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Estranhas gentilezas
Ivan Ângelo
Estão acontecendo coisas estranhas. Sabe-se que as pessoas nas grandes cidades não têm o hábito
da gentileza. Não é por ruindade, é falta de tempo. Gastam a paciência nos ônibus, no trânsito, nas filas, nos
mercados, nas salas de espera, nos embates familiares, e depois economizam com a gente.
Comigo dá-se o contrário, é o que estou notando de uns dias para cá. Tratam-me com inquietante
delicadeza. Já captava aqui e ali sinais suspeitos, imprecisos, ventinho de asas de borboleta, quase nada. A
impressão de que há algo estranho tomou corpo mesmo foi na semana passada. Um vizinho que já fora meu
amigo telefonou-me desfazendo o engano que nos afastava, intriga de pessoa que nem conheço e que afinal
resolvera esclarecer tudo. Difícil reconstruir a amizade, mas a inimizade morria ali.
Como disse, eu vinha desconfiando tenuemente de algumas amabilidades. O episódio do vizinho fez
surgir em meu espírito a hipótese de uma trama, que já mobilizava até pessoas distantes. E as próximas?
Tenho reparado. As próximas telefonam amáveis, sem motivo. Durante o telefonema fico
aguardando o assunto que estaria embrulhado nos enfeites da conversa, e ele não sai. Um número
inesperado de pessoas me cumprimenta na rua, com acenos de cabeça. Mulheres, antes esquivas, sorriem
transitáveis nas ruas dos Jardins. Num restaurante caro da Rua Amauri, o maître, com uma piscadela, fura a
demorada fila de executivos à espera e me arruma rapidinho uma mesa para dois. Um homem de pasta que
parecia impaciente à minha frente me cede o último lugar no elevador. O jornaleiro larga sua banca na
Avenida Sumaré e vem ao prédio avisar-me que o jornal chegou. Os vizinhos de cima silenciam após as 10 da
noite.
Caminhões baixam a luz dos faróis quando cruzam comigo na Via Anhanguera. Motoristas, mesmo
mulheres, cedem-me a preferência nas esquinas. Vendedores de bugigangas nos faróis de trânsito passam
direto pelo meu carro, sem me olhar. Até crianças me cumprimentam cúmplices: oi, tio.
Que está acontecendo? Quem e por que está querendo me convencer de que as pessoas são um
doce? Penso: não são gentilezas, são homenagens aos meus cabelos brancos, por eu ter aguentado tanto,
como se fosse um atleta de maratona, daqueles retardatários que são mais aplaudidos na chegada que os
vencedores.
A última manobra: botaram um pintassilgo a cantar para mim na árvore em frente à janela do meu
apartamento de 2º andar.
Que significa isso? Que querem comigo? Que complô é esse? Que vão pedir em troca de tanta
gentileza?
Interrompo a crônica nesse ponto, saio para ir ao banco, desço pelas escadas porque alguém segura
o elevador lá em cima, o segurança do banco faz-me esvaziar os bolsos antes de entrar pela porta giratória,
enfrento a fila do caixa, não aceitam cheques de outra pessoa para pagar contas, saio xingando do banco,
atravesso a avenida arriscando a vida entre bólidos, um caminhão respinga-me a água suja de uma poça,
entro no apartamento, sento-me ao computador e ponho-me de novo a sonhar.
Vocabulário:
Leia o texto abaixo e responda as questões de 1 à 5 com suas palavras e com orações com sentido
completo.
1. A frase “Sabe-se que as pessoas nas grandes cidades não têm o hábito da gentileza” pressupõe
que o comportamento das pessoas das grandes cidades e das que vivem fora delas:
a. é semelhante, mas se altera em alguns pontos.
b. se altera de acordo com o contexto em que vivem.
c. não se altera e é sempre constante.
d. altera constantemente sem motivo aparente.
a. de um homem de mais idade, que pensa sobre o comportamento das pessoas nas
grandes cidades.
b. de uma mulher de mais idade, que não se conforma com o comportamento dos jovens
da atualidade.
c. de um homem de mais idade que está escrevendo para a crônica que publica
semanalmente em jornal de grande circulação.
d. de um homem de mais idade, que não pratica gentilezas com o próximo, porque
não as recebe.
3. Qual o foco narrativo do texto? Qual o tipo de narrador? Justifique com uma passagem.
4. No 1º parágrafo do texto, o narrador indica uma possível causa da falta de gentileza das pessoas das
grandes cidades. Explique essa afirmação.
5. No 2º parágrafo, o narrador faz uso de uma metáfora, uma expressão usada por semelhança com
“quase nada, algo difícil de se notar, quase imperceptível”. Copie essa expressão.
7. No segundo parágrafo, o narrador relata uma “inquietante delicadeza” estava ocorrendo com ele.
Explique o que isso significava.
9. Explique o seguinte período: “Durante o telefonema fico aguardando o assunto que estaria
embrulhado nos enfeites da conversa, e ele não sai.”. (4º parágrafo)
10. Observe a palavra sublinhada e marque a melhor alternativa que poderia substituí-la, sem alteração no
sentido da frase: “Um número inesperado de pessoas me cumprimenta na rua, com acenos de cabeça.
Mulheres, antes esquivas, sorriem transitáveis nas ruas dos Jardins.” (4º parágrafo)
( ) próximas
( ) simpáticas
( ) afastadas
( ) amáveis
11. Por que o narrador se sentia “meio apreensivo, meio feliz”? (9º parágrafo)
12. Em certo momento, o cronista para o relato e levanta duas hipóteses para explicar esse estranho
comportamento das pessoas. Quais são elas?
13. O último parágrafo apresenta uma informação nova em relação àquilo que vinha sendo dito e faz o
leitor perceber a realidade. Que informação é essa?
14. Observe a seguinte oração: “Estão acontecendo coisas estranhas.”, considerando que ela faz parte de
da crônica lida. Responda:
a. Essa oração tem sujeito? Se existe, identifique-o e classifique-o.
15. Observe agora o seguinte período: “Gastam a paciência nos ônibus, no trânsito, nas filas, nos
mercados, nas salas de espera, nos embates familiares, e depois economizam com a gente.”,
considerando que esse período também faz parte de da crônica lida. Responda:
a. O período possui duas orações. Essas orações têm sujeito? Se existir, identifique-os e
classifique-os.
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BOA PROVA!!!!!
GABARITO
1. A frase “Sabe-se que as pessoas nas grandes cidades não têm o hábito da gentileza” pressupõe
que o comportamento das pessoas das grandes cidades e das que vivem fora delas:
a. é semelhante, mas se altera em alguns pontos.
b. se altera de acordo com o contexto em que vivem.
c. não se altera e é sempre constante.
d. altera constantemente sem motivo aparente.
a. de um homem de mais idade, que pensa sobre o comportamento das pessoas nas grandes
cidades.
b. de uma mulher de mais idade, que não se conforma com o comportamento dos jovens da
atualidade.
c. de um homem de mais idade que está colhendo dados para a crônica que publica
semanalmente em jornal de grande circulação.
d. de um homem de mais idade, que não pratica gentilezas com o próximo, porque não as
recebe.
3. Qual o foco narrativo do texto? Qual o tipo de narrador? Justifique com uma passagem.
O foco narrativo é de 1ª. pessoa, o narrador é personagem. Essa é a passagem que justifica o tipo de
narrador e o foco narrativo: “Como disse, eu vinha desconfiando tenuemente de algumas amabilidades.”
4. No 1º parágrafo do texto, o narrador indica uma possível causa da falta de gentileza das pessoas
das grandes cidades.
Segundo o narrador, a falta de tempo pode gerar a falta de gentileza das pessoas nas grandes cidades.
5. No 2º parágrafo, o narrador faz uso de uma metáfora, uma expressão usada por semelhança com
“quase nada, algo difícil de se notar, quase imperceptível”. Copie essa expressão.
7. No segundo parágrafo, o narrador relata uma “inquietante delicadeza” estava ocorrendo com ele.
Explique o que isso significava.
As gentilezas com que as pessoas começaram a tratá-lo estavam deixando-o um pouco apreensivo,
desconfiado.
9. Explique o seguinte período: “Durante o telefonema fico aguardando o assunto que estaria
embrulhado nos enfeites da conversa, e ele não sai.”. (4º parágrafo)
Durante a conversa, o narrador fica esperando que a pessoa falasse realmente o assunto sem rodeios, mas
ela acaba falando questões supérfluas, apesar de agradáveis, e não fala o assunto principal.
10. Observe a palavra sublinhada e marque a melhor alternativa que poderia substituí-la, sem alteração
no sentido da frase: “Um número inesperado de pessoas me cumprimenta na rua, com acenos de cabeça.
Mulheres, antes esquivas, sorriem transitáveis nas ruas dos Jardins.” (4º parágrafo)
( ) próximas
( ) simpáticas
( ) afastadas
( ) amáveis
11. Por que o narrador se sentia “meio apreensivo, meio feliz”? (9º parágrafo)
O narrador estava se sentindo feliz pelo comportamento amável das pessoas, mas, ao mesmo tempo, estava
desconfiado, não se sentia seguro diante desta situação.
12. Em certo momento, o cronista para o relato e levanta duas hipóteses para explicar esse estranho
comportamento das pessoas. Quais são elas?
As duas hipóteses levantadas seriam: homenagens a seus “cabelos brancos” ou um complô, mais tarde
exigiriam algo em troca.
13. O último parágrafo apresenta uma informação nova em relação àquilo que vinha sendo dito e faz o
leitor perceber a realidade. Que informação é essa?
A informação era que tudo o que o narrador descreveu não estava ocorrendo na realidade, mas era uma
crônica que ele estava escrevendo.
14. Observe a seguinte oração: “Estão acontecendo coisas estranhas.”, considerando que ela faz parte de
da crônica lida. Responda:
a. Essa oração tem sujeito? Se existe, identifique-o e classifique-o.
O sujeito dessa oração é “coisas estranhas” (sujeito simples)
15. Observe agora o seguinte período: “Gastam a paciência nos ônibus, no trânsito, nas filas, nos
mercados, nas salas de espera, nos embates familiares, e depois economizam com a gente.”, considerando
que esse período também faz parte de da crônica lida. Responda:
a. O período possui duas orações. Essas orações têm sujeito? Se existir, identifique-os e classifique-os.
O sujeito dessas duas orações é “pessoas” (sujeito simples).
Provavelmente, seu marido Hagar não faz bem a Helga, por isso o doutor pede que Hagar parta a “trabalho”.
Predicativo do sujeito.
O predicado é verbo-nominal.