minha especialidade. Ou já esqueceu o lema
de sua avozinha?

Como ia esquecer, se estava escrito em toda e em cada uma das dezenas de blocos de notas
amarelos que Nana tinha espalhado pela casa?
—Esse negócio já não existe.
—Tolice — Fez um gesto de impaciência mostrando a área da recepção onde Annabelle tinha
trocado os gansos de madeira, arranjos de flores de seda e as mesinhas de leiteira da Nana por
umas peças de cerâmica mediterrâneas. Como não podia se permitir trocar de cadeiras e
poltronas, tinha acrescentado almofadas com estampas provençais muito alegres em vermelho,
azul cobalto e amarelo, que completavam a nova pintura, ainda fresca de cor de girassóis.
—Isso não mudou só porque você colocou uns poucos trastes. — Ele disse. — Isso continua sendo
uma agência de matrimônios, e sua avozinha e eu tínhamos assinado um contrato. Com garantia.
—Você assinou um contrato em 1989— Ela obsevou, e não era a primeira vez.
—Eu paguei duzentos dólares. A vista.
—Levando em consideração que você e a senhora Bronicki ficaram casados quase quinze anos, eu
diria que já recebeu seu investimento.
Ele brandiu um papel surrado que tirou do bolso de sua calça e o agitou sobre ela.
—Se não ficar satisfeito, devolvo seu dinheiro. É o que diz o contrato. E não estou satisfeito. Ela era
doida por mim.
— Sei que você ficou mal com aquilo, e lamento o falecimento da senhora Bronicki.
—Lamentar não resolve nada. Eu não estava satisfeito nem quando ela era vivia.
Annabelle não podia acreditar que estivesse ali discutindo com um homem de oitenta anos sobre
um contrato de duzentos dólares de quando Reagan era presidente.
—Você se casou com a senhora Bronicki por sua própria vontade. — disse com toda a paciência
que foi capaz.
—Uma fedelha como você não sabe deixar um cliente satisfeito.
—Isso não é verdade senhor Bronicki.
—Meu sobrinho é advogado. Podia te processar.
Ela começou a dizer para ele ir em frente, que tentasse, mas tão louco como era, tentaria de
verdade.
—O que te parece, senhor Bronicki? Eu prometo que ficarei com os olhos abertos.
—Eu quero uma loira.
Ela mordeu o interior de sua bochecha.
—Compreendido.
—E não muito jovem. Nada de meninas de vinte e poucos. Tenho uma neta de vinte e dois. Seria
mal visto.
—E você está pensando em que…?
—Trinta e poucos. Com um pouco de carne nos ossos.
—Alguma outra coisa?
—Católica.
—Lógico.

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—E amável. — Uma expressão nostálgica suavizou a inclinação das sobrancelhas ferozes. —Que
seja amável.
Ela sorriu, comovida.
—Verei o que posso fazer.
Quando, por fim, conseguiu fechar a porta atrás dele, lembrou que tinha uma boa razão para ter
ganhado a reputação de inútil da família: tinha a palavra ingênua escrita na sua testa.
E sem duvidas, muitos clientes que viviam da Previdência Social.

Bodie reajustou a velocidade na pista continua, aliviando a marcha.


—Conte mais sobre Portia Powers.
Um fio de suor deslizou até a molhada gola da descolorida camiseta dos Dolphins de Heath
enquanto voltava a guardar os alteres com os quais estava se exercitando no seu suporte.
—Já conhece Annabelle. Melhore-a oitenta vezes e você terá a Powers.
—Annabelle é interessante. Não dá para saber o que esperar dela.
—É uma pessoa estranha. —Heath estirou os braços. —Não a teria contratado jamais se ela não
tivesse a sorte de me apresentar alguém como Gwen Phelps.
Bodie deu uma risada.
—Não acredito até agora que ela te rejeitou.
—Quando conheço alguém interessante, ela não está interessada.
—A vida é uma merda. — Diminuiu a velocidade até parar. Bodie desceu e pegou a toalha do chão
desprovido de tapete da sala.
A casa de Heath em Lincoln Park cheirava a construção nova. Provavelmente por que era assim.
Formava uma elegante cunha de pedras e cristal que adentrava na rua úmbria como a proa de um
barco. Através do imponente V das janelas da sala, que iam do chão até o teto, podia se ver o céu,
as arvores, um par de casas do século XIX restauradas que apareciam do outro lado da rua e um
parque vizinho bem cuidado e rodeado por uma grade de ferro. O terraço de seu sótão, onde tinha
que admitir só tinha pisado duas vezes, brindava ao longe com a vista do lago de Lincoln Park.
Quando encontrasse uma esposa, deixaria que ela escolhesse os móveis. Por agora, tinha montado
uma academia no salão e comprou apenas um equipamento de áudio de última geração, um cama
com colchão Tempur e uma televisão de plasma com tela grande para a sala de imprensa do andar
de baixo. Tudo isso, combinando com as madeiras nobres e o mármore rústico do chão, os
armários feitos sobre medida, os banheiros de pedra de calcário e uma cozinha provida com os
mais modernos modelos de eletrodomésticos de design europeu, faziam desse lugar, a casa que
tinha sonhado em ter desde criança
Só queria gostar mais dela. Talvez houvesse de ter contratado um design de interiores ao invés de
esperar, mas isso foi o que fez com sua casa anterior, que custou uma fortuna, apesar de não ter
ficado satisfeito com o resultado. Podia ser que o interior da casa fosse espetacular, mas se sentia
estranho lá, como se estivesse de passagem na casa de outra pessoa. Vendeu tudo quando se
mudou para poder começar do zero, mas agora lamentava não ter ficado com moveis suficientes
para que o eco não resoasse pelos cômodos.
Bodie pegou uma garrafa de água.
—Dizem que ela é um pé no saco.
—Gwen? — Heath subiu na esteira.
—Powers. Parece que seus empregados não costumam aguentar por muito tempo.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Para mim ela parece uma boa mulher de negócios. Fora isso é uma mentora para outras
mulheres desinteressadamente.
—Se ela é tão boa assim, porque não pede que ela te apresente algumas candidatas, como fez com
Annabelle na semana passada?
—Eu tentei uma vez, mas não funcionou. Ela complicou demais, e pode ser um pouco insuportável
por muito tempo. Mas enviou algumas candidatas bastante decentes, e sabe fazer seu trabalho.
—Isso explica por que você não quis ter um segundo encontro com nenhuma.
—Terei, cedo ou tarde.
Bodie foi para a cozinha. Tinha um apartamento em Wrigville, mas ficava ali de vez em quando
para que pudessem treinar juntos.
Heath aumentou a velocidade da esteira. Bodie estava com ele há quase seis anos já. Depois de
seu acidente de moto, Bodie se refugiou nas drogas e na autocompaixão, mas Heath o tinha
admirado quando jogava e o contratou como ajudante. Os bons ajudantes costumavam ser ex-
esportistas, homens cuja reputação conheciam os atletas universitários e nos quais confiavam. Os
agentes costumavam utiliza-los para atrair clientes em potencial. Ainda que Heath não tivesse
exigido expressamente que largasse as drogas, Bodie sabia que tinha que se manter limpo antes, e
foi isso que ele fez. Não demorou muito para que seu estilo “não mecha com as minhas bolas” o
tornasse um dos melhores.
Bodie tinha começado a fazer-se de motorista por casualidade. Heath passava muitas horas
circulando pelas ruas de Chicago, de passagem por Hallas Hall, indo na sede dos Stars ou fazendo
viagens sem motivos, indo e vindo por O’Hare. Odiava perder tempo preso em engarrafamentos, e
Bodie gostava de dirigir, assim que Bodie começou a se encarregar disso quando os dois queriam.
Com Bodie dirigindo, Heath podia fazer ligações, responder e-mails e revisar papeis, ainda que com
a mesma frequência gastasse seu tempo criando estratégias, e então era quando Bodie ganhava o
salário de seis cifras que Heath o pagava. O aspecto intimidante de Bodie ocultava uma
mentalidade muito analítica: fria, centrada e nada sentimental. Tinha se tornado o melhor amigo
de Heath e a única pessoa em quem confiava plenamente.
Bodie voltou da cozinha com uma cerveja.
—Sua casamenteira não gosta de você.
—Pouco me importa.
—Eu acho que, entretanto, você a diverte.
—Eu a divirto? —Heath perdeu o ritmo. — E que merda isso quer dizer?
—Pergunte a ela, não a mim.
—Não penso em perguntá-la merda nenhuma.
—Será interessante ver quem ela te apresenta agora. O que ficou claro é que você não gostou nada
da morenaça que te apresentou Powers na semana passada.
—Usava muito perfume e era um custo tirar ela de cima de mim. — Deu um golpe no painel de
controle, aumentando a velocidade da esteira. — Suponho que dava para fazer que Powers ficasse
também quando me apresenta alguém, assim como fiz com Annabelle, mas Powers é tão
controladora que seria difícil tirar minhas próprias conclusões.
—Devia fazer que Annabelle sempre te acompanhasse. Ela parece não te irritar.
—O que está dizendo? Não me deixou nem um pouco irritado essa tarde com seu questionário mal
feito. — Soou seu celular. Bodie o entregou. Heath verificou quem estava ligando e atendeu. —
Rocco… estava querendo falar precisamente com você.

***

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Quanto dinheiro acha que tem? — O longo cabelo castanho de Barrie Delshire caia solto em
torno de seu rosto oval perfeito, diferente de Annabelle, que seguia desafiando o novo produto
alisador por que estava claro para ela que tinha pagado muito caro.
—É bastante rico. — Annabelle colocou um cacho atrás da orelha.
—Isso é legal. Meu último namorado ainda me deve cinquenta mangos, apesar que diz que me
pagará.
Barrie não era a mais sábia do Conjunto de Pottery Barn, mas era doce, de uma beleza
deslumbrante, e o contorno de seus seios deveriam bastar para chamar a atenção de Heath. Barrie
não queria entrar sozinha no restaurante, assim que Annabelle tinha ficado com ela antes numa
loja próxima. Quando estavam chegando ao Sienna’s, uma mulher muito magra e elegante, de tez
pálida e cabelos negros, que estava estudando o menu em frente de uma janela, voltou a cabeça
para observa-las enquanto se aproximavam. Levava, na parte de cima, uma frente única de seda
azul presa atrás do pescoço, calças brancas largas e sandálias de salto baixo, sem calcanhar, branca
e azul marinho. Examinou Annabelle com uma firmeza estranha e depois voltou a se concentrar no
menu.
Barrie sacudiu o cabelo.
—Obrigada mais uma vez por me arranjar esse encontro. Estou tão farta de sair com perdedores...
—Heath não é um perdedor, isso está claro. — Annabelle esteve nervosa com o encontro dessa
noite para comer, enquanto entravam no restaurante ficou com água na boca por causa da
fragrância de alho e pão recém-saído do forno. Heath estava sentado na mesma mesa que ocupava
quando o apresentou para Gwen. Essa noite usava uma camisa sem colarinho, de um tom um
pouco mais claro que seu cabelo espesso e um pouco bagunçado. Quando se aproximaram lhe viu
guardar o BlackBerry no bolso.
Ficou de pé numa exibição inconsciente de seu porte atlético, fazer confusão com as cadeiras ou
bater na mesa não combinavam com seus estilo. Annabelle fez as apresentações. Não era fácil
interpretar sua expressão, mas enquanto o observava examinar os longos cabelos e deslumbrantes
seios de Barrie, soube que tinha despertado seu interesse.
Puxou a cadeira que tinha ao seu lado para ela, deixando que Annabelle se arranjasse sozinha,
Barrie deu-lhe um sorriso cativante com os lábios úmidos.
—Você é tão lindo e atraente como disse Annabelle.
Heath lançou um olhar abrasador para Annabelle.
—Ah, sim? Ela disse isso?
Annabelle proibiu a si mesma de ruborizar. Tinha feito seu trabalho, nada demais.
A conversa desenvolveu sem que Annabelle tivesse que se esforçar muito, a não ser para tirar
Barrie do tema de seu horóscopo. Afortunadamente, Barrie era uma seguidora vigorosa dos Stars,
assim que tinha muito assunto, e Heath deu-lhe toda a atenção. Annabelle desejou que alguém
escutasse a ela com o mesmo interesse. Tocou o celular de Heath. Ele o pegou para verificar o
numero, mas não atendeu, o que Annabelle tomou como um bom sinal, ou talvez mal, por que
cada vez mais ela estava convencida de que Barrie não era adequada para ele.
—Jogava futebol americano? — disse Barrie contendo um suspiro de emoção.
—Bem, na faculdade, mas não tão bom para deixar de esquentar o banco, assim que tive que
abandonar.
—Deixou passar a oportunidade de jogar na Liga Profissional?
—Não faço nada no que não possa ser o melhor.
Por que não faz coisas só para se divertir? Perguntou-se Annabelle, lembrando-se uma vez mais de
seus irmãos, obcecados pelo trabalho.
Barrie jogou o cabelo de modelo de xampu por cima de um ombro.
—E para que Universidade foi?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Tenho o diploma do primeiro ciclo pela Universidade de Illinois, e depois aproveitei uma
oportunidade para ir a Faculdade de Direito de Harvard.
—Você foi para Harvard? —Exclamou Barrie. — Oh, meu Deus, estou muito impressionada.
Sempre quis ir a uma das grandes universidades da costa oeste, mas meus pais não tinham
condições.
Heath piscou.
Annabelle pegou seu fantasma verde e começou a calcular quanto podia demorar conseguir uma
próxima candidata.

***

—Está claro que sua amiga não vai levar o molho de queijo na próxima reunião do MENSA3. —
disse Heath, quando Barrie se foi do restaurante.
Annabelle resistiu ao impulso urgente de terminar seu fantasma verde.
—Talvez não, mas tem que admitir que é muito bonita.
—E adorável, além disso. Mas esperava mais de você, ainda mais depois de responder ontem a
todas suas perguntas estúpidas.
—Não eram estúpidas. E existe uma grande diferença entre o que os homens dizem buscar numa
mulher e o que querem na verdade.
—Assim que isso foi um teste?
—Algo assim. Talvez.
—Não faça novamente. — Cravou nela um olhar de mandão. — Para mim é claro como cristal o
que quero, e Barrie, ainda que tenha que admitir, é bem bonita, mas não é o que quero.
Annabelle dirigiu um olhar melancólico para a porta.
—Se eu pudesse colocar meu cérebro no seu corpo, o mundo estaria nas minhas mãos.
—Relaxe, Doutor Evil. A próxima candidata vai chegar nos próximos dez minutos, e tenho que fazer
uma ligação. Entretenha-a até que volte, pode ser?
—A próxima…? Eu não mar...
Mas ele já tinha se levantado. Ela levantou com um impulso, disposta a procura-lo, quando viu
entrar uma loira vestida com muito estilo. Com roupas da Escada e uma bolsa Chanel, tinha o selo
do Casais Power estampado na cara. Tinha falado sério? De verdade esperava que entretivesse
uma candidata da concorrência?
A mulher deu uma olhada no bar. Apesar de suas roupas de marca, parecia estar bem insegura, e o
instinto de boa samaritana de Annabelle veio a sua cabeça escrupulosa. Combateu-o durante
quase trinta segundos, mas a mulher parecia tão incomoda que finalmente cedeu e se aproximou
dela.
—Está procurando Heath Champion?
—Sim, estou.
—Teve que se ausentar um momento por uma ligação. Pediu-me que me encarregasse de você
quando chegasse. Sou Annabelle Granger, sua... — vacilou. Estava fora de questão dizer que era
sua casamenteira reserva, e seu estomago não lhe permitia dizer que era sua assistente, assim que
a melhor opção...— Sou a chefe de Heath.
—Melanie Richter. — a mulher olhou sua saia caqui e a jaqueta bordada que fazia conjunto de
Annabelle, que em comparação com o Escada não eram muito impressionantes. Ainda sim, não
parecia julgá-la por isso, e seu sorriso era amistoso. — Ser uma mulher em um campo tão
dominado pelos homens deve ser um desafio.
—Você não faz ideia.

3
MENSA é uma sociedade de alto QI, que proporciona um fórum para intercâmbio intelectual entre os seus membros.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Melanie a seguiu até a mesa. Como Annabelle não estava ansiosa para comentar sua carreira como
mandachuva dos esportes, interessou-se por Melanie e descobriu que era divorciada e tinha um
filho. Tinha experiência no mundo da moda assim como um sinistro ex que costumava gritar com
ela se não desinfetasse todos os dias os puxadores das portas. Heath se juntou por fim a elas.
Annabelle os apresentou e tentou de antemão se levantar, mas só conseguiu que ele apoiasse a
mão em sua coxa nua.
Não soube o que a irritava mais, que descarregasse uma eletricidade sexual ou descobrir que ele
esperava que ela ficasse, mas a pressão em sua coxa não diminuiu. Melanie brincava com sua bolsa
e dava outra vez a impressão de estar incomoda. Isso não era sua culpa, Annabelle decidiu relaxar.
—Melanie tem uma história muito interessante. — Com toda a esportiva, resaltou suas obras de
caridade na Liga Juvenil e sua formação em moda. Ainda que mencionasse seu filho, não disse
nada sobre seu sinistro ex. Só tinha terminado de falar, quando tocou o celular de Heath. Ele lhe
deu uma olhada, se desculpou com toda a sinceridade do mundo e saiu.
—Meu empregado mais trabalhador. Incrivelmente responsável.
—Já vejo.
Annabelle decidiu aproveitar os conhecimentos sobre moda de Melanie solicitando sua opinião
sobre os jeans mais indicados para mulheres baixinhas com tendência a ganhar peso nos quadris.
Melanie respondeu muito amavelmente: cintura de baixa para media altura, pernas cobertas até a
altura dos tornozelos. Depois elogiou Annabelle pela cor de seu cabelo.
—Tem uma cor pouco comum… Com muitos reflexos dourados. Mataria para ter um cabelo como
o seu.
O cabelo de Annabelle sempre chamou muita atenção, mas ela tomava os elogios que recebia com
uma pitada de ceticismo, por que suspeitava que as pessoas ficavam tão pasmadas diante daquele
marasmo que se sentiam obrigadas a dizer algo. Heath retornou, voltou a pedir desculpas e
começou a trabalhar com Melanie. Inclinou-se para ela enquanto falava, sorria nos momentos
oportunos, fez boas perguntas e parecia sinceramente interessado em tudo que ela dizia.
Finalmente voltou a pôr a mão sobre a coxa de Annabelle, mas desta vez não a deixou
desconcertada com isso. Estava indicando que o tempo de Melanie tinha esgotado.
Quando ela se foi, ele deu uma olhada no relógio.
—Uma mulher fabulosa, mas decepcionante.
—Como uma mulher poder ser fabulosa e decepcionante? Ela é agradável.
—Muito agradável. Passei um bom momento falando com ela. Mas não há química entre nós, e
não quero me casar com ela.
—A química leva mais de vinte minutos para aparecer. Ela é inteligente e mais cortês do que você e
seu celular merecem. Além disso, ela tem aquela coisa de quem diz o que você quiser ouvir.
Merece outra oportunidade.
—Permita-me uma sugestão: aposto que seu negócio progrediria mais se apoiasse suas próprias
candidatas ao invés das demais.
—Eu sei, mas gostei dela. — olhou-o com a testa franzida. — Mesmo que não pudesse deixar de
perceber que parecia me culpar por arruinar o encontro, o que era bastante injusto.
—Também seria melhor se fingisse pelo menos que gosta de mim.
Aquela boca de garoto do campo esboçou um meio sorriso.
—Não consegue fazer melhor, eh?
—Eu sei. Muito deprimente, não?
O tom dele mudou de divertido para ressabiado.
—A que se referia Melanie quando disse que deveria me dar um aumento?
—Não tenho ideia. — Seus estomago rugiu. —Não vai considerar a possibilidade de me alimentar?
—Não tenho tempo. A outra chegará dentro de dez minutos. Ao invés disso, te pedirei outra taça.
—A “próxima”?

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Ele tirou seu BlackBerry numa tentativa descarada de ignora-la, mas não estava absolutamente
disposta a tolerar isso.
—Portia Powers pode ser a babá das suas próprias candidatas. Eu não.
—E, entretanto, há apenas seis dias você estava de joelhos no meu escritório dizendo que faria
qualquer coisa para deixar seus clientes contentes.
—Eu era jovem e estúpida.
—Essa é a diferença entre nós... A razão pela qual eu tenho um negócio multimilionário e você
não. Eu dou a meus clientes o que querem. Você dá aos seus, desgosto.
—Nem todos. Só você. Bom, e às vezes ao senhor Bronicki, mas nesse caso não pode nem imaginar
com o que tenho que lidar.
—Deixe te dar um exemplo do que quero dizer.
—Eu me conformaria com um pão.
—A semana passada falava por telefone com um cliente que joga no Bills. Tinha acabado de
comprar sua primeira casa, e comentou que admirava meu bom gosto e ficaria feliz se eu pudesse
ajudá-lo a escolher alguns móveis. Deixe-me pensar, sou um agente não um design de interiores.
Levando em consideração que não tenho a mínima ideia de decoração, nem sequer mobilhei
minha própria casa. Mas o cara tinha terminado com sua namorada, se sentia só, e no final de duas
horas eu estava em um avião a caminho de Buffalo. Não dei desculpas. Não enviei um
encarregado. Fui pessoalmente. E sabe para que?
—Descobrir sua paixão ignorada pelo estilo rústico francês?
Ele arqueou a sobrancelha.
—Não, porque quero que meus clientes entendam que sempre estou com eles. Quando assinam
comigo, assinam com alguém que se preocupa com todos os aspectos de sua vida. E não só
quando as coisas estão bem, também quando ficam feias.
—E se não gosta deles? — Com a pergunta pretendia dar uma alfinetada, sugerir que ela não
gostava dele, mas ele a levou a sério, o que era bom. Tinha que acabar com essa estranha
tendência de colocá-lo em seu lugar. Seu futuro dependia de que o fizesse totalmente feliz, não se
tratava de tirá-lo de sua zona de conforto.
—Nunca assinaria com um cliente que não gostasse. — ele disse.
—Você gosta de todos? Todos aqueles esportistas egocêntricos, autoindulgentes e
escandalosamente bem pagos? Não posso acreditar.
—Gosto deles como irmãos. — respondeu ele com uma sinceridade sem fissuras.
—Que mentiroso.
—Você acha isso? — Dirigiu-lhe um sorriso inescrutável e em seguida ficou de pé para receber a
segunda figurante de Portia Powers, que fazia sua aparição naquele momento.

***

—Ainda não sabe de cor?


Portia deu um salto quando ouviu aquela voz masculina profunda e muito intimidante. Virou sobre
seus calcanhares no pedaço de calçada diante da janela do Sienna’s e observou ao homem que
estava plantado junto dela. Tinha passado um pouco das dez e ainda tinha gente caminhando
pelas ruas, mas se sentiu como se a tivessem arrastado para uma rua escura a meia noite. Era um
valentão, enorme e ameaçador, com a cabeça raspada e os olhos azuis, e parecia um assassino em
série. Um desdobramento de tatuagens tribais de arrepiar decoravam os rudes músculos que
assomavam debaixo das muito justas mangas de sua camiseta negra, e seu pescoço grosso e
musculoso era o de um homem que tinha passado por momentos difíceis.
—Ninguém te explicou que é feio espiar as pessoas? — disse.

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Portia levava uma hora dando voltas na esquina, parando cada vez que passava diante do
restaurante fingindo que estudava o menu. Se olhasse por cima, conseguia ver a mesa na que
estava sentado Heath, junto com Annabelle Granger e as duas mulheres com as quais tinha
marcado os encontros essa noite. Normalmente, não teria passado por sua cabeça estar presente
em um encontro de apresentação, poucos clientes a pediam algumas vezes, mas tinha se interado
de que ele queria que Granger estivesse, e isso era algo que Portia não podia tolerar.
—Quem é você? — disse, fingindo uma valentia que não sentia.
—Bodie Gray, guarda costas do senhor Champion. E estou seguro que ele estará muito interessado
em saber o que você anda fazendo essa noite.
Tencionaram seus músculos da zona lombar. Aquilo era humilhante.
—Não fiz nada demais. — repôs.
—Não é a impressão que tenho.
—Por outro lado você não é uma autoridade em gestão matrimonial, ou é? — Olhou-o com frieza,
se esforçando ao máximo para fazê-lo sair da sua frente. —Que tal se você se ocupar de seus
assuntos e deixar que eu me ocupe dos meus?
Suas ajudantes teriam corrido para buscar refugio, mas ele nem pestanejou.
—Os assuntos do Champion são meus assuntos.
—Que merda… o típico pau mandado solícito.
—Para todo mundo cairia bem ter um. — Agarrou seu braço e a empurrou para o meio-fio.
Ela soltou um bufo de consternação.
—Mas o que está fazendo? — Tentou se libertar, mas ele não afrouxou.
—Vou te convidar para uma cerveja, para que o senhor Champion possa acabar de tratar de seus
assuntos em privado.
—Também são meus assuntos, e não estou...
—Já vejo. — Levou-a entre dois carros estacionados. — Mas se você se comportar bem, pode ser
que me convença a ficar de bico calado.
Ela parou de resistir e observou o senhor guarda costas com rabo de olho. Ou seja... estava
disposto a vender seu chefe. Não sabia como tinha passado na cabeça de Heath contratar um
valentão, mas já que era o caso, decidiu se aproveitar de sua ingenuidade, porque não queria que
se interasse disso. Se o fizesse, o consideraria exatamente como era: uma demonstração de
fraqueza.
O bar no que se meteram tinha um cheiro azedo e estava cheio de fumaça. Tinha o chão de linóleo
rachado e, sobre uma plataforma empoeirada um filodendro moribundo descansava entre um par
de troféus cheios de moscas e uma fotografia descolorida de Mel Tormé.
—Como vai, Bodie? O que conta de novo? — exclamou o garçom.
—Não tenho do que me queixar.
Bodie a conduziu até um banco. Pelo caminho, grudou em um dos seus sapatos algo que estava no
chão.
Enquanto desgrudava, se perguntou como era possível que existisse um estabelecimento tão
miserável tão próximo aos melhores restaurantes de Clark Street.
—Duas cervejas. — disse o guarda costas enquanto ela subia elegantemente no banco ao lado do
seu.
—Um club soda — ela disse— Com uma rodela de lima.
—Lima eu não tenho — disse o garçom — Mas tem garrafas de coquetel de frutas no armazém.
Para o senhor músculos isso lhe parecia muito engraçado, e depois de uns instantes ela
contemplava o contorno desbotado dos restos de uma marca de batom na borda do copo de
cerveja. Afastou-as para um lado.
—Como soube quem eu era?
—Você se encaixava na descrição que Champion tinha me feito.

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Não perguntou em que termos lhe havia descrito Champion. Tratava de não fazer perguntas cujas
respostas não estava ciente, e estava claro que algo tinha ido mal na sua relação com Heath desde
o momento em que apareceu Annabelle Granger.
—Não penso em me desculpar por fazer o meu trabalho. — disse. — Heath me paga muito
dinheiro para ajudá-lo, mas não posso fazer como deveria ser, se me mantém a margem.
—Assim que não tem problema que eu lhe conte que o espiava.
—O que você chama de espiar, eu chamo de ganhar meus honorários. — disse ela prudentemente.
—Duvido que ele veja dessa forma.
Ela também duvidava, mas não ia se deixar intimidar.
—O que você quer?
Observou-o enquanto ele pensava. Ler as pessoas constituía uma parte importante de seu
trabalho, mas seus cliente eram ricos e tinham educação. Assim que como podia saber o que se
escondia atrás daqueles olhos azuis de cortar gelo? Odiava a incerteza.
—Então?
—Estou pensando.
Ela abriu a bolsa, tirou uma nota de cinquenta dólares e pôs na sua frente.
—Talvez essa contribuição facilite esse processo tão difícil.
Ele olhou o dinheiro, encolheu os ombros e mudou seu peso para colocar as notas no bolso. Tinha
os quadris muito mais apertados que os ombros, ela notou, e as coxas definidas e com ossos
grandes. Ela disse. — Podemos esquecer tudo que aconteceu essa noite, sem duvida.
—Não sei. Há muito para esquecer… inclusive para alguém como eu.
Ela o estudou com mais atenção, tentando ver se ele estava brincando com ela, mas o achou
insondável.
—Eu te direi o que faremos. — ele disse. — Que tal se voltarmos a falar nesse tema no próximo fim
de semana? Digamos que uma semana a partir de sexta. E vemos então como estão as coisas.
Ela não esperava aquilo.
—Por que não agora?
—Poderia ser nesse fim de semana, mas vou estar fora da cidade.
—O que você quer?
Ele a examinou abertamente. Tinha uma boca finamente esculpida, quase delicada, o que dava um
ar um pouco mais sinistro ao resto de suas feições.
—Eu te farei saber assim que tenha decidido.
—Esquece. Não vou permitir que você me amarre nisso. — Tentou fazê-lo afastar o olhar, mas ele
continuou o jogo. Ao invés disso torceu a boca em um sorriso chulo de mafioso.
—Tem certeza? Se é assim, posso sempre conversar com o senhor Champion essa noite.
Ela fez um chiado com os dentes.
—Tudo bem. Sexta-feira da semana que vem. — Desceu do banco e abriu a bolsa num gesto
energético. —Aqui está meu cartão. Não tente me espremer ou lamentará.
—Provavelmente. —Seu olhar deslizou por ela como uma bala quente sobre o gelo. — Mesmo
assim, pode ter um resultado interessante.
Uma sensação inesperada a embriagou de repente. Fechou sua bolsa resolvidamente e abandonou
o bar com o som de fundo de uma risada travessa.

***
A próxima candidata do Casais Power era bonita, mas egocêntrica, e Annabelle conduziu a
conversa de forma que ficasse claro seus defeitos. Não precisava se incomodar. Heath a sacou
desde o primeiro momento. Ao mesmo tempo, tratou-a com um respeito estranho, e Annabelle
compreendeu que Heath não era exatamente o egomaníaco que ela pensava no inicio. Parecia

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achar fascinante a condição humana em todas suas manifestações. Ao saber disso, foi mais duro
para ela se aferrar em sua antipatia, mas também não tinha se empenhado muito nisso até agora.
—Ela é divertida, — ele disse quando sua candidata se foi. — mas não no bom sentido. Essa noite
foi uma perda de tempo.
—Seu próximo encontro não será. Tenho alguém especial esperando sua vez. — A carteira de
clientes da terceira idade da Nana estava resultando uma fonte inestimável de contatos. Rachel
Gorny, a neta de uns amigos de toda a vida de Nana, carecia da beleza excepcional de Barrie, mas
era inteligente, talentosa e com caráter suficiente para enfrenta-lo de igual para igual. Também
possuía a posição social que Heath parecia exigir. Annabelle tinha pensado na possibilidade de
apresentá-la naquela noite, mas preferiu ver como ele reagia a Barrie.
Brincou com o misturador de sua taça para evitar ficar estudando o perfil de Heath e tomou uma
nota mental, de que tinha que procurar um cara bom, doce e não muito inteligente que tratasse
bem a Barrie.
—Vai ter que fazer melhor na próxima, Annabelle. Não terei mais encontros como o primeiro dessa
noite.
—De acordo. Mas nada de me fazer te acompanhar nos próximos encontros marcados por Powers
a partir de agora. Como você mesmo disse tão sabiamente, ajudar a Portia Powers não é o mais
conveniente para mim.
—Então por que você continua empenhada em me convencer a ver novamente Melanie?
—A fome faz com que faça coisas estranhas.
—Você se desfez da última em quatorze minutos. Um belo trabalho. Vou te premiar permitindo
que a partir de agora me acompanhe em todas as apresentações.
Quase engasgou com um cubo de gelo.
—O que disse?
—Exatamente o que você ouviu.
—Quando diz toda, não se refere a…
—Na verdade sim. — Tirou um enorme clipe de ouro cheio de notas, deixou cair umas quantas
sobre a mesa e a fez levantar da mesa. — Vamos te levar para comer.
—Mas… não… me nego a… — Atravessou o bar cheio, tentando dize-lhe que não tinha a menor
intenção de ficar com as candidatas de Portia Powers e que estava claro que ele tinha ficado louco
se já não era antes, mas ele a ignorou para cumprimentar o proprietário, um homem enxuto com
pinta de terrier. Conversaram em italiano, o que a surpreendeu, ainda que, para dizer a verdade,
não tinha nem ideia de porque se surpreendia com algo relativo à Heath a essa altura.
Tinham os acomodado nada mais que na melhor reserva do restaurante quando o garçom anotou
seus pedidos de bebidas e Mama deu as boas vindas a Heath com um cestinho de pão e uma
bandeja de antepasto. Voltou a falar em italiano.
Annabelle não pode resistir ao cheiro de levedura do pão quente, assim que arrancou um troço e o
empapou com um fio de azeite de oliva balsâmico de alecrim. O refeitório, assim como o bar, tinha
as paredes rusticamente pintadas de dourado e luxuosas molduras púrpuras, mas ali tinha mais luz,
o que ressaltava as toalhas salmão e os guardanapos de cor uva. Em cada mesa tinha uma pequena
vasilha de cerâmica com um simples arranjo de flores e ervas silvestres. O restaurante tinha uma
atmosfera acolhedora e caseira, sem deixar de projetar um ar de elegância.
Heath entendia mais de vinho que Annabelle, e pediu um cabernet para ela, mas ele bebeu Sam
Adams. A bandeja de antepasto cheia de carnes, champignons recheados, ramalhetes de sálvia
frita e cubinhos de queijo pecorino e lustrosas cerejas.
—Coma primeiro. —Ele disse. —Depois nós falamos.
Ela obedeceu mais que encantada, e ele não a incomodou até que apareceram as entradas: pálidas
ilhas de vieiras flutuando num mar de porcini picado e champignons cremini para ela, massa

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refogada num molho especial ao pomodoro com grandes pedaços de salsicha e queijo de cabra
para ele.
Ele provou uns quantos pedaços, deu um trago na sua cerveja e concentrou nela a mesma atenção,
afiada como uma navalha, que deu as outras mulheres com quem saiu ao longo da noite.
—Quero que esteja presente a partir de agora em todas as apresentações, e que faça exatamente
o que fez hoje.
—Está destruindo o melhor jantar que coloquei na minha boca em toda minha vida, nunca te
perdoarei.
—Você é intuitiva, e soube manter viva a conversa. Apesar da sua opinião sobre Melanie, parece
saber o que quero e o que não. Seria um idiota se não tirasse vantagem disso, e idiota,
decididamente, não sou.
Ela carregou o garfo com um punhado de polenta dourada com alho.
—Lembre para mim, no que me beneficia ajudar Portia Powers a te encontrar uma mulher, por que
não lembro bem dessa parte.
Ele pegou a faca.
—Vamos reconsiderar nosso acordo. — Em um só e efetivo golpe, cortou um pedaço de salsicha
em dois. — Quando me pediu dez mil dólares, não fazia mais que sondar o terreno, e ambos
sabemos disso.
—Não é…
—Ao invés disso, te paguei cinco mil e prometi te dar o resto só se você me encontrar a esposa.
Parece que hoje é seu dia de sorte, por que decidi te dar o cheque no valor total, seja você ou
Portia quem me encontre a esposa. Desde que eu consiga a esposa e você tenha intervindo no
processo terá seu dinheiro. —Levantou para brindar com seu caneco de cerveja. —Parabéns!
Ela deixou o garfo no prato.
—Por que você faria algo desse tipo?
—Porque é eficaz.
—Não tão eficaz como fazer que Powers te ajude nas suas próprias apresentações. Por isso
precisamente lhe paga uma grande fortuna.
—Prefiro que você faça isso.
Sua pulsação acelerou.
—Por que?
Ele deu-lhe um sorriso desarmante que sem sombra de duvidas ensaiava desde o berço, um que a
fez sentir que era a única mulher na face da Terra.
—Porque você é mais fácil de intimidar. Temos um trato ou não?
—Você não quer uma casamenteira. Quer um lacaio.
—Questão de semântica. Meus horários são irregulares, e minha agenda muda sem aviso prévio.
Seu trabalho consistiria em lidar com isso. Aplacará imprevistos quando tenha que cancelar um
encontro de última hora. Fará companhia para as damas quando tenha que atrasar e vai entretê-
las se tenho que atender uma chamada. Se as coisas forem bem, você vai desaparecer. Se não, fará
que a garota desapareça. Já te disse. Já me esforço muito no meu serviço. Não quero ter esforço
com isso também.
—Basicamente, espera de mim que encontre a noiva, que a corteje e a conduza pela mão até o
altar. Ou tenho que ir na lua de mel também?
—Isso não. — Dirigiu-lhe um sorriso sem vontade. — Posso me ocupar disso sozinho.
Algo no ar que os separava soltava faíscas, algo que seduzia e embriagava, pelo menos na sua
imaginação faminta por sexo. Tomou um gole de água e assumiu a devastadora descoberta de que
se sentia atraída por ele, apesar de ter vontade de bater na cabeça dele com a garrafa de cerveja.
Bom, e fazer o quê? Ele era um sedutor nato e ela simplesmente humana. Não seria um problema
a menos que ela permitisse.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Tomou seu tempo para pensar. Ainda que detestasse a ideia de estar inteiramente a sua
disposição, esse novo arranjo lhe daria mais controle, além de duplicar potencialmente seu ganho.
Casais Power só assinava contratos com homens, enquanto o Perfeita para Você prestava serviços
tanto para homens como mulheres, assim que podia fazer ótimas clientes entre as que descartava
Heath. A Melanie, por exemplo, podia apresentá-la ao afilhado de Shirley Miller, Jerry. Era bonito,
não tinha uma má profissão e tinha filhos mais ou menos da mesma idade. O fato de que Jerry não
fosse, no momento, seu cliente, não significava que Annabelle não pudesse incorpora-lo a sua
folha de pagamento.
—Portia Powers jamais aceitará isso. —disse.
—Ela não terá escolha.
Como eu, pensou Annabelle, mas isso não completamente verdade. Tinha sim uma escolha,
infelizmente, tomá-la seria pouco produtivo.
—Deveria rescindir o contrato com ela e deixar que eu me encarregue de tudo.
—Ela tem acesso a mulheres que você não tem. — ele respondeu. — O mais provável é que ela
encontre quem vou escolher.
—E o que aconteceu essa noite é uma mostra impagável de seu bom critério?
—O que passou essa noite é uma mostra impagável do seu?
Tinha pegado ela. Brincou com um champignon.
—Não te escapa, suponho, que sabotar suas candidatas favoreceria meus interesses. Preciso mais
de ganhar prestigio para o Perfeita para Você do que de dinheiro.
—Dou-me por avisado, Mata Hari.
—Não está me levando a sério.
Ele levantou uma sobrancelha.
—Você me disse para voltar a ver Melanie.
—Só porque o nível da glicose no meu sangue estava muito abaixo do mínimo. Agora que comi,
vejo claramente que ela é, muito, mais muito decente para você.
—Respire um pouco, Annabelle. — Deu-lhe um sorriso de serpente. — Você é uma dessas pessoas
amaldiçoadas com a virtude da integridade. E eu, uma dessas pessoas bastante espertas para tirar
proveito disso.
Não havia muita coisa que ela pudesse dizer para contesta-lo, assim que voltou a concentrar sua
atenção nas vieiras.

***
Fazia muito tempo que Heath não desfrutava vendo uma mulher comer, mas Annabelle sabia
apreciar uma boa comida. Uma expressão estática arrebatou seu rosto enquanto introduzia outro
champignon na boca. Com a ponta da língua, limpou um pequeno resto de molho que tinha ficado
no arco de seu lábio. O olhar de Heath se deslizou ao longo do seu pescoço, fazia sua clavícula mais
baixa, até aqueles peitinhos...
—O que? — ela manteve o garfo a meia altura e umas leves rugas apareceram em sua face.
Ele recuperou a compostura imediatamente.
—Eu estava me perguntado sobre sua próxima candidata. Realmente tem alguma em mente?
—Sim. E ela é muito especial. Esperta, atraente e divertida.
—Mesmo me expondo a um rompante de ira sua: há milhares de mulheres que se encaixam nessa
descrição. Eu busco uma que seja extraordinária.
Os olhos cor de mel de Annabelle ficaram alaranjados de alerta.
—As mulheres extraordinárias costumam se apaixonar por homens que lhes deem atenção. O que
praticamente exclui qualquer um que gaste a metade de uma conversa para atender ao telefone
como você fez esta noite.
—Era uma emergência.

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—Suspeito que no seu caso sempre seja. Não se ofenda.


Ele deslizou seu dedo pela borda do caneco.
—Normalmente não sinto necessidade de me defender, mas nesta ocasião vou fazer uma exceção,
e você pode se desculpar depois que eu tenha terminado.
—Veremos.
—Essa noite, um jogador a quem consegui um contrato a um par de anos bateu seu Maserati ao
redor de poste telefônico. Quem me ligou foi a sua mãe. Nem sequer é meu cliente, assinou com
outro representante. Mas cheguei a conhecer um pouco seus pais. Gente muito boa. Ele está na
UTI…— Afastou seu prato da borda da mesa com o polegar. — A ligação era para dizer que não
acreditam que dure até amanhã. — Cravou seus olhos nela. — Diga-me o que é mais importante:
falar sobre bobagens ou consolar essa mãe?
Ela olhou-o fixamente e depois começou a rir.
—Você acaba de inventar essa história.
Raramente alguém conseguia irritá-lo, mas Annabelle Granger tinha acabado de fazê-lo. Deu-lhe
seu olhar mais gélido.
—É interessante ver como te parece tão divertido a desgraça alheia.
Formaram ruguinhas nos canto dos olhos dela, e em sua íris dançavam pontinhas douradas.
—Você inventou isso de cabo a rabo.
Ele tentou intimidar seu olhar, algo que fazia extremamente bem, mas ela parecia tão satisfeita
consigo mesma que acabou por se render e rir.
Ela deu-lhe um olhar de suficiência.
—Tenho dois irmãos que são completamente viciados em trabalho, assim que estou mais que
familiarizada com os truques que empregam os homens da sua laia.
—Faço parte de uma laia?
—De uma laia óbvia.
—Agora entendo tudo…— Apoiou seu cotovelo na mesa, esfregou a comissura de seus lábios e a
examinou por cima do dorso de sua mão. — Pobre e patética Annabelle. Todo esse desprezo
improcedente no qual me submeteu, os comentários insidiosos... Um simples caso de transferência
de sentimentos. A consequência de crescer a sombra de seus formidáveis irmãos. Foi muito
doloroso sentir o que acontecia com você? Doem as cicatrizes quando chove?
Ela soltou um rugido, surpreendentemente sonoro para uma mulher tão pequena.
—Rezava para que esquecessem de mim. Ballet, piano, equitação, até esgrima, por Deus. Quem
pode ter a ideia de obrigar seus filhos a aprender esgrima? As garotas escoteiras, a orquestra, aulas
particulares se por casualidade tivesse uma nota menor, incentivos pecuniários para me inscrever
em qualquer clube, com prêmios se além disso ocupasse neles algum cargo. E apesar de tudo,
consegui sobreviver, ainda que continuem me torturando.
Acabava de descrever a infância sonhada por ele. Retalhos de lembranças varreram sua mente. A
voz de bêbado do seu pai... “Deixe essa merda de livro e vai comprar cigarros.” Baratas correndo
para se esconder na geladeira, canos que vazavam água tingida de ferrugem sobre o chão de
linóleo. O cheiro de desinfetante, uma boa recordação, quando alguma das namoradas do velho
tentavam arrumar a casa, e depois o inevitável golpe daquela porta metálica curvada quando iam
embora cheias de fúria.
Annabelle arrematou a última vieira do prato e levantou a vista para ele.
—Sério, acho que vai gostar da Rachel.
—Eu gosto da Gwen.
—Isso é porque ela te rejeitou. Não havia muita química entre vocês.
—Você está enganada. Como havia química entre nós!

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não entendo por que você precisa de uma esposa justamente agora. Você tem Bodie, ajudantes
e pode contratar uma assistente que se ocupe dessas comidas e festas improvisadas. E quanto a ter
filhos... É difícil educa-los com o celular colado na orelha.
Já era hora de colocar a Tinker Bell em seu lugar. Recostou-se em sua cadeira e deixou seus olhos
posarem nos seios de Annabelle.
—Você se esquece do sexo.
Ela levou uns minutos a mais para responder.
—Isso também você pode contratar.
—Querida, — disse arrastando as palavras— não precisei pagar por sexo nunca em toda minha
vida.
Ela ficou vermelha, o que o fez acreditar que a tinha colocado no seu devido lugar... até que a viu
apontar orgulhosamente ao céu com seu nariz.
—O que unicamente demonstra o desespero em que algumas se encontram.
—Diz por experiência?
—É a opinião de Raoul. Meu amante#. Ele é muito perspicaz.
Ele sorriu, e naquele momento passou por sua cabeça que fazia muito tempo que não se divertia
tanto com uma mulher. Se Annabelle Granger fosse uns centímetros mais alta, um pouco mais
sofisticada, um pouco mais organizada, menos mandona e mais inclinada a prostrar-se aos seus
pés, seria a esposa perfeita.

Alguém ocupou o assento ao lado do seu lado no compartimento da primeira classe, mas ele
estava muito distraído com a folha de calculo que tinha aberto em seu portátil para prestar
atenção. Não foi até que o comissário de bordo advertisse para desligarem os dispositivos
eletrônicos que tomou consciência daquele perfume turvo e sutil. Levantou a vista e encontrou
com um par de inteligentes olhos azuis.
—Portia?
—Bom dia, Heath. — Recostou-se contra a cabeceira. — Como você faz para suportar estes voos
de madrugada?
—Você acaba se acostumando.
—Vou fingir que acredito.
Usava uma espécie de vestido envolvente da cor lilás, como de seda, ajustado e sem mangas, com
uma jaqueta púrpura com botões na altura dos ombros e uma corrente de prata no pescoço com
três diamantes cravejados. Era uma mulher muito bela, culta e com talento, e gostava de fazer
negócios com ela, mas não a achava sexy. Conservava uma imagem muito estudada, muito
agressiva. Podia dizer que era uma versão feminina de si mesmo.
—O que te leva a Tampa? — perguntou, apesar de conhecer a resposta.
—Não é pelo clima. Hoje lá alcançou os trinta e quatro graus.
—Ah, sim? — Heath não se preocupava com o tempo, a menos que afetasse no resultado de uma
partida.
Ela o deu um sorriso pensado para deslumbrar. Teria funcionado se não fosse pelo fato dele possuir
um sorriso similar a esse que empregava com idêntico propósito.
—Depois de sua ligação de ontem à noite, — disse Portia — Decidi que tinha que avaliar o ponto
em que estamos e considerar que ajustes deveríamos fazer. Prometo-te não encher demais sua
cabeça durante o voo.
Nada foi mais incomodo que se encontrar preso num avião com alguém que não para de falar.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Se uma de suas casamenteiras fosse fazer uma emboscada em um avião, teria preferido que fosse
Tinker Bell. Poderia amedronta-la para que o deixasse em paz. Portia reluzia um aspecto por essa
manhã que não tinha nada haver com o impulso repentino de visitar Tampa. Ele tinha explicado
seu novo arranjo por telefone na noite anterior e desligou antes que ela pudesse mostrar seu
desgosto. Era evidente que já tinha se recuperado.
Conformou se com um papo furado intranscendente até que estivessem no ar, mas uma vez que
serviram o café da manhã começou a preparar o terreno para o tema.
—Melanie ficou encantada em te conhecer. Mais que encantada. Tenho forte impressão de que
ficou cativada por você.
—Espero que não. Ela é uma pessoa muito agradável, mas não parece que nos conectaremos de
verdade.
—Só ficaram juntos vinte minutos. — deu-lhe o mesmo sorriso compreensivo que ele empregava
quando um cliente se tornava difícil. — Entendo perfeitamente seu ponto de partida, mas o limite
de tempo que estabeleceu cria alguns problemas. Tenho este negócio a tempo suficiente para me
dar conta de quando duas pessoas precisam se dar uma segunda oportunidade, e acredito que
Melanie e você cumprem os requisitos.
—Sinto muito, mas isso não vai acontecer.
Nenhuma ruga perturbou seu rosto liso, sua expressão permaneceu intacta.
—Olha, isso não vai funcionar. — Portia brincou com o pote de iogurte na bandeja de frutas. —
Não tenho por norma me meter com a concorrência, especialmente em se tratando de uma
empresa de raciocínio tão curto como Bodas Myrna. Seria um pouco mafioso. Mas...
—Perfeita para Você.
—Como?
—Ela chama a empresa de Perfeita para Você, não Bodas Myrna. —Não podia imaginar porque
tinha sentido a urgência de deixar claro esse ponto, por algum motivo, pareceu necessário.
—Uma decisão sábia. —respondeu Portia com apenas uma pontada de condescendência. — Mas
só me deixe dizer isso: eu gosto que as pessoas pensem que basta passar pela Kinko’s para
imprimir uns cartões e ter uma agência de matrimônios. Por outro lado você como representante
esportivo, sabe exatamente a que me refiro.
Com aquilo disse muito coisa. Annabelle não tinha uma longa experiência, somente entusiasmo.
Portia pôs sua bandeja de lado, apesar de ter apenas mordiscado a ponta de um melão doce.
—Encontrou alguma deficiência em nosso serviço que o levasse a sentir necessidade de submeter
a minhas candidatas a uma estranha? Mentiria se dissesse que não me sinto nem um pouco
ameaçada, acima de tudo levando em conta que eu mesma me ofereci para estar presente nos
encontros.
—Não se preocupe com isso. Annabelle carece de instinto assassino. Ela gostou mais da Melanie
do que de sua própria candidata. Tentou me convencer a voltar a encontra-la.
Aquilo pegou Portia de surpresa.
—Sério… Bem… A senhorita Granger é um pouco estranha, não?
Deve ter sido por causa do ruído dos motores, por que por um momento lhe pareceu que tinha
dito “é boa de cama”, e lhe assaltou uma visão de Annabelle nua. Aquela ideia tirou-o do lugar.
Annabelle o divertia, mas não o deixava acesso. Isso não era verdade. Ele pode ter pensado nela
em termos sexuais um par de vezes, e tinha dado um par de indiretas melosas para deixá-la
nervosa. Mas nada sério. Apenas brincadeiras.
O avião entrou em uma bolsa de ar, e ele desviou seus pensamentos novamente da cama para os
negócios.
—Não espero que você se sinta cômoda com isso, mas, como eu disse ontem, o processo será mais
suave se Annabelle participa de todas as apresentações.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

O fogo que desprendeu de seus olhos, disse exatamente o que pensava Portia, mas era muito
profissional para deixar-se alterar.
—Isso é questão de opinião.
—Ela é um girino, Portia, não um tubarão. As mulheres relaxam com ela, e eu tenho uma ideia
mais clara de quem são em menos tempo.
—Eu vejo. Bom, eu tenho muitos anos a mais que ela nisso. Estou segura de que poderia acelerar
esses encontros melhor que ...
—Portia, você não pode deixar de ser ameaçadora por muito que tente, e digo como uma forma
de elogio. Disse a você desde o principio que queria fazer tudo isso o mais fácil possível. Pois
acabou que Annabelle é a chave, e ninguém ficou mais surpreso com isso que eu.
Ela deixou de por resistência, ainda que de má vontade. Também não podia censura-la, na
verdade. Se alguém invadisse seu terreno, ele também faria um ataque.
—Tudo bem, Heath. — disse — Se isso é que você precisa, vou me assegurar de que dê certo.
—Justo o que eu queria ouvir.
O comissário de voo pegou as bandejas, e ele tirou seu exemplar de Sports Lawyer Journal. Mas o
artigo sobre responsabilidade extracontratual e violência no esporte não conseguia segurar sua
atenção. Apesar de todos seus esforços para torna-la fácil, a procura por uma esposa se tornava
mais complicada a cada dia.

***
—Eu gosto dela. — disse Heath a Annabelle na noite da segunda seguinte, quando Rachel se foi do
Sienna’s. — É divertida. Eu passei um bom momento.
—Eu também. — disse Annabelle, ainda que isso não tivesse na verdade nenhuma importância.
Mas a apresentação foi melhor do que tinha se atrevido a almejar, entre muitos risos e animadas
conversas. Os três compartilharam seus preconceitos em questão de comida (Heath não tocava em
carne de vísceras, Rachel odiava as olivas e Annabelle não podia com as anchovas). Contaram
historias embaraçosas de seus anos de universidade e debateram os méritos dos filmes dos irmãos
Cohen (Heath os amava, Annabelle e Rachel não). Heath não pareceu se importar que Rachel não
fosse de uma beleza espetacular do calibre de Gwen Phelps. Tinha tanto o refinamento como a
inteligência que ele buscava, e não houve interrupções por causa do celular. Annabelle permitiu
que os vinte minutos se alargassem em quarenta.
—Bom trabalho, Tinker Bell. — Tirou seu BlackBerry e fez uma nota para si mesmo. — Ligarei para
ela amanhã para combinar algo.
—Verdade? Maravilhoso. — Sentiu certa inquietação.
Ele levantou sua vista do BlackBerry.
—Algo de errado?
—Nada. Por quê?
—Fez uma cara estranha.
Ela recuperou a compostura. Agora ela era uma profissional e podia manejar a situação.
—Só estava imaginando as entrevistas que concederei a impressa quando o Perfeita para Você
entrar no ranking das quinhentas empresas mais prósperas.
—Nada inspira tanto quanto uma garota com um sonho. — Guardou o BlackBerry no bolso e tirou
o clipe cheio de dinheiro. Ela franziu a testa e ele franziu atrás.
—E agora o que passa?
—Você não tem um bonito e discreto cartão de crédito escondido aí?
—No meu negócio, é tudo sobre ostentação. — Exibiu uma nota de cem dólares e a deixou na
mesinha.
—Disse só porque, como acredito ter comentado, a assessoria de imagem faz parte do meu
trabalho. — Vacilou um momento, consciente de que tinha que medir suas palavras. — Para

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

algumas mulheres... mulheres com uma determinada educação... as ostentações gratuitas de


riqueza podem provocar certa rejeição.
—Acredite, não provocam rejeição nos garotos de vinte e um anos que se criaram com vale
alimentação.
—Entendo o que diz, mas…
—Já entendi. O clipe com dinheiro para os negócios e o cartão de crédito para sair com as
mulheres. — Guardou novamente no bolso o controvertido objeto.
Ela o tinha acusado de vulgar, basicamente, mas ele, ao invés de ofendê-la, parecia ter arquivado a
informação tão desapercebidamente como se lhe dessem a previsão meteorológica para o dia
seguinte. Considerou seus impecáveis modos na mesa, sua forma de vestir, seus conhecimentos de
culinária e vinho. Tudo aquilo era, evidentemente, parte de sua formação, na mesma medida que o
descumprimento contratual ou o Direito constitucional. Quem era exatamente Heath Champion, e
por que começava a gostar tanto dele?
Pôs-se a dobrar o guardanapo do coquetel.
—E… quanto ao seu verdadeiro nome…
—Já te disse. Campione.
—Estive investigando um pouco. Sua inicial do meio é D.
—Maldita falta que te faz saber sobre isso.
—É algo ruim, então.
—Horroroso. — ele disse secamente. — Olhe Annabelle, cresci num descampado cheio de trailers.
Não em um bonito camping, isso teria sido um paraíso. Aquilo não servia nem como depósito de
lixo. Os vizinhos eram drogados, ladrões e marginais. Meu quarto se parecia a uma lixeira. Perdi
minha mãe num acidente quando tinha quatro anos. Meu velho era um cara decente quando não
estava bêbado, mas ele sempre estava. Ganhei na marra tudo que tenho, e estou orgulhoso disso.
Não escondo de onde venho. A placa metálica desgastada que tenho pendurada no escritório, essa
que diz BEAU VISTA, estava há tempos cravada num poste que ficava não muito distante da minha
casa. Conservo-a como recordação do longo caminho que recorri. Mas, a parte disso, assim é como
eu trabalho e o seu consiste em fazer o que eu te diga. Entendido?
—Deus, só perguntei seu nome do meio.
—Não volte a perguntar.
—Desdemona?
Mas ele se negou a continuar lhe dando papo, e ela ficou contemplando suas costas enquanto ele
se dirigia a cozinha para dar seus cumprimentos a Mama.

***

—Quero vocês nos bares todas as noites. — anunciou Portia ao seu bando na manhã seguinte.
Ramon, o garçom do Sienna’s, tinha a acordado a meia noite com as inquietantes noticias do
sucesso de Annabelle Granger com sua última candidata, e já não foi capaz de volta ao seu sono.
Não podia sobrepor à impressão de que estava perdendo outro cliente importante. — Distribuam
seus cartões de visita. — disse para Kiki, Briana, e também para Diana, a garota que tinha
contratado para substituir a Susu. — Recolham números de telefone. Já conhecem a rotina.
—Já fizemos tudo isso. — disse Briana.
—Mas não o bastante, pelo que parece, Heath Champion tem planos essa noite com a candidata
de Granger ao invés de uma das nossas. E Hendricks e McCall? Não lhes enviamos ninguém mais
em duas semanas? O que acontece com o resto dos nossos clientes? Kiki, quero que passe o que
resta da semana vigiando a agência de modelos. Eu me ocuparei do jantar beneficente e das
boutiques Oak Street. Briana e Diana, trabalhem nos cabeleireiros e grandes lojas. Todas vocês,
pela noite, nos bares. Daqui a uma semana temos que ter uma pilha de novas candidatas.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Pouco adianta com Heath — resmungou Briana. — Ele não gosta de nenhuma.
Não entendiam, pensava Portia enquanto voltava a sua sala e revisava sua agenda. Não
compreendiam quão duro tinha que trabalhar para permanecer no topo. Olhou a anotação
correspondente aquela sexta. Numa conversa breve e lacônica, Bodie Gray tinha marcado um
encontro para esse fim de semana. Tinha feito todo o possível para não voltar a pensar nisso desde
então. A mera possibilidade de que alguém os visse juntos lhe provocava pesadelos. Mas, pelo
menos, não parecia que tivesse contado a Heath o incidente da espionagem.
Passou um helicóptero sobrevoando o edifício. Ela relaxou a fronte e pensou em programar uma
sessão de hidromassagem. Precisava de algo para levantar o ânimo, que lhe devolvesse a
segurança habitual. Mas, enquanto virava para seu computador, uma voz traiçoeira sussurrou que
não havia no mundo massagens, tratamentos faciais ayurveda ou pedicuras com pedras quentes
suficientes para reparar o que quer que fosse que deixou de funcionar em seu interior.

***

Annabelle não podia se permitir cifrar todas suas esperanças no encontro de Rachel com Heath,
assim que passou o resto da semana passeando pelas principais universidades de Chicago. Na
Universidade de Chicago de Hyde Park alternou o vagar pelo passeio da Faculdade de Empresariais
com o vagar pelas escadas da Escola Harris de Ciências Políticas. Aproximou-se, além disso, de
Lincoln Park, onde passou a maior parte do tempo com as estudantes de musica do Auditório de
Paul. Em ambos os centros manteve os olhos abertos à caça de estudantes agraciadas próximas de
se graduarem e belas integrantes do corpo docente. Quando as encontrava, as abordava
diretamente e explicava quem era e o que buscava. Algumas eram casadas ou comprometidas,
uma era lésbica, mas as pessoas adoram as casamenteiras, e a maioria mostrou interesse em
ajudá-la. Ao final da semana, tinha duas candidatas estupendamente espertas para tentar se as
necessitasse, além de meia dezena de mulheres que não eram adequadas para Heath, mas
estavam interessadas em contratar seus serviços para si mesmas. Dado que não podiam permitir-
se as tarifas que ela pretendia cobrar, estabeleceu um desconto para estudantes.
Heath esteve fora da cidade toda a semana e não ligou. Não esperava que ligasse. Mesmo assim,
em se tratando de alguém que passava o dia no telefone, pensou que poderia dedicar uns poucos
minutos para comentar com ela como iam as coisas, ainda em plano rotineiro. Ao invés de se
amargar com isso, pôs roupas esportivas, e chegou dando trotadas até o Dunkin’Donuts e se
distraiu com um bolo de glacê e maçã.
***
Heath passou os quatro primeiros dias da semana viajando entre Dallas, Atlanta e St. Louis, mas
mesmo estando com clientes e diretores esportivos, se surpreendia com a cabeça na reunião de
diretiva que o esperava na sexta pela tarde na sede esportiva dos Stars. Quando se tratava dos
Stars, tentava despachar o maior numero de assuntos possíveis com Ron McDermitt, o diretor
geral e principal responsável pela equipe, mas, uma vez mais, Phoebe Calebow insistiu em ser ela
quem o visse no lugar dele. Mau sinal.
Heath pretendia estar bem relacionado com todos os proprietários das equipes. Phoebe era a
flagrante exceção. Era culpa dele que tivessem começado mal de inicio. Um de seus primeiro
clientes tinha sido um veterano do Green Bay descontente com o contrato que negociou seu
representante anterior. Heath queria demonstrar como era duro, assim que quando os Stars
manifestaram seu interesse pelo cara, Heath enganou injustamente Phoebe, fazendo-a acreditar
que tinha muitas chances de fechar com ela, quando sabia que não era assim. Logo em seguida
usou seu interesse pelo jogador para as negociações com os Packers, utilizando o interesse como
vantagem para forçar um acordo mais vantajoso para seu cliente. Phoebe ficou furiosa, e em uma
tempestuosa conversa telefônica tinha lhe advertido que jamais voltaria a usa-la daquela maneira.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Ao invés de levar a sério suas palavras, envolveu-se em outra confusão com ela uns meses depois,
nos propósitos de um segundo cliente, neste caso um jogador dos Stars. Heath tinha decidido que
precisava melhorar o último ano de um contrato pré-existente por três temporadas, negociando
uma vez mais por um representante anterior, mas Phoebe se negou rotundamente. Depois de
umas semanas, Heath ameaçou afastar o jogador do treinamento. O cara era seu melhor tight end,
e como Heath a pôs entre a cruz e a espada, ela soltou uma respeitável contra-oferta. Ainda assim,
não era o espetacular novo acordo que Heath acreditava que precisava para cimentar sua
reputação como representante dinâmico. Apertou-lhe um pouco mais e mandou o jogador praticar
pesca em alto mar no dia em que a equipe começava a treinar.
Phoebe subiu pelas paredes, e os meios de comunicação fizeram muita grana magnificando a
batalha entre a avarenta proprietária dos Stars e o novo e desenvolto representante esportivo
local. Heath tirou proveito da popularidade do jogador entre o vicio de conceder entrevistas a todo
momento e a reprovação dramática de que Phoebe desse um contrato tão mesquinho a um dos
seus melhores homens. Quando a primeira semana de treinamento chegava ao seu fim, Heath
continuava se vangloriando, contando vantagem nas colunas esportivas e trabalhando em
mordazes declarações para os noticiários das dez. Acabou provocando uma onda de indignação
que se voltou contra Phoebe. Mesmo assim, ela permaneceu firme.
Justo quando ele começava a repensar a conveniência de sua estratégia, teve um golpe de sorte. O
tight end reserva dos Stars rompeu o tornozelo treinando e Phoebe se viu obrigada a ceder. Heath
conseguiu o contrato exorbitante que queria, mas o processo a tinha deixado mal, e nunca o
perdoaria. Daquela experiência tirou duas duras lições: que uma boa negociação é aquela onde
todos saem se sentindo vencedores; e que um representante de sucesso não edifica sua reputação
humilhando as pessoas com as quais tem que trabalhar.
O recepcionista dos Stars lhe indicou o caminho do campo de treinamento, e conforme se
aproximava viu Dean Robillard puxando o saco de Phoebe no banco da faixa. Protestou entre os
dentes. A última coisa que queria era que Robillard presenciasse como Phoebe Calebow o
esculachava. Dean parecia ter saído diretamente do Surfer Magazine, barba de três dias, cabelo
remexido fixado com gel, shorts de estampa tropical, camiseta e sandálias atléticas. Na esperança
de minimizar os danos colaterais, Heath tomou uma rápida decisão e falou com ele em primeiro
lugar.
—É um Porsche novo o que vi estacionado na sua vaga?
Dean ficou lhe olhando através dos cristais amarelos de irídio de um par de Oakleys de alta
tecnologia.
—Esse velho pedaço de lixo? Não, o que está dizendo. Faz três semanas que o comprei.
Heath se segurou para não rir, apesar de ter começar a sentir o cabelo de sua nuca arrepiar, não
por estar próximo de Robillard. Ele colocou também seus óculos de sol, não tanto para proteger
seus olhos como para nivelar as posições.
—Ora, ora, ora…— urrou Phoebe Somerville Calebow com a voz rouca e tola que usava para
ocultar sua mente afiada. — E eu que pensava que nosso exterminador tinha acabado com todas
as ratazanas dos arredores.
—Mas não. As mais fortes e valentes dão um jeito de sobreviver, sabe como é. — Heath sorriu,
esforçando-se para conseguir um equilíbrio entre irrita-la mais que o necessário e demonstrar a
Dean que ela não conseguia intimidá-lo.
A proprietária e diretora executiva chefe dos Stars estava já com mais de quarenta, e a ninguém
caia melhor os anos que a ela. Seu aspecto era de uma versão intelectual de Marilyn Monroe, com
a mesma nuvem de cabelos loiros claros e um corpo de tirar o fôlego, hoje coberto com uma
jaqueta justa cor água marinha e estreita saia tubo amarela canário aberta de um lado. Sensual,
com seios abundantes e longas pernas, deveria ser um pôster central da mulher mais poderosa da
Liga Nacional de Futebol Americano.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Dean se levantou.
—Acho que já vou indo antes que um de vocês dois quebre acidentalmente meu braço de lançar.
Heath não podia se acovardar naquele momento.
—Que isso, Dean, nem sequer começou a diversão. Fique um pouco para ver como faço Phoebe
chorar.
Dean olhou para sua formosa chefe.
—Nunca vi esse louco na minha vida.
Ela sorriu.
—Pode ir, Dean, querido. Sua vida sexual será arruinada para sempre se é obrigado a ver de
quantas maneiras uma mulher pode fazer uma serpente em pedacinhos.
Heath não ia ganhar o coração do quarterback com uma retirada e, enquanto Robillard se afastava,
ainda gritou:
—Ouça, Dean, diz a Phoebe que te mostre algum dia onde esconde os ossos de todos os
representantes que não tem culhões para enfrenta-la.
Dean se despediu com mão sem voltar a olhar para trás.
—Não ouvi nada, senhora Calebow. — disse — Só sou um garoto charmoso da Califórnia que adora
a sua mãe e quer jogar um pouco de futebol para você e ir à igreja no seu tempo livre.
Phoebe começou a rir e esticou suas longas pernas nuas enquanto Dean desapareceu atrás da
barreira.
—Eu gosto desse garoto. Gosto tanto que vou garantir que não caia nunca nas suas sebosas garras.
—Não deve ter custado muito bajulá-lo para vir aqui fora e presenciar nossa pequena reunião.
—Absolutamente nada.
—Passaram-se sete anos, Phoebe. Não acha que é hora de enterrarmos os machados de guerra?
—Desde que a lâmina acabe cravada na sua nuca, por mim não há problema.
Ele deslizou os dedos no bolso e sorriu.
—O melhor dia da minha carreira foi aquele que seu cunhado virou meu cliente. Ainda saboreio
cada minuto.
Phoebe fez cara feia. Amava a Kevin Tucker como se fosse parente de sangue e não pelo
matrimonio, o fato dele não ter escutado suas suplicas e assinasse com Heath foi uma pílula
amarga que nunca terminou de engolir. Sua primeira negociação com Heath sobre o contrato de
Kevin tinha sido brutal. Que a família estivesse envolvida não queria dizer que Phoebe estivesse
mais disposta a afrouxar seus punhos de ferro sobre as finanças dos Stars, e ainda lembrava como
metodicamente ela tirou uma clausula de bonificação, claramente abusiva, que Heath colocou para
sondar o terreno.
“Família é família e negócios, são negócios. Adoro ele, mas não a esse ponto.
— A quem você quer enganar? — Disse Heath. — Você caminharia sobre brasas por ele.
— Sim, mas deixaria o talão bem guardado antes de fazer isso.”
Heath deu uma olhada no campo de treinamento. Ainda que faltasse mais de um mês para que
começasse o período de treinamento, havia alguns jogadores praticando corrida com o treinador
da equipe. Cumprimentou com a cabeça a um jogador que tinha quatro temporadas na equipe, um
dos clientes de Zagorski.
—Keman tem uma boa aparência.
— Teria uma melhor se passasse mais tempo na academia e menos vendendo carros usados pela
televisão. Mas Dan gosta dele.
Dan Calebow era o presidente dos Stars e o marido de Phoebe. Tinham se conhecido quando
Phoebe herdou a equipe de seu pai. Naquela época, Dan era o treinador chefe da equipe e Phoebe
não tinha nem ideia do que era futebol americano, algo que agora parecia difícil de acreditar. Suas
brigas iniciais eram quase tão legendárias como sua história de amor posterior. No ano passado,

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

um canal a cabo tinha produzido um filme fuleiro sobre eles, e Dan ainda estava irritado porque
seu papel foi interpretado por um antigo integrante de um grupo musical de garotos.
—Quero um contrato por três temporadas. — disse Phoebe, indo direto ao ponto no assunto de
Caleb Crenshaw.
—Sim, eu também ia querer se estivesse na sua posição, mas Caleb vai assinar só dois.
—Três. É inegociável. — Ela formulou seus argumentos sem consultar notas, recitando de cabeça
complexas estatísticas com sua voz de gata sensual. Ambos tinham uma memória excelente, e ele
também não trouxe nada anotado.
—Sabe perfeitamente que não posso aconselhar que Caleb aceite essa oferta. — Apoiou um pé no
banco, ao lado dela. — Para o terceiro ano, valerá milhões a mais do que estará pagando.
Justamente a razão pela qual ela queria fechar o acordo por três anos.
—Somente se não sofre nenhuma lesão. — respondeu, como ele sabia que faria. — Sou eu que
assumo os riscos. Se nesse terceiro ano ele arrebenta os joelhos eu terei que pagar da mesma
forma. — Continuou a partir daí colocando ênfase no seu altruísmo e a gratidão eterna que deveria
mostrar um jogador pelo simples fato que o permitisse vestir o uniforme de uma das lendas do
futebol como Bobby Tom Denton, Cal Bonner, Darnell Pruitt e, sim, Kevin Tucker.
Heath ameaçou com uma ruptura das negociações, ainda que não tivesse a menor intenção de
levar isso a cabo. O que há tempos tinha considerado uma astuta estratégia de negociação lhe
parecia agora uma medida desesperada que inevitavelmente faria mais mal que bem.
Phoebe continuou pressionando, arremetendo outra cascata de estatísticas, apimentadas com
alusões a jogadores ingratos e representantes sanguessugas.
Ele contra atacou com suas próprias estatísticas, que apontavam o fato de que proprietários avaros
acabam encontrando jogadores ressentidos e temporadas sem títulos.
Ao final, chegaram a um ponto em que ambos sabiam mais ou menos em que acabariam. Phoebe
conseguiu seu contrato de três anos e Caleb Crenshaw ficou com uma bonificação de um milhão e
meio de dólares pelo agravo. Vencedor. Vencedora. Só era um acordo no qual poderiam ter
chegado três meses antes, se Phoebe não tivesse posto tanto empenho em complicar as coisas.
—Oi, Heath.
Voltou para trás e viu Molly Somerville Tucker que se aproximava. A mulher de Kevin não podia
estar mais distante do protótipo de loira deslumbrante casada com uma estrela da Liga Nacional de
Futebol Americano. Tinha um corpo esbelto e firme, mas também não era de outro mundo. Salvo
por um par de olhos azuis acinzentados meio orientais, ela e Phoebe tinham pouca semelhança
física. Ele gostava decididamente muito mais de Molly que de sua irmã. A mulher de Kevin era
esperta e divertida, e era fácil falar com ela. De certo modo lembrava Annabelle, ainda que esta
era mais baixinha e sua cabeleira de cachos avermelhados não parecia nada com o cabelo castanho
e liso de Molly. Entretanto eram um par de espertinhas obstinadas, e não pensava abaixar a guarda
diante de nenhuma das duas.
Molly segurava um bebê em um braço, chamado Daniel John Tucker de nove meses de idade. Pela
outra mão levava uma menininha de cabelos encaracolados. Heath se alegrou ao ver Molly, era
indiferente ao bebê e se sentiu menos que alegre ao ver a menina de três anos. Afortunadamente,
Victoria Phoebe Tucker tinha um objeto mais importante em vista.
—Tia Phoebe! — Soltou a mão de sua mãe e correu até a proprietária dos Stars tão rápido como
podia com seus diminutos pés, guardados numa reluzente bota de chuva vermelha. As botas
ficaram estranhas com seu conjunto de shorts e top roxos de bolinhas. Além disso, fazia duas
semanas que não chovia, mas já tinha sofrido na sua carne a obstinação de Vicky Tucker e não
culpava Molly por ser seletiva nas batalhas que travava.
Num caso de atração entre iguais, Phoebe se levantou do banco num salto para saudar a pequena
ladrazinha de cabelos enrolados.
—Olá, sem vergonha!

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Adivinha o que, tia Phoebe…


Heath se desligou da menina quando Molly se aproximou. Ela tocou-lhe a lateral do pescoço.
—Não tem marcas de mordidas, assim que sua reunião deve ter ido bem.
—Sigo vivo.
Ela trocou o bebê de braço.
—E já encontrou a senhora Champion? Annabelle tem essa estranha, e totalmente desnecessária,
obsessão por confidencialidade.
Ele sorriu.
—Continuo procurando. — Agarrou a mãozinha cheia de baba do bebê para mudar de tema. — Eh,
colega, como está esse braço de lançador?
Não se dava especialmente bem com as crianças, e a criatura enterrou a cara no ombro de sua
mãe.
—Nada de futebol. — disse Molly. — Este vai ser escritor, como eu. Não é verdade, Danny? —
Molly beijou ao bebê na cabeça e franziu o cenho. — Você falou hoje com Annabelle?
—Não, por quê? — Com o rabo de olho viu Phoebe sorrir amorosamente para Vicky. Desejou que
ainda que fosse por uma vez dirigisse a ele um sorriso com a metade de autenticidade.
—Levo todo o dia tentando falar com ela. — disse Molly. — Mas nenhum de seus telefones
funciona. Se por casualidade te liga, diga-lhe que quero falar com ela sobre a grande festa de
amanhã ao meio dia.
—À uma. — Phoebe falou por cima dos loiros cachos de sua sobrinha. — Você já sabe que
mudamos a hora?
Heath ficou paralisado. Uma festa? Esta era justo a ocasião que estava esperando.
—Quem me dera se lembrasse. — disse Molly — Mas tenho uma entrega e estou um pouco
distraída.
Os Tucker e os Calebow se reuniam constantemente, mas Heath não tinha recebido nenhum
convite, por mais vezes que explicasse a Kevin a falta que lhe fazia. Heath queria uma
oportunidade de estar com Phoebe fora do campo de batalha, e uma reunião social informal era a
oportunidade perfeita. Talvez se não estivessem discutindo por um contrato, ela se daria conta de
que no geral era um homem decente. Ao longo dos anos, tinha tentado organizar uma dezena de
almoços e jantares, mas ela escapulia sempre, em geral com algum sarcasmo sobre comida
envenenada. Agora Molly dava uma festa, e tinha convidado Annabelle. Que não o tinha
convidado.
Talvez fosse coisa só de garotas. Talvez não. Só tinha um jeito de averiguar.

—Esta mulher não tem a menor ideia de como levar um negócio. — grunhiu Heath, enquanto
Bodie ia zumbindo pela pista de velocidade da autopista da York Road na direção de Eisenhower.
— Nenhum dos seus números dá sinal. Teremos que encontrá-la.
—Para mim está bom. — disse Bodie — Tenho muito tempo até meu encontro dessa noite.
Heath ligou para seu escritório, conseguiu o endereço de Annabelle e quarenta e cinco minutos
mais tarde parava em frente a uma casinha parecida com uma Colomba Pascoal pintada de azul e
lavanda, espremida por duas casas de aspecto muito caro.
—Parece o ninho de amor da pequena Bo Peep4 — disse Bodie enquanto subia o carro no meio fio.

4
Bo Peep é uma bonita e adorável pastora dos filmes Toy Story. Ela é a namorada do Woody.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—A porta principal está aberta, assim que está em casa. — Bodie examinou a construção. — Vou
até Earwax pegar um pouco de café enquanto você briga com ela. Quer que eu traga algo na
voltas?
Heath sacudiu a cabeça. Earwax era uma cafeteria assustadora da avenida Milwaukee que tinha se
transformado em uma instituição em Wicker Park. Bodie, com sua cabeça raspada e tatuagens, se
encaixava ali perfeitamente, ainda que se pudesse dizer o mesmo de qualquer um. Bodie se foi
com o carro e Heath cruzou a velha cerca de forja que dava caminho a uma extensão de grama, do
tamanho de um tapete de boas vindas, coberto de capim-limão recém cortado. Ouviu a voz de
Annabelle antes mesmo de chegar à porta.
—Estou fazendo o melhor que posso, senhor Bronicki.
—Esta última era muito velha. — respondeu uma voz gasta.
—É quase dez anos mais nova que você.
—Setenta e um anos. Muito velha.
Heath parou no umbral da porta aberta e viu Annabelle de pé na metade de um cômodo alegre,
azul e amarelo, que parecia servir como sua área de recepção. Usava uma camiseta branca curta,
um par de jeans cintura baixa e chinelos arco-íris. Tinha prendido o cabelo em cima da cabeça e se
parecia a Pedrita Flintstone, só que com um corpo melhor.
Um velho calvo com sobrancelhas muito grossas a olhava com cara de raiva.
—Disse que queria uma dama de aproximadamente trinta anos.
—Senhor Bronicki, a maioria das mulheres de trinta procuram um homem de idade um pouco mais
próxima da delas que você.
—Isso só demonstra o pouco que sabe. As mulheres gostam dos homens mais velhos. Sabem que é
aí onde está o dinheiro.
Heath sorriu, era a primeira vez que se divertia durante todo o dia. Quando cruzou o umbral,
Annabelle reparou nele.
Seus olhos cor de mel cresceram como se um dinossauro enorme e mau tivesse passado pela porta
da cova de Pedrita.
—Heath? O que você está fazendo aqui?
—Pelo que parece, você não responde ao telefone.
—Agora tenta me evitar. — interviu o velho.
O penteado de Annabelle se agitou sinalizando sua indignação.
—Não tentava te evitar. Olha, senhor Bronicki, tenho que falar com o senhor Champion. Você e eu
podemos discutir isso em outro momento.
—Não, nada disso. — O senhor Bronicki cruzou os braços sobre o peito. — O que está tentando
fazer é se livrar desse contrato escapulindo como uma doninha.
Heath fez um gesto complacente com a mão aberta.
—Não se preocupem comigo. Ficarei aqui olhando.
Ela dirigiu-lhe um olhar de exasperação. Ele tirou o sorriso de seu rosto e se aproximou mais do
sofá, o que lhe dava uma melhor visão da camiseta branca justa. Seu olhar deslizou por aquele par
de estilizadas pernas até chegar a seus pés e finalmente aos dedos de seus pés, que tinham unhas
pintadas de roxo com a pontinha branca. Pedrita tinha seu particular senso de elegância.
Ela voltou a se ocupar do visitante ancião.
—Não estou escapulindo. — disse irada. — O que acontece é que a senhora Valerio é uma mulher
bonita, e você e ela têm muito em comum.
—Ela é muito velha. — Voltou a explodir o homem. — Garantia de satisfação, lembra? Isso é o que
dizia o contrato, e meu sobrinho é advogado.
—Como você já me disse algumas vezes.
—E muito bem. Estudou direito em uma das melhores universidades.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

O lampejo duro que apareceu nos olhos de Annabelle não augurava nada bom para o pobre
senhor Bronicki.
—Tão boa como Harvard? — disse com tom triunfal. — Por que lá foi onde estudou o senhor
Champion e — cravou o olhar nele. — ele é meu advogado.
Heath arqueou uma sobrancelha.
O velho examinou com desconfiança, e as bochechas de Annabelle se rodearam de um sorriso
pícaro e malévolo.
—Senhor Bronicki, te apresento Heath Champion, também conhecido como Píton, mas não deixe
que isso te preocupe. Quase nunca manda as pessoas mais velhas para a cadeia. Heath, o senhor
Bronicki é um antigo cliente da minha avó.
—Sim.
O senhor Bronicki pestanejou, mas se recuperou imediatamente.
—Já que você é um advogado, talvez queira explicar-lhe como funciona um contrato.
Annabelle voltou a saltar de irritação.
—Segundo parece, o senhor Bronicki acredita que um contrato que assinou com minha avó em
1986 continua válido e que é meu dever cumpri-lo.
—Dizia que se não ficasse satisfeito me devolveriam meu dinheiro. — respondeu o senhor
Bronicki. — E não fiquei satisfeito.
—Ficou casado com a senhora Bronicki quinze anos! — exclamou Annabelle. — Eu diria que
amortizou seus duzentos dólares.
—Já te disse. Ela ficou louca. Agora quero outra.
Heath não sabia o que era mais engraçado, as sobrancelhas convulsivas do senhor Bronicki ou a
agitação indignada do cabelo de Pedrita.
—Não dirijo um supermercado! — dirigiu-se a Heath. — Diga a ele!
Por fim. Tudo que era bom chegavam a seu fim. Adotou a atitude de um advogado.
—Senhor Bronicki, ao que parece você assinou um contrato com a avó da senhorita Granger. E
dado o que tudo indica, os termos originais do acordo foram cumpridos, temo que você careça de
base legal para uma reclamação.
—Como careço de base legal? Eu acho que tenho base legal. — Com as sobrancelhas dando pulos,
começou a fustigar Annabelle com toda a classe de insultos, nenhum deles tinha nada haver com
ela. E quanto mais a desmerecia, menos graça via Heath no assunto como um todo. Não gostava
que ninguém além dele a intimidasse.
—Já basta — disse por fim.
O velho deve ter compreendido que Heath falava sério, porque parou na metade de uma frase.
Heath se aproximou se situando entre Bronicki e Annabelle.
—Se você acha que tem chance, fale com seu sobrinho. E de passagem, peça-lhe que te informe
sobre as leis contra o assédio.
As povoadas sobrancelhas caíram como lagartas moribundas, e a agressividade do velho se
dissipou imediatamente.
—Em nenhum momento assediei ninguém.
—Não é a impressão que tenho. — disse Heath.
—Não era minha intenção assedia-la. — Pareceu se encolher ainda mais. — Só pretendia
argumentar meu ponto de vista.
—Já o fez. — respondeu Heath. — Agora talvez seja melhor que se vá.
Afundou os ombros e abaixou a cabeça.
—Desculpe-me, Annabelle. — disse e saiu pela porta.
Um cacho solto de Annabelle o acertou na cara ao virar-se bruscamente para Heath.
—Não precisava ser tão duro com ele!
—Duro?

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Ela saiu ao pórtico numa corrida, batendo ritmicamente as laminas de madeira do chão com os
chinelos.
—Senhor Bronicki! Senhor Bronicki, espere! Se não ligar novamente para senhora Valerio para
combinar algo, ferirá seus sentimentos. Sei que não quer fazer isso.
—Só diz isso para me agradar.
Os chinelos bateram mais suaves na escada e a voz de Annabelle se tornou melosa.
—Seria tão ruim assim? Peço por favor. É uma senhora muito agradável e gostou muito de você.
Combine com ela de sair, me faça esse favor.
Houve uma longa pausa.
—Está bem. — respondeu com um pouco do brio anterior. — Mas não penso em me encontrar
com ela sábado pela noite. Esse é o dia que passa Iron Chef na Tv.
—Muito razoável.
Annabelle voltou a entrar com um sorriso de satisfação no rosto. Heath a observou divertido.
—Desde já, espero não ter que ver nunca mais você num ringue de luta livre.
Uma ruga franziu a ponta de seu nariz.
—Você foi muito duro. Ele se sente muito só e discutir comigo lhe dá alguma esperança. — Olhou-
o com desconfiança. — O que você faz aqui?
—Seus telefones não estão funcionando.
—Claro que funcionam. — Logo tampou a boca com a mão. — Ai, nãooo...
—Esqueceu de pagar as faturas?
—Só a do celular. Tenho certeza que o outro funciona. — Desapareceu por um arco aberto numa
parede. Ele a seguiu até seu escritório. Reproduções de arte aconchegantes enchiam a longa
parede atrás da mesa de seu computador.
Reconheceu um Chagall e uma das bandeiras americanas de Jasper Johns em branco sobre branco.
Ela levantou o fone de ouvido e, ao não ouvir o tom de chamada, fez cara de perplexidade. Heath
pegou o cabo que ligava à obsoleta secretária eletrônica negra.
—Funciona melhor quando está conectado.
Annabelle voltou a ligá-lo.
—Tentei arruma-la pela noite.
—Bom trabalho. Nunca ouviu falar do serviço de mensagem de voz?
—Isso é mais barato.
—Quando for para se manter em contato com os clientes, nunca economize.
—Tem razão. Sou consciente disso.
O fato de que não tentasse discutir com ele lhe surpreendeu. A maioria das pessoas se colocava na
defensiva quando cometia erros.
—Não tenho o costume de deixar de pagar minhas faturas. — Ela disse. — Acho que o que se
passou com meu celular foi coisa do meu subconsciente. Não nos damos bem.
—Talvez te ajude um conselho profissional.
—Em que universo pode parecer uma boa ideia permitir que minha mãe me encontrasse sempre
que quiser? — Deixou-se cair na cadeira, com uma expressão que era uma divertida mistura de
indignação e pesar. — Diga-me que não está aqui porque cancelou seu encontro desta noite com
Rachel.
—Não. Segue de pé.
—O que te trás aqui então?
—Uma missão de boa vontade. Hoje vi Molly no quartel general dos Stars e me pediu para te
lembrar de amanhã. À uma.
—A festa… Quase me esqueci. — Ergueu a cabeça, com a desconfiança voltando novamente a
aqueles olhos de caramelo fundido. — Veio de carro até aqui só para me recordar da festa de
Phoebe?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

— A festa de Phoebe? Pensava que era de Molly.


—Não.
Aquilo era ainda melhor. Pegou o pequeno coelho de pelúcia rosa que ela tinha em cima do
monitor do computador e examinou.
—Vai a muitas festas na casa dos Calebow?
—A algumas. — disse ela, lentamente. — Por quê?
—Estava pensando em te acompanhar. — Deu a volta no conector e olhou o cabo. — Ou já tem
acompanhante?
—Não, a verdade é que…— Recostou-se em sua cadeira da mesa, abrindo muito os olhos. — Bem.
Isto sim que é patético. Quer me usar para chegar até Phoebe. Não consegue ser convidado
pessoalmente e vai me utilizar.
—É isso. —Voltou a colocar o coelhinho no seu lugar.
—Nem sequer tem vergonha.
—É difícil que um representante tenha vergonha.
—Não acredito. Phoebe e Dan convidam para suas festas quase todo mundo.
—Minhas relações com ela estão passando por um momento de conflito, isso é tudo. Preciso
suavizar um pouco as coisas.
—E supõe que poderá fazer isso numa festa?
—Acho que estarei mais relaxado em uma reunião social.
—Quanto tempo dura esse período de conflito?
—Uns sete anos.
—Meu Deus.
Ele examinou o pôster de Jasper Johns.
—Fui agressivo em nossos primeiros contatos e a deixei em um mau lugar. Eu pedi desculpa, mas
parece que ela custa perdoar.
—Não estou certa se essa é a melhor maneira de resolver seus problemas com ela.
—Então, Annabelle. Vai me ajudar ou não?
—É só que…
—Muito bem. — disse ele bruscamente — Não passou por alto que temos diferentes concepções
sobre a forma de dirigir um negócio. Eu gosto de agradar meus clientes e para você tanto faz. Claro
que talvez prefira limitar suas atividades à terceira idade.
Ela ficou de pé de um salto.
—Tudo bem. Quer ir na festa comigo amanhã? Então venha.
—Perfeito. Passarei aqui para te pegar ao meio dia. Como tenho que me vestir?
—Estou tentando dizer que é roupa de gala.
—Ou seja, informal. — Viu pela janela Bodie subindo o carro no passeio. Apoiou o quadril numa
beirada da mesa. —Não vamos dizer a Phoebe que eu te pedi para que me levasse. Diga apenas
que acha que eu trabalho demais ultimamente e que preciso relaxar um pouco antes de encontrar
todas essas mulheres que você tem em sua carteira para mim.
—Phoebe não é idiota. Você realmente acha que ela vai cair nesse papo?
—Ela fará, se você for convincente. — dirigiu-se a porta. — As pessoas que vencem criam sua
própria realidade, Annabelle. Pegue a bola e entre no jogo.
Antes de que pudesse responder que já jogava o melhor que sabia, ele avançava por sua calçada
até a cerca.
Ela chegou à porta de entrada e fechou-a. Mais uma vez tinha a surpreendido em seus piores
momentos, sem maquiagem, com os telefones fora de serviço e discutindo com o senhor Bronicki.
O lado bom do tema era que a noite, em comparação, Rachel ia lhe parecer maravilhosa.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Annabelle se perguntou se dormiriam juntos. A ideia a deprimiu de forma considerável. Foi até a
cozinha e se serviu um copo de chá gelado que levou até seu escritório, onde ligou para John
Nager para ver como tinha ido o encontro que havia tido no almoço.
—Estava resfriada, Annabelle. Uma congestão evidente.
—John, as mulheres vêm com germes.
—É uma questão de quantidade.
Perguntou-se o que Heath faria com um cliente hipocondríaco.
—Ela quer te ver de novo, — disse— mas se você não está interessado tenho outros clientes que
estarão.
—Bom… Ela é muito bonita.
—E tem germes, como todas as mulheres com as quais teve um encontro. Você pode aguentar?
Finalmente John decidiu dar-lhe outra oportunidade. Ela pegou o aspirador e passou sem
entusiasmo no andar de baixo, depois encheu um jarro de água para regar a coleção de violetas
africanas de Nana. Enquanto colocava umas gotas de fertilizante, considerou a possibilidade de
marcar um encontro entre a senhora Porter e o senhor Clemens. Os dois eram viúvos na casa dos
setenta, outros dois clientes que Nana tinha deixado para ela. A senhora Porter era negra e o
senhor Clemens branco, o que podia ser um problema para suas famílias, mas Annabelle percebeu
muito interesse da parte deles quando se encontraram na mercearia, os dois adoravam bolos.
Levou o jarro ao seu escritório. Iria se livrar de uma vez por todas desses idosos? Por mais que
explicasse que Bodas Myrna tinha fechado, eles continuavam aparecendo.
O pior de tudo era que esperavam que ela continuasse cobrando as tarifas de Nana. Quando
terminou com as violetas, se sentou para revisar as faturas. Graças ao cheque de Heath, tinha
liquidado a maior parte delas. No dia anterior tinha ligado para Melanie para saber se tinha
interesse de assinar com ela como cliente, o que a obrigou a aclarar sua verdadeira ocupação.
Felizmente, Melanie tinha senso de humor e pareceu interessada. As coisas estavam melhorando.
No relógio da Pequena Sereia em sua mesa iam passando os minutos. Heath estaria pegando
Rachel naquele momento. Ia leva-la no Tru, onde serviam o caviar numa escada de cristal em
miniatura e um jantar para dois podia sair facilmente em quatrocentos dólares. Ela nunca esteve
lá, mas tinha lido.
Pensou em passar num par de cafeterias nas proximidades para distribuir cartões, mas não tinha
força suficiente para trocar de roupa. Sexta à noite. Nenhum encontro. Nenhuma perspectiva de
encontros interessantes. A casamenteira precisava de uma casamenteira. Queria casar, queria uma
família, um trabalho que a apaixonasse… Era pedir demais da vida? Mas como ia encontrar um
homem se tinha sempre que estar cedendo os melhores? Não que Heath fosse o melhor. Era um
marido em potencial somente na cabeça dele. Não, isso não era justo. Tudo que ele fazia, fazia
bem feito, e dedicaria ao seu casamento seus maiores esforços. Que isso fosse o suficiente ainda
tinha que descobrir. Graças a Deus, não era problema seu. Pegou o filme Wainting for Guffman,
então se lembrou de que era do Rob e preferiu ver Sexta-feira muito Louca. Tinha acabado de
chegar à parte em que Jamie Lee Curtis e sua filha trocavam de corpo quando o telefone tocou.
—Annabelle, é a Rachel.
Parou o filme com o controle.
—Como está indo?
—Está fora do meu alcance.
—Por que diz isso? De onde você está ligando?
—Do banheiro feminino do Tru. O encontro não está funcionando. Não entendo, Heath e eu
passamos um momento tão agradável juntos no dia que nos apresentou... Lembra? Mas agora
parece que tudo está tão diferente.
—Sabia que isso ia acontecer. Ele passou a noite toda no seu celular, verdade?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não respondeu a uma só chamada. Na verdade, tem se portado como um autêntico cavalheiro.
Mas nós dois temos que nos esforçar demais para manter viva a conversa.
—Ele esteve fora toda a semana. Pode ser que esteja cansado.
—Não creio que seja isso. É só que... não aconteceu nada. Estou só realmente decepcionada. Na
primeira vez senti que saltavam faíscas. Você não?
—Decididamente. Pergunte a ele sobre seu trabalho. Ou sobre o beisebol. Ele torce para os Sox.
Mas continue tentando.
Rachel disse que faria, mas não parecia otimista, e quando Annabelle desligou o telefone, se sentiu
desanimada... e aliviada.
Mais uma razão para ficar deprimida.

As traças se amontoavam contra a porta iluminada. O bar, sitiado num antigo armazém muito
próximo a saída da Avenida do Norte, se chamava Suey, e o símbolo mostrava um enorme porco
vermelho com um boné de caminhoneiro.
—Encantador. — disse Portia arrastando as silabas.
Bodie deu-lhe um mudo sorriso arrogante que harmonizava em perfeição com sua ameaçadora
cabeça raspada, suas tatuagens intimidantes e seus músculos de valentão.
—Sabia que você ia gostar.
—Estava sendo sarcástica.
—Por quê?
—Porque esse é um bar de esporte.
—Não gosta de bares de esporte? Que estranho. — Ele segurou a porta para que ela passasse.
Ela levantou seus olhos para cima e o seguiu pelo interior. O lugar era muito amplo e ruidoso, com
cheiro de cerveja rançosa, batatas fritas e loção pós-barba, coroando tudo isso com o odor de
academia. O bar abria espaço a uma sala maior com mesas, jogos e paredes de blocos de concreto
que exibiam as logos das equipes de Chicago.
Avistou no fundo um espaço ainda maior que tinha bancos de metal e uma quadra de vôlei de
praia delimitada por uma barreira de plástico laranja. Bonecas infláveis, placas de marcas de
cerveja e sabres de luz do Star Wars estavam penduradas nas vigas visíveis. Tudo muito masculino.
Graças a Deus, não era o tipo de lugar que frequentariam suas amizades.
Tinha se vestido informalmente para a noite, desenterrando um velho par de calças de algodão
largas, um top azul justo com sutiã acoplado e sandálias baixas. Inclusive substituiu seus brincos de
diamantes por simples argolas de prata. Seguiu Bodie através de um grupo barulhento de cara de
vinte e poucos anos que ignoravam o som de fundo das televisões enquanto tomavam shots de
tequila. À medida que as pessoas davam passagem, percebeu como as mulheres olhavam para
Bodie. Algumas o cumprimentavam pelo nome. Os homens muito musculosos tinham a tendência
de se vestir desalinhados, mas a polo café e a calça sobre medida que usava não podiam ficar
melhor nele, e não havia uma mulher no local que não tivesse percebido.
Ela seguiu colada a suas costas, que eram bastante largas para impedir que as pessoas tropeçassem
nela, e deixou-se conduzir até uma mesa com magnífica vista para o touro mecânico e a quadra de
voleibol na sala adjacente.
Teve a impressão de que pedir um vinho ou um drinque era se arriscar demais, assim que decidiu
por uma cerveja suave, mas pediu que a trouxessem na garrafa. Estaria mais protegida se caíssem
porcarias do teto.
Bodie voltou logo em seguida com outra cerveja para ele e se pôs a examiná-la descaradamente.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Quantos anos você tem?


—O suficiente para saber que esse é o pior encontro da minha vida.
—É difícil adivinhar com mulheres como você. Tem uma pele incrível, mas os olhos de uma mulher
mais velha.
—Mais alguma consideração? — perguntou com frieza.
—Eu calculo que quarenta e três ou quarenta e quatro.
—Tenho trinta e sete. — Ela respondeu num instante.
—Não, eu tenho trinta e sete. Você tem quarenta e dois. Informei-me um pouco.
—Por que me perguntou, então?
—Queria ver se seus olhos delatavam quando mente. — Seus olhos cinza soltavam faíscas de
diversão. —Agora eu já sei.
Ela resistiu a morder a isca.
—Já terminamos com o encontro?
—Nem sequer começamos. Acho que deveríamos esperar o jogo para depois jantar, o que te
parece?
—Jogar?
Sinalizou com um movimento de cabeça a quadra de voleibol.
—Temos uma partida dentro de quarenta minutos.
—Ah, bom. Isso será justamente depois que eu tenha ido embora, não é?
—Já nos inscrevi. Tem que jogar.
—Nem pensar.
—Devia ter te avisado para trazer uma bermuda.
—Com certeza você tinha muitos outros assuntos mais importantes para pensar.
Ele sorriu.
—Você é uma cadela muito bonita.
—Muito obrigada.
O sorriso dele aumentou, e ela sentiu cócegas nos pés. De novo, considerou a possibilidade de que
fosse tão idiota como parecia.
—Decididamente, um pé no saco. — ele disse. — Hoje é meu dia de sorte. — Tentou se afastar
quando ele se inclinou sobre ela, mas, quando roçou a sua garganta com a ponta dos dedos, um
pequeno espasmo percorreu sua pele. — Você e eu vamos passar um bom momento juntos...
enquanto eu mantiver essa coleira bem apertada no seu pescoço.
Sentiu outra sacudida em suas terminações nervosas, e olhou para o outro lado. Afortunadamente,
três homens que estavam há um tempo no bar escolheram aquele momento exato para se
aproximarem. Todos eram jovens e respeitosos. Bodie a apresentou, mas só estavam interessados
nele. Descobriu que ele tinha sido um jogador profissional, e enquanto os homens falavam de
esportes experimentou a rara, mas não inconveniente, sensação de ser invisível. Permitiu-se
relaxar um pouco. Quando os jovens os deixaram, entretanto, soube que era o momento de voltar
ao controle.
—Fale-me de você, Bodie. De onde é?
Ele a observou, quase como se estivesse se decidindo quanto estava disposto a revelar.
— De um pontinho no mapa do sul de Illinois.
—Um garoto do interior.
—Poderia dizer que sim. Cresci num estacionamento de trailers onde era a única criança. — Deu
um trago na cerveja. —Meu quarto dava para um contêiner de lixo.
Que havia tido um passado difícil era visível aos olhos, então ela não se surpreendeu.
—O que me diz de seus pais?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Minha mãe morreu quando eu tinha quatro anos, e meu pai era um bêbado bonito que tinha
caso com várias mulheres, e acredite, cresci com um montão delas se multiplicando ao nosso
redor.
Era tão sórdido que Portia desejou não ter perguntado. Pensou em seu ex-marido, com sua
linhagem impecável, na dezena de homens com quem tinha saído ao longo dos anos, alguns deles
tinham prosperado por si mesmos, mas todos refinados e com modos irrepreensíveis. Entretanto
estava ali, num bar de esporte com um homem cujo aspecto induzia a acreditar que tinha ganhado
a vida carregando cadáveres no porta-malas de um carro. Mais um sinal de que sua vida tinha
virado do avesso e se distanciado de seus objetivos.
Bodie saiu por um momento, e ela aproveitou para verificar seu celular. Tinha uma mensagem de
Juanita Brooks, a diretora da Iniciativa Comunitária da Pequena Empresa. Portia ligou
imediatamente. Voluntariar-se na ICPE tinha ajudado a preencher o vazio que o divorcio deixou
em sua vida. Ainda que nunca confessaria isso a ninguém, ansiava uma validação, comprovar que
era a melhor, e apadrinhar essas novas empresárias tinha lhe proporcionado isso. Tinha tantos
conhecimentos ganhados com suor do trabalho para oferecer... para quem apenas fizesse credito.
—Portia, estive falando com Mary Churso. — disse Juanita. — Sei que você tinha a esperança de
assessora-la, mas... pediu-me que lhe designem outra.
—Outra? Mas como pode ser. Com todo o tempo que lhe dediquei. O duro que tenho trabalhado
nisso. Como pôde fazer isso?
—Acho que ela ficou um pouco intimidada com você. — disse Juanita. — Igual às outras. — Vacilou
um instante. —Portia agradeço seu compromisso. Digo-te de coração. Mas a maioria das mulheres
que nos procuram necessitam de um apoio mais amável. — Portia escutou, incrédula, enquanto
Juanita explicava que não sabia de ninguém mais naquele momento que ela pudesse assessorar,
mas que se aparecesse alguém “especial” a faria saber. Depois desligou.
Portia não conseguiu acreditar. Sentia como se um punho gigante a tivesse espremido até expulsar
todo o ar de seus pulmões. Como Juanita podia priva-la disso? Combateu o pânico com a ira.
Aquela mulher era uma péssima administradora. A pior. Na verdade, tinham-na dispensado por
esperar o máximo dessas mulheres ao invés de trata-las com condescendência.
Justamente nesse momento Bodie reapareceu. Era exatamente a distração que precisava, e
guardou sem demora o celular na bolsa para observá-lo se aproximar. Sua camiseta branca
moldava seu peito e seu short esportivo curto expunha a poderosa musculatura das suas pernas,
uma delas tinha uma cicatriz longa e franzida. Sobressaltou-se ao sentir que seus sentidos se
aceleravam.
—É hora do show. —Pegou sua mão para que levantasse.
Juanita a tinha deixado tão deslocada que tinha se esquecido do jogo.
—Não penso em jogar.
—Claro que sim. — Ele ignorou seus protestos e a arrastou até a pista de voleibol. — Ei, caras, esta
é Portia. Ela joga vôlei profissional na Costa Oeste.
—Olá, Portia.
Todos os jogadores, menos duas, eram homens. Uma das mulheres usava short e parecia levar
aquilo muito a sério.
A outra estava usando roupas normais, mas também parecia levar o jogo para valer. Portia não
suportava fazer coisas nas quais não se saia bem. Não tinha jogado vôlei desde seu primeiro ano na
universidade, e o único aspecto do jogo que chegou a dominar um pouco era o saque. Bodie
deslizou seus dedos pela parte de trás do seu pescoço e apertou com firmeza para lembra-lhe seu
comentário sobre a coleira.
—Tire essas sandálias e nos mostre do que é capaz.
Ele não achava que ela era capaz. Isso era uma prova, e ele esperava que ela falhasse. Pois bem,
ela não ia falhar. Outra vez não. Não depois do que acabou de acontecer com Juanita. Desfez das

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

sandálias com dois chutes e entrou na quadra. Ele inclinou sua cabeça, uma demonstração de
respeito? E voltou para falar com os outros jogadores.
A bola não passou perto dela até que tivessem passados vários minutos do inicio do jogo, quando
passou foi em cheio no seu peito. Não pode jogá-la para o alto, então a empurrou para a rede. De
rebote, Bodie se atirou de cabeça para pegá-la, levantando um monte areia e conseguindo de
algum modo passa-la por cima da rede. Era um atleta incrível, intensamente físico, rápido e
intimidante. Também era um jogador de equipe, que mandava a bola para os demais no lugar de
monopoliza-la. Portia se esforçava, mas além de marcar um saque, era um peso morto. Apesar de
tudo, com Bodie contrabalanceando, seu time ganhou o jogo e ao comemorar com os demais
sentiu uma estranha euforia. Quisera que Juanita Brooks, e que todo mundo no ICPE, a vissem
agora.
Ela se limpou o melhor que pode no banheiro, mas só um chuveiro poderia tirar a areia que tinha
entrado no seu cabelo e nos dedos de seu pé. Voltou para a mesa no mesmo momento que Bodie
reapareceu com a roupa que tinha vindo da rua. O bar não tinha duchas, assim que não entendeu
como ele cheirava tão bem, a um agradável esforço masculino, sabonete de pinho e roupa limpa.
Quando agarrou a cadeira, a manga da sua camisa subiu para cima do bíceps, revelando algo mais
da emaranhada tatuagem tribal que o rodeava. Ele sorriu.
— Você estava de dar pena.
—Olha, agora você magoou meus sentimentos. — disse com voz animalesca.
—Deus, não vejo a hora de te levar para a cama.
Outra dessas perturbadoras descargas elétricas a estremeceu. Pegou a cerveja que ele tinha
pedido e tomou um gole, mas estava muito quente para se refrescar.
—Você está presumindo muita coisa.
—Nem tanto. — Inclinou-se para ela. — Como você pode estar segura que não vou dar com a
língua nos dentes para o Heath? É algo curioso, mas não consigo esquecer esse pequeno episódio
de espionagem.
—Está me chantageando por sexo?
—Porque não? — Ele se recostou na cadeira com um sorriso de canalha. — Vai te dar uma boa
desculpa para fazer o que deseja, de todas as formas.
Se outro homem lhe dissesse semelhante frase, teria rido na sua cara, mas seu estomago
encolheu-se. Tinha uma sensação singular de que Bodie sabia algo sobre ela que o resto das
pessoas não entendiam, que talvez até mesmo ela não tivesse percebido.
—Você está delirando.
Ele esfregou os dedos.
—Não há nada que eu goste mais do que dominar sexualmente uma mulher forte.
Ela apertou os dedos ao redor da garrafa, não porque se sentia ameaçada, ele estava se divertido
muito, mas porque suas palavras a excitavam.
—Talvez devesse conversar com seu psiquiatra.
—E perder nossa diversão? Acho que não.
Ninguém nunca tinha jogado com ela jogos sexuais. Cruzou as pernas e deu-lhe um sorriso sem
vontade.
—Homenzinho iludido.
Ele se inclinou diante dela e sussurrou no lóbulo da sua orelha:
—Uma noite dessas vou fazer você pagar por isso. — E depois a mordeu.
Ela soltou um gemido, mas não de dor, não estava machucando-a na verdade, era só por uma
perturbadora excitação. Felizmente, um dos homens com os que tinham jogado vôlei se aproximou
da mesa, de forma que Bodie teve que se afastar, dando-lhe chance de recuperar a serenidade.
Pouco depois trouxeram a comida. Bodie pediu sem perguntá-la, e depois teve a cara de pau de
brigar para que ela comesse.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Mas você não finca o dente em nada. Só passa a língua. Não me estranha que esteja tão
esquálida.
—Seu diabo eloquente!
—Bom, enquanto continue abrindo a boca…— Colocou uma batata frita na sua boca. Ela saboreou
o choque de gordura e sal, mas se afastou quando a ofereceu outra. Mais jogadores de vôlei se
juntaram a mesa. Enquanto Bodie falava com eles, ela começou a examinar num gesto automático
as mulheres do bar. Havia várias bastante bonitas, e sentiu o impulso de entregar a elas seu cartão,
mas não teve animo de se levantar. A presença de Bodie tinha absorvido todo o oxigênio do local,
deixando o ar muito rarefeito para que ela pudesse respirar. Quando deixaram o bar e passaram na
entrada de seu edifício, estava quase embriagada de desejo. Ensaiou mentalmente a forma como
iam ser as coisas com ele. Ele sabia exatamente o efeito que estava causando nela, assim que
evidentemente esperava que ela lhe convidasse para subir. Não o faria, mas ele a seguiria até o
elevador do mesmo jeito, e ela ia reagir com uma atitude divertida e tranquila. Perfeito. Mas Bodie
Gray tinha lhe reservado mais uma surpresa.
—Boa noite, rebatedora.
Sem mais que um beijo no seu rosto, se afastou caminhando.

***
No sábado pela manhã, Annabelle levantou cedo e saiu para Roscoe Village, um antigo refúgio de
traficantes de drogas que tinha se aburguesado no principio do século XX. Agora era um charmoso
bairro de casas restauradas e lojas encantadoras que tinha certo ar de cidade do interior. Tinha um
encontro com a filha de um dos antigos vizinhos de Nana no seu escritório de arquitetura, que
ficava diretamente na Roscoe Street. Tinha escutado que era uma mulher de beleza excepcional, e
queria conhecê-la em pessoa para ver se podia forma um bom par para Heath. Descobriu que a
mulher era linda, mas quase tão hiperativa como ele, uma receita infalível para o desastre.
Annabelle considerou, entretanto, que podia ser uma boa candidata para outro, e decidiu mantê-la
em mente.
Uma pontada de fome lembrou-lhe que não havia tido tempo de tomar café da manhã. Como
Heath só ia busca-la as doze cruzou a rua para ir ao Victory’s Banner, uma alegre cafeteria
vegetariana que cabia no seu bolso, cheia de seguidores de um mestre espiritual hindu. Em vez de
um defasado interior com cheiro de incenso, Victory’s Banner tinha paredes azuis mediterrâneo,
luminosas banquetas amarelas e mesas branco giz que combinando com as cortinas. Sentou-se
numa mesa vazia e começou a pedir seus pratos favoritos, torrada caseira com manteiga de
pêssego e xarope de mel real quando se distraiu com uma bandeja dourada de waffles belgas que
passou ao seu lado. Por fim, decidiu-se por uns crepes de maçã e nozes.
Quando dava o primeiro trago no seu café um rosto conhecido apareceu ao abrir, nos fundos, a
porta do banheiro. O coração de Annabelle afundou. A mulher era alta mesmo com suas sandálias
de tecido sem salto. Tinha as costas largas e estava bem vestida, com calças largas de tecido
branco franzido e uma blusa coral de manga curta que complementava o cabelo castanho claro
que lhe caiam até os ombros. Estava maquiada com esmero, com uma sutil sombra de olho que
resaltava seus familiares olhos escuros.
A cafeteria era muito pequena para ela se esconder, e Rosemary Kimble notou Annabelle
imediatamente agarrando sua bolsa de palha com mais força. Tinha as mãos fortes e grandes, com
unhas longas pintadas da cor caramelo, e três pulseiras de ouro adornavam seu pulso. Fazia quase
seis meses desde Annabelle a tinha visto pela última vez.
Rosemary tinha o rosto mais magro e os quadris mais cheios. Aproximou-se da mesa e Annabelle
experimentou uma enxurrada de emoções bem familiares, ira, traição, compaixão, repulsa... e uma
dolorosa ternura.
Rosemary trocou a bolsa de mão e falou com sua voz grave e melodiosa.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Acabo de comer, mas … se importaria que te acompanhasse?


Sim, me importo, teve vontade de dizer Annabelle, mas depois teria se sentido culpada, assim que
indicou com um leve movimento de cabeça a cadeira em frente. Rosemary se acomodou com a
bolsa no seu regaço, pediu um chá gelado e começou a brincar com uma pulseira.
—Chegou ao meu conhecimento que tem um cliente de prestigio.
—Molly e sua boca grande…
Rosemary deu-lhe um sorriso murcho.
—Você não me liga, não me escreve… Molly é minha única fonte de informação. Está sendo uma
boa amiga.
...Ao contrario de Annabelle. Concentrou-se em seu café. Finalmente, Rosemary rompeu o
incomodo silencio.
—E como está Kate, o tornado, ultimamente?
—Interferindo, como sempre. Quer que tire o diploma de contabilidade.
—Ela se preocupa contigo.
Annabelle deixou sua xícara no prato com demasiado ímpeto, e o café salpicou por cima da borda
da xícara.
—Não imagino o porquê.
—Não me culpo por todos seus problemas com Kate. Ela sempre te deixou louca.
—Sim, bom, nossa situação não ajudou, precisamente.
—Não é verdade. — disse Rosemary.
Annabelle tinha esperado quase uma semana desde que seu mundo viera à baixo antes de ligar
para sua mãe, com a esperança de poder então dar as boas novas sem começar a chorar.
“—Rob e eu rompemos nosso compromisso, mamãe.
Ainda recordava o chiado de sua mãe.
—Do que você está falando?
—Que não vamos nos casar.
—Mas se falta apenas dois meses para o casamento. E adoramos o Rob. Todos o amam. É o único
homem com quem saiu que tem a cabeça no lugar. Se completam com perfeição.
—Parece que até demais. Você vai morrer de rir. — um nó se fez na sua garganta. — Acontece que
Rob é uma mulher presa no corpo de um homem.
—Annabelle você bebeu?”
Annabelle explicou a sua mãe da mesma forma que Rob explicou a ela: que Rob se sentia mal no
seu corpo desde que se lembrava, e por isso teve a crise nervosa que tinha sofrido há um ano
antes de conhecê-la, mas da qual nunca chegou a falar; que acreditou que amá-la o curaria, e que
por fim compreendeu que não podia seguir vivendo se tivesse que fazê-lo como homem. Kate
começou a chorar e Annabelle chorou também com ela. Sentiu-se tola por não ter suspeitado da
verdade, mas Rob tinha sido um amante bastante decente, e sua vida sexual não era ruim. Era
bonito, divertido e sensível, mas não parecia afeminado. Nunca o pegou vestindo suas roupas ou
usando sua maquiagem, e até aquela noite fatídica na que ele disparou a chorar e disse que já não
podia seguir tentando ser alguém que não era, acreditava que ele era o amor de sua vida.
Olhando para trás, percebeu que havia sim algumas pistas: seus ataques de melancolia, alusões a
uma infância infeliz, perguntas estranhas sobre a experiência de Annabelle ao crescer como uma
menina. Ela tinha se sentido lisonjeada pela atenção que dava a suas opiniões, e contou a seus
amigos como era afortunada por estar noiva de alguém que se interessava tanto por ela como
pessoa. Nem uma só vez passou pela sua cabeça que ele estava reunindo informação,
contrastando suas próprias experiências com as dela, para tomar sua decisão definitiva. Depois de
anunciar a devastadora noticia, disse-lhe que continuava a amando como sempre. Ela perguntou
entre lágrimas do que ele esperava que isso servisse. Já tinha sido bastante doloroso que seus

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

sonhos se fizessem em pedaços, mas além disso, teve que passar pela humilhação de contar a seus
parentes e amigos.
“Lembram do Rob, meu ex noivo? Não vão acreditar...” Por mais que tentasse, não conseguia
superar o que tinha dominado seu interior, o fator repulsa. Tinha feito amor com um homem que
queria ser uma mulher. Não encontrava consolo nas suas explicações de que identidade de gênero
e sexualidade eram dois assuntos diferentes. Ele sabia que aquela monstruosidade recaia sobre ele
quando se apaixonaram, mas não disse uma palavra sobre o fato até a tarde que ela provou o
vestido de noiva. Aquela mesma noite administrou sua primeira dose de estrogênio, dando
começo a sua transformação de Rob para Rosemary.
Tinham se passado quase dois anos desde então, e Annabelle ainda não tinha superado a sensação
de ter sido traída. Ao mesmo tempo, não podia fingir indiferença.
—Como está o trabalho? — Rosemary levava desde muito tempo a direção de marketing do
editorial de Molly, Birdcage Press. Molly e ela tinham trabalhado lado a lado para abrir mercado à
premiada série de livros infantis “A coelhinha Dafne.”
—As pessoas estão se acostumando comigo, por fim.
—Estou certa de não foi fácil. — Durante algum tempo, Annabelle tinha desejado que fosse difícil,
que seu antigo amante sofresse, mas já não sentia o mesmo. Agora só queria esquecer.
A mulher que uma vez foi seu noivo a olhou do outro lado da mesa.
—Eu só queria…
—Não diga isso.
—É minha melhor amiga, Annabelle. Quero recuperar isso.
O antigo rancor renasceu.
—Eu sei que você me ama, mas não posso.
— Adiantaria alguma coisa se te dissesse que já não me atrai sexualmente? Parece que os
hormônios tiveram efeito em mim. Pela primeira vez na vida comecei a notar os homens. É muito
estranho.
—Que me diga isso? Sim.
Rosemary riu, e Annabelle tentou corresponder com um sorriso, mas ao mesmo tempo que lhe
desejava tudo de bom, era impossível ser sua confidente. Sua relação tinha despojado de coisas
demais dela. Não só perdeu a confiança em sua capacidade de julgar as pessoas, como também
sua segurança no terreno sexual. Que tipo de perdedora podia estar submersa numa relação
íntima todo esse tempo, sem suspeitar que algo de estranho estava acontecendo?
Chegaram seus crepes. Rosemary se levantou e olhou-a com tristeza.
—Vou te deixar comer tranquila. Fico feliz em ter te encontrado.
Por mais que tentasse, a melhor coisa que Annabelle conseguiu dizer foi:
—Boa sorte.
***
—Phoebe e Dan te convidam muito para suas festas? — perguntou Heath umas horas mais tarde,
enquanto virava na longa avenida arborizada que levava ao lar dos Calebow. Um falcão voava em
círculos sobre o sol do meio dia no velho horto a sua direita, no qual as maçãs começavam a tomar
uma cor avermelhada.
—Umas quantas vezes. — Ela respondeu. — Mas Phoebe gosta de mim.
—Vai em frente, ria, mas para mim não é engraçado. Perdi vários clientes ótimos por causa disso.
—Mentiria se não dissesse que é bom te ter a minha mercê para variar.
—Não aproveite demais. Confio que não vá colocar isso a perder.
Ela temia já ter colocado. Deveria ter sido mais franca com ele a respeito de hoje, mas sempre se
transformava numa cabeça dura quando um viciado no trabalho começava a lhe dar ordens, outra
herança de sua infância.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

As rodas se agitaram ao cruzar uma estreita ponte de madeira. Virando numa esquina uma velha
fazenda de pedra apareceu a vista. A propriedade dos Calebow, construída na década de 1880, era
uma joia rústica no meio de uma prospera região de expansão urbana descontrolada. Dan tinha
comprado a casa nos seus tempos de solteiro, e à medida que sua família ia crescendo, Phoebe e
ele, tinham acrescentado cômodos, elevado o teto e ampliado o terreno. O resultado final era um
exagero de casa com muito charme, perfeita para uma família com quatro filhos para criar.
Heath estacionou na avenida junto ao quatro por quatro de Molly que tinha o desenho do Tigrão
preso por ventosas ao vidro do carro. Jogou o corpo para um lado para guardar as chaves no bolso
de sua calça esportiva caqui. Completavam o conjunto uma polo de marca e outro de seus relógios
TAG Heuer com correia marrom de pele de crocodilo. Annabelle sentiu que estava um pouco mal
vestida com seu short cinza de malha ajustado com um cordão, sua camisa água marinha sem
mangas e seu chinelo J. Crew.
Percebeu o preciso momento em que ele se fixou na aglomeração de balões rosa presos na longa
cerca que rodeava o pórtico frontal, de estilo tradicional.
Ele virou para ela muito devagar, como uma píton se desenroscando em frente de sua vitima.
—Que tipo de festa é essa, exatamente?
Ela mordeu seu lábio inferior e tentou parecer adorável.
—Eh… engraçado você me perguntar…
Seus olhos severos lembraram Annabelle, tarde demais, que quando se tratava de negócios, ele
não tinha senso de humor. O que ela também não tinha se esquecido.
—Nada de baboseiras, Annabelle. Diga-me agora mesmo o que está acontecendo.
Ele a esmagaria se ela tentasse fazer uma retirada, assim que tentou um certo savoir faire
descontraído:
—Relaxe e aproveite. Será divertido. — Não soo nada convincente, mas antes que ele pudesse
estrangula-la, Molly apareceu no pórtico da entrada com Vicky ao seu lado. As duas usavam
brilhantes coroas rosas, Vicky a completava com um vestido de princesa vermelho e Molly com
um short justo amarelo limão e uma camiseta da coelhinha Dafne. A expressão severa de Heath
ficou ainda mais austera.
Molly parecia perplexa ao ver Heath e depois começou a rir. Ele lançou sobre Annabelle um olhar
assassino fingindo um sorriso falso para Molly e saiu do carro. Annabelle pegou sua bolsa e o
seguiu. Desafortunadamente, o nó que tinha começado a se forma em seu estomago foi junto com
ela.
—Heath? Não posso acreditar. — disse Molly— Se nem sequer pude convencer Kevin que viesse
hoje para me dar uma mão.
—Não me diga. — respondeu ele devagar. — Foi Annabelle quem me convidou.
Molly a parabenizou, com o polegar direito levantado.
—Fantástico.
Annabelle forçou um sorriso.
Heath caminhou para Molly, transmitindo um ar de diversão que Annabelle sabia que ele não
sentia.
—Annabelle, entretanto, esqueceu-se de me dizer para que tipo de festa estava me convidando
exatamente.
—Uups... — Os olhos de Molly soltaram faíscas.
—Teria dito se me tivesse perguntado. — Suas palavras soaram falsas até mesmo para ela, e ele a
ignorou.
Molly se inclinou para sua filha.
— Vicky conta ao senhor Heath o motivo de nossa festa.
A coroa da menininha balançou ao pular dando um gritinho de perfurar os tímpanos.
—A festa das princesas!

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—O que me diz? — disse Heath arrastando as silabas. Muito lentamente, virou seu olhar para
Annabelle. Ela fingiu observar uma rosa trepadeira de um lado do pórtico de entrada.
—Foi ideia da Julie e da Tess. — disse Molly— Annabelle se apresentou voluntariamente para nos
dar uma mão.
Annabelle pensou em explicar que Julie e Tess eram as filhas mais velhas dos Calebow, gêmeas de
quinze anos. Logo percebeu que Heath não precisava dessa explicação. Tinha como parte de seu
trabalho saber tudo relativo aos quatro filhos de Dan e Phoebe, as gêmeas, Hannah, de doze anos
e Andrew, de nove. Provavelmente, sabia até quais eram suas comidas favoritas e quando tinha
feito a última visita ao dentista.
—As gêmeas se voluntariaram no centro de assistência diurna a famílias carentes. — Continuou
Molly. —Trabalham com meninas de quatro a cinco anos, supervisionando atividades dirigidas,
além de ensiná-las matemática e ciências. Queriam organizar uma festa para se divertirem um
pouco.
—A festa das princesas! — voltou a gritar Vicky, uma e outra vez.
—Não sabe como estou contente que tenha vindo. — disse Molly. — Tess e Julie acordaram com
febre esta manhã, assim que estamos um pouco atarefados. Hannah vai ajudar, mas ela se envolve
emocionalmente, assim que não posso confiar tudo a ela. Tentei ligar para Kevin para rogar que
reconsiderasse, mas Dan e ele levaram os garotos para não sei onde e o celular não pega. Assim
que você será nossa salvação.
— Será um prazer. — Heath transmitia tanta sinceridade que Annabelle teria acreditado se não
estivesse a par da situação. Não era de se estranhar que fosse tão bom no que fazia.
Ouviram o som de um motor e viram se aproximar um micro-ônibus amarelo. Molly virou-se para a
porta.
—Hannah, chegaram as meninas!
Depois de uns instantes, apareceu Hannah Calebow, de doze anos. Magra e estranha, se parecia
mais com sua tia Molly do que com Phoebe, sua mãe. Seu cabelo castanho claro, olhos expressivos
e traços assimétricos insinuavam a promessa de algo mais interessante que uma beleza
convencional quando crescesse, ainda que neste momento fosse difícil imaginar isso.
—Ola, Annabelle! — disse ao se aproximar.
Annabelle devolveu a saudação, e Molly apresentou Heath enquanto o micro-ônibus parava diante
da casa.
—Annabelle, por que você e Heath não vão ajudar Phoebe no terreno de trás enquanto Hannah e
eu nos encarregamos de descer as meninas?
—Talvez seja melhor que estejam alerta quando estejam perto da mamãe. — disse Hannah com
voz suave, ansiosa em agradar. — Está com o humor de cão, por que esta manhã Andrew enfiou a
mão no bolo.
—As coisas ficam cada vez melhores. — resmungou Heath. E sem mais, dirigiu-se pelo caminho de
pedra que rodeava a casa de um lado. Caminhava com tanta pressa que Annabelle teve que dar
trotes para alcançá-lo.
—Suponho que te devo um pedido de desculpa. — disse— Acho que me deixei levar por...
—Não diga nem uma palavra. — disse com tom que não pressagiava nada de bom. — Você me
ferrou de propósito, não temos nada para dizer um ao outro.
Ela correu para ficar ao seu lado.
—Não era minha intenção te ferrar. Pensei que...
—Não gaste sua saliva. Queria fazer com que parecesse um idiota.
Ela desejou que isso não fosse verdade, mas temia que pudesse ser. Não como um idiota,
exatamente. Simplesmente, não tão seguro de si mesmo.
—Sua reação é claramente exagerada.
Foi então que a Píton atacou.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Está despedida.
Ela tropeçou em um dos ladrilhos do caminho. Sua voz não mostrava nenhuma emoção, nem
lamentava pelos bons momentos e sorrisos compartilhados, era só uma declaração aniquiladora.
—Você não está falando sério.
—Oh, acredito que sim.
—É uma festa infantil! Não tem nada de errado.
Ele se afastou sem dizer mais nada.
Ela ficou gelada e em silencio a sombra de uma olmeira velha. Fez de novo. Mais uma vez, deixou
que seu caráter impulsivo a levasse para o desastre. Conhecia-o o suficiente nessa altura para
entender quanto o irritava estar em desvantagem. Como pode chegar a acreditar que acharia isso
divertido? Talvez não tivesse acreditado. Talvez a pessoa que tentou sabotar na realidade fosse ela
mesma. Sua mãe tinha razão. Não podia ser uma simples coincidência que tudo aquilo no que
Annabelle investisse fracassasse. Acreditava lá no fundo que não merecia o sucesso? Era essa a
razão de todas suas empresas acabarem em desastre? Apoiou-se no tronco da arvore e tratou de
não chorar.

Heath estava furioso. Não gostava de ficar como um idiota sobre nenhuma circunstancia, mas
especialmente não na presença de Phoebe Calebow. E mesmo assim ali estava, completamente
fora do seu lugar. Se fosse uma festa de adolescente, não teria problema. Ele gostava de
adolescentes, se saia bem falando com eles. Mas crianças pequenas, meninas pequenas, eram um
mistério para ele. Sua ira contra Annabelle ia aumentando. Pensou que engana-lo desta maneira
seria divertido, mas nada que tivesse a ver com Phoebe podia ser engraçado para ele. Quando se
tratava de negócios, não gostava de brincadeiras. Annabelle sabia disso, mas decidiu pôr-lhe a
prova, e se viu forçado à cortar suas asas. Não ia deixar que isso pesasse em sua consciência. O
sentimentalismo e o remorso eram coisas de perdedores. Colocou sua atenção no pátio traseiro
dos Calebow, com sua piscina, suas altas arvores e sua ampla e bem aproveitada planície, tudo isso
pensado para uma grande família. Essa tarde estava cheia de vaporosos enfeites rosas, presos nas
arvores, rodeando a área ladrilhada e cobrindo a estrutura do cercado para criança. Infestavam
igualmente as diminutas mesas nas que os balões rosas oscilavam ao sopro da brisa sobre o
encosto das cadeirinhas.
Caixas de papelão rosa cheias de vestidos cintilantes como o que usava Vicky Tucker, e um carrinho
rosa abaulado acumulava sapatinhos de plástico. Falsas joias rosas decoravam uma cadeira na
forma de trono situada no centro do pátio. Só a pinhata em forma de dragão verde que balançava
debaixo do galho de um bordo tinha se livrado da praga rosa.
Ele sempre sentiu-se bem na sua pele, mas agora se sentia estranho e fora de lugar. Olhou a
piscina e experimentou uma faísca de esperança. Numa piscina estaria em casa.
Desafortunadamente, a grade de ferro estava com o cadeado trancado. Ao que parecia, Molly e
Phoebe tinham decidido que vigiar tantas meninas pequenas perto da água seria muito perigoso,
mas ele teria vigiado as malditas meninas. Ele gostava de perigo. Com um pouco de sorte, uma das
pequenas lagartinhas afundaria por uns minutos e ele iria poder salvá-la de se afogar. Isso teria
ganhado a atenção de Phoebe.
A proprietária dos Stars estava de pé atrás da mais distante mesinha, organizando algum tipo de
enfeite de cartolina. Igual a todas as demais, tinha na cabeça uma daquelas espantosas coroas
rosas, o que inspirou um profundo sentimento de insulto pessoal. Os proprietários de times
deviam usar ou o Stetsons ou a cabeça descoberta. Não havia mais opções.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Phoebe escolheu aquele momento para levantar a vista. Seus olhos se arregalaram de surpresa, e
um daqueles enfeites caiu da sua mão.
—Heath?
—Olá, Phoebe.
—Olhem só. Isso sim é especial. — Apresou-se em recolher o que demônios fosse aquilo. — Por
mais que eu ame subir com você nas trincheiras para disputar outro round de luta na lama, estou
muito ocupada agora.
—Annabelle pensou que seria bom ter um pouco de ajuda.
—E a ajuda é você? Não posso acreditar.
Ele fez com os lábios o mais desarmante dos sorrisos.
— Admito que esteja um pouco fora de lugar, mas se me orienta adequadamente darei o melhor
de mim.
No lugar de conquista-la, despertou seus receios, e seu rosto adotou sua habitual expressão de
desconfiança. Antes que pudesse interrogá-lo, no entanto, um exército de menininhas apareceu na
volta do lado. Algumas iam de mãos dadas, outras caminhavam. Vestiam diferentes formas e cores,
e uma delas chorava.
—Os lugares desconhecidos às vezes nos dão medo, — ouviu Hannah dizer. — mas aqui todo
mundo é muito, muito simpático. E se estiverem muito assustadas é só vir me dizer. Eu levarei
vocês para darem um passeio. E se precisarem ir ao banheiro, eu direi onde é também. Nossos
cachorrinhos estão presos para que não saltem em cima de ninguém. E se virem uma abelha,
avisem aos mais velhos.
Isso quis dizer Molly quando tinha dito que Hannah se envolvia emocionalmente.
Molly se aproximou das caixas rosa de papelão.
—Todas as princesas precisam de um lindo vestido, e aqui estão os de vocês. — Algumas das
meninas mais saidinhas correram para os vestidos.
Phoebe encasquetou-lhe os enfeites na mão.
—Ponha uma dessas em cada mesa. E é melhor que não pretenda me cobrar por isso. — E foi o
mais de pressa possível, ajudar.
Annabelle não apareceu por nenhuma parte. Tinha tratado-a com dureza e não lhe parecia
estranho que precisasse de tempo para se recuperar. Ignorou uma desagradável pontada no
estômago. Ela tinha buscado aquilo ao ultrapassar a linha. Examinou os enfeites: estrelas de
cartolina rosa coladas nos extremos de palitos de madeira. Seu humor se tornou fúnebre.
Deveriam ser varinhas mágicas. O que diabos tinham haver as varinhas mágicas com ajudar
meninas a aprender matemática e ciências? Ele sabia bem as duas coisas. Ele podia ter ajudado
com a matemática e as ciências. Não era supostos que as meninas tinham que desenvolver suas
habilidades? Com a porra das varinhas mágicas. Ele teria dividido calculadoras. Jogou as varinhas
sobre a mesa e olhou ao redor procurando Annabelle, mas seguia desaparecida, o que começou a
incomodá-lo. Ainda que não tivesse outro remédio que despedi-la, não queria destruí-la.
Chegaram gritos agudos desde as caixas de vestidos. Ainda que as meninas parecessem um
exército, não eram mais do que quinze ou algo assim.
Algo roçou sua perna e ele abaixou a cabeça para ver a carinha de Vicky Tucker. Veio a sua cabeça a
musica do filme Tubarão.
O vestido da menina de três anos era da cor do xarope de morango, seus olhos eram como jujubas
verdes de inocência. Somente a inclinação descontraída de sua coroa rosa sobre os loiros cachos
deixava entrever o coração de uma foragida. Tinha uma coroa que segurava com seus punhos
sebosos.
—Você tem que usar a coroa.

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—Por nada nesse mundo. — Cravou nela um de seus olhares, rápido para deixar claro sem fazer
que ela gritasse chamando sua mãe. Suas sobrancelhas claras se juntaram como as de seu pai
quando avistava uma jogada defensiva.
—Heath! — Emergiu a voz de Molly no mar de vestidos. — Fique de olho na Vicky enquanto
acabamos de vestir todo mundo, tudo bem?
—Com prazer. — Abaixou o olhar para a pequena.
A pequena levantou seus olhos para ele.
Ele estudou seus olhos de jujuba e sua coroa rosa.
Ela arranhou um braço.
Ele cavou em seu cérebro e finalmente lhe ocorreu algo.
—Alguém te ensinou a usar a calculadora?
Os gritos provenientes das caixas de vestidos ficaram mais escandalosos. Vicky levantou seu queixo
para vê-lo melhor, e a coroa retrocedeu um pouco na sua cabeça.
— Tem bolinhas de sabão?
—O que?
—Eu gosto das bolinhas de sabão.
—Tudo bem.
Ela desviou subitamente o olhar para seus bolsos.
—Onde está seu telefone?
—Vamos ver o que sua mãe está fazendo.
—Quero o seu telefone.
—Devolva para mim o antigo primeiro, e depois conversaremos.
Ela sorriu.
—Eu adooooro os telefones.
—Percebi.
No mês anterior, um dia que tinha passado pela casa dos Tucker, tinham o deixado sozinho com
sua adorável filhinha uns minutos. Ela pediu que lhe mostrasse seu celular. Era um reluzente
Motorola novo de última geração que custava quinhentos dólares, equipado com aplicativos
suficientes para permiti-lo gerir seus negócios dele, mas não pensou que fosse acontecer nada de
mal. Não tinha feito mais que entrega-lo, entretanto, quando Kevin o chamou desde outro cômodo
pedindo que desse uma olhada no vídeo de um jogo, já não voltou a vê-lo.
Ele deu um jeito de ficar sozinho com ela antes de ir embora e tentar interroga-la, mas logo a
pequena ficou muda. Como consequência, perdeu um par de e-mails importantes e notas finais
relativas a um novo contrato. Mais tarde, Bodie lhe disse que tinha que ter contado a Kevin o que
passou, simplesmente, mas Kevin e Molly babavam nos seus filhos, e Heath não pensava em dizer
qualquer coisa que pudesse ser interpretado como uma critica a sua adorável filha.
Ela deu uma pisoteada na grama.
—Quero ver o telefone agora. — disse.
—Pode esquecer.
Ela fez um biquinho. Oh, merda, ia começar a chorar. Sabia por experiências anteriores que a
mínima expressão de desgosto saindo da boca de seu anjinho colocava Molly do avesso. Onde
diabos estava Annabelle? Levou a mão como uma flecha no bolso e tirou seu celular mais recente.
—Eu vou segurar enquanto você olha. —Ajoelhou-se junto dela.
Ela fez como se fosse pegá-lo.
—Eu mesmo quero segurar.
Heath não o teria soltado nem por um segundo, não era bobo, mas Annabelle escolheu esse
preciso instante para fazer um aparição, e ficou tão surpreso com o que viu que foi ao céu e voltou.
Uma coroa do tamanho da que usava a rainha da Inglaterra descansava sobre seu rebelde
emaranhado de cachos, e usava um vestido longo e prateado. A vaporosa saia estava salpicada de

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resplandecentes lantejoulas, e um fio de tecido prata enquadrava seus ombros nus. Enquanto
caminhava sobre a grama, o sol bate-lhe em todas as direções, fazendo com que seu cabelo
entrasse em chamas e soltassem faíscas de seus strass. Não estranhou que as meninas barulhentas
tivessem feito silencio. Ele mesmo quase ficou pasmo.
Por um momento, esqueceu de que estava com raiva dela. Ainda que a roupa fosse uma fantasia e
a coroa falsa, ela parecia quase mágica, e algo dentro dele não aceitava tirar os olhos dela. A
maioria das meninas já estavam vestidas com seus pequenos vestidos rosa por cima de shorts e
camisetas. Ao aproximarem de Annabelle, ele reparou nos chinelos que apareciam debaixo da
dobra do vestido. Por alguma razão, pareciam perfeitos nela.
—Saudações, minhas pequenas belezas. — Cantarolou parecendo a bruxa boa do Mágico de Oz. —
Eu sou Annabelle, sua fada madrinha. Vou perguntar a cada uma de vocês como se chamam, e
depois lançarei um feitiço que transformará a todas em verdadeiras princesas. Estão prontas?
Seus agudos gritos pareciam indicar que estavam.
—Depois disso,— prosseguiu— ajudarei a vocês a fazerem suas varinhas mágicas para levarem
para casa.
Heath pegou rapidamente as varinhas que tinha jogado em um monte e começou a coloca-las com
toda pressa entre os potes de purpurina rosa e as joias de plástico das mesas. Annabelle avançava
ao longo da fila de menininhas, inclinando-se para perguntar o nome a cada uma e depois agitar
sua própria varinha sobre suas cabeças.
—Te designo Princesa Keesha… Te designo Princesa Rose… Te designo Princesa Dominga… Te
designo Princesa Victoria Phoebe.

Maldita seja! Heath deu meia volta, lembrando-se tarde demais que a menina tinha seu telefone.
Procurou entre a grama por onde tinha estado e procurou no seu bolso, mas não havia nem rastro
do celular. Olhou para as meninas e lá estava ela, uma pequena ladra de celulares com as mãos
vazias e uma coroa na cabeça. A menina não tinha mais de três anos, e tinham passado apenas uns
instantes. Não podia ter levado o celular para longe. Enquanto considerava qual deveria ser seu
próximo movimento, Phoebe apareceu ao seu lado com uma câmera Polaroid.
—Queremos uma foto de cada menina sentada no trono com sua fantasia. Fará de graça? —
alfinetou-lhe — Ou ficará com as moedas que lhes deu a fada do dente?
—Phoebe, você me fere assim.
—Não precisa se preocupar. Duvido que saia sangue. — Colocou a câmera na sua mão e se foi, sem
dizer mais nada, com sua coroa rosa reluzindo toda a animosidade que fluía em seus poros.
Fantástico. Por desgraça, tinha conseguido despedir sua casamenteira e perder outro celular sem
se aproximar um milímetro de seu objetivo de melhorar sua relação com a proprietária dos Stars. E
a festa estava só começando.
Annabelle terminou a cerimônia de nomeação e logo depois Molly e ela conduziram algumas
meninas as mesas para que decorassem suas varinhas, enquanto Phoebe e Hannah levavam o
resto para uma bandeja cheia de batons e sombras de olhos. Tinha alguns minutos antes de ter
que montar seu estúdio fotográfico, tempo suficiente para descobrir onde podia ter escondido um
telefone uma menina de três anos.
Um balbucio de riso precedendo Glinda a bruxa boa se propagou na sua direção, mas resistiu a
deixar-se distrair. Infelizmente, Vicky tinha se protegido junto a sua mãe. Tinhas as mãos ocupadas,
uma com uma cola e a outra estava junto do polegar que tinha colocado na boca, assim que devia
ter guardado-o em algum lugar. Talvez tivesse colocado no bolso do short, debaixo do vestido.
Lembrou que tinha programado ele para que vibrasse e colocou a câmera no chão, logo contornou
a casa para pegar no seu carro seu BlackBerry. Quando voltou, marcou o numero de seu celular
perdido e se afastou para um lado para ver se ela tinha alguma reação. Não teve. Assim que não
estava no bolso dela.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Merda. Precisava de Annabelle. Só que tinha expulsado-a de sua vida.


Todas as meninas estavam agitadas reclamando a atenção dela, mas não só ela não estava irritada,
como parecia gostar disso. Ele forçou-se a olhar para outro lado. E daí se ela parecia tão inocente
como uma personagem de Walt Disney? Ele não perdoa e não tinha se esquecido.
Adentrou-se mais na sombra do pátio. Nenhuma das meninas estava pronta para sua foto, e ainda
tinha tempo de fazer algumas chamadas, mas era quase certo que ela o surpreenderia e faria
algum comentário mordaz. Mais uma vez, a musica do Tubarão passou pela sua cabeça. Olhou
para baixo.
Vicky usava uma sombra de olho azul clara e tinha uma boquinha como um botão de rosa
vermelho carmim. Guardou o BlackBerry no bolso com a velocidade de um raio.
—Você viu minha varinha?
—Eh, uma varinha linda, sim vejo. — Ficou de joelhos e fingiu examinar sua obra artística, mas foi
direto ao x da questão.
— Vicky, mostre para o tio Heath onde colocou o seu celular.
Ela deu um sorriso deslumbrante, com as feições levemente torcidas, possivelmente por causa
daquele polegar.
—Quero o celular. — disse.
—Excelente. Eu também. Vamos procurar juntos.
Ela indicou seu bolso.
—Quero esse telefone!
—Nem pensar. — ficou de pé como um raio e se afastou a passos largos para que se Vicky
começasse a chorar, não o vissem próximo dela. —Alguém está pronta para a foto? —Exclamou,
transbordando entusiasmo.
—Princesa Rose, você já está pronta. — disse Molly. — Vai se sentar no trono que o príncipe Heath
vai tirar sua foto.
Ouviu um bufo de onde estava Glinda a bruxa boa.
—Tenho medo. — a pequena sussurrou para Molly.
—Com toda razão. — resmungou Glinda.
O comentário deveria tê-lo exasperado, mas não foi sua intenção magoa-la, só dar uma lição sobre
negócios que em última instancia era para seu próprio bem.
—Quer que eu vá com você? — perguntou Molly a menina. Mas a pequena olhou com adoração
para Annabelle. — Quero tirar a foto com ela. —disse.
Molly sorriu para Annabelle.
—Fada madrinha, parece que te requerem para a foto.
—Por que não? — Ao chegar à altura dele, levantou o nariz muito digna e passou direto. Heath
não pode deixar de observar que na ponta do nariz dela tinha uma mancha rosa de purpurina.
Depois disso, parecia que todas as princesas do mundo queriam tirar a foto com a boa fada
madrinha, quem, não por mera casualidade, se comportava como se o fotografo real não existisse.
Ele sabia jogar esse jogo e limitou seus comentários as meninas.
—Vamos ver esse sorriso princesa. Muito bom.
Annabelle podia ignorar Heath, mas ria com as meninas, lançava feitiços, conciliava disputas e
deixou que a princesa Pilar visse o que tinham as fadas madrinhas debaixo do vestido. Ele mesmo
tinha a mesma curiosidade. Infelizmente, essa fada madrinha estava com short cinza esportivo e
não brilhantes tangas vermelhas como ele teria preferido. Mas enfim, isso era só ele.
Em pouco tempo, tinha se esquecido das ligações que tinha que fazer e se concentrou em fazer
boas fotos das meninas. Tinha que reconhecer como eram bonitinhas. Algumas eram tímidas e
precisavam que alguém as animasse um pouco. Outras eram muito falantes. Um par das de quatro
anos quiseram que Annabelle se sentasse no trono para poder sentar no seu regaço. Umas
quantas a fizeram posar de pé junto delas. Ela as fazia rir e a ele sorrir, e quando terminou as fotos

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

já tinha decidido perdoa-la. Infernos, todos mereciam uma segunda chance. Primeiro lhe daria a
repreenda da sua vida e depois voltaria a admití-la em liberdade condicional.

As guloseimas voaram para todos os lados. Sobreviveu à divisão, estava inteiro ao final. Ninguém
se machucou ou chorou, assim que talvez não fosse tão inepto com as crianças. Hannah estava
supervisionando um jogo de dar beijos no sapo. Como Hannah não vendava os olhos de ninguém,
ele não via como aquilo pudesse ser um jogo, mas quem sabe ele tinha deixado algo escapar.
Phoebe e Molly, entretanto, tinham organizado uma brincadeira de caça ao tesouro.
Vicky apareceu ao seu lado rapidamente e tentava conseguir seu celular reserva, mas ele a distraiu
com um pote aberto de sombra de olho verde.
—Pippi! Como você ficou desse jeito? — gritava Molly instantes mais tarde.
Ele fingiu estar ocupado com a câmera e não ver o olhar severo de desconfiança que Phoebe lhe
lançou.
Molly reuniu as meninas debaixo da sombra de uma arvore e as entreteve com uma história que
parecia ser improvisada no momento, intitulada Dafne e a festa das princesas. Incorporou o nome
de todas as meninas e até acrescentou um sapo chamado “príncipe Heath” especialista em tirar
fotos mágicas. Agora que decidiu perdoar Annabelle, relaxou o suficiente para se deleitar olhando-
a. Estava sentada de pernas cruzadas sobre a grama, com as saias armadas envolvendo as meninas
em torno dela. Ria com elas, dava palmadas e, no geral, parecia mais uma menina.
Enquanto esperavam na mesa com o lanche, ele se encarregou da pinhata-dragão.
—Não vende os olhos delas. — sussurrou Hannah — Elas têm medo.
Assim ele não vendou. Deixou que batessem o pau até se fartarem, e como a pinhata parecia
resistir a tudo, pegou um pau enorme e a fez em pedaços.
Chegou o lanche como uma onda de rosa. Suco rosa. Sanduiche feito com pão rosa, um bolo na
forma de castelo com suas torres confeitadas com sorvete rosa, no que faltava visivelmente um
pedaço da ponte levadiça rosa, por obra sem dúvida do pequeno Andrew Calebow. Molly deu-lhe
uma cerveja.
—Você é um anjo misericordioso. —Ele disse.
—Não sei o que faríamos sem você.
—Foi divertido. — Pelo menos os últimos vinte minutos, nos que houveram um pouco de ação
com a pinhata e pelo menos um resquício de possibilidade de derramar algo de sangue.
—Princesas! — Chamou Phoebe desde a mesa com o bolo. —Já sei que todas queremos agradecer
a nossa fada madrinha por tirar um tempo de sua agenda apertada para estar conosco hoje.
Princesa Molly, sua historia nos encantou e princesa Hannah, todos apreciamos os abraços que nos
deu. — Sua voz assumiu um tom bajulador que ele tinha chegado a temer. — E quanto ao príncipe
Heath... estamos tão contentes que tenha podido nos ajudar com a pinhata...Quem diria que seu
talento para destruir as coisas nos seria tão útil?
—Cara…— cochichou Molly. — Ela realmente te odeia.
Meia hora mais tarde, um grupo de princesas exaustas voltaram para suas casas com sacos
gigantes de presentes, repletos de guloseimas para elas, seus irmãos e suas irmãs.
—Foi uma festa estupenda. — disse Hannah na escada de entrada quando desapareceu o micro-
ônibus. — Eu estava preocupada.
Phoebe rodeou os ombros de sua filha com o braço e a beijou no meio da cabeça, justo atrás da
coroa.
—Fez com que elas se sentissem em casa.
E eu? Queria dizer Heath. Não via que tinha ganhado um palmo de terreno com ela, apesar de ter
arrumado as mesas, feito as fotos e se ocupado da pinhata, tudo isso sem fazer uma só ligação ou a
menor tentativa de saber como ia o jogo dos Sox.
Annabelle apoiou a mão na cerca da entrada e se desfez da fantasia de fada madrinha.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Temo que tenha umas manchas da grama e caiu suco em cima, assim que não poderei mais
voltar a usar.
—Com uma festa foi o suficiente. — respondeu Molly.
—Muitíssimo Obrigada, Annabelle. — Phoebe deu-lhe seu sincero sorriso que negava a ele. —
Você foi perfeita de fada madrinha.
—Eu me diverti do principio ao fim. Como estão as gêmeas?
—Emburradas. Passei para vê-las faz meia hora. Estavam tristes por terem perdido a festa.
—Não as culpo. Foi uma festa muito boa.
Soou um celular. Ele levou automaticamente a mão no bolso, esquecendo-se por um instante de
que tinha desligado o telefone, tirou a mão vazia...
—Olá, amor…— Molly falava pelo seu celular. — Sim, sobrevivemos, ainda que não graças a você e
ao Dan. Por suposto, seu valoroso agente veio em nosso resgate... Sim, sério.
Apalpou os bolsos. Onde demônios estava seu BlackBerry?
—Quero falar com o papai! — gritou Vicky, estirando os braços até o telefone de Molly.
—Espera um segundo. Vicky quer falar com você.
Molly abaixou seu telefone até a orelha de sua filha. Heath foi até o pátio de trás. Maldita seja!
Pensou. Não era possível que tivesse roubado dois celulares em uma só tarde. Deve ter caído de
seu bolso enquanto corria ao redor da pinhata.
Olhou debaixo da arvore, na grama, em todos os lugares que pensou, mas foi em vão. A menina
deve ter pegado do bolso quando ele abaixou para falar com ela.
—Sente falta de alguma coisa? — disse Phoebe nas suas costas, com tom bajulador. — Um
coração, talvez?
—Meu BlackBerry.
—Não o vi. Mas se o encontro pode estar seguro de que te farei saber imediatamente. —Parecia
sincera, mas ele suspeitou que se encontrasse, o jogaria na piscina.
—Muitíssimo obrigado. — disse.
Annabelle e Molly tinham voltado para o pátio, mas Vicky parecia ter ido embora com Hannah.
—Estou arrebentada — disse Molly— e isso porque estou acostumada com crianças. Pobre
Annabelle.
—Não teria perdido isso por nada do mundo. — Annabelle começou a recolher os pratos tendo
muito cuidado em ignora-lo.
Phoebe sacudiu a mão indicando que parasse.
—Deixa tudo isso. Meu serviço de limpeza já está chegando. Enquanto trabalham, vou pôr os pés
para o alto e me recuperar. Não comecei o último livro do clube de leitura, e tenho que compensar
o fato que não acabei de ler o anterior.
—Esse livro é um fiasco. — disse Annabelle. —Não sei no que estava pensando Krytal quando o
escolheu.
Heath aguçou seu ouvido. Annabelle e Phoebe participavam do mesmo grupo de leitura? Que
outros segredos interessantes ela ocultava dele? Molly bocejou e espreguiçou.
— Eu gostei da ideia de Sharon de dar aos garotos um livro para que leiam para quando formos em
nosso retiro. O ano passado, se não estavam no lago ou com a gente, passavam o tempo revendo
jogos antigos. Digam o que quiserem, isso vai ficar tedioso depois de um tempo.
Cada célula do corpo de Heath ficou em alerta máximo.
—Não deixem que Darnell escolha o livro. — disse Phoebe — Agora está viciado em García
Márquez, e não posso imaginar os outros homens entusiasmados com Cem anos de solidão.
Só havia um Darnell ao que podiam se referir, e esse era Darnell Pruitt, o antigo marcador de
ataque, estrela profissional dos Stars. Heath estava com a cabeça a mil. Em que tipo de clube de
leitura Annabelle estava metida?
E o mais importante… como ele ia tirar vantagem disso, exatamente?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

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Annabelle recolheu uns quantos pratos de papel mais, apesar de Phoebe lhe ter dito para não se
preocupar. Aterrorizava-lhe a ideia de estar presa no carro com Heath durante a viagem de volta.
Phoebe fatiou um pedaço da cobertura de sorvete das ruínas do bolo de castelo e o levou a boca.
—Dan e eu temos vontade de irmos ao retiro. Qualquer desculpa é valida para irmos ao lago
Wind. A Molly ganhou na loteria quando se casou com um homem que tem seu próprio camping.
—Com o pouco de tempo que falta para a concentração do time, será o último descanso que
poderemos ter por um longo tempo. —Molly se voltou para Annabelle. —Quase ia me
esquecendo. Cancelaram a reserva de uma das cabanas. Você e a Janine podem dividir a cabana, já
que estão solteiras, ou prefere ficar com seu quarto no bed & breakfast?
Annabelle estava pensando. Mesmo que nunca tivesse estado no camping do lago Wind, sabia que
tinha um albergue Vitoriano com direito a cama e café da manhã e um certo número de cabanas.
—Acho que…
—A cabana, sem duvida. — disse Heath — Parece que Annabelle não mencionou que pediu para
eu a acompanhasse.
Annabelle virou para olhá-lo com olhos assombrados.
Phoebe congelou o dedo sobre a cobertura do bolo.
—Você vai no retiro?
Annabelle observou que pulsava uma veiazinha na base do pescoço de Heath. Ele adorava isso. Ela
podia expô-lo com umas poucas palavras, mas era um viciado em adrenalina e já tinha lançado a
sorte.
— Nunca pude resistir a uma aposta. — ele disse. — Ela acha que sou incapaz de ficar uma semana
inteira sem o celular.
—Você custa aguentar ficar sem o celular durante um jantar. —balbuciou Molly.
—Espero que as duas se retratem quando mostre que estão equivocadas.
Molly e Phoebe voltaram-se para Annabelle com idênticas expressões inquisitivas. Seu orgulho
ferido lhe pedia que o castigasse. Imediatamente. Merecia pagar na própria pele pela forma que a
tinha despedido, a sangue frio. Seguiu um silencio estranho. Ele a observava com expectativa, com
a veia do pescoço marcando o passar dos segundos com sua palpitação.
—Ele não vai resistir. — Forçou um sorriso. — Todo mundo sabe disso, menos ele.
—Muito interessante. — Molly mordeu a língua para não dizer mais, ainda que Annabelle sabia o
que ela estava querendo.
Depois de vinte minutos, Heath e ela voltavam para a cidade, com um silencio no carro tão espesso
como a cobertura rosa do bolo castelo, mas muito menos doce. Ele tinha se portado melhor com
as meninas do que ela esperava. Tinha dado ouvidos respeitosamente as preocupações de
Hannah e Vicky o adorava. Annabelle se surpreendeu com o número de vezes que o viu ajoelhado
ao seu lado falando com ela.
Finalmente, Heath rompeu o silencio.
—Eu já tinha decidido te contratar de volta antes de saber do retiro.
—Oh, sim, eu acredito. — disse, disfarçando sua ferida com o sarcasmo.
—Sério.
—Qualquer coisa que você diga, desde que não tire seu sono a noite.
—Está bem, Annabelle. Desafogue. Solta tudo. Tudo o que esteve segurando durante toda essa
tarde.
—Desafogar é um privilégio de dois iguais. Uma humilde empregada como eu não pode fazer mais
que franzir os lábios e beijar o chão onde pisa.

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—Você pisou na bola, e sabe disso. Isto com Phoebe não acaba nunca de se resolver. Acreditei que
podia mudar isso.
— O que você disser.
Passou resolvidamente a pista da esquerda.
—Quer que eu volte atrás? Posso ligar para a Molly amanhã e dizer que surgiu um imprevisto. É o
que você quer que eu faça?
—Como se eu tivesse escolha, se quero que continue sendo um cliente meu.
—Tudo bem, vamos tornar isso mais fácil. Decida o que decidir, volto a te contratar. Nosso acordo
continua de pé em qualquer caso.
Procurou demonstrar que sua oferta não lhe impressionava.
—Já, posso imaginar como seria cooperativo se eu me negasse a leva-lo comigo no retiro.
— O que você quer de mim?
—Quero que seja honesto. Olhe nos meus olhos e admita que não tinha a menor intenção de me
contratar novamente até ouvir sobre o retiro.
—Sim, você está certa. — Não a olhou nos olhos, mas pelo menos estava sendo honesto. — Não
pensava em te perdoar. E sabe por quê? Porque sou um filho da puta sem piedade.
—Muito bem. Você pode ir comigo.

***

Annabelle passou os próximos dias sentido-se irritada. Tentou por a culpa na sua menstruação que
tinha vindo, mas ela já não era tão boa no auto engano como costumava ser. O comportamento de
sangre frio com que Heath a tratou fez com que se sentisse ferida, traída e simplesmente furiosa.
Um só erro e ele a tinha chutado. Se não fosse pelo retiro do lago Wind, não teria voltado a vê-lo
nunca mais. Ela era absolutamente descartável, mais uma de suas abelhas operárias.
Na terça ele deixou uma lacônica mensagem de voz. “Portia quer que eu veja uma garota na
quinta pela noite às oito e meia. Marque um encontro com uma das suas às oito e assim matamos
dois coelhos com uma cajadada.”
Finalmente, deixou sua raiva onde devia ficar, nas suas próprias costas. Não podia culpa-lo por
aquelas fantasias sexuais que insistiam em rondar sua cabeça quando abaixava a guarda. Para ele,
tudo se tratava de negócios. Era ela quem permitiu que se tornasse algo pessoal, e se ela se
esquecesse disso novamente merecia arcar com as consequências. Na quinta pela tarde, antes de
ir ao Sienna’s para uma nova ronda de apresentações, se encontrou com seu mais novo cliente no
Garwax. Ray Fiedler tinha procurado-a com a recomendação de um parente de uma das mais
antigas amigas de Nana, e Annabelle arranjou seu primeiro encontro na noite anterior, com uma
mulher do corpo docente da Faculdade Loyola que conheceu em uma de suas incursões pelo
campus.
—Passamos um bom momento e tudo, — disse Ray quando se sentaram a uma das mesas de
madeira do Garwax, que estava pintada como se fossem rodas de um vagão de circo. — Mas a
verdade é que Carole não faz o meu tipo, fisicamente.
—Você se refere ao que exatamente? — Annabelle afastou a vista para não ver ele começar
execravelmente a procurar uma expressão adequada. Já sabia a respostas, mas queria obriga-lo a
dizer.
—Está… ou seja, é uma mulher agradável, de verdade. Tem muita gente que não entende minhas
brincadeiras. É só que gosto mais das mulheres mais... mais em forma.
—Não sei se entendi.
—Carole está um pouco acima do peso.

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Ela tomou um gole do seu cappuccino e preferiu se concentrar no dragão de madeira vermelho e
dourado da parede ao invés de prestar atenção nos quarenta quilos a mais presos em volta do que
tinha sido há muito tempo atrás a cintura de Ray Fiedler. Ele não era bobo.
—Eu já sei que não sou um Adônis precisamente, mas frequento a academia.
Annabelle freou seus impulsos de fechar os punhos e lhe dar umas bofetadas. Apesar de tudo,
esses tipos de desafios eram a parte que ela gostava de ser uma casamenteira.
—Então, normalmente você costuma sair com mulheres magras?
—Não precisa que sejam rainhas da beleza, mas as mulheres com as quais saí eram bem bonitas.
Annabelle fingiu uma atitude de reflexão.
—Estou um pouco confusa. A primeira vez que falamos, fiquei com a ideia de que fazia muito
tempo que você não saia com ninguém.
—Bom, é verdade, mas…
Deixou que ele sofresse um pouco. Um garoto com múltiplos piercings passou perto da mesa deles,
seguido por um grupo de mães com cara de que iam a um jogo de futebol para torcer por seus
filhos.
—Ou seja, o assunto do peso é importante para você? Mais importante que a personalidade ou a
inteligência?
Ele olhou-a como se ela tivesse posto uma armadilha na pergunta.
—É só que eu tinha em mente alguém... um pouco diferente. — Como todo mundo, não? Pensou
Annabelle.
Aproximava-se o Quatro de Julho, e ela não tinha encontros, nem a perspectiva de conseguir um,
nem nenhum plano, fora voltar ao seu programa de exercícios físicos e tentar não se amargar com
a história do retiro no lago Wind com o clube de leitura. Ray brincava com sua colherzinha, e a
irritação que sentia começou a diminuir. Não era má pessoa, só um pouco sonso.
—Pode ser que não tenha sido uma atração arrebatadora, — ela disse — mas vou repetir o mesmo
que disse a Carole quando ela me expressou alguns contras ontem à noite. Vocês têm histórias
semelhantes e gostaram da companhia um do outro. Acho que isso justifica que voltem a se
encontrar, mesmo levando em conta a falta de atração física nesse momento. Aos poucos, poderia
ganhar uma amiga.
Ele custou um pouco para captar a mensagem.
—De que contras você está falando? Ela não quer me ver novamente?
—Ela tem dúvidas, como você.
Ele levou imediatamente a mão na cabeça.
—É por causa do meu cabelo, não é? Isso é a única coisa com que as mulheres se preocupam.
Veem um homem que está perdendo cabelo e não querem lhe dar nem uma chance.
—As mulheres se importam menos com uma cabeça calva ou uns quilos a mais do que os homens
supõe. Sabe o que mais importa para elas no que se refere ao aspecto físico?
—A altura? Olha, eu tenho quase um metro e setenta e cinco.
—Não é a altura. Estudos mostram que o que mais importa para as mulheres é o asseio pessoal.
Valorizam que os homens estejam limpos e arrumados mais que outras coisas. — Fez uma pausa.
— E um bom corte de cabelo é muito importante para elas.
—Ela não gostou do meu corte de cabelo?
Annabelle deu-lhe um amplo sorriso.
—Isso não é maravilhoso? É tão fácil mudar um corte de cabelo.
—Aqui está o nome de um cabeleireiro que faz cortes de cabelos estupendos. — Deslizou o cartão
por cima da mesa. —Todo o resto em você está em ordem, assim que isso vai ser fácil.
Quando ela saiu da cafeteria, ele tinha aceitado sorrindo tanto o corte de cabelo como sair
novamente com a Carole. Annabelle disse a si mesma que cada vez ela ficava melhor nisso, e que

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não devia permitir nem que sua mãe e nem que seus problemas com Heath Champion colocassem
tantas dúvidas a seu respeito.
Entrou no Sienna’s de bom humor, mas logo tudo foi por água abaixo. Heath não tinha chegado, e
a harpista interprete de DePaul com quem marcou o encontro ligou dizendo que tinha feito um
corte na perna e estava a caminho da emergência.
Apenas tinha desligado quando Heath ligou.
—O avião chegou atrasado. — disse — O avião já posou no aeroporto O’Hare, mas estamos
esperando que abram as portas.
Contou-lhe o que aconteceu com a harpista e como ele tinha uma voz cansada, logo sugeriu que
ele remarcasse seu encontro com a mulher do Casais Power.
— É tentador, mas é melhor não — ele disse. — Portia parece entusiasmada com esta. Estão
abrindo as portas agora mesmo, assim acho que não vou chegar muito tarde. Defenda o forte até
então.
—Tudo bem.
Annabelle ficou conversando com o garçom até que chegou a candidata de Portia. Olhou-a com os
olhos assombrados. Não era de se estranhar que Powers estivesse entusiasmada. Era a mulher
mais bonita que Annabelle tinha visto em toda sua vida.

***

Na manhã seguinte, ao voltar de sua sessão matinal de corrida Annabelle encontrou Portia Powers
de pé na frente da porta de sua casa. Nunca as tinham apresentado, mas a reconheceu pela foto
da sua página da internet. Só quando se aproximou, se deu conta de que era a mesma mulher que
tinha visto de pé em frente do Sienna’s na noite que apresentou Barrie ao Heath. Powers usava
uma blusa preta de seda cruzada na cintura, uma chamativa calça esporte rosa e sapatos de salto
alto de couro, pelo que tudo indicava autênticos. Seu cabelo escuro tinha um corte primoroso, era
o tipo de cabelo que ondulavam ao mais simples movimento de cabeça e tinha uma pele
impecável. E quanto ao seu corpo... era evidente que só comia nos dias de festa.
—Não se atreva a usar outro truque como o da noite passada. — disse Portia no instante que os
tênis de Annabelle tocaram as escadas da fachada. Emanava a classe de beleza frágil que sempre
fazia ela se sentir rechonchuda, ainda mais nessa manhã, com seu short largo e uma camiseta
laranja suada com as inscrições BILL’S, CALEFAÇÃO E AR CONDICIONADOS.
—Bom dia para você também. — Annabelle pegou a chave do bolso do short, abriu a porta e se
colocou de lado para que Portia passasse.
Portia examinou a área da recepção e o escritório de Annabelle com apenas um olhar de desdém.
—Nunca... jamais... volte a tomar a liberdade de se desfazer de uma das minha candidatas sem
que Heath tenha tido a oportunidade de conhecê-la.
Annabelle fechou a porta.
—Você mandou uma má candidata.
Powers apontou com um dedo recém-saído de uma manicura na cara encharcada de suor de
Annabelle.
—Isso quem tem que decidir e o Heath, não você.
Annabelle ignorou a pistola da unha esmaltada.
—Tenho certeza que você sabe o pouco que ele gosta de perder seu tempo.
Portia levantou as mãos para o céu.
—Sério que você é tão incompetente? Claudia Reeshman é a modelo mais cobiçada de Chicago.
Ela é bonita, é inteligente. Há um milhão de homens que desejariam que lhes desse uma chance.
—Talvez seja verdade, mas parece ter sérios problemas emocionais. — Na sua mente havia uma
lista encabeçada por um evidente vicio em drogas, ainda que Annabelle não fosse fazer acusações

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que não pudesse respaldar com provas. —Começou a chorar antes que lhe servissem a primeira
taça.
—Todo mundo tem um mau dia de vez em quando. —Powers apoiou a mão no quadril, uma pose
muito feminina que nela resultava tão agressiva como golpes de caratê. — Passei um mês inteiro
tentando convencê-la que me deixasse apresentar a Heath. Por fim ela aceita, e o que você faz?
Decide que ele não vai gostar dela e a manda para casa.
—Claudia estava passando por algo a mais que um dia ruim. — respondeu Annabelle. —
Emocionalmente, está feito ruínas.
—Para mim pouco importa que ela tivesse se debatido no chão latindo como um cachorro. O que
você fez foi estúpido e um golpe baixo.
Annabelle tinha lidado com personalidades fortes por toda sua vida, e não ia deixar se amedrontar
por ela, ainda que o suor escorresse por seus olhos e que as palavras BILL’S, CALEFAÇÃO E AR
CONDINIONADOS estivessem grudando em seus peitos.
—Heath deixou muito claro o que espera.
—Eu diria que a mulher mais sexy e mais desejada de Chicago supera suas expectativas.
—Ele quer algo mais que uma esposa bonita.
—Por favor... Tratando-se de homens como Heath, o tamanho do manequim ganha sobre o QI.
Assim não chegariam a lugar nenhum, assim que Annabelle fez o maior esforço que pode para soar
profissional no lugar de irritada.
—Todo este processo seria mais fácil para ambas se pudéssemos trabalhar juntas.
Portia olhou para Annabelle como se lhe tivessem oferecido um grande saco engordurado cheio de
comida gordurosa de fast-food.
—Minhas aprendizes tiveram que cumprir uma serie de requisitos muito estritos, senhorita
Granger. E você não reúne nenhum deles.
—Olha, você já disse o que queria. — Annabelle se dirigiu resolvida até a porta. — A partir de
agora, apresente suas queixas diretamente ao Heath.
—Ah, eu farei, pode acreditar. E morro para saber o que ele tem a dizer a respeito disso.

***

—No que diabos você estava pensando? — bramia Heath pelo telefone depois de algumas horas,
não gritava exatamente, mas estava próximo a isso. — Acabo de saber que você dispensou Claudia
Reeshman!
—Sim? — Annabelle cravou com vontade a caneta no bloco de notas que estava junto do telefone
da cozinha.
—É obvio que te dei poder demais.
—Ontem à noite, quando te retornei para dizer que tinha cancelado o encontro porque ela não era
o que você queria, você me agradeceu.
—Faltou mencionar o seu nome. Nunca me interessei especialmente por modelo, mas Claudia
Reeshman...Por Deus, Annabelle...
—Quem sabe quer me despedir novamente.
— Você quer que eu deixe passar?
—Como isso vai funcionar? — Deu outra punhalada no bloco de notas. —Você confia em mim ou
não?
Ouviu pelo telefone a buzina de um carro, seguido por um longo silencio.
—Eu confio em você. — ele disse por fim.
Ela quase engasgou.
—De verdade?
—De verdade.

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Sem aviso prévio, formou-se um nó na sua garganta do tamanho da torre Sears. Ela tentou limpá-
la e soar como se isso fosse exatamente o que ela esperava que ele dissesse.
—Bom — disse— Ouço buzinas. Está no transito.
—Já te disse que ia de carro para Indianápolis.
—É verdade. Hoje é sexta-feira. — Ia passar duas noites seguidas em Indiana com um cliente que
jogava no Cocks. Inicialmente, programou a viagem para o fim de semana posterior, mas teve que
mudar seu planos por causa do retiro com o clube de leitura no qual ela preferia nem pensar.
— Esse seu costume de sair da cidade todos os fins de semana transforma a programação das
apresentações em um grande desafio.
— Os negócios vêm em primeiro lugar. Agora você irritou a Powers. Ela quer que eu sirva sua
cabeça numa bandeja.
—Com uma faca e um pouco de creme amargo desnatado para ajudar a descer.
—Não sabia que Reeshman continuavam em Chicago. Pensava que ela tinha se mudado
definitivamente para Nova York.
Annabelle suspeitava que Claudia não quisesse ficar longe de seu traficante.
—Você me faz um favor — ele disse — se Powers organizar-me um encontro com alguma outra
mulher que tenha posado para o “especial roupas de banho” do Sports Illustrated, pelo menos me
diga como ela se chama antes de se livrar dela.
—Tudo bem.
—E obrigada por concordar em me ajudar amanhã.
Ela desenhou margaridas no bloco de notas.
— Como poderia me negar a passar o dia dando voltas pela cidade com seu cartão de crédito e
sem limite de gastos?
—Além de estar com Bodie e a mãe de Sean Palmer. Não se esqueça dessa parte. Bodie poderia ter
se encarregado disso sozinho se a senhora Palmer não tivesse tanto medo dele.
—Ela não é a única. Você tem certeza que não corremos perigo?
—Desde que não falem de política, nem de Tacos Bell e nem mencionem a cor vermelha.
—Obrigada por avisar.
—E não deixem que ele se aproxime demais de ninguém que usa chapéu.
—Tenho que desligar agora.
Ao desligar, percebeu que estava sorrindo, o que não era uma boa ideia, de forma absoluta. As
pítons podem atacar de acordo com sua vontade, e raramente avisavam antes.

***

A mãe de Sean Palmer, Artie, tinha os cabelo grisalhos com rastafári, era alta e rotunda e com um
sorriso contagiante.
Annabelle gostou dela imediatamente. Com Bodie como guia, fizeram o circuito turístico completo,
que começou com um tour arquitetônico em barco pela manhã, seguindo por uma varredura pela
coleção impressionista do Instituto das Artes. Ainda que Bodie tenha se encarregado de organizar
tudo, se manteve em segundo plano. Era um cara estranho, cheio de intrigantes contradições que
faziam com que Annabelle quisesse saber mais sobre ele.
Depois de almoçarem bem mais tarde, foram ao Millennium Park, o glorioso parque novo na costa
do lago que, segundo acreditavam os cidadãos de Chicago, tinha colocado por fim a cidade na
frente de San Francisco como a mais bonita dos Estados Unidos. Annabelle tinha visitado o parque
um montão de vezes, e ela gostava de exibir os jardins do terraço, da fonte Crown de cento e
cinquenta metros de altura com suas mutáveis imagens de vídeo e da escultura, reluzindo como
um espelho, do Cloud Gate, conhecido carinhosamente como “The Bean”.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Enquanto atravessavam o futurista pavilhão da musica, onde onduladas placas de aço inoxidável
do coreto se fundiam de forma tão primorosa com os arranha-céus dos fundo, a conversa voltou
para o filho de Artie, que logo seria o fullback dos Bears.
—Sean tinha todos os agentes atrás dele. — disse sua mãe. —O dia que assinou com Heath foi o
dia mais feliz para mim. Deixei de me preocupar tanto que alguém fosse se aproveitar dele. Sei que
Heath vai defender seus interesses.
—Ele se preocupa com seus clientes, isso é uma verdade. — disse Annabelle.
O sol de julho flertava com as ondas do lago, enquanto as duas mulheres seguiam Bodie pela
passagem de pedestres de aço que serpenteava acima do tráfego na Avenida Columbus. Quando
chegaram do outro lado, caminharam até a pista de corrida. Tinham parado para admirar a vista
quando um ciclista chamou Bodie e, em seguida, parou ao seu lado.
—Louvemos a Deus pela gloria de sua Criação. — disse Artie.
—Amem.
Aproximaram-se um pouco mais, para observar melhor a panturrilha banhada de suor do ciclista e
a camiseta de listras azuis e brancas que colava ao seu peito perfeitamente desenvolvido. Teria
seus vinte e tantos anos, no máximo trinta, e tinha um capacete vermelho de alta tecnologia que
ocultava a parte superior de seu encharcado cabelo loiro, mas não seu perfil de Adônis.
—Preciso dar um mergulho no lago para me refrescar. — sussurrou Annabelle.
—Se eu tivesse vinte anos a menos…
Bodie fez um gesto para que se aproximassem.
—Senhoras, tem alguém que gostaria de apresentar a vocês.
—Pode vir com a mamãe. — murmurou Artie, o que fez com que Annabelle sorrisse.
Um pouco antes de que chegassem junto dos homens, Annabelle reconheceu o ciclista.
—Oh Deus! Já sei quem ele é.
—Senhora Palmer, Annabelle— disse Bodie— este é o famoso Dean Robillard, o próximo grande
quarterback dos Stars.
Ainda que Annabelle não conhecesse pessoalmente o suplente de Kevin, o viu jogar e sabia da sua
reputação. Artie deu-lhe a mão.
—É um prazer te conhecer, Dean. Diga aos seus amigos que não mexam com Sean, meu menino,
nessa temporada.
Dean devolveu um sorriso de destruir corações. Não saberá ele perfeitamente o efeito que causa
nas mulheres? Pensou Annabelle.
—Não o faremos, senhora, mas só por sua causa. — Exalava sex appeal pelos poros, focou seu
charme para ela.
Examinou o seu corpo de cima a baixo com os olhos descaradamente observadores e uma
segurança que proclamava que ele podia fazê-la sua, a ela e a qualquer mulher que tivesse
vontade, quando e como quisesse. “Você é muito convencido, garoto mau, garoto sexy.”
—Annabelle, verdade? — perguntou.
— Teria que verificar na minha carteira de motorista para ter certeza. — disse — Não consigo nem
respirar neste momento.
Bodie engasgou e começou a rir em seguida.
Aparentemente, Robillard não estava acostumado que as mulheres o colocassem em evidência,
pois por um momento ele parecia estar desconcertado. Logo voltou a dar corda no seu mecanismo
de sedução.
—Será o calor, talvez.
—Sim, verdade que aqui está muito quente. — Normalmente, os homens imponentes a
intimidavam, mas ele estava tão seguro de si mesmo, que ela só se divertia.
Ele começou a rir, desta vez sinceramente, e ela logo gostou dele apesar de toda sua metidez.
—Eu admiro as ruivas briguentas, é verdade. — disse.

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Ela deixou cair um pouco seus óculos de sol pelo nariz e olhou-o por cima deles.
—Eu aposto, senhor Robillard, que admira as mulheres em geral.
—E que elas te correspondam. — Artie riu.
Dean se voltou para Bodie.
—De onde você tirou essas duas?
—De uma prisão do condado de Cook.
Artie ofegou.
—Comporte-se, Bodie.
Dean voltou a concentrar sua atenção em Annabelle.
— Seu nome não me é estranho. Espera um momento. Você não é a casamenteira de Heath?
—Como você sabe?
—As pessoas comentam. — Uma patinadora passou correndo com os cabelos morenos ao vento.
Ele levou seu tempo para apreciar a vista. — Nunca tinha conhecido uma casamenteira. — disse
por fim. — Acha que eu deveria te contratar?
—Você logo vai notar que meu negócio não tem nada a ver com pular de galho em galho, não é
mesmo?
Ele cruzou os braços sobre o peito.
—Ouça, tudo mundo quer conhecer alguém especial.
Ela sorriu.
—Não quando estão tendo este grande conhecimento com todas essas outras não especiais.
Dean voltou para Bodie.
—Acho que ela não gosta de mim.
—Gosta, — disse Bodie — mas acha que você é um pouco imaturo.
—Tenho certeza que vai passar quando você crescer. — disse Annabelle.
Bodie deu-lhe uma palmada nas costas.
—Eu sei que não acontece com muita frequência, mas parece que Annabelle é imune ao seu
rostinho de estrela de cinema.
—Eu acho que alguém devia leva-la ao oculista. —Artie resmungou.
Dean tirou sua bicicleta do caminho e a deixou apoiar-se numa arvore enquanto os quatro seguiam
conversando. Dean perguntou a Artie pelo Sean, e falaram um pouco sobre os Bears. Depois, Bodie
entrou no tema de que Dean estava procurando um agente.
—Escutei por ai que você esteve vendo Jack Riley no IMG.
—Estou vendo muita gente.
—Deveria ao menos ouvir o que Heath tem para dizer. Ele é um cara esperto.
—Heath Champion é o primeiro na minha lista de gente para quem não devo ligar. Já tenho formas
suficientes de fazer Phoebe infeliz. — Dean se dirigiu a Annabelle. — Gostaria de vir comigo à praia
amanhã?
Ela não esperava algo assim e ficou perplexa. Também desconfiada.
—Por quê?
—Posso ser honesto?
—Não sei. Pode?
—Preciso de proteção.
—Solar para não ficar muito queimado?
—Não. — Fez brilhar seu sorriso de garoto encantador. — Eu amo a praia, mas tanta gente me
reconhece que é difícil me refrescar. Normalmente, se estou com um mulher, as pessoas me
deixam um pouco em paz.
—E eu sou a única mulher que pôde encontrar que quisesse te acompanhar? Duvido disso.
Ele piscou.

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—Não leve a mal, mas estarei mais relaxado se convidar a uma com a que não esteja pensando em
fazer sexo.
Annabelle soltou uma gargalhada.
—O pobre Dean precisa de uma amiga, não de uma amante. — Bodie riu discretamente.
—Convido a você também, senhora Palmer. — disse Dean, muito educado.
—Meu bem, nem um bombom como você vai conseguir fazer com que me exiba em público com
roupas de banho.
—O que me diz, Annabelle? — Dean sinalizou com um gesto de cabeça a costa da lago. —
Podemos ir à praia de Oak Street. Levarei um refrigerador. Podemos andar por ai, nadar, ouvir
musica. Será divertido. Você pode baixar seu nível por um par de horas, verdade?
Sua vida tinha se tornado muito estranha desde que conheceu Heath Champion. O jovem
esportista mais cobiçado de Chicago acabava de convida-la para passar a tarde de domingo na
praia com ele, quando a apenas dois dias atrás sentia pena de si mesma por não ter nenhum plano
para o fim de semana do Quatro de Julho.
—Desde que você me prometa que não comerá com os olhos as mulheres mais jovens estando do
meu lado.
—Nunca faria isso! — declarou, esquecendo-se, pelo que parecia, da patinadora morena.
—Eu só queria deixar claro.

E ele não o fez.


Também não falou pelo celular ou tirou um BlackBerry. Foi um dia ensolarado e sem nuvens, e ele
levou até um guarda sol para proteger sua delicada pele ruiva. Estiveram deitados nas suas toalhas,
ouvindo musica, falando do que gostavam e olhando para o lago quando queriam. Ela usava um
biquini branco decente o bastante para fazer com que suas pernas parecessem mais longas, mas
não tanto para que precisassem de uma depilação brasileira. Alguns admiradores lhes
interromperam, mas não foram muitos. Mesmo assim, todo mundo parecia querer um pouco de
Dean Robillard. Talvez por isso ela notasse uma estranha solidão debaixo de seu ego
superdesenvolvido. Ele desconversava as perguntas relativas à sua família, e ela não quis
pressionar. Quando voltou para casa, esperavam por ela quatro mensagens de voz, todas elas de
Heath, pedindo que ela ligasse para ele imediatamente. Ao invés de fazê-lo, ela foi tomar um
banho. Estava secando o cabelo quando escutou a campainha da sua porta. Fechou seu robe
amarelo pela cintura e desceu as escadas, passando a mão pelo cabelo no caminho da porta.
Através das ondulações do cristal, um homem que parecia um armário devolvia-lhe o olhar. O Píton
visitava pela segunda vez a sua casa.

11

—Este ano, só duas caixas de biscoitos de menta, garotas. — disse Annabelle ao abrir a porta. —
Estou de dieta.
Heath entrou com grande ímpeto, deixando-a para trás.
—Você verifica alguma vez as mensagens da sua secretaria eletrônica?
Ela baixou a vista para seus pés descalços.
—Você me pegou de novo no meu melhor momento.
Ele estava no modo hiperativo, mal olhou para ela, assim como deveria ser.
—Você está lindíssima. Assim, lá estava eu, preso num seminário sobre a Bíblia em Indianápolis,
quando chega a noticia de que minha casamenteira está na praia com Dean Robillard.
—Você atendeu o telefone no meio de um seminário sobre a Bíblia?

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—Estava entediado.
—E você estava nesse seminário porque…? Não importa. Seu cliente queria que você fosse. —
Fechou a porta.
—Por que demônios Robillard te convidou para sair?
—Ele está louco por mim. Isso acontece o tempo todo. Raoul diz que não posso evitar causar esse
efeito nos homens.
—Sei. Bodie me disse que Dean queria ir a Praia e que precisava de alguém para afastar as moscas
de cima dele.
—Por que está me perguntando, então?
—Para saber o ponto de vista de Raoul.
Ela sorriu e caminhou atrás dele pela sala de recepção.
—Seu capanga assustador sabia disso ontem. Por que ele esperou até hoje para te dizer?
— Essa é minha duvida. Tem algo para comer?
—Um resto de comida tailandesa, mas está crescendo cabelo ali, assim que não recomendo.
—Vou pedir uma pizza. Como você quer?
Talvez fosse porque estava praticamente nua e não gostava da sua atitude, ou simplesmente por
que ele era um idiota, mas o caso é que ela colocou uma mão nos quadris, olhou-lhe com
descaramento e deixou que as palavras saíssem da sua boca.
—Eu gosto de quente... e ...picante.
Suas pálpebras caíram no V do decote do robe.
—Exatamente o que Raoul me contou.

Ela bateu em retirada pelas escadas. O som do discreto riso de Heath a acompanhou até o próximo
andar. Ela levou seu tempo vestindo seu último short limpo e uma blusinha azul com um enfeite de
encaixar que pousava no que passava a ser seu decote. Que tivesse que ficar na defensiva não
queria dizer que teria que descuidar de seu aspecto. Passou um pouco de pó no rosto, um toque
de brilho nos lábios e finalmente passou o grande pente de dentes onde algumas molas rebeldes já
começavam a marcar seu rosto como um enfeite de natal.
Quando voltou ao andar de baixo, encontrou Heath no seu escritório, sentado na sua poltrona com
os pés cruzados por cima da mesa e o fone do seu telefone encaixado debaixo do seu queixo. Seus
olhos foram para o seu decote com o enfeite e depois desceram a suas pernas nuas e sorriu. Estava
brincando com ela novamente, mas ela não se permitiu tirar conclusões.
—Já sei Rocco, mas ela não tem mais que dez dedos. Quantos diamantes ela pode usar? — Franziu
a testa ao escutar a resposta do outro lado da linha. — Importe-se com as pessoas que se
preocupam com você. Não falo que o seu lance com ela não seja sério, mas espere um par de
meses, ok? Falamos na próxima semana. — Desligou o telefone com raiva e colocou os pés no
chão. — Sanguessugas. Essas mulheres vêm os caras melhorando na vida e vem tirar tudo o que
eles têm.
—Estamos falando dos mesmos caras que indicam com o dedo as sanguessugas nas recepções dos
hotéis e dizem “Você, você e você” e depois de dez minutos estão dando mil motivos para não
usar camisinha?
—Sim, bom, isso também acontece. — Pegou a cerveja que tirou da geladeira. — mas algumas
dessas mulheres são inacreditáveis. Os caras são duros no campo, mas quando o jogo acaba as
coisas mudam de figura. Acima de tudo para os mais jovens. Logo aparecem todas estas mulheres
lindas dizendo que estão apaixonadas. Quando você percebe, os garotos estão dando-lhes de
presente carros esportivos e anéis de diamante para comemorar que estão um mês juntos. E nem
quero começar a falar das aproveitadoras que ficam grávidas para depois venderem caro sua
discrição.

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—Novamente, nada que não se possa prevenir com uma camisinha. — Pegou um regador de
plástico azul e foi até as violetas africanas de Nana.
—Os caras são jovens, se acham invencíveis. Já sei que em Annabellândia todo mundo é amável e
carinhoso, mas existem mulheres gananciosas no mundo, do tipo que você nem pode imaginar.
Annabelle deixou de regar para olha-lo fixamente.
—Por acaso uma dessas gananciosas conseguiu chegar até a sua carteira? Por isso você é tão
meticuloso?
—Quando cheguei a ganhar o bastante para ser um objeto de desejo, já tinha aprendido a cuidar
de mim mesmo.
—Só de curiosidade… Você já se apaixonou alguma vez? Por uma mulher. — Apressou-se em
aclarar, antes que ele começasse a recitar os nomes de seus clientes.
—Fiquei noivo quando estava na faculdade. Não terminou bem.
—Por que não?
—A ferida ainda é muito recente para cutucá-la. — disse, arrastando as palavras.
Fez uma careta e ele sorriu. Seu celular tocou. Enquanto ele atendia, observou que ele dava mais
impressão de estar na sua casa que ela mesma. Como conseguia? Não sabia como, encontrava
uma forma de marcar o território onde fosse. Como se levantasse a perna cada vez que entrasse
num cômodo.
Acabou de regar as violetas africanas e foi para a cozinha, onde guardou o escandaloso lava-louças
de Nana. A campainha tocou e dentre uns instantes Heath apareceu com a pizza. Ela pegou os
pratos e guardanapos. Ele pegou duas cervejas e levou-as a mesa.
Ao se sentar, contemplou os armários esmaltados de azul e a lata de biscoitos da Hello Kitty.
—Gosto desse lugar. É acolhedor.
—E você se expressa com muito tato. Eu já sei que tenho que dar uma arrumada, mas não tive
tempo. Mal tive dinheiro para comprar a tinta, muito menos para uma reforma mais ambiciosa.
Começaram a comer, e o silencio que tomou conta deles foi surpreendentemente cômodo. Se
perguntou o que ele faria no dia seguinte para a festa do Quatro de Julho. Ele terminou seu
primeiro pedaço de pizza e pegou outro.
—Annabelle, o que você fez para fazer amizade com as duas pessoas que mais me interessam no
momento? Qual o seu truque?
—Meu charme natural e o fato de que tenho uma vida privada, coisa que você não tem. — E que
vida. Na quarta pela noite, o senhor Bronicki insistiu que ela fosse ao jantar dos aposentados, na
qual cada pessoa levava um prato, no centro de assistência. Aceitou unicamente na condição de
que ele prometesse levar novamente para passear a senhora Valerio.
Heath limpou os cantos da sua boca com seu guardanapo.
—O que Robillard falou de mim?
Ela mordiscou um pedaço da pizza. Essa, lembrou a si mesma, é a razão pela que ele sugeriu um
jantar íntimo e festivo.
—Disse que você era o número um de sua lista de para quem não ligar. Citou quase textualmente.
Mas é provável que você já soubesse disso.
—E o que você disse?
—Nada. Estava muito ocupada babando. Deus, ele é lindo.
Ele franziu a testa.
—Dean Robillard não é um desses garotos ingênuos dos que falávamos. Tenha cuidado com ele.
Ele come mulheres como se fossem batatas fritas.
—Bem, querido, ele pode fazer um lanche comigo a hora que ele quiser.
Para sua surpresa, ele levou suas palavras a sério.
— De jeito nenhum, você não vai cair na dele.
Isto sim que era interessante.

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—Por favor, você pode repetir isso?


—Olha, Annabelle, Dean não é um cara ruim, mas quando se trata de mulheres, a única coisa com
que se preocupa é somar fendas.
—Mulheres como eu?
—Deus, você é uma sabichona!
Tinha lhe dado uma oportunidade de ouro para escavar um pouco mais na vida e milagres de
Heath Champion.
—Só por curiosidade, quantas fendas você somou? Quando somava fendas, quero dizer. E quanto
tempo faz isso, é claro?
—Muitas fendas. E tampouco estou orgulhoso disso, assim que não precisa me dar sermão.
—Você acha que deixou para trás seus dias de somar fendas?
—Se não achasse, não estaria pensando em casar.
—Você não está pensando em casar, você não teve um segundo encontro ainda.
—Isso é só porque contratei duas casamenteiras meio incompetentes.
Não tinha falado com ele da visita de Portia, mas o que podia dizer? Que a Portia Powers era uma
filha da mãe. Provavelmente ele já sabia disso. Além disso, tinha outra coisa a dize e estava com
pânico de fazer isso.
—Essa manhã eu liguei para a Claudia Reeshman. Ela ainda quer te conhecer.
—Verdade? — Acomodou-se na cadeira, com um sorriso malicioso no rosto. — Como é que você
ligou para ela invés de Portia?
—Suponho que nos tornamos próximas, ou quase isso, na quinta.
—Incrível.
—Achava que tinha convencido-a que você não valia a pena, mas parece que não. — Pegou sua
pizza, mesmo que perdesse o apetite. — Assim, que suponho que você vai querer encontra-la
também na quarta pela noite, não?
—Não.
Caiu um pedaço de queijo no colo de Annabelle.
—Não quer?
—Você não falou que ela não valia a pena?
—Sim, mas…
—Mais nada.
Algo cálido e doce lhe cresceu por dentro.
—Obrigada.
Olhou seu colo, envergonhada.
—De nada.
Ela se entreteve limpando os dedos no guardanapo.
—A mulher que vou te apresentar na quarta não é tão bonita.
—Tem poucas que o são. A última capa de Reeshman para Sports Illustrated era incrível.
— É uma harpista que está acabando seu mestrado em execução musical. Vinte e oito anos e uma
graduação por Vassar. Fiquei de apresentá-los na quinta passada.
—Ela é feia?
—Lógico que não é feia. — Pegou seu prato com gesto enérgico e o levou a pia.
Heath não disse uma palavra por vários minutos. Por fim, pegou seu próprio prato e entregou para
ela.
—No mais que improvável caso de Dean voltar a ligar, tenha cuidado com o que diga de mim.
—O que te faz pensar que é improvável?
—Calma. Só quero dizer que você é um pouco mais velha que ele.

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—E qual o problema? — Fechou o lava-louças com uma batida e disse a si mesma que ficar calada
era o melhor, mas as palavras continuaram saindo da sua boca. — Mulheres mais velhas saindo
com homens mais jovens está na moda hoje em dia. Você não lê a People?
—Dean só sai com mulheres frívolas das que vão de festa em festa.
Ela sabia a que ele se referia, e um lado masoquista levou-a a pressiona-lo para que fizesse a
declaração em voz alta:
—Desembucha. Acha que não sou atraente o bastante para chamar a atenção dele.
—Deixe de colocar palavras na minha boca que eu não disse. A única coisa que digo é que você e
ele não combinam ao ponto de se apaixonarem.
—Tudo bem. Talvez combinamos ao ponto de dormirmos juntos.
Ela fez ir ao extremo os últimos restos de prudência, e encontrou um dedo longo e afiado
apontando para ela.
— Você não vai dormir com ele. Eu conheço esses tipos e você não. Eu confiei em você sobre
Claudia Reeshman. Você precisa confiar em mim sobre Dean Robillard.
Não ia deixar que a questão se encerrasse fácil assim.
—Você está procurando uma esposa. Quem sabe, eu só precise de um pouco de diversão.
—Se é de diversão que você precisa, — Ele respondeu. — eu te darei a diversão.
Ela ficou atônita.
Passou um carro pela rua com o radio a todo volume. Os dois continuaram se olhando sem dizer
nada. Ele também parecia surpreso. Ou talvez não. Lenta, deliberadamente, Heath curvou para
cima um canto de seu lábio e ela percebeu que Píton estava brincando com ela outra vez.
—Tenho que ir, Tinker Bell. Tenho uns serviços atrasados. Obrigado pelo jantar.
Somente quando a porta da entrada fechou atrás dele, ela pode raciocinar.
—De nada.

***

—Sim… Sim, está bem. Ele pode subir. — As mãos de Portia tremiam ao desligar o telefone. Bodie
estava na entrada do edifico.
Não voltou a ligar desde seu encontro no bar esportivo, dez dias atrás, e agora aparecia em seu
apartamento às nove da noite do Quatro de Julho, confiando que ela estaria esperando. Poderia
dizer ao porteiro que o mandasse embora, mas não o fez.
Foi maquinalmente até seu quarto, desfazendo pelo caminho de sua combinação de algodão. Os
Jenson convidadaram-na para ver os fogos de artifícios da noite no seu barco, mas os fogo de
artifícios a deprimiam, como quase todos os rituais festivos, e preferiu declinar o convite. Teve uma
semana horrorosa. Primeiro, o desastre com Claudia Reeshman, depois despediu a ajudante que
contratou para substituir Susu Kaplan, por que dizia que o trabalho era “estressante demais”.
Portia sentia falta desesperadamente do programa de apadrinhamento. Até tentou marcar um
almoço com Juanita para discutir a situação, mas a diretora esquivou-se.
Tentou imaginar a reação de Bodie diante do apartamento que tinha comprado para si depois do
divorcio.
Como utilizava seu apartamento para oferecer coquetéis mensalmente aos seus clientes mais
importantes, escolheu um espaçoso apartamento no ultimo andar do edifício de calcário pós-
guerra, exorbitantemente caro, ao lado da Lakeshore Drive. Pretendia transmitir a elegância do
velho mundo, assim que pegou emprestado da paleta de cores dos antigos mestres holandeses:
cálidos tons pardos, ouro velho e verde oliva fosco, ressaltando sutis toques agridoces. Na sala, um
conjunto de sofá muito clássico, masculino, e uma poltrona de couro rodeavam o tapete oriental
tingido ao chá. Um tapete oriental similar complementava a sólida mesa de madeira de teca da
sala de jantar e cadeiras de suntuosa tapeçaria que o rodeavam. Era importante que os homens se

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sentissem a vontade ali, por isso mantinha as mesas cheias de objetos decorativos e moveis de bar
bem sortidos. Somente no seu quarto se permitiu dar asas a sua paixão pela feminilidade
descontrolada. Sua cama era uma criação de marfim e cetim cru, com almofadas de renda cheias
de babados. Candelabros de prata maciços descansavam sobre delicados baús. A espuma de cristal
de um pequeno lustre da lâmpada ficava pendurada em um canto próximo de uma fofa poltrona
de leitura com uma pilha de revistas de moda, vários romances e um livro de auto-ajuda que
pretendia ajudar as mulheres na busca de sua felicidade interior.
Talvez Bodie estivesse bêbado. Talvez por isso apareceu essa noite. Mas, quem conhecia as
motivações de um homem como ele? Começou a vestir um vestido com decote redondo e estampa
clássica de rosas e calçou um par de sapatos de salto rosáceos e tiras no tornozelo enfeitadas com
pequenas borboletas de couro. A campainha tocou. Obrigou-se a caminhar muito devagar até a
porta.
Ele usava uma camisa de seda de manga comprida da cor marrom e calça combinando, dessas
caríssimas de microfibras, que pareciam deslizar sobre suas pernas. Dos ombros para baixo, seu
aspecto era musculoso, mas respeitável, até mesmo elegante. Mas dos ombros para cima, toda a
respeitabilidade se desvanecia. Seu vigoroso pescoço tatuado, seus olhos azuis de cortar gelo e seu
ameaçador crânio barbeado davam-lhe um aspecto mais intimidante ainda do que ela se lembrava.
Deu uma olhada na sala sem dizer uma palavra e depois caminhou para as portas de cristal que
davam para sua pequena varanda. Todos os verões, Portia se propunha firmemente a montar ali
um jardim com vasos, mas a jardinagem exigia uma paciência que ela não possuía, e nunca
chegava a fazê-lo. Uma rajada de humidade penetrou na atmosfera climatizada do apartamento
quando ele abriu uma das portas para sair ao exterior. Ela meditou uns instantes e decidiu se
aproximar do mini bar. Ignorou o sortido de cervejas importadas que ele preferiria e escolheu uma
garrafa de champanhe e duas frágeis taças. Foi com elas até as portas de cristal e acendeu a luz
exterior antes de sair. O ar era quente, espesso e nuvens altas e escuras surgiam sobre o telhado
dos blocos de apartamentos de frente. Aproximou-se do parapeito de concreto, acabado com uma
superfície larga que sustentava balaustres rechonchudos, em forma de arco. Deixou ali a garrafa de
champanhe junto com as delicadas taças.

Ele continuava sem abrir a boca. Na rua, dez andares abaixo, um carro deixou sua vaga e deu a
volta na esquina. Um grupo de atrasados se dirigia ao lago para ver o estouro de fogos de artifícios
da cidade, que deviam estar a ponto de começar. Bodie abriu a garrafa e serviu o champanhe. As
frágeis taças não ficavam tão ridículas em suas mãos como ela esperava. O silencio se prolongou
entre eles. Lamentou não ter dito algo quando ele entrou, por que agora a coisa parecia um
concurso para ver quem ficava mais tempo sem falar.
Soou uma buzina estridente de um carro, e os músculos do pescoço dela se tencionaram até se
fazer um nó. Apoiou um pé na grade inferior. Arranhou a pele de seu tornozelo nú no balaustre de
concreto. Ele deixou sua taça no corrimão, junto com a garrafa e se voltou para ela. Não queria
levantar à vista para olha-lo, mas não pode evitar. As escuras nuvens se aglomeravam atrás de sua
cabeça como um coroa diabólica. Ia beija-la, ela pressentia. Mas não o fez. Ao invés disso, pegou a
taça entre seus dedos e colocou junto a sua, então levantou um braço e passou o polegar ao longo
de seus lábios, fazendo a pressão necessária para que o carmim cobrisse suas bochechas. Os
cabelos da sua nuca se arrepiaram. Propôs a se afastar, mas não foi capaz. Foi ele que se afastou,
em seu lugar... até as portas de cristal, para estender sua mão até o interior e apagar a luz,
sumindo assim a varanda na escuridão. Uma semente de pânico percorreu-a de cima a baixo. O
seu coração começou a pulsar com força. Virou-se e curvou as úmidas mãos sobre as grades.
Sentiu como ele se aproximava por trás e começou a tremer quando posou as mãos em seu
quadril. O calor de suas palmas atravessavam o sedoso tecido do vestido de rosas. Abaixo usava
apenas um culotte de seda num tom creme muito pálido. Sua pele estremeceu e um súbito calor

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inundou suas entranhas. Ele repassou o contorno da estreita borda superior de seu culotte por
cima do vestido, uma exploração mais erótica do que se ele tivesse tocado a carne nua.
Um diadema de luzes redondas fez uma erupção no céu, brancas esferas cristalinas de fulgor e
ruído que explodiam sobre o lago anunciavam o começo do espetáculo de fogos. Sentiu o ardor do
halito de Bodie no seu pescoço úmido, e seus dentes cravaram ao redor do tendão que marcava o
lugar onde o pescoço e o ombro se uniam. Imobilizou-a assim, sem machuca-la, mas sujeitando-a
como um animal. Deslizou suas mãos debaixo da barra do vestido. Não tentou se afastar, não se
moveu. Ele apalpou seu traseiro sobre o culotte. Deslizou o polegar pela fenda para baixo, para
cima, levando seu tempo. Do outro lado da rua, acendeu-se a luz de uma janela, e no céu se
abriam guarda-chuvas e palmeiras douradas. Recuperou o fôlego ao sentir deslizar entre suas coxas
os dedos dele.
Justo quando achava que suas pernas iam ceder, ele afrouxou a pressão de sua boca sobre seu
pescoço e passou sua língua no lugar que tinha imobilizado-a. Depois caiu de joelhos atrás dela. Ela
ficou como estava, agarrando-se ao corrimão, contemplando como lá fora desenroscavam
serpentes prateadas contra o céu de nuvens. Ele lhe acariciou a panturrilha e depois deslizou suas
mãos para cima, debaixo da saia do vestido, roçando apenas o exterior de suas coxas primeiro, e
logo seu culotte. Colocou seus polegares dentro da barra de elástico e a abaixou até os tornozelos.
Levantou seu pé e tirou a calcinha por cima do sapato. Que ficou no chão, rodeando o tornozelo
oposto. Ele ficou de pé.
Um bosque de salgueiros azuis e verdes caia em gotas pelo céu. Sentiu a mão dele no centro de
suas costas. Estava fazendo pressão, mas ela demorou um pouco para entender o que ele queria
que ela fizesse. Devagar, a fez inclinar-se sobre o corrimão. Abaixo um táxi percorria a rua.
Levantou a saia até a cintura. Vista pela frente, uma tela a cobria recatadamente, de forma que
alguém que olhasse desde uma janela do lado oposto da rua veria apenas uma mulher apoiada na
varanda com um homem de pé nas suas costas. Mas por trás, estava totalmente exposta a ele.
Agora, nenhuma barreira de seda se interpunha entre sua carne e a polpa de seu polegar ao
acaricia-la. Abriu-a como os gomos de uma laranja. Brincou com seus sucos. A respiração dela ficou
mais rápida e superficial. Gemeu. Ele deu um passo para trás. Ela ouviu um ruído de um roçar
enquanto ele se ocupava de suas roupas e de uma camisinha, o que sugeriu que tinha isso
planejado desde o principio. E então se ocupou dela.
Ela segurou a respiração diante a excitante indignidade de seus dedos. O céu estava cheio de
cometas que depois precipitavam-se até a extinção na água. Agarrou o corrimão com mais força
enquanto ele separava seus lábios inferiores com os polegares e brincava, então investiu nela até o
fundo. Penetrou-a desde trás, agarrando com força seus quadris, sujeitando-a no lugar onde
queria. Acariciou-a, fazendo-a se estirar, enchendo-a. Ela subiu com os cometas... floresceu com os
salgueiros... explodiu com os foguetes. No final, desabou no chão debaixo de uma chuva de
chamas.
Depois, ele ajustou de novo sua saia, alisou-a e desapareceu no interior de seu banheiro, com sua
penteadeira do antiquário, seu espelho italiano e seu papel de parede de Colefax & Fowler.
Quando voltou tinha um ar tranquilo e sereno. Ela queria romper em prantos, mas ao invés disso,
dirigiu-lhe o mais gélido dos seus olhares, caminhou até a porta e abriu-a com um gesto brusco.
Ele retorceu, divertido, um canto da sua boca. Avançou até ela e passou um dedo pelo carmim que
corria suas bochechas.
Ela evitou mover qualquer músculo. Com um novo sorriso, ele saiu para o corredor e caminhou até
o elevador ornamentado de bronze. Antes de chegar deu uma virada e falou pela primeira vez.
—Estamos entendidos agora?

90
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

12

Annabelle e Heath saíram de Chicago na sexta depois do almoço. O camping do lago Wind estava a
noroeste de Michigan, aproximadamente a uma hora da bonita cidade de Grayling. Kevin e Molly
se encontravam lá toda a semana, e o resto dos membros do clube de leitura iam chegando de
carro, mas o senhor super-representante não dispunha de tanto tempo, assim que tinha arranjado
para que os levasse um jato da empresa de um amigo.
Enquanto ele fazia ligações telefônicas, Annabelle, que não esteve nunca em um avião privado,
olhava pela janelinha e se esforçava para relaxar. Por que: o que importava que se Heath e ela
fossem dividir uma cabana durante o fim de semana? Ele passaria a maior parte do tempo por ai
com os homens ou tentado impressionar a Phoebe, assim que apenas se veriam, o que sem duvida
era a melhor ideia, por que todos aqueles feromônios tão masculinos que ele exalava estavam
afetando-a. Felizmente, sabia a diferença entre a atração biológica e o afeto duradouro. Podia estar
com tesão, mas não era totalmente autodestrutiva. Um quatro por quatro cinza de aluguel lhes
esperava na pista de aterrissagem. Estavam a apenas uns cento e trinta quilômetros da ilha de
Mackinac, e o ar quente da tarde trazia-lhes o vigoroso aroma dos pinheiros dos bosques do norte.
Heath carregou sua mala e a dela até o carro, e logo voltou por seus tacos de golfe. Ela tinha saído
de seu orçamento para comprar umas coisas para a viagem, incluindo as calças largas de flanela
que usava e cujas finas linhas verticais faziam suas pernas parecerem mais longas. Um charmoso
top bronze realçava seus pequenos brincos de âmbar. Tinha cortado as pontas do cabelo, pela
primeira vez, não lhe causava problemas. Heath usava outra de suas polos caríssimas, verde
musgo, combinando com calças cor de pedra e mocassim.
Colocou o equipamento no porta-malas e em seguida jogou-lhe as chaves.
—Você dirige.
Ela conteve um sorriso enquanto sentava ao volante.
— A cada dia que passa, ficam mais evidentes os motivos pelos quais você quer uma esposa.
Ele deixou seu portátil no assento de trás e se acomodou do lado dela. Annabelle consultou as
anotações de Molly e tomou uma sinuosa via de duas pistas. Perguntou-se como ele passou o
Quatro de Julho. Não tinha voltado a vê-lo desde a quarta, quando o apresentou a harpista do
DePaul, que ele achou inteligente, atraente, mas muito séria. Terminado o encontro, lhe pediu
mais informações sobre Gwen. Algum dia não muito distante teria que contar a ele a verdade
sobre o assunto. Uma ideia em nada agradável.
Enquanto ele fazia outra ligação, concentrou-se no prazer de dirigir um carro que não fosse o
Sherman. Molly não exagerou ao descrever como aquele lugar era bonito. Os bosques se
estendiam a ambos os lados da pista, em grupos de pinheiros, carvalhos e bordos. No ano anterior,
Annabelle se viu obrigada a cancelar os planos de participar do retiro por que Kate apareceu em
Chicago sem avisar, mas ela tinha lhe contado tudo, os passeios que fizeram pelo camping, que iam
nadar no lago e que faziam tertúlias literárias na sala de jantar nova que Molly e Kevin construiram
próxima da área privado onde viviam, adjacente ao Bed & Breakfast. Tudo lhe pareceu muito
relaxante, mas agora não se sentia relaxada. Brincava muito e tinha que permanecer centrada.
Heath fez uma segunda chamada antes de guardar por fim o celular e ocupar-se de criticar sua
forma de dirigir.
—Tem um montão de espaço para ultrapassar esse caminhão.
—Desde que eu ignore as linhas contínuas duplas.
—Não vai acontecer nada se você ultrapassar.
—Claro. Por que me preocuparia com uma bobagem como colisão frontal?
—O limite de velocidade é noventa, e você não passa de cem.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não me obrigue a parar esse carro, meu jovem.


Ele riu entre os dentes, e pareceu relaxar um pouco. Entretanto, não tardou ao voltar o ataque,
suspirar, mexer nervosamente o pé, bagunçar o radio. Ela lhe deu um olhar sombrio.
—Você não é capaz de ficar três dias inteiros longe do trabalho nem sonhando.
—Claro que sou.
—Não sem seu celular.
—Desde já que não. Você ganhará nossa aposta.
—Não fizemos nenhuma aposta.
—Melhor. Detesto perder. E na verdade não são três dias. Hoje já trabalhei oito horas, e no
domingo pela manhã saio para Detroit. Você fez planos para voltar para a cidade por conta própria,
verdade?
Ela assentiu. Ia voltar no carro com Janine, a outra solteira do grupo. Ele deu uma olhada no
velocímetro.
—Você deve ter falado com Molly depois da festa, e me atrevo a supor que ela inquiriu perguntas
sobre este fim de semana. Como você lhe explicou que eu viesse com você?
— Eu disse que alguém estava chamando na porta e que depois eu retornava para ela. Esse é um
pavão silvestre?
—Não sei. Você retornou a ligação?
—Não.
—Devia ter retornado. Agora ela suspeita de algo.
—E o que eu deveria ter dito? Que você está obcecado em puxar o saco da irmã dela?
—Não. Você deveria dizer que tenho trabalhado demais e que isso me deixou tão tenso que não
consigo apreciar as mulheres maravilhosas que está me apresentando.
—Isso é verdade. Você deveria dar a Zoe outra oportunidade. A harpista. — Acrescentou no caso
dele ter se esquecido.
—Eu me lembro.
—E só o fato dela achar que Adam Sandler é imbecil não significa que ela não tenha senso de
humor.
—Você acha graça em Adam Sandler. — ele observou.
—Sim, mas eu sou imatura.
Ele sorriu.
—Admita. Sabe que ela não era adequada para mim. Nem sequer acredito que ela gostou muito de
mim. Tinha umas pernas magníficas, isso sim. —Recostou a cabeça no encosto, curvando a boca
como o rabo de uma píton. — Diga a Molly que não posso encontrar uma esposa porque só penso
em trabalho. Diga que preciso me afastar da cidade o fim de semana para poder ter uma conversa
séria sobre como minhas prioridades estão confundidas.
—Isso das suas prioridades é verdade.
—Vê? Você já está fazendo progressos.
—Molly é muito esperta. Não vai engolir isso nem por um segundo. — Não acrescentou que Molly
já tinha começado a sondar com perguntas de como era a relação dos dois.
— Você pode sair sorrateira por qualquer caminho que ela tome. E sabe por que, campeã? Por que
os desafios não te assustam. Por que você, minha amiga, vive para os desafios, e quanto mais
difíceis melhor.
—Sim senhor, essa sou eu. Um verdadeiro tubarão.
—É assim que se fala. — Passaram por uma placa sinalizando a cidade de Wind Lake. — Você sabe
para onde vamos?
— O camping está na outra ponta do lago.
—Deixe-me ver.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Ao pegar a folha amassada com as indicações que ela tinha sobre o colo, roçou com o polegar a
parte interior de sua coxa, e ela ficou arrepiada. Ela distraiu-se um pouco com agressividade
passiva. —Estou surpresa que esta seja sua primeira viagem para o camping. Kevin e Molly sobem
aqui o tempo todo. Não posso acreditar que ele nunca tenha te convidado.
—Eu não disse que ele não me convidou. — Deixou as instruções para se fixar num marcador da
estrada. —Kevin é um cara sólido. Não precisa que eu o leve pela mão a todos os lugares como
meus clientes mais jovens.
—Você está saindo pela tangente. Kevin nunca te convidou. E sabe por quê? Por que não tem
como alguém relaxar com você ao seu lado.
—Que é exatamente o que você está tentando mudar. — Uma placa verde e branca com letras com
bordas douradas apareceu à esquerda de suas vistas.
CABANA DE WIND LAKE
BED & BREAKFAST
FUNDADO EM 1894
Viraram pelo caminho estreito que se abria através da espessura das arvores.
—Já sei que isto poderia ser difícil de assumir, mas penso que deveria ser sincero. Todo mundo
sabe que Phoebe e você vivem se enfrentando, assim que por que não admite simplesmente que
viu a oportunidade de melhorar as relações de vocês e decidiu aproveitar?
—Para que Phoebe fique na defensiva? Acho que não.
—Suspeito que ela vá fazer isso de qualquer jeito.
Outro sorriso sem vontade.
—Não se eu jogo bem as cartas do meu jogo.
Cascalho novo batia no chassi do carro, e depois de poucos minutos o camping apareceu à vista.
Ela observou a sombria área comunitária, na que um grupo de crianças jogava softball. Casinhas
que pareciam de marzipan, com pequenos beirais que soltavam goteiras, rodeavam a cerca do
gramado. Parecia que pintaram cada casa com as broxas untadas de sorvetes sortidos: uma verde
limão com contorno de manga e alcaçuz, outra de framboesa com toques de limão e amêndoa.
Através das arvores, entreviu uma ponta da praia arenosa e o azul límpido da água do lago Wind.
—Não me estranha que Kevin goste tanto disso. — disse Heath.
—É exatamente igual ao bosque de Nightingale dos livros de Dafne da Molly. Quanto me alegro de
que ela conseguiu dissuadir Kevin da ideia de vender isso aqui. — O acampamento era propriedade
da família de Kevin desde os tempos de seu bisavô, um Pastor metodista itinerante que o fundou
para organizar retiros espirituais no verão. O pai de Kevin acabou herdando-o, depois sua tia e
finalmente o próprio Kevin.
—Os gastos de manutenção desse lugar são altíssimos. — disse Heath— Eu sempre me perguntei
por que ele o conservava.
—Agora você já sabe.
—Agora eu já sei. — Tirou os óculos de sol. — Ainda que eu não sinta falta de ir mais ao campo.
Cresci dando tombos pelos bosques.
—Caçando e fazendo armadilhas?
—Não muito. Nunca tive vontade de matar os animais.
—Você preferia tortura-los lentamente.
—Como você me conhece bem.
Seguiram o caminho que rodeava a área comunitária. Cada cabana tinha uma placa lindamente
pintada em cima da porta: VERDES PASTOS, LEITE E MEL, CORDEIRO DE DEUS, A ESCADA DE JACÓ...
Ela parou para admirar o Bed & Breakfast, uma majestosa construção do estilo da rainha Ana, com
torrezinhas e amplos pórticos, exuberantes samambaias penduradas e cadeiras de balanço de
madeira nas quais um par de mulheres conversavam sentadas. Heath consultou as indicações e
indicou uma vereda estreita que estava paralela ao lago.

93
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Vire à esquerda.
Ela o fez. Cruzaram com uma mulher mais velha de óculos e uma bengala, e depois com um par de
adolescentes de bicicletas. Por fim chegaram ao final da vereda, e ela estacionou em frente à
última cabana, uma casinha de bonecas com uma placa em cima da porta que dizia: LIRIOS DO
CAMPO. A casa, pintada de amarelo cremoso com detalhes em rosa fosco e azul claro, parecia
saída de uma história infantil. Encantou a Annabelle. Ao mesmo tempo, surpreendeu-se
desejando que não estivesse tão afastada das outras cabanas.
Heath desceu do carro e descarregou o equipamento. A porta mosqueteira chiou quando ela
entrou na sala principal da casinha. Tudo era velho e lascado e tão caseiro, um autentico estilo
antigo, nada do caríssimo interiorismo retrô. Paredes da cor de osso, um cômodo sofá com uma
estampa de flores desgastada, lâmpadas de bronze abauladas, um grande arco de pinheiro cheio
de arranhões... Ela assomou seu nariz pela cozinha diminuta com um antigo forno a gás. Ao lado da
geladeira, uma porta dava a um alpendre fechado com tela mosqueteira. Annabelle saiu ao
exterior e viu uma cadeira de balanço, curvadas cadeiras de salgueiro e uma antiga mesa de pés
reclináveis com duas cadeiras mais de madeira pintada. Heath apareceu atrás dela.
—Nem sirenes, nem o caminhão do lixo, nem alarmes de carros. Tinha me esquecido como era o
verdadeiro silêncio.
Ela aspirou ao aroma fresco e úmido da vegetação.
— Dá uma sensação de privacidade... É um ninho.
—Se você gosta.
Resultou que tudo era acolhedor demais para ela, e voltou para o interior. O resto da casa consistia
num banheiro antiquado e dois quartos, no maior havia uma cama de matrimonio com cabeceira
de ferro. E duas malas...
—Heath…
Ele colocou a cabeça na porta.
—O que?
Ela indicou a sua mala.
—Você esqueceu algo aqui dentro.
—Só até decidirmos no cara ou coroa quem fica com a cama grande.
—Boa tentativa. É minha festa. Você fica no quarto de criança.
—Eu sou o cliente, e esta parece ser mais confortável.
—Eu já sei. Por isso ficarei com ela.
—Está bom. —Respondeu num bom humor surpreendente. — Eu colocarei o outro colchão no
alpendre. Já nem lembro quando foi à última vez que dormi no ar livre. — Pôs a mala de Annabelle
em cima da cama e entregou um envelope que tinha seu nome escrito em cima com a letra de
Molly. — Encontrei isso na cozinha.
Ela pegou uma nota escrita em papel cartão da nova linha de papelaria do bosque de Nightingale.
—Molly diz que esta é uma de suas cabanas favoritas e que espera que gostemos. A geladeira está
cheia de provisões, e hoje as seis têm organizado um jantar na praia. — Annabelle guardou para
ela um ps.: “Não cometa nenhuma loucura!”
—Conta um pouco mais sobre o clube de leitura. — Tirou sua mala do caminho e apoiou um
ombro no marco da porta, enquanto ela colocava a nota de novo no envelope e guardava no bolso
de sua calça. — como você entrou nele?

—Através da Molly. — Abriu o fecho da mala. — Nos reunimos uma vez por mês desde dois anos
atrás. No ano passado, Phoebe pensou que seria divertido que passássemos juntas um fim de
semana. Acho que ela pensava em ir ao balneário, mas Janine e eu não podíamos pagar... Janine
escreve livros para adolescente, assim que Molly teve a ideia de virmos todas para o camping. Os
homens não demoraram muito para quererem vir juntos.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Annabelle e Janine eram duas das três únicas componentes do clube de leitura que não estavam
diretamente vinculadas aos Stars. A outra era a mulher ideal de Heath, Gwen. Felizmente, Ian e ela
iam fechar a compra de sua nova casa nesse fim de semana e não puderam vir.
—Não está nada mau este clube de leitura. Phoebe e Molly. Você mencionou também a mulher de
Ron McDermitt?
Ela assentiu e abriu a mala.
—Sharon trabalhava antes num jardim de infância. Ela é a que nos mantém na linha.
—E agora está casada com o diretor geral dos Stars. Eu a conheço. — Olhou abertamente os sutiãs
e as calcinhas dobradas por cima de tudo, mas tinha a cabeça nos negócios, não nas lingeries. — O
dia da festa, Phoebe mencionou um Darnell. Não é outro que Darnell Pruitt.
—Sua mulher se chama Charmaine. — dissimuladamente, deixou cair uma camiseta por cima do
montinho de roupas interiores.
—O melhor defensive tackle que já teve os Stars em toda sua história.
—Charmaine jogava futebol?
Mas ele era um John Deere enfrentando um concurso de arrastar com tratores, ela não conseguiria
distraí-lo.
—Quem mais?
—Krystal Greer. — Tirou sua nécessaire e colocou por cima da pedra de mármore branca da
cômoda.
—São as mulheres os membros do clube, não os homens. Trate de não me envergonhar.
Ele soltou um bufado e pegou a mala, mas parou na porta.
—Alguém trouxe os filhos?
—Só adultos.
Sorriu.
—Magnífico.
—Salvo por Vicky e Danny. São muito pequenos para ficarem para trás.
—Merda.
—Qual é o problema. São crianças adoráveis.
—Um deles é adorável. Eu assinaria com ele agora mesmo, seu eu pudesse.
— A distancia seria uma dificuldade por que ainda está amamentando. E Vicky é tão boa como
Danny. Essa menina é uma joia.
—Vão coloca-la na cadeia antes que entre para a escola primária.
—Mas o que você está dizendo?
—Nada, só divago. — Saiu pela porta para voltar a assomar a cabeça. — Tem um bom gosto para
calcinhas, Tinker Bell. — Depois se foi.
Ela desabou no canto da cama. A ele não escapava nada. Que coisas mais podia notar que ela não
quisesse que ele visse? Com um mau pressentimento, trocou a calça nova por um short da cor
bege, mas deixou o charmoso top bronze. Depois de passar os dedos pelo cabelo foi ao alpendre.
Heath já estava lá. Ele também colocou um short, além de uma camiseta cinza clara que envolvia
os contornos de seu peito como fumo de um cachimbo. Um raio de luz passava pela mosqueteira
iluminando-lhe a maçã do rosto, desenhando seu perfil duro, inflexível.
—Você pensa em me sabotar este fim de semana? — perguntou ele com um tom tranquilo.
Tinha razões para desconfiar, porque ela não deveria ter se ofendido, mas se ofendeu.
—É só isso que você pensa sobre mim?
—Só quero ter certeza que estamos na mesma sintonia.
—Sua sintonia.
—Tudo o que peço é que não me desautorize. Eu me encarregarei do resto.
—Tenho certeza que sim, não duvido disso. — Ela disse, com todo o sarcasmo do mundo.
—Que bicho te mordeu? Estava implicando sutilmente comigo toda à tarde.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Ela gostou que ele notasse.


—Não sei a que se refere.
—E não é só esta tarde. Implica com comigo na menor ocasião. É algo pessoal ou a expressão de
seus sentimentos com respeito aos homens no geral? Não tenho culpa se seu último namorado
decidiu jogar no mesmo time que o seu.
Muito bem. Agora estava furiosa.
—Quem te contou?
—Não sabia que era um segredo.
—Não é, não exatamente. — Molly nunca teria dito, mas Kevin ainda custava aceitar o que tinha
feito Rob, o que o fazia o provável culpado. Voltou a encostar-se em uma das cadeiras da mesa.
Não ia falar de Rob com Heath. — Se tenho sido tão irritante, sinto muito. — Disse sem deixar de
soar irritada. — Mas me custa muito entender pessoas que fazem do seu trabalho o centro de suas
vidas, até mesmo chegando ao ponto de excluir as relações pessoais da sua vida.
— E é por isso que você me trouxe aqui. Para me consertar.
Agora ele tinha entendido.
—Anda? — disse Heath e sinalizou a porta do alpendre com um gesto.
—Por que não? — Sacudiu o cabelo e passou diante dele. — É hora de pôr em pratica a operação
Puxa Saco.
—Isso era o que queria ouvir, com convicção, do jeito que eu gosto.

***

Na fogueira, pequenas explosões lançavam faíscas ao céu. Sobre a mesa de piquenique só ficava a
bandeja de brownie que Molly fez para eles na cozinha do Bed & Breakfast naquela tarde.
Um jovem casal se encarregava do dia a dia do camping, mas Molly e Kevin sempre davam uma
mão quando estavam lá. A comida tinha sido deliciosa: churrasco na brasa, batatas assadas com
bastante molho, cebolas doces perfeitamente tostadas ao máximo e uma salada enfeitada com
saborosas rodelas de pêra madura.
Kevin e Molly tinham deixado as crianças com o casal que tomava conta do camping, ninguém
precisava dirigir então tomavam vinho e cerveja. Heath estava no seu melhor, cordial e encantador
com as mulheres e se sentindo em casa com os homens. Era um camaleão, pensou Annabelle,
ajustava seu comportamento para se adequar ao público. Nessa noite, todo mundo estava
gostando da sua companhia menos Phoebe, e mesmo ela não tinha feito mais do que lançar um ou
outro olhar venenoso.
Quando começou a soar a musica, Annabelle foi caminhando até o deserto cais, mas justamente
quando começava a aproveitar a solidão ouviu o golpe resolvido de um par de sandálias atrás dela
e se virou para encontrar Molly que se aproximava. Exceto por seus peitos, mais generosos por ter
amamentado Danny, parecia à mesma menina estudiosa que Annabelle conheceu há mais de uma
década numa aula de literatura comparada. Essa noite, tinha tirado seus lisos cabelos castanhos do
rosto com um prendedor, e um par de pequenas tartarugas marinhas de prata pendiam nos
lóbulos de suas orelhas. Usava um collant violeta com uma blusa combinado e um colar feito de
argolas de macarrão.
—Por que você não retornou minha ligação? — perguntou.
—Eu sinto muito. As coisas estavam difíceis. — Talvez pudesse distraí-la. — Você lembra que eu te
falei de um cliente hipocondríaco? Eu organizei um encontro para ele com uma mulher que...
—Não me importo com isso. O que está acontecendo com você e Heath? — Annabelle fez uma
expressão de assombrada inocência, tirado do atrofiado repertorio dos seus dias de teatro
universitário.
—Do que você está falando? Assunto de trabalho.

96
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não me venha com essa. Somos amigas há muito tempo.


Annabelle mudou para uma expressão sisuda.
—É o meu cliente mais importante. Você sabe o que isso significa para mim.
Molly não engoliu.
—Eu vi como você olha para ele. Como se fosse um caça níquel com três setes sorteados na tela.
Se você se apaixonar por ele, eu juro que nunca mais falo com você na minha vida.
Annabelle quase engasgou. Já sabia que Molly suspeitaria, mas não esperava um interrogatório tão
direto.
—Você está louca? Deixando de lado o fato que me trata como uma empregada, nunca me
prenderia a um viciado em trabalho depois de tudo que passei com minha família. — Ceder a
luxuria, por outro lado, era algo diferente.
—Ele tem uma calculadora no lugar do coração.
—Pensei que você gostasse dele.
—Eu adoro. Ele faz as negociações de Kevin de forma brilhante e, acredite em mim, minha irmã
pode ser muito mesquinha. Heath é esperto, nunca conheci ninguém que trabalhe tão duro, faria o
que fosse por um cliente e sua conduta é completamente ética, o que mais se pode esperar de um
agente. Mas é o pior candidato para relacionamentos amorosos que eu já conheci.
—Você acha que eu não sei? Esse fim de semana é pelo meu trabalho. Ele rejeitou todas as
mulheres que eu e Portia apresentamos. Há algo sobre ele que nos escapa, e não consigo descobrir
durante as miseras migalhas de tempo que ele me dedica. — Dizia a verdade. Era exatamente nisso
que tinha concentrado sua atenção nesse fim de semana, em estudar a sua psique, e não para
sentir como cheirava bem ou ver aqueles lindos olhos verdes.
Molly ainda parecia preocupada.
—Eu gostaria de poder acreditar em você, mas tenho o estranho pressentimento de que ...
O pressentimento que ela tinha se perdeu quando ouviram novos passos no cais. Viraram e viram
que Krystal Greer e Charmaine Pruitt tinham vindo se juntar a elas. Krystal parecia Diana Ross mais
jovem. Nessa noite tinha prendido o cabelo longo e anelado com um laço vermelho que
combinava com um lenço preso como se fosse um top. Era pequena, mas se comportava como
uma rainha, e o fato de ter feito quarenta não tinha alterado nem suas feição de modelo, nem sua
atitude implacável.
Apesar de terem personalidade diametralmente opostas, Charmaine era desde anos sua melhor
amiga. Charmaine se vestia de forma conservadora, com um conjunto de suéter e jaqueta de
algodão de cor roxo escuro e um short de passeio com listras diagonais, era cheia de curvas,
carinhosa e séria. Tinha sido bibliotecária e agora tocava órgão em uma igreja e dedicava sua vida
a seu marido e a seus dois filhos. No dia que conheceu Darnell, o marido de Charmaine, Annabelle
tinha ficado atônita, pois parecia a pior combinação do século.
Ainda que Darnell tivesse jogado há tempos no Stars, Annabelle não estava interada, então, sobre
futebol americano e tinha imaginado alguém tão conservador como Charmaine. Muito pelo
contrário, Darnell tinha um diamante incrustado no dente, uma coleção aparentemente
interminável de óculos de sol e um vício por joias pesadas dignas de cantores de hip-hop. Mas as
aparências enganam, mais da metade dos livros selecionados para o clube da leitura eram
recomendados por ele.
—Não deixo de ficar fascinada vendo como é o céu daqui. — Charmaine se agasalhou com os
braços contemplando as estrelas. — Vivendo na cidade, você se esquece.
—Este fim de semana você vai ter surpresas maiores que um bonito céu coberto de estrelas. —
disse Krystal presunçosamente.
—Fale de uma vez esse segredo ou pare com essa conversa. — respondeu Charmaine. Voltou-se
para Annabelle e Molly. —Krystal não para de soltar indiretas sobre não sei que grande surpresa
ela tem para nós. Alguma de vocês sabe do que se trata?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Annabelle e Molly negaram com a cabeça.


Krystal afundou seus polegares no bolso da frente de seu short e balançou seus ombros de forma
provocativa.
—Só direi uma coisa, nossa senhorita Charmaine pode necessitar de um pouco de terapia quando
eu tenha terminado com ela. Quanto ao resto de vocês... Bom, estejam preparadas.
—Para que? —Janine vinha atrás delas com Sharon McDermitt e Phoebe, que usava um moletom
rosa com capuz combinando com a calça também de moletom e uma taça de chardonnay. Janine,
com seus cabelos grisalhos prematuramente, suas joias artesanais e seu vestido de alcinha
estampado até o tornozelo, saía de um mau momento, um câncer de mama e um bloqueio de
escritora. As amigas do clube de leitura eram tudo para ela. Quando estava doente, Annabelle e
Charmaine lhe traziam comida e faziam recados, Phoebe ligava diariamente e marcava para ela
seções de massagens periódicas, Krystal tomava conta do seu jardim e Molly pegava no seu pé
para ela voltar a escrever. Sharon MacDermott, a que melhor sabia ouvir do grupo, tinha sido sua
confidente. Depois de Molly, Sharon era a melhor amiga de Phoebe e presidia a Fundação
Beneficente dos Stars.
—Parece que Krystal tem um segredo, — disse Molly— que vai nos revelar, como de costume,
quando tiver vontade.
Enquanto as demais faziam especulações sobre qual seria o segredo de Krystal, Annabelle buscava
a melhor maneira de introduzir um tema delicado. Ainda que até agora tivesse sorte, não podia
contar que isso permanecesse para sempre e quando houve uma pausa na conversa ela interveio.
—Talvez eu precise de um pouco da ajuda de vocês nesse fim de semana.
Sabia, pelas suas expressões expectantes, que queriam que ela explicasse como ela tinha vindo
com Heath, mas não ia dar a elas mais pistas dos que já tinham. Brincou com a correia amarela de
seu Swatch com desenhos de margarida.
—Todas vocês sabem o que o Perfeita para Você significa para mim. Se não tenho sucesso,
demonstrarei, basicamente, que minha mãe tem razão em tudo que diz. E a verdade é que não
quero ser contadora.
—Kate te pressiona demais. — disse Sharon, e não era a primeira vez que Annabelle dava-lhe um
olhar de gratidão.
—Graças a Molly, consegui uma reunião com Heath. Mas o que acontece é que eu me meti num
pequeno subterfúgio para conseguir que ele assinasse o contrato.
—Que tipo de subterfúgio? — perguntou Janine.
Ela respirou fundo e contou a elas que tinha organizado um encontro com Gwen.
Molly deu um suspiro.
—Ele vai te matar, Annabelle. Quando ele descobrir que você o enganou, e ele vai descobrir, será a
fúria em pessoa.
—Ele me encurralou. —Annabelle encolheu os ombros e levantou os braços para cima. — Admito
que foi um recurso rasteiro, mas eu só tinha vinte e quatro horas para encontrar uma candidata
que o deixasse de queixo caído, ou senão perderia minha chance.
—Com esse homem é melhor não se envolver. — disse Sharon. — Não conseguiria acreditar em
algumas das histórias que Ron já ouviu.
Annabelle mordeu o lábio inferior.
—Sei que eu tenho que contar a verdade. Só queria encontrar o momento adequado.
Krystal inclinou o quadril.
—Querida, não existe momento adequado para morrer.
Charmaine estalou a língua.
—Vou te colocar como a primeira na minha lista de orações.
Só Phoebe parecia compadecida, e seus olhos de âmbar brilhavam como os de um gato.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Eu achei genial. Não o fato de que vai acabar enterrada em um terreno abandonado, isto eu
deploro, e vou me certificar que caia sobre ele o peso da lei. Mas amo saber que uma garotinha
tenha enganado ao grande Píton.
Molly olhou para sua irmã com fúria.
—É justamente por isso que Christine Jeffrey não deixa que sua filha fique para dormir com as
gêmeas. Você assusta as pessoas. — depois se dirigiu a Annabelle. — O que você quer que a gente
faça?
—Que não mencionem o nome de Gwen na presença dele, nada mais. Não vejo por que os
homens falariam dela, assim que confiarei na sorte com respeito a eles. A não ser se alguma de
vocês sugira uma forma de falar com eles sem dizer o que eu fiz.
—Eu voto que falemos a verdade com eles. — disse Phoebe. — Passarão meses rindo dele pelas
costas.
—Você não vai conseguir um voto. Não em algo relacionado com o Píton.
—Mas que injustiça. — disse Phoebe e deu um suspiro.
Charmaine deu umas palmadinhas no seu braço.
—Você fica um pouco irracional quando se trata desse tema.
Desde a praia chegou o som de risos varonis.
—É melhor que voltemos. — disse Molly— Amanhã teremos todo o dia para falar dos problemas
de Annabelle, incluindo o motivo de ela ter trazido Heath aqui, para começar.
Sharon parecia preocupada.
—Creio que a resposta é visível. Sério, Annabelle, no que estava pensando?
—São negócios. — exclamou.
— Um pouco turvos. — murmurou Krystal.
—Heath precisa sair um pouco, e eu preciso de uma ocasião para descobrir por que não há como
encontrar uma mulher para ele. Não é nada demais.
Charmaine trocou com Phoebe um olhar significativo, disposta a acrescentar alguma coisa, mas
Molly veio em socorro de Annabelle.
—É melhor que voltemos antes que comecem a rememorar os jogos.
Caminharam toda a extremidade do cais. E pararam admiradas.
Phoebe foi a primeira a quebrar o longo silencio. Com sua voz rouca e sensual, expressou o que
todas estavam pensando.
—Senhoras, bem vindas ao jardim dos deuses.
Sharon falou muito pausadamente e com o som da água como plano de fundo.
—Quando estamos ao lado deles não apreciamos o impacto de todo o conjunto.
A voz de Krystal tinha um ar sonhador.
—Podemos apreciar agora.
Os homens estavam de pé ao redor do fogo... os seis... cada um mais atraente que o outro. Phoebe
passou a língua por seu lábio inferior e indicou o mais velho de todos, um gigante loiro com uma
mão plantada no quadril. Um dia que ela nunca esqueceria, no Midwest Sports Dome, Dan
Calebow tinha salvado a sua vida com um lançamento espiral perfeito.
—Escolho esse, — disse suavemente— Para todo sempre.
Molly deslizou seu braço em torno de sua irmã e disse, com a mesma suavidade:
—Eu ficarei com o garoto de ouro que está ao seu lado. Para todo o sempre. — Kevin Tucker,
moreno e em forma, tinha os olhos cor de avelã e um talento excepcional que lhe tinha dado dois
anéis da Super Bowl, mas ainda dizia às pessoas que a noite que roubou Molly para si como um
ladrão foi a mais feliz da sua vida.
—Eu fico com aquele bom moço, o que tem olhos comoventes e esse sorriso de derreter corações.
—Krystal descrevia Webster Greer, o segundo em corpulência dos homens reunidos em torno das
chamar. — Por mais que me tire do sério, me casaria com ele novamente amanhã mesmo.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Charmaine contemplavam o mais corpulento e ameaçador dos deuses. Darnell Pruitt usava uma
camisa de seda aberta até a cintura, mostrando um peito musculoso e um trio de correntes de
ouro. Com a luz do fogo convertendo sua pele em ébano polido, parecia um antigo rei africano. Ela
apertou a base do pescoço com a ponta dos dedos.
—Eu ainda não entendo muito bem isso. Ele deveria me aterrorizar.
—E é justamente o oposto. — O sorriso de Janine tinha um ar de saudade. — Alguém me empresta
algum deles, só por uma noite.
—O meu não. — disse Sharon. O fato de que Ron McDermitt fosse o menor homem em torno da
fogueira e um nerd confesso não diminuía seu incrível magnetismo sexual, ainda mais quando os
óculos de sol adequados faziam dele um clone do Tom Cruise.
Uma a uma, todas as mulheres pousaram seus olhos em Heath. Ágil, queixo quadrado, com o
cacheado cabelo castanho iluminado pelo ouro do fogo, estava no centro exato do grupo de
guerreiros de elite, como um deles e ao mesmo tempo alguém separado de algum modo. Ele era
mais jovem e a dureza lavrada em mil batalhas de seus traços tinha vindo da mesa de negociação
ao invés do campo de futebol, mas isso não fez dele menos imponente. Este era um homem para
se ter em conta.
—Dá medo ver como ele se encaixa tão bem no grupo. — apontou Molly.
—É o truque favorito dos mortos-vivos. — disse Phoebe, ácida. —Podem adotar qualquer forma e
se transformarem no que quiserem.
Annabelle reprimiu um forte impulso de sair em sua defesa.
—Um cérebro de Harvard, o refinamento de um alto executivo e o charme de garoto do interior. —
disse Charmaine. — Por isso os jovens querem assinar com ele.
Phoebe chutou o cais com a ponta de seu tênis.
—Um homem com Heath Champion só serve para uma coisa.
—E já começamos de novo. — resmungou Molly.
Phoebe franziu o lábio.
— Tiro ao alvo.
—Pare com isso! — Annabelle espetou.
Todas a olharam. Annabelle relaxou os punhos e tentou suavizar as coisas.
—O que quero dizer é que… ou seja… se um homem dissesse algo desse tipo de uma mulher, as
pessoas o colocariam na cadeia. Assim que eu acho talvez... enfim... que tampouco uma mulher
deveria dizer isso de um homem.
Phoebe parecia fascinada com a irritação de Annabelle.
—O Píton conseguiu alguém que o defenda.
—Só digo que…— murmurou Annabelle.
—O que você diz é verdade. — Krystal começou a andar até a praia. — É difícil educar um homem
para que tenha autoestima. E esse tipo de coisa não ajuda.
—Tem razão. — Phoebe passou o braço pela cintura de Annabelle. — Sou mãe de um filho, e
deveria saber. É só que estou... um pouco inquieta. Tenho mais experiência com Heath que você.
Sua preocupação era sincera, e Annabelle não pode continuar com raiva.
—Não tem com o que se preocupar. De verdade.
—Não é fácil de evitar. Sinto-me culpada.
—Por quê?
Phoebe diminuiu o passo justamente para ficarem atrás das demais. Deu a Annabelle as mesmas
palmadinhas que dava a seus filhos quando estava preocupada.
—Tento encontrar uma forma de dizer isso com tato, mas não encontro. Você tem consciência, não
é, de que ele está te usando para chegar a mim?

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—Não posso censurar que ele tente. — disse Annabelle com toda calma. — É um bom agente.
Todo mundo diz. Talvez seja esse o momento de esquecer o passado. — Lamentou o que disse
assim que terminou de falar.
Ela desconhecia completamente os mecanismos internos da Liga Nacional de Futebol, e não
deveria presumir que podia dizer a Phoebe como administrar seu império.
Mas Phoebe se limitou a suspirar e soltar a sua cintura.
—Não existem bons agentes. Mas, pelo menos, alguns deles não se empenham em te apunhalar
pelas costas.
Heath tinha cheirado o perigo, e aproximava-se delas a passos largos.
—Ron tinha posto os olhos em cima do último brownie, Annabelle, mas eu cheguei primeiro. Já vi
como você fica sensível quando fica muito tempo sem chocolate.
Ela gostava mais de bala, mas não quis contradizê-lo na frente de sua arqui-inimiga, e pegou o
brownie que ele oferecia.
—Phoebe, você quer dividir?
—Prefiro guardar as calorias para outra taça de vinho. — Sem sequer olhar para Heath, foi se
juntar aos demais.
—E então, como vai o andamento do seu plano até agora? — disse Annabelle, com os olhos
cravados nas costas de Phoebe.
—Ela vai acabar cedendo.
—Não tão cedo.
—Atitude, Annabelle, tudo é questão de atitude.
—Então já que você mencionou. — Entregou-lhe o brownie. — Você pode acabar com isso melhor
do que eu.
Ele mordeu um pedaço. Ela ouviu Janine dizer na praia que tinha que acabar o livro antes de
amanhã. Enquanto todos lhe davam boa noite, Webster colocou um cd no som e começou a tocar
uma canção de Marc Anthony. Ron e Sharon começaram a dançar salsa na areia. Kevin agarrou
Molly e eles se juntaram, executando os passos com mais graça que os MacDermitt. Phoebe e Dan
se olharam, começaram a rir e também foram dançar.
Heath fechou os dedos em torno do cotovelo de Annabelle.
—Vamos dar um passeio.
—Não. Elas já têm suspeitas suficientes. E Phoebe sabe perfeitamente o que você pretende.
—Ela sabe? — Jogou o resto do brownie no lixo. — Se você não quer passear, dancemos.
—Tudo bem, mas você vai dançar também com elas, para que ninguém comece a suspeitar.
—Suspeitar de que?
—Molly pensa… Olha, tanto faz. Limite-se a dividir seu charme duvidoso por todas as partes, tudo
bem?
—Você quer relaxar? — Pegou-a pela mão e juntaram-se aos demais.
Ela não demorou em sacudir as sandálias e entrar no clima da noite. Com todas as aulas que Kate
lhe obrigou fazer, Annabelle era uma boa dançarina. E Heath, ou fez aulas também ou tinha um
talento natural, por que a acompanhava perfeitamente. No que se referia a dominar as habilidades
sociais, parecia saber todas. Acabou-se a canção e Annabelle esperou a próxima. Com as ondas
batendo na praia, o crepitar da fogueira, um céu repleto de estrelas e um homem tão tentador que
dava medo ao seu lado, a noite oferecia a clássica marca romântica. Não teria podido suportar uma
balada... Seria cruel demais. Para seu alivio, a música seguinte era mais dançante.
Dançou com Darnell e com Kevin, e Heath com suas mulheres. Depois de um tempo, os casais
voltaram a se reunir e continuaram assim o resto da noite. Finalmente, Kevin e Molly foram dar
uma olhada em seus filhos. Phoebe e Dan se afastaram dos demais, passeando pela praia. Os
outros continuaram dançando, tiraram as roupas de frio, secando o rosto, refrescando-se com uma
cerveja ou taça de vinho, enquanto se deixavam levar pela musica.

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Annabelle ficava com o cabelo grudado nas bochechas. Heath fez movimentos de John Travolta
que fizeram ambos rir. Beberam mais vinho, se juntaram, se separaram. Seus quadris se tocavam,
suas coxas roçavam, o sangue fluía atropelando suas veias. Krystal se colava o ventre em seu
marido como uma contorcionista adolescente. Darnell pegou sua mulher pelos quadris, olhou-a
nos olhos e o ar escrupuloso de Charmaine desvaneceu completamente.
As faíscas do fogo se projetavam no céu. OutKast atacou no som com seu Hey ya! Os seios de
Annabelle roçaram nos de Heath. Ela levantou seus olhos e viu uns profundos olhos verdes meio
fechados, e pensou que estar bêbada podia dar a uma mulher a desculpa perfeita para fazer algo
que normalmente não faria. Sempre podia dizer no dia seguinte: “Deus, estava quase apagada.
Lembre-me de nunca beber de novo.” Seria como ter um passe gratuito.

***

Em algum momento, entre Marc Anthony e James Brown, Heath começou a esquecer-se que
Annabelle era sua casamenteira. Enquanto caminhavam de volta à cabana, colocava a culpa na
noite, na musica, na cerveja demais e naqueles vermelhinhos bagunçados que dançavam em torno
da cabeça de Annabelle. Culpou aos pícaros lampejos ambarinos de seus olhos quando dançando
desafiava a segui-la. Culpou a curva subversiva de sua boca enquanto seus pequenos pés nus
chutavam areia ao ar. Mas acima de tudo colocou a culpa no seu regime de preparação para a
fidelidade conjugal, que agora ele percebia tinha sido rigorosa demais, ou de outro modo ele seria
capaz de se lembrar naquele momento que essa era Annabelle, sua casamenteira, uma espécie de
... colega...
Ela ficou em silencio quando se aproximaram da cabana escura. Heath tinha que admitir que não
era a primeira vez que seus pensamentos sobre ela foram de caráter sexual, mas aquilo tinha sido
a reação masculina normal diante de uma fêmea tão enigmática. Annabelle não tinha lugar na sua
vida como uma potencial companheira de cama, e ele tinha que se controlar. Ele abriu a porta para
ela e se deteve, dando lugar para ela passar. Durante toda a noite, seu riso tinha ressoado na sua
cabeça como uma campainha e quando roçou em seu ombro ao passar, uma inconveniente injeção
de sangue fluiu na zona da sua lombar. Ele cheirou fumaça de carvão misturado com um xampu
com ligeiro aroma floral e resistiu ao impulso de afundar sua cabeça em seu cabelo. Seu celular
continuava na mesinha onde o deixou antes do jantar para que não caísse na tentação de usa-lo.
Normalmente, teria ido diretamente verificar suas mensagens, mas essa noite ele não tinha
vontade. Annabelle, por outro lado, estava ocupada como uma abelha. Passou junto dele para
acender uma luz batendo torta na sombra no processo. Abriu uma janela, abanou-se, pegou a
bolsa que tinha deixado no sofá, colocou-a novamente no sofá.
Quando por fim olhou para ele, Heath fixou seu olhar na mancha úmida de seu top, onde tinha
derramado sua terceira taça de vinho. Ele, como o bastardo que era, enrijeceu de imediato.
—É melhor eu ir para a cama. — Annabelle mordeu seu lábio inferior.
Heath não podia afastar os olhos daqueles dentes pequenos e retos, cravados na carne vermelha.
—Ainda não. —escutou-se dizer. — Estou muito ligado. Quero alguém para conversar. — “Tocar em
alguém”
Annabelle leu seu pensamento e encarou a situação de frente.
—Você está sóbrio.
—Quase completamente.
—Ótimo, porque eu não.
Os olhos de Heath pousaram no botão úmido daquela boca. Seus lábios abriam como pétalas de
uma flor. Tentou pensar em algum comentário meloso, que a ofendesse com certeza, tirando
ambos do transe, mas não pensou em nada.
—E seu eu não estivesse quase sóbrio? — disse.

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—Você está. Quase. — Aqueles olhos de caramelo fundido não se afastaram de seu rosto. — Você
é uma pessoa com grande controle de si mesmo. Admiro isso em você.
—Porque um dos dois tem que se controlar, certo?
Tinha cruzado as mãos na cintura. Tinha um aspecto adorável... a roupa amarrotada, os tornozelos
cheios de areia, aquela bagunça de cabelo brilhante.
—Exato.
—Ou talvez não. — Para o inferno. Eram adultos. Sabiam o que faziam, e aproximou-se um passo
dela.
Ela levantou as mãos no ar.
—Estou tonta. Muito, muito tonta.
—Compreendido. —Aproximou-se mais.
— Estou totalmente louca. — Deu um passinho para trás, um pouco desajeitado. — Estou do
avesso.
—Ok. — Parou no seu lugar e esperou.
Ela deu um passo à frente aliviando a ponta de sua sandália.
—Não estou responsável!
—Entendido em alto e bom som.
—Qualquer homem, nesse momento, me pareceria agradável. — deu outro passo para ele. — Eu
me entregaria a Dan, ou Darnell, ou Ron. Não importaria quem fosse! Ia querer dormir com ele. —
A ponta do seu nariz se enrugou de indignação. — Inclusive Kevin! O marido da minha melhor
amiga, você imagina? Assim que estou bêbada, quero dizer, até... — tomou ar— Você! Pode
acreditar? Estou tão mal que não distinguiria um homem do outro.
—Saltaria no primeiro que aparecesse, verdade? — Oh, era muito fácil. Avançou a distancia que
ainda os separava.
Os músculos da garganta dela se tencionaram ao engolir a saliva.
—Tenho que ser sincera.
—Dormiria até comigo.
Annabelle encolheu seus estreitos ombros e depois deixou-os cair.
—Infelizmente, você é o único homem que há nessa cabana. Se houvesse alguém mais, eu...
—Já sei. Dormiria com ele. — Passou a ponta de seus dedos na curva da sua bochecha. Ela inclinou
a cabeça na sua mão. Ele passou o polegar pelo seu queixo. — Você vai se calar agora para que eu
possa te beijar?
Ela piscou e os longos e espessos cílios varreram seus olhos de duende.
—Fala sério? — perguntou.
—Ah, sim.
—Porque se é sério, eu te beijarei também, assim tem que se lembrar de que estou...
—Bêbada. Eu vou lembrar. — Deslizou os dedos dentro daquele cabelo que morria de vontade de
tocar há várias semanas. — Você não é responsável por seus atos.
Ela olhou para ele.
—É só para que você entenda.
—Eu entendo. — disse suavemente.
E então a beijou.
Ela arqueou contra ele, seu corpo flexível e os lábios quentes com esse toque picante tão seu. O
cabelo preso entre seus dedos como bichos de seda. Heath liberou uma mão e procurou seu seio.
Através da roupa, o peito endureceu contra a palma da sua mão. Annabelle rodeou seu pescoço
com os braços e apertou o quadril contra o seu. Suas línguas embarcaram num jogo erótico. Ele
sentiu um impulso animal, cego. Precisava de mais, e deslizou sua mão por baixo do top para sentir
sua pele.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Um gemido sufocado abriu a neblina que turvava sua mente. Ela se estremeceu e fez pressão
contra seu peito com a mão.
Ele recuou.
—Annabelle?
Ela levantou os olhos umedecidos para ele, inspirou pelo nariz e sua boca vermelha e suave adotou
uma expressão triste.
—Quem me dera se estivesse bêbada de verdade. — cantarolou.

13

Annabelle ouviu o suspiro de Heath. Esse beijo… Sabia de antemão que seu beijo seria
maravilhoso: dominante da melhor maneira possível, como amo e senhor, comandante chefe, líder
carismático. Não teria que se preocupar que ele fosse usar seu salto agulha, se ela se descuidasse.
Mas nada disso justificava sua própria estupidez.
—Acho... acho que tenho mais autocontrole do que pensava. — disse com voz vacilante.
—Bom, estou encantado que você tenha se dado conta justo agora.
—Não posso pôr tudo a perder por uns minutos de prazer.
—Uns minutos? — exclamou indignado. — Se você acha que isso é o máximo que aguento...
—Pare por ai. — Sentiu uma pontada de dor. A única coisa que queria fazer agora era se meter na
cama e enterrar a cabeça debaixo dos cobertores. Tinha arriscado seu negócio, sua vida, o respeito
consigo mesma. Tudo aquilo que lhe importava para ceder a um impulso momentâneo.
—Andando, Tinker Bell. — Pegou-a pelo braço e levou até a cozinha. — Vamos dar um passeio
para resfriar a cabeça.
—Não quero dar um passeio. — protestou ela.
—Perfeito. Vamos continuar o que estávamos fazendo.
Ainda que se livrasse dele, sabia que ele tinha razão. Sim, queria recuperar seu equilíbrio, não
podia esperar até o dia seguinte. Tinha que fazê-lo agora.
—Então vamos.
Ele pegou a lanterna pendurada perto da geladeira, e Annabelle o seguiu até o exterior. Foram
caminhar por uma vereda cheia de folhas de pinheiro. Nenhum dos dois pronunciou uma palavra,
nem sequer quando a vereda desembocou numa enseada iluminada pela lua onde uma rocha de
calcário rodeava a água. Heath apagou a lanterna e a deixou sobre uma solitária mesa de
piquenique. Afundou as mãos nos bolsos traseiros de seu short e aproximou-se da costa.
— Sei que você pretende fazer uma tempestade no copo de água, mas não faça.
—Que tempestade? Eu já me esqueci. — Guardava a distancia, vagando para a água, mas
mantendo-se a mais de três metros dele. O ar era cálido e trazia o cheiro de pântano, e as luzes da
cidade de Wind Lake piscavam a sua esquerda.
—Estávamos dançando. — disse ele — e nos excitamos. Qual o problema?
Ela afundou suas unhas na palma da mão.
—Pelo que diz respeito a mim, isso não aconteceu.
—Eu acho que já aconteceu sim. — Virou para ela, e o tom duro da sua voz disse que o Píton se
preparava para o ataque. — Sei como você pensa e isso não foi nenhum pecado enorme e
imperdoável.
A compostura de Annabelle se dissipou.
—Sou a sua casamenteira!
—Exato. Uma casamenteira. Não teve que prestar o juramento hipocrático para fazer seus cartões
de visita.

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—Você sabe exatamente o que quero dizer.


—Você não é comprometida e muito menos eu. O mundo não teria acabado se nos deixássemos
levar.
Não podia acreditar no que tinha ouvido.
—Meu mundo sim acabaria.
—Temia que você fosse dizer isso.
Seu tom ligeiramente exasperado acabou de tirá-la do sério e ela avançou para ele muito
impetuosa.
—Nunca deveria ter permitido que você viesse comigo esse fim de semana. Sabia desde o
principio que era uma péssima ideia.
—Foi uma excelente ideia, e ninguém saiu prejudicado. Somos dois adultos sãos, sem
compromisso e razoavelmente sensatos. Nós nos divertimos juntos e nem sequer tente negar isso.
—Sim, eu sou uma boa amiga, tudo bem.
—Acredite, nessa noite não estava pensando em você como uma amiga.
Isso a deixou completamente fora de prumo, mas logo se recuperou.
— Se tivesse outra mulher ao redor isso não teria acontecido.
— Não sei o que você está querendo dizer, mas desembucha de uma vez.
—Por favor, Heath. Não sou loira, não tenho pernas longas, nem meus peitos são generosos. Vim
na configuração padrão. Até meu ex-noivo nunca disse que eu era sexy.
—Seu ex-noivo pinta os lábios, assim que eu não levaria a opinião dele em consideração. Eu
prometo, Annabelle, você é muito sexy. Esse cabelo...
—Não mecha com meu cabelo. Eu nasci com ele, ok. É como zombar de alguém com defeito de
nascença.
Ouviu-lhe suspirar.
—Estamos falando de simples atração física provocada por um pouco de luz da lua, algumas
danças e álcool demais. — disse— Não é mais que isso, certo?
—Certo.
—Atração física primária.
—Eu suponho.
—Não sei você, — ele prosseguiu — mas fazia muito tempo que eu não me sentia tão bem.
—Tudo bem, reconheço que foi divertido. A dança. — Apresou-se em acrescentar.
— Foi incrível. E por isso nos deixamos levar um pouco. Só pelas circunstancias, não é?
Seu orgulho e respeito consigo mesma lhe diziam para assentir.
—Com certeza.
—Pelas circunstâncias... e um pouco de instinto animal. — O tom, um pouco mais rouco, da sua
voz começava a soar quase sedutor. — Nada com que se preocupar. Está de acordo comigo?
Estava deixando-a sem chão, mas confirmou com a cabeça.
Ele se aproximou mais e seu áspero sussurro pareceu raspar sua pele.
—É perfeitamente compreensível, não?
—Verdade. — Continuava concordando como se ele estivesse lhe hipnotizando.
—Tem certeza? — sussurrou.
Ela continuou assentindo com a cabeça, sem se lembrar qual era a pergunta exatamente.
Os olhos de Heath brilhavam a luz da lua.
—Por que só isso… pode explicar algo assim. Pura atração animal.
—Ahã! — Conseguiu dizer, começava a se sentir como uma boneca tonta, com um pompom no
lugar da cabeça.
—O que nos torna livres, — Tocou o seu queixo com apenas um toque. — para fazer exatamente
isso que nenhum dos dois consegue tirar da cabeça, verdade? — Inclinou para beijá-la.

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Silvava a brisa noturna, seu coração batia com força. Um instante antes que os lábios de Heath
tocassem os seus, ele piscou e ela acreditou ver preso naquelas íris verdes um levíssimo indício de
astúcia. Foi aí que ela explodiu.
—Você é uma víbora…! — Colocou as mãos no seu peito e empurrou-o.
Ele deu um passo para trás, toda a inocência ferida.
—Não mereço isso.
—Oh, meu Deus! Você estava usando o manual do vendedor. Inclino-me ante meu senhor.
—Você bebeu demais.
—O grande vendedor faz as perguntas certas para que sua vítima sempre responda sim, a faz
concordar até que a grande idiota pense que a ideia saiu de sua cabeça. E depois dá seu ataque
fatal. Acaba de tentar fazer de mim uma compra e venda!
—Você sempre foi tão desconfiada?
—Isto é tão a sua cara. — Caminhou decididamente para a vereda, mas imediatamente virou para
trás, por que ainda tinha muito para dizer. — Você quer algo que sabe que é absolutamente
vergonhoso, e tenta me vender a ideia com uma combinação de perguntas capciosas e sinceridade
fingida. Acabo de ver o Píton em ação, não é verdade?
Ele sabia que o tinha pego, mas nunca era partidário de reconhecer uma derrota.
—Minha sinceridade jamais é fingida. Estava enunciando os fatos. Duas pessoas sem
compromisso, uma quente noite de verão, um beijo apaixonado... Somos humanos, no final das
contas.
—Pelo menos um de nós. O outro é um réptil.
—Isso foi cruel, Annabelle. Muito cruel.
Ela voltou a se aproximar dele.
—Deixe que eu te faça uma pergunta, de empresário para empresário. — Colocou o indicador no
seu peito. —Você já se envolveu alguma vez com um de seus clientes? Isso é uma conduta
profissional admirável, segundo as normas?
—Meus clientes são homens.
—Não fuja do assunto, e se eu fosse uma grande patinadora, uma campeã mundial em vias dos
jogos olímpicos? Digamos que sou a favorita para o ouro, e acabo de assinar com você há uma
semana para que seja meu agente. Você dormiria comigo ou não?
—Só faz uma semana que assinamos? Parece um pouco...
—Tudo bem, pulamos as Olimpíadas então. — disse tentando usar uma paciência exagerada. —
Ganhei a maldita medalha. Tive que me conformar com o prata, porque deslizei no meu triplo
Axel, mas ninguém se importa com isso, porque tenho carisma e querem me pôr mesmo assim nas
caixas de cereais. Você e eu temos um contrato. Você dormiria comigo?
—São laranjas e maçãs. No caso que descreve, estaria em jogo milhões de dólares.
Ela emitiu o som estridente de um alarme elétrico.
—Resposta incorreta.
—Resposta correta.
—Por que seu meganegocio é incomparavelmente mais importante que minha ridícula agência de
relacionamentos? Bom, pode ser para você, senhor Píton, mas não para mim.
—Entendo a importância que tem para você sua empresa.
—Você não tem nem ideia. — Jogar a culpa nele fazia-a se sentir bem melhor do que assumir a
parte que lhe correspondia, foi dando pisadas até a mesa de piquenique para pegar a lanterna. —
Você é igualzinho aos meus irmãos. Pior ainda. Não pode suportar que alguém diga “não”. —
Colocou a lanterna na direção dele. —Então me escute bem, senhor Champion, não sou alguém
com que você pode passar uma noite enquanto espera que te apresentem sua futura e espetacular
esposa. Não serei seu passatempo sexual.

106
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Você está insultando a si mesma. — ele disse com muita calma. — Pode ser que nem sempre me
entusiasme com a forma que leva seu negócio, mas você me inspira o máximo de respeito como
pessoa.
—Fantástico. Observe como eu ajo então.
Virou sua sandália e saiu dando passos largos.
Heath ficou olhando até que ela desapareceu entre as arvores. Quando já não a via, pegou uma
pedra do chão, jogou sobre a água escura e sorriu. Tinha mais razão que um santo. Ele era uma
víbora. E estava envergonhado.
Bom, talvez não naquele momento precisamente, mas estaria no dia seguinte, com certeza. Sua
única desculpa era que ele gostava dela malditamente demais, e não se lembrava da última vez
que tinha feito algo por pura diversão.
Ainda sim, tentar pegar uma amiga era coisa de canalha. Mesmo que fosse uma amiga sexy, por
mais que Annabelle parecesse não ter conhecimento disso, o que fazia mais tentador ainda o
efeito daqueles olhos travessos e o redemoinho daquele cabelo assombroso. Com isso tudo, se
tivesse que colocar a perder sua preparação para a fidelidade conjugal, deveria ser com uma das
mulheres de Waterworks, não com Annabelle, porque ela tinha razão: Como ia dormir com ele e
apresentar-lhe outras mulheres depois? Não podiam, ambos sabiam, e já que ele nunca perdia seu
tempo defendendo uma postura indefensível, não podia imaginar porque tinha feito isso esta
noite. Ou talvez ele pudesse.
Porque queria sua casamenteira nua... O que, decididamente, não estava no plano que tinha
traçado desde o principio.

***

Heath dormiu aquela noite no alpendre, e na manhã seguinte acordou com o ruído da porta
principal fechando. Ele virou e olhou seu relógio com os olhos semiabertos. Faltavam uns minutos
para as oito, o que significava que Annabelle ia se reunir com o clube para o café da manhã.
Levantou-se do colchão que tinha levado para fora no que foi a melhor noite que tinha dormido
por muitas semanas, mil vezes melhor do que dar voltas na cama em sua casa deserta.
Os homens programaram jogar golfe. Enquanto tomava banho e se vestia, lembrou que cuidaria
mais dos modos que tinha custado tanto para adquirir. Annabelle era sua amiga, e ele não fodia
seus amigos, nem no sentido figurado, nem no literal.
Foi até o circuito público no carro com Kevin, mas acabou dividindo o carro dos tacos com Dan
Calebow. Dan encontrava-se em ótima forma apesar de ter passado dos quarenta.
Além de umas poucas rugas, não mudou muito desde seus dias de jogador, nos que seus olhos de
ferro, sua determinação e sangue frio no campo o deram o nome de Ice, o homem de gelo. Dan e
Heath sempre se deram bem, mas toda vez que Heath mencionava Phoebe, como fez essa manhã,
Dan lhe respondia mais ou menos o mesmo.
—Quando duas pessoas cabeças duras se casam, aprendem a escolher suas batalhas. — Dan falou
baixinho para não distrair Darnell, que estava preparando sua tacada do tee. — Isso é tudo com
você, colega.
Darnell foi colocar a bola no rough da esquerda e a conversa voltou a se concentrar no golfe, mas
mais adiante, enquanto dirigiam para a rua abaixo, Heath perguntou a Dan se ele sentia falta de
seu trabalho de treinador chefe, que abandonou para assumir a presidência.
—Às vezes. — Enquanto consultava o cartão de pontos, Heath reparou em uma tatuagem dessas
de chiclete que ele tinha ao lado do pescoço. Um bebê unicórnio azul. Coisa da Vicky Tucker, com
certeza. — Mas meu prêmio de consolação é ainda melhor, — prosseguia Dan— vejo meus filhos
crescerem.
—Muitos treinadores têm filhos.

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—Sim, e suas mulheres criam eles. Ser presidente dos Stars dá muito trabalho, mas não tanto que
não possa leva-los ao colégio pelas manhãs e jantar em casa quase todas as noites.
Naquele momento, Heath não podia enxergar a emoção dessas coisas, mas teve fé que chegaria
um dia em que veria.
Acabou a ronda com apenas três tacadas a mais que Kevin, o que não era nada mal levando em
conta que seu handicap era de doze. Montaram nos carros e foram os seis para a sala privada do
clube para almoçar. Era um espaço sujo, com mesas baratas empoeiradas e uns hambúrgueres com
queijo, que segundo Kevin afirmava, eram os melhores do condado. Depois de algumas mordidas,
Heath teve que concordar.
Estavam tão bem revendo a ronda quando, sem se dar conta, Darnell estragou o momento.
—Já é hora de falarmos de nosso livro. — disse. — Todo mundo leu, como deveria?
Heath assentiu como todos os demais. Na semana anterior, Annabelle tinha deixado uma
mensagem com o titulo do romance que supostamente os homens tinham que ler, a historia de
um grupo de alpinistas. Heath já não lia mais por prazer, e adorou ter uma desculpa para fazê-lo.
Quando era criança, a biblioteca publica se tornou seu refugio, mas ao entrar no colegial já tinha
ficado enrolado entre dois empregos, jogar futebol e estudar para tirar as notas que o fariam
deixar para sempre o camping de trailers de Beau Vista. A leitura por prazer tinha se perdido pelo
caminho, junto como muitos outros prazeres simples.
Darnell apoiou um braço na mesa.
—Alguém quer fazer o primeiro lance?
Produziu-se um longo silencio.
—Eu gostei. — disse Dan, por fim.
—Eu também. — contribuiu Kevin.
Webster levantou a mão para pedir outra Coca-Cola.
—Achei bastante interessante.
Entreolharam-se.
—A trama era boa. — sentenciou Ron.
Entraram num silencio ainda mais longo.
Kevin se dobrou como um acordeão o porta palitos. Ron brincava com o saleiro. Webster olhava a
todas as direções perguntando por sua Coca. Darnell voltou a tentar:
—O que vocês acham da reação dos caras a primeira noite que passam na montanha?
—Bastante interessante.
—Sim, não é mal.
Darnell levava isso da literatura muito a sério, e em seus olhos começavam a formar nuvens que
anunciavam uma tormenta. Dirigiu-se a Heath com um olhar ameaçador.
—Tem alguma coisa a dizer?
Heath deixou o hambúrguer na mesa.
—Combinar aventura, ironia e um sentimentalismo descarado, e fazer que o conjunto tenha
sucesso, é mais difícil do que parece, acima de tudo num romance com um conceito central tão
forte. Podemos nos perguntar: Onde está o conflito? É a luta do homem contra a natureza, do
homem contra o homem, do homem contra si? Uma exploração bem complexa da moderna
sensação de desapego. Substancia sombria com pinceladas de humor. Em minha opinião,
funcionou.
Aquilo fez com que todos dessem gargalhadas. Até mesmo Darnell.
Por fim, se acalmaram. Trouxeram a Coca de Webster, Dan mordeu um pedaço cheio de ketchup, e
a conversa voltou ao tema que todos queriam, exceto Darnell. O futebol.

***

108
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Depois de comer, o clube de leitura foi dar um passeio pelo acampamento e continuar a discutir as
biografias das mulheres famosas que tinham lido. Annabelle tinha devorado, sendo os livros sobre
as vidas de Katharine Graham e Mary Kay Ash. Phoebe tinha se concentrado em Eleanor Roosevelt,
Charmaine em Josephine Baker e Krystal em Coco Chanel. Janine tinha lido diversas biografias de
sobreviventes do câncer, e Sharon explorou a vida de Frida Kahlo. Molly, como não era de se
estranhar, tinha elegido Beatrix Potter. Nas suas conversas, relacionavam as vidas daquelas
mulheres com as suas próprias, buscavam temas comuns e examinavam a capacidade de
sobrevivência de cada uma.
Depois do passeio, voltaram à sala de jantar privada de Kevin e Molly. Janine começou a dispersar
um surtido de revistas velhas, catálogos e reproduções artísticas.
—Isto é algo que fizemos no meu grupo de apoio a paciente com câncer. — disse — Acabou sendo
muito revelador. Vamos recortar palavras e imagens que nos atraiam e juntá-las cada uma em uma
colagem. Quando tenhamos terminado, as comentaremos.
Annabelle podia reconhecer uma mina terrestre se colocassem diante dela, e foi a mais cautelosa
com o que escolhia.
Desgraçadamente, não foi o bastante.
—Esse homem se parece bastante com Heath. — Molly indicou um forte modelo com uma camisa
da Van Heusen que Annabelle tinha colado no canto superior à esquerda do seu cartaz.
—Não é verdade. — disse protestando Annabelle. — Representa uma classe de clientes homens
aos que quero que o Perfeita para Você atraia.
—O que diz desses moveis para quarto? — Charmaine indicou uma cama estilo imperial da Crate &
Barrel — E a menina e o cachorro?
—Está no outro extremo do papel. Vida profissional. Vida pessoal. Totalmente separadas.
Por sorte, justamente nesse momento, trouxeram a bandeja de sobremesas, assim que pararam de
interrogá-la, mas nem com uma porção de torta de limão pode deixar de se flagelar pela noite
anterior. Era estúpida de nascença ou era uma habilidade que tinha desenvolvido com esforço? E
ainda tinha toda uma longa noite adiante...

***

—Tuincipe!
Heath sobressaltou-se ao ver vir correndo para ele o pequeno demônio da lagoa azul em miniatura
com seu maiô de bolinhas, suas botas de chuva vermelhas e um boné de beisebol que caia até
debaixo de suas orelhas deixando aparecer só às pontinhas de seus cachos loiros. Pegou o jornal
guardado debaixo da cadeira de praia e fingiu que estava lendo.
Os homens tinham jogado várias partidas de vinte e um depois do almoço, e depois Heath voltou
para a cabana para fazer algumas ligações. Mais tarde colocou a roupa de banho e foi à praia,
onde supostamente tinham ficado de se reunir com as mulheres para nadar um pouco antes de
irem todos juntos jantar na cidade. Apesar do tempo que passou ao telefone, começava a ter a
sensação de estar realmente de férias.
—Tuincipe?
Aproximou ainda mais o jornal da cara, na esperança de que Vicky fosse embora se a ignorasse. Ela
era imprevisível, e isso o fazia sentir-se incomodo. Quem saberia o que ela poderia fazer em
seguida? A sua esquerda, a certa distancia, Webster e Kevin jogavam frisbee com algumas crianças
do camping. Darnell estava deitado numa toalha de praia do Mickey, absorto na leitura de um livro.
Heath sentiu no seu braço os golpinhos de dedos pequenos e cheios de areia. Mudou a página do
jornal.
—Tuincipe?
Ele tirou os olhos do jornal.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não tem nenhum tuincipe por aqui.


Ela puxou a sunga de sua perna e repetiu pela quarta vez, só que dessa vez soou algo como
puincipe, e foi então que ele entendeu. “Príncipe”. Ela estava lhe chamando de príncipe. O que era
mais carinhoso que “idiota”, com certeza.
Olhou-a de esgueira atrás do jornal.
—Não trouxe meu celular.
Ela sorriu de orelha a orelha e deu umas palminhas na sua barriguinha redonda.
—Tenho um bebê.
Deixou o jornal e procurou desesperadamente seu pai com o olhar, mas Kevin estava ensinando
um menino muito magro com um corte de cabelo lamentável como lançar o frisbee mais longe.
—Ola, Vic.
Virou como um relâmpago ao som daquela familiar voz feminina e viu a cavalaria caminhando para
ele na forma de sua pequena e sexy casamenteira, deliciosamente vestida com um biquini branco
de modesto corte. Um coração de plástico com as cores do arco-íris uniam as taças da parte
superior prendendo o tecido, e um segundo coração, este maior e impresso diretamente sobre o
tecido, adornava seu quadril. Ele não podia apreciar nela nenhum contorno acentuado ou ângulo
agudo em nenhum lado. Ela era feita de curvas amáveis e contornos suaves: ombros estreitos,
cintura fina, quadris redondos e umas coxas que ela com certeza, sendo mulher, achava que eram
gordas, mas ele, sendo homem, estava louco para colocar o focinho entre elas.
—Belle! — gritou Vicky.
Heath engoliu saliva.
—Nunca na minha vida me alegrei tanto em ver alguém. —disse.
—E por que isso? — Annabelle parou diante de sua cadeira, mas se negou a olha-lo diretamente.
Ela não tinha esquecido da noite anterior, o que para ele era bom. Não queria que esquecesse,
para que ficasse claro que ele era uma víbora, tal como ela tinha dito, mas não impossível de
corrigir. Por mais que tivesse se divertido, e ele tinha se divertido, não haveria repetições. Ele era
ruim, mas não tão ruim assim.
—Advinha o que? — Vicky começou a mexer na barriga outra fez. — Tenho um bebê na barriga.
Annabelle pareceu muito interessada.
—É mesmo? Como se chama?
—Papai.
Heath fez um careta de desgosto.
—Você vê? Por isso. — disse.
Annabelle riu. Vicky esparramou na areia e tirou uma lasca do esmalte azul da lua do seu dedo
gordo.
—O puincipe não tem o telefone.
Annabelle se sentou na areia junto a ela, com uma cara de perplexidade.
—Eu não entendo.
Vicky deu umas palmadinhas na panturrilha de Heath com sua mão cheia de areia.
—O puincipe. Não tem telefone.
—A parte do telefone eu entendi, mas, o que mais está dizendo?
Heath chiou entre os dentes.
—O príncipe. Esse sou eu.
Annabelle sorriu e estreitou entre seus braços a pequena bagunceira, que lançou um monólogo
sobre como Dafne, a coelhinha, costumava brincar com ela no seu quarto, mas já não ia porque
Vicky tinha ficado muito grande. Annabelle virou a cabeça para escutar, e ao fazê-lo, roçou com seu
cabelo na coxa de Heath, que quase levantou com um pulo da cadeira.

110
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Vicky foi correndo, finalmente, juntar-se ao seu pai e pedir que a acompanhassem na água. Ele
aceitou, ainda que tivessem uma pequena disputa sobre as botas que acabou se resolvendo a seu
favor.
—Amo essa menina. — A expressão de Annabelle tinha uma ponta de saudade. — Ela tem muito
caráter.
—O que lhe causará muitos problemas quando for presa.
—Você quer fazer o favor de parar?
Seu cabelo voltou a tocar a coxa dele. Ele mal podia lidar com o estimulo, então ficou de pé.
—Vou nadar. Quer me acompanhar?
Ela deu um olhar saudoso para o lago.
—Acho que fico por aqui.
—Vamos, não seja covarde. — Agarrou-a pelo braço e fez com que se levantasse. — Ou você tem
medo de molhar o cabelo?
Rápida como um relâmpago, ela o empurrou e correu para a água.
—O último a chegar a balsa é um idiota obsessivo compulsivo. — Jogou-se de cabeça e começou a
nadar.
Heath seguiu-a imediatamente. Ainda que fosse uma boa nadadora, ele ganhava em resistência.
Mesmo assim, diminuiu o ritmo quando estava a ponto de chegar para que ela ganhasse.
Assim que tocou na escada, Annabelle o premiou com um sorriso desses seus que pareciam encher
todo seu rosto.
—Você perdeu, mariquinhas.
Isso passava dos limites e Heath deu nela um caldo.
Estiveram assim um tempo, brincando, subindo na balsa, mergulhando e atacando um ao outro. O
fato de ter crescido com dois irmãos mais velhos tinha ensinado alguns truques sujos a Annabelle,
e sua expressão de jubilo cada vez que conseguia pegá-lo era impagável. Mais uma vez, ela tentou
fazer com que ele dissesse o que o D do seu nome significava. Ele se negou a dizer, e ela encheu a
cara dele de água. Tantas brincadeiras deram a Heath uma boa desculpa para por suas mãos sobre
ela, mas finalmente, depois de um tempo ela se soltou.
—Acho que foi o suficiente. Voltarei à cabana para descansar um pouco antes do jantar.
—Eu entendo. Já não é tão jovem como costumava ser.
Mas ela não mordeu a isca e se foi, nadando. Ele a observou indo em direção à praia. A parte
inferior do biquini tinha enrolado, revelando as nádegas redondas peroladas na água. Jogou as
mãos para trás e com os dedos ajustou o biquini em seu lugar. Heath deu um gemido e mergulhou,
mas a água não estava fria o bastante e levou um tempo para se recuperar.
Quando voltou a praia, ficou um tempo de papo com Charmaine e Darnell, mas sem deixar de
notar a presença de Phoebe, que estava deitada a uns poucos passos. Usava um chapéu de palha
grande, um maio negro de corte baixo, uma canga com estampas tropicais enrolada na cintura e
um rótulo invisível que dizia NÃO PERTUBE. Heath decidiu que tinha chegado o momento de tomar
a iniciativa. Desculpou-se com os Pruitt e se aproximou dela.
—Se importa que eu me sente aqui na areia para conversamos uns minutos? — disse.
Suas pálpebras caíram atrás de seus óculos de sol de lente rosa.
—E meu dia estava indo tão bem até agora.
—Tudo que é bom chega ao fim. — Ao invés de ocupar o lugar vazio ao lado dela, concedeu-lhe a
vantagem de estar superior e se sentou numa toalha abandonada na areia. — Tem algo que venho
me perguntando desde a festa das meninas.
—Ah, sim?
—Como é possível que uma vampira como você tenha uma menina tão doce como Hannah?
Ela por sua vez, começou a rir.
—São os genes de Dan.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Você ouviu Hannah conversando com as meninas sobre os balões?


Finalmente, dignou-se a dirigi-lhe o olhar.
—Acho que perdi essa conversa.
—Disse-lhes que se estourassem seus balões podiam chorar se quisessem, mas a única coisa que
queria dizer era que um mal-humorado o tinha furado com alfinete. De onde será que tira essas
histórias?
Ela sorriu.
—Hannah tem muita imaginação.
—Com certeza. É uma menina muito especial.
Até mesmo os magnatas mais ferozes se enterneciam quando se tratava de seus filhos, e o gelo se
quebrou um pouquinho mais.
—A gente se preocupa mais com ela que com o resto. É tão sensível...
—Levando em consideração quem são seus pais, suspeito que ela é mais dura do que pensa. —
Deveria estar envergonhado por usar esse tema para quebrar a barreira, mas Hannah era
realmente uma menina fantástica, e não se sentia tão mal por isso.
—Não sei. A verdade é que sente as coisas muito profundamente.
—O que você chama de sensibilidade, eu chamo de inteligência emocional. Quando tenha
formado no nono ano, me mande ela e eu lhe darei um emprego. Preciso de alguém que me
ponha em contato com meu lado feminino.
Phoebe começou a rir, com um sorriso fraco.
—Vou pensar no assunto. Pode ser útil ter uma espiã no campo inimigo.
—Por favor, Phoebe. Eu era um garotinho tentando provar para o mundo que era duro. Fiz uma
cagada, e nós dois sabemos disso. Mas não voltei a vacilar desde então.
A expressão de Phoebe escureceu.
—Agora o faz com Annabelle.
Assim, num segundo, sua frágil camaradagem evaporou. Heath falou com cautela.
—É isso que pensa que estou fazendo?
—Está a usando para chegar até mim, e não gosto disso.
—Não é fácil usar Annabelle. Ela é bastante esperta.
Phoebe deu-lhe um olhar que queria dizer “não me venha com bobagens”.
—Ela é especial, Heath e é minha amiga. Perfeita para Você é tudo para ela. E você está confundido
as coisas.
Uma afirmação bastante precisa, mesmo assim, Heath sentiu que um nó de raiva se formava em
seu peito.
—Você não dá a ela a confiança que ela merece.
—É ela que não confia em si mesmo o bastante. Isso é o que a faz vulnerável. Na família dela estão
convencidos que ela é uma fracassada porque não tem depósitos de seis dígitos. Precisa se
concentrar em fazer com que seu negócio funcione, e tenho a sensação de que você se
transformou deliberadamente numa distração muito negativa.
Ele esqueceu que tinha como norma não ficar nunca na defensiva.
—Ao que você se refere exatamente?
—Vi como você a olhava na noite passada.
A insinuação de que pudesse magoar deliberadamente Annabelle foi como um tiro. Não era seu
pai. Não usava as mulheres, acima de tudo não usaria uma mulher especial que gostasse. Mas
estava falando com Phoebe Calebow, e não podia se dar ao luxo de perder as estribeiras, assim que
recorreu a sua inesgotável reserva de autodomínio... e a encontrou esgotada.
—Annabelle é minha amiga e não tenho o costume de machucar meus amigos. — Ficou de pé. —
Claro que você não me conhece o bastante para saber disso. Verdade?

112
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Ao se afastar, chamava-se a si mesmo de todos nomes feios possíveis. Ele nunca perdia o controle.
Nunca jamais perdeu a merda do controle. E, entretanto, tinha acabado basicamente de mandar
para o inferno Phoebe Calebow. E por quê? Porque o que tinha dito se parecia demais com a
verdade para que doesse. O fato era que ele cometeu uma falha e que Phoebe tinha levantado a
bandeira para mostrá-la.

***

Annabelle esperava Heath no alpendre da entrada do Bed & Breakfast junto com Janine, quem
tinha convidado para acompanha-los no carro para ir ao jantar na cidade. Ficou no seu quarto na
cabana até ouviu Heath entrar. Assim que ouviu a água do chuveiro ligar, escreveu rapidamente
uma nota, deixando-a na mesa e escapou. Quanto menos tempo ficasse sozinha com ele, melhor.
—Alguma pista sobre a misteriosa surpresa de Krystal? — Janine alisou o feicho do seu colar de
prata enquanto esperavam sentadas na cadeira de balanço.
—Não, mas espero que engorde. — A verdade é que para Annabelle pouco importava qual era a
surpresa, contanto que a mantivesse longe de Heath depois do jantar.
Por fim chegou o carro, e Annabelle insistiu que Janine sentasse na frente com ele. No caminho
para cidade, Heath se interessou pelos seus livros. Não tinha lido nunca uma linha escrita por ela,
mas quando chegaram à pousada já a tinha convencido que ela tinha o necessário para se
transforma na próxima J. K. Rowling. O estranho era que dava a impressão de acreditar nisso. O
Píton sabia como motivar as pessoas, nisso não havia duvidas.
A decoração rústica, em madeira, da Pousada de Wind Lake acompanhava perfeitamente um
variado cardápio de carne, peixe e caça. A conversa esteve animada, e Annabelle reduziu a
ingestão de álcool a uma única taça de vinho.
Enquanto comiam as entradas, Phoebe perguntou aos homens como tinha sido o debate do livro.
Darnell abriu a boca para responder e seus dentes faiscaram, mas Ron se adiantou.
—Foram tantas coisas que nem sei por onde começar. Dan?
—Foi muito intenso, desde logo. — disse o diretor geral dos Stars.
Kevin adotou uma atitude reflexiva.
—Compartilhamos muitas impressões.
—Intenso? — Darnell franziu a testa. — Foi...
—Seguramente, Heath poderia resumir melhor que qualquer um de nós. — sugeriu Webster.
Os demais assentiram com solenidade e voltaram seus olhares para Heath, que deixou o garfo.
—Duvido que fosse capaz de fazer justiça. Quem diria que pudéssemos ter tantas opiniões
diferentes sobre o niilismo pós-moderno?
Molly olhou para Phoebe.
—Não falaram nada sobre o livro.
—Falei que não fariam. — respondeu sua irmã.
Charmaine estirou o braço para colocar nas costas de seu marido.
—Sinto muito, amor. Sabe que tentei convencer as garotas que te deixassem se juntar a nosso
grupo, mas dizem que perderíamos nossa dinâmica.
—Além de nos intimidar para lermos Cem anos de Solidão. — acrescentou Janine.
—É um livro fantástico! — exclamou Darnell. — Aqui ninguém está disposto a fazer um desafio
intelectual.
Kevin já tinha ouvido algumas vezes Darnell dar sermões sobre seus gostos literários, e interveio
rapidamente para mudar o tema.
—Todos sabemos que tem razão e estamos envergonhados, não é mesmo caras?
—Eu sim.
—E eu.

113
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não consigo nem me olhar no espelho.


Kevin recorreu a Annabelle como a próxima distração para evitar que Darnell se exaltasse.
— E isso que ouvi sobre você saindo com Dean Robillard?
Todos que estavam na mesa deixaram de comer. Heath abaixou a faca. As mulheres viraram a
cabeça. Molly cravou a vista nos olhos verdes, não tão inocentes, do seu marido.
—Annabelle não está saindo com Dean Robillard. Ela teria nos contado.
Kevin Tucker, o quarterback mais astuto da Liga Nacional de Futebol, coçou a cabeça como se fosse
um idiota.
—Estou confuso. Falei com Dean na sexta e ele comentou que os dois saíram na semana passada e
que ele se divertiu muito.
—Bom, fomos à Praia…
—Você foi à Praia com Dean Robillard e não passou pela sua cabeça mencionar isso para gente? —
exclamou Krystal horrorizada.
Houve um murmúrio de agitação entre as mulheres. Kevin estava mal intencionado e não esperou
que se acalmassem.
—E então, Dean tem a intenção de sair com você de novo?
—Não, claro que não. Quero dizer… Sim? Por quê? Disse alguma coisa?
—Não sei, foi a impressão que eu tive. Talvez tenha entendido mal.
—Estou certa que sim.
Heath permanecia impassível, algo que chamou a atenção de Phoebe.
—Sua pequena casamenteira está espevitada, pelo que vejo.
—Eu me alegro. — disse Sharon— Já era hora de que saísse de sua concha.
Heath olhou a Annabelle receosamente.
—Você estava numa concha?
—Mais ou menos.
Charmaine olhou desde o lado oposto da mesa.
—Estamos autorizados a falar sobre seu noivado infeliz?
Annabelle suspirou.
—Porque não? Parece que estamos examinando todos os aspectos da minha vida.
—Eu fiquei chocado. — disse Kevin. —Joguei golfe com Rob um par de vezes. Ele tinha um swing
horroroso, mas ainda assim...
Molly colocou a mão sobre a dele.
—Já se passaram dois anos, mas Kevin ainda custa a aceitar.
Kevin sacudiu a cabeça.
—Tenho a sensação que deveria convidá-lo... convida-la... para jogar alguma vez, só para mostrar
que tenho a mente aberta, coisa que tenho, em circunstancias normais, mas gosto da Annabelle, e
Rob sabia desde o começo que tinha um problema. Nunca devia ter pedido que se casasse com
ele.
—Lembro do swing de Rob. — disse Webster.
—Sim, eu também lembro. — Dan sacudiu a cabeça com desgosto.
Está pensando no mesmo que eu?
—Sim.
—Eu também. — disse Webster.
Ron assentiu. Da mesma forma que o resto. Heath sorriu e todos voltaram a se concentrar em seus
pratos.
—O que? — exclamou Molly.
Kevin sacudiu a cabeça.
—Que não existe no mundo operação de mudança de sexo que possa consertar esse swing.

114
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

***

As mulheres deixaram os homens na pousada e voltaram para o Bed & Breakfast. Já lá, Krystal
trancou-as num acolhedor salão da parte de trás, fechou as cortinas e abaixou as luzes.
—Essa mesma noite, —anunciou— vamos celebrar nossa sexualidade.
—Já li esse livro. —disse Molly — E se alguém começar a ficar nua e buscar um espelho, saio
correndo.
—Não vamos celebrar dessa maneira. — disse Krystal. — Todas temos um problema que temos
que enfrentar. Por exemplo... Charmaine é muito séria.
—Eu?
—Você ficou nua no closet durante os dois primeiros anos de casamento.
—Isso já faz muito tempo, eu já não tiro minha roupa lá.
—Só porque Darnell ameaçou arrancar a porta. Mas não é a única com complexos sexuais.
Annabelle não fala muito do assunto, mas todas sabemos que ela não dorme com ninguém desde
que Rob a deixou traumatizada. A menos que na noite...
Todas voltaram seus olhares para ela.
—Sou a sua casamenteira! Não há sexo entre nós!
—O que é uma coisa boa. — disse Molly— Mas Dean Robillard é outra conversa, bem diferente.
Falemos sobre o último brinquedinho da moda.
—Não vamos desviar do tema. — disse Krystal. — Três de nós estamos casadas há muito tempo, e
por mais que amemos nossos maridos, podemos cair na rotina.
—Ou não. — disse provocativamente Phoebe, com um sorriso felino.
Houve um coro de risinhos, mas Krystal não ia se deixar distrair.
—Molly e Kevin têm filhos pequenos, e já sabemos o muito que isso pode afetar a vida sexual.
—Ou não. —Molly deu seu próprio risinho felino.
—A questão é... já é hora de que entremos mais em contato com nossa sexualidade.
—Eu tenho contato com a minha. — disse Janine. — A única coisa é que queria tocar a de alguém
mais também.
Mais risinhos.
—Adiante, façam brincadeiras. — disse Krystal. — Vamos ver esse filme do mesmo jeito. Fará-nos
mulheres melhores.
Charmaine ficou em alerta máximo.
—Que tipo de filme?
—Um filme erótico feito especificamente para mulheres.
—Está de brincadeira. Não, Krystal, fala sério.
—O que selecionei, um dos meus favoritos, tem atores de diversas raças, idades e graus de
sexualidade, para que ninguém fique excluída.
—Esse é seu grande mistério? — disse Phoebe. —Vamos ver pornô juntas?
—Erótico. Feito para mulheres. E até que tenha visto um desses filmes, não deveria julgá-los.
Annabelle suspeitava que várias delas já tivessem visto, mas nenhuma queria acabar com o
entusiasmo de Krystal.
—O que mais gosto deste filme em particular é isso, — disse Krystal — os homens são lindos, mas
as mulheres são normais. Nenhuma delas tem silicone.
—Isso o diferencia do pornô para homem, certamente — disse Sharon— Pelo menos, pelo o que
eu tenho entendido.
Krystal começou a mexer no DVD.
—Além disso tem roteiro e tem muitas preliminares. Um monte. Beijam-se, tiram a roupa devagar,
acariciam-se muito...
Janine afundou a cara nas mãos.

115
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Isso é patético. Já estou entrando no cio.


—Mas eu não, — disse Charmaine aborrecida. —Sou cristã e me nego a...
—Se supõe que um bom cristão... uma boa cristã... deve comprazer seu marido. — Krystal sorriu e
pegou o controle remoto. — E acredite, isto deixará Darnell louco de felicidade.

14

Quando Annabelle voltou para a cabana, pouco depois da meia noite, ainda estava com as
bochechas vermelhas por causa do filme, e o vestido de verão colado a suas carnes quentes,
umedecidas... muito umedecidas. Ver que na janela brilhava a luz a deixou consternada. Podia ser
que ele tivesse deixado acessa por um detalhe cortês. “Que não esteja me esperando acordado,
por favor.” Era absolutamente incapaz de enfrentá-lo essa noite. Mesmo sem ter visto um filme
erótico, já era um custo não colocar as mão em cima dele, mas depois do que acabava de ver...
Subiu no alpendre na ponta dos pés, tirou a sandália e entrou o mais silenciosamente que pôde
com a porta rangendo e uma maçaneta frouxa.
—Olá.—Deu um suspiro e deixou cair à sandália.
—Não me dê um susto!
—Perdão. — Estava deitado no sofá, com um monte de papeis na mão. Estava sem camisa, só com
um short esportivo preto, descolorado. Tinha os pés descalços e os tornozelos cruzados sobre o
braço do sofá, e a luz da lâmpada do chão deixava os pelos de sua panturrilha dourados. Ela olhou
outra vez o short esportivo. Depois do que tinha visto na TV, tinha vontade de abrir uma denuncia
por excesso criminal de roupa.
Enquanto se esforça para recuperar o fôlego, ele levantou a cabeça e os ombros, o que,
evidentemente, fez com que contraísse sua abdominal desenhando o padrão ouro de 6 gomos.
—Por que sua cara está vermelha? — perguntou Heath.
—Eu m-me queimei no sol. — Era consciente da vulnerabilidade desse momento, e de que deveria
ter mergulhado no lago para se esfriar antes de voltar ali.
—Isso não é sol. — Colocou agilmente os pés no chão, e ela percebeu que seu cabelo estava
úmido. — O que há de errado com você?
—Nada! —Começou a recuar timidamente. Não tinha a menor intenção de dar as costas para ele,
ainda que isso a obrigasse a dar uma volta considerável. — Você tomou outro banho.
—Então?
—Você tomou um banho depois de nadar. Você é o que, uma espécie de maníaco por higiene?
—Fui correr com Ron depois do jantar. Por que você se importa?
Oh, Deus, esse peito, essa boca... Esses olhos verdes que o faziam ver tudo. Exceto ela nua. Isso
não tinha visto nunca.
—Vou para a cama agora.
—É por alguma coisa que eu disse?
—Não seja legal. Por favor.
—Vou fazer o meu melhor. — Deu um sorriso torto. — Mas sendo como sou...
—Pare! —Não queria parar, mas seus pés pareciam estar em greve.
—Precisa de um copo de leite quente, ou algo assim?
—Não, decididamente não preciso de nada quente.
—Eu disse alguma coisa quente, quero dizer, não disse nada quente. — Deixou os papeis de lado.
—Já… eu já sei.
Pode ser que ela tivesse ficado um pouco parada, mas ele não, e quando se aproximava reparou
que seu vestido estava amassado e úmido.
—O que está acontecendo?

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Ela não podia afastar os olhos de sua boca. Lembrava a todas aquelas bocas que tinha visto
naquela pequena TV um pouco antes, e concretamente nas coisas que elas faziam. Maldita Krystal
com seu filme.
—Estou cansada, nada mais. — conseguiu dizer.
—Não parece cansada. Está com os lábios inchados, como se os estivesse mordendo e uma
respiração pesada. Se quiser que eu diga a verdade, parece como se estivesse excitada. Ou é minha
mente obsessiva que volta a atacar?
—Dá um tempo, ok? — Observou que tinha uma pequena cicatriz numa costela, provavelmente de
uma ferida de arma branca causada por uma namorada rejeitada.
—O que diabos estavam fazendo vocês essa noite?
—Não foi minha ideia! — Soou culpada e seu rubor aumentou.
—Eu vou averiguar. O mais provável é que um dos caras vai me contar, assim que é melhor você
me contar agora.
—Não acho que os homens vão falar sobre isso. Ou melhor, sim. Não sei. Não tenho a menor ideia
de que tipo de coisas vocês homens comentam.
—Não tanto como as mulheres, estou certo. — Inclinou a cabeça para a cozinha. —Quer algo para
beber? Tem uma garrafa de vinho na geladeira.
—Ah, claro... Vinho é justo o que não preciso neste momento.
—Um mistério esperando para ser resolvido…—Estava começando a se divertir.
—Deixe isso para lá, tudo bem?
—Justo o que faria um cara legal. — Abaixou e pegou seu celular. — Janine me dirá o que
aconteceu. Parece uma mulher muito franca.
—Está no Bed & Breakfast. Não tem telefone no quarto.
—Certo. Perguntarei para Krystal. Falei com Webster faz menos de meia hora.
Annabelle pensou no que Krystal e Webster estariam fazendo naquele momento, não iam gostar
da interrupção.
—É meia-noite.
—Sua pequena reunião acaba de terminar. Não terão ido para a cama ainda.
“Não confie nisso!”
Ele passou o polegar pelas teclas.
—Sempre gostei de Krystal. Ela é muito direta. — Apertou o primeiro botão.
Annabelle tomou ar.
—Vimos um filme pornô, ok?
Ele sorriu e deixou cair o telefone.
—Agora começamos a nos entender.
—Acredite, não foi ideia minha. E não tem graça. Além disso, nem sequer era exatamente
pornografia. Era erótico. Para mulheres.
—Existe alguma diferença?
—Esse é justamente o tipo de resposta que esperava de um homem. Você acha que a maioria de
nós ficaria excitada vendo um punhado de mulheres com lábios de colágeno e implante do
tamanho de bolas de futebol balançando umas sobre as outras?
—Pela sua expressão, suspeito que não.
Precisava beber algo frio e foi para a cozinha, sem deixar de falar, por que tinha algo para declarar.
—A sedução, por exemplo. Um filme pornô típico dos seus, vocês se divertem sem sequer
mostrarem algo de sedução?
Ele a seguiu.
—Para ser justo, não costuma fazer muita falta. As mulheres são bastante agressivas.
—Exato. Bom, pois eu não. —Queria dar uma bofetada na sua cara quando saíram às palavras. A
última coisa que queria fazer era levar a conversa para o terreno pessoal.

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Ele não se aproveitou de seu deslize, não seria próprio do velhaco Píton. Ele gostava de brincar
com suas vitimas antes de dar o bote.
—Tinha enredo o filme, então?
—Ambiente rural na Nova Inglaterra, artista virginal, desconhecido imponente. Com certeza. —
Abriu a porta da geladeira e examinou seu interior, sem ver nada.
—Só duas pessoas. Que decepcionante.
—Havia algumas tramas secundárias.
—Ah.
Ela virou para ele, com a palma da mão úmida curvada ainda em torno do puxador da geladeira.
—Tudo isso te parece muito engraçado, não é?
—Sim, mas tenho vergonha de mim mesmo.
Sentiu desejo de cheirá-lo. Estava com o cabelo quase seco e a pele recém lavada. Queria afundar
a cara em seu peito e inalar, afundar nele, encontrar talvez uma mecha de pele rebelde e deixar
que fizesse cosquinhas em seu nariz. Esteve a ponto de gemer.
—Por favor, vai embora.
Ele ergueu a cabeça.
—Sinto muito, você disse alguma coisa?
Ela pegou a primeira coisa fria que tocou e fechou a porta.
—Você já sabe como me sinto sobre tudo isso. Sobre...nós.
—Você deixou muito claro na noite passada.
—E tenho razão.
—Eu sei que tem.
—Por que discutiu comigo, então?
—Síndrome de idiota. Não posso evitar. Sou um cara. — Em seus lábios curvaram um sorriso
preguiçoso. —E você não.
A carga de eletricidade sexual que flutuava pelo ar teria bastado para iluminar todo o planeta.
Heath estava plantado na metade do caminho que a separava do quarto, e se passasse muito perto
não poderia resistir à tentação de lambê-lo, de modo que caminhou para o alpendre e quase
tropeçou no colchão que ele tinha arrastado para fora na noite anterior. Tinha arrumado os
lençóis, empilhado as almofadas e dobrado o cobertor em dois, arrumando melhor do que ela
tinha feito com a cama de casal. Ele saiu tranquilo.
—Quer um sanduíche para acompanhar?
Não soube a que se referia até que seguiu a direção de seu olhar e viu na sua própria mão o pote
de mostarda francesa ao invés de uma lata de Coca-Cola. Ficou olhando para ele.
—Acontece que a mostarda tem a qualidade de ajudar a conciliar o sono.
—Nunca ouvi isso na vida.
—Você não sabe de tudo, verdade?
—Parece que não. — Ouve um breve silencio. — É algo que se come ou se passa no corpo?
—Vou para a cama.
—Por que se você passa… provavelmente eu poderia te dar uma mão.
Seu temperamento de ruiva explodiu e deixou o pote na mesa rústica com um golpe.
—Que tal se te dou minha calcinha de uma vez e encerramos esse assunto?
—Para mim está bom. — Seus dentes brilharam como os de um tubarão. — Então se eu te beijo
agora, você vai fugir como uma covarde de novo?
—Não sei.
—Tenho um ego enorme, isso você já sabe. Mas, mesmo assim, a forma como você me rejeitou
noite passada, me deixou num limite traumático. —Ele colocou os dedos na parte superior do
elástico do short, fazendo com que os lados do short desenhassem um V que lhe dava água na
boca. —Agora mesmo me pergunto, e se eu perdi meu toque? O que faço então? — Deslizou o

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polegar até o osso do seu quadril revelando ainda mais a pele. — Você entenderá que estou um
pouco preocupado.
Contemplando a cunha de seu tenso abdômen, teve que lutar com o impulso de passar o frio pote
de mostarda por toda frente.
—Eh… Eu não deixaria que isso me tirasse o sono. — Invocou suas últimas gotas de força de
vontade para passar junto dele, e talvez conseguisse se ele não tivesse estendido a mão e tocado
no seu braço. Apenas roçou-lhe com um dedo, um simples gesto de despedida, mas o fez em sua
pele nua, e isso bastou para que ficasse cravada em seu lugar.
Ele ficou tão imóvel como ela. Enquanto olhava para ela, seus olhos verdes eram um convite para o
desastre, sobreposta a uma tímida desculpa.
—Droga. — sussurrou. — Às vezes sou muito esperto para meu próprio bem.
Puxou-a para si, deleitando-se em sua boca, passou as mãos para baixo nos contornos de suas
costas. E ela permitiu, como tinha feito na noite anterior, ignorando o fato de que isso era a Super
Bowl das más ideias, ignorando as múltiplas razões para não viver cada momento dessa noite
concreta em questão para não arcar no dia seguinte com as consequências.
—Estou sem paciência. — Seu murmurio sombrio caiu como uma caricia na bochecha de
Annabelle, enquanto ele baixava o zíper do vestido com um movimento espontâneo e fluido.
—Isto vai colocar tudo a perder. — Cantarolou ela contra sua boca, porque precisava pronunciar as
palavras ainda que não fizesse o menor esforço para detê-lo.
—Vamos fazer de qualquer forma. — disse ele com voz baixa e rouca. —Nós vamos resolver isso
depois.
Justo o que ela esperava ouvir. Ela se perdeu em seu beijo brando, fascinada, estúpida... um pouco
apaixonada.
Momentos mais tarde, seu vestido estava em uma poça debaixo de seus pés junto com seu sutiã,
sua calcinha e, tudo que ele estava usando, um short esportivo negro. Eles estavam no alpendre,
mas estava escuro, escondia-os a espessura das arvores e quem se importava? Ele contemplou
seus seios, sem tocá-los, olhando-os sem mais. Envolveu seu ombro com uma mão. Com a outra,
passou a ponta dos dedos pela sua coluna e acariciou seu cóccis. Ela estremeceu e apertou a
bochecha contra seu peito, depois virou o rosto e pressionou seus lábios, mas então ele se moveu
para trás bruscamente e conteve a respiração com um assobio.
—Não se mova. — sussurrou.
Separou-se dela e entrou correndo para cozinha, dando-lhe uma vista lamentavelmente fugaz de
um espetacularmente apertado bumbum masculino. Passou pela sua cabeça que ele podia ter ido
recuperar seu celular para aproveitar seu tempo fazendo duas coisas de uma vez, mas o que fez foi
apagar a luz do teto da cozinha, deixando acesa só a da estufa e desapareceu pela sala apagando o
resto das luzes. Reapareceu dentre instantes. A tênue luz dourada da cozinha dançava pelos longos
músculos de seu corpo ao se aproximar. Seu membro estava totalmente ereto. Quando chegou
junto dela, mostrou três camisinhas e disse suave:
—Considere isso uma prova do meu afeto.
—Notado e apreciado. — ela respondeu com idêntica suavidade.
Empurrou-a para o colchão. Ela lembrou de como Heath era objetivo e compreendeu que talvez
aquela noite de cinema para mulheres tivesse elevado demais suas expectativas de preliminares
lúdicas. Com efeito, ele levou bem pouco tempo para rolar em cima dela, com a boca em seus
peitos. Annabelle afundou os dedos em seu cabelo.
—Você vai me apressar não é?
—Não há duvida disso. — Deslizou a mão sobre seu ventre, mirando diretamente o controle geral.
—Quero mais beijos.
—Sem problemas. — Tomou seus seios entre os lábios.
Ela prendeu a respiração.

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—Na boca.
Ele brincou com a pequena e inchada protuberância, respirando cada vez mais superficialmente.
—Vamos negociar.
Ela enterrou os dedos nas suas costas, que já estavam úmidas da mínima contenção que ele
pudesse estar exercendo.
Automaticamente separou as coxas.
—Eu deveria ter esperado por isso.
Ele passou um dedo pela mata de pelos encaracolado na base de seu ventre, brincando com os
rebeldes cachos.
—Eu vou ser muito rápido com você. Isso é um fato e me desculpo antecipadamente. — Ela soltou
um grito afogado de prazer quando ele tocou sua pele úmida e quente. — Mas tem sido um longo
tempo sem para mim, e isso pode levar talvez uns poucos minutos...
—É isso. — Os dedos de seus pés se curvaram.
—…para mim parecerá uma eternidade. —Sua voz se tornou irregular. —Assim que vou sugerir o
seguinte. — Ela agarrou seu quadril enquanto ele brincava com ela. — Aceite o fato que não vou
poder te deixar satisfeita na primeira vez. Isso nos libertará da pressão.
Ela dobrou os joelhos e disse, em um suspiro estrangulado:
—A você, ao menos.
—Mas depois que tenha soltado minha primeira explosão de...vapor... — tomou ar, as palavras
saíram rápidas e agitadas. — terei todo o tempo do mundo — A cabeça de Annabelle ia de um lado
para o outro enquanto ele estimulava-a com seus hábeis dedos de forma mais intima. — para
fazer o que é devido. —Separou mais suas coxas com suavidade. — E você, Tinker Bell... —Ela
sentiu o peso de seu corpo. —Você vai ter uma noite que nunca vai se esquecer.
Penetrou-a com um gemido, e ainda que ela estivesse lubrificada e mais que pronta, não encaixou
com facilidade. Ela levantou os joelhos e arqueou as costas. Ele uniu sua boca com a dela, e pegou
seus quadris com as mãos e inclinou-a em um ângulo que ambos queriam.
Imagens febris, dementes, resplandeceram atrás de suas pálpebras. O corpo longo e grosso de
uma píton abrindo caminho em seu interior, desenrolando... esticando... indo mais fundo...mais
fundo. Suas costas ficaram rígidas sobre suas mãos. O doce ataque... a alcançou. Uma e outra vez.
E logo uma escalada final. Ele começou a tremer. Ela recebeu seu gemido gutural. Viu uma
centelha de luz atrás de seus olhos. Sentiu o peso de Heath desabando sobre ela, jogou a cabeça
para trás e se entregou.
Passaram longos minutos. Ele roçou os lábios contra sua face e depois rolou para o lado, num
canto estreito do colchão. Ela deslizou para dar-lhe espaço. Reacomodaram-se. Ele a puxou para
sua pele umedecida e começou a brincar com seus cabelo. Estava atordoado, farto, determinado a
não pensar. Ainda não.
—Eu… eu não gozei. — disse.
Ele apoiou-se sobre o cotovelo e olhou-a nos olhos.
—Odeio dizer isso, mas eu avisei.
—Você estava certo, como sempre.
Formaram rugas nos seus olhos e ele depositou um rápido beijo nos seus lábios.
—Que isto sirva de lição. — Ele se levantou. — Eu vou precisar de alguns minutos.
—Eu farei acrobacias mentais.
—Boa ideia. — Enquanto ela escutava os sons da noite que envolviam seu ninho no bosque, Heath
desapareceu dentro da casa. Voltou alguns minutos mais tarde com uma cerveja, sentou-se no
colchão e ofereceu a garrafa para ela. Ela tomou um gole e a devolveu. Heath a deixou no chão em
seguida deitou e puxou-a sobre seus ombros, e começou outra vez a brincar com os cachos de seu
cabelo. Aquela terna intimidade dava em Annabelle vontade de chorar, então ela virou até ficar em
cima dele e começou sua própria exploração sexual.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

A respiração de Heath não demorou em se acelerar.


—Parece que… — disse com voz estrangulada. — não vou levar tanto tempo como pensava.
Ela roçou os lábios em seu abdômen.
—Eu acho que você pode não estar certo sobre tudo.
E isso foi o último que disseram qualquer um dos dois por muito, muito tempo.
Finalmente, ele adormeceu, e ela pode escapar inadvertidamente para seu quarto. Ela se enrolou
em seu travesseiro, já não podia ocultar a realidade do que tinha feito. Heath atacou o sexo com o
mesmo vício que tinha no trabalho, no processo, ela tinha ficado um pouco mais apaixonada por
ele.
Lágrimas escorriam dos cantos de seus olhos, mas ela não as enxugou. Invés disso, deixou que
caíssem enquanto ela se reajustava, reelaborava e reestruturava-se. Quando o sono veio, sabia
inevitavelmente o que tinha que fazer.

***
Heath ouviu Annabelle entrar no seu quarto, mas não se moveu. Agora que tinha satisfeito todas
as ânsias de seu corpo, a condenação do que ele tinha feito o golpeou com força. Ela se importava
com ele. Um mundo de emoções que ele não queria reconhecer tinha olhado para ele a partir
daqueles doces olhos cor de mel. Agora, ele se sentia o maior idiota do mundo.
Ela tinha dito que aquilo equivalia a um desastre, mas ele construiu sua vida derrubando
obstáculos, pelo que ele ignorou a evidencia e atacou em frente. Mesmo sabendo de antemão que
ela tinha razão, a desejava, assim que tomou o que queria sem se importar com as consequências.
Agora que era muito tarde, assumiu com toda sua dimensão a magnitude do desastre que isso era
para ela, no profissional e no pessoal. Ela tinha posto em jogo suas emoções, ele pôde ver em seu
rosto, e isso significava que ela já não podia ser sua casamenteira.
Virou e deu um golpe na sua almofada. No que diabos estava pensando? Não pensou, esse era
precisamente o problema. Tinha se limitado a reagir, e no processo para conseguir o que queria,
fez em pedaços os sonhos dela. Agora devia compensá-la.
Começou a traçar um plano na sua cabeça. Faria propaganda da sua agência e encontraria alguns
clientes decentes para colocar no seu caminho. Usaria sua equipe de publicidade e seus contatos
como meio para colocá-la bem com a imprensa. A historia era boa: uma casamenteira de segunda
geração que leva a empresa obsoleta da avó para o século XXI. Tinha que ter passado pela cabeça
de Annabelle, mas ela não pensava com ambição.
O que não podia fazer era deixar que sequer lhe apresentasse outras mulheres. Isso quebraria seu
coração. De um ponto de vista egoísta, já não gostava que ela não fosse trabalhar mais com ele.
Gostava de tê-la por perto. Ela tornava as coisas mais fáceis... e ele a tinha pago fundendo-a, no
sentido literal e figurado.
Como seu pai.
O desespero que se instalou sobre ele parecia velho e familiar como o ruído das batidas na porta
em um estacionamento na metade da noite.
Não lembrava de conseguir pegar no sono, mas deve ter conseguido fazê-lo, porque era dia
quando tremeu no chão. Abriu um olho, viu um rosto que não estava preparado para enfrentar e
afundou a cara na almofada. Outro pequeno terremoto sacudiu o colchão. Abriu as pálpebras e
piscou quando um raio de luz feriu seus olhos.
—Levante imponente presente ao gênero feminino. — uma voz cantarolou.
Estava sentada no chão do alpendre, junto dele, segurando na mão uma xícara de café e com uma
perna nua estendida para poder mexer o colchão com o pé. Usava um short de cor amarela
brilhante e uma camiseta roxa com o desenho de um grotesco troll e uma frase que dizia NÓS
TAMBÉM SOMOS PESSOAS. Tinha o cabelo emaranhado de cachos em torno de seu rosto, seus

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lábios estavam rosados e os olhos muito mais claros e limpos que o seu. Ela com certeza não
parecia devastada. “Merda”. Talvez pensasse que aquela noite tinha mudado as coisas.
Heath sentiu náuseas.
—Mais tarde. — conseguiu dizer.
—Não posso esperar. Ficamos de tomar café com todo mundo na sala de jantar, e tenho que falar
com você. — Pegou do chão uma segunda xícara de café e deu a ele. — Algo para suavizar a dor da
mudança.
Tinha que estar alerta para isso, mas se sentia como o fundo de um cinzeiro sujo, e o único que
queria era evitar confusões se virando e dormindo. Mas devia a ela algo melhor do que isso, assim
que se apoiou sobre o cotovelo, pegou o café e tirou as teias de aranha do seu cérebro.
Ela seguiu com o olhar o lençol que deslizou até a cintura, e Heath sentiu o desejo de ferrar tudo
mais uma vez. Moveu o braço para esconder as provas. Como ia dar a noticia que era uma amiga e
não uma candidata à relação estável, sem partir seu coração?
—Em primeiro lugar, — disse ela — o que aconteceu a noite passada significou para mim mais do
que você pode imaginar.
Justamente o que ele não queria ouvir. Ela parecia tão doce. Tinha que ser um verdadeiro cretino
para magoar alguém assim. Quem dera Annabelle fosse à mulher com quem sempre tinha
sonhado: sofisticada, elegante, com gosto impecável e de uma família cujas raízes se remontassem
a um barão do século XIX. Precisava de alguém com mundo suficiente para sobreviver aos golpes
da vida, uma mulher que visse a vida como ele: como uma competição a que vencer, não como um
convite permanente para brincar no recreio.
—Por outro lado, — continuou ela com voz mais baixa e um tom mais sério. — não podemos voltar
a repeti-lo jamais. Foi uma infração de conduta profissional da minha parte, ainda que não tenha
resultado em um problema tão grave como eu imaginava. —Deu um sorriso que só podia ser
descrito como pícaro. — Agora posso te recomendar com total entusiasmo. — O sorriso dissipou.
— Não, agora o maior problema é como fui manipuladora.
O café de Heath salpicou por cima da borda da taça. O que demônios isso significava?
Ela foi rapidamente à cozinha para buscar um guardanapo de papel e entregou-lhe para que
pudesse secar.
—Voltando a nossa conversa. — disse Annabelle. — Tem que entender que estou verdadeiramente
agradecida pelo que fez. Todo o assunto de Rob mexeu com a minha cabeça. Desde que
terminamos, enfim... estava fugindo do sexo. A crua verdade é que estava bastante traumatizada
com aquilo. — Secou algumas gotas que ele tinha esquecido. —Graças a você, eu superei isso.
Ele deu um cauteloso gole e esperou, pois já estava seguro de onde aquilo ia parar. Ela tocou seu
braço com um gesto que o incomodou um pouco, por parecer maternal.
—Eu me sinto sã outra vez, e devo isso a você. Bom, e ao filme de Krystal. Mas, Heath... — As
sardas dispersas pela sua testa se aproximaram ao franzir a testa. — Não posso suportar essa
sensação de ter... de ter te usado, de alguma maneira.
A taça de café ficou parada no meio do caminho.
—De ter me usado?
—Disso temos que falar. Considero-te um amigo, além de um cliente e eu não uso meus amigos.
Pelo menos, nunca tinha feito até agora. Já sei que para os homens é diferente... talvez você não
sinta que eu abusei de você. Quem sabe estou criando uma montanha russa num grão de areia.
Mas minha consciência diz que tenho que ser totalmente sincera sobre minhas motivações.
Ele ficou tenso.
—Com certeza.
—Precisava de alguém com que não tivesse nada a temer para voltar a me conectar com meu
corpo, alguém com quem não estivesse envolvida emocionalmente. Assim que, claro, você era
perfeito.

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“ Não estivesse envolvida emocionalmente?”


Ela mordeu o lábio inferior, começava a ter impressão de que preferia estar em qualquer outro
lugar naquele momento.
—Diga que não está com raiva. — ela disse. — Ah merda... não quero chorar. Mas me sinto mal.
Você já sabe o que disse Kevin na outra noite. Eu... — engoliu saliva— Essa outra complicação…
Que confusão, não?
—Que outra complicação?
—Você já sabe.
—Refresque a minha memória.
—Não me faça dizer. É muito embaraçoso.
—Qual o problema de passar vergonha entre amigos? — disse ele, um pouco tenso. — Já que
estamos sendo sinceros...
Ela olhou para o teto, jogou os ombros para trás, e abaixou a vista para o chão. Sua voz fez um fio,
quase tímida.
—Você já sabe… que estou um pouco envolvida com Dean Robillard.
O chão abriu debaixo do seu colchão.
Ela afundou o rosto nas mãos.
—Meu Deus, estou ficando vermelha. Sou terrível, verdade? Falando com você sobre isso.
—Não, por favor. — Mastigou as seguintes palavras. — Fale livremente.
Ela abaixou as mãos e deu um olhar de infinita sinceridade.
—É mais provável que não dê em nada, esse assunto com o Dean, mas até ontem a noite não
sentia forças para sequer tentar. É obvio que ele é um cara experiente. Mas o que eu ia fazer se a
conexão que eu sentia não estivesse só na imaginação? O que faria se ele estivesse também
interessado em mim? Não podia enfrentar as implicações sexuais. Mas depois do que fizemos
ontem à noite, pelo menos tenho coragem de pelo menos tentar e se não der em nada, a vida é
assim, mas pelo menos saberei que não me retraí por culpa das minhas neuras.
—Está dizendo que servi para “quebrar seu trauma”?
Aqueles olhos cor de mel enchiam-se de preocupação.
—Diga que não se importa. Sei que você não estava pondo em jogo suas emoções, mas ninguém
gosta de pensar que aproveitaram de si.
Ele relaxou os dentes.
—E foi isso que fez? Aproveitou-se de mim?
—Bom, você já sabe, não é que estava na minha mente enquanto estava contigo, nem nada disso.
Bom, talvez um par de segundos, mas nada mais, te juro.
Ele piscou.
—Estamos bem, então? — perguntou ela.
Heath não conseguia entender a massa ardente de ressentimento que estava formando em seu
peito, ainda mais se ela estava eximindo ele de toda responsabilidade.
—Não sei. Estamos?
Ainda teve o descaramento de sorrir para ele.
—Acho que sim. Você parece um pouco aborrecido, mas não um homem cuja honra foi violada.
Não deveria ter me preocupado tanto. Para você foi apenas sexo, mas para mim foi uma liberação
tremenda. Obrigada, colega.
Deu-lhe a mão aberta, obrigando-o a deixar o café no chão e estreitá-la se não quisesse parecer
um bobo.
Logo ela ficou de pé de uma vez, colocou as mãos atrás da cabeça e espreguiçou seu corpinho,
estirando-se como uma gata satisfeita, levantando a camiseta para descobrir aquele umbiguinho
oval no que, na noite passada, ele afundou a sua língua.

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—Vejo você na sala de jantar. —Sua expressão se encheu de sinceridade. — E te prometo, Heath,
que se você sente o menor sentimento de magoa por mim, em uma semana terá desaparecido.
Estou decidida mais do que nunca a encontrar para você a mulher perfeita. Agora não é apenas
uma questão de negócios, já é algo pessoal.
Depois de lançar um sorriso radiante, saiu disparada até a cozinha para voltar a assomar a cabeça
depois de alguns momentos.
—Obrigada. De verdade. Eu te devo uma.
Instantes mais tarde se fechava a porta da cabana. Heath voltou a reclinar-se sobre a almofada,
apoiou a xícara em seu peito e tentou assimilar aquilo.
Annabelle o tinha usado como aquecimento para Dean Robillard?

15

Ao chegar à sala de jantar Annabelle viu Ron e Sharon caminhando a sua frente, abraçados pela
cintura. Ainda estava tremendo, e sentia seu estômago como um lamaçal ácido. Ela nunca tinha
sido a melhor atriz do Departamento de Teatro do Noroeste, mas ainda era capaz de representar
uma cena. A frente dela, Ron segurava a porta da sala de jantar para que Sharon passasse. Com a
outra mão segurava seu traseiro. Era fácil adivinhar a que tinham se dedicado àquela noite. Agora
o único que tinha que fazer era se assegurar que nenhum deles percebesse a que ela tinha se
dedicado.
Quando cruzou a porta da mosqueteira todos a saudaram, e formavam, com certeza, o grupo de
pessoas com mais falta de sono e sexualmente satisfeito que jamais tinha visto. Molly tinha uma
marca rosada no pescoço que parecia um arranhão de barba, e ao julgar pela expressão de
suficiência de Darnell, Charmaine não merecia sua reputação de freirinha. Phoebe e Dan
compartilhavam um único pedaço de bolo sentados num sofá de vimeiro. E Krystal, ao invés de
brigar com Webster como de costume, falava-lhe com voz melosa e o chamava de “céu”. Os únicos
com rostos inocentes eram os de Vicky, o pequeno Danny e Janine.
Annabelle concentrou sua atenção na comida que Molly tinha servido, apesar de não ter vontade
de comer. Um jarro de cerâmica de um amarelo luminoso, cheio de zínias, estava no centro da
toalha de mesa cor de noz moscada, onde haviam jarras de suco de frutas secas, um travessa de
torradas francesas, uma cesta de bolos caseiros e a especialidade do Bed & Breakfast, uma torta de
farinha de aveia polvilhada com açúcar mascavo, canela e maçãs.
—Onde está Heath? — perguntou Kevin. — Não me diga que está falando pelo telefone.
—Ele já vem. — ela disse. — Está colado nos lençóis. Não sei que hora ele foi dormir ontem, mas
estava acordado quando fui para a cama. — Dirigindo-se a mesa do café da manhã, disse que essa
mentira era um ato de caridade, já que a verdade teria arruinado o café da manhã de mais que
algumas pessoas. Janine, que estava enchendo o prato, deu um olhar contrariado a profusão de
comportamentos melosos que tinha ao seu redor.
Annabelle adivinhou a questão.
—Krystal deveria mostrar mais consideração a nós duas.
—Assim que estávamos erradas com respeito a você e ao Heath?
Annabelle se limitou a elevar seus olhos ao céu.
—É porque vocês gostam do melodrama.
Janine e ela se acomodaram num par de cadeiras de vime, perto da família Tucker. Annabelle
mordicou a ponta da torta de aveia quando Heath fez sua aparição. Usava um short caqui e uma
camiseta da Nike. Pelo menos, parte das coisas que tinha dito era verdade. Realmente tinha dito
adeus ao fantasma de Rob. Desafortunadamente, outro fantasma tinha ocupado seu lugar.
Vicky, que estava mexendo com um pedaço de banana da bandeja da cadeirinha de seu irmão
menor, atravessou voando a sala de jantar e agarrou Heath na altura dos joelhos.

124
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—Puincipe!
—Ola, pequena! — Heath deu-lhe umas palmadinhas na cabeça, um pouco forçadas, e um de seus
prendedores da coelhinha Dafne deslizou até a ponto de um cacho loiro.
Phoebe franziu a testa.
—Como você o chamou?
Annabelle adotou uma expressão jovial.
—Príncipe. Não é adorável?
Phoebe levantou uma sobrancelha. Dan beijou o canto da boca de sua mulher, provavelmente
porque gostava de Heath e pretendia distraí-la. A menina de três anos, sem deixar de se manter
presa às pernas de Heath olhou para sua mão.
—Quero que o puincipe me dê suco. — Elevou os olhos para Heath. — Tenho melecas. — Enrugou
o nariz para confirmar suas palavras.
Molly que estava limpando o pedaço de banana do chão de pedra calcário, indicou com um gesto
vago o sentido da mesa.
—O suco está ali.
Vicky olhou Heath com adoração.
—Você tem telefone?
Kevin ergueu sua cabeça.
—Não deixe que ela se aproxime do seu telefone. Ela é apaixonada por eles.
Heath começou a responder, mas Webster o interrompeu.
—Onde vamos fazer a caminhada?
Kevin pegou as mãos de Molly todo babão.
—Na pista na volta ali, ao redor do lago. Eu pensei que podíamos fazer o percurso daqui a cidade…
quase dez quilômetros. A paisagem é bonita. Troy e Amy ofereceram para nos trazer de volta de
carro quando chegarmos.
—Eles vão tomar conta das crianças. — disse Molly.
Troy e Amy eram o casal jovem que tomavam conta do camping. Vicky deu umas palmadas na
perna nua de Heath.
—Suco, por favor.
—Saindo o suco. — Heath se dirigiu a mesa do café da manhã, encheu um copo grande de suco até
a borda e entregou a ela.
—Sei fazer uma coisa.
Desta vez, o sorriso de Heath, foi de genuína diversão.
—Ah, sim?
—Olha. — Caiu sobre o tapete de palha e deu uma cambalhota.
—Que legal. — Heath levantou os dois polegares.
—Papai também diz que sou legal.
Kevin sorriu.
—Vem aqui, abobrinha. Deixe o senhor príncipe tranquilo até ele tomar café.
—Boa ideia. — sussurrou Phoebe. — Em qualquer momento ele pode virar um lobisomem.
Heath, ignorando-a, tomou um gole de suco do copo da Vicky.
—A que horas começa a caminhada, então?
—Assim que estivermos prontos. — respondeu Kevin.
Heath deixou o copo sobre a mesa e pegou algumas torradas francesas da travessa. Como quem
não quer nada, disse:
—Estava pensando em ir até Detroit depois do café da manhã, mas isso parece ser bom demais
para que perca.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Annabelle afundou os dentes desconsoladamente na torta de aveia. Com muito esforço conseguiu
se sair bem na sua grande cena pela manhã. Como ia conseguir se manter risonha durante toda a
caminhada de 10 quilômetros?

***

Por fim, estiveram separados quase todo o percurso. Annabelle tentava decidir se isso era bom ou
ruim. Mesmo que não precisasse continuar fingindo, também não estava certa de tê-lo enganado
com seu número pela manhã.
Quando voltaram ao acampamento, Vicky se jogou em cima de seus pais como se estivesse anos
sem vê-los. Kevin a distraiu para que sua mulher pudesse dar de mamar para Danny, e Molly se
aconchegou com bebê na cadeira de balanço de vime da sala de jantar. Danny queria observar
tudo, e logo jogou no chão a mantinha descolorida que sua mãe tinha colocado no ombro.
—Seria possível desfrutar de um pouco de intimidade por aqui, amigo? — Envolveu sua cabecinha
com a mão.
Annabelle tomou um gole de chá gelado de seu copo. Molly merecia tudo de bom que aconteceu
com ela, e Annabelle não a invejava por isso, mas queria as mesmas coisas: um casamento
fantástico, uns filhos lindos e uma carreira fabulosa. Heath sentou na cadeira de balanço junto
dela. Como logo iria embora preferiu chá gelado com as mulheres a cerveja com os homens.
—Uma abelha! — exclamou Vicky, mostrando o chão. — Olha, Puincipe, uma abelha!
—É uma formiga, carinho! — disse seu pai.
Os homens começaram a falar sobre a concentração do treinamento, e Janine anunciou que queria
desenvolver uma ideia para uma cena de seu novo livro com o grupo das mulheres. Danny acabou
seu lanchinho e Molly o deixou no chão para que brincasse. Apenas tinham ajeitando a roupa
quando uma voz mais que conhecida cantarolou no caminho que levava a sala de jantar.
—Aqui estão todos vocês.
Annabelle ficou feito pedra.
Todos voltaram seu olhar através da mosqueteira para a mulher alta, linda e grávida que vinha em
direção deles.
Annabelle não podia acreditar. Agora não. Não enquanto ainda estava tentando consertar o
desastre da noite passada.
—Gwen! — O rosto de Krystal se abriu num sorriso. Ela levantou da cadeira como um raio assim
que a porta se abriu e os demais a imitaram.
—Gwen! O que está fazendo aqui?
—Pensávamos que você não podia vir.
—Nós voltamos hoje. Como resolveram vir tão tarde?
—Finalmente colocou uma roupa de gravidez.
E então, uma a uma, as mulheres foram ficando caladas, a medida que se davam conta das
implicações da aparição de Gwen. Molly parecia consternada. Virou para olhar Annabelle e em
seguida Heath. As outras mulheres a seguiram com um instante de atraso. A expressão calculadora
de Dan indicava que Phoebe tinha lhe falado da artimanha de Annabelle, mas o resto dos homens
continuavam alheios a tudo.
Kevin pegou sua cerveja de mão de Vicky quando ela foi pega-la.
—Gwen me ligou ontem para se assegurar que teríamos quarto para eles. — disse com um sorriso.
— Queria fazer uma surpresa.
E realmente tinha conseguido.
—Onde está o seu marido? — perguntou Webster.
—Estará aqui num segundo. — Com todas as mulheres a rodeando, Gwen ainda não tinha
reparado em Heath, que tinha ficado de pé bem devagar. — A assinatura foi adiada. — disse,

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enquanto aceitava um copo de chá gelado que Sharon a entregou. Annabelle estava muito alterada
para se inteirar muito da suas explicações: algo sobre um problema com o banco, que iam colocar
suas coisas em um deposito e sobrava uma semana antes de poderem mudar-se.
—Olá, garotos. — Ian entrou na sala de jantar. Usava short amarrotado xadrez e uma camiseta dos
computadores Dell. Os homens saudaram-no ruidosamente. Darnell deu-lhe uma palmada nas
costas, jogando-o para Kevin, que o pegou pelos ombros.
—Não conhece meu representante. — Kevin o conduziu entre as mulheres. — Ian, este é Heath
Champion. — O braço que Ian estendeu congelou no ar. Gwen deu um suspiro e colocou a mão em
sua redonda barriga. Ficou olhando primeiramente para Annabelle e depois para Heath.
Annabelle devolveu-lhe o sorriso timidamente.
—Nos pegaram.
Heath apertou a mão paralisada de Ian sem deixar transparecer nada, mas Annabelle reconhecia
uma morte súbita quando a via.
—É um prazer te conhecer, Ian. — disse. — E, Gwen, fico feliz em te ver novamente. — Fez um
gesto para sua barriga. — Um serviço rápido hein. Parabéns.
Gwen não conseguiu mais engolir saliva. Annabelle sentiu os dedos de Heath se enroscando em
torno de seu braço.
—Querem nos desculpar? Annabelle e eu temos que conversar.
O clube de leitura deu um salto como se fossem uma.
—Não.
—Não se mecham.
—Não vai levá-la a nenhum lugar.
—Pode esquecer.
A cara de Heath era uma bomba a ponto de estourar.
—Temo que devo insistir.
Kevin parecia intrigado.
—O que está se passando aqui?
—Negócios.
Heath escoltou Annabelle até a porta mosqueteira. Se ela tivesse envolvido a cabeça com a camisa,
pareceria uma detenta a caminho do julgamento.
Molly passou rapidamente diante deles.
—Eu acompanho vocês.
—Não. — disse Heath taxativamente. —Nem pensar.
Krystal lançou em Phoebe um olhar ansioso.
—Toda a Liga Nacional de Futebol te teme. Faça algo.
—Estou pensando.
—Já sei... —Molly pegou sua filha e empurrou-a para Annabelle. — Leve Vicky contigo.
—Molly! — Phoebe lançou-se indignada para eles.
Molly olhou sua irmã encolhendo os ombros.
—Não ficará muito nervoso olhando para uma menina de três anos...
Phoebe pegou sua sobrinha para deixá-la fora do perigo.
—Fique querida. Mamãe teve um de seus ataques de loucura.
Gwen agitou debilmente a mão.
—Annabelle, sinto muito. Não tinha ideia.
Annabelle encolheu os ombros sem vontade.
—Não é culpa sua. Eu mesma busquei isso para mim.
—Exatamente. — disse Heath e a conduziu para fora.

***

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Caminharam em silencio durante uns minutos. Finalmente, chegaram até um bosque e lá foi onde
Heath virou para ela.
— Você me enganou.
“Mais de uma vez, se você contar esta manhã”, pensou Annabelle, mas confiava que disso ele não
tivesse se dado conta.
—Precisava de uma aposta segura para que assinasse o contrato, e Gwen era a melhor que eu
tinha. Prometo-te que ia te dizer a verdade cedo ou tarde. O que acontece é que ainda não tinha
reunido à coragem.
—Isto sim que é uma surpresa. — Aqueles frios olhos verdes poderiam ter cortado um cristal. —
Emboscada em troca de agulhas.
—Temo... que esse era o plano.
—Como você conseguiu que o marido a emprestasse?
—Eh... oh... Um ano de babá grátis.
Uma rajada de vento varreu o lugar, bagunçando o cabelo de Heath. Ficou olhando fixamente por
tanto tempo que sua pele começou a coçar. Pensou que o mau momento que tinha passado essa
manhã... foi por nada.
—Você me enganou. — disse ele de novo, como se ainda estivesse tentando entender.
A angustia fazia um nó no estômago de Annabelle.
—Não tive outra opção.
Um pássaro grasnou sobre suas cabeças. Outro o respondeu. E então, Heath franziu as pontas dos
lábios.
—É verdade, Tinker Bell. É sobre isso exatamente que sempre te falo.

***

Annabelle não ia se livrar de um sermão sobre ética e negócios, só por que Heath aprovou sua
armadilha. Defendeu-se dizendo, sem faltar com a verdade, que não teria passado pela sua cabeça
nunca fazer algo tão desonesto com nenhum outro cliente.
Ele ficou satisfeito só em parte.
—Uma vez que você começa a brincar com o lado escuro, é difícil voltar atrás.
Bem que ela sabia.
Finalmente, Kevin apareceu entre as arvores.
—Ah, que bom. —disse ao avistar Annabelle. — Eu disse a Molly que provavelmente estaria viva.
Ela não se separou de Kevin durante o caminho de volta a sala de jantar. Um pouco mais tarde,
Heath se foi. Enquanto ia, Annabelle se surpreendeu pensando que já estava farta de dizer
mentiras. Qual seria a reação de Heath se ela tivesse sido sincera? Claro... Como se essa não fosse
a receita mais segura para destruir tudo, desde sua autoestima até suas ilusões profissionais. Mas
estava enojada de mentiras. Queria fazer amor com alguém com quem pudesse construir um
futuro. E isso já não dizia tudo? Tudo tinha sido uma questão de química. Não tinha nada a ver com
o encontro eterno de almas gêmeas.

16

Portia apertou a tecla Enter de seu computador para reagrupar a base de dados. Desta vez tinha
feito a busca pela cor de cabelo, o que era bastante ridículo, já que a cor do cabelo podia mudar de
uma semana para outra, mas tinha que haver alguém em sua base de dado que tivesse passado

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batido, uma que fosse perfeita para Heath e ela seguia imaginando-a loira. Torceu o rosto diante da
agressividade de uma serra elétrica que quebrou a aprazível tarde de domingo. Uns trabalhadores
não sindicalizados estavam reformando o escritório do andar de cima e sua intrusão acabou de
tirá-la do sério.
Heath tinha ido passar o fim de semana com Annabelle Granger. Portia ficou sabendo pela sua
recepcionista, uma mulher com quem tinha feito amizade uns meses antes, com entradas para a
primeira fila em um concerto da Shania Twain. Portia não conseguia acreditar. Era ela quem ia
passar o fim de semana com clientes importantes: em excursões para Las Vegas, esquiar por
Wisconsin, passando lânguidas tardes nesta ou naquela praia. Tinha ido em despedidas de
solteiras e celebrações de nascimento, bar mitzvahs e festas de aniversário, até funerais. Sua lista
de cumprimentos de natal incluía mais de quinhentos nomes. E, entretanto, Annabelle Granger era
quem tinha passado o fim de semana com Heath Champion.
A serra elétrica emitiu outro ruído estrondoso. Ela não costumava ir ao escritório pelos domingos a
tarde, mas hoje estava mais inquieta que o habitual. Tinha começado o dia indo na missa em
Winnetka. Quando criança odiava ir à igreja, e aos vinte anos deixou de ir completamente. Mas
tinha começado ir uma vez ou outra cinco anos a trás. No principio se tratava de uma tática de
negócio, outra maneira de estabelecer contatos convenientes. Tinha fixado como objetivo quatro
igrejas católicas de classe alta e visitava-as por turnos, duas na Costa Norte, uma em Lincoln Park e
outra próxima da Costa Dourada. Entretanto, ao cabo do tempo começou a esperar com
impaciência as missas por motivos que não tinham nada a ver com negócios, e tudo haver, em
contrapartida, com a forma em que se desfaziam os nós em seu interior a medida que submergia
nas familiares palavras litúrgicas.
Continuava alternando entre igrejas, não dizem que Deus ajuda a quem se ajuda, mas agora
dedicava os domingos não tanto aos negócios, mas na busca de paz. Hoje não conseguiu,
entretanto. Hoje, a serenidade que tão desesperadamente necessitava tinha se esquivado.
Depois da missa tinha marcado para tomar café com uns conhecidos, amigos de proeminente
posição social de seu breve matrimônio. Como reagiriam se lhes apresentasse Bodie? Só de pensar
nisso, aumentava a dor de cabeça. Bodie ocupava um compartimento secreto em sua vida, um
compartimento sórdido e perverso no que não podia deixar que ninguém metesse o nariz. Aquela
semana tinha deixado duas mensagens na secretaria eletrônica, mas ela não respondeu a
nenhuma, não até esse mesmo dia. Fazia uma hora que ela tinha sucumbido à tentação e ligado
para seu número, mas desligou antes que ele atendesse. Se pudesse dormir a noite, deixaria de
ficar obcecada com ele. Podia até ser capaz inclusive de deixar de se preocupar tanto com Heath e
de se torturar com a ideia de que seu negócio vinha a baixo. Voltaram a zurrar a serra elétrica,
ferindo seu ouvido. Antes do seu matrimônio, tinha seus rolos. Mais de uma vez foi levada a
infelicidade, mas nenhum a conduziu a degradação. Que era o que tinha feito Bodie na semana
passada. A tinha degradado. E ela tinha permitido.
Porque não sentiu que estivesse se degradando, isso era o que conseguia entender. Por isso sua
insônia estava se tornando incontrolável, por isso tinha sido incapaz de distrair durante a missa, e
por isso tinha esquecido de repassar o condenado peso da semana passada. Porque ele fez
parecer quase terno.
Diante de seus olhos dançavam as margens da tela do computador, e uma estrepita batida
substituiu o som da serra elétrica. Tinha que sair dali. Se ainda fosse uma madrinha, podia ter se
reunido com algumas das mulheres. Talvez fizesse uma parada no clube da saúde, ou ligasse para
Betsy Waits para ver se queria ficar para o jantar. Mas não fez nenhuma coisa nem outra, e foi se
concentrar nos dados do monitor. Tinha que mostrar para si mesma que ainda era a melhor, e a
única forma de fazê-lo era encontrar o par ideal para Heath.
As batidas deram lugar a uma serie de golpes, mas não foi até que ficassem mais fortes e
insistentes que ela se deu conta de que não vinham do andar de cima. Deixou seu escritório e foi á

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antessala. Ainda usava uma jaqueta branca da Burberry´s e a calça Bottega Véneta que colocou
para ir à missa, mas tinha tirado os sapatos enquanto trabalhava, então cruzou o carpete sem fazer
ruído. Através do cristal esmerilhado, identificou a silhueta de um homem de costas largas.
—Quem é?
Uma voz dura e rotunda respondeu:
—O homem dos seus sonhos.
Fechou os olhos com força e disse a si mesma que não abrisse a porta. Isto não era bom para ela.
Ele não era bom para ela. Mas um coro sombrio, discordante, impôs a sua vontade. Abriu o trinco.
—Estou trabalhando.
—Eu olho você trabalhar.
—Você vai morrer de tédio. — Ficou de lado para deixar-lhe passar.
Os homens muito musculosos tinham habitualmente melhor aspecto vestidos com uniformes de
trabalho que em roupas de passeio, mas esse não era o caso de Bodie Gray. Sua calça chino e a
camisa francesa azul, feita sobre medida, ajustavam-se a seu corpo com perfeição. Deu uma olhada
na área da recepção, avaliando as paredes de um verde frio e a decoração zen, mas sem dizer uma
palavra. Ela se negou a deixá-lo brincar em silencio outra vez.
—Como soube que eu estava aqui?
—Registro de chamadas perdidas.
Nunca devia ter ligado. Inclinou a cabeça.
—Tenho entendido que seu amo e senhor saiu no final de semana com a minha rival.
—As noticias voam. Esse lugar é agradável.
A parte mais desamparada dela se regozijou com suas cálidas palavras de elogio, mas Portia
permaneceu impassível fora da porta.
—Eu sei.
Ele contemplou a mesa de recepção.
—Ninguém te deu nada, eh?
—Não me assusto com trabalho duro. As mulheres que tem de competir nos negócios têm que ser
duras se querem sobreviver.
—Não sei por que, não imagino ninguém te criando problemas demais.
—Você nem pode imaginar. As mulheres de sucesso são julgadas com parâmetros diferentes que
os homens.
—São por seus peitos.
Nunca achou graça de piadas sexistas, e se horrorizou ao notar que estava sorrindo, mas era difícil
resistir ao seu machismo boçal e sem complexos.
—Mostre seu escritório. — disse ele.
Ela assim o fez. Bodie colocou a cabeça pela divisória de pergaminho, estudou os gráficos de cotas
que estava colado em uma parede do quarto de descanso, fez perguntas. Ela ouviu um dialogo
distante em espanhol que indicava que os trabalhadores tinham decidido deixar de torturá-la por
esse dia, se foram pela escada de serviço.
Precisava saber mais sobre o fim de semana fora da cidade de Heath, mas esperou levar Bodie para
sua sala particular para abordar o tema.
—Surpreende que Heath não te fez acompanhá-lo esse fim de semana. — disse ele. — Parece que
você não é tão imprescindível como gosta de acreditar.
—Disponho de uns dias livres de vez em quando. Hoje vim aqui por ele. — Indicou seu computador
com um gesto de mão. — A pequena senhorita Granger pode levá-lo para jantar e beber o quanto
quiser, mas serei eu quem lhe encontrara uma esposa.
—Provavelmente.
Ela sentou no canto de sua mesa.
—Fale-me das mulheres com quem ele saiu no passado. Ele não me ajuda muito.

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—Não quero falar de Heath. — Foi até a janela, olhou a rua e puxou as cordas das cortinas, que
fecharam com um sussurro suave. Virou para onde ela se encontrava, e seus olhos, tão pálidos e
distantes que poderiam congelá-la, foram como um cálido balsamo para sua alma enfraquecida.
—Fique nua. — sussurrou.

17

A semana que seguiu ao desastroso retiro no lago Wind, Annabelle refugiou-se no trabalho para
evitar ficar obcecada com o que tinha ocorrido. A web de Perfeita para Você já estava em
funcionamento e recebeu sua primeira consulta por e-mail. Reuniu-se separadamente com Ray
Fiedler e Carole, que não estavam destinados a se apaixonarem, mas tinham aprendido algo um
com o outro. Melanie Richter, a candidata de Casais Power que Heath tinha rejeitado, aceitou se
encontrar em um café com o afilhado de Shirley Miller. Infelizmente, Jerry se sentiu intimidado
com seu vestuário de Neiman e se negou a encontrar com ela de novo. A suas portas chegaram
alguns aposentados que ocuparam mais seu tempo do que deviam, mas ela sabia que era solidão,
e foi incapaz de dispensá-los. Ao mesmo tempo, sabia que lhe fazia falta pensar grande se
pretendia ganhar a vida assim. Examinou o balanço de suas contas bancarias e decidiu que só dava
para oferecer uma festa com vinho e queijo a seus clientes mais jovens. Passou a semana
esperando que Heath a ligasse. O que ele não fez.
No domingo, depois de almoçar, estava escutando no radio temas musicais clássicos de Prince
enquanto tirava algumas compras da sacola quando soou o telefone.
—Olá, batatinha, como vai tudo?
Só com ouvir a voz de seu irmão Doug, sentiu-se inútil. Visualizou-o assim como o tinha visto pela
ultima vez: loiro e lindo. Uma versão masculina de sua mãe. Colocou um saco de cenouras baby na
geladeira e desligou o radio.
—Não podia está melhor. Como vão as coisas em Lalalândia?
—A casa do lado acaba de ser vendida por um milhão e duzentos mil. Esteve no mercado por
menos de vinte e quatro horas. Quando vai nos fazer outra visita? Jamison está com saudade.
—Eu também sinto falta dele. — Não era exatamente verdade, já que Annabelle apenas conhecia
seu sobrinho. Sua cunhada tinha o pobre menino tão oprimido com companheiros de brincadeiras
e aulas de reforço para crianças pequenas que a ultima vez que tinha ido vê-los, tinha-o visto
dormindo na sua cadeirinha a maior parte do tempo. Enquanto Doug continuava dissertando sobre
seu fabuloso bairro, Annabelle imaginou Jamison aparecendo em sua porta como um fugitivo de
treze anos neurótico e cheio de tiques, fugido de casa. Ela velaria por devolver-lhe a saúde mental
ensinando seus melhores truques para pessoas sem o que fazer, e quando ele crescesse falaria a
seu filhos de sua amada e excêntrica tia Annabelle que tinha preservado sua doçura e lhe tinha
ensinado a apreciar a vida.
—E escuta isso, — disse Doug. — a semana passada surpreendi Candace dando-lhe um Mercedes
novo. Quem dera tivesse visto a cara que ela fez.
Annabelle olhou pela janela da cozinha o beco no qual Sherman fritava no sol como uma enorme
rã verde.
—Aposto que ela ficou encantada.
—Eu que o diga. — Doug continuou falando do Mercedes: o interior, o exterior, GPS, como ela
queria. Em certo momento, deixou-a em espera para atender outra chamada, outro parecido com
Heath. Por fim, foi ao ponto, e então ela lembrou a razão principal pela qual Doug costumava ligar,
para dar-lhe sermão. — Temos que falar da mamãe. Estive discutindo o problema com Adam.
—Mamãe é um problema? — Abriu um pote de creme de marshmallow e meteu a mão dentro.

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—Bom, batatinha, ela não está ficando mais jovem, mas você não parece reconhecer esse fato.
—Ela não tem mais de sessenta e dois anos. — disse, com a boca cheia de doce. — Um pouco cedo
para levá-la a um asilo.
—Você lembra do susto que teve o mês passado?
—Mas foi sinusite!
—Pode tirar a importância o quanto quiser, mas os anos estão pesando sobre ela.
—Ela acaba de se inscrever em aulas de windsurfe.
—Ela só te conta o que quer que você saiba. Ela não gosta de ser um peso.
—Podia ter me enganado. — Jogou a colher suja na pia com mais força que o necessário.
— Adam e eu estamos de acordo com isso, e Candace também. Toda a preocupação que tem Kate
por você e você... digamos sem rodeios.
Isso, diga. Annabelle enroscou a tampa e meteu o pote na dispensa.
—Essa angustia por seu estilo de vida, basicamente sem objetivos, cria-lhe uma tensão que não faz
nada bem.
Annabelle obrigou-se a deixar passar por alto a chacota. Desta vez não ia deixar que suas palavras
chegassem a afetá-la.
—Preocupar-se por mim é o que mamãe mais gosta de fazer. — disse quase com calma. — Fica
entediada estando aposentada, e tentar dirigir minha vida lhe dá algo para fazer.
—Não é assim como vêem os demais. Sempre está estressada.
—Estar estressada e sua forma de passar o tempo. E você sabe disso.
—Você está muito enganada. Quando vai se dar conta de que se aferrar a essa casa supõe uma dor
de cabeça maldita?
A casa. Outro ponto vulnerável. Apesar de pagar o aluguel todos os meses, Annabelle não podia
esquecer o fato de que vivia na casa da mamãe.
—Tem que se mudar daí para ela poder por a casa a venda.
Sua alma caiu a seus pés.
—Ela quer vender a casa? — Contemplou a antiga cozinha, podia ver sua avó de pé junto a pia
quando lavavam juntas os pratos. Nana não gostava de estragar a manicura, assim que Annabelle
sempre lavava, enquanto ela secava. Costumavam fofocar sobre os garotos que Annabelle gostava,
ou sobre algum novo cliente que acabara de assinar com Nana, sobre tudo e sobre nada em
particular.
—Acredito que o que ela quer está bastante claro. — disse Doug. — Quer que sua filha assente a
cabeça e viva de maneira responsável. Ao invés de viver sem rumo, que é o que você está fazendo.
Assim consideravam o dinheiro do aluguel que a duras penas conseguia juntar a cada mês? Mas, a
quem queria enganar de todas as formas? Sua mãe ganharia uma fortuna se conseguisse vender
aquela casa a uma construtora. Annabelle não pôde suportar mais.
—Se mamãe quer vender a casa, pode falar comigo do assunto, assim que você não se meta nisso.
—Sempre faz o mesmo. Não pode discutir um problema racionalmente, por uma vez?
—Se o que você quer é racionalidade, fale com o Adam. Ou com Candace. Ou com Jamison, pelo
amor de Deus, mas deixe a mim em paz.
Desligou como a mulher madura de trinta e um anos que não era e começou a chorar no mesmo
instante. Durante uns segundos, tentou conter as lagrimas, mas em seguida pegou uma toalha de
papel, sentou-se na mesa da cozinha e abandonou-se a sua infelicidade. Estava farta de ser a
ovelha negra da família, farta de não chegar ao fim do mês. E tinha medo... por que, por muito que
resistisse, estava se apaixonando por um homem igualzinho a eles.

***

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Na segunda pela manhã, Heath ainda não tinha entrado em contato com ela. Tinha um negócio
para dirigir, e por mais que quisesse, não podia continuar olhando para outro lado e não fazer
nada, assim que deixou-lhe uma mensagem. Na terça pela tarde, ele ainda não tinha respondido.
Estava bastante segura de que sua interpretação merecedora de um Oscar tinha-lhe deixado
convencido, naquele momento, que só tinha sido seu terapeuta sexual, mas já fazia mais de duas
semanas, e parecia que pudesse estar se questionando. Evitar o confronto não estava na natureza
de Heath, e se poria em contato com ela cedo ou tarde, mas queria que seu duelo se produzisse
em seus termos, que poriam ela em desvantagem.
Ainda guardava o numero do celular de Bodie, do dia que tinham saído com Arte Palmer, e nesta
noite o utilizou.
Um corredor muito madrugador passou correndo enquanto encaixava o Sherman em um lugar
milagrosamente livre a poucos portões de distancia do endereço de Lincoln Park que Bodie tinha
lhe dado na noite anterior. Tinha colocado o despertador para as cinco e meia da manhã, uma hora
muito adequada para o senhor Bronicki e seus colegas, mas um pesadelo para ela. Depois de um
banho rápido, entrou em um vestido de verão amarelo ácido com a parte de cima com estrutura
de corpete que lhe fazia sentir como se tivesse busto, colocou um pouco de gel modelador no
cabelo lavado no dia anterior, deu uns retoques de maquiagem nos olhos e um pouco de brilho
labial e saiu de casa.
O café que tinha pedido num Caribú de Halsted esquentava suas mãos enquanto verificada o
endereço. A casa de Heath a deixou de boca aberta. A estrutura de formas livres de cristal e tijolo
com sua dramática coluna de duas alturas apontavam a rua sombria, conseguindo de alguma
maneira harmonizar com as casas vizinhas, tanto as aristocráticas do século XIX lindamente
reformadas como os mais recentes lares de luxo construídos em solares estreitos e caríssimos. Foi
caminhando pelo passeio até virar por um caminho de tijolo que conduzia, fazendo uma curva, a
uma porta principal de mogno talhada e tocou a campainha. Enquanto esperava, tratou de
melhorar sua estratégia, mas antes que chegasse a algo, ouviu o clique da fechadura e a porta se
abriu.
Ele usava uma toalha roxa, e tinha uma cara de poucos amigos que não passou depois que viu
quem chamava a sua porta as vinte para a sete da manhã. Tirou a escova de dente da boca.
—Não estou.
—Vamos, vamos. — Colocou o café na mão livre. — Estou montando uma empresa nova chamada
Cafeína à gogo. É meu primeiro cliente. — Passou ao seu lado pela entrada, onde uma escada em
forma de S subia em curva até o segundo andar. Observou o chão de mármore, o moderno lustre
de bronze, e o único móvel da entrada na verdade, um par de tênis abandonados.
—Nossa. Estou absolutamente impressionada, ainda que finja que não.
—Fico feliz que você goste. — disse ele arrastando as palavras. — Infelizmente, hoje não faço visita
guiada.
Annabelle resistiu ao impulso de passar o dedo pelo resto de espuma de barbear que tinha ficado
no lóbulo de sua orelha.
—Não tem problema. Eu dou uma olhada enquanto você acaba de se vestir. — Indicou a escada. —
Adiante. Não quero te interromper.
—Annabelle, agora não tenho tempo para falar.
—Faça um encaixe para mim. — disse ela, com o sorriso mais cativante.
O creme dental começava a fazer bolhas no canto da boca de Heath. Ele limpou com o dorso da
mão. Seu olhar deslizou pelos ombros nus de Annabelle até o justo corpete de seu vestido.
—Não estava te evitando. Ia te devolver a chamada essa tarde mesmo.
—Não, de verdade, tome o tempo que quiser. Não tenho nenhuma presa. — Deu-lhe adeus com a
mão e dirigiu-se a sala.

133
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Ele resmungou algo que parecia ser uma blasfêmia, e segundos mais tarde Annabelle ouviu os
golpes de seus pés descalço sobre o andar de cima. Olhou de soslaio por cima do ombro e
vislumbrou uns ombros gloriosos, umas costas nuas e uma toalha roxa. Só quando ele
desapareceu, voltou a centrar sua atenção na sala.
A luz da manhã entrava em raios pela alta coluna de janelas e iluminava o claro chão de madeiras
nobres. Era um espaço lindo que clamava a gritos por ser habitado, mas, fora pelos aparelhos de
ginástica sobre o tapete de borracha azul, estava tão vazio como a entrada. Nada de moveis, nem
sequer um pôster de esporte na parede.
Enquanto o estudava, começou ver como o cômodo deveria ser: uma mesa de café enorme, feita
de pedra, de frente a um sofá grande e confortável, cadeiras acolchoadas de cores vivas, telas
ostentosas nas paredes, um som estilizado, livros e revistas esparramadas. Um brinquedo com
rodas de menino. Um cachorro.
Com um suspiro, recordou a si mesma que tinha lhe feito uma emboscada essa manhã para fazer
que superassem seu fim de semana no lago. Veio a sua mente o velho provérbio que diz que tem
que ter cuidado com o que se deseja. Ela queria que as pessoas soubessem que Heath assinou com
Perfeita para Você, e tinham ficado sabendo. Agora, se o perdia como cliente, todo mundo daria
por certo que ela não tinha sido boa o bastante para mantê-lo. Tudo dependia de como se
comportaria essa manhã.
Atravessou a sala de jantar vazia para ir à cozinha. As bancadas estavam livres, os eletrodomésticos
europeus de aço inox pareciam nunca ter sido usados. Unicamente o copo suja na pia indicava
presença humana. Surpreendeu-lhe a ideia de que Heath tinha um lugar para viver, mas não um
lar.
Voltou à sala e contemplou a rua pela janela. Uma peça do quebra-cabeça de quem era o homem
pelo que tinha se apaixonado encaixava agora. Como o via sempre daqui para lá, tinha passado
batido a fato de que era basicamente um solitário. Aquela casa sem moveis, chamava a atenção
sobre seu afastamento emocional.
Reapareceu com uma calça larga cinza, uma camisa azul escura e uma gravata estampada, tudo tão
bem combinado que parecia sair de um anuncio da Barneys. Deixou o casaco sobre a bancada de
pesos, deixou o café que tinha lhe trazido e abotoou os punhos.
—Não estava te despachando. Precisava de algum tempo para reavaliar a situação, e não é que
estou pedindo desculpa.
—Desculpa aceita. — A forma que ele franziu a testa, não augurava nada de bom, e mudou
rapidamente o enfoque. —Sinto que não foram melhores as coisas com Phoebe no lago. Apesar do
que possa pensar, eu te apoiava.
—Tivemos uma conversa meio decente. — Voltou a pegar o café.
—O que aconteceu com a outra metade?
—Deixei que ela me irritasse.
Annabelle teria gostado de escutar os detalhes, mas precisava avançar antes de que ele começasse
a olhar o relógio que aparecia no punho de sua camisa.
—Tudo bem, te direi a razão pela qual vim na verdade, e se tivesse me devolvido a ligação não
teria a necessidade de te incomodar, preciso saber se você disse a alguém sobre você sabe quem.
Se você o fez, te juro que não voltarei a falar contigo. Contei-te de forma estritamente confidencial.
De verdade, eu morreria de vergonha.
—Diga-me que não veio aqui intempestivamente para falar do cara dos seus sonhos.
Ela fingiu brincar com seu anel, um com uma turquesa que Nana tinha comprado em Santa Fé.
—Porque, você acha que é possível que Dean goste de mim?
—Deus do céu, não sei. Não pode esperar chegar à sala de estuque e perguntar a suas
amiguinhas?
Tentou parecer ofendida.

134
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Busco um ponto de vista masculino, isso é tudo.


—Pergunte ao Raoul.
—Nós terminamos. Ele me chifrava.
—Isso toda a cidade já sabia, não?
Muito bem, tinham se divertido. Annabelle sentou no canto da bancada de pesos.
—Sei que pensa que Dean é muito jovem para mim...
—Sua idade é só um ponto da longa lista de calamidades que virão sem duvida se não superar isso.
—Eu não sei. Você acha? — Levantou da bancada. — A coisa é que... temo que ainda esteja
lidando com algumas implicações emocionais do retiro, o que poderia fazer que te porte como
uma menina.
—Menina? — Disparou para cima uma sobrancelha escura.
—É só a opinião de uma mulher.
—Você acha que estou me portando como uma menina? Você, a rainha das meninas, Annabelle?
—Você não respondeu as minhas ligações.
—Queria pensar nisso.
—Exato. — Aproximou-se dele, compondo uma atitude resolvida muito convincente. — É obvio
que ainda tem um conflito com a noite de minha liberação sexual, mas é muito macho para
admitir. Nunca deveria aproveitar-me de ti. Nós dois sabemos, mas pensei que não te importava.
Parece que não é assim.
—Seguramente essa vai ser uma desilusão para você, — disse ele secamente. —mas não fiquei
traumatizado com uma violação e roubo.
—Respeito que te aferre ao seu orgulho. — disse ela com certa seriedade.
Ele franziu a testa.
—Deixa de bobeira. Você foi bem clara ao falar de misturar prazer e negócios e tinha razão. Ambos
sabemos. Mas Krystal deu sua festa pornô, eu não gosto que me digam que não, e o resto é
história. Quem se aproveitou fui eu. A razão pela qual não te liguei é que ainda estou pensando em
como te compensar.
Annabelle detestava a ideia de que a visse como vitima.
—Não será fugindo, tenho certeza. Dá nojo o chefe que dorme com sua secretária e logo depois a
despede por isso.
Teve a satisfação de vê-lo se irritar com o gesto, ferido.
—Eu nunca faria isso. — disse.
—Estupendo. Reserve-me todas as noites a partir de amanhã. Arrancaremos com uma professora
de economia que é um cérebro, lembra um pouco Kate Hudson, acha Adam Sandler no mínimo
medianamente engraçado e sabe distinguir uma taça de vinho de uma de água. Se não gostar dela,
tenho mais seis esperando. Assim que volta ao jogo ou vai dar para trás?
Negou a morder a isca. Ao invés disso, aproximou da janela, bebendo o café e levando seu tempo,
pensava sem duvida no complicado que aquilo tinha se tornado.
—Está segura que quer ir adiante? — disse por fim.
—Escuta, não sou eu quem ficou chateado. Claro que estou segura. — “Grande mentira” — Tenho
que dirigir um negócio e, francamente, você está tornando isso difícil.
Ele passou a mão pelo cabelo.
—De acordo. Pode organizar.
—Perfeito. — Dedicou-lhe um sorriso tão amplo que doeu-lhe as bochechas. — Então, vamos
concretizar...
Fizeram os arranjos, fixaram dias e horas, e Annabelle se foi quando terminaram. Dirigindo de volta
a casa, fez uma promessa a si mesma, futuramente fecharia suas emoções ali onde devia guardá-
las. Em uma sacola interior Ziploc, extra-resistente.

135
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

***

A noite do dia seguinte, Heath seguia Kevin entre as mesas do salão de dança de um hotel
enquanto o quarterback estreitava mãos, palmava costas e trabalhava com numerosos homens de
negócio que tinham se reunido para comer e escutar seu discurso de motivação intitulado “Jogar
ao longo da vida”. Heath permaneceu atrás dele, pronto para dar uma mão se alguém tentasse se
aproximar muito ou tomar muita liberdade, mas Kevin conseguiu chegar à mesa presidencial sem
incidentes.
Heath tinha escutado o discurso uma dezena de vezes, e quando Kevin tomou lugar voltou ao
fundo do salão de dança. Deram começo as apresentações, e os pensamentos de Heath
retrocederam a emboscada de Annabelle na manhã do dia anterior. Tinha irrompido em sua casa,
invadindo-a com todo seu descaro, contra o que tinha indicado sua forma de falar, tinha se
alegrado em vê-la. De todas as formas, não lhe mentiu quando disse que precisava de tempo para
pensar nas coisas, incluindo como podia tirar-lhe aquele capricho infantil que havia tido por Dean
Robillard. Se não voltasse logo a sua razão, Heath ia perder seu respeito por ela. Por que as
mulheres deixavam o cérebro de lado quando se tratava de Dean?
Heath afastou as recordações incômodas de uma antiga namorada que dizia exatamente o mesmo.
Tinha decidido ter uma conversa franca com Dean para se assegurar de que ficasse claro ao garoto
de ouro que Annabelle não era outra idiota a mais que pudesse incorporar a sua vitrine de troféus.
Só que se supunha que tinha que puxar o saco de Dean, não enfrentá-lo. Mais uma vez, sua
casamenteira tinha lhe posto em um conflito impossível.
Kevin fez uma piada rindo de si mesmo, e a multidão o aplaudiu. Tinha-os onde queria e Heath
escapuliu ao corredor para conferir suas mensagens. Quando viu o numero de Bodie, ligou para ele
primeiro.
—O que está acontecendo?
—Um amigo meu acaba de me telefonar da praia de Oak Street. — disse Bodie. — Tony Coffield,
lembra dele? Seu pai tem um par de bares em Andersonville.
—Sim? — Tony era um dos componentes de uma rede de caras que davam informações a Bodie.
—Pois adivinha quem mais apareceu para tomar um pouco de sol. Nada menos que nosso bom
amigo Robillard. E parece que não estava só. Tony disse que dividiu a toalha com uma ruiva.
Bonita, mas não era seu tipo habitual.
Heath apoiou as costas contra a parede e apertou os dentes.
Bodie riu.
—Sua casamenteira não perde tempo, desde logo.

***

Annabelle levantou a cabeça da toalha cheia de areia e contemplou Dean. Estava deitado de
costas, com os músculos bronzeados e oleosos, o cabelo loiro reluzente e os olhos ocultos por uns
óculos de sol futuristas com lentes azul claro. Um par de mulheres de biquíni passaram na frente
pela quarta vez, e desta vez pareciam reunir a coragem para abordá-lo. Annabelle interceptou seus
olhares, fez um sinal em seus lábios indicando-lhes que estava dormindo e sacudiu a cabeça. As
mulheres, decepcionadas, passaram direto.
—Obrigado. — disse Dean, sem mover os lábios.
—Não cobram por esse trabalho?
—Eu te comprei um cachorro quente, não?
Ela apoiou o queixo nos nós de seus dedos e afundou mais na areia os dedos dos pés. Dean tinha
ligado no dia anterior, umas horas depois de sair da casa de Heath. Perguntou-lhe se animava a dar
um passeio pela praia antes de que começasse a concentração e os treinamentos.

136
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Ela tinha um milhão de coisas que fazer, para preparar a maratona de encontros que tinha
planejado, mas não podia deixar passar a oportunidade de confirmar a história de sua paixão, caso
Heath ainda tivesse duvidas.
—Explique outra vez, então. — disse Dean, com os olhos ainda fechados. — Isso de que está me
usando descaradamente para seus próprios propósitos nefastos.
—Se supõe que um jogado de futebol não conhece palavras como “nefasto”.
—Ouvi em um anuncio de cerveja.
Ela sorriu e ajustou os óculos de sol.
—Só vou dizer isso, me meti numa pequena confusão, e não, não vou te contar com quem. A
forma mais fácil de escapulir era fingir que estou louca por você. E estou, por suposto.
—Mentirosa. Trata-me como uma criança.
—Só para me proteger de seu charme.
Ele ofegou.
—Além disso, que me vejam com você eleva enormemente o perfil da minha empresa. — Apoiou a
bochecha no braço. — Conseguirei que as pessoas falem do Perfeita para Você, e a única
publicidade que posso me permitir nesse momento é a gratuita. Pagarei-te. Prometo-te. —
Estendeu seu braço e deu uma pequena palmada em um de seus bíceps duríssimos e quentes pelo
sol. — Daqui a uns dez anos, quando estejamos certos de que superou a puberdade, penso em te
encontrar uma esposa estupenda.
—Dez anos?
—Tem razão. Vamos por quinze, só para ter certeza.

***

Annabelle teve uma péssima noite de sono. Estava aterrorizada diante do começo da maratona de
encontros com Heath, mas já era hora de fazer das tripas coração e ir em frente com tudo que
tinha que fazer.
Chegou ao Sienna´s primeiro. Quando ele entrou, seu coração deu um pontapé um pouco antes de
cair aos seus pés. Tinha sido seu amante, e agora tinha que apresenta-lo a outra mulher.
Ele parecia tão amargo quanto ela.
—Disseram que ontem esteve brincando na praia. — disse ao se sentar.
Ela contava que sua escapada com Dean tivesse chegado aos seus ouvidos, e se animou um pouco.
—Não. Não vou te dizer uma palavra. — Fez um gesto de fechar seus lábios com zíper, colocou um
cadeado e jogou a chave.
A irritação de Heath aumentou.
—Sabe quão infantil é isso?
—Foi você que perguntou.
—Só disse que você tinha tomado um dia livre. Você que fez essa conversa.
—Tenho permissão de tomar um dia livre de vez em quando. E lago Wind não conta porque estive
ocupada com um cliente. Concretamente com você.
Deixou suas pálpebras semi-cerradas com sua expressão tão sexy que anunciava que ia dizer algo
picante. Mas logo pareceu pensar duas vezes.
—E como está o progresso com seu verdadeiro amor?
—Acho que ele está atraído por mim. Talvez seja porque sou pegajosa. Poderia ficar pegajosa, mas
estou me obrigando a entregar-lhe todas as cartas. Não acha que é o mais inteligente que posso
fazer?
—Não vai me levar a essa discussão.
—Já sei que tem admiradoras deslumbrantes como moscas, mas acredito que poderia estar
superando essa etapa de sua vida. Tenho a sensação de que está amadurecendo.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Espere sentada.
—Acha que me comporto como uma estúpida, verdade?
—Tinker Bell, você deu um novo significado a estupidez. Para uma mulher supostamente com a
cabeça sobre os ombros...
—Shh... está chegando Celeste.
Heath e Celeste tiveram uma conversa muito monótona sobre economia, um tema que sempre
desanimava Annabelle. Se a economia ia bem, sentia que não sabia como tirar vantagem, e se a
economia ia mal, não via como ela ia conseguir ir em frente. Deixou que a conversa se estendesse
vinte minutos antes de pôr fim.
Depois de que Celeste se foi, Heath disse:
—Não me importaria que me prestasse seus serviços, mas não quero me casar com ela.
Annabelle não acreditava que Celeste tinha gostado muito de Heath também, e seu humor
melhorou. Só transitoriamente, por desgraça, já que sua seguinte candidata, uma executiva de
relações publicas, apareceu pontualmente.
Heath estava encantador, como de costume, respeitoso, mostrando interesse por tudo que ela
dizia, mas resistente a ir mais adiante.
—Se veste com muito bom gosto, mas a deixo nervosa.
Ao longo da semana, Annabelle usou todos seus recursos, e o apresentou a uma diretora de
cinema, a proprietária de uma flora, a uma executiva de seguros e a editora de Janine. Gostou de
todas, mas não mostrou interesse em sair com nenhuma.
O bombardeio de encontros chegou aos ouvidos de Portia, que enviou mais duas aspirantes. Uma
babava em cima dele, coisa que o irritou, mas deliciou Annabelle. A outra não gostou da falta de
pedigree de Heath, coisa que enfureceu Annabelle. Em seguida, Portia insistiu em organizar um
encontro no Drake para o café da manhã. Heath assentiu, finalmente, assim que Annabelle
aproveitou para encaixar nessas horas um encontro com uma antiga companheira da universidade
que a noite dava aula para adultos.
A candidata de Annabelle foi um fiasco, a de Portia não. Portia tinha insistido tanto no encontro
matinal, segundo descobriu Annabelle, por que tinha recrutado a mais recente apresentadora das
noticias da noite da WGN-TV, Keri Winters. Keri era deslumbrante, brilhante e refinada, refinada
demais. Era o equivalente feminino de Heath, e entre os dois resultava muito escorregadio para
flutuar um petrolífero.
Annabelle tentou pôr fim na agonia depois de vinte minutos, mas Heath deu-lhe um olhar
assassino e Keri ficou mais meia hora. Quando ficaram por fim a sós, Annabelle elevou os olhos ao
céu.
—Isto foi uma perda de tempo.
—Mas o que diz? É exatamente o que ando buscando, vou pedi-lhe para sair.
—Ela é tão de plástico como você. E te advirto, não é uma boa ideia. Se alguma vez vocês têm um
filho, sairá do útero com “Fisher-Price” estampado no traseiro.
Heath não quis fazer caso dela e ao dia seguinte ligou para a Dona Notícias das nove para marcar
um jantar.

18

Passaram duas semanas. Entre fazer sua festa de vinhos e queijos e preocupar-se com Heath e Keri
Winters, Annabelle perdeu peso suficiente para caber na mini-saia azul erva donzela que não
conseguiu usar no verão.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Coloque algo por cima. — tinha grunhido o senhor Bronicki a noite da festa quando ela desceu
as escadas usando à mini-saia, além de um justo top cor marfim.
—Pago você para ajudar. — respondeu ela. — Não tem permissão para fazer criticas.
—Exibindo-se como uma sem vergonha... Irene, venha aqui e dê uma olhada nisso.
A senhora Valerio assomou a cabeça na porta da cozinha.
—Está muito linda, Annabelle. Howard, venha me ajudar a abrir este pote de azeitonas. — A
senhora Valerio, desde que começou a sair com o senhor Bronicki, tinha pintado o cabelo do
mesmo vermelho que tinha o Pica-pau, que combinava com seu sapato carmim que usava esta
noite com seu melhor vestido preto de domingos.
O senhor Bronicki, como um pincel com sua camisa branca de manga larga, segui-a até a cozinha.
Annabelle foi a seu escritório onde tinha convertido sua mesa em uma mesa de bufê com uma
toalha xadrez amarela e azul da Nana e um magnífico centro de flores de jardim que a senhora
McClure tinha doado. Puseram os queijos e as frutas em encantadores pratos de porcelana dos
anos sessenta da Nana. O senhor Bronicki se ofereceu para atender a porta e servir vinho,
enquanto a senhora Valerio se encarregava de encher os pratos. Com o que tinha comprado e
recorrendo a ajuda dos aposentados, Annabelle tinha organizado uma noite que se ajustava em
seu orçamento. E o que era ainda melhor, tinha recrutado dois clientes homens a mais através de
sua página na internet.
Concentrar-se no trabalho não tinha ajudado muito a apagar as imagens de Heath na cama com
Keri, mas fez o que pôde. A noticia de que a apresentadora da WGN e o mais destacado agente
esportivo da cidade deixavam-se ver juntos tinha chegado ultimamente aos colóquios radiofônicos,
incluindo o programa de maior audiência pela manhã, cujos locutores Eric e Kathy tinham lançado
o concurso “para colocar o nome estranho ao filho que teriam”.
Soou a campainha da porta.
—Já escutei. — grunhiu o senhor Bronicki desde a cozinha. — Não estou surdo.
—Lembra o que te disse sobre sorrir. — disse-lhe Annabelle quando passou ao seu lado arrastando
o pé.
—Não pude voltar a sorrir desde que perdi os dentes.
—Você tem a mesma graça de uma caixa de laxante.
—Respeito, senhorita.
Annabelle tinha ficado muito preocupada que as pessoas não se entrosassem e tinha pedido que
Janine lhe desse uma mão. Sua amiga foi a primeira a chegar, seguida de Ernie Marks e Melanie
Richter.
Ao cabo de uma hora, os pequenos cômodos do andar de baixo de Annabelle estavam lotados.
Celeste, a economista da Universidade de Chicago, passou muito tempo conversando com Jerry, o
afilhado de Shirley Miller.
Ernie Marks, o tranqüilo diretor da escola primaria, e Wendy, a vivaz arquiteta de Roscoe Village,
pareciam que se entendiam. Seus dois clientes mais recentes, encontrados pela web, rodeavam a
elegante Melanie. Infelizmente, Melanie parecia mais interessada em John Nager. Considerando
que Melanie tinha estado casada com um homem viciado em desinfetar as maçanetas das portas,
Annabelle não acreditou que John, o Hipocondríaco, fosse sua melhor opção. O mais interessante
com que se deparou essa noite, entretanto, foi algo inesperado. Para a surpresa de Annabelle, Ray
Fiedler grudou na Janine assim que chegou, e Janine não fez o menor esforço para tirá-lo de cima.
Annabelle tinha que admitir que o novo corte de cabelo de Ray tinha feito maravilhas nele.
Quando se foi seu ultimo convidado, estava exausta, mas satisfeita, acima de tudo por que todo
mundo queria saber a data da sua próxima festa, e um bom punhado de folhetos tinha
desaparecido. Em resumo, Perfeita para Você tinha desfrutado uma noite bastante triunfal.

***

139
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Quando a relação de Heath e Keri entrou na terceira semana, Annabelle deixou de escutar as
fofocas pela radio. No lugar disso, dedicou-se a dar seguimento aos contatos que seus clientes
fizeram na festa, tentou dissuadir Melanie de se encontrar com John e assinou com outro cliente.
Nunca tinha estado mais ocupada. Só lhe faltava ser mais feliz.
Uma terça pela noite, soou a campainha da porta. Colocou de lado o livro que estava lendo, desceu
e encontrou Heath plantado em sua entrada, com a roupa amarrotada e o aspecto de quem
voltava de viagem. Ainda que tivessem se falado por telefone era a primeira vez que se viam desde
a noite que conheceu Keri.
Ele olhou sua camiseta sem mangas, de algodão branca, não usava sutiã, e suas calças de pijama
azuis estampadas com taças rosa de Martini que tinham pequenas azeitonas verdes.
—Estava dormindo?
—Lendo. Está acontecendo alguma coisa?
—Não. — Atrás dele um táxi se afastava do meio fio. Tinha o contorno dos olhos avermelhados e
uma sombra de barba assomava em sua tez de homem duro, o que, nos olhos transtornados de
Annabelle, o faziam ainda mais atrativo.
—Você tem alguma coisa para comer? No avião não havia mais que pretzels, mesmo na primeira
classe. — Já tinha entrado. Deixou no chão sua mala de rodas e seu notebook. — Tinha pensando
em te ligar antes, mas cochilei no táxi.
As emoções de Annabelle estavam demais a flor da pele para enfrentar isso.
—Só sobras de espaguete, nada mais.
—Parece estupendo.
Reparando nas linhas fatigadas de seu rosto, ela não teve coragem de mandá-lo embora e
caminhou para a cozinha.
—Você tinha razão sobre eu e Keri. — disse ele a suas costas. Ela bateu no marco da porta.
—O que?
Ele olhou a geladeira mais adiante dela.
—Não cairia mal uma Coca-cola, se você tiver.
Ela sentiu vontade de agarra-lhe pelo colarinho de sua camisa branca e sacudi-lo até que dissesse
exatamente o que tinha querido dizer com aquilo, mas se conteve.
—Claro que tinha razão sobre Keri e você. Sou uma profissional experiente.
Ele afrouxou o nó da gravata e desabotoou o colarinho.
—Refresque a minha memória. Que tipo de experiência você teve exatamente?
—Minha avó era uma super-estrela. Eu levo isso no meu sangue. — Ia começar a gritar se ele não
dizia o que estava se passando. Tirou a Coca-Cola da geladeira e lhe entregou.
—Keri e eu nos parecemos demais. — Apoiou um ombro contra a parede e deu um gole no
refrigerante. — Tivemos que nos ligar meia dúzia de vezes só para marcar um almoço.
A nuvem negra que tinha a seguido por três semanas foi levada pelo vento para arruinar a vida de
outra pessoa.
Tirou da geladeira a vasilha Tupperware azul pastel, junto com os restos do whopper que não teve
vontade de terminar ao meio dia.
—Foi um rompimento difícil?
—Não exatamente. Tínhamos passado tanto tempo tentado fazer ligações que tivemos que fazê-lo
por e-mail.
—Corações não foram partidos, então.
Sua tez adquiriu uma atitude obcecada.
—Deveríamos ter sido genais juntos.
—Já conhece minha opinião a respeito disso.
—A teoria Fisher-Price. Como poderia esquecer?

140
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Enquanto cortava os restos de seu hambúrguer e misturava com o espaguete, Annabelle se


perguntou por que não tinha ligado para dar a noticia ao invés de vir pessoalmente. Colocou o
prato no microondas.
Ele se aproximou ao inspecionar o plano de dieta preso em um painel, desbotado já, que ela tinha
colado na porta da geladeira assim que se mudou.
—Não dormi com ela. — disse, sem afastar um milimetro os olhos de um jantar com poucos
carboidratos e a base de pescado.
Ela reprimiu sua alegria.
—Isso não é da minha conta.
—Sei que não, mas você é uma fofoqueira.
—Olha, estive muito ocupada construindo meu império para ficar obcecada com sua vida sexual.
Ou a falta dela. — Conteve a vontade de fazer uma dancinha sapateando, enquanto pegava a
panela e um prato e colocava-os em cima da mesa. —Você não é meu único cliente, sabe?
Heath encontrou um garfo na caixa de prata, sentou e examinou seu prato.
—É uma batata frita isso que está em cima do espaguete?
—Nouvelle Cuisine. — Abriu a geladeira para pegar um pote de sorvete que não teve vontade de
tocar por três semanas.
—E como vai o negócio? — perguntou ele.
Abrindo a tampa ela contou de sua festa e de seus novos clientes. O sorriso de Heath sugeria que
se alegrava sinceramente.
—Parabéns. Está colhendo o fruto do seu esforço.
—Assim parece.
—E como vão as coisas com seu amorzinho?
Custou-lhe um momento adivinhar de que ele estava falando. Afundou a colher no sorvete.
—A cada dia melhor.
—Que curioso. Vi-o em Waterworks faz um par de noites fazendo um boca a boca com um clone
de Britney Spears.
Ela pegou uma ponta de chocolate.
—Faz parte do plano. Não quero que ele se sinta oprimido.
—Acredite em mim. Ele não está se sentindo.
—Você vê? Está funcionando.
Ele arqueou uma sobrancelha.
—É só a opinião de um homem, mas acho que estava melhor com Raoul.
Ela sorriu, voltou a fechar o sorvete e deixou o pote no congelador. Enquanto ele comia, lavou uma
frigideira que tinha deixado de molho na pia e respondeu suas perguntas sobre a festa, levando em
consideração como ele estava cansado, apreciou seu interesse.
Quando acabou de comer, Heath entregou seu prato. Tinha devorado tudo, até a batata frita.
—Obrigado. É a melhor comida que comi por vários dias.
—Meu Deus, você estava mesmo ocupado.
Heath pegou o que sobrava do sorvete do congelador.
—Estou muito cansado para ir para casa. Tem alguma cama para convidados onde possa dormir?
Ela bateu a canela na porta da pia.
—Ai! Você quer ficar aqui essa noite?
Ele levantou a vista do pote de sorvete com uma expressão de desconcerto, como se não
entendesse a pergunta.
—Faz dois dias que não durmo. Você tem um problema com isso? Prometo-te que estou cansado
demais para te atacar, se é isso que te preocupa.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—O que me preocuparia? —Distraiu-se tirando o saco de lixo debaixo da pia. —Suponho que não
há nada para preocupar. Mas o antigo quarto de Nana dá para o beco e amanhã é o dia que o
caminhão do lixo passa.
—Sobreviverei.
Vendo como ele estava cansado, ela não entendia por que ele não tinha esperado o dia seguinte
para ligar e dar a noticia de Keri. A não ser que não quisesse estar só esta noite. Talvez seus
sentimentos por Keri eram mais profundos do que dava a entender. Das bolhas de felicidade de
Annabelle se escapou um pouco de ar.
—Eu já levo isso para fora. — Heath guardou o soverte no congelador e pegou o saco de lixo que
ela tinha acabado de fechar.
Tudo resultava intimo demais. As altas horas, a acolhedora cozinha, a divisão de tarefas. Ela de
pijama e sem sutiã. A montanha russa na que viajava seu estado de ânimo desde semanas desceu
outro morro abaixo.
Quando ele voltou de seu trabalho com o lixo, deu uma olhada na porta atrás e indicou o pátio
traseiro com a cabeça.
—Esse carro... Deixe-me adivinhar. Da Nana?
—Sherman tem mais personalidade que um carro.
—De verdade dirige esse traste onde pessoas possam ver?
—Alguns de nós não se podem permitir um BMW.
Ele sacudiu a cabeça.
—Suponho que se esse negócio da agência de encontros não vai para frente, sempre pode pintá-lo
de amarelo e colocar um taxímetro em cima.
—Isso te diverte, não?
Ele sorriu e foi para parte da frente da casa.
—Que tal se você me mostra meu quarto, Tinker Bell?
Isto saia do normal. Apagou a luz, decidida a manter sua atitude despreocupada.
—Se por casualidade é uma dessas pessoas que não gosta de ratos, coloque a cabeça debaixo do
lençol. Isso costuma mantê-los a distancia.
—Desculpas por ter rido do seu carro.
—Desculpas aceitas.
Heath pegou sua mala e subiu as escadas ao pequeno corredor quadrado do andar de cima, estava
alinhado com uma serie de portas.
—Pode ficar no antigo quarto de Nana. — disse ela. — O banheiro está aqui ao lado. Essa é a sala
de estar. Era o quarto da minha mãe quando era pequena. Eu durmo no terceiro andar.
Ele deixou a mala no chão e foi até a entrada da sala de estar. A antiquada decoração em cinza e
malva tinha um ar irremediavelmente ruinoso. Um pedaço de jornal do dia anterior estava caído
no enrugado tapete de tweed, e o livro que estava lendo Annabelle jazia sobre o sofá cinza. Uma
velha cômoda de carvalho sobre a qual descansava um televisor ocupava o espaço entre duas
janelas de guilhotina, que estavam finalizadas por opulenta persiana de listras cinza e malvas
descoloridas. De frente da janela, um jogo de duas bases brancas de metal e pés torcidos
sustentava mais exemplares da coleção de violetas africana de Nana.
—Isso é agradável. — disse. — Eu gosto da sua casa.
A principio, ela acreditou que ele estava enchendo seu saco, mas logo compreendeu que ele era
sincero.
—Vamos trocar. — disse.
Ele olhou a porta aberta do corredor.
—Você dorme no sótão?
—É onde dormia quando era pequena e acabei tomando gosto.
—A guarida da Tinker Bell. Isso eu tenho que ver. — Caminhou pelas estreitas escadas do sótão.

142
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não estava muito cansado? — exclamou ela.


— O que faz essa a ocasião perfeita para ver seu quarto. Sou inofensivo.
Ela não acreditou nem por um momento.
O sótão, com suas duas abas e seu teto inclinado, tinha se convertido num deposito das
antiguidades desfeitas de Nana: uma cama de cerejeira de dossel, uma mesa de carvalho, uma
arrumadeira com um espelho dourado, até um velho manequim de alfaiate dos tempos em que
Nana se ocupava costurando ao invés de ser casamenteira. Uma das duas abas acolhia uma
confortável poltrona e uma otomana, na outra uma mesa pequena de nogueira e um aparelho de
ar condicionado, feio, mas eficiente. Annabelle tinha acrescentado pouco antes cortinas de tecido
leve azul e branco as janelas das laterais das águas, uma colcha do mesmo tecido e algumas
reproduções de arte para compensar a miscelânea de paisagens que tinham ido parar lá em cima.
Annabelle se alegrou de ter feito uma limpeza um pouco antes, ainda que desejava que passasse
desapercebido o sutiã rosa que estava sobre a cama. Os olhos de Heath pousaram nele, e depois
desviaram ao manequim, que nesse momento vestia uma velha toalha de mesa bordada a mão e
um chapéu dos Cubs.
—Nana?
—Era uma fanática.
—Já vejo. — Levantou a vista para o teto inclinado. — Com um par de clarabóias estaria perfeito.
—Talvez devesse se concentrar em decorar sua própria casa.
—Suponho que sim.
— Sério, Heath, se eu tivesse essa magnífica casa e tanto dinheiro como você, a transformaria em
uma atração turística.
—O que você quer dizer?
—Grandes móveis, mesas de pedra, uma iluminação cuidadosa, arte contemporânea pendurada
nas paredes... telas enormes. Como pode aguentar viver numa casa tão fabulosa sem fazer nada
com ela?
Ele olhou-a de uma forma tão estranha que começou a se sentir incomoda e lhe deu as costas.
—O quarto de Nana tem persianas um pouco caprichosas. Vou fechá-la e te levar umas toalhas.
Correu ao andar de baixo. O tênue odor do perfume Para uma Rosa Silvestre, da Avon, impregnava
o quarto de Nana. Acendeu a pequena lâmpada da penteadeira de porcelana, retirou os lençóis a
mais que tinha deixado nos pés da cama e arrumou à persiana. No banheiro escondeu a caixa de
Tampax da semana anterior e colocou o jogo de toalhas limpas no velho toalheiro cromado.
Heath continuou sem descer. Perguntou-se se ele havia descoberta sua velha boneca Tippy
Tumbles, que estava apoiada na mesa. Ou pior ainda, o catalogo de brinquedos eróticos que nunca
tinha chegado a jogar fora. Subiu as escadas correndo.
Encontrou-o deitado na cama, completamente vestido, exceto por seus sapatos e dormindo como
um bebê. Tinha os lábios ligeiramente separados, e os tornozelos vestindo meias negras, cruzados.
Uma de suas mãos repousada sobre seu peito. A outra, ao lado de seu corpo, junto com a ponta do
sutiã rosa que sobressaia debaixo de seus quadris. Estava colado a ponta de seus dedos, sem
chegar a tocá-lo, mas bastante próximo para provocar em Annabelle um formigamento no
estomago. Estaria louca, mas não suportava ver lingerie abandonada próxima a ele.
Um dos tacos do chão rangeu ao se aproximar na ponta dos pés da cama. Muito devagar, com
cuidado, agarrou a tira do sutiã e puxou.
O sutiã não se moveu. Ele soltou um ligeiro suspiro. Era uma loucura. Annabelle já se sentia
suficientemente vulnerável com a situação no geral. Deveria ir embora e deixa-lo dormir. Mas deu
outro puxão.
Ele virou para o lado, para ela, terminando de prender o sutiã, salvo apenas pela voltinha do
encaixe, embaixo de seu quadril.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Annabelle começou a suar. Sabia que era uma loucura, mas não podia ir embora. Rangeu outro
taco no chão quando se ajoelhou ao lado da cama, o mesmo taco que rangeu quando ela pisou,
assim que deveria ter mais cuidado. O coração batia com força. Apoiou a mão sobre o colchão e
deslizou o dedo através da tira enroscava que aparecia debaixo do quadril de Heath. Puxou com
força.
Heath levantou pesadamente uma pálpebra e sua voz sonolenta a sobressaltou.
—De duas uma, ou entra aqui comigo ou sai daqui.
—Essa é — puxou um pouco mais forte. — a minha cama.
—Eu já sei. Estou descansando um momento.
Não dava a impressão de estar descansando um momento. Dava a impressão de ter se instalado
por toda a noite. Junto com sua lingerie. Que se negava a mexer.
—Se me deixa...
—Estou completamente morto. — Fechou os olhos. — Devolvo sua cama pela manhã. Prometo-te.
— Sua voz foi fazendo um murmurou confuso.
—Tudo bem, mas...
—Sai. — resmungou ele.
—Já vou. Mas antes você se importaria...?
Heath voltou a deitar-se de costas, o que deveria ter liberado seu sutiã, mas não foi assim, ficou
preso entre sua mão e seu quadril.
—Eu, eh, tenho que pegar uma coisinha. Já não te incomodarei mais.
Os dedos de Heath prenderam seu punho, e desta vez, ao abrir sua pálpebras, tinha os olhos bem
despertos.
—O que você quer?
—Recuperar meu sutiã.
Ele levantou a cabeça e olhou para o lado, sem soltar seu punho.
—Por quê?
—Sou uma maníaca por ordem. Os quartos bagunçados me tiram o juízo. — Deu uma forte puxada
e libertou seu braço.
Heath contemplou o sutiã pendurada agora na sua mão.
—Você vai sair essa noite?
—Não, vou... — Estava claro que tinha despertado o leão adormecido, e fez um montinho com a
mão em cima do sutiã, tentando deixa-lo invisível. — Volte a dormir. Eu já vou me deitar na cama
de Nana.
—Agora já estou acordado. — Incorporou-se sobre os cotovelos. — Normalmente, vejo de longe
suas loucuras, mas tenho que admitir que desta vez você me deixou perplexo.
—Ah, esquece.
—O que tenho claro — indicou sua mão com a cabeça. — é que isso tudo não é por causa de um
sutiã.
—Isso é o que você pensa. — Olhou-o com dureza. — Enquanto não estiver na minha pele, não
julgue.
—Julgar o que?
—Você não entenderia.
—Passo o dia inteiro entre jogadores de futebol, te surpreenderia a quantidade de coisas estranhas
que entendo.
—Não serão tão estranhas como essa.
—Tente.
O gesto de sua face indicava que ele não ia deixar isso passar batido, e ela não teve outra saída que
dizer a verdade.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não suporto ver... — Engoliu saliva e passou a língua nos lábios. — Passo mal se vejo... eh...
lingerie feminina perto demais da mão de um homem. Quer dizer, quando essa lingerie não cobre
de fato um corpo feminino.
Heath soltou um grunhido e voltou a afundar a cabeça na almofada.
—Deus, Deus. Não me diga.
—Não gosto. — E isso era expressar-se com suavidade.
Sabia que Heath riria, e assim o fez, com uma sonora gargalhada que repercutiu pelos peculiares
ângulos do ático. Ela olhou fixamente até fazê-lo afastar a vista.
Heath abaixou os pés da cama.
—Tem medo de que me torne um travesti?
Ouvir dizer isso em voz alto arrancou de Annabelle uma cara de dor. Como tinha podido chegar aos
trinta e um sem ninguém interná-la?
—Medo exatamente não. Mas... a coisa é... por que expô-lo a tentação?
Ele se encantou com aquilo.
Annabelle entendia que se divertisse, ela teria se divertido se estivesse em seu lugar, mas foi
incapaz de esboçar um sorriso. Abatida voltou-se para as escadas. O riso de Heath foi apagando,
rangeu outro taco quando saiu atrás dela. Pôs as mãos em seus ombros.
—Olha, você realmente não gosta, verdade?
Ela assentiu.
—Sinto muito. Passo muito tempo em vestiários. Não rirei mais de você, te prometo.
Sua simpatia era pior ainda que o riso, mas virou do mesmo jeito e apoiou a cabeça em seu peito.
Ele acariciou o cabelo de Annabelle, ela disse a si que devia se afastar, mas tinha a impressão de
estar exatamente onde devia estar. E então tomou consciência da potente ereção que pressionava
sua pele. O mesmo se passou a ele. Deu rapidamente um passo para trás, soltando-a bruscamente.
—Será melhor que eu me vá para o andar de baixo para que recupere seu quarto. — disse.
Ela conseguiu assentir tremulamente com a cabeça.
—Tudo bem.
Ele pegou seus sapatos, mas não saiu imediatamente. Primeiro foi à mesa e sinalizou com um
gesto o monte de revista que havia em cima.
—Gosto de ler antes de dormir. Não teria um exemplar do Sports Ilustrated?
—Temo que não.
—Claro que não. Por que teria? — Estendeu uma mão. — Posso levar outra coisa, então?
E se foi com seu catálogo de brinquedos eróticos.

***

Heath sorria para si mesmo descendo as escadas, mas seu sorriso tinha esfumaçado quando
chegou ao quarto de Nana. Que demônios estava fazendo ali? Tirou a camisa e se jogou na
poltrona. Não tinha planejado aparecer na porta de Annabelle, mas tinha passado uma semana
brutal. Com a pré-temporada a ponto de começar, tinha estado voando por todo país, tocando a
base com todos seus clientes. Tinha se feito de irmão mais velho, de animadora de torcida, de
advogado e de psiquiatra. Tinha suportado atrasos de vôos, confusões com carros de aluguel,
comida ruim, musica alta demais, bebida demais e falta de sono. Essa noite, ao entrar no táxi, a
imagem de sua casa deserta diante dele tinha sido demais, e ouviu a si mesmo dando ao motorista
o endereço de Annabelle.
A sensação de estar se prolongando ameaçava sua saúde. Tinha assinado com Portia em maio, e
com Annabelle no princípio de junho. Estavam já no meio de agosto, mas seguia tão distante de
alcançar seu objetivo como no principio. Enquanto descia o zíper, compreendeu que seu frustrante

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

rompimento com Keri demonstrava uma coisa, não podia continuar assim, não com a temporada
de futebol em andamento, não se pretendia ter a cabeça relaxada.
Tinha chegado o momento de introduzir mudanças...

***

Portia observou como aqueles seios de mulher gotejavam dentro da bandeja de ostras cruas, com
um repique rítmico e regular. Uma escultura de gelo de uma clássica figura feminina havia tido
sentido abstrato, mas o leilão silencioso e o coquetel dessa noite se celebrava a beneficio de uma
casa de acolhimento para mulheres maltratadas, e ver uma mulher derretendo-se sobre as
entradas enviava a mensagem errada. A estatua de gelo ou a concorrência eram mais do que o ar
condicionado podia esfriar, e Portia tinha calor,mesmo com seu vestido sem alça. Comprou aquele
modelito vermelho muito curto aquela mesma tarde, na esperança de que algo novo e
extravagante levantasse seu animo, como se um vestido novo pudesse consertar tudo que passava.
Tinha sido muito otimista com relação à Keri e Heath, regozijando-se com a publicidade que
despertavam. Devia ter reparado que eram muito parecidos, mas tinha perdido seu instinto junto
com sua paixão por fabricar finais felizes para os demais.
Sentia-se isolada e deprimida, farta do Casais Power, farta de si mesma e de tudo aquilo que a
tinha feito tão orgulhosa no passado. Afastou-se da mesa do bufê e da mulher evanescente.
Tinha que recuperar seu interesse diante da reunião marcada com Heath para a manhã seguinte.
Por que lhe tinha convocado? Provavelmente, não era para dar-lhe louvores. Pois bem, negava-se a
perder isso. Bodie dizia que estava obcecada. “Diz a Heath para ir ao inferno e pronto.” Ela tentava
explica-lo que o fracasso chama o fracasso, mas Bodie cresceu em um camping de trailers, de
forma que ele não entendia algumas coisas.
Tentou, com pouco êxito, não pensar em Bodie. Tinham se transformado em criaturas da
escuridão. Havia um mês que se viam várias vezes na semana, sempre na casa de Portia, sempre
de noite, como um casal de vampiros enlouquecidos com o sexo. Cada vez que Bodie sugeria que
saíssem para jantar ou ao cinema, ela inventava uma desculpa. Não podia explicar a seus amigos
sobre Bodie e suas tatuagens, como tampouco a estranha necessidade que sentia às vezes de
exibi-lo diante do mundo. Tinha que acabar. Qualquer dia daqueles, ela o faria.
Toni Duchette apareceu ao seu lado, com suas mechas loiras novas em seu curto cabelo castanho e
sua figura de boca de extintor embutida num modelo negro de lantejoulas.
—Levou alguma coisa?
—A aquarela. — Portia indicou com um gesto vago um falso Berthe Morisot que havia sobre a
mesa mais próxima. —É perfeita para pendurar sobre minha cômoda.
Recordou a expressão atônita que fez Bodie a primeira vez que viu seu quarto, extravagantemente
feminino. Sua virilidade exuberante teria ficado ridícula sobre a carregada cama branca de princesa
de contos de fada, mas ver aqueles músculos nervurados definidos sobre seus sedosos lençóis de
cor crua, sua cabeça barbeada enrugando as almofadas de cetim, uma franja de encaixe velando as
tatuagens que rodeavam seu braço, não fez mais que avivar seu desejo.
Enquanto Toni continuava falando das doações recebidas, Portia explorou automaticamente o local
na busca de perspectivas interessantes, mas esse era um publico de anciãos, e apoiar a casa de
acolhimento nunca foi para ela uma questão de negócios. Não imaginava nada pior do estár
submetida ao poder de um agressor e tinha doado quase mil dólares ao longo dos anos.
—O comitê fez um trabalho magnífico. — disse Toni, estudando a multidão. — Veio até Colleen
Corbett, ela já quase não vem nesses eventos. — Colleen Corbett era um pilar da alta sociedade da
velha Chicago, com setenta anos de idade e intima, há muito tempo, tanto de Eppie Ledere,
também conhecida como Ann Landers, como da defunta Sis Daley, esposa do Chefe Daley e mãe
do prefeito atual. Portia tentava há anos, sem sucesso, entrar nas graças dela.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Quando Toni se afastou por fim, Portia decidiu tentar novamente vencer a reserva de Colleen
Corbett. Aquela noite, Colleen usava seus trajes originais da Chanel, cor pêssego com detalhes em
bege. Seu penteado de laquê e permanente não tinha mudado desde suas fotos dos anos sessenta,
exceto na cor, que agora era cinza metálico brilhante.
—Colleen, que prazer voltar a vê-la. — Portia brindou-lhe com o mais obsequioso de seus sorrisos.
— Portia Powers. Estivemos conversando na festa dos Sidney´s na primavera passada.
—Sim. Alegro-me em vê-la. — Tinha uma voz levemente nasal e seus modos eram cordiais, mas
Portia percebeu que não se lembrava dela. Transcorreram uns instantes de silencio, que Colleen
não tentou preencher.
— Há umas peças interessantes no leilão. — Portia combateu o impulso de pegar um gim tônico
quando passou o garçom.
—Sim, muito interessantes. — respondeu Colleen.
—Faz um pouco de calor essa noite. Parece que a escultura de gelo está lutando uma batalha
perdida.
—Ah, sim? Não havia notado.
Não havia nada que fazer. Portia detestava parecer bajuladora e acabava de se dizer que limitava os
danos quando percebeu uma mudança sutil no ambiente da sala. O nível de ruído diminuiu,
algumas cabeças se moveram para cá e para lá. Ela virou para ver o que tinha causado essa onda
de interesse.
E sentiu que o chão abria debaixo de seus pés.
Bodie estava na metade da entrada, com seu corpaço dentro de um terno de verão bege claro de
corte impecável e uma camisa cor de chocolate, com uma gravata discretamente estampada.
Parecia um valentão da máfia extremamente claro e letal. Invadiram-lhe desejos de jogar-se em
seus braços. Ao mesmo tempo, sentiu o impulso urgente de correr para se esconder debaixo da
mesa de bufê. Os fofoqueiros mais notáveis de Chicago estava ali naquela noite. Toni Duchette
fazia sozinha mais fofocas que a WGN.
Sentiu que enfraqueciam seus joelhos, que ficavam dormentes a ponta de seus dedos. O que
estava fazendo ali? Seus pensamentos adiantaram-se vertiginosamente até fixar na sua cabeça a
imagem de Bodie nu diante da pequena mesa da sala onde guardava sua correspondência pessoal.
Tinha o afastado aproximando-lhe dela, mas devia ter visto um monte de convites que Portia
nunca mencionou, a festa na piscina dos Morrison, a inauguração da nova galeria River North e
aquele leilão beneficente. Tinha se dado conta perfeitamente do porque não o convidou para
acompanhá-la. Agora, pretendia faze-la pagar.
O enjoativo perfume do Shalimar de Colleen revirou seu estomago. O sorriso de gangster de Bodie
ao dirigir-se a direita dela não inspirava tranquilidade absolutamente. Um fio de suor deslizou
entre seus peitos. Esse não era um homem que aceitasse bem um insulto.
Colleen estava de costas para ele. Portia não sabia como fazer frente a um desastre dessa
magnitude. Bodie se deteve justo atrás de Colleen. Se a anciã olhasse a seu redor teria um infarto.
A expressão zombadora dos olhos azuis de Bodie tinha um tom cinza ardósia. Levantou um braço e
apoiou a mão no ombro de Colleen.
—Olá, querida.
Portia perdeu a respiração. Bodie acabava de chamar de “querida” Colleen Corbett?
A anciã virou a cabeça.
—Bodie. Que demônios está fazendo aqui?
A cabeça de Portia dava voltas.
—Fiquei sabendo que tinha bebida grátis. — disse ele. E depois deu um beijo na bochecha
enrugada de Colleen. Colleen deslizou a mão em sua enorme garra e disse muito indignadamente:
—Já recebi esse horrível postal de cumprimentos seu pelo meu aniversario, e não achei nada
engraçado.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Ele me fez rir.


—Tinha que ter mandado flores, como todo mundo.
—Você gostou muito mais daquele postal do que de um punhado de flores. Admita.
Colleen franziu os lábios.
—Não vou admitir nada. Diferente de sua mãe, recuso-me a alentar seu comportamento.
Bodie desviou um olhar para Portia, lembrando a Colleen que devia cumprir as formalidades.
—Ah, Paula... Este é Bodie Gray.
—Ela se chama Portia. — disse ele. — E já nos conhecemos.
—Portia? — Seu rosto encheu de rugas. — Você tem certeza?
—Tenho certeza, tia Cee.
“Tia Cee?”
—Portia? Que shakespeariano. — Colleen deu umas palmadinhas no braço de Bodie e sorriu para
Portia. — Meu sobrinho é relativamente inofensivo, apesar de seu aspecto aterrador.
Portia cambaleou ligeiramente sobre seus saltos agulha.
—Seu sobrinho?
Bodie estendeu a mão para estabilizá-la. Ao tocar seu braço, sua voz suave e ameaçadora
derramou-se sobre ela como seda negra.
—Talvez devesse pôr a cabeça entre os joelhos.
E que história era essa do camping de trailers e de pai bêbado? E as baratas e as mulheres
faveladas...? Inventou tudo. Esteve brincando com ela desde o principio.
Não suportava a ideia. Deu meia volta e abriu seu caminho entre a multidão. Via aparecer as caras
das pessoas enquanto se apressava até a entrada, fora do restaurante. Sentiu o ar da noite pesado
e espesso, cálido e sufocante. Começou a andar rua abaixo deixando para trás lojas fechadas e um
muro coberto de pichação. O restaurante Bucktown marcava o limite de Humboldt Park, uma área
menos elegante, mas ela continuou caminhando, sem se importar com onde ia, somente
consciente que não podia parar. Um ônibus da companhia de Chicago passou correndo, e um punk
com um pitbull avaliou-a com um olhar malicioso. A cidade fechava sobre ela, quente, opressiva,
cheia de ameaças. Fora da margem.
—Seu carro está na direção contraria. — disse Bodie atrás dela.
—Não tenho nada para dizer a você.
Ele agarrou-a pelo braço e a arrastou de volta para o passeio.
—Que tal se pedir desculpas por me tratar como um simples pedaço de carne?
—Ah, não, isto é ultima coisa que vou fazer. Não vai ser eu a culpada. Quem mentiu foi você. Todas
essas histórias... As baratas, o pai bêbado. Mentiu para mim desde o principio. Não é o guarda-
costas de Heath.
—Ele se defende bastante bem sozinho.
—Você tem rido da minha cara durante todo esse tempo.
—Bom, sim, mais ou menos. Quando não ria de mim mesmo. — Puxou-a em um beco na porta de
uma flora imunda com a fachada suja. — Disse o que você precisava ouvir para que tivéssemos
alguma oportunidade como casal.
—Para você a forma de iniciar uma relação é mentindo?
—Pareceu a forma que eu precisava agir para começar essa.
—Ou seja, foi tudo premeditado?
—Olha, aí você me pegou. — Acariciou-lhe os braços com os polegares ali onde tinha preso e
depois soltou. — No principio, eu a enganei porque você me deixava puto. Queria um garanhão e
eu estava feliz em te comprazer, mas não demorou muito para me ressentir por ser seu sujo
segredinho.
Ela fechou os olhos com força.
—Não seria um segredo se tivesse me dito a verdade.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Tudo bem. Você teria adorado isso. Posso imaginar como teria me exibido diante de seus
amigos, explicando a todo mundo que minha mãe e Colleen Corbett são irmãs. Cedo ou tarde,
teria descoberto que a família do meu pai é ainda mais respeitável. Do velho Greenwich. Isso teria
te feito muito feliz, não é verdade?
—Fala como seu eu fosse uma esnobe terrível.
—Não tente sequer negar isso. Nunca conheci alguém que tivesse mais medo que você da opinião
das pessoas.
—Não é verdade. Sou dona de mim mesma. E não tolero que me manipulem.
—Sim. Não ter o controle te apavora. — Passou o polegar por suas bochechas. —Às vezes, penso
que é a pessoa mais assustada que conheço. Tem tanto medo de perder sua grandeza que vai
acabar doente.
Ela afastou suas mãos de forma violenta, tão furiosa que mal podia falar.
—Sou a mulher mais forte que você já conheceu.
—Você gasta tanto tempo tentando demonstrar sua superioridade que se esqueceu de como viver.
Está tão obcecada com todas as coisas que não deveria, não deixa que ninguém conheça seu
interior, e depois não entende porque não é feliz.
—Se eu quisesse um psiquiatra, contrataria um.
—Deveria ter feito há muito tempo. Eu também vivi nas sombras, querida, e não recomendo que
continue assim. — Vacilou por um momento, e Portia pensou que tinha terminado, mas continuou.
— Depois que fui obrigado a deixar o futebol, tive um problema enorme com as drogas. Qualquer
uma que você pense, eu já provei. Toda minha família me convenceu a entrar numa reabilitação,
mas disse a todo mundo que os conselheiros eram uns merdas e abandonei ao cabo de uns dias.
Seis meses mais tarde, Heath me encontrou inconsciente em um bar. Golpeou minha cabeça
contra a parede um par de vezes, disse que antes me admirava, mas agora tinha me tornado o filho
da puta mais digno de pena que ele já tinha visto. Então me ofereceu um trabalho. Não me deu
sermão sobre como tinha que largar as drogas, mas eu sabia que era parte do trato, assim que pedi
que me desse seis semanas. Segui um programa de desintoxicação, e desta vez fui até o fim.
Aqueles conselheiros me salvaram a vida.
—Eu não sou precisamente uma viciada.
—O medo pode ser um vicio.
Ainda que seu dardo envenenado tivesse passado direto, ela resistiu a sequer pestanejar.
—Se você me respeita tão pouco, o que faz comigo ainda?
Ele deslizou docemente as mãos em seus cabelos e sujeitou um cacho atrás da orelha.
—Por que tenho um fraco pelas criaturas lindas e feridas.
Algo quebrou dentro dela.
—E por que — prosseguiu Bodie. — quando você baixa a guarda, vejo alguém brilhante e
apaixonada. — Acariciou-lhe o pômulo com o polegar. —Mas você tem tanto medo de seguir seu
coração que está morrendo por dentro.
Ela sentiu que se desgarrava e castigou Bodie da única maneira que sabia.
—Que bando de mentiras. Você continua aqui porque gosta de me foder.
—Isso também. — Beijou sua face. — Tem uma mulher maravilhosa escondida atrás de todo esse
medo. Por que não deixa que ela saia para brincar no sol?
Porque não sabia como.
A rigidez de seu peito tornava difícil respirar.
—Vai para o inferno. — Começou a andar para baixo deixando-o plantado, meio caminhando, meio
correndo. Mas ele já a tinha feito chorar e isso nunca perdoaria.

***

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Bodie ouviu o som de uma transmissão de beisebol procedente da televisão ao entrar em seu
apartamento de Wrigleyville.
—Fique a vontade, como se estivesse na sua casa. — resmungou deixando cair à chave sobre a
mesa estilo missão californiana da entrada.
—Obrigado. — disse Heath desde o grande sofá modular da sala de Bodie. — Os Sox acabam de
renunciar uma carreira na sétima.
Bodie caiu sobre a poltrona em frente. Diferente da de Heath, sua casa estava mobiliada. Bodie
gostava do limpo desenho das épocas artesanais, e tinha adquirido ao longo dos anos algumas
notáveis peças de Stickley e acrescentou armários do mesmo estilo. Tirou os sapatos dos pés.
—Deveria vender a merda da sua casa, ou começar a viver nela.
—Já sei. — Heath deixou sua cerveja na mesa. — Você está horrível.
—Há mil mulheres lindas nesta cidade, e eu fui me prender logo a Portia Powers.
—Você buscou a desgraça na primeira noite, quando a chantageou com essa mentira de que era
meu guarda costas.
Bodie segurou a cabeça com a mão.
—Diga algo que eu não saiba.
—Se essa mulher se dá conta um dia de como ela te assusta, você estará fodido.
—É como um pé no saco. Não paro de dizer que devo deixá-la, mas, merda, não sei... É como se eu
tivesse um raio-x nos olhos e pudesse ver como ela é na verdade, debaixo de toda aquela mascara
que ela inventa. — Virou a poltrona, sentindo-se incômodo ao revelar tanto, ainda que fosse seu
melhor amigo.
Heath o entendia.
—Diga que não compartilhamos os mesmo sentimentos, Mary Lou.
—Vai à merda.
—Cala a boca e veja o jogo.
Bodie relaxou na poltrona. No inicio, tinha se atraído por Portia por sua beleza, mais adiante por
sua pura ousadia. Ela tinha tanta coragem e determinação como qualquer um dos seus colegas
jogadores, e ele respeitava essas qualidades. Mas quando faziam amor, via outra mulher, uma
muito insegura, generosa e toda coração, não podia deixar de pensar em essa outra mulher mais
doce e vulnerável, ela era a autentica Portia Powers. Ainda assim, que tipo de idiota se prendia a
alguém que precisava de ajuda desesperadamente?
Quando criança, costumava levar a sua casa animais feridos e cuidar deles, tentado recuperar a
saúde deles. Pelo que parece, continuava fazendo isso.

19

Annabelle custou encontrar uma vaga para o Sherman, mas chegou apenas dois minutos atrasada
para a reunião que Heath programou, o que não bastou, realmente, para justificar o olhar de
censura que lhe dirigiu sua malvada recepcionista. A tela da televisão da recepção estava ligada na
ESPN, no fundo tocavam os telefones e um dos estagiários de Heath lutava para trocar os
cartuchos de tinta da impressora no armário do equipamento. A porta do escritório a sua
esquerda, que estava fechava a primeira vez que esteve ali, estava agora aberta de par em par, e
pôde ver Bodie com os pés em cima da mesa e um telefone grudado na sua orelha. Cumprimento-
a quando passou. Ela abriu a porta do escritório de Heath e ouviu uma cavernosa voz feminina.
—... e sou muito otimista com relação a ela. É incrivelmente bonita. — Portia Powers estava
sentada em uma das duas cadeiras colocadas diante da mesa de Heath. Na mensagem que deixou
em sua secretaria eletrônica não tinha mencionado que seria uma reunião a três.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Só olhando a Dama Dragão, Annabelle se sentiu mal vestida. Supunha-se que a moda do verão
eram as cores, mas talvez Annabelle passasse da conta com sua blusa cor melão, saia amarela
limão e os chamativos brincos com pedrinhas verde lima que tinha encontrado no TJ Maxx. Pelo
menos, estava com o cabelo descente. Agora que tinha crescido um pouco, podia usar o babyliss e
penteá-lo com os dedos até conseguir um aspecto alvoroçado e informal.
Portia era pura elegância fria, vestindo seda cor estanho. Combinando com seu cabelo escuro, o
efeito era deslumbrante. Uns brincos pequenos, rosa de pétalas, acrescentavam um toque sutil de
cor da sua pele de porcelana e tinha uma bolsa da Kate Spade do mesmo tom rosa que descansava
no chão ao seu lado. Não tinha cometido o erro de abusar do rosa com os sapatos e usava
elegantes sandálias negras.
Uma delas, pelo menos, era negra. Annabelle ficou olhando o pé de sua rival. A primeira vista, as
duas sandálias pareciam iguais. As duas eram abertas na ponta e de salto baixo, mas uma era negra
e a outra era azul marinho. Como era possível?
Annabelle olhou para o outro lado e guardou seus óculos de sol na bolsa.
—Lamento o atraso. O Sherman não gostou de nenhum dos lugares para estacionar que
encontrava.
—Sherman é o carro de Annabelle. — explicou Heath, levantando atrás de sua mesa e indicando
com um gesto a cadeira vazia junto a Portia. — Tome assento. Acredito que não se conheciam
pessoalmente.
—Na verdade sim. — respondeu Portia suavemente.
Através da longa janela atrás da mesa, Annabelle avistou um veleiro que atravessava o lago
Michigan ao longe. Desejou estar nele naquele momento.
—Estamos nisso desde a primavera, — disse Heath. — e agora começa a temporada de futebol.
Acredito que ambas sabem que eu esperava avançar mais.
—Eu entendo. — A tranquila segurança de Portia desmentia seus sapatos com par errado. — Todos
esperávamos que isso fosse mais fácil. Mas você é um homem muito seletivo e merece uma
mulher extraordinária.
Baboseira, pensou Annabelle. Entretanto, pelo que Heath se referia, ela também não era um
exemplo de profissionalismo, assim que seguir o exemplo de Portia não era o pior que podia fazer.
Portia virou um pouco sobre sua cadeira, expondo seu rosto a uma luz violeta. Não era tão jovem
como Annabelle pensou quando se conheceram, e a maquiagem que tinha aplicado com mãos
experientes não conseguiam camuflar os círculos escuros debaixo de seus olhos. Muita vida
noturna? Ou algo mais sério?
Heath sentou no canto da mesa.
—Portia, você encontrou Keri Winters e, ainda que isso não desse em nada, estava bem
encaminhada. Mas também me enviou candidatas demais sem nenhuma possibilidade.
Portia não cometeu o erro de ficar na defensiva.
—Você tem razão. Deveria ter eliminado mais, mas todas as mulheres que escolhi eram especiais a
sua maneira e não gosto de tirar o julgamento de meus clientes mais exigentes. Serei mais
cuidadosa de agora em diante.
A Dama Dragão era boa. Annabelle tinha que reconhecer isso, pelo menos.
Heath dirigiu sua atenção a Annabelle. Ninguém teria imaginado que duas noites antes tinha
adormecido em seu quarto no sótão, ou que uma vez, em uma bonita cabana a margem do lago
Michigan, tinham feito amor.
—Annabelle, você fez um trabalho melhor filtrando as candidatas e me apresentou muitas
passáveis, mas nenhuma ganhadora.
Ela abriu a boca para responder, mas antes que pronunciasse uma palavra ele a cortou.
—Gwen não conta.
Diferente de Portia, Annabelle dava o melhor de si ficando na defensiva.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Gwen era quase perfeita.


—Sempre que deixemos de lado o marido e a gravidez inoportuna.
Portia mexeu na sua cadeira. Annabelle cruzou recatadamente as mãos sobre seu colo.
—Você tem que admitir que era exatamente a classe de mulher que buscava.
—Sim, a bigamia é o sonho da minha vida, isso é verdade.
—Você me encurralou. — respondeu ela. — E sejamos sinceros, se ela tivesse chegado a te
conhecer melhor, teria acabado te largando. Você é muito exigente.
Os olhos de Portia abriram como asas de borboletas. Examinou Annabelle com mais atenção.
Depois começou a fazer movimentos nervosos. Descruzou as pernas que tinha cruzado e voltou a
cruzar. O pé de cima, da sandália azul marinho, começou a mexer freneticamente.
—Estou certa que nesta altura Annabelle aprendeu que tem que investigar com mais cuidado os
antecedentes.
Annabelle fingiu surpresa.
—Teria que investigar os antecedentes de Heath?
—Não os de Heath. — respondeu Portia. — Os das mulheres!
Heath esforçou-se para sorrir.
—Annabelle está enchendo sua paciência. Aprendi que ignora-la é melhor.
Portia já parecia completamente deslocada. Annabelle quase sentiu pena dela, vendo a sandália
azul agitando cada vez mais rápido.
Heath, entretanto, acelerou até a linha do gol.
—Direi a vocês o que vamos fazer, senhoritas. Cometi um erro ao não assinar seus contratos com
um prazo mais curto, mas é um erro que vou corrigir agora mesmo. Cada uma fica com mais um
tiro. Nada mais.
A sandália azul marinho parou no ar.
—Quando diz um tiro...
—Uma candidata cada uma. — disse Heath com tom firme.
Portia retorceu em sua cadeira, derrubando a bolsa da Kate Spade com um salto.
—Isso é pouco realista.
—É o que vocês têm.
—Você tem certeza que realmente quer casar? — disse Annabelle. — Por que, se sim, talvez
devesse considerar a possibilidade ... e ao meu ver é mais que uma possibilidade, mas tento ser
diplomática... Você considerou a possibilidade de que você está sabotando o processo e não nós?
Portia dirigiu-lhe um olhar de advertência.
—“Sabotagem” é uma palavra muito forte. Estou certa de que o que Annabelle quer dizer é...
—O que Annabelle quer dizer, — ficou de pé — é que te apresentamos umas quantas mulheres
realmente interessantes. Mas você só deu alguma oportunidade a uma. A uma equivocada,
sempre em minha modesta e particular opinião. Não fazemos mágica, Heath. Temos que trabalhar
com seres humanos de carne e osso, não com mulheres de fantasia que você imaginou na sua
cabeça.
Portia compôs um sorriso falso e acudiu apressadamente ao salvamento do barco que afundava.
—Escutei você atentamente, Heath. Não está satisfeito com o serviço que Casais Power está
prestando. Quer que selecionemos as candidatas com mais cuidado e é um pedido razoável,
certamente. Não posso falar pela senhorita Granger, mas prometo que procederei de forma mais
conservadora de agora em diante.
—Muito conservadora. — disse ele. — Você tem um encontro. E o mesmo serve para você,
Annabelle. Depois disso, eu desisto.
O sorriso de plástico de Portia fundiu nos cantos.
—Mas seu contrato não termina até outubro. Estamos apenas em meados de agosto.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Economize saliva — disse Annabelle. — Heath busca uma desculpa para nos despedir. Não
acredita no fracasso e se nos despede pode transferir para nós o fracasso.
—Despedir? — Portia fazia uma cara ruim.
—Será uma experiência nova para você. — disse Annabelle, desalentada. — Felizmente para mim,
já tenho prática.
Portia recobrou a compostura.
—Sei que isso foi frustrante, mas é frustrante para todos os que passam pelo processo. Você
merece resultados e os terá, mas só com um pouco de paciência.
—Fui paciente durante meses. — disse ele. — Tempo suficiente.
Annabelle contemplou seu rosto orgulhoso e obstinado e não pôde calar.
—Pensa em assumir parte da responsabilidade do problema?
Heath a olhou diretamente nos olhos.
—Claro. É o que estou fazendo agora mesmo. Disse a vocês que estava procurando alguém fora do
normal, e se tivesse pensado que seria fácil encontrá-la, eu teria me ocupado disso em pessoa. —
Levantou-se da mesa, ficando de pé. — Podem levar o tempo que precisarem para me
apresentarem a última candidata. E acreditem, ninguém deseja mais do que eu que acertem.
Aproximou-se da porta e ficou de lado para deixá-las sair, com sua silhueta definida contra a placa
do camping de trailers Beau Vista pendurada na parede atrás dele.
Annabelle pegou sua bolsa e assentiu com a cabeça com suma dignidade, mas deixou o escritório
furiosa e com nenhum humor para dividir o elevador com Portia, então atravessou rapidamente a
recepção em direção a saída. Parecia na realidade que não precisava correr.

***

Portia diminuiu o passo enquanto via Annabelle desaparecer. A sala de Bodie estava pouco mais
adiante, a sua direita. Quando passou antes pela sua porta ela se obrigou a não olhar, mas soube
que ele estava ali. Podia sentir em sua pele. Inclusive durante aquela horrível reunião com Heath,
quando mais precisava manter sua cabeça fria, tinha sentido ele. Tinha passado toda a noite
revivendo as coisas espantosas que ele disse. Talvez pudesse perdoar as mentiras sobre seu
passado, mas nunca o resto. Quem ele pensava que era para analisá-la? O único problema que ela
tinha era ele. Podia ser que estivesse um pouco deprimida antes de conhecê-lo, mas isso não tinha
grande importância. Na noite anterior, ele tinha conseguido que ela se sentisse fracassada e isso
ela não podia tolerar de ninguém.
Suas mãos tremiam quando ela parou em frente à porta de sua sala. Ele estava no telefone, com
seu corpaço reclinando na cadeira. Quando a viu, um sorriso iluminou sua face e ele colocou os
pés no chão.
—Daqui a pouco te retorno, Jimmie... Sim, parece bom. Já arranjamos. — Deixou o telefone de
lado e ficou de pé. — Ola, linda... ainda está falando comigo?
Seu sorriso, bobo e esperançoso, fez Portia titubear. Mais que alguém perigoso, ele parecia uma
criança que acaba de ver uma bicicleta nova parada em frente a sua porta. Deu uma volta para
compor seu gesto e deu de frente com uma parede cheia de recordações. Viu capas de revistas
marcadas, algumas fotos do time de seus dias de jogador e recortes de jornais. Mas foi uma foto
em preto e branco que capturou sua atenção. O fotografo tinha captado Bodie com o capacete
inclinado para trás, pendurado no seu queixo, um pedaço de grama pendurado no canto de seu
protetor facial. Seus olhos brilhavam vitoriosos e seu sorriso radiante era do dono do mundo.
Portia mordeu o lábio e se obrigou a enfrentá-lo de novo.
—Vou terminar contigo Bodie.
Ele se aproximou rodeando a mesa, o sorriso já desvanecendo.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Não faça isso, querida.


—Não podia estar mais errado a meu respeito. — Forçou-se a pronunciar as palavras que a
manteriam a salvo. — Eu amo minha vida. Exceto a parte que inclui você.
—Não, querida, não. — Estendeu para ela uma de suas doces mãos como ganchos de açougueiros,
sem chegar a tocá-la, em um gesto de suplica. — Você é uma lutadora. — disse com ternura. —
Tenha a garra de lutar por nós.
Ela se encheu de coragem para enfrentar a dor.
—Foi uma aventura, Bodie. Uma diversão. E agora acabou.
Começou a tremer seus lábios como uma menina e não esperou que ele respondesse. Deu meia
volta... saiu da sua sala... entrou no elevador até a rua com sua mente em branco. Ao sair, cruzou
com duas jovens lindas. Uma indicou o seu pé e a outra começou a rir.
Portia passou por elas, segurando as pálpebras para conter as lagrimas asfixiando-a. Um ônibus
turístico vermelho de dois andares passou devagar a seu lado e o guia estava citando Cari
Sandburg com uma voz forte e exageradamente dramática como se arranha-se com as unhas o
quadro de sua pele.
“Tormenta, roucas brigas... Cidades de grandes ombros: Dizem-me que você é perversa e eu
acredito...”
Portia enxugou os olhos e retomou o passo. Tinha trabalho a fazer. Consertaria tudo.

***

O ar-condicionado do Sherman tinha estragado, o aspecto de Annabelle quando chegou em casa


depois da reunião com Heath tinha se degenerado numa massa de cachos e rugas. Mas ela não
entrou diretamente, ficou no carro com as janelas abaixadas, reunindo coragem para dar o
seguinte passo. Heath tinha lhe dado só mais uma oportunidade. O que significava que não podia
continuar pospondo. Mesmo assim, precisava de toda sua força de vontade para pegar seu celular
da bolsa e fazer a chamada.
—Ola, Delaney. É Annabelle. Sim, é verdade, faz séculos...

***

—Somos mais pobres que os ratos. — disse Delaney Lightfield a Heath na noite de seu primeiro
encontro oficial, apenas três dias depois que foram apresentados. — Mas ainda guardamos a
aparência. E graças as influências do tio Eldred, tenho um trabalho maravilhoso no setor comercial
da Ópera Lírica.
Deu a informação rindo de si mesma, com um sorriso encantador que fez Heath sorrir. Com seu
vinte e nove anos, Delaney lembrava uma Audrey Hepburn loira e mais atlética. Usava um vestido
de ponta azul marinho, sem mangas, com um simples colar de perolas que pertencia a sua bisavó.
Tinha crescido em Lake Forest e se formado na Smith. Era uma esquiadora perfeita e se defendia
bastante bem no tênis. Jogava golfe, montava a cavalo e falava quatro idiomas. Depois de várias
décadas de praticas comerciais obsoletas tinham dilapidado a fortuna familiar que os Lightfield
ganharam no negócio ferroviário, obrigando-se a vender sua residência de verão em Bar Harbor, no
estado de Maine, ela era atraída pelo desafio de vencer por seus meios.
Amava cozinhar e confessava que às vezes desejava ter ido a uma escola de gastronomia. A mulher
dos seus sonhos tinha aparecido por fim.
À medida que a noite avançava, Heath passou da cerveja para o vinho, lembrou-se que tinha que
vigiar sua linguagem e se propôs a mencionar a exposição de novos fauvismos do Instituto da Arte,
depois do jantar, levou-a de carro ao apartamento que ela dividia com duas companheiras e deu
um beijo cavalheiresco na bochecha. Depois de deixá-la o tênue perfume de lavanda francesa

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permanecia no seu carro. Pegou o celular para ligar para Annabelle, mas estava muito inquieto
para voltar para casa. Queria falar com ela pessoalmente. Cantarolou com o radio com seu tom de
barítono desafinado e foi para Wicker Park.
Annabelle abriu a porta. Usava um top listrado com decote em V e uma mini-saia azul que
favorecia suas pernas.
—Deveria ter te dado meu ultimato antes. — disse. — Decididamente, você funciona sobre
pressão.
—Achei que você gostaria.
—Ela já te ligou?
Annabelle assentiu, mas não disse mais nada e ele ficou tenso. Talvez o encontro não foi tão bom
como ele pensava. Delaney tinha sangue azul. Poderia ser que tivesse notado demais o cheiro do
camping de trailers?
—Falei com ela há uns minutos. — disse finalmente Annabelle. — Ela está entusiasmada com você.
Parabéns.
—Sério? — Seu instinto não lhe enganou. — Isso é maravilhoso. Vamos comemorar. Que tal uma
cerveja?
Annabelle não mexeu.
—Não é... um bom momento.
Olhou por cima de seu ombro e foi então que Heath se deu conta. Não estava sozinha. Viu seu
brilho labial recém passado e a mini-saia azul. Seu bom-humor se foi. Quem estava com ela?
Deu uma olhada por cima de seus cachos, mas a sala estava vazia. O que significava que podia
estar no seu quarto... Resistiu ao impulso de entrar a força na sua casa e comprovar.
—Não tem problema. — disse um pouco empertigado. — A gente se fala na semana que vem.
Mas não foi embora, ficou ali plantado. Finalmente ela assentiu e fechou a porta.
Cinco minutos antes, ele se sentia o rei do mundo. Agora, ele queria chutar alguma coisa.
Caminhou calçada abaixo e subiu em seu carro, mas não foi até que tirou-o da vaga que suas luzes
iluminaram o veiculo estacionado do outro lado da rua. Até então, esteve muito ensimesmado
para notar, mas já não era assim. A última vez que viu aquele Porsche vermelho brilhante, ele
estava estacionado no quartel general dos Stars.

***

Annabelle entrou na cozinha arrastando os pés. Dean estava sentado na mesa, com uma Coca-Cola
na mão e um baralho de cartas na outra.
—É sua vez de dar as cartas. — disse.
—Não quero continuar jogando.
—Esta noite você está chata.
—Não é como se você fosse o rei da diversão. —Kevin tinha sofrido uma distensão no tornozelo
durante o jogo do domingo, por isso Dean o substituiu no segundo quarto e interceptou a bola
quatro vezes antes que apitassem o final do jogo. A imprensa o perseguia, por isso decidiu se
esconder na casa de Annabelle um pouco.
A torneira da pia pingava e seus golpes rítmicos estavam lhe tirando o juízo. Sabia de antemão que
Delaney e Heath combinariam. A tentadora combinação da presença física de Delaney, sua quase
varonil forma atlética e seu impecável pedigree tinham deixado Heath fora de combate, como era
de se esperar. E Delaney sempre teve um fraco por homens muito machos.
Annabelle conhecia Delaney fazia já vinte e um anos, em um acampamento de verão e virou sua
melhor amiga, apesar de Delaney ser dois anos mais nova que ela. Quando pararam de ir ao
acampamento, se viam com menos frequência, basicamente em Chicago, quando Annabelle ia
visitar a Nana. Na universidade perderam o contato, para retomá-lo só há uns anos atrás. Agora

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combinavam de comer a cada poucos meses, já não eram amigas intimas, eram mais conhecidas
bem quistas que compartilhavam um passado em comum. Já fazia semanas que Annabelle pensava
que Heath e Delaney eram perfeitos um para o outro, então porque tinha esperado tanto para
apresentá-los? Por que sabia perfeitamente que seriam feitos um para o outro. Ficou olhando
Dean, que estava jogando pipoca no ar e pegando com a boca. Era uma pena que seus passes no
campo não eram igualmente precisos. Fechou a torneira que gotejava e caiu na cadeira junto a
mesa, uma alma gêmea deprimida.
O compressor da geladeira parou, e a cozinha ficou em silencio, exceto pelo tique-taque do relógio
da parede em forma de margarida e o leve ruído das pipocas ao chegarem a seu destino.
—Quer fazer sexo? — disse com tom fúnebre.
Ele engasgou com uma pipoca.
—Não!
—Também não precisa se escandalizar.
A cadeira de Dean caiu sobre seus quatro pés com um ruído seco.
—Seria como fazer com minha irmã.
—Você não tem irmãs.
—Não, mas tenho imaginação.
—Tudo bem. Eu também não queria de todas as formas. Só disse para puxar conversa.
—Só para se distrair, porque se apaixonou por quem não devia.
—Você é um convencido.
—Ouvi a voz de Heath na porta.
—Negócios.
—Qualquer coisa que te ajude a passar o dia. — Afastou a vasilha de pipocas ao extremo da mesa.
— Fico feliz que não tenha o deixado entrar. Já é suficiente que Bodie me persiga. Não se rende de
jeito nenhum.
—Fazem mais de dois meses. Custo acreditar que ainda não tenha encontrado um agente. Ou já
encontrou? Não, não me diga. Eu contaria ao Heath e não quero estar no meio de vocês dois.
—Você não está no meio. Está do lado dele. — Voltou a inclinar a cadeira para trás. —E por que
não aproveitou essa oportunidade de ouro para fazer ciúmes nele o convidando para entrar?
Era justamente o que estava se perguntando, mas, na verdade, de que ia servir? Estava mais que
farta dos enganos, farta de manter a guarda alerta. Inventou uma paixão só para não perder Heath
como cliente e já não tinha que se preocupar com isso.
—Não tive vontade.
Com tudo e seus modos de esportista ignorante, Dean era mais esperto que uma cobra, e
Annabelle não gostava nada da forma que ele estava olhando para ela, da forma como ele olhou
com desgosto.
—Você está usando maquiagem? — ela disse.
—Protetor solar total de cor no queixo. Saiu uma espinha.
—Que porcaria ser um adolescente.
—Se você o tivesse convidado para entrar, eu teria mordido seu pescoço e tudo mais.
Com um suspiro, Annabelle pegou as cartas e começou a embaralhar.
—É minha vez de dar as cartas.

***

Delaney não se separava de Heath, ainda que ele passasse a metade do tempo percorrendo os
camarotes do Palácio do Esporte do Meio Oeste para pegar pelo pulso os agitadores da cidade.
Enquanto seguia o jogo dos Stars, chegavam mensagens de texto de todos os cantos do país,
informando o andamento dos jogos do resto de seus clientes. Levava desde a primeira hora do dia

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pendurado em seus telefones entre intervalos, falando com esposas, pais e namoradas, até a avó
de Caleb Crenshaw, fazendo que todo mundo soubesse que ele se encarregava dos assuntos dele.
Deu uma olhada no BlackBerry e viu que tinha uma mensagem de Bodie, que estava em Lambeau
Field com Sean. No momento, seu fullback novato estava fazendo uma grande temporada.
Fazia um mês que Heath estava vendo Delaney, ainda que tivesse estado viajando tanto que só
saíram cinco vezes. Ainda assim, falavam-se quase todo dia e já estava convencido de ter
encontrado a mulher que procurava. Naquela tarde Delaney usava um suéter de gola alta, as
perolas da sua bisavó e uma calça jeans moderna cujo corte se ajustava perfeitamente com sua
figura alta e magra. Para a surpresa de Heath, ela se afastou de seu lado e aproximou-se de Jerry
Pierce, um homem ruivo de uns sessenta anos, que era o diretor de um dos escritórios corretores
da Bolsa mais importante de Chicago.
Cumprimentou Jerry com um abraço que denotava uma amizade antiga.
—Como está Mandy?
—De cinco meses. Estamos loucos.
—Desta vez ela chegara ao fim sem complicações,segura. Carol e você serão os melhores avôs do
mundo.
Heath e Jerry jogavam todo ano no mesmo torneio beneficente de golfe, mas Heath não tinha
ideia de que tivesse uma filha e muito menos que ela tivesse problema para engravidar. Essa era a
classe de coisa das quais Delaney sabia, além de saber sempre onde encontrar a ultima garrafa
disponível de um Shot-fire Ridge Cuveé de 2002 e porque valia a pena localiza-la. Ainda que ele
gostasse mais de cerveja, admirava seu profundo conhecimento e estava se esforçando para
apreciar um bom vinho. O futebol parecia ser uma das poucas coisas que ela não dominava, já que
ela preferia outros esportes mais elegantes, mas estava fazendo o que podia para aprender mais.
Jerry estreitou a mão de Heath.
—Robillard está dando o melhor de si mesmo esta semana. — disse o veterano. — Como você
ainda não assinou com esse garoto?
—Dean prefere levar seu tempo.
—Se ele assinar com qualquer outro é um idiota. — disse Delaney, lealmente. —Heath é o melhor.
Jerry resultou ser um grande viciado em ópera, outra coisa que Heath desconhecia e a conversa
derivou para a lírica.
—Heath gosta de country. — O tom de Delaney incorporava um matiz doce e tolerante. — Estou
decidida à ganha-lo para a causa.
Heath olhou ao seu redor pelo camarote, procurando Annabelle. Ela costumava ir nos jogos de
futebol com Molly ou alguma das outras e ele estava convencido que acabaria encontrando-a, mas
não teve sorte até o momento. Enquanto Delaney continuava falando sobre Don Giovanni, Heath
lembrou uma noite que, entre duas apresentações, Annabelle tinha cantado de cabo a rabo “It’s
Five O’Clock Somewhere”, de Alan Jackson. Claro que Annabelle armazenava todo tipo de
informação inútil. Como o fato de que só pessoas com uma determinada enzima no corpo
cheiravam a xixi quando comia aspargos, coisa que, tinha que admitir, tinha seu interesse.
A porta do camarote se abriu e Phoebe entrou vestida com as cores da equipe, com um vestido
água-marinha de ponta justo no corpo e um lenço dourado no pescoço. Heath se desculpou com
Jerry e conduziu Delaney para ela para apresentá-la.
—É um prazer. — disse Delaney, com evidente sinceridade.
—Annabelle me falou tanto de você... — respondeu Phoebe com um sorriso.
Heath deixou as mulheres falando, sem se preocupar que Delaney fosse dizer algo inconveniente.
Ela nunca dizia e todo mundo gostava dela, menos Bodie. E não é que ela caísse mal a Bodie. Só
que não acreditava que Heath devia casar-se com ela. “Admito que você dois fazem um bom casal
no papel, — ele tinha dito na semana anterior— mas nunca te vejo relaxado ao lado dela. Você
não é você mesmo.”

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Talvez porque Heath estava se transformando numa pessoa melhor. Tendo em conta que a vida
amorosa de Bodie naquele momento era uma colisão de trem, Heath se tranquilizava ignorando
suas advertências.
Mais tarde, Heath se encontrou com Phoebe no corredor, na saída do camarote presidencial.
Delaney acabava de ir ao banheiro, e Heath estava conversando com Sharon e Ron McDermitt
quando a dona dos Stars aproximou-se num canto.
—Heath, posso te roubar por um momento?
—Juro por Deus, seja o que for, não fui eu. Diga a ela, Ron.
Ron sorriu.
—Você está sozinho nisso, colega. — Sharon e ele desapareceram dentro do camarote.
Heath deu a Phoebe um olhar precavido.
—Sabia que devia ter tomado minha vacina de reforço contra tétano.
—É possível que eu te deva um pedido de desculpa.
—Tudo bem. Vou deixar a cerveja. Nunca imaginaria o que pensei ter escutado agora mesmo.
—Escute. — Ajeitou melhor a bolsa no ombro. — O único que tento dizer é que pode ser que eu
tenha tirado conclusões precipitadas a seu respeito quando estivemos no lago.
—E, dentre umas cem conclusões equivocadas, qual seria? — Sabia a resposta, mas ela perderia o
respeito por ele se abrandasse com tanta facilidade.
—Que estava se aproveitando de Annabelle. Acho que sou bastante madura para, quando me
engano, admiti-lo, mas você tem que lembrar que estou programada para esperar o pior de você.
Enfim, todos dias vejo Annabelle me falando como está emocionada de ter juntado você e Delaney.
Seu negócio está florescendo. Delaney é adorável. —Levantou a mão e deu-lhe umas palmadinhas
na bochecha. — Pode ser que nosso pequeno esteja crescendo finalmente.
Não podia acreditar. Tinha quebrado por fim o gelo com Phoebe depois de tantos anos? Se era
assim, devia isso a Delaney. Quando Phoebe desapareceu no camarote presidencial pegou o
celular para compartilhar a noticia com Annabelle, mas antes de marcar o numero, Delaney
reapareceu. Provavelmente, não conseguiria falar com ela de todas as formas. Diferente dele,
Annabelle não era partidária de ter o telefone sempre ligado.

***

Annabelle nunca foi muito ligada em ópera, mas Delaney tinha entradas para Tosca, e a luxuosa
produção da Lírica era exatamente a distração que precisava para tirar da cabeça a ligação que sua
mãe tinha feito aquela tarde. Sua família, pelo que parecia, tinha decido descer a Chicago no mês
seguinte para ajudar Annabelle a celebrar seu trigésimo segundo aniversario.
“Adam tem uma conferencia, — tinha dito Kate — e Doug e Candace querem visitar uns velhos
amigos. Papai e eu tínhamos pensado fazer uma viagem para St. Louis de todas as formas, assim
que iremos desde aí.”
Uma grande família, unida e feliz. Chegou o intervalo.
—Não posso acreditar o tanto que estou gostando disso. — disse Annabelle enquanto convidava
Delaney a uma taça de vinho.
Infelizmente, sua velha amiga estava mais interessada em falar sobre Heath do que discutir as
tribulações dos amantes condenados de Tosca.
—Contei que Heath me apresentou para Phoebe Calebow no sábado? É adorável. Todo o fim de
semana foi fabuloso.
Annabelle não queria escutar aquilo, mas Delaney não se continha.
—Contei que Heath foi para a costa ontem, mas voltou a me mandar flores. Outra vez rosas,
infelizmente, mas ele é basicamente um esportista, assim que não posso esperar que tenha muita
imaginação.

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Annabelle amava as rosas e não acreditava que era falta de imaginação.


Delaney puxou seu colar de perolas.
—Meus pais o adoram, lógico, já sabe como são e meu irmão acredita que ele é o melhor cara com
quem já saí.
Os irmãos de Annabelle também teriam gostado de Heath. Pelas razões erradas, mas mesmo
assim....
—Faremos cinco semanas na próxima sexta. Annabelle, acho que ele poderia ser o definitivo. É o
mais próximo de um homem perfeito que vou encontrar na vida. — Seu sorriso diminuiu. — Bom...
exceto por esse pequeno problema de que tenho te falado.
Annabelle soltou lentamente o ar que estava retido em seus pulmões.
—Continua igual?
Delaney baixou a voz.
—No sábado estive com ele no carro colocando as mãos em todas as partes. Era evidente que ele
estava excitado, mas ele parou. Não sei se estou paranóica e lógico que nunca comentaria isso com
ninguém mais, mas você está absolutamente segura de que ele não é gay? Na Universidade, tinha
um cara totalmente macho e depois resultou que ele tinha namorado.
—Não acredito que ele seja gay. — Annabelle se ouviu dizer.
—Não. — Delaney sacudiu a cabeça com decisão. — Estou certa que não.
—Provavelmente você tem razão.
Soou o alarme avisando o final da pausa e Annabelle deslizou até seu assento como a miserável
cobra que era.

***

A chuva repicou na janela atrás da mesa de Portia e um relâmpago rasgou o céu na última hora da
tarde.
—... assim que te avisamos com as duas semanas necessárias de adiantamento. — disse Briana.
Portia sentiu que a fúria da tormenta atormentava sua pele.
A listra da saia negra de Briana abriu ao cruzar as longas pernas.
—Não acertamos os detalhes até ontem, — disse. — e por isso não pudemos te dizer antes.
—Podemos ficar por três semanas se você precisar realmente. — Kiki inclinou para frente sua
cadeira, com o rosto enrugado de preocupação. —Sabemos que ainda não encontrou substituta
para Diana e não queremos te deixar em apuros.
Portia reprimiu um estouro de risada histérica. O que podia ser pior que perder as duas ajudantes
que restavam?
—Levamos seis meses falando sobre isso. — O sorriso de Briana convidava Portia a se alegrar com
ela. —Nós duas amamos esquiar e Denver é uma grande cidade.
—Uma cidade fabulosa — disse Kiki. — Há um monte de solteiros e com tudo que aprendemos de
você, sabemos que estamos preparadas para nos estabelecer por nossa conta.
Briana jogou a cabeça para um lado e seu liso cabelo loiro caiu sobre o ombro.
—Nunca poderemos te agradecer o bastante por ter nos ensinado o serviço, Portia. Admito que as
vezes foi difícil aceitar o seu jeito duro, mas agora estamos agradecidas por isso.
Portia juntou as palmas das mãos sudorentas.
—Fico feliz em ouvir isso.
As duas trocaram um olhar. Briana assentiu com a cabeça de modo quase imperceptível. Kiki
brincou com o botão superior da blusa.
—Briana e eu nos perguntamos, ou melhor desejamos, que talvez.... você se importaria de que te
ligássemos de vez em quando? Sei que teremos um milhão de duvidas no principio.

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Queriam que as amadrinhasse. Iam deixá-la plantada, sem nenhuma ajudante com experiência e
pretendiam que ela as ajudasse.
—Com certeza. — disse Portia friamente. — Liguem sempre que precisarem.
—Muitíssimo Obrigada. — disse Briana. — De verdade, te dizemos de coração.
Portia se arrumou a cabeça para assentir, esperava que estivesse graciosa, mas elas estavam
revirando suas entranhas. Não mediu o que disse em seguida, as palavras só saíram.
—Percebo que estão ansiosas para começar e por nada desse mundo queria deter vocês.
Ultimamente, tem pouco movimento aqui, de forma que não há necessidade realmente de que
fiquem ainda duas semanas mais, nenhuma das duas. Posse me arrumar sozinha. — Agitou os
dedos indicando a porta, despedindo-as como se fossem um par de colegiais travessas. —Vão.
Acabem com o que têm em mãos e podem ir.
—De verdade? — Briana arregalou os olhos. — Não se importa?
—Claro não. — disse Portia. — Por que deveria de me importar?
Não iam olhar os dentes do cavalo dado e não demoraram em ir até a porta.
—Obrigada, Portia. Você é a melhor.
—A melhor. — murmurou para si ao ficar só por fim. Outro trovão fez retumbar a janela. Ela cruzou
os braços sobre a mesa e afundou a cabeça. Já não podia continuar com aquilo.
Naquela noite sentou-se na penumbra de sua sala, olhando para o vazio. Passaram-se quase seis
semanas desde que viu Bodie pela última vez, e sentia dolorosamente sua falta. Sentia-se sem
chão, a deriva, sozinha no fundo de seu coração. Sua vida privada tinha despedaçado ao seu redor
e Casais Power estava afundando. Não apenas pela deserção de suas ajudantes, mas também
porque ela tinha perdido seu olho clinico.
Pensou no que ocorreu com Heath. Diferente de Portia, Annabelle tinha pego sua oportunidade
correndo e aproveitou-a brilhantemente. “Uma candidata cada uma”, tinha dito ele. Enquanto
Portia tinha decidido esperar seguindo seu menosprezado instinto, Annabelle deu o bote
apresentando-lhe Delaney Lightfield. Era uma grande ironia. Portia conhecia os Lightfield por anos.
Viu Delaney crescer. Mas esteve tão ocupada se afundando que nunca passou por sua cabeça
apresenta-la para Heath.
Deu uma olhada no relógio. Não era nem nove. Não podia enfrentar outra noite sem dormir. Fazia
semanas que resistia a tomar um sonífero porque odiava a ideia de desenvolver um vicio. Mas se
não conseguisse descansar como devia ainda que fosse uma noite, ficaria louca. Seu coração
começou a palpitar freneticamente. Apertou o peito com a mão. E se morresse ali mesmo? Quem
se importaria? Só Bodie.
Não podia suportar mais, assim que jogou por cima sua provocativa capa de chuva rosa, agarrou
sua bolsa, tomou o elevador e baixou a recepção. Mesmo que fosse noite, colocou seus óculos de
sol da Chanel caso encontrasse com os vizinhos. Não podia suportar a ideia de alguém a visse
nesse estado: sem maquiagem, com uma calça de moletom listrada junto com uma capa de chuva
de Marc Jacobs.
Deu apressadamente a volta na esquina a caminho da drogaria, que estava aberta vinte e quatro
horas. Ao chegar no corredor dos remédios contra insônia, viu-os. Empilhados em um arranjo
enfileirados com um cartaz que dizia 75% de desconto. Empoeiradas caixas roxas de pintinhos de
marshmallow amarelo. O arranjo estava no final do corredor, de frente aos comprimidos para
dormir. Sua mãe costumava comprar aqueles pintinhos toda Semana Santa e coloca-los na sua
vasilha de ursinhos Franklin Mint. Portia lembrava ainda do tilintar dos cristais de açúcar entre seus
dentes.
—Precisa de ajuda?
A atendente era uma jovem hispânica bem gorda que usava maquiagem demais e seria incapaz de
compreender que para esse tipo de coisa não havia ajuda possível. Portia negou com a cabeça e a
garota desapareceu. Dirigiu sua atenção aos comprimidos para dormir, mas as caixas davam voltas

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diante de seus olhos. Seu olhar voltou novamente o arranjo de pintinhos. A Semana Santa tinha
sido há cinco meses. Estariam borrachudos nesta altura. Lá fora, passou um carro de patrulha
como um raio, com a sirene de toda altura e Portia sentiu o impulso de tampar os ouvidos com os
dedos. Algumas caixas roxas de pintinhos estavam meladas e um par de janelas de celofane
estavam rasgadas. Que efeito horrível. Por que não jogavam fora?
Sobre sua cabeça zuniam os tubos fluorescentes. A atendente olhava-a fixamente atrás de seu
excesso de maquiagem. Se conseguisse dormir de verdade essa noite, ela voltaria a ser ela mesma.
Tinha que escolher algo rápido. Mas o que?
O ruído das luzes florescentes a tirava do sério. Acelerou sua pulsação. Não podia continuar ali
parada. Mexeu os pés e a bolsa caiu abaixo de seu braço. No lugar de pegar os comprimidos,
colocou a mão no arranjo de pintinhos de marshmallow. Um fio de suor deslizou entre seus seios.
Pegou uma caixinha, depois outra e outra mais.
Na rua, soou a buzina de um táxi. Ela bateu com o ombro numa vitrine de artigos de limpeza e um
pacote de esponjas caiu no chão. Portia foi tropeçando até o caixa.
Atrás do mostrador havia outro pegou a caixa de pintinhos.
—Adoro essas coisas. — disse.
Portia fixou a vista na estante de jornais. O atendente passou a caixa pelo scanner. No prédio de
Portia, todo mundo comprava nessa drogaria e muitos saiam à noite para passear com seus
cachorros. E se alguém entrava e a visse?
O garoto segurou no alto uma caixa com a janela de celofane rasgada.
—Está estragado.
Ela fez um sinal.
—São... para a aula da minha sobrinha do jardim de infância.
—Quer que eu troque por outra?
—Não, está bom.
—Mas está estragada.
—Eu disse que está bom! — gritou ela e o garoto deu um suspiro. Portia retorceu os lábios na
simulação de um sorriso. — Eles querem para... fazer colares.
Ele olhou-a como se estivesse louca. O coração de Portia batia cada vez mais rápido enquanto o
garoto passava as caixas pela maquina. A porta abriu e entraram na loja um casal de idosos.
Ninguém que ela conhecia, mas que tinha visto alguma vez. O caixa passou a ultima caixa pelo
scanner. Ela entregou uma nota de vinte e ele examinou como se fosse um agente do Tesouro. Os
pintinhos estavam espalhados por todo mostrador, a vista de todos, oito caixinhas roxas e seis
pintinhos em cada. O garoto entregou o troco. Ela colocou na bolsa, diretamente no fundo, sem se
incomodar em guarda no porta níquel.
Soou o telefone junto da caixa registradora e o garoto respondeu.
—Olá, Mark, como está? Não, não saio até as doze. Um saco.
Portia arrancou a bolsa da mão e colocou dentro o resto das caixinhas de qualquer jeito. Uma caiu
no chão. Ali ficou.
—Eh, senhora, não quer a nota?

Ela correu para a rua. Começou a chover outra vez. Apertou a bolsa contra seu peito e desviou de
uma jovem de rosto exuberante que ainda deveria acreditar em felizes para sempre. A chuva
estava encharcando seu cabelo e quando chegou perto de sua casa, estava tremendo. Deixou cair à
bolsa sobre a mesa da sala de jantar. Algumas caixinhas saíram.
Tirou a capa de chuva de cima e tentou recuperar o fôlego. Tinha que fazer um chá, disse a si
mesma que ia colocar um pouco de musica, talvez a televisão. Mas não fez nada disso, mas
afundou-se numa cadeira aos pés da mesa e começou lentamente a alinhar as caixas diante dela.
Sete caixas. Seis pintinhos por caixa.

161
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Com as mãos tremendo, começou a tirar os papeis de celofane e a abrir as dobras. Caíram no chão
pedacinhos de cartão lilás. Os pintinhos foram saindo entre uma neve crocante de açúcar amarelo.
Por fim estavam abertas todas as caixas. Passou a mão para tirar a cobertura nos últimos resto de
cartão e celofane. Só ficaram os pintinhos sobre a mesa. Enquanto olhava, soube que Bodie tinha
razão no que disse. Toda sua vida foi guiada pelo medo, tão assustava estava que tinha esquecido
como viver.
Começou a comer os pintinhos, um por um.

20

O trafego da meia noite em Denver estava em colapso por causa das obras, arruinando mais ainda
o péssimo humor de Heath. Em seis semanas, não tinha mostrado a Delaney mais que respeito.
Depois de tudo, tratava-se de sua futura esposa, e não queria que pensasse que só queria sexo
dela. Na sua mente surgiu à imagem de Annabelle nua. Apertou os dentes e a buzina do seu carro
de aluguel. A única razão pela qual não deixava de pensar em Annabelle era porque estava
preocupado. Por mais que pressentisse, não conseguia saber ao certo se ela e Dean dormiram
juntos.
A possibilidade evidente de que Dean estivesse se aproveitando dela o deixou louco, mas forçou-se
a centrar de novo seus pensamentos em Delaney, como deveria. Em seus últimos dois encontros,
ela tinha começado a lançar claros sinais de que estava preparada para o sexo, o que significava
que ele deveria começar a fazer seus planos, mas isso não era tão simples como parecia. Para
começar, ela tinha colegas de apartamento, assim que teria que leva-la a sua casa e como ia fazer
isso até que tivesse mudado seus aparelhos de musculação até o sótão? Queria que ela gostasse
da sua casa, mas já tinha descoberto que ela gostava muito pouco da arquitetura moderna, assim
que teria que vendê-la. Um par de meses antes não teria se importado, mas depois de olhar sua
casa com os olhos de Annabelle, começou a vê-la de outra maneira. Desejou poder convencer
Delaney a mudar de opinião.
Deu um grito ao bandido que acabou de cortá-lo e considerou um problema mais sério. Não podia
se desprender da ideia antiquada de que devia propor casamento a Delaney antes de dormir com
ela. Era Delaney Lightfield, não uma fã de time de futebol. Tudo bem que só estavam saindo juntos
há seis semanas, mas era evidente para todo mundo, menos para o Bodie, que eram feitos um
para o outro, assim que porque esperar? Mas como ia pedi-la em casamento sem um anel?
Durante um breve instante, considerou a possibilidade de pedir a Annabelle que escolhesse um
para ele, mas até ele sabia que isso era muito para pedir. O tráfego parou. Ia chegar tarde em seu
encontro das onze. Tamborilou os dedos sobre o volante.Veio a sua mente a dificuldade de tentar
pedir em casamento Delaney sem mencionar a palavra “amor”, mas solucionaria isso mais adiante.
No momento, decidiria o que fazer com o anel.
Ela devia ter uma opinião muito bem elaborada sobre diamantes, e Heath suspeitava que sua
própria filosofia de “quanto maior, melhor” podia não se alinhar com sua mentalidade
aristocrática. Queria algo discreto com um designer impecável. E depois tinha esse bando de coisas
de diziam sobre as cores. Francamente, ele não distinguia um diamante do outro.
O tráfego continuou em ponto morto. Heath reconsiderou. Para o inferno. Pegou o celular e
marcou seu número.
Por sua vez, foi Annabelle quem respondeu e não sua secretária.
Ele foi direto ao assunto, mas a pegou em um momento pouco cooperativo e gritou com ele de tal
maneira, que até com os carros buzinando ao seu redor, teve que afastar o telefone de sua orelha.
—Você quer que eu faça o que?

162
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

***

Annabelle estava feito fúria, batendo as portas dos armários, dando chutes na lixeira do escritório.
Não podia acreditar que tivesse se permitido perder a cabeça por semelhante perfeito e absoluto
idiota. Heath pretendia que fosse olhar aneis para Delaney! Que dia asqueroso. E com sua festa de
aniversario em família chegando em um par de semanas, o futuro não podia ser mais alegre.
Agarrou sua jaqueta e saiu para dar um passeio. Quem sabe aquela ensolarada tarde de outubro a
animasse um pouco. Na verdade, deveria ter se sentido a rainha do mundo. O senhor Bronicki e a
senhora Valerio iam morar juntos. “Gostaríamos de casar, — tinham explicado para Annabelle —
mas não podemos nos permitir, assim que escolhemos a segunda melhor opção.” E ainda mais
emocionante: podia ser que Annabelle tivesse conseguido formar seu primeiro casal permanente.
Janine e Ray Fiedler pareciam estar se apaixonando.
Não podia estar mais feliz por sua amiga e sorriu por fim. Uma vez que Ray se livrou de seu
espantoso penteado, também melhorou de atitude, e tinha resultado ser um cara bem decente.
Janine temia que ele sentisse repugnância de sua mastectomia, mas ele a achou a mulher mais
bonita do mundo.
Annabelle tinha mais razões para estar feliz. Parecia que as coisas estavam sérias entre Ernie
Marks, seu tímido diretor de escola, e Wendy, a vital arquiteta. Tinha convencido Melanie de que
John Nager não era conveniente para ela. E graças à publicidade que obteve ao juntar Heath com
Delaney, seu negócio crescia como espuma. Por fim tinha dinheiro suficiente no banco para pensar
em comprar um carro novo.
Mas preferiu pensar em Heath e Delaney. Como ele podia estar tão cego? Apesar de tudo que ela
mesma acreditava, Delaney não era a mulher adequada para ele. Ela era contida demais, muito
polida. Perfeita demais.

***

Heath levava o anel no bolso, mas a língua não deixava de grudar no céu da boca. Aquilo era uma
estupidez. Ele nunca deixava que a pressão o afetasse e entretanto ali estava ele, jorrando suor
rapidamente.
Essa tarde tinha enviado sua secretária para pegar o anel que escolheu assim que voltou de
Denver, duas semanas antes. Delaney e ele acabaram de comer um jantar de quinhentos dólares
no Charlie Trotter´s. As luzes estavam baixas, a música era suave e o ambiente perfeito. A única
coisa que tinha que fazer era pega-la pela mão e dizer as palavras mágicas: “Daria-me à honra de
ser minha esposa?”
Tinha decidido evitar o “Eu te amo”, para não sair do concreto. Diria que adorava sua inteligência,
que amava sua forma de andar. Que adorava jogar golfe com ela. Que amava todo seu
refinamento, a sensação que ela acabaria de poli-lo. Se ela o apertasse sobre o amor, sempre
podia dizer que estava bastante certo que acabaria amando-a com o tempo, quando estivessem
casados há um tempo e ele estivesse seguro de que ela não o deixaria, mas no fundo não pensava
que ela considerasse essa declaração tranquilizadora como ele a via, assim que era melhor desviar
da questão.
Perguntou-se se ela encheria os olhos de lagrimas quando ele lhe desse o anel. Provavelmente
não. Não era muito emotiva, o que também era positivo. Depois, iriam a sua casa e celebrariam
seu compromisso na cama. Poria muita atenção em ir devagar. Em nenhum momento ia despachá-
la como tinha despachado a Annabelle na primeira vez.
Demônios, aquilo tinha sido divertido. Divertido, mas não sério. Fazer amor com Annabelle foi
excitante, uma loucura, tórrida sem duvida, mas não importante. O único motivo para pensar

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

naquilo constantemente era porque não podia repetir a experiência, o que conferia a atração do
proibido.
Passou os dedos no estojo de jóia azul de ovo de tordo dentro do seu bolso. Trazia, ligeiramente
sem cuidado, o anel que tinha escolhido. Era pouco mais de um quilate, porque Delaney não
gostava de coisas ostentosas. Mas para ele um pouco de ostentação fazia bem, especialmente se
tratando de um anel que ia colocar no dedo de sua futura esposa. De todas as formas, não era ele
que levaria a merda do anel, assim que reservaria sua opinião.
Tudo bem... Hora de passar para a ação. Dirigir a conversa com muito tato evitando o tema do
amor, dar o maldito anel e fazer a proposta. Depois leva-la para casa e fechar o acordo.
O celular vibrou dentro do seu bolso, junto com o estojo do anel. Annabelle tinha dado ordens
estritas de não atender o telefone estando com Delaney, mas ela não teria que se acostumar com
aquilo se fosse se casar?
—Champion. — Dirigiu a sua futura esposa um olhar de desculpa.
A voz de Annabelle bufou pelo fone como um radiador com um furo.
—Venha aqui agora mesmo.
—Você me pegou no meio de algo.
—Como se você está na Antártida? Mova esse seu triste traseiro e venha.
Heath ouviu ao fundo uma voz masculina. Ou mais bem vozes masculinas. Ficou rígido na cadeira.
—Está tudo bem?
—A que você se refere?
—Parece que você está com raiva.
Mas ela já tinha desligado. Meia hora mais tarde, Delaney e ele avançavam em passos velozes pelo
passeio que levava ao alpendre da entrada de Annabelle.
—Não é próprio de Annabelle ficar histérica. — disse Delaney pela segunda vez. — Deve ter
ocorrido algo sério.
Ele já tinha explicado que Annabelle parecia mais furiosa que histérica, mas o conceito de fúria
parecia alheio a Delaney, o que parecia um pouco inconveniente quando ele tivesse que ver os Sox
perderem em um jogo por um fio.
—Parece que há uma espécie de festa. — Delaney tocou a campainha, mas ninguém ouviu com o
hip-hop que tocava no interior da casa, e Heath estendeu os braços para empurrar a porta, que
estava aberta.
Assim que entrou, viu Sean Palmer e meia dezena de seus companheiros dos Bears acomodados
ao redor da entrada de Annabelle, o que em si já era muito alarmante, mas pela abertura da porta
que conduziu a cozinha viu outro grupo de jogadores, todos do Stars de Chicago. O escritório de
Annabelle parecia território neutro, com cinco ou seis jogadores, não exatamente misturados, mas
divididos de lados opostos e ela plantada na metade do arco da entrada. Heath entendeu que
estivesse nervosa. Ninguém das duas equipes tinha esquecido a polemica decisão arbitral que
tinha dado aos Stars uma estreita e disputadíssima vitória sobre seus rivais. Não pode evitar se
perguntar que parte do cérebro de Annabelle estaria de férias para ter deixado entrar todos esses
caras da mesma vez.
—Escutem todos, chegou Jerry Maguire.
Heath respondeu a saudação de Sean Palmer com a mão. Delaney aproximou-se dele um pouco
mais.
—Como você não tem ainda televisão a cabo, Annabelle? — protestou Eddie Skinner por cima da
musica. — lá em cima tem?
—Não. — respondeu Annabelle, abrindo caminho até a entrada. —E tire esses seus sapatos de
bunda gorda de cima das almofadas do meu sofá. — Virou seu tronco em cento e oitenta graus,
apontando o dedo como uma pistola para Tremaine Russel, o melhor running back que o Bears
tinha visto por décadas. — Para que você acha que tenho os malditos porta-copos, Tremaine?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Heath ficou a margem, sorrindo. Annabelle parecia uma atribulada tutora de um grupo de
escoteiros, com os braços na cintura, o cabelo vermelho solto, soltando faíscas pelos olhos.
Tremaine levantou o copo e limpou a mesinha auxiliar com a maga de sua jaqueta feita sobre
medida.
—Perdão, Annabelle.
Ela viu o sorriso de Heath e avançou para jogar sua fúria contra ele.
—Tudo isso é culpa sua. Aqui tem pelo menos quatro clientes seus, nenhum dos quais eu conhecia
pessoalmente há um ano. Se não fosse por sua causa, seria só uma torcedora a mais os vendo
passarde uma distância prudente.
Seu acalorado ataque estava atraindo a atenção de todo mundo e alguém abaixou a musica para
não perder os detalhes. Ela sinalizou a cozinha com um violento gesto de cabeça.
—Beberam tudo que tinha na minha casa, incluindo a vasilha com fertilizante para as violetas
africanas que eu tinha acabado de misturar e pensei em deixar na bancada.
Tremaine deu um tapa no ombro de Eddie.
—Disse que tinha um gosto estranho.
Eddie encolheu os ombros.
—Para mim estava bom.
—Além disso, pediram comida chinesa por cem dólares, e eu não penso vê-la esparramada por
todo o carpete, assim que todo mundo vai comer na cozinha.
—E pizza. —Jason Kent, o segundo stringer dos Stars, falou alto perto da área da geladeira. —Não
esqueça que também pedimos pizza.
—Em que momento minha casa se transformou no principal ponto de encontro de jogadores
profissionais exorbitantemente bem pagos e totalmente malcriados sem conserto do norte de
Illinois?
—Nós gostamos daqui. — disse Jason. — Lembra um lar.
—Fora o fato de não ter mulheres. — Leandro Collins, o tight end titular dos Bears, surgiu do
escritório comendo batatas fritas de um saco. —Tem vezes que nós precisamos descansar um
pouco das damas.
Annabelle soltou o braço e deu-lhe um cascudo.
—Não se esqueça com quem está falando.
Leandro tinha pavio curto e era conhecido pelas brigas que tinha de vez enquanto quando não
estava de acordo com as decisões dos árbitros, mas o tight end se limitou a esfregar a cabeça e
fazer uma careta.
—Assim como a minha mãe.
—E a minha. — disse Tremaine, assentindo alegremente com a cabeça.
Annabelle virou a cabeça para Heath.
—Sua mãe! Tenho trinta e um anos e lembro a mãe deles.
—Também lembra a minha. — indicou Sean, imprudentemente pelo que viu, porque foi o próximo
a receber um pescoção no cangote.
Heath trocou olhares compreensivos com os garotos antes de dar atenção para Annabelle, falando-
lhe com tom doce e paciente.
—Conte como você chegou a isso, meu bem.
Annabelle lançou as mãos para o céu.
—Não tenho ideia. No verão era só Dean que vinha aqui. Depois começou a trazer Jason e Dewitt
com ele. Depois Artie me pediu que desse uma olhada em Sean e eu lhe convidei para vir um dia,
nada mais que para cuidar dele e ele apareceu com Leandro e Matt. Uns Stars por aqui, uns Bears
por lá... Uma coisa levou a outra. E agora tenho em minhas mãos distúrbios pontecialmente
mortais em minha sala de estar.
—Disse para não se preocupar com isso. — disse Jason. — Aqui é terreno neutro.

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—Sim, claro. — Soltava fogo pelos olhos. — Terreno neutro, até que alguém se irrite e depois
viram todos: “Perdão, Annabelle, mas parece que faltam as janelas da fachada e a metade do
andar de cima.”
—A única pessoa que se irritou desde que chegamos aqui foi você. — murmurou Sean.
Annabelle fez uma expressão tão comicamente assassina que Eddie deixou a cerveja sair pelo
nariz, ou talvez fosse fertilizante de violeta, o que fez com que todo mundo risse.
Annabelle se jogou sobre Heath e agarrou a frente de sua camisa, ficou na ponta dos pés e
repreendeu-o entre os dentes.
—Vão ficar bêbados e depois um desses idiotas transformara sua Mercedes em um carro cheio de
freiras. E eu serei a responsável legal. Isto é Illinois. Neste Estado há leis que regulamentam a
hospitalidade.
Pela primeira vez Heath, sentiu-se decepcionado com ela.
—Não tirou as chaves deles?
—Claro que tirei as chaves. Acha que sou louca? Mas...
Com um golpe a porta da rua se abriu e o Senhor Jonny Bravo Robillard entrou como o rei do
mambo, usando seus Oakley, diamantes e botas de cowboy. Cumprimentou a concorrência com
dois dedos, como se fosse a merda do rei da Inglaterra.
—Oh, merda. Agora sim estou fodida. — Annabelle puxou ainda mais forte a camisa de Heath. —
Alguém o acertará essa noite. Sinto muito. Acabará com um braço quebrado, ou inutilizado e eu
terei que me ver com Phoebe.
Heath abriu os dedos dela com muita delicadeza.
—Relaxe. Romeu consegue cuidar de si mesmo.
—Eu só queria ser uma casamenteira. É tão difícil de entender? Uma simples casamenteira. — Caiu
bruscamente sobre seus saltos novos. —Isso foi minha ruína.
Leandro franziu o cenho.
—Annabelle, sua atitude está começando a me deixar nervoso.
Robillard ficou ao lado dela em três pisadas. Olhou longamente a Heath e em seguida passou o
braço pelos ombros de Annabelle e deu um forte beijo em sua boca. Heath sentiu uma explosão
interna de fúria. Sua mão direita se fechou em punho, mas estava na casa de Annabelle, que nunca
o perdoaria se ele fizesse o que queria fazer.
—Annabelle é a minha garota. — anunciou Dean ao separar seus lábios olhando-a nos olhos. —
Quem lhe causar algum problema terá que se ver comigo... e com minha linha de defesa.
Annabelle parecia irritada, o que fez Heath se sentir muito melhor.
—Posso cuidar de mim mesma. O que não posso é lidar com uma casa cheia de idiotas bêbados.
—Você é muito dura. — disse Eddie, com ar de ofendido.
Dean acariciou seu ombro.
—Garotos, já sabem como uma mulher grávida pode ficar irracional.
Ouve um assentimento alarmante unânime.
—Você fez o teste como te pedi, meu amor? — Dean voltou a envolvê-la nos braços. — Já sabe se
carrega um filho do meu amor?
Aquilo pareceu ser demais para Annabelle, porque ela começou a rir.
—Preciso de uma cerveja. — Pegou a garrafa de Tremaine e tomou.
—Não deveria beber isso se você está grávida. — disse Eddie Skinner com cara de mau.
Leandro deu um cascudo na cabeça dele.
Heath percebeu que fazia semanas que não se divertia tanto. Algo que o fez se lembrar da
Delaney.
Annabelle estava muito agoniada para reparar nela no meio da bagunça, e Delaney não tinha saído
do seu lugar, cravada debaixo do arco da entrada. Estava com as costas apoiadas na parede, com
seu eterno sorriso solicito congelado na cara, mas tinha os olhos vidrados em um ponto alheio.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Delaney Lightfield, amazonas, campeã do tiro no prato, golfista e ótima esquiadora, acabava de ter
uma fugaz visão do seu futuro e não estava gostando do que via.
—Por favor, ninguém me deixe comer mais rolinhos primavera. — Annabelle deixou sua garrafa
vazia sobre uma pilha de revistas. — O zíper do meu jeans já começa a custar a subir. — Olhou
severamente Eddie, que ainda franzia o cenho. — E não estou grávida.
Robillard continuou dando corda.
—Só por que ainda não me empenhei o bastante. Ocuparemos-nos disso essa noite, boneca.
Annabelle olhou para o céu e em seguida procurou ao seu redor um lugar para se sentar, mas os
lugares estavam todos ocupados assim que acabou no colo de Sean, sentou direito mas
comodamente.
—E só posso comer uma porção de pizza.
Heath tinha que fazer algo com Delaney e aproximou-se dela.
—Lamento tudo isso.
—Deveria me misturar com as pessoas.
—Você não tem que fazer isso se não quiser.
—É só que... é assustador. A casa é tão pequena. E eles são tantos...
—Vamos para fora.
—Sim, acho que essa é a melhor ideia.
Heath a acompanhou até o alpendre. Permaneceram em silêncio por um momento. Delaney
contemplava a casa em frente, abraçando a si mesma. Ele apoiou um ombro contra a coluna e
notou o peso do estojo em seu quadril.
—Não posso deixá-la. — disse.
—Não, não, claro. Não esperaria isso de você.
Ele afundou as mãos no bolso.
—Acho que você precisava ver como é minha vida. É um exemplo bastante bom.
—Sim. Que bobeira da minha parte. Não imaginava... — Soltou uma gargalhada tensa, de auto-
censura. — Prefiro o camarote.
Ele entendeu e sorriu.
—É verdade que o camarote mantém a realidade a certa distancia.
—Sinto muito. — disse ela. — Eu imaginava de outra maneira.
—Já sei.
Alguém subiu novamente o volume da musica. Delaney deslizou os polegares debaixo da dobra da
sua jaqueta e olhou em torno de si.
—É só uma questão de tempo que chamem a policia.
A policia tinha o costume de olhar para o outro lado quando jogadores de elite da cidade faziam
suas farras, mas Heath duvidava que isso fosse tranquilizá-la.
Delaney acariciou suas perolas.
—Não entendo como Annabelle pode se sentir cômoda no meio dessa bagunça.
Heath escolheu a explicação mais simples.
—Ela tem irmãos.
—Eu também tenho.
—Annabelle é uma dessas pessoas que se entendiam com facilidade. Acho que posso dizer que ela
cria sua própria diversão. — Igual a ele.
—Mas é tão...caótico.
Justamente por isso Annabelle procurava esse tipo de confusão.
—Minha vida é bastante caótica. — disse Heath.
—Sim. Sim, agora me dou conta.
Passaram uns momentos em silencio.
—Você quer que eu chame um táxi? — perguntou ele suavemente.

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Ela vacilou antes de assentir.


—Pode ser que seja o melhor.
Enquanto esperavam, desculparam-se mutuamente e os dois disseram a mesma coisa, que tinham
acreditado que eles dariam certo, mas era melhor ter descoberto agora que não. Os dez minutos
que o táxi demorou para chegar pareceram eternos. Heath deu ao taxista uma nota de cinquenta e
ajudou Delaney a subir nele. Ela sorriu do assento, mais pensativa que triste. Era uma pessoa
excepcional e Heath lamentou por um breve instante não ser a classe de homem que pudesse se
contentar com beleza, inteligência e habilidades atléticas. Não, para agarrá-lo precisava do fator
Tinker Bell. Vendo o táxi partir, sentiu que relaxava pela primeira vez desde a noite que se
conheceram. Enquanto eles estavam fora a comida tinha chegado, mas quando Heath voltou a
entrar na casa ninguém estava comendo. Estavam todos amontoados na sala de estar, com a
musica baixa e a atenção no boné da NASCAR colocado de boca para cima perto dos pés de
Annabelle. Ao se aproximar um pouco mais, viu um surtido de correntes, brincos e anéis de ouro
brilhado.
Annabelle viu-o e lhe sorriu.
—Supõe que eu deva fechar os olhos, pegar uma jóia e dormir com o dono. Ouro maciço por ouro
maciço. Não parece divertido?
Dean estirou o quadril do outro lado da sala.
—Só para que saiba, Heathcliff, meus brincos continuam na minha orelha.
—Isto porque não valem nada, sua puta barata. — Dewitt Gilbert o receptor favorito de Dean, deu
uma palmada na suas costas.
Annabelle sorriu para Heath.
—Só estão fazendo de gozação, sabem que eu não vou fazer isso.
—Ou melhor, esperamos que sim. — disse Gary Sweeney. — Tem uns bons quinze quilates nesse
boné.
—Ah merda! Sempre quis dormir com uma ruiva natural. — Reggie O´Shea tirou rapidamente o
crucifixo cravejado de pedras preciosas do pescoço e colocou no boné.
Os homens ficaram olhando-o.
—Aí você passou do limite, isso não está certo. — disse Leandro.
Houve murmúrios suficientes para fazerem com que Reggie retirasse sua corrente.
Annabelle suspirou e Heath percebeu na sua voz um arrependimento sincero.
—Isso foi divertido, mas a comida vai esfriar. Sean, é uma coleção de jóias magníficas, mas sua mãe
te mataria.
Sem falar do que Heath faria.

***

Lá pelas duas da manhã, a reserva de cerveja que um par de caras estava repondo secretamente se
esgotou por fim e os convidados começaram a desertar. Annabelle encarregou Heath de fazer
testes de sobriedade de quem partia. Ele se ocupou de chamar os táxis e carregar os bêbados até
os poucos carros em que os motoristas estavam sóbrios. Em toda noite só teve uma briga e não foi
pelas chaves de um carro. Dean achou ofensivo o comentário de seu companheiro de equipe
Dewitt de que a única razão que um cara pode ter para comprar um Porsche ao invés de um carro
atômico como o Escalade era para combinar com suas meias de encaixe. Tiveram que separá-los os
jogadores dos Bears.
—Agora me diga a verdade. — tinha dito Annabelle a Heath naquele momento. — Eles foram de
verdade à Universidade?
—Sim, mas isso não quer dizer que assistiram às aulas.

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Ás duas e meia, Annabelle tinha caído rendida no extremo do sofá, e Leandro no outro, enquanto
Heath e Dean tiravam o grosso do desastre da cozinha. Heath jogou para Dean um saco de lixo.
—Esconda aquelas garrafas de whisky vazias.
—Já que ninguém morreu, provavelmente ela não se importará.
—Para que se arriscar. Ela estava bem irritada essa noite.
Juntaram o grosso dos restos de comida na sacola de lixo e colocaram na rua. Dean observou o
Sherman com cara de desgosto.
—Você imagina que ela tentou me convencer a trocar de carro. Dizia que dirigir esse monte de lixo
durante um par de dias me ajudaria a ficar em contato com o mundo real.
—Sem mencionar que daria a ela a oportunidade de experimentar seu Porsche.
—Acho que a lembrei disso. — Dirigiram-se a casa. — E como você não tentou colocar um contrato
debaixo do meu nariz toda a noite?
—Estou perdendo o interesse. — Heath segurou a porta aberta. — Estou acostumado a lidar com
caras menos indecisos.
—De indeciso não tenho nada. Confessarei a você que a única razão pela qual ainda não assinei
com ninguém é por que estou gostando de todo mundo me cortejando. Não acreditaria nas coisas
que os agentes enviam para você, e não me refiro a entradas para a primeira fila de algum show.
Os Zagorski me compraram um Segway.
—Sim, verdade, enquanto você se diverte, lembre que a Nike está começando a esquecer os
motivos pelos quais queriam sua cara bonita sorrindo para os sem tetos nas suas valas.
— Falando de presentes... — Dean apoiou na bancada, com expressão cautelosa. — Estava
admirando o novo Rolex a prova da água que vi em uma vitrine. Essa gente sim sabe fazer um bom
relógio.
—Que tal se eu te envio um centro floral que combine com seus bonitos olhos azuis?
—Que insensível você é cara. — Dean pegou suas chaves do pote de biscoitos da Hello Kitty de
Annabelle, junto com um biscoito Oreo. — Custo a entender como você chegou a ser um agente na
moda com essa atitude tão ruim.
Heath sorriu.
—Parece que você nunca vai descobrir. Você é quem perde.
Dean partiu o Oreo ao meio com os dentes, deu um sorriso e saiu despreocupadamente da
cozinha.
—Depois conversaremos, Heathcliff.
Heath colocou Leandro em um táxi. Não podia deixar de sorrir. Não havia nada entre Annabelle e
Dean, mas do que travessuras. Annabelle não estava apaixonada por ele. Tratava-o exatamente
igual aos outros jogadores, como se fossem crianças crescidas. Toda aquela historinha que tinha
contado para ele era uma invenção completa. E se Dean estivesse apaixonado por ela, era evidente
não teria deixado-a sozinha com outro homem essa noite.
Ela estava desmaiada no braço do sofá e sua respiração agitava ritmicamente o cacho de cabelo
que caia na sua boca. Heath procurou um lençol e ela moveu um pouco enquanto a cobria.
Surpreendeu-se perguntando se seria errado deslizar debaixo desse lençol e tirar suas calças para
que ela dormisse mais cômoda. Muito mau.
Por mais volta que desses, só pensou em uma razão para Annabelle montar uma farsa com Dean.
Porque estava apaixonada por Heath e queria salvar seu orgulho. A divertida, combativa, gloriosa
Annabelle Granger o amava. Seu sorriso aumentou e sentiu seu coração bater rápido pela primeira
vez em meses. Era assombroso o que a lucidez podia fazer para a paz interior de um homem.

***

169
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Ele acordou com o telefone. Estendeu a mão mais a frente da cama para pega-lo e resmungou no
fone:
—Champion.
Seguiu um prolongado silencio. Afundou mais a cara no travesseiro e se afastou.
—Heath? — ouviu do outro lado.
Ele colocou a mão na boca.
—Sim?
—Heath?
—Phoebe?
Ouviu uma inspiração indignada e a continuação o estalo de comunicação cortada. Abriu os olhos
de uma vez. Passaram uns segundos até que comprovou seus temores. Não estava no seu quarto,
o telefone que tinha atendido não era seu e ainda não eram, deu uma olhada no seu relógio, oito
da manhã. Fantástico. Agora Phoebe sabia que ele tinha passado à noite na casa de Annabelle.
Estava fodido. Fodido em dobro, quando Phoebe ficasse sabendo que tinha terminado com
Delaney.
Já completamente acordado, saiu da cama de Annabelle, na que Annabelle não estava,
infelizmente. Apesar das implicações profissionais do que acabava de acontecer, não deixou de
sentir o bom-humor da noite anterior. Desceu as escadas do sótão para tomar um banho e depois
fazer a barba com a Daisy de Annabelle. Não tinha levado roupa consigo, o que o deixava como
opção colocar a boxer do dia anterior ou ficar sem cueca. Decidiu pela ultima e depois vestiu a
camisa do dia anterior, muito amassada pelos punhos de Annabelle. Ao descer ao andar de baixo,
encontrou-a feito uma concha, ainda em cima do sofá, com os lençóis envolvidos até o pescoço e
um pé saído por baixo. Nunca foi um fetichista por pés, mas tinha algo nesse arco encantador que
provocou nele desejos de fazer toda classe de coisas obscenas. Claro que quase todas as partes do
corpo de Annabelle pareciam produzir esse efeito nele, fato que deveria ter lhe dado uma pista.
Afastou o olhar de seus dedinhos e caminhou até a cozinha.
Ele e Dean não tinham se esmerado na limpeza e a luz da manhã revelou restos de comida chinesa
grudadas na bancada. Enquanto fervia água para o café, pegou uns quantos guardanapos de papel
e tirou o mais visível. Quando voltou a dar uma olhada na sala ao lado, Annabelle tinha conseguido
se sentar. O cabelo ocultava a maior parte de seu rosto, salvo pela ponta do nariz e suas maças do
rosto.
—Onde está minha calça? — resmungou ela. — Dá no mesmo. Falamos disso depois. —Envolveu-
se no lençol e foi tropeçando até a escada.
Heath voltou para a cozinha e serviu o café. Estava a ponto de dar um primeiro trago no café
quando viu que uma massa de violetas africanas tinha ido parar debaixo da mesa. Ele não entendia
muito de plantas, mas as folhas daquela pareciam muito murchas. Não podia provar realmente
que ninguém tinha mijado nela, mas para que correr o risco?
Levou para fora e a escondeu debaixo das escadas.
Tinha acabado de ler as mensagens motivadoras na geladeira de Annabelle quando ouviu o fru-fru
de sua roupa. Virou e pode aproveitar da vista de Annabelle arrastando os pés para o interior da
cozinha. Não tinha chegado a tomar um banho, mas prendeu o cabelo e lavou a cara, deixando as
bochechas vermelhas. Um short de dormir xadrez aparecia debaixo da camiseta lilás grande que
usava. Heath seguiu a linha de suas pernas nuas até seus pés, dentro de um tênis verde amarelado,
feito poeira. O conjunto oferecia um aspecto sonolento, amassado e sexy.
Ofereceu-lhe uma xícara de café. Ela o esperou dar o primeiro trago antes de reconhecer sua
presença, com a voz ainda um pouco áspera.
—Posso saber quem tirou minha calça?
Ele pensou um pouco.
—Robillard. Esse cara é um mau-caráter.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Ela olhou-o com o cenho franzido.


—Não estava tão inconsciente. Notei que foi você que abaixou o zíper.
Heath não podia mostrar arrependimento nem sequer se tivesse tentado.
—Escapou das minhas mãos.
Ela deixou-se cair na cadeira junto à mesa da cozinha.
—Eu estava imaginando ou Delaney estava aqui ontem à noite?
—Esteve.
—E por que não ficou para dar uma mão?
Agora chegava o momento da parte delicada. Heath fingiu que buscava algo para comer
remexendo os armários, apesar de saber que tinham os deixados vazios. Depois de mexer num par
de latas de tomate frito, fechou as portas.
—A festa foi um pouco demais para ela.
Annabelle endireitou-se na cadeira.
—O que isso quer dizer?
Heath percebeu, muito tarde, que tinha que ter pensado sobre a melhor forma de expor aquilo, ao
invés de ficar escondendo violetas africanas ou lendo citações inspiradoras de Oprah. Talvez
encolhendo os ombros pudesse fugir do tema até que ela estivesse mais desperta. Ele tentou.
—Não deu certo.
—Não entendo. — Annabelle tirou a perna que tinha dobrado debaixo de seu quadril e começou a
parecer preocupada. — Ela me disse que estava começando a gostar de futebol.
—Parece que não quando o vê de perto e em sua dimensão pessoal.
As rugas afundaram no rosto de Annabelle.
—Eu me encarregarei de que ela pegue tudo com tranquilidade. Os garotos só assustam se deixar
que eles tomem conta.
Não deveria sorrir, mas não era precisamente por isso que seu novo plano ia funcionar muito
melhor que o velho? Desde o principio, Annabelle o tinha feito feliz, mas estava tão obcecado em
seguir no caminho errado que não tinha compreendido o que isso significava. Annabelle não era a
mulher de seus sonhos. Nem menos que isso. Seus sonhos tinham sido um produto da
insegurança, falta de maturidade e da ambição mal orientada. Não, Annabelle era a mulher do seu
futuro... A mulher da sua felicidade.
Sua nova lucidez dizia que ela não ia ficar feliz com as noticias sobre Delaney, acima de tudo por
que ele não estava conseguindo reprimir seu sorriso.
—O negócio é... Eu e Delaney terminamos.
Annabelle deixou cair à xícara na mesa com um golpe e ficou subitamente de pé.
—Não. Vocês não terminaram. Isto é só um incidente no percurso.
—Temo que não. Ontem à noite ela teve ocasião de ver como é minha vida e o que ela viu não a
deixou feliz.
—Eu consertarei isso. Quando ela entender...
—Não, Annabelle. — ele disse, taxativamente. — Isto não tem conserto. Não quero me casar com
ela.
Ela explodiu.
—Você não quer se casar com ninguém.
—Isto não é... completamente verdade.
—É verdade. Estou farta disso. Estou farta de você. — Começou a agitar os braços. — Você está me
deixando louca e eu não aguento mais. Você está despedido, senhor Champion. Desta vez, sou eu
que te despeço.
Era uma exibição de temperamento impressionante, assim que Heath decidiu agir com cautela.
—Sou um cliente. — observou. — Não pode me despedir.
Ela o transpassou com aqueles olhos cor de mel.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Acabo de fazer isso.


—Direi em minha defesa que minhas intenções eram realmente boas. — Levou a mão ao bolso e
tirou o estojo de jóia. — Pensava em propor-lhe matrimônio ontem à noite. Estávamos no Charlie
Trotter´s. A comida era fantástica, o ambiente perfeito e tinha um anel preparado. Mas justo
quando me preparava... você ligou.
Fez uma pausa para deixar que ela tirasse sua próprias conclusões, coisa que, sendo mulher, ela
não tardou em fazer.
—Ai, meu Deus. Fui eu. Foi minha culpa.
Um bom agente sempre desvia a culpa, mas vendo-a afundar em consternação, soube que tinha
que acalma-la.
—Sua ligação foi o pano de fundo. Levava toda a noite tentando dar o anel, mas parecia que algo
me impedia de tirá-lo do bolso. Isso não te sugere nada?
Colocar as coisas no seu lugar, só fez com que ela se irritasse novamente.
—Ninguém tem valor para você! Juro, você encontraria defeito na Virgem Maria. — Pegou o
estojo, abriu e franziu o cenho.
—Isso é o melhor que você encontrou? Você é um multimilionário!
—Exatamente! — Se precisava de mais provas de que Annabelle Granger era a certa, aí ele as
tinha. — Não vê? Ela gostava da sutileza em tudo. Se eu tivesse escolhido um diamante maior ela
teria se sentido mal. Odeio este anel. Imagina a reação dos meninos se vissem essa pedrinha
miserável no dedo da minha mulher.
Ela fechou com uma batida o estojo e colocou-o de nova na sua mão.
—Você continua despedido.
—Eu entendo. — Guardou-o no bolso, deu um gole no café e foi até a porta.
—Acho que será melhor que ambos deixemos as coisas como estão.
Ele desejou que o ligeiro tremor que apreciou em sua voz não fosse fruto de sua imaginação.
—Você acha isso? — O impulso de aplacar sua indignação com beijos foi quase superior a ele. Mas
por mais tentadora que fosse a gratificação imediata, tinha que se concentrar em longo prazo, de
modo que se limitou a sorrir e deixa-la sozinha.
Lá fora, o ar da manhã tinha um cheiro vivificante e perfumado de outono. Respirou fundo e
passou rápido, começou a andar até seu carro. Vê-la aquela noite com os garotos tinha aberto seus
olhos para algo que tinha que ter compreendido há semanas atrás. Annabelle Granger era seu par
ideal.

21

Desde o dia que entrou no escritório de Heath a vida de Annabelle transformou-se em uma roda-
gigante girando em velocidade tripla. Subia até o topo, permanecia ali durante uns segundos de
imensa felicidade e em seguida era jogada para o nível mais baixo que revirava suas entranhas.
Enquanto se preparava para sua festa de aniversário, se felicitou por ter despedido Heath. Ele
estava louco. E, o que era pior, deixou-a louca também. Aquela noite, pelo menos, não teria tempo
de pensar nele. Dedicaria seus esforços para se assegurar que sua família a visse como era, não
mais uma fracassada, mas uma empresária nas portas do sucesso com trinta e dois anos recém
completados, que não precisava da compaixão ou do conselho de ninguém. Podia ser que o
Perfeita para Você não fosse um candidato a lista das quinhentas maiores fortunas, mas no mínimo
começava a dar lucro.
Voltou a colocar a tampa no tubo de brilho labial, saiu do banheiro e cruzou o corredor parar ficar
a frente do espelho de corpo inteiro do quarto da Nana. Gostou do que viu. Seu vestido coquetel,
de linhas de trapézio com mangas cumpridas, tinha sido um esbanjo, mas não lamentava ter gasto
o dinheiro. O decote favorecedor, por baixo dos ombros, conferia longitude e graça ao seu pescoço,

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

além de um efeito dramático a seu rosto e sua pele. Podia ter escolhido um vestido negro,
apostando nos seguros critérios mais conservadores, mas tinha escolhido a cor pêssego. Adora a
dramática justaposição do suave tom pastel com seu cabelo vermelho, que, para variar, não estava
lhe dando nenhum problema e flutuava em torno de seu rosto, belamente desgrenhado, deixando
ver em intervalos um delicado par de brincos de ouro de encaixe. Seus sapatos de salto alto cor
creme lhe aportava alguns centímetros a mais, mas não a estatura que daria o homem cujo braço
ela levaria.
—Vai vir com um namorado? — O assombro de Kate pela manhã, quando tomou café com seus
pais no hotel, ainda chiava em seu interior, mas Annabelle tinha mordido sua língua. Ainda que a
relativa juventude de Dean pudesse pesar contra ela, os Granger eram fanáticos por futebol
americano. Toda a família, com exceção de Candace, acompanhava os Stars há anos e ela confiava
que o status de Dean compensasse sua juventude e seus brincos de diamante.
Deu uma ultima olhada em seu reflexo. Candace usaria um vestido de Max Mara, mas que
importância isso tinha? Sua cunhada era uma enganadora insegura e antipática. Annabelle teria
preferido que Doug levasse Jamison, mas tinha deixado seu sobrinho em casa, na Califórnia, com
uma babá. Annabelle deu uma olhada no seu relógio de pulso. Faltavam vinte minutos para que
seu acompanhante de luxo passasse para pega-la. Para que Dean se prestasse a aquilo, teve que
prometer que ficaria permanentemente a sua disposição durante o resto de sua vida, mas valeria a
pena.
No caminho ao andar de baixo, percebeu, com certo desgosto, que havia algo patético em uma
mulher de trinta e dois anos que ainda tinha que tentar ganhar a aprovação de sua família. Talvez
superasse aquilo quando tivesse completado quarenta anos. Ou talvez não. Mas devia enfrentar a
realidade: tinha boas razões para inquietar-se. A ultima vez que esteve com sua família, eles
tinham encenado uma intervenção seguindo todas as regras.
“Você tem um potencial tão grande, carinho...”, tinha dito Kate tomando o ponche da noite de
Natal no terraço de sua casa em Naples. “Amamos-te demais para ficarmos a margem enquanto
vemos você desperdiça-lo.”
“Está tudo bem ser à toa aos vinte e um — tinha dito Doug. — Mas se você não está séria em uma
profissão aos trinta, começa a parecer uma perdedora.”
“Doug tem razão— disse o doutor Adam. — Nós não podemos estar sempre preocupados por você.
Você tem que fazer sua parte.”
“Pelo menos, podia pensar em como seu estilo de vida afeta o resto da família.” Esse tinha sido o
comentário de Candace, depois de tomar seu quarto copo de ponche.
Até seu pai juntou-se ao coro: “Dê aulas de golfe. Não há lugar melhor para fazer contatos
adequados.”
A “festa” dessa noite ia ser celebrada no tedioso clube Mayfair, onde Kate tinha reservado um
salão privado. Annabelle pretendia convidar o clube da leitura para estar mais protegida, mas Kate
insistiu em que fosse “só para a família”. A última namorada de Adam e o misterioso
acompanhante de Annabelle eram as únicas exceções.
Annabelle comprovou a temperatura exterior. Estava fresco, o Halloween estava próximo, mas o
frio não era tanto como para arruinar seu visual com uma das suas jaquetas gastas. Voltou ao
interior da casa e começou a dar voltas. Faltavam quinze minutos ainda para que Dean passasse
para pegá-la. Hoje sua família veria sem duvida que ela não era uma fracassada. Ela tinha um bom
aspecto, seria acompanhada por um namorado que de quebra era divino e Perfeita para Você
começava a deslanchar. Se não fosse por Heath.
Fez um grande esforço para não dar voltas a sua infelicidade. Não quis falar com ele desde a festa
do fim de semana anterior e, até o momento, ele acatava seu pedido de deixá-la em paz. Inclusive
resistiu a tentação de ligar para agradecer as caixas de delicatessen e os licores caros que mandou
entregar para reabastecer sua dispensa. O motivo pelo qual ele incluiu uma solitária violeta

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

africana continuava sendo um mistério. Por mais doloroso que fosse, sabia que Heath era um
investimento emocional que não podia se permitir. Durante meses tentou se convencer que seus
sentimentos com relação a ele estavam mais relacionados com a luxuria do que com amor, mas
não era verdade. Amava-lhe de tantas maneiras que tinha perdido a conta: porque basicamente
ele era uma boa pessoa, por seu senso de humor, pela forma que ele a entendia bem... Mas seus
desequilíbrios emocionais tinham raízes quilométricas, presos no mais profundo do seu ser e
causou-lhe danos irreparáveis. Ele era capaz da lealdade mais absoluta, de uma dedicação
completa, de oferecer força e consolo, mas não acreditava mais que ele fosse capaz de amar. Tinha
que erradica-lo de sua vida.
O telefone tocou. Se fosse Dean para dizer que não poderia ir, ela não o perdoaria jamais. Foi
correndo ao escritório e se apressou em atender, antes que a secretaria eletrônica o fizesse.
—Alô?
—Escute, isso é um assunto pessoal, não negócios, — disse Heath— assim que não desligue.
Temos que conversar.
O simples som da sua voz fez com que seu coração desse um pequeno pulo.
—Não sei sobre o que.
—Você me despediu. — disse ele com toda calma. — eu te respeito. Já não é mais minha
casamenteira. Mas continuamos sendo amigos e no interesse da nossa amizade temos que discutir
a página treze.
—A página treze?
—Você me acusou de arrogante. Eu sempre achei que era mais como confiança em mim mesmo,
mas estou aqui para dizer que já não penso assim. Depois que examinei estas fotos... Céus, se isso
é o que você busca em um homem, acho que nenhum vai dar conta.
Ela tinha a impressão crescente de que entendia exatamente do que ele estava falando então
sentou no canto da mesa.
—Não tenho ideia do que você está falando.
—Quem poderia dizer que silicone elástico viesse em tantas cores?
Seu catálogo de brinquedos sexuais. Ele levou-o há meses. Esperava que esquecera disso a essas
alturas.
—A maioria dos produtos parecem ser hipoalergênicos — prosseguiu Heath. — Isso é bom, eu
suponho. Alguns usam pilhas, outros não. Acho que é uma questão de preferência. Este tem uns
arnês. Bem excitante. E... Que filhos da puta! Aqui diz que pode lavá-lo no lava-louças. Olha que eu
até gosto... Mas sinto muito, tem algo nisso que tira a libido de uma pessoa.
Tinha que ter desligado, mas sentiu tanto sua falta...
—Sean Palmer, é você? Se não parar de dizer idiotices vou contar para sua mãe.
Ele não ligou.
—Na página catorze, ainda por cima... Este modelo vem com uma espécie de bomba para a mão.
Você dobrou a ponta da pagina, então deve estar interessada.
Estava quase segura de não ter dobrado a ponta de nenhuma página, mas vai saber...
—E o que é este com ventosa? A questão é onde você pode pendurá-lo, concretamente? Uma
pequena advertência, coração, se você colocar isso na janela do seu quarto ou, demônios, no
painel do seu carro... conseguirá atrair o tipo de atenção que não é conveniente para você.
Ela sorriu.
—Diga uma coisa, Annabelle, já tenho que desligar. — Sua voz com um baixo tom intimista e cálido
fez com que ela estremecesse. — Por que uma mulher se interessaria por um artificial se um de
verdade funciona muito melhor?
Enquanto ela buscava a melhor resposta, ele desligou. Annabelle respirou profundamente, mas
não conseguiu se acalmar. Por mais que tentasse se proteger, ele sempre chegava a seu íntimo, o
que era o principal motivo para ela não permitir conversas como aquela.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

A campainha tocou. Graças a Deus, Dean chegava antes da hora. Saltou da mesa e pressionou as
bochechas com as mãos para esfriar um pouco. Adotando um sorriso forçado, abriu a porta da rua.
Heath estava plantado do outro lado.
—Feliz aniversário. —Guardou seu celular no bolso, abaixou o catálogo e roçou seus lábios com um
beijo rápido e leve, que a duras penas ela segurou para não corresponder.
—O que você está fazendo aqui?
—Você está linda. Dizer que você está linda é pouco. Infelizmente, seu presente de aniversário não
chegará até amanhã, mas não quero que pense que eu me esqueci.
—Que presente de aniversário? Dá no mesmo. — Forçou-se a bloquear a entrada ao invés de abrir
os braços. — Dean vai passar para me pegar em dez minutos. Não posso falar com você agora.
Ele colocou-a de lado para conseguir entrar.
—Temo que Dean esteja indisposto. Eu vim para substituí-lo. Eu gosto do seu vestido.
—Do que você está falando? Falei com ele há três horas e estava bem.
—Estes vírus estomacais são fulminantes.
—Isso é uma lorota. O que você fez com ele?
—Não fui eu. Foi Kevin. Não sei por que se empenhou em repassar a noite os vídeos com ele. Não
conte o que te digo, mas seu amigo Kevin pode ser um verdadeiro otário quando quer. — Acariciou
seu pescoço com o nariz, justamente atrás do brinco. — Meu Deus, como você cheira bem.
Annabelle levou uns instantes a mais do que necessário para se afastar.
—Molly sabe sobre isso?
—Não exatamente. Infelizmente, Molly passou para o lado escuro junto com sua irmã. Essas
mulheres passam da medida no desejo que têm em te proteger. É comigo que elas deveriam se
preocupar. Não sei como elas não entenderam ainda que você pode cuidar de si mesma.
Ela se comprazeu em saber que ele sim entendia isso, mas continuou resistindo a ceder a seu
encanto de representante adulador.
—Não quero ir a minha festa de aniversário com você. Minha família não sabe que você não é mais
meu cliente, assim que vai parecer um pouco estranho. Além disso, quero ir com Dean para
impressioná-los.
—E você acha que não vou impressionar?
Ela revisou seu terno cinza escuro, provavelmente Armani, sua gravata de marca e o relógio que
usava esta noite, um Patek Philippe incrível, de ouro branco. Sua família cairia de costas e pediria
que ele acarinhasse suas barrigas.
Ele sabia que causaria uma boa impressão. Annabelle viu em seu sorriso ladino.
—Bom, tudo bem. — disse, resmungando. — Mas te advirto desde agora, meus irmãos são os
caras mais ignorantes, repelentes e dogmáticos que você já viu. — Levantou os braços para o céu.
— Por que eu gasto saliva? Você vai amá-los.

***

E eles amaram-no. Suas expressões atônitas quando ela entrou na sala reservada revestida de
nogueira do clube Mayfair com Heath a seu lado, satisfizeram todas suas fantasias. Primeiro
verificaram que não tinha presilhas no sapato, depois verificaram mentalmente seu visual. Antes
mesmo de proceder às apresentações, tinham o admitido como um deles, um membro a mais no
clube dos grandes vencedores.
—Mamãe, papai, este é Heath Champion e já sei o que vocês estão pensando. Para mim também
pareceu falso. Mas seu sobrenome é originalmente Campione e vocês tem que admitir que
Champion seja um bom nome desde o ponto de vista do marketing.
—Muito bom, para o marketing. — disse Kate, com tom de aprovação. Sua pulseira favorita, uma
de ouro com desenhos gravados, tilintou contra outra de Nana, antiga, com muito encanto. Ao

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

mesmo tempo, dirigiu a Annabelle um olhar estranho, que ela fingiu não ver, já que não tinha
pensado ainda em como explicar que o homem que conheciam como seu cliente mais importante
se apresentava como seu acompanhante.
Kate usava esta noite um dos seus ternos de ponta de St. John na cor champanhe que entoava com
perfeição seu cabelo loiro acinzentado, que tinha um corte a la pajem como Gena Rowlands na
altura do queixo desde que Annabelle se entendia por gente. Seu pai vestia seu blazer azul
marinho favorito, camisa branca e uma gravata do mesmo cinza dos seus grisalhos cabelos.
Antigamente tinham sido cor de mogno, como os de sua filha. Uma insígnia com a bandeira
americana adornava sua lapela e ao abraçar-lhe, Annabelle aspirou seu familiar perfume de papai,
espuma de barbear bruit, loção de limpeza seca e pele de cirurgião, flutuavam em sua mente.
Heath começou a apertar as mãos.
—Kate, Chet, é um prazer.
Ainda que Annabelle visse seus pais no café da manhã, seus irmãos tinham chegado de avião há
apenas uma hora e trocou abraços com eles. Doug e Adam herdaram de Kate seu agraciado
aspecto, loiro, de olhos azuis, mas não sua tendência de ganhar uns quilos a mais em torno da
cintura. Estavam especialmente bonitos essa noite, bem-sucedidos com corpos endurecidos.
—Doug, você é o contador, verdade? — Os olhos de Heath desprendiam um brilho de respeito. —
Tenho entendido que te fizeram vice-presidente da Reynolds e Peate. Impressionante. E Adam, o
melhor cirurgião cardiovascular de St. Louis. É uma honra.
Os irmãos Granger se sentiram igualmente honrados, e os três deram amistosas palmadinhas nos
ombros.
—Li sobre você nos jornais...
—Você fez uma grande reputação...
— ...sua carta de clientes é assombrosa.
A cunhada de Annabelle aplicava perfume como se fosse repelente de inseto, assim ele a abraçou
por último. Excessivamente bronzeada, com maquiagem agressiva e carregada, Candace usava um
vestido preto curto e sem alça para exibir a cor de seus braços e suas impecáveis panturrilhas. Os
diamantes de seu brinco eram quase tão grandes como os de Sean Palmer, mas Annabelle
continuava pensando que parecia um cavalo.
Heath brindou a Candace com seu combinado especial: sorriso sexy e olhar direto, cheio de
sinceridade.
—Meu Deus, Doug, como um cara tão feio como você conquistou semelhante beleza?
Doug, que sabia perfeitamente como era bonito, sorriu. Candace agitou charmosamente as
extensões mogno de seu cabelo.
—A pergunta é... como uma garota como Annabelle persuadiu alguém como você a se unir a nossa
pequena festa?
Annabelle sorriu com doçura.
—Prometi que depois lhe deixaria me atar e acoitar.
O comentário divertiu Heath, mas sua mãe soltou um bufo.
—Annabelle nem todos os presentes estão acostumados com seu senso de humor.
Annabelle dirigiu sua atenção à única pessoa da sala que não conhecia, a última conquista de
Adam. Igual as anteriores, incluindo sua ex-mulher, era uma garota bem vestida, atraente, de
feições quadradas, usava um cabelo castanho escuro cortado reto e carecia por completo de
charme. A simples visão daqueles lábios finos e sérios anunciava que seu irmão tinha escolhido
novamente uma fêmea emocionalmente robótica.
—Esta é a doutora Lucille Menger. — Deslizou seu braço protetor por seus ombros. — Nossa muito
talentosa nova patologista.
“Uma escolha profissional muito certa, Lucy. Assim não precisa se preocupar em lidar com os
pacientes.”

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Heath deu-lhe um sorriso de mil watts.


—Parece que eu e você somos os únicos estranhos a família esta noite, assim que não deveríamos
nos separar. Pelo que sabemos, eles poderiam ser assassinos em série.
Os pais e irmãos de Annabelle riram, mas Lucille parecia desconcertada. Finalmente, dissipou a
nuvem de seu cérebro.
—Ah, é uma piada.
Annabelle deu um olhar rápido para Kate, mas a parte de ver um movimento de sobrancelha, sua
mãe não deu sinal de deixar entrever nada. A irritação de Annabelle aumentou muito mais. Seu
irmão tinha um histórico insuperável de escolher aqueles cerebrozinhos carentes de senso de
humor, mas alguém organizava uma intromissão na vida do doutor Adam? Não, senhor. Só na de
Annabelle.
Heath fez uma cara de homem arrependido.
—Uma piada ruim, temo.
Lucille pareceu aliviada ao saber que não era ela.
Kate sempre reservava a sala privada do segundo andar do clube Mayfair para as reuniões
familiares dos Granger em Chicago. Decorada como uma casa nobre inglesa, cheia de bronze
polido e tecido de chita, a sala incluía uma área com poltronas muito acolhedoras juntas a uma
janela com varanda, bem iluminada que dava a Praça Delaware e lá sentaram para tomar o
aperitivo e entregar os presentes. Doug e Candace deram um vale para um salão de beleza da
cidade. Estava claro quem tinha tido essa ideia. Adam deu um aparelho de DVD novo, junto com
uma coleção de vídeos de musculação, muito obrigada. Quando abriu o presente de seus pais,
descobriu um terno azul marinho caríssimo que não usaria nem morta, mas que não podia
devolver por que Kate tinha encomendado em sua boutique para mulheres trabalhadoras favorita
em St. Louis e o encarregado podia dar com a língua nos dentes.
—Toda mulher precisa de um terno sofrido quando começa e ficar mais velha. — disse sua mãe.
Heath torceu a boca.
—Eu tenho um presente para Annabelle. Lamentavelmente, não estará pronto até segunda.
Candace pressionou para que ele desse mais detalhes, mas se negou a dizer uma palavra. Kate não
podia reprimir por mais tempo sua curiosidade sobre por que ele tinha vindo.
—Nós não nos importaríamos se Annabelle viesse sozinha, ainda que ela diga que se sentiria como
a quinta roda. No entanto, como cliente dela, não tinha a obrigação de acompanhá-la, mas...
Enfim, devo dizer que estamos todos muito contentes que aceitou se unir a nós...
Acabou a frase com um sinal de interrogação implícito. Annabelle confiou que Heath conseguiria
de uma forma ou outra acabar com a presunção por parte de sua mãe que ele a acompanhava por
compaixão, mas ele estava mais concentrado em ser encantador.
—Para mim é um prazer. Estava desejando conhecer todos vocês. Annabelle me contou histórias
maravilhosas sobre sua carreira no banco, Kate. Você foi uma verdadeira pioneira para as
mulheres.
Kate se derreteu escutando ele.
—Não sei se tanto, mas te direi que sim, que naquele momento as coisas eram muito mais difíceis
para as mulheres do que agora. Não é para dizer a Annabelle a sorte que ela tem. Hoje em dia, os
únicos obstáculos que se interpõe no caminho para o sucesso de uma mulher são os que ela
mesma cria.
“Toma.”
—Está claro que você a educou bem. — disse Heath, adulador. — É assombroso ver o que ela
conseguiu fazer num tão curto espaço de tempo. Você deve estar muito orgulhosa dela.
Kate olhou fixamente Heath para ver se ele estava brincando. Candace soltou um risinho por baixo.
Não era como se Annabelle odiasse sua cunhada, mas não estaria na primeira fila se algum dia
Candace precisasse de um transplante de rim.

177
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Kate estirou o braço para dar em Annabelle umas palmadinhas no joelho.


—Você se expressa com muito tato, Heath. Minha filha sempre foi um espírito livre. E esta noite
está linda, carinho, ainda quê seja uma pena que não tivessem esse vestido em preto.
Annabelle suspirou. Heath sorriu e depois se virou para Candace, que tinha manobrado para ficar
no sofá entre Doug e ele.
—Tenho entendido que Doug e você têm um filho pequeno muito inteligente.
Inteligente? O melhor que disse Annabelle sobre Jamison era que aprendeu a atrair a atenção de
todo mundo fazendo xixi no tapete da sala. Mas o clã Granger acreditou.
Kate estava radiante de orgulho.
—Ele me lembra tanto Doug e Adam na sua idade...
“Por causa dos pequenos pênis que tinham?”
—Vamos fazer testes com ele. — disse Doug. — Não queremos que ele fique entediado na escola.
—Ele ama suas aulas de conhecimentos naturais. —Uma faixa das extensões capilares de Candace
tinha colado em seu brilho labial, mas ela não tinha se dado conta. — Estamos lhe ensinando a
reciclar.
— É incrível a coordenação que tem sendo um menino de três anos. — disse Adam. — Vai ser um
grande atleta.
Kate estava cheia de orgulho maternal.
—Doug e Adam foram nadadores.
Annabelle tinha sido também nadadora.
—Annabelle também nadava. — Kate sujeitou um cacho atrás da orelha. — Infelizmente, não tinha
tanto empenho como seus irmãos.
Traduzindo, ela nunca ganhou medalhas.
—Eu fazia só para me divertir. — murmurou, mas ninguém fez caso, porque seu pai acabava de
decidir intervir na conversa.
—Vou cortar meu velho ferro do sete para Jamison. Nunca é muito cedo para que se apaixone por
golfe.
Candace embarcou numa descrição das proezas acadêmicas de Jamison, e o Senhor Encantador
deu todas as respostas corretas. Kate olhava com orgulho seus filhos.
—Tanto Doug como Adam aprenderam a ler com quatro anos. Não palavras soltas, mas parágrafos
inteiros. Acho que Annabelle custou um pouquinho mais. Não que fosse lenta, não era em
absoluto, mas custava-lhe mais estar quieta.
Ainda custava.
—Uma pequena desordem de déficit de atenção não é necessariamente algo ruim. — disse
Annabelle, se sentido obrigada a dizer. — Pelo menos, te proporciona um amplo leque de
interesses.
Todos ficaram olhando-a, até mesmo Heath. Quadrada. Em menos de meia hora, tinha desertado a
mesa dos perdedores e tinha ganhado cadeira fixa entre os garotos modelo.
A agonia se prolongou com a chegada dos aperitivos, sentaram-se em torno da mesa, disposta com
toalha de linho branca, rosas vermelhas e candelabro de prata.
—Assim, quando você vai conhecer a nova ala de cardiologia, Batatinha? — Adam tinha se sentado
ao seu lado, e de frente para sua namorada. — Que engraçado, Lucille. A última vez que Annabelle
veio de visita, alguém tinha deixado um esfregador na recepção. Annabelle andava falando, como
de costume e não o viu. Plaft!
Todos começaram a rir, como se não tivesse ouvido aquela historia uma dezena de vezes pelo
menos.
—Você se lembra daquela festa que fizemos antes de começar nosso último ano no colegial? —
Doug morria de rir. — Misturamos as bebidas de todos os copos e desafiamos que Batatinha
bebesse aquela maldita mistura. Deus, pensei que ela não ia parar de vomitar nunca.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Sim, olhem, que lindas lembranças, sim senhor. — Annabelle pegou seu copo de vinho.
Por sorte, estavam mais interessados em crivar Heath com perguntas que em torturá-la. Doug quis
saber se tinha pensado em abrir um escritório em Los Angeles. Adam perguntou se tinha admitido
algum sócio. Seu pai lhe perguntou seu nível de golfe. Todos estavam de acordo que o trabalho
duro, uns objetivos bem definidos e um bom backswing eram as chaves para o sucesso. Quando
chegaram as entradas, Annabelle pode ver que Heath tinha se apaixonado pela sua família tanto
quando ela por ele.
Kate, entretanto, não satisfez sua curiosidade sobre porque ele veio na qualidade de
acompanhante.
—Conte-nos como vai à busca pela esposa. Tenho entendido que trabalha com duas
casamenteiras.
Annabelle decidiu acabar de falar sobre o assunto de uma vez.
—Uma casamenteira. Eu despedi-lhe.
Seus irmãos riram, mas Kate deu-lhe um olhar severo por cima de seu pãozinho.
—Annabelle tem o pior senso de humor.
—Não estava brincando. — disse ela. — É impossível trabalhar com Heath.
Um silêncio sepulcral caiu sobre a mesa. Heath encolheu os ombros e deixou seu garfo.
—Parece que eu custava a cumprir com a parte que me cabia e Annabelle não tolera muita bobeira
quando se trata de trabalho.
Sua família ficou de boca aberta, todos menos Candace, que acabou com sua terceira taça de
chardonnay e decidiu que já era hora de falar do seu tema de conversa predileto.
—Nunca ouvirá da boca de nenhum deles, Heath, mas a família Granger é das mais antigas de St.
Louis, não sei se você me entende.
Heath enroscou os dedos em torno de sua taça.
—Não estou muito seguro.
Por mais que se alegrasse em trocar de tema, Annabelle desejou que Candace tivesse escolhido
algum outro. Kate também não estava feliz, mas já que Candace tinha decidido se portar mal no
lugar de Annabelle, limitou-se a pedir a Lucille que passasse o sal.
—O sal faz subir a pressão arterial. — Lucille sentiu o dever profissional de apontar.
—Fascinante. — Kate passou o braço adiante para pegar o saleiro.
—Os Granger são uma das famílias originais da destilaria de St. Louis. — disse Candace. —
Praticamente, fundaram a cidade.
Annabelle reprimiu um bocejo.
Heath, entretanto, abandonou a costela de primeira para prestar a Candace toda a sua atenção.
—Não me diga.
Candace, uma esnobe de nascimento, esteve mais que encantada de estender-se em detalhes.
—Meu sogro esperou até terminar o colegial para anunciar que pensava em se dedicar à medicina
ao invés da cerveja. Sua família se viu forçada a vender o negócio a Anheuser-Busch. Segundo
parece, a história foi uma fofoca nos jornais locais.
—Não tinha ideia. —Heath buscou o olhar de Annabelle, do outro lado da mesa. — Você nunca
comentou nada disso.
—Nenhum deles comenta. — disse Candace em um sussurro de conspiradora. — Eles têm
vergonha de terem nascido ricos.
—Não temos vergonha. — disse Chet com firmeza. — Mas Kate e eu sempre acreditamos no valor
do trabalho duro. Não tínhamos a menor intenção de criar nossos filhos sem nada melhor que
fazer contar o dinheiro de seus fundos.
Dado que nenhum deles podia tocar no dinheiro de seus fundos até terem uns cento e trinta anos,
Annabelle nunca tinha entendido onde estava a vantagem.
—Vimos jovens demais se arruinarem desse jeito. — disse Kate.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Candace tinha outra fofoca para revelar.


—Parece que se armou uma grande revolta quando Chet levou Kate a sua casa. Os Granger
pensaram que ele se rebaixava casando-se com ela.
Longe de se ofender, Kate se mostrou arrogante.
—A mãe de Chet era uma esnobe terrível. Não podia evitar a pobrezinha. Era um produto dessa
cultura da alta sociedade de St. Louis tão fechada, que é justamente por que pus tanto empenho,
podia acrescentar que em vão, em convencer Annabelle a ser uma debutante. Pode ser que minha
família fosse da classe trabalhadora, sabe Deus que minha mãe era, mas...
—Não se atreva a falar mal de Nana. — Annabelle deu uma garfada em um feijão verde.
— ...mas eu podia apreender as normas de etiqueta tão bem como qualquer um, — prosseguiu
Kate sem alterar-se em nenhum momento. — e não levei muito tempo para me enquadrar
perfeitamente entre os finos Granger.
Chet olhou Kate com orgulho.
—Quando minha mãe morreu se preocupava mais com Kate que comigo.
Heath não tinha tirado a vista de Annabelle.
—Você foi debutante?
Ela ficou toda ereta, levantando o queixo.
—Eu amava os vestidos e naquele momento pareceu legal. Você tem alguma objeção?
Heath começou a rir e o ataque de risos durou tanto que Kate teve que pegar um lenço da bolsa e
entregá-lo para que secasse os olhos. Annabelle não entendeu, francamente, o que ele tinha
achado tão engraçado.
Candace permitiu, imprudentemente, que o garçom enchesse sua taça de vinho.
—Depois teve o Meandro, a casa onde se criaram todos...
Heath ofegou, divertido.
—Sua casa tinha nome?
—Não olhe para mim. — respondeu Annabelle. — Colocaram antes que eu nascesse.
—O Meandro era uma fazenda, não apenas uma casa. — explicou Candace. — Ainda não
acreditamos que Chet convenceu Kate para que vendessem a propriedade, ainda que a casa de
Naples seja espetacular.
Heath teve outro ataque de risos.
—Como você está chato. — disse Annabelle.
Candace seguiu descrevendo a beleza do Meandro, o que fez com que Annabelle ficasse nostálgica,
ainda que Candace esquecesse de mencionar as janelas que deixavam passar correntes de ar, as
lareiras fumegantes e as frequentes pragas de ratos. Por fim, até Doug se fartou e mudou o tema.

***

Heath amou os Granger, todos e cada um deles, com exceção de Candace, que era uma chata
convencida, mas, claro que a mulher tinha que viver a sombra de Annabelle, de modo que ele
estava disposto a se mostrar tolerante. Olhando em torno daquela mesa, viu uma família sólida
como uma rocha, com a que sonhou desde criança. Chet e Kate eram pais amáveis que dedicaram
sua vida para fazer seus filhos adultos bem sucedidos.
Annabelle perdia o juízo com as provocações dos seus irmãos, que faziam de tudo, menos dar
cascudos, mas sendo a pequena e única garota, estava claro que ela era a mascote deles e observar
a nada muito sutil concorrência entre Adam e Doug para monopolizar sua atenção foi um dos
destaques da noite. As complexidades da relação mãe e filha passavam despercebidas a ele. Kate
ficava maçante criticando-a, mas não deixava de buscar desculpas para tocar Annabelle sempre
que pudesse e sorria quando ela não estava olhando. Já em Chet... sua expressão afetuosa não
deixava lugar para duvidas sobre quem era a menina de seus olhos.

180
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Contemplando-a do outro lado da mesa, sentiu o orgulho apertar sua garganta. Nunca tinha a visto
tão linda e tão sexy, ainda que seus pensamentos pareciam sempre derivar nessa direção. Seus
ombros nus reluziam sobre as velas e sentiu o desejo de lamber as sardas na ponta daquele lindo
nariz. O redemoinho brilhante de seu cabelo vermelho lembrava as folhas das arvores de outono, e
ardia seu desejo de bagunçá-lo com os dedos. Se não tivesse tão obcecado com sua defasada ideia
do que era uma esposa para exibição, teria compreendido meses antes o lugar que ela ocupava na
sua vida. Mas foi necessário a festa do fim de semana anterior para abri-lhe os olhos. Annabelle
fazia todo mundo feliz, incluindo ele. Com Annabelle, ele lembrava que a vida se consistia em viver,
não só trabalhar e que o sorriso era um bem tão precioso como o dinheiro.
Cancelou os encontros de toda uma manhã para escolher o anel de compromisso, de só dois
quilates e meio, por que ela tinha mãos pequenas, e carregar todo o dia três quilates podia deixá-
la muito cansada para se desnudar pela noite. Planejou exatamente como a pediria em casamento
e aquela manhã pôs em andamento parte de seu plano.
Tinha contratado a banda de musica da Universidade do Noroeste.
Via com claridade como tudo deveria se passar. Naquele momento, ela estava com raiva, de modo
que tinha que fazê-la se esquecer que até poucas semanas, decidiu se casar com Delaney
Lightfield. Estava bastante certo que Annabelle o amava. A mentira com Dean Robillard
demonstrava isso, não? E se estivesse enganado, a faria amá-lo... começando aquela mesma noite.
Beijaria-a até deixá-la sem fôlego, levaria-a para o quarto, colocaria a Nana virada para a parede e
faria amor com ela até os dois ficarem inconscientes. Depois, continuaria com um carregamento
inteiro de flores, uns quantos encontros super-românticos e uma ladainha de ligações obscenas.
Quando estivesse absolutamente seguro de ter derrubado as últimas defesas, convidaria-a para
um jantar especial em um restaurante exclusivo de Evanston.
Depois de tê-la mimado com boa comida, champanhe e a luz de vela, diria-lhe que queria ver os
caminhos mais frequentados de sua antiga universidade e proporia um passeio pelo campus do
Noroeste. Pelo caminho a arrastaria debaixo daqueles grandes arcos, a beijaria e provavelmente
brincaria com sua mão um pouco, porque para quê se enganar, era impossível beijar Annabelle
sem, além disso, tocá-la. Finalmente, chegariam ao local em que o campus se abre num lago e
seria ali onde a banda de musica do Noroeste estaria esperando-lhes, tocando alguma balada
clássica e romântica. Ficaria sobre um joelho, tiraria o anel e pediria que se casasse com ele.
Colocou aquela imagem em sua cabeça, saboreou-a e depois com uma pontada de pena a deixou
ir. Não teria banda de musica, nem pedido junto ao lago, não tão somente um anel para selar o
momento exato que a pediria em casamento, já que o que tinha escolhido não estaria pronto até a
semana seguinte. Ia renunciar a seu plano perfeito porque, depois de conhecer a família Granger
e ver o muito que significavam uns para os outros, o muito que Annabelle significava para eles,
soube que tinha que fazer parte daquilo.
O garçom desapareceu, deixando-os com os cafés recém feitos e as sobremesas. Do outro lado da
mesa, Annabelle, repreendia o eminente cardiocirurgião de St. Louis, que estava retorcendo um
cacho entre seus dedos e ameaçava não solta-lo até que contasse a todo mundo sobre aquela vez
que tinha molhado as calcinhas na festa de aniversário de Laurie não-sei-quem.
Heath ficou de pé. Adam soltou o cabelo de Annabelle e ela deu-lhe um chute por debaixo da
mesa.
—Ai! — Adam levantou a perna. — Você me machucou!
—Ótimo.
—Garotos...
Heath riu. Ele amava aquilo.
—Com a permissão de vocês, tenho um par de coisas para anunciar. Primeiro, vocês são pessoas
fantásticas. Obrigada por me permitir participar dessa noite.

181
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Seguiu um coro de “bravos”, acompanhado pelo tilintar de taças. Só Annabelle permaneceu em


silêncio e receosa, mas o que estava a ponto de dizer deveria tirar aquela expressão severa de sua
cara.
—Eu não tive a sorte de crescer em uma família como a de vocês. Acho que todos são conscientes
da sorte de terem uns aos outros. — Olhou Annabelle, mas ela estava procurando um guardanapo,
que Adam tinha passado para Doug debaixo da mesa. Esperou que ela voltasse a prestar atenção.
—Faz quase cinco meses que irrompeu em meu escritório com aquele horrível vestido amarelo,
Annabelle. Durante esse tempo, você colocou minha vida de cabeça para baixo.
Kate levantou a mão, sacudindo suas pulseiras com um ruído metálico.
—Se você tiver um pouco de paciência, estou segura de que ela fará o possível para que tudo se
ajeite. Annabelle é extremamente trabalhadora. Admito que seus métodos profissionais possam
não ser os com os que está acostumado, mas ela tem o coração em seu lugar.
Doug tirou uma caneta do bolso.
—Estou pensando em repassar seus arquivos de cabo a rabo antes de ir. Com um pouco de
reorganização e uma mão mais firme com as rendas, seu negócio deve se estabilizar em um triz.
Annabelle apoiou o queixo em uma mão e suspirou.
—Não estou falando do Perfeita para Você. — disse Heath.
Todos lhe olharam desconcertados.
—Ela mudou o nome da empresa. — disse ele, pacientemente. — Não se chama mais Bodas
Myrna. É Perfeita para Você.
Adam olhou assombrado.
—Isso é verdade?
Candace ajustou o brinco.
—Não podia ter pensado em algo mais contagioso?
—Não lembro ter ouvido nada sobre isso. — disse Doug.
—Eu também não. — Chet deixou sua xícara de café sobre a mesa. — Ninguém me conta nada.
—Eu te disse. — respondeu Kate com tom cortante. — Infelizmente, não coloquei em um anuncio
do canal de golfe.
—Que tipo de empresa é? — disse Lucille.
Enquanto Adam explicava que sua irmã era casamenteira, Doug pegou seu BlackBerry.
—Tenho certeza que você não pensou em registrar o nome para se proteger legalmente.
Heath compreendeu que estava perdendo sua atenção e levantou a voz.
—O assunto é... Até que conheci Annabelle, acreditava ter planejado perfeitamente minha vida,
mas ela não levou muito tempo para sinalizar que tinha cometido alguns erros muito sérios em
meus cálculos.
Kate pôs uma cara de contrariedade.

—Ai, senhor. Já sei que ela nem sempre demonstra muito tato, mas faz com boa intenção.
Annabelle levantou o pulso de Adam e olhou seu relógio. Heath teria gostado que ela
demonstrasse um pouco mais de confiança.
—Sei que todos os presentes reconhecem como Annabelle é especial. — disse — mas eu não a
conhecia há tanto tempo e demorei um pouco para me dar conta.
Annabelle ficou brincando com uma mancha de molho na toalha.
—Que tenha custado a perceber. — prosseguiu Heath — não quer dizer que seja idiota. Reconheço
a qualidade quando a vejo e Annabelle é uma mulher incrível. — Agora sim conseguiu a sua
atenção e sentiu essa familiar subida de adrenalina que anunciava os momentos finais prévios ao
fechar acordos. — Sei que hoje é seu aniversário, meu bem, e que deveria ser você a receber o
presente, e não eu, mas me sinto ambicioso. — Virou para um extremo da mesa e depois para
outro. — Chet, Kate, queria pedir a permissão de vocês para me casar com sua filha.

182
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Um silêncio atônito tomou conta da sala. Saiu uma faísca da luz de uma vela. Uma colher caiu com
um estrepito sobre um prato. Annabelle tinha ficado gelada em sua cadeira, no entanto sua família
voltou pouco a pouco à vida.
—Por que ia querer se casar com Annabelle? — uivou Candace.
—Mas achei que estava...
—Oh, meu bem...
—Casar com ela?
—Com nossa Annabelle?
—Ela não nos disse nada.
Kate revirou sua bolsa procurando um lenço.
—Esse é o momento mais feliz da minha vida.
—Permissão concedida, Champion.
Doug sorriu e estirou os braços para beliscar sua mãe.
—Que se casem no Natal antes que ele se dê conta da furada em que se meteu e mude de ideia.
Heath não tirava os olhos de Annabelle, dando-lhe tempo para se acostumar com a ideia. Seus
lábios formaram um ovo torcido, seus olhos tornaram-se uma poça de mel derramado... E logo,
suas sobrancelhas se juntaram no centro de sua testa.
—Mas, o que você está dizendo?
Ele esperava no mínimo um grito afogado de alegria.
—Quero me casar com você. — repetiu.
Sua expressão pressagiava o pior e Heath logo se lembrou que Annabelle muito raramente fazia o
que ele esperava, algo que possivelmente ele deveria ter levado em conta antes de ficar de pé.
—E quando você teve essa mágica revelação? — perguntou ela. — Não, me deixe adivinhar. Esta
noite, depois de conhecer a minha família.
—Você está enganada. — Nisto, pelo menos, pisava em terreno firme.
—Quando então?
—No fim de semana passado, na festa.
Em seus olhos brilhava a incredibilidade.
—E por que você não me disse alguma coisa?
Tarde demais, compreendeu que deveria ter ficado com seu plano original, mas se negou a deixar-
se levar pelo pânico. Combate-se sempre força com força.
—Fazia apenas umas horas que eu tinha terminado com Delaney. Pareceu-me um pouco
prematuro.
—Essa coisa toda me parece um pouco prematura.
Kate agarrou a toalha com as mãos.
—Annabelle, você está sendo muito mal-humorada.
—Pois isso não é nada comparado com como eu me sinto. — Heath fez uma careta quando ela se
levantou de sua cadeira. — Alguém escutou ele pronunciar essa palavra que começa com A?
Porque eu, com certeza, não ouvi.
Assim, sem mais nem menos, colocou-o contra a parede. Ele tinha acreditado realmente que ela
não ia se dar conta? Era por isso que tinha decidido fazer aquilo diante de sua família? Começou a
suar. Se não manejasse a situação com muito cuidado, tudo iria por água a baixo diante dele. Sabia
o que tinha que dizer, mas no preciso instante que devia conservar a calma, a perdeu.
—Eu tinha contratado a banda de musica da Universidade do Noroeste!
Aquela revelação foi recebida com um silêncio de perplexidade.
Tinha conseguido ficar como um estúpido. Annabelle mexeu a cabeça com dignidade e uma calma
que o deixava nervoso.
—Você perdeu a cabeça. Eu só queria que pelo menos tivesse feito isso em privado...

183
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Annabelle! — Kate estava ficando com o pescoço vermelho. — Só porque Heath não quer expor
seus mais íntimos sentimentos diante de estranhos não quer dizer que não esteja apaixonado por
você. Como alguém pode não amar você?
Annabelle manteve seu olhar cravado no de Heath.
—Vou te dizer uma coisa que apreendi sobre as pítons, mamãe, às vezes, é mais importante
prestar atenção no que não dizem do que no que fazem.
Kate ficou de pé.
—Escuta, você está muito zangada para discutir isso agora mesmo. Heath é um homem
maravilhoso. É só você olhar para o jeito que ele se encaixa entre nós. Espere até amanhã, depois
de você ter oportunidade para esfriar os ânimos e então vocês poderão falar sobre isso com
tranquilidade.
—Olhe a respiração dela. — Doug murmurou. — É só olhar para ela para perceber que ela vai
explodir.
—Vamos lá, Batatinha. — Suplicou Adam. — Diga ao cara que você se casará com ele. Pela
primeira vez na sua vida, faça algo inteligente.
A última coisa que Heath precisava era a ajuda dos seus irmãos. Esses eram os caras que você
queria ao seu lado numa trincheira, não lidando com uma mulher irritada. Pedir sua mão diante de
sua família tinha sido a pior ideia que ele teve na vida, mas não era a primeira vez que um acordo
azedava e mesmo assim ele conseguiu consertá-los. A única coisa que precisava fazer era ficar
sozinho com ela... e evitar o único assunto que ela estava empenhada em discutir.

22

Annabelle saiu correndo no corredor deserto. Dos alto-falantes saia musica suave, e a iluminação
tênue e romântica, formava um resplendor relaxante nas paredes de granito, mas ela não podia
deixar de tremer. Acreditava que Rob tinha partido seu coração, mas aquela dor não foi nada em
comparação com o que sentia agora. Assim que passou pela sala, deparou-se com um canto
mobiliado com uma conversadeira e um par de poltronas Sheraton. Heath a seguia, mas ela insistiu
em dar-lhe as costas e ele teve a lucidez de não tocá-la.
—Antes que me diga algo que depois vai se arrepender, Annabelle, deixe eu te dizer para ligar o
fax assim que chegue em casa. Vou te mandar a nota de um joalheiro por um anel de tamanho
considerável. Olhe quando encomendei. Foi na terça, faz quatro dias.
Assim que disse a verdade ao dizer que decidiu se casar com ela na noite da festa. Não encontrou
consolo algum. Apesar de saber que Heath tinha esse buraco emocional em seu interior, ela
pensou que poderia se guardar de nunca cair nele.
—Você está me ouvindo? — disse. — Tinha decidido me casar com você antes de conhecer um só
membro da sua família. Sinto ter demorado tanto para me dar conta, mas, assim como você foi
rápida em apontar, eu sou um idiota e tudo que fiz hoje foi provar que você estava certa. Eu
deveria ter falado com você em particular, mas comecei a pensar no tanto que significaria para eles
fazerem parte disso. Obviamente, eu me empolguei.
—Você nem pensou que eu poderia não aceitar, não é? — Tinha um olhar perdido em seu reflexo
desvanecido pela janela. —Era tão claro para você que eu estava louca por ti que nem sequer
duvidou disso.
Ele aproximou por detrás, até o ponto que pôde sentir o calor de seu corpo.
—E você não está?
Tinha acreditado ser muito esperta esfregando Dean no nariz dele, mas ele tinha percebido sua
farsa, e agora tinha despojado dela os restos de seu amor próprio, junto com todo o demais.

184
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—Sim, mas e daí? Eu me apaixono com facilidade. Por sorte, eu supero com a mesma facilidade. —
Grande mentira.
—Não diga isso.
Finalmente, ela virou para olhá-lo de frente.
—Eu te conheço muito melhor do que você pensa. Você viu como eu me dava bem com os
meninos na festa e foi então que caiu sua ficha que eu seria um ativo para seus negócios, o que era
bastante importante para compensar o fato de que não tenho uma beleza de tirar o fôlego.
—Para de se colocar para baixo. Você é a mulher mais bonita que eu já conheci na vida.
Poderia ter rido de sua desfaçatez se não tivesse doido tanto.
—Pare de dizer mentiras. Sou uma concessão e nós dois sabemos disso.
—Nunca faço concessões. — ele respondeu. — E te juro que não fiz uma com você. Às vezes, duas
pessoas se encaixam e foi isso que aconteceu conosco.
Ele era escorregadio como uma enguia e não podia permitir que ele a desarmasse.
—Começa a fazer sentido. Você é partidário de cumprir os prazos. Está chegando seus trinta e
cinco anos. É a hora de tomar a iniciativa, não é verdade? Na festa, você viu como sou atrativa para
os negócios. Você gosta de estar comigo. Logo, essa noite, você descobre que eu pertenço ao tipo
de família rica e distinta que você estava buscando. Suponho que seja isso o que você acaba de
dizer. Mas você se esqueceu de uma coisa, não acha? — Forçou-se a olhá-lo nos olhos. — E quanto
ao amor? Que tal isso?
Respondeu sem vacilar um instante.
—Que tal isso? Preste atenção, porque vou começar do inicio. Você é linda, cada parte de você. Eu
amo seu cabelo, o aspecto que ele tem, a maneira como o sinto. Eu amo toca-lo, cheira-lo. Amo a
forma que você enruga o nariz quando ri. Faz-me rir, também, o tempo todo. Amo te ver comer. Às
vezes parece impossível que possa comer tão rápido, mas quando você se interessa por uma
conversa se esquece de que há qualquer coisa na sua frente. Deus sabe como amo fazer amor com
você. Nem sequer posso falar disso sem te desejar. Amo sua patética fidelidade aos aposentados.
Amo a forma como você trabalha duro... — E assim ele seguiu por um tempo, dando voltas em um
pequeno quadrado do tapete e catalogando suas virtudes.
Começou a descrever seu futuro, pintando um quadro rosa de sua vida em comum, instalados em
sua casa, das festas que dariam, das férias que tirariam. Ele ainda teve a ousadia de mencionar os
filhos, o que a fez voltar a por os pés no chão.
—Pare com isso! Só pare com isso. — fechou as mãos em punhos. — Você disse tudo, exceto o que
preciso ouvir. Quero que ame a mim, Heath, não que ame meu cabelo horrível, não como me dou
bem com seus clientes, nem o fato que tenho uma família com a qual você sempre sonhou. Quero
que ame a mim e isso você não sabe como fazer, verdade?
Ele nem sequer pestanejou.
—Você ouviu algo do que eu disse?
—Até a última palavra.
Atravessou-o com seu olhar, tentando miná-lo com sua letal segurança.
—Então como eu poderia não amar você?
Se ela não estivesse tão dolorosamente acostumada com seus truques, podia ter caído, mas sua
palavras caíram por terra.
—Não sei. — disse imutável. — Diga você.
Ele levantou as mãos para o céu, mas Annabelle percebeu que atuava pelo desespero.
—Sua família tem razão. Você é um desastre pessoal. O que você quer? Só me diga o que você
quer.
—Eu quero sua melhor oferta.

185
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Ele olhou para ela com seu olhar intenso, intimidante, avassalador. E então fez o impensável,
desviou o olhar. Com o coração partido, ela o viu colocar as mãos no bolso e deixar os ombros cair
de modo quase imperceptível.
—Você já tem.
Annabelle mordeu o lábio e assentiu.
—Isso pensei. — Disse isso e afastou-se andando.
Não tinha dinheiro, mas subiu em um táxi do mesmo jeito e depois fez o taxista esperar na porta
de sua casa enquanto entrava para pegar o dinheiro para pagar. Sua família apareceria em
qualquer momento. Pegou uma mala antes que isso acontecesse e começou a enchê-la com
qualquer coisa que encontrasse pela frente, sem se permitir sentir ou pensar. Depois de quinze
minutos, estava dentro de seu carro.

***

Pouco antes da meia noite, Portia recebeu a noticia da proposta de casamento de Heath por uma
ligação de Baxter Bento, quem atendia as mesas do clube Mayfair há uns mil anos e tinha ficado
escutando as escondidas durante a festa da família Granger. Pegou-a encolhida no sofá, envolvida
em uma velha toalha de praia e uma calça de moletom, já não entrava nas calças jeans, rodeada de
um mar de balas e lenços de papel amassados, como se tivesse rodeada de uma cerca de arame.
Assim que desligou o telefone ficou de pé, animada pela primeira vez em várias semanas. Não
perdeu seu instinto depois de tudo. Por isso não tinha podido encontrar a mulher ideal para essa
última apresentação. A química que percebeu entre Heath e Annabelle naquele dia em seu
escritório não era fruto de sua imaginação.
Começou a andar, pisando na toalha que deixou cair no chão e pegou um exemplar do Tribune,
que nem sequer tinha aberto, para olhar a data. Seu contrato com Heath expirava na terça, tinha
ainda três dias. Deixou o jornal de lado e começou a caminhar muito inquieta. Se fosse capaz de
consertar aquilo, talvez, só talvez, pudesse deixar para trás Casais Power sem se sentir uma
completa fracassada.
Era meia noite, e não podia fazer nada até amanhã. Contemplou a porcaria que acumulou ao seu
redor. A mulher da limpeza tinha pedido demissão um par de semanas antes e não tinha
substituído-a. Uma camada de pó cobria tudo, a lata de lixo estava cheia e tinha que passar o
aspirador pelos tapetes. No dia anterior nem sequer foi trabalhar. Para que? Estava sem ajudantes,
só restava Inez e o garoto da informática que cuidava da web, a parte do negócio pela qual ela
menos se interessava.
Tocou seu rosto. Naquela manhã foi ao dermatologista, demonstrando uma organização de seu
tempo catastrófico, mas, depois de tudo, também era a sua vida. No entanto, pela primeira vez em
várias semanas, sentiu um fio de esperança.

***

Heath se embebedou o sábado pela noite, igual costumava fazer seu velho. Só faltava ter a sua
mão uma mulher para bater e seria o fruto caído perto da arvore. Pensando bem, o velho estaria
orgulhoso dele, por que fazia um par de horas que tinha destruído algo realmente bom, talvez não
fisicamente, mas no plano emocional deu a ela um golpe letal. E ela tinha devolvido os golpes.
Tinha acertado-lhe onde mais doía. Quando caiu na cama, lá pela madrugada, desejou ter lhe dito
que a amava, ter pronunciado as palavras que ela precisava ouvir. Mas para Annabelle não podia
oferecer nada mais que a verdade. Ela significava muito para ele.
Quando por fim acordou, era domingo pela tarde. Foi tropeçando até o chuveiro e colocou a cara
dolorida debaixo da água. Deveria estar no Soldier Field naquele momento, com a família de Sean,

186
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mas ao sair do chuveiro o que fez foi colocar seu roupão, entrar na cozinha e pegar a cafeteira. Não
tinha ligado para um só cliente para desejar sorte e nem sequer se importava.
Pegou uma xícara do armário e tentou aumentar sua indignação contra Annabelle. Ela tinha
desbaratado sua vida e ele não gostou. Tinha um plano, um perfeito, para ambos. Por que não
podia confiar nele? Por que precisava ouvir um monte de besteiras sem sentido? Os atos eram
mais eloquentes que as palavras e depois de casados, ele teria demonstrado que se importava com
ela de todas as maneiras que sabia.
Pegou umas aspirinas, foi ao andar de baixo até a sala de audiovisuais, para poder ver algum jogo.
Não tinha se vestido, ou se barbeado, ou comido e pouco se importava. Enquanto zapeava pelos
canais de esporte, pensou em como a família de Annabelle tinha agido com ele depois que ela
abandonou o encontro. Como um bando de piranhas.
“Qual é o seu jogo, Champion?”
“Você a ama ou não?”
“Ninguém machuca a Annabelle e vai embora sem pagar.”
Até Candace tinha interferido: “Tenho certeza de que a fez chorar e não suporta que sua
maquiagem escorra.”
Para finalizar desfeita, Chet tinha dito tudo:
“É melhor que você vá embora, agora.”
Heath passou o resto da tarde do domingo até o começo da noite, trocando um jogo por outro
sem prestar atenção em nenhum. Tinha ignorado o telefone todo o dia, mas não queria que
ninguém chamasse a policia, assim que reuniu toda sua força de vontade para fingir um álibi, disse
que estava gripado numa conversa com Bodie. Depois foi ao andar de cima e pegou um saco de
batatas fritas. Tinha gosto de pelo de secador. Ainda vestido com o roupão de algodão branco,
sentou-se solitário no sofá com uma garrafa de whisky cheia.
Seu plano despedaçou ao seu redor feito migalhas. Em apenas uma desastrosa noite, tinha perdido
uma esposa, uma amante e uma amiga, e todas eram a mesma pessoa. A longa e desolada sombra
do camping de trailers Beau Vista caia sobre ele.

***

Portia passou o domingo trancada em seu apartamento, com um telefone pendurado em seu
ombro, tentando localizar Heath. Por fim, entrou em contato com sua recepcionista, a quem
prometeu um fim de semana em um balneário se podia descobrir onde ele estava. A mulher não
ligou até as onze da noite.
—Está na sua casa doente. — disse. — Na temporada de jogos. Não posso acreditar.
Portia precisava falar seu nome.
—Bodie falou com ele?
—Por ele fiquei sabendo que ele estava doente.
—Então... Bodie passou para checá-lo?
—Não. Ele ainda está fazendo sua viagem de volta do Texas.
Quando desligou, o coração de Portia sangrava, mas não podia se entregar a aquilo, não nesse
momento. Não acreditou nem por um instante que Heath estivesse doente e ligou para seu
numero. Quando caiu na caixa postal, tentou de novo, mas ele não atendeu. Mais uma vez, tocou
seu rosto. Como ia fazer aquilo? Como podia deixar de fazê-lo?
Foi até o seu quarto e revirou suas gavetas até encontrar seu maior lenço Hermes.
Ainda sim, vacilou. Aproximou-se da janela e deu uma olhada na escuridão da noite.
Que tudo vá à merda.

***

187
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Heath estava cochilando, com Willie Nelson tocando no radio. Lá para a meia noite, escutou a
campainha da porta. Ignorou. Voltou a tocar, insistentemente. Quando não pode aguentar mais,
caminhou até a entrada, pegou seus tênis e lançou contra a porta.
—Vá embora!
Voltou pisando a deserta sala e pegou um copo de whisky escocês que tinha deixado momentos
antes. Um ruído de batidas frenéticas em sua janela fez-lhe virar... e contemplou uma visão saída
direto do inferno.
—Merda!
Seu copo caiu se desfazendo em pedaços e o whisky salpicou sua panturrilha nua.
—Mas o que...
O rosto dos seus pesadelos se escondeu entre os arbustos.
—Abra a maldita porta!
—Portia? — Passou por cima do vidro quebrado, mas não viu nada além de galhos agitando-se do
outro lado da janela. Aquele rosto escuro, encoberto e desprovido de todas feições humanas, com
exceção de um par de olhos escancarados, não podia ser fruto da sua imaginação. Voltou à entrada
e abriu a porta. A varanda estava vazia.
Escutou uma voz assoviando entre os arbustos.
—Aproxime-se!
—Nem pensar. Eu li Stephen King. Você venha aqui.
—Não posso.
—Não penso em me mexer.
Passaram alguns segundos.
—Tudo bem, — disse ela. — mas vire de costas.
—Tudo bem. — Ele não se mexeu.
Pouco a pouco, Portia surgiu das sombras e entrou no caminho. Usava uma capa de chuva longa,
negra, com um lenço caríssimo envolvido na cabeça. Colou sua mão na frente tampando todo o
rosto.
—Você está olhando para mim?
—É claro que estou olhando para você. Acha que estou louco?
Passaram-se alguns segundos mais e ela abaixou a mão. Estava azul. Sua cara inteira e o que
conseguia ver de seu pescoço estavam azuis. Não era um leve tom azulado, mas um azul brilhante,
intenso, como de metileno. Só seus olhos e lábios tinham se salvado.
—Já sei. — disse— Pareço um smurf.
Ele piscou.
—Eu estava pensando em outra coisa, mas sim, você tem razão. Não sai com sabão?
—Você acha que eu sairia de casa com essa cara se saísse com sabão?
—Acho que não.
—É um produto cosmético esfoliante muito especial. Aplicaram em mim ontem pela manhã. —
Parecia nervosa, como se fosse culpa de Heath. — Evidentemente, não pensava em ser vista pela
rua.
—Mesmo assim, aqui está você. Quanto tempo dura o efeito smurf?
—Uns poucos dias mais, depois descasca. Ontem estava pior.
—É difícil de imaginar. E você fez isso por que...?
—Eliminar as células mortas e estimular a geração de novas... tanto faz.
Portia reparou em seu queixo sem barbear, seu roupão branco, as pernas nuas e os mocassins da
Gucci.
—Não sou a única com uma péssima aparência.
—Um homem não pode tomar um dia livre de vez em quando?

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Um domingo em plena temporada de futebol? Acho que não. — Entrou na casa passando diante
dele com um passo decidido e uma vez dentro se apressou em apagar a luz da entrada. —Temos
que conversar muito seriamente.
—Não sei por que.
—Negócios, Heath. Temos negócios para discutir.
Normalmente, teria mandado embora a chutes, mas já não queria continuar enchendo a cara de
whisky e precisava falar com alguém que não estivesse predisposto a ficar do lado de Annabelle.
Passou a frente dela para a sala e, já que não era seu maldito pai, tinha alguma noção das normas
elementares de educação e abaixou a iluminação da única lâmpada do cômodo.
—Tem vidro quebrado junto da lareira.
—Já vejo. — Percebeu a ausência de moveis da sala, mas não fez nenhum comentário. —Fiquei
sabendo que ontem à noite você propôs casamento a Annabelle Granger. E que a boba te rejeitou.
Já que ela saiu com toda presa do clube Mayfair sem você, deduzo que foi isso que se passou.
A sensação de ter sido maltratado nele teve uma erupção.
—Por que ela é louca, por isso. Como se eu já não tivesse problemas demais na minha vida para
ela complicá-la com suas loucuras. E você não a chame de boba.
—Desculpas. — disse arrastando as silabas.
—Não é como se tivesse um tanto de homens fazendo uma fila para casar com ela também.
—Tenho entendido que seu ultimo noivo sofria um problema de identidade sexual, assim que acho
que podemos dizer sem medo de errar que você era uma melhora.
—Parece que não.
Portia não tinha se dado conta, aparentemente, de que tinha escorregado o lenço. Debaixo dele,
seu cabelo era um desastre, embaraçado de um lado, levantado de outro. Era difícil conciliar sua
imagem lunática com a cheia de não me toques que Heath se lembrava.
—Tentei te advertir que ela não era confiável. — disse ela. — Nunca deveria ter feito um acordo
com ela, para começar. — Aproximou-se com os olhos penetrantes em sua fantasmagórica feição
azul. — E, você certamente, não deveria ter se apaixonado por ela.
Foi como se lhe dessem uma navalhada no estomago.
—Não estou apaixonado por ela! Não tente colocar etiquetas nisto.
Portia reparou a garrafa de whisky vazia.
—Não? Mas você poderia ter me enganado perfeitamente?
Heath não ia permitir de nenhuma maneira que lhe fizesse aquilo.
—Mas qual o problema de vocês mulheres? Não podem deixar as coisas como estão? O fato é que
eu e Annabelle nos damos muito bem. Entendemos-nos e nos divertimos juntos. Mas para ela isso
não basta. Tem uma maldita insegurança. — Começou a dar voltas na sala, aumentando sua
sensação de raiva e procurando em exemplo para demonstrar sua afirmação. — Tem essa coisa
com seu cabelo...
Portia se lembrou, por fim, do seu e apalpou a esmagada bagunça.
—Com um cabelo como o dela, acho que podemos perdoar um pouco de vaidade.
—Ela o odeia. — disse ele, triunfante. — Já disse que ela está louca.
—Mesmo assim é a mulher que você escolheu.
Sua ira acalmou. Sentiu-se torcido e teve vontade de beber outra dose.
—Todo esse assunto me pegou um pouco de surpresa. Ela é doce, esperta, muito afiada.
Realmente inteligente, não uma sabichona. É engraçada. Deus, como me faz rir. Sua amigas a
amam e isso já quer dizer muito, por que são mulheres incríveis. Não sei... Quando estou com ela,
me esqueço do trabalho e... — Parou. Já tinha falado demais dá conta.
Portia chegou até a lareira e a capa de chuva abriu expondo as vistas uma calça de moletom
vermelha que parecia um pijama. Normalmente, Heath não teria feito muito caso de uma mulher

189
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

com cara azul de smurf e o cabelo de quem acabava de sair da cama, mas se tratava de Portia
Powers e não baixou a guarda, felizmente, estava certo, porque ela voltou a atacar.
—Mas apesar de tudo isso, você parece amá-la.
Ele mal conseguia segurar sua agitação.
—Por favor, Portia. Eu e você somos feitos do mesmo material. Nós dois somos realistas.
—Que eu seja realista não quer dizer que não acredite que o amor existe. Talvez não para todo
mundo, mas... — Fez um pequeno gesto, algo raro, que não combinava com seu caráter. — Sua
proposta deve tê-la deixado desconcertada. Ela te ama, com certeza. Isso intuí durante nossa
reunião infeliz. Estranha-me que não tenha passado por cima de sua constipação emocional e
aceitado sua proposta correndo.
—O fato que eu não queria mentir não quer dizer que não era uma boa oferta inicial. Teria dado a
ela tudo que precisasse.
—Menos amor. Isso é o que ela esperava ouvir, estou errada?
—Não é mais que uma palavra! O que importava são os fatos.
Portia afastou com a ponta do sapato a garrafa de whisky que ele tinha deixado no chão.
—Passou pela sua cabeça e estou só perguntando por que é meu trabalho, se é possível que
Annabelle seja sã e você o louco de pedra?
—Acho que é melhor que você vá embora.
—E eu acho que você reclama demais. Apresentaram-te uma série de mulheres deslumbrantes,
mas Annabelle é a única com quem você quis casar. Isso, por si só, deveria fazer você refletir.
—Considerei a situação com lógica, isso é tudo.
—Ah, sim, você é o mestre da lógica, é verdade. — Contornou os vidros quebrados. — Por favor,
Heath. Deixe de histórias. Não posso te ajudar se você não me diz a verdade sobre esse muro que
você levantou em torno de si.
—O que é isso? A hora do psiquiatra?
—Por que não? Deus sabe que seus segredos estão a salvo comigo. E não por que tenha um
exercito de amigas intimas desejosas de arrancá-los.
—Acredite em mim, você não quer escutar meus traumas de infância. Digamos, unicamente que,
quando fiz quinze anos, mais ou menos, adivinhei que minha sobrevivência dependia de não
deixar as pessoas entrarem no meu coração dali em diante. Descumpri essa regra uma vez e paguei
caro. Sabe de uma coisa? Resultou ser a forma mais sensata de viver. Eu a recomendo. —
Aproximou-se dela. — Também dói a insinuação de que sou uma classe de monstro sem piedade,
por que não é verdade.
—Isso que você entendeu? Sim você apresenta todos os sintomas clássicos.
— De que?
—De um homem apaixonado, claro.
Sua expressão se descompôs.
—Olhe para você. — Seu tom suavizou e Heath acreditou distinguir nesse tom uma sincera
simpatia. — Não estamos falando de um acordo de negócios que não deu certo. Trata-se de seu
coração partido.
Ele ouviu um bramido em sua cabeça.
Portia se aproximou de sua janela. Suas palavras chegaram a surdina em Heath, como se para ela
fosse difícil de pronunciar.
—Acho... Acho que é assim como sentimos o amor, as pessoas como eu e você. Como uma
ameaça, um perigo. Precisamos ter o controle e o amor nos priva dele. As pessoas como nós... Não
podem suportar a vulnerabilidade. Mas, por muito que nos esforcemos, cedo ou tarde o amor nos
alcança. E então... — Tomou ar com dificuldade — E então desmoronamos.
Ele sentiu como se tivesse recebido um golpe traiçoeiro.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

Ela virou lentamente para ele, com a cabeça erguida e umas faixas prateadas correram suas
bochechas azuis.
—Estou reclamando meu encontro.
Heath escutou o que ela disse, mas suas palavras não tinham sentido.
—Você prometeu para mim e Annabelle uma última apresentação. Annabelle esgotou a dela com
Delaney Lightfield. Agora é a minha vez.
—Você quer me apresentar alguém? Agora? Depois de dizer que estou apaixonado por Annabelle?
—Temos um acordo. — Ela bateu seu nariz na manga do casaco. — Foi você que definiu os termos
e eu tenho uma jovem linda que é justamente o que você precisa. É inteligente e animosa.
Também impulsiva e um pouco temperamental, o que te ajudará a não perder o interesse. É
atraente, por suposto, como são todas as candidatas do Casais Power. Tem um cabelo vermelho
espetacular...
Normalmente, Heath não era tão lento, finalmente ele compreendeu.
—Você pretende me apresentar a Annabelle?
—Não pretendo. Eu vou fazer. — disse com determinação de ferro. — Temos um acordo. Seu
contrato não expira até a meia noite de terça.
—Mas...
—Você não pode ir mais longe sem mim. É hora de uma profissional se encarregar do assunto. —
Nisto esgotou sua energia e uma lagrima desceu sua bochecha. — Annabelle tem... Tem a largura
de caráter que te faz falta. É a mulher que... te fará continuar sendo humano. Porque ela não vai se
conformar nunca com menos. — Seu peito se elevou para tomar uma inspiração prolongada e
regular. — Infelizmente, vai ter que encontrá-la primeiro. Fiz umas averiguações. Ela não está na
casa dela.
A noticia sacudiu ele. Ele queria que ela ficasse quietinha e trancafiada na casa de sua avó.
Esperando por ele. A costura rosa dos lábios de Portia se estreitou debaixo de suas bochechas
azuis e úmidas.
—Escute, Heath. Quando a encontrar, me ligue. Não tente se ocupar disso você mesmo. Você
precisa de ajuda. Está me entendendo? Essa é minha apresentação.
Naquele preciso instante, o único que ele entendia era a grandeza da sua própria estupidez. Amava
Annabelle. Lógico que amava. Isso explicava todos aqueles sentimentos aos que não tinha dado
nome por que estava muito assustado.
Precisava ficar sozinho para refletir sobre aquilo. Portia pareceu compreender, por que fechou a
capa de chuva e saiu da sala. Heath sentiu como se tivesse sido acertado na cabeça por uma bola
de beisebol. Ele caiu na poltrona e afundou a cara entre as mãos.
Os saltos de Portia faziam um ruído no chão de mármore da entrada. Ouviu a porta da rua abrir e
logo depois, inesperadamente, a voz de Bodie.
—Merda!

23

Portia caiu nos braços de Bodie. Apenas caiu. Ele não esperava e cambaleou para trás. Sem que ela
se desgrudasse dele, envolvendo-o em seus braços, negando a solta-lo. Nunca mais. Aquele
homem era sólido como uma rocha.
—Portia? — Agarrou-a pelos ombros e a empurrou, afastando-a uns centímetros para poder
examinar sua cara.
Ela olhou diretamente a seus olhos horrorizados.
—Tudo o que você disse sobre mim era verdade.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Isso eu já sei, mas... — Passou os polegares por sua marcada bochecha azul. — Você perdeu uma
aposta ou algo do tipo?
Portia recostou a cabeça em seu peito.
—Passei um par de meses realmente horríveis. Você se importaria de apenas me abraçar?
—Eu poderia fazer isso. — Apertou-lhe contra si e ficaram assim um tempo, rodeados pela poça de
luz das lâmpadas da varanda. —Você perdeu uma batalha de paintball? — perguntou Bodie por
fim.
Ela abraçou-o mais forte.
—Um tratamento com ácido. Não sabe como queimava. Pensei que talvez... poderia tirar meu
velho eu.
Ele esfregou a parte de trás do seu pescoço.
—Vamos sentar ali e você me conta tudo.
Portia se aconchegou entre seus braços.
—Tudo bem. Mas não me solte.
—Não o farei. — Fiel a sua palavra, continuou rodeando-a com seu braço enquanto a conduzia,
cruzou a rua, até o pequeno parque do bairro, que tinha um único banco de ferro pintado de
verde. Ainda antes de chegar ali, ela começou a falar e contou tudo enquanto as folhas secas
sobrevoavam seus sapatos, sobre os pintinhos de marshmallow, sua esfoliação ácida, sobre Heath
e Annabelle. Contou que tinham dispensado-a como mentora e falou dos seus temores.
—Tenho medo constantemente, Bodie. Constantemente.
Ele acariciou seu cabelo bagunçado.
—Eu sei, meu bem. Eu sei.
—Eu te amo. Você também sabe disso?
—Isso eu não sabia. — Beijou-a por cima da cabeça. — Mas fico feliz em saber.
A ponta de seu lenço cruzou sua bochecha agitada pelo ar.
—Você me ama?
—Temo que sim.
Ela sorriu.
—Quer casar comigo?
—Deixe que primeiro veja se consigo passar os próximos meses sem te matar.
—Tudo bem. — Aproximou apertando-se ainda mais a ele. — Pode ser que você tenha se dado
conta de que não sou a melhor influencia do mundo.
—De seu modo estranho, sim você é a melhor. — Afastou o lenço da cara. — Ainda não posso
acreditar que você teve coragem de sair na rua desse jeito.
—Tinha um trabalho para fazer.
—Adoro as mulheres capazes de se sacrificar pela sua equipe.
Ela apreciou a admiração reverencial em sua voz e isso fez que lhe amasse mais.
—Tenho que juntar um casal, Bodie.
—Ainda não apreendeu o suficiente sobre os perigos da ambição implacável?
—Não era exatamente nisto que eu estava pensando. A melhor parte de mim quer fazer isso por
Heath. Mas, além disso, quero sair com toda a honra. Um último casal formado, só esse e depois
penso em vender meu negócio.
—De verdade?
—Preciso de novos desafios.
—Que Deus nos ajude.
—Falo sério, Bodie. Quero voar livre. Sobre meus olhos. Quero ir onde a paixão me leve. Quero
trabalhar duro em algo que só a mulher mais forte do mundo pode fazer.
—Tudo bem, agora você está me assustando.

192
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Quero comer. Comer de verdade. E ser mais bondosa e generosa. Com a boa generosidade, sem
esperar nada em troca. Quero ter uma pele linda aos oitenta anos. E quero não me preocupar
nunca mais com o que as pessoas pensam de mim. Exceto você.
—Oh, Deus. Estou tão excitado agora mesmo que vou explodir. — Bruscamente levantou-se do
banco, levando-a. — Vamos voltar para meu apartamento. Já.
—Só se você prometer que não vai fazer piadas de sexo sobre colocar um saco sobre meu rosto.
—Com a cor que você tem agora mesmo, a coisa não pode piorar muito.
Ela sorriu.
—Você já sabe que eu não tenho senso de humor.
—Trabalharemos nisso juntos. — E então, beijou-a, com lábios azuis e tudo.

***

Na segunda pela manhã, mesmo antes de tomar um banho, Heath começou a dar uns
telefonemas. Estava de ressaca, asqueroso, assuntado e exultante. A terapia de choque de Portia
tinha-o feito confrontar o que seu subconsciente sabia há muito tempo, mas seu medo o impedia
de reconhecer, que amava a Annabelle com todo seu coração. Tudo o que Portia disse tinha
acertado-o em cheio. Seu inimigo tinha sido o medo, não o amor. Se não estivesse tão ocupado
medindo seu personagem com um parâmetro torto, podia ter entendido o que faltava em seu
interior. Tinha se orgulhado de sua retidão profissional e sua capacidade intelectual, de sua
esperteza e capacidade de ariscar, mas tinha se negado a admitir que sua miserável infância tivesse
lhe convertido em um covarde emocional. Como resultado, tinha vivido uma vida pela metade.
Talvez contar com Annabelle ao seu lado lhe permitiria relaxar e se transformar no homem que
nunca teve coragem de ser. Mas para que isso fosse possível, tinha que encontrá-la primeiro. Ela
não respondia ao seu telefone fixo ou celular e não demorou muito em descobrir que suas amigas
também se negavam a falar com ele. Depois de um banho rápido, conseguiu falar com Kate.
Primeiro ela lhe deu uma bronca, depois admitiu que Annabelle tinha lhe ligado no domingo pela
manhã para dizer que estava bem, mas se negou a contar para sua mãe onde estava.
—Pessoalmente, coloco em você a culpa por tudo isso. — disse Kate. — Annabelle é
extremamente sensível. Você teria que ter se dado conta disso.
—Sim, senhora. Assim que a encontrar, prometo que consertarei tudo.
Aquilo a abrandou o suficiente para que ela revelasse que os irmãos Granger tinham jurado fazê-lo
pagar, e que ele deveria ter cuidado. Ele amava aqueles caras.
Saiu para Wicker Park. Não paravam de chegar mensagens de seu escritório, um atrás do outro,
mas ele ignorou. Pela primeira vez na sua carreira, não tinha entrado em contato com nenhum de
seus clientes para comentar os jogos de domingo. Nem tinha intenção de fazê-lo até que
encontrasse Annabelle.
O vento soprava vindo do lago e a nublada manhã de outono tinha amanhecido com um frio
intenso. Estacionou no beco atrás da casa de Annabelle e encontrou ali o novo Audi TT Roadster
prata esportivo que tinha comprado para ela pelo seu aniversário, mas não viu seu Crown Vic. O
senhor Bronicki viu Heath imediatamente e aproximou-se para ver o que ele queria, mas além de
dar a informação de que Annabelle tinha saindo dirigindo como uma louca no sábado pela noite,
não pode dizer mais nada. Notou, entretanto, o Audi e quando soube que era um presente de
aniversário, advertiu Heath que era melhor não esperar ter “relações” com ela em compensação
pelo carro de luxo.
—Não ache que por que sua avozinha já não está aqui, não terá gente para cuidar dela.
—Fale-me sobre isso. — murmurou Heath.
—O que você disse?

193
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Digo que estou apaixonado por ela. — Gostou de como aquilo soou e repetiu. — Eu amo
Annabelle e tenho intenção de me casar com ela. — Se a encontrasse. E se ela estivesse disposta à
aceita-lo.
O senhor Bronicki resmungou.
—Bom, mas se assegure de que ela não suba as tarifas. Muita gente tem que subsistir com salário
fixo, sabe?
—Farei isso.
Depois que o senhor Bronicki estacionou o Audi na sua garagem para maior segurança, Heath
rodeou a casa e bateu na porta principal, mas estava completamente trancada. Pegou seu celular e
tentou ligar para Gwen de novo, ainda que foi seu marido quem atendeu.
—Não, Annabelle não passou a noite aqui. — disse Ian. — Cara é melhor que você tome cuidado.
Ontem ela falou com as garotas do clube da leitura e as mulheres estão nervosas. Aceite um
conselho colega. É difícil de encontrar uma mulher que morra de vontade de casar com um cara
que não está apaixonado por ela, por mais que ele seja o cara.
—Eu estou apaixonado por ela!
—Diga a ela, não a mim.
—Maldita seja, é o que estou tentando fazer. E posso dizer como é consolador saber que todo
mundo nessa cidade está a par de meus assuntos pessoais.
—Você que procurou isso. É o preço da sua estupidez.
Heath desligou e tratou de pensar, mas até que conseguisse que alguém falasse com ele, não ia
conseguir. De pé no alpendre, revisou suas mensagens. Nenhuma era dela. Por que infernos todo
mundo não o deixava em paz? Passou a mão no rosto e percebeu que tinha se esquecido de
barbear-se pelo segundo dia seguido e tal como estava vestido tinha sorte que não o prenderem
como mendicância, tinha colocado o primeiro que encontrou pela frente, calças de moletom azul
marinho de marca, uma camiseta rasgada listrada laranja e preta da Bengals e uma camiseta
vermelha da Cardinals manchada de tinta que Bodie tinha pegado não sei onde e esqueceu em seu
armário.
Finalmente conseguiu falar com Kevin.
—É o Heath. Você...?
—Só te digo uma coisa... Por ser um cara supostamente brilhante, você foi...
—Já sei, já sei. Annabelle passou a noite na casa de vocês?
—Não e eu não acredito que estivesse com nenhuma das outras garotas.
Heath se sentou no degrau da entrada da sua casa.
—Você tem que descobrir onde ela foi.
—Você acha que elas vão me dizer? As garotas coloram um cartaz de um extremo ao outro da
casinha rosa do clube social que diz: PROIBIDO A ENTRADA DE HOMENS.
—Você é minha grande esperança. Por favor, Kev.
—Tudo o que eu sei é que o clube da leitura se reúne hoje a uma da tarde. Phoebe deixa as
segundas livres durante a temporada e a reunião é na sua casa. Molly estava fazendo colares de
flores, assim que deve ter algum tema havaiano.
Annabelle amava o clube da leitura. Com certeza estaria lá. Tinha saído correndo para buscar
consolo e o apoio dessas mulheres tão rápido como seus pés pudessem ir. Elas dariam a ela o que
não conseguiu com ele.
—Só mais uma coisa. — disse Kevin. — Robillard estava ligando para todo mundo, tentando entrar
em contato com você.
—Ele pode esperar.
—Eu ouvi direito? — disse Kevin. — Estamos falando de Dean Robillard. Aparentemente, depois de
meses fazendo hora com uns e outros, descobriu que precisa urgentemente de um representante.
—Eu ligarei mais tarde. — Heath foi para a calçada, até seu carro.

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—Será antes ou depois de você resolver me parabenizar pelo jogo de ontem, que pode ser
considerado o melhor da minha carreira?
—Sim, parabéns. Você é o melhor. Tenho que desligar.
—Tudo bem, seu impostor, não sei o que você quer ou pretende, mas coloque no telefone o meu
agente agora mesmo.
Heath desligou. E então se deu conta. Tinha visto o numero de Dean no seu registro de chamadas
perdidas, mas ele tinha ignorado. E se Annabelle não tivesse passado as duas últimas noites com
suas amigas? E se estivesse ficando com seu mascote quarterback?
—Palácio Pornô do Dean, o Pirado, diga.
—Annabelle está com você?
—Heathcliff? Merda, cara, você a deixou um caco.
—Eu sei, mas como você sabe?
—Pela secretária de Phoebe.
—Tem certeza que não foi a Annabelle que te disse? Ela esteve com você?
—Não a vi e nem falei com ela, mas, se eu falar, penso em aconselhá-la muito decididamente que
te diga que...
—Eu a amo! — Não era sua intenção gritar, mas não conseguiu se reprimir e a mulher que acabava
de sair de sua casa do outro lado da rua voltou a entre em casa com toda pressa. — Eu a amo, —
repetiu em um tom levemente mais baixo. — e preciso dizer-lhe. Mas tenho que encontra-la
primeiro.
—Eu duvido que ela me ligue. A não ser que esse teste de gravidez...
—Robillard, só aviso que se eu ficar sabendo que você sabe onde ela foi e não me disse, vou
quebrar até seu maldito último osso do ombro que vale um milhão de dólares.
—Esse cara está falando em me bater e nem sequer é a hora do almoço. Você está tão batido.
Agora, aqui, Heathcliff, o motivo pelo qual estava te ligando. Um par de chefões da Pepsico entrou
em contato comigo e ...
Heath desligou o telefone na cara do presente de Deus para a NFL, apertou o botão para destravar
o carro e saiu em direção ao centro para ir ao Birdcage Press. A reunião do clube da leitura não
estava programada até a uma, o que lhe dava tempo de chegar em um lugar a mais.
—Falei com a Molly esta manhã. — O antigo noivo de Annabelle observou a barba sem fazer e a
aparência desalinhada de Heath atrás da sua mesa no departamento de marketing do editorial de
Molly. — Eu já a machuquei demais. Você tinha que massacrá-la mais?
Rosemary não era a mulher mais atraente que Heath tinha visto, mas estava bem vestida e tinha
um aspecto muito digno. Digno demais. Não era absolutamente a pessoa certa para Annabelle. No
que ela estava pensando?
—Não era minha intenção massacrá-la.
—Seguramente estava pensando que lhe fazia um favor enorme em pedir sua mão. — Disse
Rosemary arrastando as palavras. Em continuação, continuou castigando Heath com um sermão
perspicaz sobre a insensibilidade masculina, justamente o que menos precisava ouvir. Escapou dali
o mais rápido que pôde.
Voltou para seu carro, viu que tinha recebido meia dezena de chamadas a mais, nenhuma das
pessoas com quem queria falar. Rasgou o ticket do estacionamento no seu pára-brisa e foi para a
via Eisenhower. Quando chegou, tinha seu estomago feito uma bagunça de nós. Disse a si mesmo,
que ela voltaria a sua casa cedo ou tarde, que aquilo não era uma emergência. Mas nada podia
aplacar sua urgente necessidade. Ela estava sofrendo por culpa dele, vitima da sua estupidez e isso
era intolerável.
Pegou uma retenção de trafego na auto-estrada da via East West e não chegou à casa dos Calebow
até uma e quinze. Revisou rapidamente a fila de carros estacionado pelo caminho da entrada
procurando o Crown Victoria verde e feio, mas o carro de Annabelle estava desaparecido do

195
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

combate. Na melhor das hipóteses alguém poderia tê-la levado. Mas enquanto tocava a
campainha, não afastar de si uma sensação de um pressentimento obscuro. A porta se abriu e
encontrou com Vicky Tucker aos seus pés. Tranças loiras caiam por ambos lados de sua cabeça e
segurava uma coleção de animais de pelúcia contra seu peito.
—Puincipe! Hoje não foi a escola porque na minha escola estão abastecendo as caixas de água.
Você me mostra seu telefone?
—Vic? — Phoebe apareceu na entrada. Usava calças negras e um bonito casaco com gola de cisne
lilás, enfeitado com um colar de flores de papel azuis e amarelas. Observou o aspecto horrível de
Heath através de uns óculos sem armação. — Espero que a policia tenha pego quem te assaltou.
Vicky dava pulos no seu lugar.
—O puincipe veio!
—Já vejo. — Phoebe pôs as mãos no ombro da menina sem tirar os olhos de cima de Heath. —
Você veio aqui só para contar vantagem? Eu gostaria de ser madura o bastante para te parabenizar
por seu novo cliente, mas não sou.
Ele passou pela entrada.
—Annabelle está aqui?
Ela tirou os óculos.
—Vá em frente, me conte as mil maneiras que você pensou para me levar a falência.
—Não vi o carro dela.
Phoebe franziu seus olhos de gata.
—Você conversou com Dean, verdade?
—Sim, mas ele não sabia onde Annabelle estava. — Interrogar Phoebe era perda de tempo, foi
para a sala, que era espaçosa e rústica, com vigas a vista e um estúdio. O clube da leitura estava em
um canto debaixo do estúdio, todas menos Annabelle. Mesmo vestidas de forma informal e
cobertas de colares de flores de papel, era um grupo de mulheres intimidantes e enquanto cruzava
o estúdio sentiu seus olhares cravando nele como agulhas afiadas.
—Onde ela está? E não digam que não sabem.
Molly descruzou as pernas e ficou de pé.
—Sabemos e temos ordem de manter a boca fechada. Annabelle precisa de tempo para refletir.
—Isso é o que ela acha. Eu tenho que falar com ela.
Gwen olhou-o por cima de sua enorme barriga de Buda hostil.
—Você está pensando em dar-lhe mais razões pelas quais ela deveria se casar com um homem que
não lhe ama?
—Isso não é assim. — Apertou seus dentes. — Eu a amo. E amo com todo meu maldito coração,
mas não posso convencê-la se ninguém disser onde ela está.
Não pretendia soar irritado, mas Charmaine se ofendeu.
—E quando você milagrosamente se deu conta disso?
—Ontem à noite. Uma mulher azul e uma garrafa de whisky abriram meus olhos. Onde ela está?
—Não vamos te dizer. — disse Krystal.
Janine deu-lhe um olhar furioso.
—Se ela ligar, transmitiremos sua mensagem. E também diremos que não gostamos da sua
atitude.
—Eu mesmo transmitirei minha maldita mensagem. — respondeu ele.
—Neste caso, nem sequer o grande Heath Champion pode abrir seu caminho passado por cima de
tudo. — A tranquila firmeza de Molly fez que um calafrio percorresse sua espinha. — Annabelle
entrará em contato com você quando e como ela decidir. Ou talvez não. Depende dela. Sei que vai
contra sua natureza, mas terá que ter paciência. Agora é ela que te tem nas mãos.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Também não é como se você não estivesse ocupado. — disse a Dama malvada nas suas costas,
arrastando as palavras. — Agora que Dean virou as costas para os desejos da mulher que detêm o
contrato dele...
Ele virou par olhá-la na cara.
—Eu não dou a mínima para o Dean nesse momento, Phoebe, e tenho uma noticia de última hora
para te dar. Na vida existem coisas mais importantes que futebol.
Ela arqueou as sobrancelhas, quase imperceptivelmente. Heath virou para o resto das mulheres,
disposto a tirar a informação mesmo que ele tivesse que estrangulá-las, mas logo descobriu que
sua ira tinha se esgotado. Elevou as mãos para os céus, comprovando com horror que tremiam,
ainda que não tanto como sua voz.
—Annabelle está... te-tenho que consertar isso. Não suporto saber que está... que a fiz sofrer. Por
favor...
Mas não tinham coração e uma por uma, desviaram o olhar.
Ele saiu da casa desolado. O vento tinha aumentado e uma rajada gelada penetrou no seu casaco.
De forma mecânica, pegou seu telefone, na vã esperança de que ela tivesse ligado, sabendo que
ela não tinha feito. Os Chiefs estavam tentando entrar em contato com ele. Igual a Bodie e Phil
Tyree. Apoiou a mão no capô de seu carro e inclinou a cabeça. Ele merecia sofrer. Ela não.
—Você está triste Puincipe?
Virou o rosto para a casa e viu Vicky de pé na escada superior da varanda, com um macaco de
pelúcia debaixo do braço e um urso debaixo do outro. Combateu o impulso poderoso de levantá-la
nos braços e ficar com ela um tempo, colocar sua cabeça sobre seu queixo e abraçá-la forte, como
um ursinho de pelúcia. Tomou fôlego.
—Sim, Vic. Estou um pouco triste.
—Você vai chorar?
Respondeu passando por cima do nó em sua garganta.
—Não, os garotos não choram.
A porta abriu atrás da menina e apareceu Phoebe, loira, poderosa e sem piedade. Não deu
nenhuma atenção para ele. Simplesmente agachou ao lado de Vicky e arrumou suas tranças,
enquanto conversavam baixo. Heath colocou a mão no bolso para procurar as chaves do carro.
Phoebe voltou para a casa. Vicky deixou cair seus animais de pelúcia e desceu correndo as escadas.
—Puincipe! Tenho que te dizer uma coisa. — Correu para ele, voando sobre seus sapatinhos rosa.
Ao chegar a seu lado, inclinou a cabeça para trás para olhá-lo. — Tenho um segredo.
Ele agachou junto dela. Cheirava a inocência. Como os lápis de cores de suco de frutas.
—Sim?
—A tia Phoebe disse que para eu não dizer para ninguém além de você, nem sequer a mamãe.
Heath olhou a varanda de soslaio, mas Phoebe tinha desaparecido.
—Dizer o que?
—Belle! — Vicky sorriu. — Ela foi para nosso acampamento!
Uma descarga de adrenalina percorreu suas veias. Sua cabeça começou a dar voltas. Levantou-a no
ar, a trouxe para perto de si e beijou-lhe as bochechas até se fartar.
—Obrigado, meu bem. Obrigado por me dizer.
Ela colocou a mãozinha no queixo e afastou a cabeça, fazendo careta.
—Arranha.
Heath riu, deu outro beijo para completar e colocou-a no chão. Tinha esquecido de desligar o
celular, que começou a tocar. A menina arregalou os olhos. Ele o pegou num gesto automático.
—Champion.
—Heathcliff, cara, preciso de um representante. — exclamou Dean. — e juro por Deus se você
desligar de novo...
Heath deu o celular para Vicky.

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—Fale com este senhor simpático, meu amor. Conta que seu papai é o melhor quarterback que
haverá sempre no futebol.
Ao descer, viu que Vicky ia novamente para a varanda, com o celular colado na orelha e as tranças
dançando enquanto falava pelos cotovelos.
Atrás da casa, mexeram as cortinas da entrada e através da janela viu aparecer o rosto da mulher
mais poderosa da NFL. Pode ser que fosse sua imaginação, mas ela parecia sorrir.

24

Heath chegou ao acampamento de Wind Lake pouco antes da meia noite. Na escuridão feita pela
chuva, só brilhavam no resplendor aquoso os candeeiros vitorianos da área comunitária e a
solitária luz da varanda do Bed & Breakfast. Seus limpadores de pára-brisas batiam no vidro do
Audi. As cabanas estavam vazias e fechadas até a temporada. Tinham apagado até as amarelas
lâmpadas das docas enjauladas a distância. No principio, pensou em pegar um avião, mas com
aquele tempo do cão, o pequeno aeroporto tinha sido fechado e Heath não teve paciência para
esperar a retomarem os vôos. Deveria ter esperado porque a tormenta aumentou tanto que a
viagem que durava oito horas passou para dez.
Tinha saído de Chicago com atraso. Incomodava-o não levar o anel de compromisso de Annabelle
no bolso, queria dar-lhe algo tangível, assim que tinha voltado com seu carro até Wicker Park para
pegar o Audi novo. Talvez não pudesse colocá-lo no dedo, mas pelo menos mostraria que era sério.
Infelizmente, o carro esportivo não foi feito para alguém com um e oitenta e depois de dez horas
de viagem Heath estava com as pernas contraídas, câimbra no pescoço e uma dor de cabeça
mortal, que ele tinha alimentado a base de café preto. No assento traseiro iam dançando dez
balões da Disney. Tinha os visto no posto que parou para abastecer e tinha comprado-os por
impulso. Dumbo e Cruela Devil passaram os últimos cem quilômetros batendo na sua nuca.
Através do pára-brisa coberto de chuva, viu uma fila de cadeiras de balanço mexendo na varanda
de entrada. Mesmo que as cabanas estivessem fechadas, Kevin tinha explicado que o Bed &
Breakfast funcionava nesta temporada para os turistas que subiam para procurar folhagens de
outono e os faróis do Roadster mostraram meia dúzias de carros estacionados de um lado. Mas o
Crown Vic de Annabelle não estava no meio.
O Audi deu uma sacudida ao passar por buraco cheio de água de chuva quando Heath virou pela
calçada que era paralela ao escuro lago. Passou pela sua cabeça e não pela primeira vez, que viajar
até os bosques do norte baseado na informação facilitada de uma menina de três anos dada por
uma mulher que tinha uma ojeriza descomunal dele podia não ser seu julgamento mais
inteligente, mas o caso era que ele tinha feito.
Pisou no freio quando seus faróis iluminaram o que há dez horas ele rezava para ver, o carro de
Annabelle, estacionado em frente a Lírios do Campo. Notou que sua cabeça se encheu de alivio.
Enquanto parava seu carro atrás do Crow Vic, contemplou através da chuva a cabana escura e
combateu o impulso de acordar Annabelle e aclarar as coisas. Não estaria em condições de
negociar seu futuro até que dormisse umas horas. O Bed & Breakfast estava fechado à noite e não
podia ficar na cidade, já que ela poderia resolver ir embora antes que ele voltasse. Só podia fazer
uma coisa...
Deu marcha ré no carro até bloquear o caminho. Quando teve a tranquilidade que ela não poderia
sair, desligou o motor, afastou o Pato Donald do meio e reclinou a cadeira. Apesar de está muito
exausto, não conseguiu dormir imediatamente. Tinha muitas vozes do passado em sua cabeça.
Muitas recordações das mil maneiras em que o amor tinha chutado sua cara... uma e outra vez.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

***

O frio acordou Annabelle antes mesmo do despertador que tinha colocado para as seis. A
temperatura tinha descido demais durante a noite e a manta que usava não protegia do rigor da
madrugada. Molly tinha dito que ela ficasse nos cômodos privados do Bed & Breakfast, ao invés da
cabana sem calefação, mas Annabelle tinha buscado a solidão de Lírios do Campo. Agora ela
lamentava.
Fazia uma semana que a água quente tinha sido cortada e salpicou no rosto a água fria. Depois de
ajudar a servir o café da manhã aos hospedes, daria de presente para si um banho na banheira da
Molly. No dia anterior tinha se oferecido para dar uma mão no café da manhã para a menina que
trabalhava normalmente no turno da manhã até que ficou doente. Uma pequena distração caia
bem.
Contemplou o rosto de olhos cavernosos no espelho. Dava pena. Mas cada lágrima que tinha
vertido aqui no acampamento era uma lágrima que teria que verter se estivesse na cidade. Aquele
era seu momento de dor. Não pretendia ser transformar em uma profissional da infelicidade, mas
também não ia se castigar por ter se escondido. Tinha se apaixonado por um homem incapaz de
correspondê-la e se uma mulher não podia chorar por isso é por que não tinha coração.
Deu uma volta prendendo o cabelo, colocou o jeans e um tênis, além de um casaco muito quente
que tinha pegado emprestado do armário de Molly. Saiu da cabana pela porta de trás. O vento
tinha levado a tempestade afinal, e sua respiração formava nuvenzinhas geladas de ar límpido e
frio enquanto caminhava pelo caminho que levava ao lago. O tapete de folhas encharcadas
afundava debaixo de seus pés e dos galhos das arvores caiam gotas de água na sua cabeça, mas ver
o lago de madrugada animou-a e não se importava em molhar-se.
Subir até ali tinha sido uma boa escolha. Heath era um vendedor consumado e via qualquer
obstáculo como um desafio. Andaria procurando-a quando voltasse, para tentar convencê-la de
que deveria se contentar com a posição que ele pretendia dar a ela na sua vida, depois de seus
clientes e suas reuniões, suas chamadas telefônicas e sua ambição desmedida. Não podia voltar
até que tivesse firmado suas defesas.
Do lago emanava colunas de neblina e um par de folhas brancas como a neve, dançavam junto a
costa.
Por trás do peso de sua tristeza, debatia-se para encontrar momentos contados de paz. Cinco
meses antes, talvez tivesse se conformado com as migalhas emocionais que Heath guardava, mas
agora não. Estava ainda mais orgulhosa de si mesmo por ter se negado a ser um prato de segunda
mesa para Heath. Merecia poder amar abertamente e aproveitar disso, sem barreiras, e ser amada
da mesma forma em correspondência. Com Heath isso não seria possível. Voltando do lago soube
que tinha feito o correto. Nesse momento, esse era seu único consolo.
Quando chegou ao Bed & Breakfast começou a ajudar. Conforme os hospedes começaram a
encher o refeitório, ela serviu o café, encheu as cestas de bolos quentes, recarregou o self-service e
até se animou com alguma piada. Às nove o refeitório ficou vazio e ela voltou para a cabana. Antes
de tomar um banho, faria umas ligações de negócio. Um mestre dos executivos tinha ensinado a
ela o valor do contato pessoal e tinha clientes que dependiam dela.
Era irônico o muito que tinha apreendido com Heath, incluindo a importância de seguir sua própria
opinião ao invés das de outras pessoas. Perfeita para Você jamais a faria rica, mas unir as pessoas
era para o que ela tinha nascido. Todas as classes de pessoas. Não só bonitas e bem sucedidas,
também as estranhas e inseguras, as desventuradas e obtusas. E não apenas jovens. Fosse rentável
ou não, nunca poderia abandonar os aposentados. Ser casamenteira era uma encrenca,
imprevisível e exigente, mas ela amava.
Chegou à praia deserta e parou um instante. Agasalhou-se com seu suéter e foi passeado pelo cais.
O lago estava tranquilo sem veranistas e veio-lhe a memória da noite que Heath e ela tinham

199
S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

dançado na areia. Sentou-se no final do cais e colocou os joelhos no peito. Tinha se apaixonado
duas vezes por homens traumatizados, mas nunca mais faria isso novamente.
Ouviu passo sobre o cais, atrás dela. Algum hospede. Esfregou as bochechas úmidas nos joelhos
para enxugar as lágrimas.
—Olá, meu amor.
Levantou a cabeça e seu coração deu um salto. Tinha-a encontrado. Deveria ter sabido que ele o
faria.
—Usei sua escova de dente. — disse ele nas suas costas. — Ia usar sua gilete para me barbear, até
que me dei conta que não havia água quente. — Sua voz estava áspera, como se não falasse por
muito tempo.
Annabelle virou bem devagar. Abriu os olhos com surpresa. Estava vestido de qualquer maneira,
descuidado e sem se barbear. Debaixo de um casaco vermelho desgastado, usava uma camiseta
laranja descolorida e unas calças de moletom azul marinho que parecia ter usado para dormir.
Levava na mão um monte de balões da Disney. O Pateta tinha esvaziado e estava do lado da sua
perna, mas ele não parecia ter se dado conta. Entre os bolões e seu cabelo bagunçado, ele deveria
parecer ridículo. Mas, desprovido do verniz de refinamento que tanto lhe tinha custado para
ganhar, ele a fez sentir até mesmo mais ameaçada.
—Não deveria ter vindo aqui. — ela se ouviu dizer. — Isto é perda de tempo.
Ele inclinou a cabeça e deu seu sorriso charlatão.
—Olha, se supõe que isso deveria ser como Jerry Maguire. Você se lembra? “Conquistou-me
quando disse olá.”
—As mulheres magras são umas imprudentes.
Seu charme enganoso evaporou como o hélio do balão do Pateta. Encolheu os ombros e deu mais
passos para ela.
—Meu verdadeiro nome é Harley. Harley D. Campione. Advinha o que é o D. — Teria se jogado
sobre ela, mas ela não parava de se mexer.
—De desgraçado.
—De Davidson. Harley Davidson Campione. O que você acha? Meu velho adorava as piadas,
sempre que não fossem sobre ele.
Annabelle não ia permitir que brincasse com ela se fazendo de simpático.
—Vá embora, Harley. Já dissemos tudo que tínhamos para dizer.
Ele colocou a mão no bolso do casaco.
—Eu costumava me apaixonar por suas namoradas. Era um cara bonito e sabia colocar em ação
seu charme quando tinha vontade, assim que ouve um monte delas. Cada vez que trazia para casa
uma nova, eu convencia a mim mesmo que ia ser a que ficaria, que por fim ele se assentaria e se
portaria como um pai. Houve essa mulher... Carol. Fazia fidéus caseiros. Abria a massa com uma
garrafa e me deixava cortá-la em tirinhas. A melhor massa que provei em minha vida. Outra,
chamada Erin, me levava de carro onde eu quisesse. Falsificou a assinatura do meu pai em uma
autorização para que eu pudesse jogar futebol escolar com a Pop Warner. Quando ela se foi, fiquei
sem transporte e tinha que caminhar seis quilômetros para ir treinar, se não conseguia carona na
estrada. Isso foi positivo no final, entretanto. Acabei tendo muito mais preparo que o resto dos
caras. Não era o mais forte, nem o mais rápido, mas nunca me rendia e isso foi uma lição
importante de vida.
—Às vezes, saber quando se render é a verdadeira prova de caráter.
Como se não tivesse dito nada.
—Joyce me ensinou a fumar, e algumas outras coisas que não deveria ter me ensinado, mas eu
tinha alguns problemas e ela não me criticava.
—É muito tarde para isso.

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—A coisa é que... — Olhava o cais, não ela, examinando as tábuas ao redor de seus pés. — Mais
cedo ou mais tarde, todas aquelas mulheres que eu amava iam embora. Não sei. Talvez hoje não
estaria onde eu estou se uma delas tivesse ficado. — Quando levantou os olhos para olhá-la,
recuperou sua velha combatividade. — Aprendi muito cedo que ninguém ia facilitar nada para
mim. Isso me tornou duro.
Mas não mais duro do que ela era. Juntou todas sua forças e ficou de pé.
—Você merecia uma infância melhor, mas eu não posso mudar o que se passou. Aqueles anos te
fizeram do que jeito que você é. Consertar isso não está em minhas mãos. Nem tampouco
consertar você.
—Eu já não preciso que me consertem. O trabalho já está feito. Eu te amo, Annabelle.
A dor foi quase maior do que ela podia suportar. Só estava dizendo o que sabia que ela queria
escutar e não acreditou nele, nem por um instante. Suas palavras foram cuidadosamente
calculadas, escolhidas com o único propósito de fechar o negócio.
—Não é verdade que você me ama. — Conseguiu dizer. — O que acontece é que detesta perder.
—Não é isso.
—Para você, ganhar é tudo. A alegria de matar é o sangue em suas veias.
—Não quando se trata de você.
—Não faça isso comigo! Isso é cruel. Você sabe quem você é. — Os olhos de Annabelle encheram
de lágrimas. — Mas eu também sei quem sou. Sou uma mulher que não se contenta com o
segundo lugar. Quero o melhor. — disse suavemente. — E você não é o melhor.
Ele parecia ter sido esbofeteado. Apesar de toda sua dor, Annabelle não queria feri-lo, mas era
necessário que um dos dois dissesse a verdade.
—Sinto muito. — sussurrou. — Não quero passar a vida perto de você, esperando as sobras. Desta
vez, a perseverança não vai te levar ao sucesso.
Ele não tentou pará-la quando ela abandonou o cais. Ao chegar a areia, puxou o suéter sobre seu
peito e aumentou o passo em direção ao bosque, sem se permitir olhar para trás. Mas quando
chegou ao caminho, não pôde evitá-lo. O cais estava vazio. Tudo em perfeita quietude. O único
movimento era um punhado de balões se afastando por um cinza céu de outubro.

***

Não levou muito tempo para fazer a mala. Uma lágrima caiu em sua mão ao fechar o zíper da mala.
Estava tão farta de chorar... Pegou a bolsa e saiu mecanicamente pela porta da entrada. A cada
passo que dava, se lembrava que não renunciaria nunca nem por ninguém de ser quem era. Parou
de uma vez. Mais porque alguém tinha bloqueado seu caminho com um Audi prateado...
Tinha feito de propósito. Um carvalho gigantesco a impedia de ir para frente, e o Audi não deixava
ir para trás. A placa provisório de Illinois não deixava duvida de quem era o responsável por aquilo.
Não podia suportar outro encontro com ele e arrastou as mala de volta ao interior da cabana, mas
somente a colocou no chão quando ouvi um ruído pneumático sobre o cascalho. Aproximou-se da
janela, mas não era Heath. O que viu foi outro carro esportivo, azul escuro, que parou atrás do
Audi. O bosque se entendia justo o bastante para ocultar quem pudesse ser o hospede que tinha
decidido explorar o acampamento.
Já era demais. Caiu no sofá e enterrou a cara entre as mãos. Por que Heath tinha que tornar tudo
mais duro?
Escutou no alpendre uns passos leves, muito leves para serem de Heath. Ouviu que chamavam na
porta.
Arrastou os pés, levantou-se, atravessou o cômodo, abriu a porta... e deu um grito. Dito em seu
favor, não foi um alarido de filmes de terror, parecia mais uma espécie de soluço entrecortado de
sobressalto.

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S E P – Chicago Stars 06 – Case-me se puder

—Já sei. — disse uma voz conhecida. — Já tive dias melhores.


Annabelle deu um passo para trás involuntariamente.
—Você está azul.
—Um tratamento cosmético. Já está descascando. Posso entrar?
Annabelle ficou de lado. Ainda analisando sua cara azul, que tinha começado a partir como uma
bolsa de crocodilo barata, não podia dizer que Portia estava em seu melhor aspecto. Tinha o
cabelo escuro grudado na cabeça, limpo, mas sem ser arrumado. Seu suéter branco tinha uma
mancha de café recente no busto. Tinha engordado, e o jeans estava muito pequeno. Portia
examinou a cabana.
—Você falou com Heath?
—O que você faz aqui?
Portia foi até a cozinha, assomou a cabeça e voltou a tirá-la.
—Vim reclamar minha última apresentação. Você escolheu Delaney Lightfield. Eu escolho você.
Bem vinda ao Casais Power. Vejamos se podemos encontrar um pouco de maquiagem. E uma
roupa decente também não cairia mal.
—Você está louca.
Ela deu a Annabelle um sorriso surpreendentemente alegre.
—Sim, mas não tanto quanto costumava. É interessante. Depois de aterrorizar um restaurante
repleto de gente, um Burger King perto de Porto Benton, se ficar basicamente livre de se
preocupar jamais por cuidar de sua aparência.
—Você entrou em um Burger King com essa cara?
—Uma parada para fazer xixi. Além disse, Bodie me desafiou.
—Bodie?
Ela sorriu, e seu lábios azuis faziam que seus bonitos dentes parecessem um pouco amarelados.
—Somos amantes. Mais que amantes. Apaixonados. É estranho, já sei, mas nunca fui mais feliz.
Nós vamos nos casar. Bom, ele ainda não disse que sim, mas fará. — Examinou Annabelle mais de
perto e franziu o cenho. — Deduzo que esses olhos vermelhos são porque você falou com Heath e
a coisa não foi bem.
—Foi muito bem. Eu disse que não e fui embora.
Portia levantou suas mãos para o céu.
—Como não fico surpresa? Bom, a partir de agora acabou a diversão. Vocês amadores já tiveram
sua diversão, mas é hora de se afastarem e deixar uma profissional cuidar do assunto.
—Está claro que você perdeu o juízo, sem falar da boa aparência.
Surpreendentemente, Portia não se ofendeu.
—A minha boa aparência recuperarei de sobra. Espere até ver o que há debaixo de tudo isso.
—Terei que confiar na sua palavra.
—Eu disse a Heath que não falasse com você sem mim, mas é muito cabeça dura. E quanto a
você... você, mais que ninguém, deveria ter se mostrado mais sensível. Não apreendeu ainda
sobre este negócio? Dois homens diferentes me mandaram não te chamar de boba, mas,
francamente, Annabelle... como diz o ditado: se o sapato encaixa....
Annabelle ficou junto à porta.
—Obrigada pela visita. Lamento que tenha que ir tão depressa.
Portia se sentou no braço do sofá.
—Tem pelo menos a remota ideia da coragem que Heath teve que juntar para admitir que se
apaixonou por você, e sem dizer para vir aqui e entregar seu coração numa bandeja? E o que você
fez? Jogou na cara dele, não foi? Muito pouco prudente, Annabelle, ainda mais se tratando de
Heath. Ele é emocionalmente inseguro. Pelo que Bodie me contou, suspeito que isso é exatamente
o que ele, em seu subconsciente, esperava que você fizesse e não acho que ele vai ter coragem de
voltar a te pedir.

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—Inseguro? É o homem mais confiante do mundo. — Mas Portia tinha balançado sua segurança e
o chão não parecia ser tão firme. — Ele não me ama. — disse, contundentemente. — O que
acontece é que ele não suporta que ninguém lhe diga não.
—Não poderia estar mais enganada. — A voz vinha de trás dela. Virou e viu Bodie plantado no vão
da porta. Diferente de Portia, estava como um manequim da cabeça aos pés, com um suéter cinza,
calças que caiam como uma luva e botas de motoqueiro. Annabelle partiu para o ataque.
—Heath enviou vocês para falarem comigo? Porque é muito o estilo dele, delegar aos outros
complicados assuntos pessoais que tanto lhe desagrada.
—Ela é meio uma cadela. — Disse Portia a Bodie, como se Annabelle não estivesse presente.
Ele levantou a sobrancelha.
—Querida...
Portia levantou uma mão aberta.
—Eu sei, eu sei... Se fosse um homem a chamariam de agressiva. Mas, a verdade, Bodie, é que às
vezes uma cadela é só uma cadela.
—Exato.
Portia parecia achar graça em tudo aquilo.
—Tudo bem, vou tomar nota.
Ele riu, e Annabelle começou a se sentir como se fosse um reboque para todos os demais em suas
próprias crises. Bodie finalmente, conseguiu afastar seus olhos da Dama azul.
—Heath não sabe que estamos aqui. Só consegui saber para onde ele tinha ido por umas
conversas telefônicas acidentais com a filha de Kevin. — Deslizou o braço em torno de Portia. — A
coisa, Annabelle, é que... e se Portia tem razão? E, reconheçamos, ela tem mais experiência que
você com essas coisa. E o fato que ela tenha um histórico de ferrar sua própria vida, coisa que
alegro em dizer que ela está superando, não tira o fato que teve sucesso com os demais.
Conclusão, existe uma forma mais ou menos fácil de aclarar tudo isso.
Brigar com os dois tinha esgotado seus recursos já diminutos e Annabelle se deixou cair no sofá.
—Com esse homem nada é fácil.
—Desta vez sim. — disse ele. — Eu o vi de longe, indo neste caminho a volta do lado.
O mesmo caminho que ela tinha planejado dar um passeio depois do almoço.
—Vá procurá-lo. — continuou Bodie. — e quando o encontre só faça duas perguntas. Quando
tenha ouvido suas respostas, saberá exatamente o que fazer.
—Duas perguntas?
—Isso. E vou te dizer concretamente quais são...

***

A água das folhas encharcadas estava ensopando os tênis de Annabelle, e seus dentes começavam
a tremer, ainda que fosse mais pelos nervos, ela suspeitava, que pelo frio. Podia ser que estivesse
cometendo o maior erro de sua vida. Não via nada de diferente nas perguntas que Bodie tinha
dito, mas ele tinha sido categórico. E quanto a Portia... essa mulher dava medo. Annabelle não
teria se estranhado nada se visse ela tirar uma pistola da bolsa. Portia e Bodie formavam o casal
mais estranho que já tinha visto e, entretanto, pareciam se entender com perfeição.
Aparentemente, Annabelle tinha ainda muito que apreender sobre seu oficio de casamenteira.
Tinha que reconhecer que Portia começava a lhe cair bem. Como ia odiar a uma mulher que estava
tão disposta a colocar o seu na reta por ela?
O caminho ficou mais acentuado ao subir em direção ao penhasco rochoso que projetava sobre as
águas. Annabelle parou depois de dobrar a curva para recuperar seu fôlego. Foi então que viu
Heath. Estava de pé na borda rochosa, contemplando o lago, com o casaco jogado para trás e as
pontas dos dedos enfiadas no bolso de trás da calça. Mesmo despenteado e desalinhado, era

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magnífico, um macho alfa o topo de todo jogo que empreendia, exceto o mais importante de sua
vida.
Ele ouviu seus passos e virou a cabeça. Lentamente, deixou cair suas mãos ao seu lado. No céu, de
longo, Annabelle viu um pontinho pequeno. Os balões, perdendo-se na distância. Não parecia um
augúrio tranquilizante.
—Tenho duas perguntas para fazer. — disse.
Sua atitude, sua expressão vazia, todo ele lhe lembrava a forma em que tinham fechado as cabanas
para o inverno: sem água quente, com as cortinas fechadas, portas fechadas.
—Tudo bem. — disse com tom indiferente.
Seu coração batia com força e Annabelle passou o cartaz de PROIBIDO PULAR NA ÁGUA.
—A primeira pergunta é onde está seu celular?
—O celular? Por que você se importa?
Não estava certa. Que importância podia ter que tivesse ou não o celular no bolso? Mas, Bodie
tinha insistido que perguntasse.
—A última vez que vi. — disse Heath. — Estava com Vic.
—Você deixou que ela roubasse outro celular?
—Não, eu dei para ela.
Ela engoliu seco e ficou olhando-o.
—Você deu seu celular? Por quê?
—Essa é a segunda pergunta?
—Não, esquece isso. A segunda pergunta é por que não retorna as chamadas de Dean?
—Eu retornei uma vez, mas ele também não sabia onde você estava.
—E para que ele te ligava para inicio de conversa?
—Que importância isso tem, Annabelle? Francamente, começo a ficar farto de que todo mundo se
comportando como se o mundo inteiro girasse ao redor de Dean Robillard. Só porque de repente
ele tem urgência de assinar com um agente, não vou correr como um cachorrinho. Ligarei quando
eu ligar e se para ele não estiver bom, ele tem o telefone da IMG.
Annabelle sentiu suas pernas cederem e ela se sentou na rocha mais próxima.
—Ai, meu Deus. Você me ama de verdade.
—Eu já te disse isso. — ele respondeu.
—Você me disse, não foi? — Não conseguia recuperar o fôlego.
Ele acabou se dando conta de que algo tinha mudado.
—Annabelle.
Ela tentou responder, tentou de verdade, mas Heath tinha colocado seu mundo de cabeça para
baixo mais uma vez e sua língua se negava em colaborar.
Nos olhos dele a esperança lutava contra a cautela. Falou quase sem mover os lábios.
—Você acredita?
—Uh-huh. — As batidas de seu coração tinham criado um efeito de ondas concêntricas e teve que
apertar os punhos para que as mãos deixassem de tremer.
—Sim?
Ela assentiu com a cabeça.
—Vai se casar comigo?
Ela voltou a assentir e para Heath não fez falta mais nada. Com um gemido grave, ele a puxou para
seus pés e a beijou. Durante segundos... horas... Annabelle não soube quanto durou aquele beijo,
mas ele cobriu muitos terrenos: lábios, língua, dentes, suas bochechas e pálpebras, seu pescoço.
Colocou a mão debaixo de seu suéter para acariciar seus seios e se atrapalhou debaixo de seu
suéter para tocar seu peito nu.

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Annabelle mal se lembrava como voltaram à cabana vazia, só que seu coração estava cantando e
que não podia andar rápido o bastante para seguir os passos dele. Finalmente, Heath a levantou
em seus braços e a carregou. Ela jogou a cabeça para trás e rompeu em risos olhando para o céu.
Ficaram nus, com uma urgência que os deixou desastrados para tirar os sapatos cheios de barro, as
calças ensopadas e ao darem saltos desajeitados para tirarem meias úmidas, batendo em móveis e
um no outro. Ela tremia de frio quando ele levantou a manta e a arrastou consigo para a cama
gelada. Ofereceu-lhe o calor de seu corpo para fazer desaparecer os arrepios, esfregou os braços e
as costas dela, sugou seus seios até devolver-lhes o calor. Finalmente, seus dedos febris acharam as
dobras entre suas pernas e lhes abriu como pétalas aquecidas no verão, cheias pelo orvalho da
manhã. Reivindicou cada canto de seu corpo com o tato. Ela gemeu com um som afogado quando
ele a penetrou.
—Eu te amo tanto, minha doce, doce Annabelle. — sussurrou, colocando em suas palavras tudo o
que seu coração sentia.
Ela riu com o prazer de sua invasão e olhou-o nos olhos.
—E eu a você.
Ele deu um grunhido, voltou a beija-la e fez com que girasse o quadril para entrar até o fundo.
Abandonaram-se, não em uma elaborada coreografia amadora, mas sim em um cruzamento
confuso de fluidos e coragem, de doce concupiscência, imprudentes obscenidades, de confiança
total e absoluta, tão sagrada e pura como os votos diante do altar.
Muito tempo depois, apenas com água gelada para se lavarem, maldisseram e riram e se
salpicaram a água mutuamente, o que os levou de volta a cama. Continuaram fazendo amor o
resto da tarde.
Quando a luz do dia se despedia, foram interrompidos por batidas enérgicas na porta e
imediatamente ouviram a voz de Portia.
—Serviço de quarto!
Heath levou seu tempo, mas finalmente enrolou uma toalha na cintura para investigar. Voltou com
um saco de papel marrom de supermercado cheio de comida. Vitimas de um apetite voraz,
comeram e alimentaram um ao outro, devoraram sanduíches de rosbife, suculentas maçãs de
Michigan e grudentas tortas de abóbora que tinham um gosto dos deuses.
Tudo desceu com cerveja quente e depois, saciados e aturdidos, dormiram um no braço do outro.
Já era noite quando Annabelle acordou. Envolveu-se em um edredom, foi à sala e pegou seu
celular. Depois de uns segundos, atendeu a caixa postal de Dean.
—Já sei que Heath perdeu um pouco a cabeça com você, colega e peço desculpa em seu nome. O
homem está apaixonado, assim que não pôde evitar. Prometo-te que a primeira coisa que ele fará
amanhã pela manhã será te ligar e colocar as coisas em seu lugar, assim que nem pense em falar
com IMG. Falo sério, Dean, se você assinar com outro que não seja Heath não voltarei a falar com
você. E mais, direi a toda Chicago que você dorme com um pôster gigante de si mesmo junto da
cama. O que provavelmente é verdade.
Voltou a sorrir, desligou e tirou de uma gaveta um caderno cheio de pó de papel pautado amarelo,
junto com um lápis, mordido, já nas últimas. Quando voltou ao quarto acendeu uma lâmpada e se
apoiou no estribo da cama com o edredom enrolado em volta de si. Tinha os pés gelados, assim
que os colocou debaixo da manta e os enfiou entre as quentes coxas de Heath.
Ele gritou e afundou a cabeça no travesseiro.
—Você terá que pagar por isso, não tenha duvidas.
—O que você quiser. — Apoiou o caderno em seus joelhos envoltos no edredom e deu uma olhada
para Heath. Parecia um pirata mau contra a fronha alva. A pele morena, o cabelo escuro
bagunçado e a barba de três dias mal feita, que tinha irritado a diversas partes sensíveis do seu
corpo. — Muito bem, amante, é hora de negociar.
Ele incorporou sobre o travesseiro e olhou o caderno.

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—Isso é realmente necessário?


—Você está louco? Acha que vou me casar com o píton sem um acordo pré-nupcial blindado?
Heath mexeu debaixo dos lençóis procurando seus pés frios.
—Parece que não.
—De inicio... — Enquanto ele esquentava os dedos dos seus pés massageando com sua mão, ela
começou a escrever no caderno. — Não haverá celulares, nem BlackBerry, nem fax, nem outro tipo
de dispositivo eletrônico que esteja ainda para ser inventado na nossa mesa na hora do jantar.
Ele continuou massageando seus dedos dos pés.
—E se comermos em um restaurante?
—Especialmente se comemos em um restaurante.
—Exclua aos de comida rápida e trato feito.
Ela pensou um momento.
—De acordo.
—Agora é minha vez. — Colocou a panturrilha sobre suas coxas. — Certos dispositivos eletrônicos
selecionados, com exclusão dos antes referido, não só são permitidos no nosso quarto, como são
incentivados. E corresponderá a mim escolhe-los.
—Como você não esquece do catálogo...
Ele indicou o caderno.
—Anote.
—Bem. — Anotou.
A manta caiu até a altura do peito de Heath, o que a distraiu momentaneamente enquanto ele
continuava falando.
—As desavenças sobre o dinheiro são as principais causas de divorcio.
Ela agitou a mão de um lado para outra.
—Não há problema quanto a isso. Seu dinheiro é nosso. Meu dinheiro é meu. — Apressou-se em
escrever.
—Deveria deixar que você negociasse com Phoebe.
Annabelle apontou com o lápis para seu peito bem torneado.
—No caso improvável de que descubra depois de casarmos que sua declaração de amor e devoção
eterna foi um elaborado calote executado por você, em cumplicidade com Bodie e a Coco Azul...
Ele massageou o arco do pé.
—Eu, decididamente, não deixaria que isso me tirasse o sono.
—Apenas no caso. Dará-me todos seus bens terrenos, raspará a cabeça com maquina zero e
abandonará o país.
—Trato feito.
—Além disso, terá que entregar suas entradas para ver os Sox para que eu possa queimar diante
de seu nariz.
—Só se eu obtiver algo em troca.
—O que?
—Sexo sem limitações... Como eu quiser quando eu quiser e onde eu quiser. No banco de trás do
seu brilhante carro novo, em cima da minha mesa...
—Decididamente de acordo.
—E filhos.
Só aí, ela engasgou.
—Sim. Oh, sim.
Uma onde de emoção o deixou impassível enquanto seus olhos entrecerraram e entraram para
matar.
—Iremos ver sua família um mínimo de seis vezes por ano.
Ela fechou violentamente o caderno.

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—Isso não vai acontecer.


—Cinco e vamos pegar seus irmãos.
—Uma.
Ele soltou seu pé.
—Droga, Annabelle. Concederei quatro visitas até que tenhamos o primeiro filho, e depois nos
iremos a cada dois meses e isto não é negociável. — Agarrou o caderno e o lápis e começou a
escrever.
—Muito bem. — disse. — Eu irei a um balneário enquanto todos vocês sentam para protestar
pelas limitações da semana trabalhista de sessenta horas.
Ele começou a rir.
—Que baboseira você está dizendo. Sabe perfeitamente que morre de vontade de esfregar nosso
primogênito no nariz de Candace.
—Olha, ai você tem razão. — Fez uma pausa e recuperou o caderno, mas não pode ler nem uma
palavra do que estava escrito. Por mais que odiasse deixar que a realidade aguasse sua felicidade,
era o momento de ficar séria. —Heath, como você pensa em ser pai para esses filhos que
queremos, uma vez que faz uma semana de trabalho de sessenta horas? — Falou devagar,
desejosa de deixar aquilo bem claro. — Com o Perfeita para Você, eu tenho horários flexíveis
mas... Sei do muito que você gosta do seu trabalho e jamais pediria que renunciasse a ele. Por
outro lado, não penso em criar uma família sozinha.
—Não terá que fazê-lo. — disse ele com ar de suficiência. — Tenho um plano.
—Se importaria em compartilhá-lo?
Ele estendeu-se para pegá-la com o braço, arrastou a seu lado e contou o que tinha em mente.
—Gosto do seu plano. — Sorriu-lhe e se aconchegou sobre seu peito. —Bodie merece ser um sócio
pleno com todo direito. — Não poderia estar mais de acordo.
Estavam os dois tão comprazidos que começaram a se beijar outra vez, o que os levou a uma
encantadora e muito bem sucedida, prova das habilidades de Annabelle como dominatrix. O
resultado foi que tardaram um pouco em voltar aos seus negócios. Decidiram sobre questões
relativas à roupa de dormir (nenhuma), os nomes dos filhos (proibidas as marcas de veículos e
motos) e o beisebol (diferenças irreconciliáveis). Quando terminaram, Heath lembrou que tinha
uma pergunta que tinha esquecido de fazer.
Olhando-a nos olhos, pegou suas mãos e as levou a seus próprios lábios.
—Eu te amo, Annabelle Granger. Quer casar comigo?
—Harley Davidson Campione, você encontrou uma esposa.
—É o melhor negócio que já fiz na vida. — respondeu ele com um sorriso.

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Epílogo

Vicky levantou o gravador na altura de seus lábios e gritou:


—Testando! Testando! Testando!
—Funciona. — exclamou Heath do sofá situado no extremo oposto da sala de audiovisuais. — Acha que
pode falar um pouco mais baixo?
—Eu me chamo Victoria Phoebe Tucker. — sussurrou ela. Depois voltou a seu volume habitual. — Tenho
cinco anos e moro no hotel Plaza. — Olhou de soslaio para Heath, mas ele tinha visto o filme Eloise com a
pequena e se limitou a sorrir. — Esse é o gravador de Heath, que diz que preciso devolvê-lo.
—Está correto, você precisa. — Supunha-se que Vic devia estar vendo o jogo dos Sox com ele enquanto o
clube da leitura estava reunido no andar de cima, mas tinha ficado entediada.
—O Príncipe ainda está com raiva por todos os celulares com que fiquei quando só tinha três anos— disse
para o gravador. — Mas eu era só um bebê e mamãe encontrou quase todos e os devolveu.
—Não todos.
—Por que não me lembro de onde guardei! — exclamou ela, fulminando-o com seu olhar de pequena
quarterback. —Disse um milhão de vezes. — Passando por ele, voltou a se concentrar no que estava
fazendo. — Estas são as coisas que eu gosto. Gosto do papai e da mamãe, de Danny e da tia Phoebe, o tio
Dan e meus primos e o Príncipe, quando não está falando no telefone, Belle e todas as mulheres do clube
da leitura, exceto Portia, porque não me deixou ir à frente levando as flores quando se casou com o Bodie
porque surgiram para Las Vegas.
Heath começou a rir.
—Eles “fugiram” para Las Vegas.
—Fugiram. — repetiu. — E Belle não queria que Portia fosse do clube da leitura, mas a tia Phoebe insistiu
porque dizia que Portia precisava de... — Não se lembrava e olhou Heath para pedir ajuda.
—Amizades femininas são competitivas — disse ele, com um sorriso. — E a tia Phoebe tinha razão, como
de costume. E é por isso que eu, em minha perspicácia, convenci tia Phoebe que se tornasse mentora de
Portia.
Vicky assentiu e seguiu falando.
—O Príncipe gosta de Portia. Portia antes era uma casamenteira, mas agora trabalha para ele. O Príncipe
disse que ela é a melhor representante esportiva que viu em sua vida de méda e que graças a ela sua
dibisão de esportes de garotas fica maior a cada dia.
—É a terceira melhor representante esportiva. — disse ele. — depois de Bodie e de mim. E não diga
“merda”.
Ela afundou mais na grande poltrona reclinável, cruzando os tornozelos iguais a ele.
—Príncipe pagou um montão de dinheiro para Portia pelo presente de casamento de Belle. Mamis disse
que era um presente estúpido, mas Belle disse que o Príncipe não podia ter lhe dado nada que a fizesse
mais feliz e agora Portia dá conselhos para Belle de como ser casamenteira. — Ela franziu a testa. — Que
coisa era essa que você deu de presente de casamento?
—A base de dados da antiga empresa de Portia.
—Tinha que ter dado um cachorrinho.
Heath riu e depois fez cara de poucos amigos para a televisão.
—Não tente ir em cima de todos, idiota!
—Não gosto do Sox. — disse Vicky enfaticamente. — Mas gosto do doutor Adam e Delaney porque me
deixaram ir a frente deles levando as flores em seu casamento e a mãe da Belle chorou e disse que Belle
era a melhor casamenteira do mundo. E eu gosto de Rosemary porque conta histórias e sabe maquiar.
Rosemary agora é do clube da leitura. Belle disse a tia Phoebe que se deixavam entrar Portia, também
tinham que aceitar Rosemary, por que Rosemary precisava de amigas, igual a Portia, e depois Belle disse
que estava muito feliz para guardar velhos rantores.
—Rancores.

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—E estas são as coisas que não gosto. —Deu a Heath um olhar sombrio. — Não gosto de Trevor Granger
Champion. Que é uma fralda cheia de caca.
—E começa de novo. — Heath apoiou sobre o ombro o pacotinho que aninhava entre os braços.
Vic deixou o gravador, arrastou-se para fora da cadeira, subiu no sofá ao lado dele, onde olhou o
desagradável bebê dormir.
—Trevor me disse que não gosta nada que o carregue o tempo todo. Diz que quer... que o deixe...
No...chão!
Já que Trevor tinha apenas seis meses, Heath duvidava muito que tinha desenvolvido tanto suas
habilidades linguísticas, mas abaixou o volume da televisão e dedicou sua atenção a menina ciumenta de
cinco anos.
—Achava que já tínhamos falado disso.
Ela recostou sobre ele.
—Fale comigo outra vez.
Ele envolveu seus ombros com o braço livre. Vic não estava satisfeita se não tivesse todos os homens do
mundo livres ao seu dispor, como praticamente tinha.
—Trev não é mais que um bebê. É tedioso. Não pode brincar comigo como você.
—E é um bebê muito chorão.
Heath sentiu a paternal necessidade de defender a virilidade de seu filho.
—Só quando tem fome.
Vicky levantou a cabeça.
—Ouço que estão se mexendo ali em cima. Acho que é hora da sobremesa.
—Tem certeza que não quer ficar e ver o resto do jogo comigo?
—Caia na real. — Era a ultima expressão que tinha apreendido e soltava sempre que seus pais não estavam
por perto. Heath deu um beijo na cabeça cheia de cabelo de Trevor Granger Champion e a seguiu até o
andar de cima.
Annabelle tinha colocado sua marca na casa desde o principio. Ao entrar na sala, Heath observou a
mobília, grande e acolhedora, os tapetes cálidos e as flores frescas. Um ostentoso quadro abstrato que
tinham comprado em uma galeria em Seattle numa tarde de chuva ocupava o espaço em cima da lareira.
Depois tinham celebrado a aquisição fazendo amor o resto daquela tarde que ambos acreditavam tinha
lhes dado um filho.
Debaixo do quadro estavam Portia e Phoebe com as cabeças juntas, planejando provavelmente a
dominação do mundo. Molly tinha agachado para escutar Vicky. As demais se congregaram em torno de
Rosemary. Assim que Annabelle notou sua presença, se separou do grupo e foi até ele, com a cara
dominada por aquele sorriso particular que Heath adorava. Observou Vic e o clube da leitura e depois a sua
linda e ruiva esposa.
Aquilo era o que mais tinha estado perseguindo toda sua vida. Mulheres que ficassem.
—Existe alguma possibilidade de que tire sua gangue daqui nos próximos dez minutos? — perguntou em
voz baixa quando Annabelle chegou junto a ele.
Ela acariciou a bochecha de seu filho e o bebê mexeu institivamente para sua mão.
—Eu duvido. Não comeram a sobremesa.
—Sirva a sobremesa.
—Comporte-se.
—Você diz isso agora. — sussurrou Heath. Logo cantará outra canção.
Ela riu, deu um beijo fugaz no canto de sua boca e beijou a cabeça do bebê. No outro extremo da sala,
Phoebe Calebow voltou o olhar para eles, e trocou com Heath um olhar de perfeita compreensão. Na
semana seguinte lutariam pela renovação do contrato de Dean, no momento reinava a paz.
Enquanto Vic ajudava Annabelle a servir a sobremesa, ele levou o filho para o andar de cima, o amplo
escritório de sua casa. Deixou o bebê dormindo em seu colo enquanto fazia umas ligações. Com Bodie
como sócio pleno de direito, a carga de trabalho de Heath tinha diminuído consideravelmente. Mais do que
dirigir a maior agência esportiva da cidade, estavam concentrados em serem os melhores e tinham se
tornado seletivos na hora de escolher seus clientes. Ainda assim, tinham limitado o que podiam controlar e,
sobre a direção de Portia, a nova divisão de mulheres vinha crescendo a passos gigantescos, apesar dela
também ter marcado uns limites.

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Fazia um par de anos que Heath não via em seu rosto aquela expressão tensa, sossegada. Era incrível o que
um bom casamento e nove quilos a mais podiam fazer com a atitude de uma mulher.
Perfeita para Você também crescia. Para o alivio dos aposentados de Annabelle, Kate cedeu a sua filha a
casa de Wicker Park como presente de casamento. Seguindo os conselhos de Portia, Annabelle tinha
contratado tanto uma secretária como uma ajudante. Ignorando os conselhos de Portia, seguia cultivando a
variedade de clientes. Ela gostava disso.

Heath ouviu por fim as integrantes do clube da leitura começarem a sair. Trev estava ficando com fome e o
barulho o acordou. Quando viu que o caminho estava livre, Heath o levou para o andar de baixo.
Annabelle estava de pé junto à janela e a luz da tarde a banhava como um liquido âmbar. Ao ouvi-lo se
aproximar, sorriu como se levasse todo o dia esperando aquele momento, o que provavelmente era o caso.
Ele entregou o bebê e sentou-se comprazido ao ver como lhe dava de mamar. Annabelle e ele falaram um
pouco. Não muito. Ouviu o barulho do fax no andar de cima e depois de alguns minutos vibrou seu celular.
Colocou a mão no bolso e o desligou. Eventualmente, eles cobriram seu filho e saíram os três para dar um
passeio. Um homem e sua família. Uma linda tarde em Chicago. Os Sox a caminho do título.
—Por que você sorri?
—Porque você é perfeita.
—Não, não sou. — disse ela entre risos. — Mas sou perfeita para você.
O Píton não poderia estar mais de acordo.

FIM

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