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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE


INSTITUTO DE PSIQUIATRIA

FLÁVIA FASCIOTTI MACEDO AZEVEDO

O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL:


UMA REFLEXÃO SOBRE ENSINO, TRANSMISSÃO E FORMAÇÃO EM SERVIÇO

RIO DE JANEIRO
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FLÁVIA FASCIOTTI MACEDO AZEVEDO

O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL:


UMA REFLEXÃO SOBRE ENSINO, TRANSMISSÃO E FORMAÇÃO EM SERVIÇO

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de


Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, na linha de
Pesquisa Estudo da formação do profissional de
saúde no contexto das inovações curriculares, da
capacitação pedagógica de professores e da
integração ensino-serviço na rede SUS, como
requisito para a obtenção do título de Mestre em
Psiquiatria e Saúde Mental.

Orientadora:
Professora Dr.ª Maria Paula Cerqueira Gomes

Rio de Janeiro
2013
AZEVEDO, Flávia Fasciotti Macedo
O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental:
uma reflexão sobre ensino, transmissão e formação em serviço/
Flávia Fasciotti Macedo Azevedo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.
xi, 171f.

Dissertação (Mestrado em Saúde Mental) - Universidade Federal


do Rio de Janeiro, Instituto de Psiquiatria, 2013.

Orientador: Maria Paula Cerqueira Gomes.

1. Residência Multiprofissional. 2. Educação em saúde mental. 3.


Formação para o SUS. I. Título. II. Maria Paula Cerqueira Gomes.
III. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria.
FLÁVIA FASCIOTTI MACEDO AZEVEDO

O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL:


UMA REFLEXÃO SOBRE ENSINO, TRANSMISSÃO E FORMAÇÃO EM SERVIÇO

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de


Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, na linha de
Pesquisa Estudo da formação do profissional de
saúde no contexto das inovações curriculares, da
capacitação pedagógica de professores e da
integração ensino-serviço na rede SUS, como
requisito para a obtenção do título de Mestre em
Psiquiatria e Saúde Mental.

Aprovada em 03/06/2013.

__________________________________________________
Professora Dr.ª Maria Paula Cerqueira Gomes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

__________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Tavares Cavalcanti
Universidade Federal do Rio de Janeiro

_______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Laura Camargo Macruz Feuerwerker
Universidade de São Paulo
A todos que acreditam na formação como uma
possibilidade de transformação de si e do mundo, na busca
de novas formas de ser e de promover o cuidado em
Saúde.
AGRADECIMENTOS

A Deus, que, por caminhos tortuosos, tem operado em minha vida, ensinando-me a ser
melhor, a não desistir nunca diante das inúmeras adversidades, mostrando-me, a cada vez, que
a vida é muito maior do que algumas tolas certezas de menina.

À minha avó, in memoriam, quem me criou, me cuidou e me ensinou que a sabedoria é um


dom construído pelas coisas que conseguimos aprender com a vida. É preciso ter força para
transformar o que podemos e, ao mesmo tempo, serenidade e profunda paciência para aceitar
aquilo que não podemos mudar.

À minha mãe, melhor pessoa do mundo, generosa e querida por todos, professora encantada
com o mundo da escola, a quem devo o amor aos estudos, à importância do trabalho, o
respeito às pessoas e o dom das habilidades manuais.

Ao meu pai, que, com seu jeito atento, sempre torceu por minhas conquistas, certo de eu ter
capacidade para seguir em frente.

À irmã querida, única e especial, pela paciência, companheirismo, amizade. Sua presença é
fundamental em minha vida.

À Prof.ª Maria Paula Cerqueira Gomes, muito mais que orientadora, agradeço pela imensa
generosidade, gentileza, confiança, amizade, carinho, respeito, apoio... sem fim. Pessoa que
não para de mudar a minha vida e que me deu o que não se dá: a vontade de saber, e o
caminho para conseguir.

Aos companheiros de caminhada, José Carlos Lima, Leila Vianna e Rita Louzada, que
acreditam na formação de pessoas como a capacidade para construir um mundo melhor.
Trabalhar com vocês é uma honra e tem sido a melhor experiência da minha vida. Obrigada
pelo respeito, pela tolerância e pela amizade.

Aos amigos da vida, Camila, Simone, Neila, Ana Paula, Daniel e Marcela, que me
acompanham nesta trajetória, perto o suficiente para me amparar nos momentos difíceis e
para celebrar a vida nos dias de festa.

Aos meus amigos de mestrado, Clarisse Rinaldi, Allan Dias, Luciana Scapin e Hélio Rocha,
obrigada pelas mensagens, trocas, dicas e piadas descontraídas, sem as quais esse processo
não teria graça.
Aos professores da Linha de Pesquisa Estudo da formação do profissional de saúde no
contexto das inovações curriculares, da capacitação pedagógica de professores e da integração
ensino-serviço na rede SUS, Maria Tavares, Octávio Domont e Alícia Navarro, pelo desafio
de discutir educação como tema fundamental ao campo da saúde.

À professora Victoria Brant, educadora apaixonada, obrigada pelas maravilhosas aulas de


Educação em Saúde, onde o conhecimento circulava com facilidade e o debate era uma
experiência inevitavelmente formadora.

Aos colegas da disciplina Educação em Saúde, em especial, a José Inácio Motta, pela
disponibilidade e troca, instigando à reflexão permanente.

À banca examinadora, Professora Maria Tavares Cavalvanti e Laura Camargo Macruz


Feuerwerker, pela disponibilidade em ler este texto, contribuindo imensamente para o meu
processo de formação.

À Eliana Granja, revisora atenta, que cuidou do meu texto com grande delicadeza.

Aos colegas e parceiros do Programa de Residência Multiprofissional preceptores, diretores,


coordenadores, supervisores, pelas trocas motoras de aprendizado, cujo investimento na
formação dos alunos fortalece os nossos próprios processos formadores.

Ao IPUB, que me acolheu nesta importante etapa da minha vida profissional e acadêmica.

À CAPES, pelo incentivo e suporte acadêmico.

Aos alunos, ex-alunos e futuros alunos do Programa de Residência Multiprofissional em


Saúde Mental do IPUB/UFRJ, com quem aprendo muito, a cada dia, formas diferentes de
pensar, jeitos diferentes de lidar, formas diferentes de cuidar, reafirmando a importância da
aposta que fazemos...
Ninguém pode construir no teu lugar a ponte que te
seria preciso tu mesmo transpor no fluxo da vida,
ninguém exceto tu, somente tu. Certamente existem as
veredas, e as pontes, e os semideuses que se oferecerão
para levar‐te do outro lado do rio; mas somente na
medida em que te vendesses inteiramente: tu te
colocarias como penhor e te perderias. Existe no mundo
um único caminho, por onde só tu podes passar. Para
onde leva? Não perguntes, segue‐o. (NIETZSCHE,
2003, p. 141)1

Assim, inicio esta dissertação, trilhando um caminho cuja travessia se tornou


necessária a partir do momento em que me aproximei do tema da Educação em Saúde.

“Que história é essa de formar pessoas?”

Apresento aqui o meu percurso, o meu esforço, os meus descobrimentos, a minha


experiência de aprendizagem na qualidade de pesquisadora, de sujeito envolvido no Programa
de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ.

Um caminho sem volta, que segue no rumo da formação como transformação, de uma
construção em contínuo devir, de um aprendizado que não cabe em um livro, de uma teoria
imbricada na prática, de uma educação inseparável da saúde, de uma formação para o trabalho
e para a vida.

Descubro aqui, sem dúvida, outro mundo. Um mundo que foi se apresentando, a cada
dia, no trabalho junto aos alunos, aos colegas e à instituição e que, de alguma maneira, tem se
atualizado, de forma intensa, em todas as minhas outras inserções profissionais e na vida
pessoal. Sem dúvida, hoje me vejo outra pessoa, infinitamente diferente da que começou esse
trabalho e que não para de se transformar a cada dia, a cada minuto.

Aqui está o trabalho final, provisório, pois o trabalho de descoberta não acaba com a
conclusão desta dissertação: ele incide e insiste na minha vida, apontando para novos lugares,
possibilitando a vivência de novos encontros, deixando que as pequenas coisas da existência
possam se tornar, de fato, acontecimentos.

Tantas outras coisas a construir e a produzir. Tantas outras coisas a fazer... a viver...
em uma busca profissional, acadêmica e de produção de vida sem fim.

1
NIETZSCHE, F. W. Escritos sobre educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC‐Rio; São Paulo: Loyola, 2003, p.141.
RESUMO
AZEVEDO, Flávia Fasciotti Macedo. Programa de Residência Multiprofissional em
Saúde Mental: Uma reflexão sobre ensino, transmissão e formação em serviço. Rio de
Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Psiquiatria e Saúde Mental) - Centro de Ciências da
Saúde, Instituto de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.

O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da


Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ) é o objeto de estudo desta dissertação,
que se constrói pela associação entre o aprofundamento teórico – por meio da análise dos
campos: Educação, Saúde e Saúde Mental, no que eles convergem para pensar a formação de
profissionais – e a investigação dos processos de ensino-aprendizagem. O programa em foco
define-se como modelo de formação, em nível de pós-graduação, de diferentes categorias
profissionais: enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. Nesta
pesquisa desenvolveu-se a investigação relativa aos processos de ensino-aprendizagem dos
alunos do curso de residência multiprofissional do IPUB/UFRJ mediante o recolhimento das
narrativas orais e escritas produzidas pelos alunos, pelos tutores e pelos preceptores nos
espaços pedagógicos previstos – os de Educação Permanente e os Tutoriais –, bem como do
estudo dos portfólios reflexivos produzidos pelos alunos. Essa análise visou recolher
elementos sobre como ocorre o processo de ensino-aprendizagem e sua relação com as
orientações públicas para a formação em Saúde. No encontro com o campo, produziram-se
dados e construiu-se uma cartografia. Identificou-se a existência de três movimentos no
processo de formação dos alunos: (a) o modo como o Projeto Político Pedagógico se efetiva
em ato; (b) as temáticas circulantes nos espaços de formação e (c) os efeitos da proposta
pedagógica para os atores envolvidos no processo. Neste curso identificou-se certa
especificidade, cujo desenho inclui os pressupostos e os mecanismos pedagógicos, os quais,
aparecem com caráter de inovação no que diz respeito aos processos de ensino, de formação e
de transmissão do conhecimento. Em suma, a proposta desse curso e a proposta metodológica
desta pesquisa se afinam, na medida em que ambas sustentam a aposta de que o conhecimento
se constrói a partir da experiência, em um saber que emerge do fazer e que promove
conhecimento pela ação sobre a realidade e por sua transformação. Nesta investigação foi
possível reconhecer a própria residência como dispositivo de intervenção educativa e
institucional. Em seu fazer-saber, os alunos promoveram um processo de transformação em
ato no momento exato em que a formação aconteceu.
Palavras-chave: residência multiprofissional, educação em saúde mental, formação para o
SUS, metodologias ativas de aprendizagem, tecnologia educacional, educação permanente.
ABSTRACT
AZEVEDO, Flávia Fasciotti Macedo. Programa de Residência Multiprofissional em
Saúde Mental: Uma reflexão sobre ensino, transmissão e formação em serviço. Rio de
Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Psiquiatria e Saúde Mental) - Centro de Ciências da
Saúde, Instituto de Psiquiatria, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.

The Multiprofessional Residency Program in Mental Health, Instituto de Psiquiatria,


Universidade Federal do Rio de Janeiro, (IPUB / UFRJ) is the object of study of this
dissertation elaborated by the association between a theoretical study - through the analysis of
the fields: Education, Health and Mental Health, as they converge in concern to the training of
professionals - and research about teaching and learning. The program focus is defined as a
role of training post-graduate students of different professional groups: nurses, psychologists,
social workers and occupational therapists. This research was developed towards the
processes of teaching and learning of Multiprofessional Residency Program students of
IPUB-UFRJ through the recollection of oral and written narratives produced by students,
tutors and the supervisors in foreseen pedagogical spaces - the Continuing Education and
Tutorials - as well as the study of reflective portfolios produced by the students. This analysis
addressed to collect information about how is the process of teaching-learning and its relation
with the public guidelines for training in Health. Encountering the field, research data were
produced and a cartography was built up. The existence of three movements was identified in
the training process of students: (a) how the Educational Policy Project is effective in action,
(b) the general themes that circulate in areas of training and (c) the effects of the educational
proposal to sectors involved in the process. In this course we identified certain specificity,
whose design includes assumptions and pedagogical mechanisms, which, appear with the
character of innovation with regard to the processes of teaching, training and transmission
knowledge. In short, the purpose of this program and the methodological approach of this
research are attuned, viewing that both sustain the bet that knowledge is built from
experience, a knowledge that emerges in the making process and promotes action on reality
and its transformation. Thus, the investigation of the processes of teaching and learning in the
multiprofessional residency IPUB/UFRJ recognize the residency itself as a device of
institutional and educational intervention. In their practical learning processes, students
promoted a way of transformation in action at the exact moment the training took place.
Keywords: residence multidisciplinary, mental health education, training for de SUS, active
learning methodologies, education technology, continuing education.
Lista de Siglas e Abreviaturas
ABP Aprendizagem Baseada em Problemas
AIDS Acquired Immunological Deficiency Syndrome
AT Acompanhamento Terapêutico
CAD Centro-Dia para Pacientes com Graves Transtornos Psíquicos
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CARIM Centro-Dia para a Infância e a Adolescência
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DST Doença Sexualmente Transmissível
ECTs Eletroconvulsoterapia
EP Educação Permanente
EPS Educação Permanente em Saúde
ESFA Hospital Escola São Francisco de Assis
HUCFF Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
IESC Instituto de Saúde Coletiva
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPPMG Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira
IPUB Instituto de Psiquiatria
ME Maternidade Escola
MEC Ministério da Educação
MTSM Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental
NUTES Núcleo de Tecnologia da Educação
OPAS Organização Pan-Americana em Saúde
PEM Programa de Educação Médica
PNASH Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria
PPI Projeto Pedagógico Individual
PPP Projeto Político Pedagógico
PROJAD Centro de Convivência para Usuários Abusivos de Álcool e outras Drogas
PSF Programa de Saúde da Família
SRT Serviço Residencial Terapêutico
SUS Sistema Único de Saúde
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
VD Visitas Domiciliares
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
1. EM BUSCA DE NOVOS REFERENCIAIS EPISTEMOLÓGICOS ................................ 25
1.1 Metodologia e procedimentos metodológicos da pesquisa ......................................... 33
2. EDUCAÇÃO E SAÚDE: AÇÕES E INTER-RELAÇÕES .............................................. 41
2.1 Transformações no campo da Educação .................................................................... 45
2.1.1- O cotidiano e o acontecimento no campo da Educação ....................................... 52
2.2 Transformações no campo da Saúde e da formação profissional ................................ 59
2.2.1- Transformações da assistência em Saúde Mental...................................................68
2.3 Educação em Saúde e as Residências Multiprofissionais ........................................... 71
3. APRESENTANDO O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM
SAÚDE MENTAL DO IPUB/UFRJ .................................................................................... 78
4. CARTOGRAFIA DOS MOVIMENTOS NO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA
MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL DO IPUB/UFRJ ..................................... 85
4.1 Primeiro Movimento: O Projeto Político Pedagógico em ato ...................................... 89
4.1.1- Operadores do cuidado ....................................................................................... 99
4.1.2 Dispositivos pedagógicos................................................................................... 106
4.1.2.1 Espaço de Educação Permanente e construção do conhecimento reflexivo . 109
4.1.2.2 Tutoria e construção do Projeto Pedagógico Individual (PPI) ..................... 116
4.1.2.3 Portfólio reflexivo: cada um narrando a sua história ................................... 120
4.2 Segundo Movimento: A formação de todos e de cada um ........................................ 129
4.3 Terceiro Movimento: A arte de fazer “furo no muro” .............................................. 139
PROVISÓRIAS CONCLUSÕES ....................................................................................... 149
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 157
ANEXOS ........................................................................................................................... 167
ANEXO 1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .................... 167
ANEXO 2. PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP.............................................. 169
INTRODUÇÃO

“É só quando esquecemos todos os nossos


conhecimentos é que começamos, a saber.” (Clarice
Lispector)2

A formação de profissionais para a área de saúde é tema atual de debate e tem


mobilizado muitas discussões, além de transformações na forma de pensar, e efetivamente
atuar nesses campos cada vez mais em intersecção: os campos da Saúde e da Educação.

Vive-se um momento de reformulação do processo de ensino em saúde, que tem como


um dos objetivos principais o pensar estratégias de formação em consonância com a realidade
atual do país e de seu sistema de saúde.

As novas iniciativas se apresentam como processos incipientes, que convivem, ao


mesmo tempo, com algumas dicotomias3 ainda fortemente presentes na formação do
profissional, seja pelos métodos tradicionais de ensino, os quais pouco conversam com as
reais necessidades sociais das demandas em Saúde, seja ao se manterem alheios à direção das
políticas de formação para o Sistema Único de Saúde (SUS), como alerta Feuerwerker (2002).

O meu interesse pelo tema da Educação em Saúde teve início antes mesmo do curso
de mestrado. As primeiras reflexões sobre o tema da formação emergiram da experiência
advinda do acompanhamento de estagiários, quando fui coordenadora de um ambulatório de
Saúde Mental no município de Niterói/Rio de Janeiro, no período de 2005 a 2009.

O acompanhamento de residentes e a formação continuada de profissionais foram


temas frequentes quando atuei como presidente do Centro de Estudos do Instituto Municipal
Nise da Silveira, nos anos de 2007 a 2010. Várias foram as ações e iniciativas formadoras:
encontros de preceptores, planejamento de disciplina e atividades educativas.

Recentemente somou-se a experiência de supervisora do Centro de Atenção


Psicossocial (CAPS) de Quissamã/Rio de Janeiro (2011-2012), no norte fluminense, cujas
ações de formação junto às equipes de saúde daquele território assumiram a dimensão de um
espaço de Educação Permanente.

2
LISPECTOR, C. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
3
As dicotomias presentes na formação do profissional de Saúde serão trabalhadas no capítulo 2, item 2.2.
13

São marcantes ainda as experiências de formação pessoal, como as que cada um


carrega em sua bagagem desde o ensino fundamental até a graduação e a pós-graduação. Uma
delas foi a oportunidade de vivenciar a experiência da residência multiprofissional em Saúde
Mental no mesmo Instituto Municipal Nise da Silveira.

Esse percurso, imerso em muitas reflexões e questionamentos, de alguma forma,


possibilitou a chegada até aqui.

É na linha Estudo da formação do profissional de saúde no contexto das inovações


curriculares, da capacitação pedagógica de professores e da integração ensino-serviço na rede
SUS, do Programa de Pós Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ), que este estudo se
insere. Ele se apresenta como novo campo de pesquisa, cujo objetivo é investigar os processos
de formação profissional nas áreas da Saúde em nível de graduação e pós-graduação.

As ideias iniciais para uma pesquisa sobre formação gravitaram em torno da


investigação desse fenômeno como algo já dado e instituído, como algo claro, organizado e
linear. Partia-se do entendimento de que a presença de alguns elementos seria suficiente para
garantir a ocorrência da aprendizagem no processo de formação dos alunos. Supunha-se a
existência de um fenômeno a ser descoberto por alguém que por ele procurasse, como se se
tratasse de um evento passível de ser controlado e, consequentemente, de ser previsto.

Nesse começo, a expectativa era de conseguir mapear claramente os conteúdos


ensinados, supondo que fosse possível reconhecer a aquisição desses mesmos conteúdos pelos
alunos. Acreditava-se ainda na possibilidade de identificar o momento exato da assunção do
conhecimento pelos profissionais em formação e a sua aplicação direta nas ações realizadas
como profissionais de saúde.

Essa forma de perceber o processo de aprendizagem se fundamentava no


entendimento de que este se resumia à transmissão e ao acúmulo de conhecimento, ligado
exclusivamente ao desenvolvimento de competências teórico-cognitivas.

Orientada e invadida nesse começo por uma concepção clássica de educação, algo que
forma, dá forma e em-forma, como um recurso metodológico fundado em pesquisa
quantitativa, talvez fosse capaz de cumprir a função de responder a esses questionamentos,
apresentando dados concretos e mais objetivos sobre as ações formativas de determinada
proposta pedagógica. Uma visada metodológica desse tipo também seria importante e
igualmente desafiadora.
14

Algumas questões essenciais conduziram às reflexões iniciais para a compreensão do


processo de formação em Saúde: Quais os requisitos necessários para desenvolver a formação
de profissionais para a Saúde? Quais as principais políticas em vigor nos campos da Saúde e
Educação que orientam a formação desses profissionais? Quais as principais metodologias de
ensino-aprendizagem utilizadas na formação em Saúde?

Questões cujas respostas, embora importantes, não eram suficientes para a sustentação
de uma proposta pedagógica transformadora.

A partir da experiência do acompanhamento das atividades pedagógicas do Programa


de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ, no qual atuo como
membro da equipe de coordenação, tornou-se possível compreender, aos poucos, que o campo
de investigação se apresentava mais complexo do que era possível supor inicialmente e que
tanto o arcabouço teórico acumulado, quanto as teorias que orientavam meu trabalho não
eram suficientes para dar conta das descobertas construídas nesse percurso investigativo.

Novas questões se apresentavam na fineza do trabalho de acompanhamento dos


alunos, tornando-se mais complexas à medida que eram lançadas no aprofundamento teórico-
prático: Como se dá a inserção dos residentes na vida cotidiana da instituição? Como os
alunos têm sido capazes de sustentar uma condução do trabalho suscitado pela diversidade da
multiprofissionalidade? Como sustentar a tensão entre teoria e prática, sem cair na erudição
vazia de experiência ou no empirismo ingênuo e sem conteúdo? Como acontece a transmissão
de um trabalho clínico nas diferentes categorias profissionais? Quais os efeitos dessa
experiência de formação? São algumas das questões que esta dissertação tenta efetivamente
responder ao longo do desenvolvimento da pesquisa.

Em razão disso, o incômodo com os processos nada objetivos e não quantificáveis −


que se apresentavam a todo o tempo na vivência de uma experiência formativa − foi decisivo
e impôs outras necessidades, apontando para a complexidade dos processos de formação e
tornando imprescindível a descoberta de novos caminhos metodológicos.

Assim, chega-se ao ponto central e fio condutor dessa pesquisa, qual seja: sustentar
uma direção investigativa de se ater a processos. Essa nova dimensão colocou a necessidade
de reconfigurar a ideia inicial mediante a transformação de conceitos e a construção de novas
descobertas, a começar pela própria pesquisadora.
15

O objetivo principal foi o de manter uma condução investigativa congruente com uma
concepção de aprendizagem vivida como experiência, acometida por sujeitos atuantes no
mundo da vida e dos serviços de Saúde e imersos nas relações de trabalho.

Desta forma, essa pesquisa coloca em cheque uma forma de ensino-aprendizagem


bastante presente na formação em Saúde, baseada na dicotomia entre teoria e prática;
academia e serviço; estudo e trabalho (FEUERWERKER, 2002; 2007).

Pressupõe-se que, mais do que lugar de aplicação prática de conhecimentos teóricos, a


vida do trabalho ensina, forma e constrói conhecimentos gerais e específicos no campo da
Saúde e da Saúde Mental, promovendo a aquisição de competências cognitivas,4 afetivas e
relacionais 5 fundamentais para a prática profissional (IPUB, 2010).

Por sua vez, sustenta-se que o exercício do trabalho constitui, em si, um processo de
intervenção na realidade institucional e educativa em que os atores estão inseridos. Na medida
em que ao fazer, o mundo se altera, produz-se reflexão, promovendo a criação de novos
mundos e de formas inovadoras de fazer Saúde.

Para melhor definição do objeto desta pesquisa e desenvolvimento de sua sustentação


teórica foi necessário um estudo ampliado a respeito desses campos em intersecção: os
campos da Saúde e da Educação.

O entendimento do lugar destinado à Educação em Saúde exigiu o conhecimento dos


principais autores e das teorias da Educação, assim como das novas tendências e paradigmas
propícios à construção de ferramentas conceituais e pedagógicas que pudessem ser
incorporadas à formação na área da Saúde, enriquecendo novas propostas de formação.

Freire (1996, 2011), Gadotti (1996, 2000), Luckesi (2000, 2005) e Perrenoud (1992,
1999a, 1999b, 2000, 2002), dentre outros, mostram novas concepções de educação, nova
relação professor-aluno, novos conceitos de avaliação, novas formas de construção do
conhecimento e novas metodologias de ensino-aprendizagem, possibilitando a construção de
um campo inovador de investigação: a Educação em Saúde, como processo que difere da

4
O conceito de competência, sustentado por este estudo, será trabalhado no capítulo 3, dedicado às
transformações no campo da educação e à incorporação de novos conceitos e metodologias de ensino-
aprendizagem.
5
Entendemos competência de forma ampliada, com a inter-relação das dimensões afetiva, cognitivas e
relacionais, que se efetivam em ato no fazer profissional. Difere da noção de competência como processo de
transmissão de conhecimentos padronizados para a ascensão a comportamentos ideais. Alguns autores ajudam
no desenvolvimento desse conceito ao longo da dissertação, como: Perrenoud (1992; 1998; 2000; 2002; [s/d]),
Gadotti (1996; 2000) e Larrosa (2002a; 2003).
16

Educação e Saúde e da Educação para a Saúde. A Educação em Saúde visa à correlação de


ambos os campos, Educação e Saúde, de forma intrínseca, sem hierarquias ou subordinações,
como evento próprio e espetacular.

No processo de construção desta investigação foi fundamental a aproximação de


alguns autores cujo pensamento enriqueceu o debate do campo da Educação, como Deleuze e
Guatarri (1992), Deleuze (1999), Foucault (2000), Larrosa (2002a, 2003), Kastrup et al.
(2008) e Kastrup (1999), Passos et al (2010). Eles se mostraram fundamentais para o
entendimento dos processos de ensino-aprendizagem enquanto causas e, ao mesmo tempo,
consequências das ações e intervenções no mundo.

Aposta-se na articulação entre formação e prática, interligadas de modo decisivo nas


ações concretas e cotidianas, em unidades de Saúde reais e no cuidado de sujeitos viventes.
Essa percepção orienta-se por uma concepção de educação pensada a partir das teorias pós-
críticas6 (Silva, T.T., 1994; 2011), fundamentadas na corrente pós-estruturalista7 e norteadas
por uma visão pós-moderna8 de compreensão dos eventos sociais.

Segundo Paraíso (2004), os efeitos combinados das correntes pós-estruturalista e pós-


modernas podem ser sintetizados no que se convencionou chamar de “virada linguística”, uma
das formas de se referir às “teorias pós-críticas em educação”. Para esta análise foi
fundamental a contribuição de Foucault e a de Deleuze aos debates advindos do campo da
Educação.

Em seu processo de construção metodológica, a pesquisa recorreu também ao


pensamento institucionalista,9 orientado pela lógica da diferença e pela produção de rupturas
no modo como se organizam as instituições, tomando em conta a dimensão relacional do
poder (Pereira, 2007). Tal forma de pensamento possibilita a investigação de processos que

6
As teorias pós-críticas da educação surgem na transição do século XX ao XXI e se baseiam na hipótese da
construção discursiva em oposição à concepção de ideologia, que sustenta as teorias críticas. Valorizam a
diversidade e a democratização cultural. Silva, T.T. (2011) trabalha exaustivamente as teorias pós-críticas,
diferenciando-as das teorias críticas e articulando-as com o pensamento pós-moderno e com a corrente de
pensamento pós-estruturalista.
7
Pós-estruturalismo é uma corrente de pensamento que sustenta a relativização das verdades. Elas passam a ser
construídas socialmente, imersas em relações de poder e concebidas a partir dos processos linguísticos de
significação. Principais autores dessa corrente são: Foucault, Derrida e Deleuze (VEIGA-NETO, 2007).
8
A pós-modernidade se define pela superação de uma visão de mundo sustentada pela modernidade
tecnocrática, positivista e racionalista. Sustenta a ideia de mudança de paradigma ao criticar os padrões
considerados rígidos da modernidade. Questiona o poder totalizante das grandes narrativas modernas. Põe em
cheque a concepção de verdade absoluta, apontando para a primazia do discurso sobre a realidade. Autores como
Bauman (1998, 2001) e Giddens (1991) discutem amplamente esse conceito.
9
O Movimento Institucionalista define uma série de teorias, de práticas e experiências que têm as premissas da
autogestão e da autoanálise com o objetivo de impulsionar experiências coletivas criadoras de novos saberes (cf.
BAREMBLITT, 1992).
17

almejem maior sintonia entre método e objeto de pesquisa (Passos et al., 2010). A opção pela
construção da pesquisa cartográfica feita nesta Dissertação, pressupõe a relação pesquisador-
campo de pesquisa, reconhecendo que o próprio ato do pesquisador interfere no campo ao
produzir conhecimento (MERHY, 2004).

Com o advento da Reforma Sanitária, as transformações no campo da Saúde


inauguram novas questões, as quais culminam na construção do SUS como política pública.
As novas orientações, que introduzem uma mudança no modelo assistencial do país,
dispararam discussões e mobilizaram ações críticas sobre a formação em Saúde. Surgem
iniciativas de mudança, como a implantação de transformações curriculares e as propostas de
novos cursos e de modelos de educação inovadores no campo da Saúde.

Está, assim, colocada a necessidade de transformações na formação, que visem à


inclusão de nova relação entre profissional-usuário, orientada pelo cuidado integral e
humanizado, no qual o profissional esteja apto a trabalhar em equipe e atento ao contexto que
envolve o adoecimento dos sujeitos. É preciso, cada vez mais, que os profissionais de Saúde
sejam capazes de responder a novas necessidades sociais e de fazer valer a orientação das
atuais políticas de formação para a área da Saúde (FEUERWERKER, 2002; BRASIL, 2003,
2006; CECCIM E MERHY, 2009; MERHY, 2010).

Todos esses movimentos do campo da Educação e da Saúde, embora tragam em si


uma potência transformadora, capaz de promover mudanças reais no campo da formação em
Saúde, por si só não oferecem garantia de que tudo funcione bem. Os interesses em jogo são
variados – tais como as forças conservadoras, que impedem movimentos de mudança mais
explícitos, ou ações corporativas, que visam ao fortalecimento de procedimentos técnicos de
determinada categoria profissional – e impedem que o debate da formação multiprofissional
tome corpo e instaure novas lógicas de fazer Saúde (FEUERWERKER, 2002).

Desta forma, há grandes desafios e tensões no processo de formação dos profissionais


de Saúde, que se apresentam em um contexto do qual não se pode fugir: o cotidiano dos fatos,
dos eventos e dos episódios que envolvem a vida dos sujeitos-alvo das ações de Saúde. Aqui
se traz à luz toda uma forma de entender e conceber a formação que comparece em ato no
lócus onde ocorrem as ações de Saúde e que são, ao mesmo tempo, cenários de prática dos
profissionais em formação.

Nesta pesquisa tem-se campo fértil de reflexões e de questionamentos em um


caldeirão de novas teorias e saberes que apontam tendências inéditas nos campos da
18

Educação, da Saúde e da Saúde Mental, os quais convivem com antigas práticas


conservadoras de cuidado e com diferentes modos instituídos.10

Trata-se de um emaranhado de conceitos, de linhas e de saberes que este trabalho tenta


tecer no esforço permanente de efetuar maior aproximação com os componentes da formação
no campo da Saúde Mental a partir da análise do Programa de Residência Multiprofissional
do IPUB/UFRJ.

O encontro com o campo de pesquisa se orientou pela seguinte questão: Como


ocorrem os processos de ensino-aprendizagem dos alunos no curso de residência
multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ?

Pressupondo-se que essa iniciativa se fundamenta em um modelo de formação em


serviço, o objetivo foi investigar os elementos analisadores do processo de construção de
conhecimentos gerais em Saúde e naqueles específicos para Saúde Mental.

O desenho deste curso inclui os pressupostos e os mecanismos pedagógicos que fazem


desta, uma iniciativa de formação singular no que diz respeito aos processos de ensino, de
formação e de transmissão do conhecimento.

Por conseguinte, esta pesquisa busca investigar o processo de aprendizagem e de


construção do conhecimento dos alunos de pós-graduação do Programa de Residência
Multiprofissional em saúde mental do IPUB/UFRJ, considerando os atravessamentos que esta
iniciativa abarca. Para tal reflexão parte-se da análise das narrativas construídas pelos
alunos/preceptores/tutores nos espaços de formação, tendo os impasses do trabalho como
motor investigativo, os quais, por vezes, tomaram a dimensão de acontecimento,11
configurando um evento novo e singular. Ao mesmo tempo, o ato do fazer é formador e
interventor da realidade em que se está inserido.

Aposta-se que a aquisição de conhecimento pode ser analisada por meio das reflexões
e dos desdobramentos das questões provocadas pelo mundo do trabalho. Nessa direção, a

10
Aqui nos referimos a um entendimento de mundo não cartesiano, sustentando a coexistência de diferentes
lógicas, que disputam territórios e a implantação de projetos de mundo diversos. Práticas curativas centradas em
trabalho morto e fundamentadas em tecnologias dura e leve-dura, coexistem com práticas relacionais, de forma
que ambas componham o universo do trabalho em Saúde (Merhy, 2000, 2009). No campo da Saúde Mental
somam-se ainda práticas de cuidado manicomiais, orientadas pela remissão de sintomas e ajuste social, muitas
vezes se interpõe com compreensões mais libertadoras e menos tutelares (Costa-Rosa, 2000). Lógicas
antagônicas coexistem na cena das ações de cuidado em Saúde.
11
Conceito apresentado por Gilles Deleuze (1982) em Lógica do Sentido, onde faz considerações acerca do
acontecimento como evento imprevisto, paradoxal. Diante da narrativa, a busca é a tentativa de construção de
novos significados para dar conta do que lhe acontece.
19

investigação se orientou pelas narrativas, vivências e afecções12 presentes nas experiências de


formação e nos processos de aprendizagem que permearam todos os momentos da proposta
educativa em foco.

As intervenções e a construção de narrativas sobre esse fazer foram capazes de


identificar alguns movimentos presentes nos processos de ensino-aprendizagem em jogo e
acontecendo em ato na cena da experiência de vivência do trabalho.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, baseada em estudo cartográfico,13 em que o


pesquisador acompanhou por quatro meses as atividades pedagógicas instituídas pelo curso de
Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ, da qual participam alunos,
coordenadores, tutores e preceptores14. Essa análise foi complementada por informações
advindas de um diário de campo, construído ao longo do processo de desenvolvimento da
pesquisa com o objetivo de registrar dados significativos acerca da situação examinada.

A pesquisa acompanhou os espaços já instituídos de produção de reflexão e de


construção do conhecimento sobre a prática, os lugares de fala e de produção coletiva, que
constituem um espaço rico de elementos relativos ao processo de formação dos alunos.

Nesta etapa, buscou-se delimitar o modo como o Projeto Político Pedagógico (PPP,
2010), previsto e escrito, se operacionaliza em ato, dando visibilidade aos atravessamentos e
inter-relações em jogo, que fazem deste, um instrumento vivo.

12
Os ‘perceptos’ e os ‘afectos’ são termos apresentados por Deleuze e Guattari como permitindo aberturas,
vibrações e enlaces entre os seres humanos. Seriam pacotes de transformação em desenvolvimento, ao
possibilitarem novos padrões de relação entre as pessoas. Os ‘perceptos’, junto com os ‘afectos’ e os conceitos
conformariam formas de resistir à banalidade da vida. ‘Afectos’ são devires, isto é, transformações, porque
operam modificações na nossa sensibilidade, na visão e nas opiniões. Como exemplo dados pelos autores, a
função do artista é arrancar ‘perceptos’ das percepções e ‘afectos’ das emoções, motivo pelo qual os ‘afectos’ e
os ‘perceptos’ transbordam qualquer vivido: “O que se conserva, a coisa ou obra de arte, é um bloco de
sensações, isto é, um composto de perceptos e afectos. Os perceptos não são mais percepções, são
independentes do estado daqueles que os experimentam; os afetos não são mais sentimentos ou afecções,
transbordam à força daqueles que são atravessados por eles. As sensações, perceptos e afectos, são seres que
valem por si mesmos e excedem qualquer vivido. Existem na ausência do homem, podemos dizer, porque o
homem, tal como ele é fixado na pedra, sobre a tela ou ao longo das palavras, é ele próprio um composto de
perceptos e afectos. A obra de arte é um ser de sensação, e nada mais: ela existe em si.” (DELEUZE e
GUATTARI, 1992, p.213).
“(…) Os perceptos não são percepções, são pacotes de sensações e de relações que sobrevivem àqueles que os
vivenciam. Os afectos não são sentimentos, são devires que transbordam aquele que passa por eles (tornando-se
outro). (…) O afecto, o percepto e o conceito são três potências inseparáveis, potências que vão da arte à
filosofia e vice-versa. (…): o ritornelo implica as três potências.” (DELEUZE, 2004, p.171).
13
Método de pesquisa fundamentado nas ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Este tem sido um método
cada vez mais utilizado em pesquisas que se debruçam sobre o estudo da subjetividade (ROMAGNOLI, 2009).
14
Embora as atividades pedagógicas fossem abertas à participação dos preceptores, no período de realização da
pesquisa não houve a presença de nenhum preceptor nestes espaços.
20

Por meio das narrativas foram identificados alguns conteúdos no processo de


construção de questões reflexivas disparadas pela experiência do trabalho e as possíveis
soluções e/ou desdobramentos construídos pelo grupo a partir da vivência no mundo do
trabalho. Certos processos de construção do conhecimento e temas centrais puderam ser
deflagrados.

Como terceiro desdobramento da pesquisa, a partir do processamento das questões,


alguns encaminhamentos e soluções frente aos impasses foram postos em prática,
constituindo verdadeiras ações interventoras e produzindo transformações e invenções na
realidade, com e para os serviços. Alguns desses efeitos produzidos também puderam ser
capturados por esta iniciativa de pesquisa.

O processamento dos dados tomou como base sua inter-relação com a direção presente
no Projeto Político Pedagógico do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde
Mental do IPUB/UFRJ e pelas políticas de Educação em Saúde e Saúde Mental no âmbito do
SUS.

A partir dessas reflexões é possível afirmar que inúmeras mudanças estão em jogo
nesta pesquisa. Transformação de um método tradicional de ensino, ainda hegemônico no
campo da Educação e no da Educação em Saúde, desordenando o lugar de quem ensina e o de
quem aprende. Transformação da relação entre teoria e prática e da relação estudo-trabalho
com a aposta de que o mundo do trabalho produz conhecimento, não sendo mero campo
prático de aplicação de conteúdos adquiridos previamente. Transformação da própria noção
de competência conforme indicada pelas concepções behavioristas como habilidades
estanques a serem desenvolvidas. Transformação na forma de se efetuar pesquisa, não
orientada por modelos de quantificação da realidade em tabelas e gráficos e, em
consequência, transformação na relação pesquisador-objeto, pondo em cheque o conceito de
neutralidade, muito caro às ciências naturais.15

O processo de transformação acompanhará o desenvolvimento dos capítulos, em que


novos conceitos e arranjos explicativos inovadores vão se agregando e contribuindo para a

15
Conforme apresentado por Minayo (1992) em O desafio do conhecimento; por Santos (2006; 2010) em
Conhecimento prudente para uma vida decente e em Um discurso sobre as ciências. São fundamentais
ainda as contribuições de Passos et al. (2010), em Pistas do método da cartografia; de Kastrup (1999), em A
invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição; de Kastrup, Tedesco
e Passos (2008), em Políticas da cognição; e de Merhy (2004), em O conhecer militante do sujeito implicado:
o desafio em reconhecê-lo como um saber válido.
21

análise do processo de formação e para a construção da cartografia dos movimentos de um


programa de residência multiprofissional.

Esta dissertação é composta de quatro capítulos. O primeiro, propõe uma reflexão a


respeito do campo da ciência, introduzindo novos referenciais epistemológicos adequados
para promover a revisão de alguns conceitos, como neutralidade e objetividade, repensando a
relação pesquisador-objeto de pesquisa e possibilitando a criação de novos métodos de
investigação da realidade. O objeto de análise não é nada simples e sim multifacetado,
composto por uma cena com inúmeros vetores, os quais interferem simultaneamente no
processo de investigação. Ascender aos processos é se interessar pelo que se mostra como um
potencial no plano 16 em que se dá a intervenção.

No capítulo inicial circunscrevem-se os referenciais científicos que orientam esta


investigação, endossando a construção dos procedimentos metodológicos utilizados. Trata-se
de uma pesquisa cartográfica, que se interessa em investigar processos por meio das
narrativas dos atores envolvidos na experiência de formação do programa de residência.

Santos (2010), Silva (2011), Passos et al. (2010) e Minayo (2011) dão a conhecer a
reflexão, que, junto com Merhy (2004), aborda a construção do conhecimento realizado pelo
sujeito envolvido no processo da pesquisa, uma vez que, nesta investigação, a pesquisadora se
encontra mais do que interessada em seus resultados, por estar diretamente comprometida.

A aproximação com o tema da Educação em Saúde apresentou antigos e novos


autores, cujas ideias são trabalhadas no segundo capítulo. Dentre eles destacam-se: Foucault,
Deleuze, Larossa, Santos, Silva, Ceccim, Merhy e Feuerwerker, dentre outros, que agora, sob
o viés da Educação, em sua articulação com a Saúde, possibilitaram revisitar conceitos,
aprofundar outros e descobrir vários, de forma a pensá-los num processo de produção e de
transformação de realidades estabelecidas, acarretando consequências fundamentais para a
formação e para as práticas em Saúde.

Quanto aos processos educativos em Saúde, vale entendê-los como relações


complexas, em que vários são os elementos relacionados, construindo-se o conhecimento sob
a forma de espiral, em constante idas e vindas, durante as quais os saberes vão se
sedimentando, impulsionando novos outros conhecimentos, capacidades de análise mais e

16
O método cartográfico orienta um trabalho de pesquisa-intervenção, identificando o local em que se dará a
intervenção mais como plano onde vai ocorrer, do que como campo (PASSOS e BENEVIDES, 2000).
22

mais elaboradas e complexificando o entendimento do mundo, das práticas e das próprias


ações.

Dessa forma, novos elementos e conceitos surgem e se mostram pertinentes ao


processo de investigação do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do
IPUB/UFRJ, para onde convergem os pontos anteriormente descritos.

O terceiro capítulo destina-se à apresentação do Programa de Residência


Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ, a partir do Projeto Político Pedagógico
(IPUB, 2010), documento central, produzido pela Coordenação do Programa, que aponta
orientações, constrói dispositivos pedagógicos de formação e de acompanhamento dos alunos,
cria formatos e metodologias de avaliação e de material informativo sobre a organização do
curso.

O PPP é instrumento que funciona como indicador da maneira como o curso dialoga
com as orientações para a formação tanto no campo da Educação quanto no da Saúde,
trazendo importantes elementos para a compreensão da dinâmica em jogo nessa experiência.

O quarto capítulo é amplo e dedicado a apresentar a cartografia dos movimentos de


formação construída a partir do acompanhamento dos espaços pedagógicos do Programa de
Residência Multiprofissional em saúde mental do IPUB/UFRJ.

No processo de construção da cartografia foi possível identificar três movimentos


presentes na efetivação dessa proposta pedagógica, que se encontram entrelaçados e inter-
relacionados: o processo de construção do curso, o processo de formação dos alunos e o
processo de transformação institucional.

O primeiro movimento expõe o modo como os elementos constitutivos e descritos no


PPP conversam e se inter-relacionam com as experiências dos alunos e da própria instituição.
Cada elemento do PPP, como os operadores do cuidado e os três dispositivos pedagógicos, se
articula com o campo, pondo em movimento o PPP e tornando-o um instrumento vivo em ato.

O segundo movimento tem como foco o processo de formação dos alunos. Nesta seção
são apresentados alguns núcleos temáticos, que aparecem por meio da construção de questões
de impasse, as quais mobilizam conteúdos, promovem reflexões, demarcam posicionamentos
e despertam afecções. São temas promovidos pelo trabalho, da mesma forma que disparam a
construção de respostas individuais e coletivas. Certas dificuldades e possibilidades de
movimento frente aos impasses clínicos e institucionais aparecem também.
23

O terceiro movimento se ocupa em recolher alguns efeitos dessa proposta formativa no


funcionamento e organização da instituição. Alguns movimentos incipientes, algumas ações
concretas, micro e macropolíticas, produziram efeitos no contexto institucional, operando
furos no muro de forma múltipla: nos alunos, nos pacientes, nos
coordenadores/tutores/preceptores e na própria instituição.

As conclusões, embora provisórias, arriscam-se a dar um fechamento a esse processo


investigativo, tentando extrair as consequências dessa experiência. As questões iniciais que
abriram essa pesquisa são retomadas com a possibilidade de serem respondidas ou
reelaboradas. Muito se descobriu, se produziu e se construiu ao longo desse processo
investigativo. Mudamos todos, Programa, alunos, instituição, coordenação, tutores,
preceptores e pesquisadora.

Acerca do Programa de residência foi possível afirmar a sua capacidade formativa e


sua potência de intervenção concreta na instituição-campo de estágio. Por meio das narrativas,
os movimentos cartográficos foram se construindo. As relações ganharam visibilidade,
permeadas de tensões, de disputas, de sofrimentos e de dificuldades, mas também de muita
produção.

Alguns efeitos puderam ser recolhidos, mudanças na realidade dos serviços, na vida
dos pacientes, na formação dos alunos. A formação, na medida em que produz a
aprendizagem para o exercício profissional, também dá lugar a diferentes modos de
subjetivação, a outras maneiras de compreender a saúde, favorecendo a constituição de um
novo sujeito atento à peculiaridade da clínica e comprometido com os princípios e diretrizes
do SUS (CECCIM e PINTO, 2007).

Fica a certeza de que um processo educativo é sempre o de formação não apenas


profissional ou subjetivo, mas também pessoal e coletivo.

A inter-relação entre Educação, Saúde e Saúde Mental, aqui estabelecida, afina-se com
a proposta formadora analisada, ao mesmo tempo em que foram identificados impasses e
dificuldades na execução do programa e na aplicação de seus mecanismos pedagógicos,
demandando a revisão e a construção de novas estratégias, sem abrir mão do que é
inegociável: a sustentação de uma formação para o SUS.

As dificuldades desveladas podem subsidiar uma reflexão sobre a implantação do


curso e redefinir novos rumos para o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde
Mental do IPUB/UFRJ.
24

Nesta pesquisa sustentamos que a aquisição de conhecimento pode ser analisada por
meio dos fazeres do mundo do trabalho. As intervenções e a possibilidade de construção de
narrativas sobre esse fazer tornam possíveis as identificações de processos educativos, de
processo de ensino-aprendizagem em ato na cena da experiência de vida.

Defender que toda pesquisa é intervenção exige do cartógrafo um mergulho no


plano da experiência, lá onde conhecer e fazer se tornaram inseparáveis, impedindo
qualquer pretensão à neutralidade ou mesmo suposição de um sujeito e de um objeto
cognoscentes prévios à relação que os liga. (...) Conhecer é, portanto, fazer, criar
uma realidade de si e do mundo, o que tem consequências políticas. (PASSOS et al.,
2010, p.30)

A direção mais forte que esta pesquisa coloca, está fundamentada na radicalidade da
aposta de que todo processo do conhecimento acarreta uma transformação da realidade!

Este estudo mostra-se fundamental no sentido de produzir conhecimento sobre as


formas e os meios em que a formação de profissionais em Saúde no Brasil ocorre,
fortalecendo o campo da Educação em Saúde, da formação em serviço e das residências
multiprofissionais em Saúde e Saúde Mental. A pesquisa contribui para dar materialidade às
novas iniciativas de formação em Saúde orientadas por preceitos inovadores e recursos
metodológicos.
1. EM BUSCA DE NOVOS REFERENCIAIS EPISTEMOLÓGICOS

“Em nossas vidas e instituições culturais, temos


remexido em qualidades com instrumentos destinados a
detectar quantidades. Com que padrão de medida se
avalia uma sombra, a chama de uma vela? O que é
avaliado num teste de inteligência? Onde, no
equipamento à disposição do médico, está a vontade de
viver? Qual o tamanho de uma intenção? Qual é o peso
de um aborrecimento, a profundidade de um amor? Não
podemos quantificar relacionamentos, conexões,
transformações. Nada no método científico pode
competir com a riqueza e a complexidade das mudanças
qualitativas.” (FERGUSON, 1994, p.167)

As ciências sociais e humanas debatem-se frente à impossibilidade de reduzir os


acontecimentos históricos a leis e com a dificuldade de lidar, a partir de métodos
quantitativos, com fenômenos como a ação e os eventos processuais.

A construção de um capítulo a respeito dos campos de pesquisa científica se tornou


necessária, pois muitos foram os questionamentos enfrentados para a sustentação de uma
investigação não orientada por métodos quantitativos de coleta de dados. Estudar a aplicação
de novas metodologias, visando à produção de uma resposta mais adequada à questão de
pesquisa colocada por esta dissertação, promoveu a aproximação com um importante debate
travado no campo das ciências (SANTOS, 2006; 2010).

Questões em torno do estatuto da ciência e da forma de se produzir ciência que seja


valorizada nos ambientes acadêmicos e alvo de investimentos financeiros sustentam a crença
de que a produção do conhecimento é privilégio dos métodos de pesquisa das ciências
naturais. Esse é um tema discutido de forma tímida na instituição de pesquisa médica em que
esta pesquisa se insere, uma vez que ela se vincula ao Programa de Pós Graduação que é
qualificado na área de Medicina II pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES).17

Esse fato comporta, desde o início, uma contradição, pois esta pesquisa se orientou por
referenciais diferentes dos previstos pelo campo das ciências naturais. Contudo, nas últimas

17
O Sistema de Avaliação da Pós-graduação foi implantado pela CAPES em 1976 e, desde então, vem
cumprindo papel de fundamental importância para o desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa científica
e tecnológica no Brasil. A CAPES conta atualmente com quarenta e oito Áreas de Avaliação. Disponível em:
<http://www.capes.gov.br/avaliacao/avaliacao-da-pos-graduacao>.
26

décadas podem-se perceber movimentos de transformação no campo da ciência, como, por


exemplo, o comunicado nº003/2012 da CAPES, 18 que sinaliza para maior permeabilidade às
temáticas multidisciplinares e transdisciplinares.

Questões em torno do lugar que essa pesquisa ocupa no mundo da ciência e aquelas
relativas ao envolvimento do pesquisador com o campo pesquisado colocavam em cheque,
durante certos momentos, o valor científico dessa produção.

Neste capítulo expomos as contribuições que importantes autores têm produzido para
a construção de novos referenciais epistemológicos, proporcionando um alargamento da
concepção de ciência e, consequentemente, do que pode ser incluído no âmbito científico.

Abre-se espaço para a criação de novas metodologias e para os desenhos de pesquisa


inovadores, capazes de se ocuparem de investigações presentes no universo das ciências
humanas e dos acontecimentos do mundo na forma como se apresentam, com
atravessamentos e variáveis intervenientes, de acordo com as orientações desta iniciativa de
pesquisa.

Na busca pela opção metodológica que melhor pudesse contribuir para este processo
investigativo, encontramos importantes autores, como Morin, Santos, Passos e Barros,
Minayo e Merhy, na medida em que introduzem conceitos capazes de construir outros
modelos de conhecimento. Essas transformações na forma de conceber e de produzir ciência
possibilitam diferentes relações entre o sujeito que deseja conhecer e o objeto a ser conhecido,
segundo os novos paradigmas de nosso tempo.

Os autores citados acima têm-se ocupado, cada vez mais, em propor diferentes
métodos de análise das realidades. Instituem não apenas outras formas de construir
conhecimento, como propõem uma transformação no entendimento do que vem sendo
considerado científico, que é orientado pelo positivismo e sustentado pelas ciências naturais.
Conceitos como neutralidade, exterioridade e objetividade passam a ser relativizados e, em
outros momentos, desconstruídos no momento histórico denominado pós-modernidade por
muitos autores.

A modernidade se caracterizava por uma forma de articular saberes e práticas que


eram assegurados por certo modo de produzir conhecimento e fazer ciência (Giddens, 1991).
Acreditava-se que, na tentativa de eliminar interferências, o controle de variáveis era o

18
BRASIL, MEC-CAPES. Comunicado nº003/2012 - Área de Medicina II. Considerações sobre
multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade na área. 05 de abril, 2012.
27

caminho para ascender à verdade, a qual teria valor absoluto nesse contexto. Em semelhante
forma de pensar não haveria lugar para o ruído nem para as mudanças, desconsiderando tudo
que não coubesse em suas explicações rígidas e estáticas (OLIVEIRA e SGARBI, 2008).

Em um mundo complexo e de inúmeros atravessamentos, as dimensões de verdade,


neutralidade e interferência passaram a ser questionadas. Foucault é um dos autores que
rejeitaram as tentativas de totalização, as quais procuravam explicar a diversidade dos
acontecimentos a partir da unidade, de certezas prontas e de realidades permanentes. Tornou-
se preciso modificar a maneira de olhar, de modo a poder incluir outras coisas, que ficam de
fora na compreensão clássica de ciência (VEIGA-NETO, 2007; GALLO e VEIGA-NETO,
[s/d]).

Com o advento da pós-modernidade, surgem novos elementos para pensarmos o


mundo, redefinindo referências e possibilitando outros caminhos possíveis a fim de
chegarmos ao conhecimento.

Boaventura S. Santos propõe a revisão dos caminhos percorridos pela sociedade na


construção dos conhecimentos validados como ciência e suas ciências. Em “Conhecimento
prudente para uma vida descente” (2006), esse estudioso pensa um modelo de ciência que
seja capaz de proporcionar melhores condições de vida para a população; em suma: “Que
tenha cor, sabor e cheiro. Que seja mais lúcida, mais solta.” (SANTOS, apud OLIVEIRA e
SGARBI, 2008, p.58).

Oliveira e Sgarbi (2008) retomam a afirmação de Maturana: “vale mais a melhor


versão de um fato do que o fato em si” (p. 29). A conclusão extraída dessa reflexão é que há
diferentes caminhos explicativos para o mesmo fato, o que nos aproxima da relação existente
entre ciência e vida cotidiana.

Esses autores anunciam a crise do paradigma do conhecimento:

Há três séculos, o conhecimento científico não faz mais do que provar suas virtudes
de verificação e de descoberta em relação a todos os outros modos de
conhecimentos. É o conhecimento vivo que conduz a grande aventura da descoberta
do universo, da vida, do homem. (MORIN, 2000, p. 15-6)

Silva, T.T. (2011) introduz uma forma inovadora de pensar a ciência, que difere da
ciência positivista. Nesse contexto dá-se lugar a novas experiências, a inéditos métodos de
pesquisa que visam abarcar o mundo, considerando e incluindo toda a sua complexidade.
Nesse mundo complexo, interessa-nos o debruçar-se sobre os processos, sobre os
acontecimentos multirreferenciados, multideterminados.
28

Minayo considera que a pesquisa qualitativa não se preocupa em quantificar, mas em


conseguir “explicar os meandros das relações sociais consideradas essência e resultado da
atividade humana criadora, afetiva e racional, que pode ser aprendida através do cotidiano,
da vivência, e da explicação do senso comum” (MINAYO, 1992, p.11).

Santos (2010) afirma que todo conhecimento é socialmente construído e que sua
objetividade não implica neutralidade. A contribuição desse estudioso chama a atenção para a
complexidade das condições sociológicas e psicológicas presentes em nossa capacidade de
elaborar perguntas sobre a realidade, de modo que a busca por respostas se torna um desafio.
O autor apresenta as principais reflexões que possibilitam o desenvolvimento de novo
paradigma científico, mais capaz de investigar dados não quantificáveis e impossíveis de
serem extraídos de sua complexidade.

Na necessidade de trazer para a análise os atravessamentos da vida, esta investigação


encontra conexão com alguns pontos da teoria da complexidade de Morin et al. (2003). Nesse
livro, os autores trabalham o método como estratégia aberta, incluindo o imprevisto e o novo
e tirando proveito dos erros do percurso. Esse autor diferencia método e programa, afirmando
que o segundo se baseia em certezas estabelecidas e ordenadas. Considerando que a realidade
é mutável e incerta, é possível que haja outra concepção do método:

(...) o método como caminho, ensaio gerativo e estratégia ‘para’ e ‘do’ pensamento.
O método como atividade pensante do sujeito vivente, não-abstrato. Um sujeito
capaz de aprender, inventar e criar ‘em’ e ‘durante’ o seu caminho. (MORIN et al.,
2003, p.18)

Essa forma de pensar se organiza de forma contrária a tudo o que antes estava
estabelecido no entendimento do que era considerado científico, isto é: o princípio da não
contradição, as concepções lineares de tempo e de causalidade, a validação empírica do
conhecimento e a divisão dos problemas em questões mais simples. Esses preceitos, mais do
que orientadores de métodos, constituíam a forma de organização do trabalho, a visão de
mundo dos homens de seu tempo (ESTRADA, 2009).

Na concepção de Morin (2000), o debate metodológico contemporâneo introduz o


conceito de rigor em novo contexto, em uma arena de intersubjetividade e no reconhecimento
de que o processo de legitimação do fazer científico insere-se em um jogo de poder entre
discursos:

Complexus significa o que foi tecido junto... há um tecido interdependente,


interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes
e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união
entre a unidade e a multiplicidade”. (MORIN, 2000, p.38)
29

Abre-se um campo para novos projetos de pesquisa, para múltiplos desenhos


metodológicos, pressupondo outras relações entre sujeito e objeto, nas quais a ação do sujeito
não pode ser separada da produção do conhecimento. Esse campo se mostra dinâmico, móvel
e em processo, colocando uma dificuldade metodológica no campo da pesquisa científica pela
impossibilidade de quantificação e de apreensão completa do fenômeno investigado.

Desenha-se um contexto diversificado, diante do qual alguns cuidados devem ser


tomados:

Cuidado, por exemplo, de perceber as recorrências sem transformá-las em


generalizações; cuidado em não transformar o meu sistema de crenças e valores em
verdades a priori; cuidado de não confundir rigor com rigidez; cuidado de não
relaxar o rigor pela tentativa de conquistar uma linguagem que mais se aproxime das
cotidianidades; cuidado em não revestir as relações positivistas com o conhecimento
de apenas uma linguagem amena que as camufle. Cuidado que, sinto, expressam
alguns medos, alguns fantasmas que, inevitavelmente, terei de enfrentar. (SGARBI e
OLIVEIRA, 2008, p. 20)

Em campo, onde a vida se dá, todos são invadidos pela complexidade da realidade e
das subjetividades, cujo conhecimento, enquanto portador da verdade, traz em si a capacidade
de previsibilidade e não é capaz de oferecer respostas à inusitada vida como ela é
(ROMAGNOLI, 2009).

Foucault (2000) tem o poder de nos inquietar e, de certa forma, forçar a nossa reflexão
quando afirma não haver universais capazes de dar conta do mundo. As verdades, teorias e
conceitos são instáveis, relativos, construídos e desconstruídos continuamente.

O Uno, o Todo, o Verdadeiro, o objeto, o sujeito, não são universais, mas processos
singulares, de unificação, de totalização, de verificação, de objetivação, de
subjetivação, imanentes a um determinado dispositivo. E ainda, cada dispositivo é
uma multiplicidade na qual operam determinados processos em devir, distintos
daqueles que operam em outro. (DELEUZE, 1999, p.4)

É imerso na complexidade da vida e dos processos de trabalho em saúde que vem a ser
possível assumir a postura epistemológica de produzir conhecimento a partir da experiência
cotidiana. Torna-se possível entender o conceito de cotidiano como um paradigma para várias
interrogações sobre o poder, as instituições e as representações sociais, afirmando seu lugar de
espaço-tempo na produção de conhecimento.

O conceito de cotidiano trás, em si, uma importante ambiguidade, pois, ao mesmo


tempo em que é o que se repete, é também o inesperado: “É o banal e também o que se abre
ao inusitado e ao novo, é a rotina e a invenção” (LANA e FRANÇA, 2008, p.2).

Com base nesse conceito existe uma longa série de debates, sobre o que é
conhecimento, como produzi-lo, quem está autorizado a fazê-lo, quais orientações são
30

consideradas legítimas: “O cotidiano... é a própria rede em que os conhecimentos todos se


misturam na invenção da vida social.” (OLIVEIRA e SGARBI, 2008, p.65).

Uma ciência que, pensada pelos cientistas a partir de rígidos e rigorosos


pressupostos com base numa lógica que prioriza a objetividade, principalmente pela
separação entre sujeito e objeto, como se o mundo estivesse dado independente da
experiência humana, passa a ser pensada por outros cientistas que compreendem
que, por exemplo, essa separação não nos conduziu a verdades absolutas, pois a
dinâmica do mundo e da vida cotidiana não nos permite estabelecer leis definitivas.
(OLIVEIRA e SGARBI, 2008, p.50)

Desta forma, distante dos mecanismos rigorosos e normativos das pesquisas


tradicionais, é possível afirmar que, nos novos modelos e tendências, o ônus do rigor
científico fica sob o poder do autor-pesquisador:

É a possibilidade de explicitar as normas que regem a coleta e análise dos dados; os


pressupostos teóricos e metodológicos que o orientam na interpretação; e o
posicionamento no debate epistemológico que garantem o rigor na polissemia que
marca o fazer em ciência na contemporaneidade. (MORIN et al., 2003, p.35)

Nesta pesquisa, o interesse em estudar os processos de ensino aprendizagem de um


programa educativo em curso, tornou preciso que nos ativéssemos ao cotidiano, pois era lá
que se encontrava o objeto de estudo. O desafio, então, foi a construção de novos referentes
epistemológicos, capazes de investigar processos, ao examinar as experiências não
quantificáveis dos sujeitos imersos em realidades complexas:

Quando tentamos reconstruir no pensamento aquilo que vivemos cotidianamente, é


constante aparecerem lacunas e falhas em nosso fluxo de pensamento, como um
quebra-cabeça cujas peças se recusam a compor uma imagem completa. (ELIAS,
apud OLIVEIRA e SGARBI, 2008, p.22).

Viver é confrontar-se com coisas vagas. O mundo não é um laboratório onde os


fenômenos se encontram decantados, isolados, controlados a bel-prazer do
experimentador que com ele joga para descobrir uma verdade transcendente,
incontestável, pois que depurada sob a forma de correlações fortes entre variáveis
evidentes. (ABRAHM MOLES, apud OLIVEIRA e SGARBI, 2008, p. 24)

Na forma tradicional de conceber a ciência, os conhecimentos teóricos se encontram


em escala superior aos conhecimentos práticos; logo, esta é a primeira transformação
sustentada por este estudo.

Seguindo a linha de pensamento desses autores, a pesquisa se apresenta inserida em


outra perspectiva de produzir conhecimento. Para Estrada (2009), o paradigma clássico, que
circunscreve os parâmetros de atuação da ciência moderna, passa a não dar conta de pensar
todos os processos de investigação da realidade. Essa constatação, cada vez mais presente no
âmbito das ciências sociais e humanas, aponta para a existência de limites na abrangência
31

dessa forma de produzir conhecimento. O paradigma clássico perde a pretensão de ter o


domínio “universal”, deixando de estar apta a explicar todas as coisas.

Novos formatos de investigação da realidade se fundamentam em outros pressupostos,


ampliando a capacidade de investigar fenômenos que não eram possíveis de serem
apreendidos pelos métodos tradicionais. Nesta direção, surge a possibilidade de lançar mão de
novas perspectivas metodológicas, entendendo que o pesquisador está sempre envolvido no
plano de ação, de forma que a sua intervenção no plano modifica o objeto e deste modo, altera
tudo que é dado por sua posição nas relações sociais e na rede institucional, afetando as
relações entre eles: “Todo conhecimento se produz em um campo de implicações cruzadas,
estando necessariamente determinado nesse jogo de forças: valores, interesses, expectativas,
compromissos, desejos, crenças etc.” (PASSOS et al., 2010, p.19).

Ao mesmo tempo, é preciso que se tome em conta que a inseparabilidade entre o


processo de conhecer e fazer está colocada a toda e qualquer pesquisa, pois cada uma é, em si,
intervenção no campo de investigação, uma vez que objeto, sujeito e conhecimento são
coemergentes do processo de pesquisar (PASSOS et al., 2010).

Merhy (2004) nos ensina que não há pesquisa desinteressada nem pesquisador neutro.
Desta forma, é possível olhar para alguns movimentos e tomá-los em análise de dentro do
processo e, talvez, somente de dentro, ao mesmo tempo em que nos tomamos em análise na
qualidade de sujeitos sociais. Integramos o processo e, em função disso, não podemos dele ser
extraídos.

No sentido de clarear os atravessamentos presentes neste estudo e cientes da


inseparabilidade sujeito-objeto, faz-se fundamental efetuarmos uma análise do envolvimento
da pesquisadora, por ser, concomitantemente, ao mesmo tempo, membro da equipe de
coordenação do curso.

Merhy (2004), no texto O conhecer militante do sujeito implicado: o desafio em


reconhecê-lo como saber válido, trabalha o conceito de sujeito ‘implicado’, diferenciando-o
do sujeito ‘interessado’ na pesquisa. Sobre o pesquisador implicado no processo de pesquisa,
o autor aponta:

Você é o pesquisador e o pesquisado. E, assim, o analisador e o analisado. Você é


um sujeito militante que pretende ser epistêmico e os desenhos de investigação que
temos como consagrados no campo das ciências não dão conta deste tipo de
processo. (MERHY, 2004, p.2)
32

Um dos pontos de complexidade desta investigação começa com o reconhecimento de


que a pesquisadora se encontra diretamente implicada no campo em que a pesquisa se
desenvolve. Somente em meio a questionamentos imbricados no cotidiano do curso foi que a
formulação desta questão de pesquisa, com este desenho próprio, se fez possível.

A construção do curso e seus mecanismos pedagógicos, mais do que deflagrarem


determinada condução dada pela coordenação e, por isso, uma aposta ideológica, denunciam,
ao mesmo tempo, uma opção teórica e metodológica fundamentada cientificamente por
legislações e autores que conduzem a política e ajudam a pensar o campo da Educação, o da
Saúde e o da formação em Saúde.

Por conseguinte, além de sujeitos interessados, existem sujeitos implicados no


processo de formação. Da mesma forma, as possíveis conclusões encontradas são
fundamentais para sustentar transformações e conduzir aperfeiçoamentos necessários no
processo de desenvolvimento e de avaliação do curso.

Merhy (2004) esclarece, ainda, que temos trabalhado com dois grandes caminhos
científicos para conformar os processos de investigação na Saúde Coletiva:

De um lado, o mais consagrado deles, em termos de reconhecimento e aceitação


pelos pares, é composto por estudos que obedecem a desenhos investigativos, nos
quais é claro e fundamental a separação entre o sujeito do conhecimento e o seu
objeto de estudo; de outro lado, ainda consagrado, mas não tão hegemônico como o
anterior, é o conjunto dos estudos que reconhecem a íntima relação entre sujeito e
objeto, criando métodos de pesquisas que transformam esta “relação-contaminação”
em componente dos procedimentos epistemológicos, e que devem ser trabalhadas na
investigação da forma a mais objetiva possível. (MERHY, 2004, p.3)

A constatação de um novo método aplicado à pesquisa de Educação em Saúde,


somada à análise da implicação do pesquisador no processo, acaba por aumentar ainda mais a
responsabilidade aqui envolvida. A posição ética e reflexiva do pesquisador exige que ele se
mantenha fidedigno ao material apresentado pelo grupo, cujos indicadores foram analisados e
se mostraram, por si só, desveladores dos processos reais presentes nas situações de análise:

Inclusive, este desafio alarga-se, na medida em que devemos imaginar que a


produção da validação de um saber militante, como conhecimento legítimo e saber
para os outros, passa também pela própria exposição dos interlocutores acadêmicos
ou científicos nas suas implicações, não só nos seus interesses. Estes devem assumir
como uma necessidade comunicativa (na linha habermasiana) que o processo de
validação ocorrerá pelos diálogos das várias implicações em jogo, que se
reconhecerão dando sentidos entre si, mesmo que se oponham, posicionando-se no
espaço público quanto a este processo de validação do saber e de suas
consequências. (MERHY, 2004, p.3)

Passemos agora a uma clara explanação sobre a situação de pesquisa e os


procedimentos metodológicos utilizados na produção do material cartográfico trabalhado.
33

1.1 Metodologia e procedimentos metodológicos da pesquisa

Foi na direção dessa reflexão acerca do campo das ciências que esta pesquisa se
construiu, sendo composta por várias etapas de construção metodológica. Na primeira,
detivemo-nos em ampla revisão bibliográfica sobre os temas da Educação e da Educação em
Saúde, com a identificação de autores e de conceitos fundamentais para o campo da formação
em Saúde, que foram decisivos na definição do desenho metodológico escolhido.

Um segundo momento se destinou à análise documental, quando examinamos o


Projeto Político Pedagógico do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental
do IPUB/UFRJ e seus mecanismos pedagógicos, assim como as principais legislações
reguladoras voltadas à formação de profissionais de Saúde no Brasil.

A terceira etapa consistiu em uma imersão no campo da realidade do Programa de


Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ, por meio da utilização do
método cartográfico, um método qualitativo cada vez mais empregado em pesquisas no
campo das Ciências Sociais, da Educação e da Saúde Coletiva.

O trabalho de campo manteve o foco nos espaços previstos no Projeto Político


Pedagógico: o espaço de Educação Permanente, as tutorias individuais e coletivas e a análise
do portfólio reflexivo, pela qual procuramos identificar as situações de impasse cotidiano e a
forma como foram trabalhadas pelos alunos, na tentativa de extrair os processos formativos
em jogo.

Cartografar é disponibilizar-se a acompanhar a tessitura das relações estabelecidas,


dando consistência ao processo a ser analisado, visualizando a sua estrutura e sua condição de
inventividade (KASTRUP, 1995).

Por estarmos imersos no mundo complexo da pós-modernidade, as ferramentas


metodológicas que possibilitaram o avanço científico não são capazes de dar conta de todo o
processo investigativo. Ao seguir essa linha reflexiva, Romagnoli, (2009) afirma tratar-se da
manutenção de uma postura crítica contínua, alicerçada pela postura epistemológica de
humildade, quando abrimos mão da busca pela verdade.

Diferente da etnografia, que se debruça sobre o rotineiro, sobre o que está previsto
(Rosaldo apud Bohes, 2000), a cartografia abarca a possibilidade de estudar a complexidade
do fenômeno, aproximando vida e pesquisa. Segundo Romagnoli (2009), a cartografia pode
34

ser definida como um modo de conceber a pesquisa e o encontro do pesquisador com o


campo.

Considerando o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB,


uma análise do instrumento que define a semana-padrão do residente possibilitaria o acesso a
uma programação ‘no papel’ de como está prevista a organização do trabalho do aluno, mas
de forma alguma comporta o inesperado, o que realmente acontece, o jogo de forças e
variados eventos que, em ato, atravessam a execução da programação.

Seguindo as indicações dos autores que embasam este estudo, “o imprevisto é o que
acontece”, pelo que esta pesquisa se lança ao encontro do que não está no papel e sim nos
acontecimentos da vida. Detém-se a experiência enquanto vivência ordinária, que entrelaça
sujeito e meio ambiente. Ela se caracteriza por um corte na continuidade e é isso que produz a
possibilidade de serem configurados novos possíveis (LANA e FRANÇA, 2008).

Neste aspecto, ao acompanhar o modo como os alunos têm conseguido lidar com as
situações do trabalho, a cartografia nos ajuda a registrar a relação dessa experiência de
enfrentamento com as soluções construídas e com o processo de formação dos alunos como
profissionais em Saúde Mental.

O método cartográfico tem como objetivo acompanhar processos que acontecem em


alguns cenários, cujo interesse é investigar a forma pela qual foi possível chegar a
determinado resultado, mais do que aferir o resultado final. Dessa maneira, a pesquisa
acontece onde a realidade se dá, na cena de seu acontecimento, com os atores envolvidos nele,
definidos aqui pelos protagonistas do processo de formação: alunos, preceptores e tutores do
Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ.

Esta pesquisa ocorreu nos espaços previstos para o curso, uma vez que, a fim de
manter a coerência interna de suas orientações teórico-metodológicas, não era pertinente
forjar novos espaços, criando uma situação avaliativa, a qual, em virtude de seu caráter de
artificialidade, poderia pôr em risco a opção metodológica realizada. O objetivo central da
pesquisa foi identificar processos e movimentos, mais do que atores individualizados,
analisando as gravações e as anotações da coleta de dados exclusivamente em seu conteúdo.

Mesmo considerando o exposto acima, alguns cuidados foram tomados no processo de


coleta de dados, posto que uma reflexão ética acerca da aplicação da pesquisa exigiu que a
pesquisadora se afastasse das atividades organizativas da residência no período de quatro
meses (setembro a dezembro de 2012) durante a pesquisa de campo. Nesse tempo, a
35

pesquisadora participou dos espaços pedagógicos com o objetivo de cartografar os processos


e os movimentos que o coletivo dos alunos trabalhou na interação com tutores e preceptores.

Todos os esclarecimentos foram prestados aos alunos/preceptores/tutores no tocante à


realização da pesquisa, facultando-lhes a participação ou não, esclarecendo que, qualquer que
fosse a decisão, não haveria prejuízo para a realização das atividades ou para a formação dos
alunos. Vale registrar que não houve recusa nem por parte dos alunos nem dos tutores ou dos
preceptores. Os espaços coletivos e as falas circulantes foram utilizados sem qualquer
restrição ou limitação.19

Importante destacar que toda e qualquer informação extraída dos espaços coletivos,
tutoriais ou do portfólio reflexivo tiveram total garantia de anonimato, pois o importante, para
a análise, foi o processo, o conteúdo em si, não sendo relevante a pessoa física, emissora da
informação.

Durante todo o desenvolvimento da pesquisa, o pesquisador utilizou também um


diário de campo, importante acessório para o registro das impressões recolhidas sobre as
atividades acompanhadas no processo de formação dos alunos.

A cartografia dos espaços pedagógicos destacou algumas narrativas, recurso bastante


utilizado no contexto educativo como metodologia de investigação e de desenvolvimento
pessoal e profissional de professores e alunos (Reis, 2008, p.1). Para esse autor, o estudo das
narrativas tem sido um facilitador na construção de conhecimentos e no desenvolvimento de
capacidades e atitudes, no desenvolvimento pessoal e profissional de professores e nos
processos de investigação educativa.

No que concerne à neutralidade, Passos et al. (2010) afirmam:

Defender que toda pesquisa é intervenção exige do cartógrafo um mergulho no


plano da experiência, lá onde conhecer e fazer se tornam inseparáveis, impedindo
qualquer pretensão à neutralidade ou mesmo suposição de um sujeito e de um objeto
cognoscentes prévios à relação que os liga. (PASSOS et al., 2010, p.30)

19
Todos os alunos/preceptores/tutores foram esclarecidos quanto à realização da pesquisa, tendo a possibilidade
tanto de se recusar a dela participar, quanto de desistir de participar em qualquer tempo durante sua realização.
Neste caso, a recusa em participar como sujeito da pesquisa poderia ser exercida de duas formas: participar dos
espaços coletivos e ter as suas falas e intervenções desconsideradas, isto é, não incluídas na análise dos dados; ou
se recusar a participar dos espaços coletivos. No segundo caso, por ser aluno, as reflexões sobre o trabalho e sua
formação poderiam ser acolhidas em espaços menores com seu preceptor/tutor, mas sem a presença do
pesquisador. Se a recusa partisse de algum preceptor/tutor, este poderia ser substituído na realização das
atividades coletivas. Quanto ao portfólio reflexivo, o aluno poderia recusar que o seu material fosse analisado
pelo pesquisador para fins da coleta de dados referente à pesquisa.
36

É no plano, na cena, que a produção do conhecimento se constitui: “Conhecer é,


portanto, fazer, criar uma realidade de si e do mundo, o que tem consequências políticas”
(Passos et al., 2010, p. 30). Desta forma, para conhecer o caminho de constituição de
determinado objeto ou de processos é preciso caminhar com esse objeto, acompanhar o seu
percurso de constituição.

No campo da clínica, assim como o da pesquisa em Saúde e em Educação é sempre de


narrativas que falamos. Todos assumem uma forma de narrar fatos, acontecimentos e ações,
situação que fala, em qualquer ocasião, de uma posição narrativa.

Passos et al. (2010) defendem que podemos pensar a política da narratividade como a
posição que assumimos em relação ao mundo e a nós mesmos. Definimos uma forma de
expressão do que se passa: “sendo assim, o conhecimento que exprimimos acerca de nós
mesmos e do mundo não é apenas um problema teórico, mas um problema político.”
(PASSOS et al., 2010, p.151).

Essa dimensão é fundamental para efetuarmos a análise das narrativas coletadas nos
espaços de formação do curso. Elas deflagram posições, construções teóricas e políticas,
direções de trabalho, crenças, valores e focos de ação. Falam de possibilidades e de limitações
subjetivas, profissionais e, mesmo, pessoais. Desta forma, a dimensão subjetiva dos sujeitos
da pesquisa está incluída aqui, já que esta pesquisa acontece no encontro entre os sujeitos,
assim como as práticas em Saúde e em Educação.

Na percepção de Oliveira e Sgarbi (2008, p.53) “a linguagem, ou, como preferem


alguns autores, o discurso, é o eixo da validação dos conhecimentos científicos, pois é no
discurso enquanto prática social, que um sistema de validação é criado...”.

Para além de um relato de ações, as narrativas apresentam uma história, que inclui
personagens, acontecimentos e cenários, e contemplam um discurso, que marca um lugar
diferenciado do relato de uma história propriamente dita. Privilegia-se o que é dito, a sua
expressão máxima, mantendo a forma como foi dito.

Por meio da análise das narrativas, o pesquisador busca conhecer tanto o mundo
aparente quanto o mundo oculto do outro, proporcionando o surgimento dos dramas e sendo
capaz de apreender toda a força e a afecção que uma fala comporta, a qual é própria do
humano. Na cena de debates aparecem as disputas quanto a projetos, o confronto com o
mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que surge a possibilidade de atuar sobre a situação
dramática em questão (BOEHS, 2000).
37

Sem as narrativas, o trabalho perderia a sua vitalidade e seria morto, como cena sem
personagem. Da mesma forma, os espaços privilegiados para a coleta de dados foram aqueles
já existentes na rotina dos alunos e dos professores, na vida do curso em andamento. Nesse
contexto, foi preciso ficarmos atentos às histórias, aos discursos, onde ele acontecia, sem
questionários. O material estava ali, o tempo todo; bastava escutá-lo.

Com a cartografia dos espaços coletivos tivemos acesso aos impasses do trabalho e às
construções de possíveis alternativas, bem como aos arranjos possíveis diante do inesperado,
do grave e do incalculável, presentes no exercício cotidiano do trabalho. Essa capacidade de
manejo das situações reais convoca o residente/profissional a responder na qualidade de ator
do cuidado, de responsável por um processo ativo, que também lhe diz respeito, e formador
por excelência.

Estarmos atentos a esses espaços enquanto formadores e construtores de realidade


significa tentar captar as experiências da maneira como aparecem, do mesmo modo que os
dramas que interrompem o processo cotidiano. A tarefa consiste em acompanhar a passagem
de uma fase de crise para uma fase de redireção ou de construção de respostas. Para Turner, a
narrativa é uma atividade reflexiva que nos faz conhecer eventos passados e seu significado,
permitindo compreender situações do presente (TURNER, 1984 apud BOHES, 2000).

Tal arranjo metodológico fez surgir a construção do processo de ensino-aprendizagem


por parte dos alunos a partir dos espaços pedagógicos, onde temos acesso aos processos
formadores dos sujeitos da pesquisa em sua relação com o tema da formação em Saúde
Mental.

O registro dos processos que se dão nesses espaços possibilitou o acompanhamento de


ações, que configuraram movimentos na aplicação da proposta de formação do Programa de
residência. Esses movimentos dispararam a produção de reflexão e de análise a respeito da
formação dos alunos, acerca da construção do Programa e no tocante aos processos
institucionais presentes na cena da formação.

Por se tratar de um Programa de formação em serviço, as questões colocadas pelo


mundo do trabalho aparecem nos debates que povoam os espaços pedagógicos. Vários são os
atravessamentos e negociações que se mostraram além de uma ação específica e técnica, a
qual deve ser igualmente considerada no âmbito da formação em Saúde. Dessa forma, a
capacidade de interação, de manejo de grupo e de articulação coletiva, na cena em que o
38

trabalho acontece, conforma requisito fundamental para a realização de uma ação de cuidado
e, algumas vezes, se torna determinante de um cuidado mais efetivo.

Todos esses itens são preciosos neste processo investigativo e aparecem com certo
destaque na proposta educativa em foco nesta investigação, haja vista a direção apresentada
no Projeto Político Pedagógico do curso, que conta com dispositivos e mecanismos para
possibilitar a visibilidade das nuances presentes na cena do trabalho.

Esses espaços testemunham os acontecimentos da formação e deflagram seus


movimentos a partir das falas dos sujeitos implicados. Veremos que, no próprio exercício de
construção e de exposição dos fatos e eventos, o sujeito o modifica, se inclui e comparece
com o seu dito, levando este, invariavelmente, a marca do narrador ou do grupo como um
todo.

É por meio do exercício de dizer que os sujeitos colocam em análise seu próprio
processo de formação, promovendo o desenvolvimento crítico-reflexivo, construindo soluções
para questões de impasse tanto individualmente quanto coletivamente, promovendo o trabalho
em equipe, possibilitando o compartilhamento de informações e se posicionando no mundo
do trabalho e na vida. Ao alterar a forma de pensar e de agir, o sujeito produz um processo
reflexivo fundamental para a sua formação profissional:

A redação de relatos sobre as suas experiências pedagógicas constitui, por si só, um


forte processo de desenvolvimento pessoal e profissional ao desencadear, entre
outros aspectos: a) o questionamento das suas competências e das suas ações; b) a
tomada de consciência do que sabem e do que necessitam de aprender; c) o desejo
de mudança; e d) o estabelecimento de compromissos e a definição de metas a
atingir (REIS, 2008, p.4).

Permitindo que nos orientássemos pela vivacidade das atividades, foi possível chegar
bem perto dos alunos e dos processos pedagógicos vividos por eles; da mesma forma, foi
possível localizar os conteúdos em questão e seus posicionamentos profissionais. Pudemos
identificar ações e mostrar a direção fornecida pelo curso para a formação de profissionais
orientados pelo SUS no campo da Saúde Mental.

O que aparece nesses espaços é o resultado de um processo de investigação-ação.


Notamos um processo de construção do conhecimento em andamento, em articulação com as
experiências vividas no cotidiano do mundo do trabalho, favorecendo a formação de
profissionais para atuação no campo da Saúde Mental brasileira por meio da aquisição da
capacidade de reflexão e de revisão das práticas em saúde.
39

É preciso estudar o nosso próprio modo de ensino, examinar as nossas próprias ações e
intervenções profissionais, redirecioná-las e retomar caminhos que possam responder às
necessidades colocadas pelas políticas e pelas necessidades da população usuária dos Serviços
de Saúde.

O sucesso pessoal e profissional dos seres humanos passa, decisivamente, pelas suas
capacidades de interação, ou seja, pelas suas capacidades de ouvirem e
compreenderem as narrativas das pessoas que os rodeiam. (REIS, 2008, p.15)

Nesta direção, os espaços privilegiados, como foco desta investigação, são aqueles
depositários dos impasses do trabalho, lugares da construção coletiva de saídas para as
tensões vividas, verificando a capacidade de se produzir reflexão e conhecimento e, desta
forma, fornecendo uma amostra do processo de formação construído durante o curso.

Esses espaços são também lugares de alinhavo pedagógico, ao atribuirmos conceitos,


nomearmos posições e identificarmos teorias. Nesses espaços, o conceito de
transversalidade,20 elaborado por Guatarri (1982), se atualiza, ao fazer operar as suas
inúmeras dimensões no plano da realidade. Ele se coloca como uma estratégia de abordagem
das diferentes instâncias individuais, coletivas e institucionais, que se atualizam na produção
de novas subjetividades e novas realidades (MATIAS, 2008).

Nos espaços coletivos temos um conjunto de sujeitos com suas individualidades, suas
histórias, suas verdades e memórias próprias. São esses sujeitos particulares que compõem o
coletivo da turma, cuja missão de trabalho-formação se estabelece. É nesse contexto que um
processo educativo se coloca na interação com o mundo institucional, o dos conceitos e dos
conteúdos a serem aprendidos e das soluções a serem criadas.

A possibilidade de análise da realidade, sua criação e recriação, nos remete a um


processo de sua relativização, criando a possibilidade de novos arranjos. Fundamental para o
processo de educação em saúde, de cuidado em saúde e de acompanhamento de casos e
situações clínicas e institucionais. Que novas realidades podem ser construídas? Que outras
formas de estar no mundo ou entender o mundo podem ser produzidas?

Essa experiência nos parece útil como uma forma de análise longitudinal, no mesmo
percurso e processo em que se dá a formação e a construção do conhecimento, para

20
O conceito de Transversalidade foi utilizado por Guattari na elaboração teórica da psicoterapia institucional,
durante a década de 1960. A transversalidade implica a ativação da circulação, da comunicação e dos
agenciamentos enquanto produção de outros modos de ser, de sentir e atuar (GALLO, 2008).
40

estabelecer considerações quanto à maior ou menor correspondência do referido programa às


necessidades colocadas pelas novas exigências da formação para a Saúde.

A cartografia acompanhou os espaços construídos pelos alunos e profissionais


envolvidos no curso. A partir da análise dessas situações, identificamos algumas questões
como: Que recursos são construídos? Que informações e encaminhamentos são considerados
e priorizados?

Como estabelecido no Projeto Político Pedagógico do Curso (IPUB/2010), espera-se


que aluno residente egresso seja cada vez mais sensível às necessidades clínicas dos pacientes
e mais capaz de produzir mudanças, pensando soluções criativas, diante de situações de
impasses.

A metodologia aqui proposta se alinha ao modelo de aprendizagem construído pelo


curso analisado, conforme descrito em seu Projeto Político Pedagógico. Ambos sustentam que
o conhecimento se constrói a partir da experiência, em um saber que emerge do fazer (IPUB,
2010).
2. EDUCAÇÃO E SAÚDE: AÇÕES E INTER-RELAÇÕES

“É o movimento, o nosso devir no mundo, o provisório,


pois o planejamento não deve buscar uma continuidade,
sempre será descontínuo. E, na descontinuidade podem-
se prover encontros e diálogos para tornar a integração
planetária democrática e não um mero espetáculo. Uma
formação que não é linear, pois acompanha os
movimentos da vida, sendo descontínua por natureza.”
(FURTER, apud NESPOLI e RIBEIRO, 2009, p.13)

Campos intrínsecos ou interligados? Relação orgânica ou mero utilitarismo


pedagógico-metodológico? Pensar as possíveis relações entre estes dois campos, Educação e
Saúde, exige de nós a capacidade de efetuar uma análise mais aprofundada da forma como
conceitos, concepções e arranjos se articulam.

É impossível falar, neste capítulo, de um único tema estanque ou de uma articulação


automática entre dois campos de saberes distinto. A compreensão das ações e das inter-
relações somente é possível quando trazemos o processo reflexivo que as envolve para a
análise.

Nesse aspecto, o modo como esses campos se articulam está diretamente associado à
visão que se tem de mundo, aos conceitos de saúde que orientam práticas, ao entendimento do
processo de adoecimento, ao reconhecimento da função social do profissional, à forma como
este se relaciona com os pacientes e ao entendimento mesmo das ações de saúde em jogo em
um processo de cuidado.

O reconhecimento da estreita articulação entre esses campos encontra-se presente


quando podemos afirmar que ambas as dimensões, tanto a prática quanto a formativa, são
construídas e, ao mesmo tempo, sustentadas por determinada visão de mundo e de sujeito
presente no momento socio-histórico que as constitui.

Ceccim e Carvalho (2006) fazem uma reflexão socio-histórica sobre a trajetória da


educação superior em Saúde no Brasil, remontando ao surgimento das principais ações
formativas nas diferentes categorias profissionais até os dias de hoje. Os autores comentam
que tais intervenções foram pensadas nos séculos XVIII e XIX a partir de uma concepção
conservadora e utilitária do corpo, o qual era tomado como instrumento e objeto, sem afetos e
sem história, ao passo que se considerava o seu cuidado como prática “neutra”. Essa maneira
42

de pensar o corpo se refletia na formação dos profissionais, cujo conhecimento estava


desvinculado da dinâmica das relações que envolvem um corpo vivo, sobre o qual, de fato,
devem ocorrer as intervenções em Saúde.

Da mesma forma, sustentadas por um modelo de adoecimento como consequência de


um agente externo causador do mal que deve ser combatido, as intervenções educacionais em
saúde se restringem à ideia de que é possível educar para a saúde, sanando atitudes desviantes
com medidas corretivas ou pela aquisição de informações científicas e saberes provenientes
do exterior, de alguém que detém o conhecimento do que é o melhor a ser feito, do que deve
ser seguido pelos sujeitos (SILVA, J.O., 1994).

Essas concepções determinam tanto a formação dos profissionais, quanto a forma


como se concebem as práticas, marcada pelo método cartesiano, que está presente nas ações
educativas e de saúde desde a modernidade, sustentando um modelo hegemônico baseado em
ações verticais, visando às mudanças de comportamentos. Tais concepções influenciam os
dois campos, o da Saúde e o da Educação (SILVA, J.O., 1994).

Nesse contexto, ambos os campos seguem a mesma lógica utilitária, cujos métodos
pedagógicos podem ajudar na “catequização” dos sujeitos, alvos das ações de Saúde a fim de
se alcançar um nível de saúde ótimo. Essa concepção técnica remonta aos primórdios das
teorias da Educação, que toma o homem como “tabula rasa”, sobre a qual os conhecimentos a
serem adquiridos iriam se imprimir. A visão da relação entre os campos da Educação e da
Saúde acaba por desenhar uma perspectiva de “ação específica para”, em um processo de
“educação para a saúde” (GAZZINELLI et al., 2005).

Essa forma de conceber as ações em saúde e, em consequência, os processos


educativos em saúde vem gerando estudos, no campo das pesquisas científicas, que se
orientam pela busca de respostas mediante o alto desenvolvimento de tecnologia médica, de
caráter reducionista e promotor de uma sociedade alienada, medicalizada e objeto das ações
de Saúde. Estas refletem e são reafirmadas por uma formação conteudista, normativa e
cientificista, que exclui as dimensões relacionais presentes nas práticas cuidadoras em Saúde.

As próprias orientações das Diretrizes da Educação para a Saúde, presentes no início


dos anos de 1980, definem a educação como “uma atividade planejada que objetiva criar
condições para produzir as mudanças de comportamento desejadas em relação à saúde”
(BRASIL, 1980, p.370), centrando-se na transferência de saber e na redefinição de valores
instituídos e predeterminados.
43

Trata-se, informa-se saúde, reivindica-se... sendo a educação meramente uma ação


metodológica específica em saúde, perdendo seu caráter constitutivo do processo
saúde-doença e da organização da vida. Perde-se a unidade Educação/Saúde e, por
consequência, a primeira subalterniza-se enquanto campo epistemológico. Assim a
educação introduz-se na área da saúde a partir de modelos pedagógico-sanitários.
(SILVA, J.O., 1994, p. 37)

Sob a influência do pensamento de Paulo Freire, algumas mudanças começam a


aparecer no discurso oficial da Educação em Saúde, retratadas em alguns documentos do
Ministério da Saúde no período compreendido entre 1980 e 1992, nos quais as abordagens
passam a incluir a participação da comunidade nesse processo (GAZZINELLI et al., 2005).

O entendimento da Saúde na qualidade de campo de práticas sociais exige de nós a


inclusão de outras reflexões, como o campo das relações em jogo nos processos de
adoecimento e o reconhecimento do saber/poder dos atores envolvidos nos processos de
cuidado como elementos de transformação social, incluindo novos referenciais teóricos e
ampliando a perspectiva de pensar os processos de Educação em Saúde. Ao considerar as
relações de saber/poder, passamos a tomar em conta as pessoas como sujeitos, como atores
ativos, cujos comportamentos em Saúde envolvem percepções, valores, representações
simbólicas, crenças e sentimentos, chamando definitivamente a nossa atenção para os
processos subjetivos envolvidos, que apontam para a complexidade, até então desconsiderada
(GAZZINELLI et al., 2005).

Essas transformações nos possibilitam identificar com ênfase um processo de


Educação em Saúde, que se abre como novo campo temático ao sustentar a relação intrínseca
entre a Educação e a Saúde, articulada de forma orgânica e ampliada, colocando na cena os
aspectos políticos e pedagógicos envolvidos nesse processo.

Novos entendimentos entre os campos da Saúde e da Educação, enquanto campos


intercessores,21 promovem práticas inovadoras, que redundam em novas ações e estratégias de
inter-relação junto à população não mais entendida como alvo, mas partícipe e implicada no
processo de saúde-doença, colocando o foco no lugar ocupado pelo indivíduo e pelo coletivo
nas ações educativas. Surgem novos modelos de formação, orientados por inéditas dimensões
e concepções presentes e inovadora compreensão do processo saúde-doença.

21
Conceito deleuziano por meio do qual podemos “relacionar filosofia e arte, criação de conceitos e invenção de
imagens”. Para Deleuze, a questão fundamental do pensamento é a criação, reinventar e pensar o caminho
habitual; fazer o novo é tornar o pensamento possível: “Intercessores são quaisquer encontros que fazem com
que o pensamento saia de sua imobilidade natural, de seu estupor. Sem os intercessores não há criação. Sem
eles não há pensamento.” (VASCONCELLOS 2005, p. 1223).
44

Essas transformações podem ser observadas ao longo do tempo com algumas


mudanças identificadas simultaneamente no campo da Saúde e da Educação. Novas teorias
surgem e a corrente moderna da educação cede lugar ao mundo pós-moderno, com mudanças
importantes para o entendimento dos processos educativos e das ações de cuidado em Saúde.

A maioria dos profissionais na área da Saúde foi alvo do ensino nos moldes descritos
por Flexner, em 1910 (Pagliosa e Da Ros, 2008): hospitalocêntrico, focado na doença e
consubstanciado no aprender por meio do professor, o detentor do conhecimento. Naquele
momento, a nossa percepção do que é ser professor ainda estava vinculada à repetição de
padrões herdados de nossos mestres.

Todavia, em razão das transformações tecnológicas e do desenvolvimento científico


incessante, que geraram a obrigatoriedade de permanente atualização, cria-se a necessidade de
mudar a forma de aprender e, portanto, a da construção do conhecimento. A educação
tradicional – baseada em uma relação vertical e hierarquizada com o saber, segundo a qual os
alunos nada sabem diante de seus mestres, que são tidos como detentores de todo
conhecimento e sabedores da verdade – dá lugar às teorias críticas da educação.

Ao fazer uma análise do processo de Educação em Saúde, podemos constatar que há


atualmente um importante movimento de mudança, uma reorientação teórica e metodológica
no campo de estudo em foco. Nesse processo de transformação, muitas são as teorias e os
pensadores que possibilitam uma ação conjunta de resgate dos valores humanos com a
progressão intelectual continuada.

Nos próximos itens deste capítulo, serão explorados conceitos e autores com o
objetivo de situar mais claramente o campo de intercessão entre a Educação e a Saúde.
Começando pelas transformações no campo da Educação, apresentaremos as principais
teorias que orientam as atuais mudanças na forma de pensar o ensino e a aprendizagem, as
quais muito vêm contribuindo para esse campo complexo.

Em seguida vamos nos deter nas transformações do campo da Saúde e Saúde Mental,
contribuindo para a constituição do campo da Educação em Saúde, que introduz ferramentas
importantes para a condução dos processos de formação em Saúde mais libertários, críticos e
autorais, afinados com os pressupostos das residências multiprofissionais. (BRASIL, 2005;
2010)
45

2.1 Transformações no campo da Educação

Por aprendizagem, entende-se o desenvolvimento de


novos critérios ou capacidades para resolver problemas
ou a revisão de critérios e capacidades existentes que
lhes inibem a resolução. (BRASIL, 2009a, p. 42)

Presente desde a Antiguidade, a prática educativa tem sido a forma de ensinar com o
intuito de aquisição de conhecimento. Primeiramente destinada à aristocracia e disponível
para as famílias abastadas, essa prática sofre, ao longo dos anos, transformações importantes
em suas concepções, as quais, segundo Silva, T.T. (2011), são alimentadas pelo tipo desejável
de ser humano de acordo com determinada sociedade, logo atravessada pelas transformações
que ocorreram no mundo mediante a incorporação de novas metodologias e tecnologias
(GADOTTI, 2000).

O modelo de educação tradicional se define por um ensino fundamentado em verdades


impostas, cujos conteúdos repassados são basicamente os valores sociais acumulados com o
passar dos tempos. Por essa concepção tem-se a função de preparar crianças e jovens para a
vida, de modo a corresponder a um modelo de ser humano almejado pela sociedade. Os
conteúdos são socialmente determinados e independentes da experiência do aluno e das
realidades sociais (MOURÃO, 2013).

Neste modelo, o método, o conteúdo e a avaliação cabem ao professor, e o seu


objetivo é a transmissão do conhecimento verdadeiro. Ao aluno resta reter as informações de
forma passiva, lançando mão de atos de repetição com o intuito de mera decoreba.

Com a Revolução Francesa, a filosofia da essência de Rousseau 22 passa a inspirar a


construção de um sistema educativo para todos os homens, respeitando assim o princípio da
igualdade. Mas, embora acessível a todos, há diferenças entre os conteúdos e os objetivos da
educação de acordo com a classe social. (SANTOS, [s/d])

Assim nascem as correntes pedagógicas modernas, norteadas pelo objetivo de


desenvolver o que já está latente, tirando o homem da sua condição selvagem e guiando-o em
direção à instrução. Essa construção nos remete a Comenius (Walker, 2001), que considera o
homem como educável e possuidor de todas as potencialidades a serem desenvolvidas pela
educação. Aqui temos a clara definição de um sujeito que é objeto das ações da educação e
das práticas pedagógicas, a ser moldado e manipulado de forma arbitrária e opressora. As

22
Baseada na suposição de que o homem é essencialmente livre.
46

teorias clássicas de aprendizagem se caracterizam pela tendência em explicar os processos de


aprendizagem isolados do contexto, tomando-os com foco exclusivo nos aspectos cognitivos e
individuais (SILVA, T.T. 1994).

Nos dois últimos séculos emerge o que Gadotti chama de educação nova, que se
desenvolve pela incorporação de alguns avanços e de novas metodologias pedagógicas,
instituindo a educação das massas como plano de governo. Para Saviani (2000), a pedagogia
nova, assim como a educação tradicional e a corrente tecnicista, pode ser denominada teoria
não crítica. Por sua vez, para Silva, T.T. (2011), essas teorias dizem respeito às “teorias de
aceitação, ajuste e adaptação” social.

Várias transformações sociais e políticas favorecem o surgimento das teorias


educacionais críticas, que propõem uma inversão nos fundamentos da então teoria tradicional,
ocupando-se de construir críticas sobre o status quo. Nesse momento, as teorias educacionais
são fortemente influenciadas por contribuições da Sociologia Crítica, com Bourdieu e
Passeron, e da filosofia marxista, com Gramsci (SILVA, T.T.,2011).

Algumas críticas à forma como é conduzida a educação e aos objetivos presentes no


modelo tradicional possibilitam um processo de questionamento que dá lugar a importantes
transformações. Aos poucos, o aluno vai sendo reconhecido como sujeito da própria história e
agente transformador de sua sociedade. Essa maneira de pensar as relações com o ensino-
aprendizagem evidencia outra forma de conceber todo o processo pedagógico, não mais
fundamentado na educação tradicional.

Freinet (1975) chama a atenção para a importância de se incluir a realidade em que o


aluno está inserido nos conteúdos curriculares, indicando que o conhecimento deve ser
construído a partir do processo de experimentação, sempre com a participação de um
professor-mediador. Nessa orientação, a interação professor-aluno é fundamental para a
aprendizagem, e os aspectos sociais e políticos passam a ser incluídos no processo. O aluno,
agora protagonista, torna-se também responsável pelos resultados da aprendizagem.

John Dewey23 desenvolve o conceito central de sua filosofia, o de experiência


educativa, que relaciona experiência pessoal e aprendizagem. Diferente da experiência pura e
simples, esse pensador defende que a experiência educativa visa ao desenvolvimento do
sujeito, ampliando a sua experiência prévia. Seu foco de investigação é a qualidade das

23
“John Dewey foi um dos líderes da educação progressiva nos Estados Unidos da América no início do século
XX, tendo desenvolvido um pensamento educacional equilibrado e sofisticado.” (BRANCO, 2010, p. 601).
47

experiências proporcionadas por um processo educativo, cuja atuação consiste em duas


importantes dimensões: a continuidade e a interação.

A experiência (sempre feita na primeira pessoa) é, ainda, o resultado de uma


combinação peculiar entre um elemento ativo (fazer a experiência) e um elemento
passivo (“sofrer” a experiência). Fazer uma experiência implica “sofrer” as
consequências dela. Desse modo, embora a atividade e a mudança estejam implícitas
na experiência, necessitam ser refletidas para serem consideradas efetivamente
experiências. (BRANCO, 2010, p. 602)

Assim, a capacidade educativa está relacionada a um investimento na qualidade, tanto


no que diz respeito à continuidade quanto à interação e, desta forma, nos aproximamos do
conceito de Dewey de aprendizagem enquanto descoberta das conexões entre as coisas,
reconhecendo a existência de um lado emocional, além do lado cognitivo, presente nos
processos de aprendizagem. (BRANCO, 2010).
“Para Dewey a experiência entrelaça sujeito e meio ambiente”. (LANA e FRANÇA,
2008. p2).

Freire (1996) influencia fortemente as teorias educacionais e as políticas públicas na


área de Educação. Sua concepção possibilita uma reflexão acerca da metodologia
educacional, questionando, dentre outras coisas, o lugar de mestre ocupado pelo professor.
Segundo ele, o aluno não está ali unicamente para aprender, mas também para compartilhar
conhecimentos em um processo de mútuas trocas de saber. Por conseguinte, a construção do
conhecimento configura um ato ativo e dialético. O saber é conquistado na medida em que se
é capaz de analisar o mundo a nossa volta e de promover, de modo crítico e produtivo,
constantes “interferências cotidianas”.

Tomando em análise Freire e Dewey (Silva, [s/d]) passa a ser contraditório falar em
aquisição do conhecimento, já que a reflexão é uma consequência do pensamento. Não é mais
possível sustentar a lógica de transmissão de conhecimento, criticando esse significado da
forma como ele é pensado no campo da educação. Essa nova orientação, sustentada por esse e
outros autores, como Freire (1996, 2011), Morin (2000) e Morin et al. (2003), colocam por
terra a concepção clássica de educação, do mesmo modo que todos os seus pilares de
sustentação, como: a relação teoria e prática, relações de poder e saber, metodologias
avaliativas, relação professor aluno, o lugar da escola nos processos educativos. É possível
ousar dizer que a consequência advinda dessas teorias é uma verdadeira transformação do
campo da Educação.
48

Giroux, influenciado pelas ideias de Freire, reafirma a importância do caráter


histórico, ético e político das ações educativas, ocupando-se em problematizar os estudos
culturais e construindo forte oposição à racionalidade técnica e utilitária (SILVA, T.T., 2011).

Ao longo deste percurso de novas ideias, entendimentos inovadores sobre os processos


educativos possibilitam, aos poucos, a criação de formas inéditas de ensinar, que consideram
os atravessamentos políticos e sociais, além das vivências dos alunos. Novos elementos
passam a ser tomados em conta, novas relações entre os atores do processo educativo e as
novas formas de ensinar e aprender são construídas.

Esses paradigmas sustentam um princípio unificador do saber, do conhecimento, em


torno do ser humano, valorizando seu cotidiano, o seu vivido, o pessoal, a
singularidade, o entorno, o acaso, e outras características como: decisão, projeto,
ruído, ambiguidade, finitude, escolha, síntese, vínculo e totalidade. (GADOTTI,
2000, p.5)

Nesse complexo cenário de transformações, as metodologias ativas de aprendizagem


são incorporadas, as quais, segundo Nildo et al. (2005) e Mitre (2008), podem ser
identificadas como duas propostas na dimensão problematizadora do processo ensino-
aprendizagem: a Pedagogia da Problematização e a Aprendizagem Baseada em Problemas
(ABP).

A Pedagogia da Problematização é encontrada nas formulações de Freire com um


sentido de inserção crítica na realidade, a fim de retirar dela os elementos que darão
significado e direção às aprendizagens, consolidando a proposição de Carlos Maguerez, por
meio do chamado Método do Arco: observação da realidade (construção do problema) →
identificação dos pontos-chave → teorização a hipóteses de solução → aplicação à realidade:
“No movimento ação-reflexão-ação são elaborados os conhecimentos, considerando a rede
de determinantes contextuais, as implicações pessoais e as interações entre os diferentes
sujeitos que aprendem e ensinam” (BATISTA et al., 2005, p. 232).

Por sua vez, na Aprendizagem Baseada em Problemas, os estudantes lidam com


problemas previamente elaborados, com descrições de um fenômeno ou evento a ser
analisado pelo grupo, usando inicialmente o conhecimento prévio. São construídas questões
orientadoras da aprendizagem seguidas de estudo autodirigido, operando a construção de
conhecimentos individuais e coletivos sobre determinado assunto.

As novas metodologias de ensino-aprendizagem partem de outros entendimentos


acerca do mundo, pensando-o de forma mais crítica e reflexiva e capazes de produzir sujeitos
questionadores e inventores de novas realidades.
49

Morin (2003a; 2003b) sustenta uma crítica à razão produtivista e às racionalizações


modernas e elabora a teoria da complexidade no momento em que o mundo contemporâneo
vive uma crise de sentido. Ele propõe uma reflexão metodológica capaz de incorporar os erros
de forma produtiva, contrariando a teoria simplificada do entendimento da realidade.

Alguns filósofos também deixam importante legado para o campo da Educação,


contribuindo para a construção desse percurso reflexivo.

Foucault é um desses filósofos que trazem importantes contribuições para o campo da


Educação, proporcionando alguns conceitos que ajudam a pensar os processos de ensino-
aprendizagem. Considerado pós-estruturalista junto com outros autores, seu trabalho indica
outra perspectiva de mundo e do sujeito após o advento da modernidade.

Um exemplo de sua contribuição está na recusa das metarrativas, na qual se defende a


não existência de uma grande narrativa que pudesse explicar todo o conhecimento ou que
fosse capaz de conter a verdade absoluta sobre as coisas. Ao recusar a existência da verdade
única, Foucault aponta para nova perspectiva de mundo, pela qual se pode afirmar que o
conhecimento é construído por sujeitos também em construção, motivo pelo qual se trata de
uma condição sempre relativa.

Essa nova forma de pensar tem consequências para o campo da Educação, que passa a
recusar a concepção de um sujeito já dado, “desde sempre aí”, ou seja, de uma entidade
preexistente ao mundo social, político, cultural e econômico, conforme sustentado pela
modernidade. Recusa a noção de sujeito passivo, sobre quem se imprimem os preceitos
educativos. Dessa forma, o filósofo se lança na tentativa de investigar o modo como nos
constituímos sujeitos, interessado pelos “diferentes modos pelos quais seres humanos
tornam-se sujeitos” (VEIGA-NETO, 2007).

Foucault fornece importantes contribuições para o campo, abrindo possibilidades


múltiplas no que concerne ao exame da Educação, dos saberes pedagógico e das práticas
educacionais e sua relação com o mundo contemporâneo. Promove uma importante reflexão
acerca do entendimento das relações entre a escola e a sociedade, entre a pedagogia e a
subjetivação moderna. Foucault tem o mérito de colocar em movimento uma vontade de
saber, apontando para o processo infinito da busca de uma existência diferente para nós
mesmos e para a sociedade (VEIGA-NETO, 2007).

O pensamento foucaultiano adere, de forma intransigente e permanente, a uma


reflexão crítica racional, porém articulada com os acontecimentos históricos: “da
50

contingência que nos fez ser o que somos, e a possibilidade de mais ser, fazer ou pensar o que
somos, fazemos ou pensamos” (FOUCAULT, 2000, p.348).

Em virtude disso, os processos de aprendizagem podem ser entendidos como uma


atitude permanente de desconstrução do instituído de si e da realidade, do que está dado,
processo ao qual Veiga-Neto (2007) denomina hipercrítica. Nessa direção colocam-se os
processos de aprendizagem sempre em movimento e intrinsecamente ligados ao mundo
concreto e ao mundo das práticas discursivas. Trata-se de uma “crítica que se apoia, sempre
provisoriamente, no acontecimento” (VEIGA-NETO, 2007, p. 25).

O conceito de acontecimento é formulado por Foucault junto com as noções de


atualidade e de problematização. Desta forma, para esse filósofo, a interrogação da realidade
baseia-se no movimento de questioná-la como um acontecimento, na forma de uma
problematização. Ele constrói a interrogação a respeito do que somos e da atualidade. Esse
conceito remete a um “entre-tempos”, que abre um campo de possibilidades. “A noção de
acontecimento é central como a irrupção de uma singularidade única e aguda, no lugar e no
momento da sua produção” (CARDOSO, 1995, p.55).

Central para esta investigação, o conceito de acontecimento mostra-se fundamental


para balizar a análise sobre a experiência do Programa de Residência Multiprofissional em
Saúde Mental do IPUB.

Para Foucault, o surgimento do Estado de bem-estar social traz consigo a educação


como um direito, uma das frentes do disciplinamento, em que a escola é uma instituição de
regulação social por excelência, operando individualizações disciplinares, engendrando novas
subjetividades e constituindo as sociedades modernas. A escola é entendida por ele como a
maior máquina de fazer dos corpos um objeto de poder disciplinar, que “atua ao nível do
corpo e saberes, do que resultam formas particulares tanto de estar no mundo - no eixo
corporal -, quanto de cada um conhecer o mundo e nele se situar - no eixo dos saberes”
(VEIGA-NETO, 2007, p. 71).

Com os processos de desconstrução e as problematizações perpetradas pela


perspectiva foucaultiana, torna-se possível identificar que as contribuições para a Educação
envolvem explicar: como se forma isso que está aí, a que chamamos de sujeito? Essas
contribuições trazem a configuração de novo contexto, cuja visão de mundo influencia as
perspectivas educativas de forma inovadora. É nesse exercício de desconstrução-construção
51

que esta pesquisa reconhece os processos de ensino-aprendizagem, interessando-se pelo modo


como os alunos se formam e pela maneira pela qual o processo acontece.

A perspectiva desta pesquisa rompe com a noção da educação como transmissora de


um saber instituído e legitimadora de um poder, tema central nas sociedades modernas. Essa
perspectiva constitui um dos caminhos possíveis e capazes de produzir entendimento sobre a
complexidade de mundo e com a possibilidade de construção de novas formas de resistência,
de fomentar novas formas de subjetividade. O pensamento de Foucault se distancia do
construtivismo e da teoria crítica. Para ele, toda produção é variável e resulta de práticas
concretas, discursivas ou não, interpretando o saber como um agenciamento prático, um
dispositivo de enunciados e de visibilidades.

Desta forma, a produção teórica desses autores nos ajuda a afirmar que a pedagogia
não é um espaço neutro, mas sim um espaço produtor de novas formas de experiência de si,
nas quais os indivíduos podem se tornar sujeitos de um modo particular. É possível promover
um rico processo de subjetivação, em prol da liberdade e capacidade de autogoverno.

Segundo Popkewitz (1994), construímos nosso objeto por meio de lentes conceituais.
A forma como aplicamos categorias e o raciocínio histórico têm o efeito de construir
fenômenos. Em seu texto, ele faz uma análise das “narrativas históricas como sistemas de
raciocínio que constroem ‘dados’ históricos.” (POPKEWITZ, 1994, p.175).

Esse autor diferencia a filosofia da consciência e o que vem a chamar de virada


histórica. A primeira, está presente nos estudos críticos da Educação: a ideia de progressão do
conhecimento, dispostas sobre a verdade do que deve ser ensinado e aprendido. Dá o exemplo
do construtivismo, como corrente que não leva em conta a historicidade das ideias, motivo de
uma das maiores críticas a esse movimento.

Popkewitz afirma a existência de uma virada linguística, no que reconhece como


epistemologia histórica. No lugar de privilegiar autores e eventos, o enfoque passa a ser: os
padrões de pensamento e a razão, entendidos como práticas sociais. Denomina epistemologia
social a essa nova forma de produzir conhecimento, por enfatizar o seu caráter relacional e
social.

Ao defender a existência de relações de poder entranhadas na seleção, na organização


e na avaliação do conhecimento escolar, o autor defende que não apenas descrevemos o
mundo e, sim, ao mesmo tempo, constituímos práticas e identidades sociais.
52

Não podemos tomar a razão e a racionalidade como um sistema unificado e


universal pelo qual podemos falar sobre o que é verdadeiro e falso, mas como
sistemas historicamente contingentes de relações cujos efeitos produzem poder.
(POPKEWITZ, 1994, p.185.)

Para Silva, T.T. (2011), a cisão no campo das teorias sociais críticas e pós críticas do
currículo se dá por suas diferentes compreensões: “a hipótese da determinação econômica –
marxismo- e a hipótese da construção discursiva – pós-estruturalismo e pós-modernismo”
(Silva, T.T., 2011, p.145). Essa cisão aponta para uma tensão entre os conceitos de ideologia e
de discurso que permeiam as hipóteses e colocam diferentes formas de pensar as relações de
poder.

Com os pós-estruturalistas, principalmente depois de Foucault, a oposição entre


ciência e ideologia assim como entre verdadeiro e falso, perde todo o sentido. A verdade
passa a ser relativa e construída. A ciência e o conhecimento estreiam também como campos
de luta em torno da verdade.

Depois das teorias críticas e pós-críticas do currículo torna-se impossível pensar o


currículo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência
ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda
de imagens estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos. (SILVA, T.T.,
2011, p.147)

Silva, T.T (2011), destaca que tanto as teorias críticas quanto as pós-crítica nos
ensinam que “o currículo é uma questão de saber, poder e identidade 24”, jamais podendo
aceitar que a sua construção se limita a elementos estanques. Todas essas relações
comparecem em ato na cena da formação, o que, no caso de um programa de residência,
coincide com os serviços de Saúde, cenários de prática 25.

2.1.1 O cotidiano e o acontecimento no campo da Educação

Os estudos do cotidiano, um dos campos da Sociologia, têm ganhado cada vez mais
espaço na pesquisa em Educação no Brasil. Visam pensar as práticas educativas enquanto
práticas sociais emancipatórias e relacionadas às novas epistemologias. Esses estudos tomam
o cotidiano e seus acontecimentos como presentes na produção do conhecimento, ao
considerar que a vida cotidiana acompanha a trajetória humana.

24
Título de um dos capítulos do livro de SILVA, T.T., 2011.
25
Uma das características que diferenciam os programas de residência dos outros modelos de especialização é a
sua ênfase na formação em serviço. Quando se fala de formação em serviço, a categoria ‘cotidiano’ se apresenta
de modo pertinente. As reflexões que compõem este capítulo possibilitam uma nova visada sobre a dimensão do
cotidiano, isto é, dos acontecimentos do dia-a-dia, que passam a ser incluídos como elementos produtores e
geradores de conhecimentos.
53

Muitos autores têm-se ocupado em pensar esse campo como o de estudo das práticas e
dos fazeres, identificando a característica de aglutinar, de uma só vez, tempo e espaço na
dimensão cotidiana. Essa dimensão nos possibilita ainda o exercício de relativização do
entendimento do que é o conhecimento e como este se constrói, subvertendo a lógica
instituída, o que é fundamental para o debate travado neste estudo.

Na forma tradicional de conceber a ciência, os conhecimentos teóricos são


privilegiados em detrimento dos conhecimentos práticos, mas as informações teóricas
adquiridas pela transmissão de conhecimentos, que mobilizam as competências cognitivas,
nem sempre servem à prática. Logo, um manejo de situações práticas exige mais do que uma
gama de conhecimentos teóricos acumulados, extrapolando a sua forma e, mesmo, o seu
conteúdo, pelo que requerem muitas outras habilidades para que uma ação concreta seja
realizada com destreza.

Seguindo a mesma lógica de revisão dos elementos formadores, Dias (2011)


desconstrói o valor atribuído à inteligência, ampliando o conceito de cognição. Este ganha a
dimensão de invenção de si e do mundo, ao contemplar a dimensão da experiência.

Todo o conhecimento acumulado do mundo não garante a resolução eficaz de um


problema. Esse ponto é fundamental para a reflexão teórica que sustenta a construção desta
dissertação, caindo por terra a subordinação da prática à teoria. Nessa perspectiva é possível
afirmar que o conhecimento se constrói em rede, incluindo as diferentes dimensões de nossas
vidas. As experiências cotidianas abrem um vazio frente aos nossos saberes instituídos.

Diferentemente do cotidiano, em que “todo dia ela faz tudo sempre igual 26”, o
acontecimento não é compreensível em um primeiro momento, uma vez que a
serialidade daquilo que decorre – e que configura o possível – é rompida. O
acontecimento é da ordem do “assombro exemplar27”, do fato “sem explicação”,
alterando a aparente repetição da vida cotidiana. (LANA e FRANÇA, 2008, p.4)

O cotidiano se apresenta como algo diário e habitual e, ao mesmo tempo, vivido de


forma singular por cada sujeito. Tomar o conceito de cotidiano em análise é se orientar pela
proposta de construção da educação enquanto prática social emancipatória. Essa dimensão é
sustentada por vários autores, dentre eles Oliveira e Sgarbi (2008). É no processo de vida, no
cotidiano do trabalho que somos atravessados por eventos surpreendentes, que rompem o
instituído e o previsto e se apresentam como acontecimentos.

26
As autoras se referem à música: BUARQUE, Chico. Cotidiano. Intérprete: Chico Buarque. In: Construção.
Rio de Janeiro: Philips, 1971.
27
As autoras se referem à música: REIS, Nando. O segundo sol. In: Infernal. Rio de Janeiro: Warner WEA,
2001.
54

Recuperando o que foi comentado anteriormente neste texto, tanto Foucault quanto
Deleuze trabalham com o conceito de acontecimento, o qual, de certa forma, embora com
sentidos diferentes, conecta-se com o que tem sido pensado pelos autores do cotidiano. Os
acontecimentos causam abalos às evidências que dão estabilidade a um dispositivo
educacional determinado, identificando neles a capacidade de incitar o pensamento e a
reflexão no campo da educação (WEINMANN, 2003).

Segundo Ferreira e Pagni [s/d], a análise do acontecimento produzido por Deleuze


indica outro modo de o educador pensar a sua ação, fugindo aos saberes e às práticas
instituídas na escola e retomando uma perspectiva que foi esquecida pelas propostas
educacionais e pelas pedagogias desde a modernidade.

Abre-se a perspectiva de formação de uma nova subjetivação por meio da dimensão da


experiência em educação. Esse conceito é amplamente trabalho por Dewey e Larrosa, cujas
perspectivas apresentam aproximações e afastamentos conforme descrito por Carlesso e
Tomazetti (2011), mas que transcendem os objetivos deste trabalho.

O conceito de experiência é trabalhado por Larrosa (2002a), que atualiza a famosa


frase de Heráclito: “Ninguém mergulha duas vezes no mesmo rio”.

Larrosa segue a linha dos novos pensadores da educação e é identificado como um dos
propulsores das teorias pós-críticas. Ele parte de exemplos concretos, descreve e analisa
vários dispositivos pedagógicos, tais como: ver-se, expressar-se, narrar-se, julgar-se e
dominar-se, assim como discute a transmissão e a aquisição da experiência de si (LARROSA,
2002b; 2003).

Larrosa (2002a) traz para reflexão no campo da educação o conceito de experiência e,


desta forma, ajuda a pensar e a fundamentar o percurso cartográfico escolhido, identificando o
quanto as experiências vividas em um curso de residência podem assumir a dimensão de um
acontecimento. Isto é, identifica a possibilidade de ruptura com os modelos explicativos já
instituídos, provocando o pensamento e a reflexão, forçando a construção de novas
explicações e promovendo ações de transformação sobre a realidade.

É a experiência que provoca mudanças nas relações do homem com o meio. Movido
pela experiência e afetado pela mesma, Larrosa (2002a) propõe um exercício de elaboração
continuada, no qual a realidade é descrita, apreendida, interpretada e reinventada. Esse autor
nos ajuda a pensar a importância das vivências no processo de ensino-aprendizagem, que fica
mais claro quando nos defrontamos com a sua definição de acontecimento: “A experiência é o
55

que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece,
ou o que toca.” (LARROSA, 2002a, p.21).

Pensando a educação a partir do par experiência/sentido, ele afirma: “E pensar não é


somente ‘raciocinar’ ou ‘calcular’ ou ‘argumentar’, como nos tem sido ensinado algumas
vezes, mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos acontece”. (LARROSA,
2002a, p.21)

Larrosa (2002a) complementa seu argumento ao afirmar que o sujeito da experiência é


aquele que está exposto, mostra-se vulnerável ao acontecimento, corre risco em uma
dimensão que relaciona travessia e perigo de modo simultâneo e que, ao passar por nós,
acomete-nos, nos forma e nos transforma, reconhecendo uma forma de mediação entre
conhecimento e vida nas experiências vividas.

Esse autor apresenta uma forma de compreensão do conhecimento que difere da sua
vinculação científica e tecnológica, em que a sua existência já estaria colocada, independente
dos sujeitos. Instauram-se assim novas formas de conceber o conhecimento enquanto abertura
para o desconhecido; logo, impossível de ser antecipada ou prevista.

O cotidiano se apresenta como um espaço-tempo de criação, de conhecimentos, no


qual o pensado, o vivido e o produzido se enredam, trazendo consequências teóricas-políticas-
epistemológicas-metodológicas imensas no pensar a educação e, em especial, a educação em
saúde.

Todo conhecimento é coletivamente tecido, pois se enreda ao anteriormente


existente, que necessariamente é produto de processos sociais e também porque é
tecido no seio das diferentes formas de interação entre os sujeitos que os tecem e
criam suas próprias redes e as demais redes de saberes-fazeres com as quais está em
interação. (OLIVEIRA e SGARBI, 2008, p.75)

Na vivência da complexidade das relações humanas surgem duas outras dimensões: a


imprevisibilidade e a variabilidade, que dependem da circunstância, dos atores e do momento
do processo (OLIVEIRA e SGARBI, 2008).

Oliveira e Sgarbi (2008) sustentam que as acontecências28 cotidianas sempre existiram


e acompanham a trajetória da humanidade; logo, sempre estiveram presentes na produção do
conhecimento no mundo ocidental. As formulações teóricas sobre o cotidiano sustentam essa
categoria como a possibilidade científica de investigar o mundo e tecer conhecimentos

28
Designação dada pelo autor para falar dos acontecimentos cotidianos (OLIVEIRA e SGARBI, 2008, p.13).
56

academicamente considerados válidos. Mas, de que modo operar diante de uma realidade
móvel, dinâmica e processual, como são os eventos cotidianos?

Aqui podemos recorrer a Deleuze e Guattari, cuja filosofia é descrita como teoria das
multiplicidades. Esses autores trabalham com o conceito de rizoma29 como metáfora do
conhecimento, diferente da concepção arbórea, que implica uma hierarquização do saber. Para
eles, o saber se produz de forma caótica, descontínua e nada disciplinarizada. Esse conceito
faz alusão à multiplicidade de proliferação do pensamento, algo que se encontra no meio,
entre coisas (GALLO, 2008).

O conceito de transversalidade – proposto por Guatarri em 1964 e retomado por


Foucault em sua produção – é fortuito neste momento do texto. Sobre esse conceito é possível
compreendê-lo também como uma multiplicidade de atravessamentos, de teorias e de
concepções, sem se restringir a nenhuma área do saber. Tem a dimensão de uma abertura, a
qual, por si só, transgride posições instituídas e saberes circunscritos (GALLO E VEIGA-
NETO [s/d]; PASSOS e BENEVIDES, 2000).

Esse conceito nos ajuda a pensar as intervenções nas ações em Saúde como
pertencentes ao campo da micropolítica, isto é, no encontro entre sujeitos, escapando de
capturas protocolares e corporativistas, que buscam a generalização, a padronização e a
compartimentalização dos saberes. O trabalho em Saúde se apresenta como um campo que
transcende a disciplinas específicas, as quais, mesmo se somadas, não conseguem abarcar a
totalidade das ações e das intervenções necessárias ao cuidado (CECCIM e MERHY, 2009).

A micropolítica opõe-se à política das vigências disciplinares, das racionalidades


hegemônicas; é a política do minoritário, das forças minoritárias, da resistência ao
instituído, resistência ao saber-poder-desejo hegemônico. Ela se configura na
disputa por outros modos de ser-existir-agir, inventivos, criativos e em ato
(CECCIM e MERHY, 2009, p.533).

O contexto de multiplicidades e de engendramentos plurais se colocam como campo


fértil para a compreensão da multidisciplinaridade, que é a direção assumida na atualidade
para a formação em Saúde. Esta deve perseguir uma prática que possa ser exercida de forma
transdisciplinar. As orientações pertinentes à formação em Saúde serão trabalhadas no
capítulo seguinte.

29
O conceito de rizoma é um modelo de organização do conhecimento que serve para exemplificar um sistema
epistemológico que não comporta raízes - ou seja, proposições ou afirmações mais fundamentais do que outras –
as quais se ramificam segundo dicotomias estritas. É um modelo proposto para o entendimento da organização
do conhecimento. (DELEUZE e GUATTARI, 1997)
57

Esses conceitos se atravessam e se misturam, comparecendo nas ações metodológicas


de estudo desta pesquisa. Nesse movimento interconectado é possível sustentar que a vida
acontece no cotidiano e o conhecimento aí se constrói.

Larrosa (2002a) propõe ainda a análise do par experiência-sentido, diferenciando


experiência de informação. Pressupõe que as palavras produzem sentido, criam realidades e
funcionam como potentes mecanismos de subjetivação:

O homem é um vivente com palavra. E isto não significa que o homem tenha a
palavra ou a linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas
que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra, que todo humano tem a
ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver
próprio desse vivente, que é o homem, se dá na palavra e como palavra.
(LARROSA, 2002a, p.21)

Quanto às informações, afirma que podem ser acumuladas sem que necessariamente
façam o menor sentido para as pessoas, sem que estas sejam verdadeiramente tocadas por ela.
O conceito de experiência exige que sejamos tocados, atravessados pelos eventos da vida, do
mundo do trabalho, porque somente assim se torna possível compreender a dimensão de
acontecimento. “Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara”
(LARROSA, 2002a, p.21).

É possível dizer que essa outra lógica indica a possibilidade de pensar uma nova
relação entre ensino-aprendizagem e, em consequência, de produção do conhecimento,
possibilitando a aproximação de diversos elementos, antes banidos no mundo da produção
científica: a vivência, a prática, a convivência, a afecção e muito mais.

Larrosa também questiona a aprendizagem significativa de Ausubel 30 (Pelizzari, 2002)


por aproximá-la da noção de opinião. Afirma que a opinião é o que se espera do sujeito
quando está bem informado sobre algum assunto. Isso também o afasta da possibilidade da
experiência.

Nessa lógica de destruição generalizada da experiência, estou cada vez mais


convencido de que os aparatos educacionais também funcionam cada vez mais no
sentido de tornar impossível que alguma coisa nos aconteça. (LARROSA, 2002a,
p.23)

30
Psicólogo educacional americano David Ausubel publicou, em 1963, The psychology of meaningful verbal
learning. Propôs que os conhecimentos prévios dos alunos fossem valorizados, de forma a construir estruturas
mentais que utilizassem mapas conceituais como meio, os quais os lançariam a outros conhecimentos,
proporcionando uma aprendizagem prazerosa e eficaz, denominada aprendizagem significativa.
58

No bojo dessa discussão, o conceito de competência, bastante presentes no campo da


Educação, também é alvo de importante reflexão, que não poderá ser desenvolvida neste
trabalho.

Conforme apresentado em momentos anteriores nesta dissertação, as competências


cognitivas já se mostravam insuficientes, indicando a necessidade de serem consideradas
outras novas e importantes competências, como as afetivas e as relacionais. Todas essas
dimensões deveriam operar de forma articulada para dar conta das necessidades práticas.

Mas, na atualidade, há uma critica sobre a dimensão de competência propriamente


dita, sustentando que ela traz em sua concepção uma lógica ancorada na perspectiva
utilitarista, enfocando seu caráter articulador em prol da realização de tarefa bem-sucedida.

Desta forma, autores que adotam outros referenciais teórico-epistemológicos, criticam


a noção comportamental de competência em virtude da pretensão de universalidade que lhe é
subjacente e toma como parâmetros de normatização os padrões de conduta e a experiência de
grupos sociais específicos dentro de uma sociedade, ou seja, os mais abastados e bem
sucedidos (PEREIRA, 2010).

Lançamos aqui uma reflexão que propõe a transformação da própria noção de


competência conforme indicada pelas concepções behavioristas, como habilidades estanques
a serem desenvolvidas, visando à sua aplicabilidade, o que acaba por restringir o
entendimento a respeito desta. Para Dias (2011), mais do que uma dimensão utilitária, a
competência deve estar relacionada à capacidade de produção, à recriação do mundo e não
sendo apenas um solucionador de problemas. Dessa forma, tal construção sustenta que a
aprendizagem se daria como um devir, cujas habilidades só seriam “medidas” com as ações
sobre o mundo.

É possível tomar a avaliação por competência como um conceito capaz de produzir


rupturas? Tomá-lo não como instrumento burocrático e inflexível, mas sim como capaz de
fazer operar transformações no processo formativo dos alunos. Fazê-lo atuar como um
dispositivo, conforme proposto por Foucault e Deleuze, eis o desafio.

Até o momento investigamos a maneira como as transformações do campo


epistemológico, metodológico e conceitual causam interferências e subversões no campo da
Educação. Vamos nos deter, na sequência abaixo, no modo como essas transformações,
somadas às mudanças e aos atravessamentos particulares presentes no campo da Saúde,
afetam e promovem transformações na formação do profissional de Saúde.
59

2.2 Transformações no campo da Saúde e da formação profissional

A particularidade da formação de profissionais em Saúde pode ser entendida mediante


a necessidade de os profissionais responderem à complexidade das demandas de Saúde que se
apresentam cotidianamente às unidades. Para o enfrentamento dessa complexidade é
indispensável mais do que um preparo para a resolução de problemas complexos, porém a
criação e a construção de respostas para as situações imprevistas que se colocam.

Partindo dessa orientação, a vivência do aluno na realidade dos serviços é um ponto


central para que a formação venha a ser oferecida de fato em consonância com o grau de
enredamento em que se apresentam as necessidades de saúde da população.

Nos anos de 1970 e 1980, a Reforma Sanitária foi um importante movimento social
que teve destaque na defesa do direito à saúde. Representa a aglutinação organizada de
entidades e de pessoas com objetivos e formas de manifestação articuladas nos cenários social
e político. (BRASIL, 2006).

Nesta direção, vários são os instrumentos que regulamentam as políticas de Educação


e de Saúde no país, a começar pela Constituição Federal de 1988, que contém um capítulo
sobre a Saúde e outro sobre a Educação. Esse documento consagra todo o movimento de
redemocratização do país e de questionamento à ditadura militar, possibilitando ações que
culminam com mudanças no campo legislativo e trazem avanços para a regulamentação das
políticas de Educação e Saúde no país.

A criação da Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para
a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços, regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS) como sistema nacional e público.

Ambas as orientações seguem a mesma direção e se complementam, representando um


importante compromisso com a equidade, propondo a reorientação das ações em Saúde pelo
viés da integralidade do cuidado e de um modelo de gestão participativa, almejando como
resultados o desenvolvimento sanitário e a inclusão social (CECCIM e CARVALHO 2006;
MERHY, 2002; FEUERWERKER, 2007).

O SUS prevê a organização dos sistemas nacional e público de Saúde; logo, uma
mudança de modelo assistencial, que coloca em cheque a formação em Saúde nos moldes
tradicionais por este não ser capaz de responder às exigências dos novos paradigmas de
produção de Saúde. É possível reconhecer a existência de um hiato entre formação teórica e
60

experiência prática presentes na formação dos profissionais de Saúde. Esta lacuna traz
importantes consequências para as práticas em Saúde, para seus atores e para a consolidação
de políticas públicas nessas áreas.

Todos esses eventos retratam conquistas importantes, mas não nos dão garantias de
que a formação em Saúde se orienta por esses novos preceitos. Desta forma, temos grandes
desafios e tensões colocadas nesse processo de transformação da realidade da formação de
profissionais de Saúde, que apresenta um contexto do qual não podemos fugir: a cotidianidade
dos fatos, os acontecimentos e os episódios que envolvem a vida na qual as ações de Saúde
acontecem. Nesta seção trazemos à luz uma forma de entender e de conceber os eventos da
formação em Saúde, com enfoque no lócus em que ocorrem as ações de Saúde de quem se
“forma” para atuar.

No campo da Educação, temos as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de


graduação na área da Saúde, por meio das quais vemos uma articulação fundamental entre
esses dois campos na direção a ser dada à formação dos profissionais, à assistência da
população e à produção de conhecimento. Há o incentivo para o surgimento de novas
propostas de ensino fundamentadas na busca coletiva do saber e na possibilidade de o aluno
fazer a própria construção do conhecimento, considerando a flexibilidade de conteúdos.

As Novas Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2001a)31 são tomadas como baliza
para a construção do perfil dos profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde,
adequando os modelos de formação às atuais políticas de saúde. Desta forma, preconiza-se
que a formação deva acontecer no SUS, como campo da formação, e voltada para o SUS, pela
formação de profissionais que venham a ocupar lugar na rede pública de serviços, de modo a
consolidar o modelo assistencial público brasileiro.

A partir dessa conquista, não é mais possível pensar a formação em Saúde


desvinculada de normas e orientações que visam à adequação do profissional à realidade do
Sistema de Saúde vigente. Este é pautado por uma concepção ampliada de Saúde, orientada
pela universalidade, integralidade, equidade, descentralização, participação, controle social,
regionalização e hierarquização, pelas quais as ações devem ser pensadas integralmente no

31
Esta dissertação toma como referência as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Medicina (Brasil, 2001a), por ser esta a primeira resolução a propor transformações significativas no campo da
formação em área da saúde no que tange a uma maior articulação com o SUS, tendo esta implulsionado as
resoluções dos demais cursos da área da saúde.
61

âmbito individual e no coletivo, tal como prescrito pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
(BRASIL, 2001a).

Por conseguinte, a responsabilidade da atenção à Saúde não se encerra com o ato


técnico, mas requer desse profissional a capacidade de desenvolver ações de prevenção, de
promoção, de proteção e de reabilitação orientadas pela transdisciplinaridade. O profissional
precisa estar imbuído da responsabilidade de pensar criticamente, de refletir sobre os
problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos, lançando mão da criatividade
e, desta forma, sustentar o redirecionamento do modelo assistencial (PEREIRA e LIMA,
2009; FEUERWERKER e SENA, 2002).

Nesse novo contexto é preciso que elementos inovadores sejam considerados na


formação em Saúde, como a necessidade de se formar no SUS e para o SUS, fazendo valer a
Lei 8.080 (BRASIL, 1990).

A formação para Saúde está diretamente relacionada com a possibilidade de afirmação


e de manutenção desse sistema. Pode-se asseverar que a formação é capaz de assegurar a
concretização desse sistema, batalhando por um plano de Saúde público, integral, equânime e
com acessibilidade a todos. (Brasil, 2003; Merhy 2005).

Os conteúdos e a forma como esses elementos são apresentados e trabalhados pelos


alunos também interferem no processo de construção de conhecimento e na sua
operacionalização frente às reais situações de trabalho. Qualquer inadequação ou deficiência
pode afetar diretamente a assistência prestada, assim como fragilizar o sistema de Saúde.

Todavia, segundo Merhy, pensar a formação orientada pela integralidade em Saúde


requer que todos desenvolvam uma discussão ampla sobre o lugar de onde os núcleos
profissionais falam, de forma a subverter a nossa própria formação fragmentada e
especializada. A direção da integralidade tem a intenção de ser portadora de uma formulação
de mudanças radicais para as ações em Saúde e não permanecer mero jargão teórico e
despotencializado (MERHY, 2005).

Novas propostas de formação precisam contemplar diferentes relações entre os saberes


que constituem o campo da Saúde, de forma a possibilitar a criação de novas práticas,
integradoras e orientadas pelo usuário – usuário-centradas – e não por procedimentos
profissionais – procedimento-centradas, ambos os conceitos formulados por Merhy (2000;
2009).
62

No campo das profissões em saúde temos duas dimensões que atuam conjuntamente, a
dimensão do que é particular e diferenciador em cada categoria profissional - núcleo
profissional, e o que é comum e nos habilita a atuar no campo do cuidado em saúde, para
além das especificidades profissionais - campo de atuação. Essas dimensões estão presentes
no que Merhy chamou de valises tecnológicas – dura, leve-dura e leve. 32

No texto “Engravidando Palavras”, Merhy (2005) nos alerta para a ocorrência de


capturas de sentidos de várias categorias analíticas. Nesse texto, ele argumenta que alguns
conceitos potentes, como a integralidade, capaz de anunciar novas práticas, passam a ser
utilizados a partir dos territórios nucleares das profissões, aos quais podemos denominar
modelos médico-hegemônicos,33 capturando seus sentidos e significados.

Diante desse risco de captura de novos conceitos por antigas práticas, cabe que nos
posicionemos individual e coletivamente ante a necessidade de rever nossas práticas.
Podemos engravidar as palavras com os atos produtivos do agir em Saúde, tornando-as
grávidas de outros, novos, sentidos potentes de processo transformador: “saindo do nosso
território já dado e abrindo-se para novas possibilidades de engravidamentos” (MERHY,
2005, p.2).

Desta forma, a possibilidade de transformação de práticas e do lugar de inseminação


de novos sentidos para antigos conceitos ocorrem no dia-a-dia, no mundo do trabalho em
Saúde, lugar propício para se explorar os fazeres produtivos como atos pedagógicos, fazendo
do mundo do trabalho uma escola (MERHY, 2005).

Tornando esse processo objeto da nossa própria curiosidade, vendo-nos como seus
fabricantes e podendo dialogar no próprio espaço do trabalho, com todos os outros
que ali estão, não é só um desafio, mas uma necessidade para tornar o espaço da
gestão do trabalho, do sentido do seu fazer, um ato coletivo e implicado. (MERHY,
2007, p.3)

Nesse processo de análise do mundo do trabalho em saúde, dependendo do paradigma


de cuidado em foco, o ato tecnológico do agir em Saúde pode tomar em conta o indivíduo
como objeto ou como sujeito das ações a serem perpetradas. Considera-se sua subjetividade
ou centra-se no procedimento, na busca de que o somatório das ações profissionais
fragmentadas venha a constituir o todo de uma ação cuidadora?

32
Para Merhy (2000), o médico, para atuar, utiliza três tipos de valises: os equipamentos que os médicos
carregam em suas mãos são as “tecnologias duras”; os saberes específicos de sua atuação profissional estão em
sua cabeça e se expressam pelas tecnologias leve-duras; e as tecnologias leves são as que estão implicadas com a
produção das relações entre dois sujeitos, que só acontecem em ato.
33
São assim chamados por Merhy (2005; 2009) pela força representativa que esta categoria profissional tem
como expressão dos paradigmas dominantes nas maneiras de se construir atos de Saúde.
63

Tomar o mundo do trabalho como escola, como lugar de uma micropolítica que
constitui encontros de sujeitos / poderes, com seus fazeres e saberes permite abrir a
nossa própria ação produtiva enquanto um ato coletivo e como um lugar de novas
possibilidades de fazeres, a serem extraídas do próprio encontro e do próprio fazer,
ao se desterritorializar dos núcleos profissionais e se deixar contaminar pelo olhar do
outro do campo da saúde: o usuário, individual e coletivo, como lugar de um
complexo modo de viver o mundo. Abrindo-nos, em ato, para novos
engravidamentos e partos. (MERHY, 2007, p. 4-5)

Desse pressuposto, o cotidiano emerge como categoria articuladora entre


conhecimento e prática, o qual “oferece uma margem de movimentação em cada realidade
específica, oportunizando a tomada de direção da vida cotidiana por parte de sujeitos
conscientes” (SILVA, J.O., 1994, p.36).

Segundo essa autora, “é no cotidiano que se constroem as relações pedagógicas


permanentes em movimentos de construção e desconstrução cultural” (Silva, J.O., 1994,
p.36). Mediante essa compreensão, todo ato de Saúde é um ato pedagógico e os profissionais
de Saúde são atores sociais promotores de ações educativas.

Na perspectiva do mundo do trabalho como lugar de formação em ato, de


desconstrução e construção de novas subjetividades e realidades inovadoras, o conceito de
Educação Permanente se mostra uma importante ferramenta (BRASIL, 2003; 2005b).

A palavra permanente pode ser extraída da contribuição do filósofo Pierre Furter, que
nos anos de 1960 e 1970 se dedica a estudar o movimento de educação de adultos,
incentivado pela UNESCO 34 e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Nesse
momento, o pesquisador trabalha na direção da ampliação do conceito de educação, atuando
no planejamento de políticas e contribuindo para a construção do conceito de Educação
Permanente: A educação é permanente porque o homem não acaba nunca de amadurecer,
qualquer que seja a idade, o sexo e a situação sócio-econômica. Nunca está completamente
formado (FURTER, apud NESPOLI e RIBEIRO, 2009, p.4).

Parte da concepção do homem como ser inacabado, cuja formação ocorre em


diferentes espaços da vida social, incorporando a possibilidade de pensar os desafios de uma
educação contemporânea (NESPOLI e RIBEIRO, 2009):

34
A UNESCO foi criada em novembro de 1945 como agência especializada das Nações Unidas. Na década de
1960 traçou um panorama das correntes filosóficas da educação na América Latina e difundiu a Educação
Permanente como uma possibilidade de atender as necessidades das pessoas durante toda vida. Em 1969, na
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP), quatro artigos sobre a Educação Permanente foram publicados, contribuindo para a difusão e a
ampliação do debate a respeito do tema no Brasil.
64

Educação Permanente é chamada por Furter de revolução educacional do século


XX, apontando para uma transformação radical da forma de responder
pedagogicamente às mudanças do mundo. Sobre a Educação aponta uma formação
necessariamente interdisciplinar e intersubjetiva, sempre em processo de construção.
(NESPOLI e RIBEIRO, 2009, p. 6)

Não é um método nem mesmo uma técnica. A educação permanente se apresenta


como nova perspectiva capaz de subverter o nosso entendimento a respeito da educação e
sobre o processo da aprendizagem sem si, relacionando-o com as mudanças reais na vida e na
sociedade.

Embora não seja uma nova técnica, ela pressupõe a necessidade de revisão de todo o
sistema educacional. Aponta para a autoformação contínua, incluindo o trabalho, por ser este
um processo de produção e de expressão criadora do homem e de participação política e
cultural.

Nesse processo de busca da transformação, o autor lança mão do conceito de utopia


como um princípio da esperança, mas de forma a se realizar na ação concreta, no devir
histórico, na relação dialética da práxis humana.

Em suma, a formação em Saúde tem sido pensada mediante a inclusão de todos os


elementos e a contribuição de autores de diferentes campos, com pressupostos que acabam
convergindo para o entendimento de que os processos de formação se dão na cena do
trabalho, no encontro real com os pacientes.

A Política de Educação Permanente em Saúde é instituída em 2004, seguindo a


orientação da Organização Pan-Americana em Saúde (OPAS) de 1980, como forma de
resposta à responsabilidade constitucional do Sistema Único de Saúde (SUS) de ordenar a
formação de recursos humanos para essa área e de incrementar o desenvolvimento científico e
tecnológico na sua área de atuação. Ela promove a articulação de educação e trabalho em uma
perspectiva integradora, visando à produção de novas práticas em saúde (MOTTA, 2011;
BRASIL, 2004a; 2004b; 2007).

Desta forma, a Educação Permanente surge como conceito pedagógico no setor da


Saúde e visa efetuar relações orgânicas entre o ensino e as ações e serviços, bem como entre
docência e atenção à Saúde. Relaciona formação e gestão setorial, promovendo
desenvolvimento institucional e controle social em saúde (BRASIL, 2007).

Contamos ainda com inúmeras portarias e documentos que orientam a implementação


dessa política, incluindo o fortalecimento da relação ensino-serviço de modo a articular as
necessidades dos serviços de Saúde com as possibilidades de desenvolvimento dos
65

profissionais, a capacidade resolutiva dos serviços de Saúde e a gestão social sobre as


políticas públicas de Saúde (BRASIL, 2009a).

A Educação Permanente é aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se


incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho. A educação permanente se
baseia na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas
profissionais. A educação permanente pode ser entendida como aprendizagem-
trabalho, ou seja, ela acontece no cotidiano das pessoas e das organizações.
(BRASIL, 2009a, p.32)

Não é mais possível pensar a formação em saúde distante de onde o trabalho acontece,
como antes se pensava. Essa direção promove necessariamente muitas inversões e convoca os
atores dos cenários, assim como a universidade e as instituições formadoras, a repensarem as
suas ações formativas, possibilitando, mesmo, a transformação de suas programações e
subvertendo as lógicas pedagógicas. A clássica separação ou submissão da prática em relação
à teoria também precisa ser repensada e problematizada.

Do mesmo modo, o entendimento do que é conhecimento, como este se produz e


quem o produz engrossa o processo de desconstrução de lógicas anteriores, que eram
hierarquizadas e fragmentadas. Assim, essa direção para a formação é responsabilidade de
todos, tendo a universidade o papel importante de repensar seus modelos de formação, de
buscar aproximação com os Serviços de Saúde de sua região e de elaborar ações em parceria
para a formação de seus alunos e para o exercício de participação e cidadania na construção
do SUS. Igualmente, é fundamental que a gestão inclua a sua rede de serviços de forma a
possibilitar relações com as instituições de ensino.

É no processo de produção de atos de Saúde, denominados encontros de sujeitos em


ação, cada um com seus poderes, produzindo relações, se interditando e produzindo
mutuamente. No encontro com esse trabalho micropolítico é que se faz indispensável o
exercício reflexivo.

Aí é possível construirmos dispositivos de gestão coletiva do trabalho em saúde, que


abram encontros públicos para os fazeres privados dos atos profissionais centrados.
Provocar tudo isso, ao mesmo tempo, na lógica do trabalho como ato pedagógico,
expresso pelo olhar da educação permanente, cria novas formas de se construir os
cotidianos nos serviços de saúde. (MERHY, 2005)

A formação surge a partir da problematização das questões enfrentadas na realidade e


leva em consideração os conhecimentos e as experiências que as pessoas já possuem. Por sua
vez, a problematização do processo de trabalho é o orientador desse processo formativo, em
prol das necessidades de saúde reais das pessoas e das populações. Assim, toda ação
formativa tem dupla missão, formar profissionais e transformar práticas.
66

Grande parte da formação para Saúde, que tem como base os modelos de capacitação,
os quais a orientam ainda hoje, encontra o seu fundamento em: “ações intencionais e
planejadas que têm como missão fortalecer conhecimentos, habilidades, atitudes e práticas
que a dinâmica das organizações não oferece por outros meios, pelo menos em escala
suficiente.” (BRASIL, 2009a, p.39)

Esse modelo opera com limitações e é influenciado por condições institucionais,


culturais e políticas, desvencilhando a formação do contexto político e socio-histórico.
Baseia-se fundamentalmente em uma visão instrumental da educação, sem considerar os
problemas do trabalho como base para se pensar a formação dos profissionais (BRASIL,
2009a).

Pode-se afirmar que a capacitação se insere no modelo de transmissão da informação,


como se ela, sozinha, fosse capaz de operar mudanças de comportamento e novas práticas em
Saúde.

Entretanto, a formação é bem mais do que a aplicação de métodos e técnicas, mais do


que o domínio de conteúdos desconectados de sua aplicabilidade prática ou, mesmo, da
necessidade da clientela, foco das nossas ações de Saúde.

A Educação Permanente é uma estratégia que, em última instância, visa à reorientação


institucional. Logo, toda e qualquer formação pensada nesses moldes e que siga à risca o
conceito aqui explorado, precisa ter em mente um processo muito maior do que a aquisição de
conhecimentos ou o desenvolvimento de habilidade técnica. É possível afirmar que se insere
em um processo que possibilita transformações reais em sujeitos e coletivos institucionais,
extraindo efeitos de realidade de forma inegável e irremediável (MERHY, FEUERWERKER
e CECCIM, 2006).

Incorporar os processos sociais, políticos e institucionais promove a ampliação da


capacidade crítica, formando profissionais reflexivos, partícipes e engajados na proposta de
transformação da sociedade.

Muitos autores têm produzido reflexões importantes sobre o tema da Educação


Permanente em Saúde (EPS). Ceccim (2004/2005) aponta para a necessária porosidade entre
educação e realidade mutável e mutante dos Serviços de Saúde, bem como destaca o caráter
transformador dessa iniciativa nos processos de trabalho em Saúde.

Motta (2011) faz uma revisão das principais publicações encontradas nos periódicos
indexados ao programa de pós-graduação do Núcleo de Tecnologia da Educação (NUTES), da
67

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no período entre 2004 e 2010. Em seu artigo,
algumas observações ganham destaque. Uma, aponta a importância fundamental que a EPS
tem no sentido de produzir a capacidade de o profissional problematizar a si mesmo no agir
em Saúde. Outro aspecto importante é a identificação de que os Serviços de Saúde passam
então a integrar uma rede-escola, lugar reconhecido como aquele em que a formação se dá.

Como dificuldade na prática das EPS, Motta (2011) destaca o difícil exercício da
democracia participativa, já que não estamos habituados, menos ainda no cotidiano das nossas
relações de trabalho. Mais um ponto de análise indicado pelo autor diz respeito à necessidade
de aprofundamento conceitual do termo e do modo como essa estratégia é capaz de funcionar
exatamente de maneira transformadora. Da mesma forma, o pesquisador ressalta que os
artigos explorados utilizam poucos recursos para explicar como o conhecimento produzido no
trabalho, afeta a própria organização.

A EPS situa-se como metodologia problematizadora, cuja prática pedagógica acontece


nos espaços mesmos do SUS, cenário real e capaz de ampliar a concepção do processo saúde-
doença.

Busca-se uma transformação ampla e geral na condução das iniciativas de formação


em saúde quando das práticas em Saúde. Assim, é imprescindível construir espaços de
articulação e cooperação, de forma a possibilitar a construção e a implementação de
iniciativas políticas e práticas para a mudança em todos os níveis da formação, do mesmo
modo que na graduação das profissões de Saúde de acordo com as diretrizes do SUS.

Na UFRJ existe hoje uma interessante iniciativa de construção coletiva das


transformações do currículo da Faculdade de Medicina, formado pelo Programa de Educação
Médica (PEM) da UFRJ, que foi aprovado pela Congregação da Faculdade de Medicina em
dezembro de 2009. Ele se institui como um fórum permanente de estudos e discussão, aberto
à comunidade envolvida diretamente com educação médica. Tem como objetivo manter o
processo de construção de uma nova proposta curricular para a graduação em Medicina,
redefinindo conteúdos, repensando as práticas, os métodos pedagógicos e a produção de
conhecimento.35

Esse debate visa aproximar a formação médica da UFRJ dos princípios presentes na
nova lei de Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2001), isto é, formar médicos com alta
qualidade técnica, conscientes de seu papel social e preparados para enfrentar as demandas da

35
Acervo pessoal de e-mails trocados entre os participantes do PEM nos anos de 2011 e 2012.
68

sociedade e, como consequência, fortalecer o SUS. Esse espaço tem se constituído com a
participação coletiva dos atores envolvidos, docentes, gestores, coordenadores, alunos etc. Na
tentativa de possibilitar um debate ampliado sobre as transformações possíveis, o que não se
tem mostrado tarefa fácil em função dos planos de disputa em jogo, no que concerne à
graduação de um curso tradicional em uma das universidades mais importantes do país.

A grande consideração pelo conhecimento acadêmico e o pouco valor atribuído ao


conhecimento adquirido pela ação prática, é mais uma questão social do que
científica. Entretanto, é possível aprender muito com os indivíduos familiarizados
com os contextos reais da prática. Com as limitações que lhe são inerentes, o
conhecimento na ação é uma forma de fazer e dar ênfase ao que não se sabe. Para
Schön (1994), a partir da ação é possível construir conhecimentos verificáveis e
acumuláveis com níveis crescentes de consciência. A ferramenta para fazê-lo é a
observação consciente, verbalizada, do processo de reflexão cuja prática é
fundamental. (BRASIL, 2009b, p. 50)

O debate apresentado até o momento no campo da formação em saúde também


atravessa o campo da saúde mental e introduz novos elementos para reflexão. Como pensar as
transformações do campo da Saúde Mental de forma articulada com as novas orientações para
a formação em Saúde? Esse é o próximo desafio.

2.2.1 Transformações da assistência em Saúde Mental

A gente não quer só comida, a gente quer comida


diversão e arte. (Titãs-Comida36)

A análise das políticas atuais de Saúde e de Saúde Mental introduzem importantes


transformações na concepção vigente de loucura, nas estratégias de intervenção, quanto aos
locais destinados ao tratamento e em sua relação com a sociedade, situando um contexto de
transformações, o qual atinge inevitavelmente o campo da formação, demandando novas
formas de atuação dos profissionais dessa área.

A mudança de paradigma que envolve o campo da Saúde Mental constitui a orientação


fundamental para as novas propostas de formação que a ela precisam estar submetidas, de
modo a construir processos afinados à nova orientação conduzida pela política pública
brasileira.

Com os movimentos de redemocratização do país nos anos de 1980, nos quais


diversos movimentos sociais se fortalecem na busca pelo direito à saúde e pela reivindicação
de grupos minoritários, surge o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM).

36
TITÃES, Comida, Álbum: Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, WEA, 1987.
69

Esse grupo de profissionais protagoniza denúncias a respeito das condições de tratamento dos
pacientes internados nos hospitais psiquiátricos, destino único para aqueles que precisam de
cuidados, cuja forma de tratamento se baseia na reclusão por longos e infindáveis períodos
(AMARANTE, 1995).

Muitas foram as denúncias e as críticas relacionadas ao modelo de cuidado e aos seus


efeitos para a vida dessas pessoas. Todo um movimento protagonizado pelos profissionais,
ganha volume e pertinências, surgindo algumas iniciativas inovadoras espalhadas pelo país, as
quais recebem forte inspiração do modelo da Psiquiatria Democrática Italiana 37 (BASAGLIA,
1985).

O movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira surge na direção de uma


transformação real das práticas em Saúde Mental. Após anos de luta e de processo de
transformação, a lei 10.216 é aprovada em 2001, a qual dispõe sobre a proteção das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial. Com esse
redirecionamento espera-se a transformação do modelo eminentemente hospitalar, para a
criação e o fortalecimento de dispositivos de cuidado territorial, possibilitando a interação
familiar e visando garantir a manutenção dos vínculos sociais.

Novas formas de pensar e de tratar a loucura instituem leis e portarias que visam à
substituição do modelo hospitalocêntrico e médico-centrado. Surgem portarias de
regulamentação de novos serviços,38 da criação de benefícios para pacientes em processo de
desinstitucionalização,39 de regulação das internações e de fiscalização dos hospitais
psiquiátricos.40

37
Movimento de transformação da assistência psiquiátrica, que teve lugar na Itália nos anos de 1970, com base
no fechamento dos hospitais psiquiátricos, ocorrido a partir da sustentação de um discurso anti-institucional.
Teve seu ápice com a promulgação da Lei nº 180, de 1978 (Lei Basaglia), que estabeleceu a abolição dos
hospitais psiquiátricos e está vigente até o presente momento (BASAGLIA, 1985).
38
Brasil, Portaria 336 de 19 de fevereiro de 2002, que regulamenta a criação dos Centros de Atenção
Psicossocial- CAPSI, II e III; Brasil, Portaria nº 106 de 11 de fevereiro de 2000, que regulamenta a criação dos
Serviços Residenciais Terapêuticos; Brasil, Portaria nº 2.841, de 20 de setembro de 2010. Institui no âmbito do
Sistema Único de Saúde - SUS, o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas – 24 horas - CAPS
AD III, dentre outras.
39
Brasil, Lei n. 10.708, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes
acometidos de transtornos mentais egressos de internações, dentre outras, de acordo com os estados e
municípios.
40
Brasil, Portaria /GM nº 251 - de 31 de janeiro de 2002. Estabelece as diretrizes e normas para a assistência
hospitalar em psiquiatria, reclassifica os hospitais psiquiátricos, define e estrutura, a porta de entrada para as
internações psiquiátricas na rede do SUS. Orientada pelos indicadores de qualidade aferidos pelo PNASH-
Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria.
70

Essas ações tornam possível o redirecionamento de recursos para o financiamento de


novos serviços-dispositivos de atenção em Saúde Mental, capazes de sustentar o trabalho
orientado pela lógica da desinstitucionalização 41.

Este conceito surge como uma direção clínica e política no processo de reconstrução
de laços e vínculos sociais e familiares para os pacientes há muito institucionalizados e passa
a orientar as ações em Saúde nos diversos cenários de cuidado, construindo novas
possibilidades no mundo da vida e da cidade (AMARANTE, 1995; 1996; BRASIL, 2001b;
2004b).

Essa nova forma de cuidar em sociedade, que necessita do trabalho de vários atores
em prol da reabilitação psicossocial do usuário dos serviços de Saúde Mental, denomina-se
Clínica da Atenção Psicossocial. Essa nova direção clínica requer um grupo de profissionais
que possa efetuar ações de cuidado de forma realmente ampliada, para além das ações de
saúde stricto sensu. O profissional em foco deve ser capaz de acompanhar sujeitos em suas
necessidades de vida, requerendo um suporte junto à família nas ações concretas do dia-a-dia,
tal como nas interações entre os sujeitos e suas comunidades (ALBERTI e FIGUEIREDO,
2006).

O campo da Saúde Mental é propício ao exercício da visão integral e multiprofissional


da Saúde preconizada pelo SUS, exigindo de nós a capacidade de agenciar situações de crise,
equacionar dificuldades reais e subjetivas, exercitar a lida com sujeitos diferentes, além de
trabalhar em equipe na garantia de cuidados individuais e coletivos para os pacientes com
transtorno mental.

Pensar a formação desses profissionais é incluir na agenda da formação todos esses


atravessamentos, que são decisivos não somente para a prestação de uma assistência de
qualidade, mas para a formação de cidadãos capazes de agir no mundo da vida de forma
consciente e responsável.

A reflexão apresentada por Bedin e Scarparo (2011) aproxima a teoria da


complexidade de Morin ao conceito de integralidade, central para a construção de um novo
modelo assistencial sustentado pelo então Sistema Único de Saúde. Esses autores aprofundam
a sua reflexão quando relacionam o processo de Reforma Psiquiátrica a um acontecimento
social, político e eticamente complexo, com inúmeros atores e diferentes contextos,

41
Uma importante experiência sobre esse processo é relatada por Cerqueira et al. (2007).
71

demandando uma visão ampliada de saúde e da relação entre os saberes que a compõem. O
cuidado em Saúde, mais uma vez, exige mais do que conhecimentos estanques e habilidade
técnicas.

A amplitude do campo da Saúde Mental se torna ainda mais complexa quando


consideramos a multiplicidades de saberes coexistentes, as diversas linhas e teorias possíveis
na forma de compreender o adoecer psíquico, seu tratamento e intervenções terapêuticas.
Presenciamos campos de disputas intra e interprofissionais. Tal desenho, por um lado, torna
as formas de atuação ricas, diversificadas e complexas, mas, por outro, traz consigo o desafio
de sustentar a não fragmentação das práticas, a não compartimentalização do sujeito que
sofre. Essa forma de atuar traz reflexões sobre o papel e a delimitação de cada profissão e a
convivência de diferentes teorias, o que pode gerar impasses na experimentação do trabalho
em equipe (MERHY, 2000; 2005; BRASIL, 2003-2006).

Nessa linha de pensamento, as construções de novas reflexões sobre a prática


educativa acompanham as transformações da sociedade, necessitando dar respostas aos novos
entendimentos sobre o mundo ao mesmo tempo em que são pensadas práticas de saúde mais
integrativas e democráticas.

É nesse contexto, em que a formação deve estar afinada com os Serviços de Saúde, a
realidade da política e as reais necessidades dos sujeitos que sofrem, que surgem os
programas de residência como modo inovador de pensar a formação de profissionais em
Saúde.

2.3 Educação em Saúde e as Residências Multiprofissionais

Os processos de transformações nos campos da Educaçao e da Saúde, apresentados


neste capítulo apontam para a constituição de um novo campo, o campo da Educação em
Saúde, onde essas dimensões se articulam de forma instrinseca, possibilitando ações de
formação inovadoras. Este novo campo passa a ter importância fundamental para a formação
dos profissionais, para a assistência da população e para a produção de conhecimento.

As Residências Multiprofissionais em área profissional da Saúde nascem neste


contexto de transformaçãoes. Elas são criadas a partir da promulgação da Lei n° 11.129, de
2005, e como maneira de intervenção educativa concreta na formação. Elas são orientadas
pelos princípios e diretrizes do SUS, a partir das necessidades e realidades locais e regionais.
Na medida em que produz a aprendizagem para o exercício profissional, também produz
72

diferentes modos de subjetivação, outros modos de compreender a saúde, favorecendo a


constituição de um novo o sujeito, que esteja atento à peculiaridade da clínica e
comprometido com os princípios e diretrizes do SUS (CECCIM e PINTO, 2007).

A residência multiprofissional coloca o importante desafio de pensar a formação, a


prática profissional e a interdisciplinar com base nas definições e determinações da Política
Nacional de Saúde Mental, tendo como eixo o cuidado em Saúde (Merhy, 2002; Ceccim e
Pinto, 2007; Ceccim e Feuerwerker, 2004). Vale uma reflexão aprofundada sobre a criação
desses programas, da modalidade de formação que sustenta uma direção inovadora, trazendo
para reflexão pontos importantes: o mundo do trabalho como escola; a articulação estreita
entre teoria e prática; e as relações entre núcleo profissional e campo multiprofissional.

Os Ministérios da Saúde e da Educação têm criado ações que visam transformar a


formação, oportunizar e fortalecer a interação entre instituições de ensino superior e o Sistema
de Saúde, por meio da implementação das diretrizes curriculares e da adoção da integralidade
como eixo norteador dos processos de formação.

As residências multiprofissionais em Saúde surgem em contexto muito amplo de


mudanças que acontecem simultaneamente em ambos os campos da Educação e da Saúde,
com a oportunidade para que os projetos dos novos cursos efetivem, de fato, as propostas de
transformação da formação, dando consequência às orientações legislativas e seguindo as
fundamentações teóricas que possibilitam o seu surgimento na cena pública.

A orientação política representada pelas instâncias do Ministério da Saúde e da


Educação, embora controversa em alguns pontos, tem imprimido uma direção que visa à
multiprofissionalidade e à intersetorialidade, sem perder o norte clínico, político e educacional
para os cursos de residência. As residências criadas antes da instituição da lei devem se
adaptar e se reformular, incorporando novas diretrizes, como a articulação prático-teórica, as
ações territoriais e o trabalho em equipe. Da mesma forma, a cena está colocada para os
cursos que articulam várias profissões, diferente das estratégias uniprofissionais inicialmente
hegemônicas.

Os Cursos de Residência Multiprofissional, em sua concepção teórica, têm a


prerrogativa de se orientarem por uma relação intrínseca entre teoria e prática, buscando a
construção coletiva do saber, reconhecendo o aluno como ativo no processo de construção do
conhecimento e considerando a flexibilidade dos conteúdos em jogo no processo de formação
em serviço. Está colocada, em sua constituição, a possibilidade de se definirem como uma
73

modalidade de formação inovadora, trazendo pontos importantes para reflexão: o mundo do


trabalho como escola, articulação estreita entre teoria e prática, as relações entre núcleo
profissional e campo multiprofissional (BRASIL, 2005a; CECCIM e MERHY, 2009).

As residências multiprofissionais preveem ainda o reconhecimento da


indissociabilidade entre trabalho e formação por meio da construção de processos de
educação permanente, da consolidação de redes de cooperação e, principalmente, do
entendimento de que tanto os processos de formação como os de trabalho produzem
conhecimentos técnicos e políticos, os quais são princípios balizadores do compromisso social
dessas novas iniciativas de formação (Brasil, 2003; 2005a).

Uma observação se faz importante. Dada a direção dos programas de residência,


garantias não há. Existe trabalho que se operacionaliza também em ato, na forma como os
cursos constroem seus projetos pedagógicos e como estes são efetivamente postos em prática.
Somente em ato, no acompanhamento da aplicação dos projetos, nas vivências de uma
proposta pedagógica, faz-se possível identificar os elementos formadores que são priorizados,
e os seus efeitos para os alunos e para a instituição. É importante a sustentação de cada
coordenação e instituição capaz de fazer valer a sua missão de formação de novos
profissionais no contexto atual, imprimindo novas necessidades de pensar e agir em Saúde.

Alguns autores, que se dedicam a pensar o processo de formação em Saúde, levantam


alguns pontos de debate sobre a modalidade de formação das residências. Merhy e Ceccim
[s/d] colocam uma importante direção de trabalho ao chamar a atenção para uma marcação
fundamental: o lugar de centralidade do conceito de Educação em Saúde, destacando a inter-
relação e a interferência mútua de cada um desses campos no processo de formação em
Saúde. Aqui se faz fundamental a travessia, ou melhor, a sustentação de uma mudança de
referencial ou mesmo de paradigma, em que o foco do cuidado em Saúde deixa de ser a
presença/ausência de sintomas e passa ser orientado pela produção de encontros e vida
(MERHY, 2009).

Para entender a amplitude que esta nova proposta impõe, é preciso reconhecer a
fragmentação do trabalho em Saúde, presente atualmente de forma hegemônica nos processos
de trabalho. A prática em Saúde é orientada hoje por saberes estanques e fragmentados e por
discursos sobre algumas “coisas”,42 elementos que estão organizados e construídos de forma a

42
O uso desse termo está em Merhy e Ceccim, [s/d], p.24.
74

identificar doenças. Organização esta que não trata de um fenômeno casual nem individual.
Segundo Merhy e Ceccim:

É uma construção ampla de processos de subjetivação do olhar de cada um e de


todos ou, pelo menos, de muitos. São agenciamentos produzidos de maneira
intencional pelo domínio de recursos de manejo comunicativo e de poder, tais como
os dos setores empresariais ou de certos grupos sociais como o dos profissionais de
saúde. (MERHY e CECCIM, [s/d], p.24)

Vários elementos comparecem, impedindo que o encontro multiprofissional tenha


lugar.

A presença apenas do mundo da macropolítica, onde conhecimentos técnicos,


protocolares, disciplinares e dependentes, fundamentalmente, do domínio de saberes
formais prescrevem certos modos de atuar, trata-se do trabalho capturado por seu
gerenciamento/protocolização/corporativização. (MERHY e CECCIM, [s/d], p.4)

A atuação dos profissionais de Saúde, na maioria das vezes, ainda se restringe a certos
procedimentos que definem a sua especificidade profissional, circunscrevem o seu saber e
regulamentam seu exercício. Tudo isso está no centro das ações em Saúde, e o usuário é
apenas objeto passivo desses imperativos corporativos.

Mas, curiosamente, o modus operandi de cada categoria é incapaz de apreender e


normatizar todo o fazer, havendo sempre importantes diferenças entre os profissionais de uma
mesma categoria e entre diferentes equipes. Os procedimentos descritos por determinada
profissão não dão conta da integralidade do cuidado. Da mesma forma, esta não poderá ser
alcançada pela soma das diversas ações das várias categorias. É preciso um salto, uma
mudança de paradigma, capaz de fazer as categorias se organizarem de outra maneira.

A temática da multiprofissionalidade é um dos eixos fundamentais dos programas de


residência, conforme orientados pela política. A necessidade de formar profissionais precisa
contemplar todo esse contexto para além de categorias profissionais específicas e das teorias
que orientam o trabalho propriamente dito.

O reconhecimento da indissociabilidade entre trabalho e formação, a construção de


processos de educação permanente, a consolidação de redes de cooperação e, principalmente,
o reconhecimento de que tanto os processos de formação como de trabalho produzem
conhecimentos técnicos e políticos são princípios que balizam o compromisso social dos
programas de residência enquanto proposta formadora e é o que também orienta este estudo.

Segundo esses autores, ao longo dos anos, há uma reorientação dos cursos de
formação em Saúde com o foco da integralidade, instaurando nova forma de pensar a clínica
do cuidado. Ceccim e Carvalho (2006) destacam alguns referenciais: “(1) ampliar o
75

referencial de saberes e práticas com as quais, cada profissional estuda e trabalha e (2) não
posicioná-los isoladamente na ação de saúde, firmando o trabalho em coletivos organizados
de produção da saúde (p.8)”.

Além disso, apontam a nova direção como um desafio para a formação e


desenvolvimento dos profissionais, assim como do próprio trabalho no setor Saúde. Eles
pensam a formação e o trabalho de forma interligada e, para tal, ressaltam a importância de
haver uma relação orgânica entre as instituições de ensino, a gestão da saúde, os órgãos de
representação popular e os serviços de atenção, estabelecendo uma relação de compromisso
das instituições de ensino com o Sistema de Saúde e com os demais atores, cujo foco do
ensino e do trabalho deve ser usuário centrado, expressão também trabalhada por Merhy
(2007).

A formação deve se dar a partir do acolhimento dos problemas de saúde vividos pela
população e pelo engajamento na construção de um sistema de saúde orientado pela
integralidade, o que pressupõe práticas de inovação em todos os espaços de atenção à saúde e
práticas de análise crítica de contextos. De acordo com as mudanças na graduação das
carreiras da saúde: “é preciso que levemos em conta que as instituições que ensinam devem
ser caixas de ressonância das expectativas sociais.” (BRASIL, 2003, p.7).

Desta forma, passa a ser formativa a vida como ela é, com suas dificuldades,
incompletudes e falhas. “A organização dos serviços e o trabalho tal como o encontramos na
rede campo de estágio ou o posicionamento dos segmentos corporativos das profissões e a
dos governos também são processos formativos.” (CECCIM e CARVALHO, 2006, p.15).

Os autores procuram levantar reflexões que apontam para uma tentativa de rever as
relações envolvidas entre universidade e serviço. Uma forma comprometida de pensar essas
ações torna a iniciativa uma corresponsabilização.

As formações propostas pelas residências visam chamar a responsabilidade das


universidades para as ações e Serviços de Saúde, formulando parcerias e ações conjuntas
tanto para a formação quanto para qualificação da assistência, lembrando que o SUS é
construção e sustentação de todos os seus atores, uma vez que ele não está pronto nem
garantido.

As mudanças previstas para as formações em saúde ratificam que a graduação


constitui uma etapa da formação inicial, sendo a formação um processo contínuo da educação
permanente, e todos os atores devem ser envolvidos no processo formativo: os alunos, os
76

preceptores, supervisores. O trabalho em Saúde precisa de formação permanente. (BRASIL,


2003)

A formação e o exercício profissional não podem seguir linhas paralelas no


desenvolvimento de sistemas de saúde, eles precisam de relações orgânicas. A
formação gera serviços, condições de provimento e/ou fixação de profissionais,
possibilidades de equipe, desenvolvimento e avaliação de tecnologias do cuidado e
da assistência, capacidade de compreensão crítica e sensibilidades. A rede de
sistemas e serviços de saúde gera campos de práticas, cenários de intervenção,
demandas locais, retaguarda científica e tecnológica, inclusão social e oportunidades
de entendimento da vida. (CECCIM e PINTO, 2007, p.1)

A proposta das residências em Saúde põe em cheque várias dicotomias presentes na


formação tradicional, como a separação entre: academia e serviço; estudo e trabalho;
atividades curativas e preventivas; unidades básicas e hospitalares. É importante que haja uma
rede de cooperação em prol da formação e do cuidado em Saúde de modo articulado e efetivo,
de forma a responder aos novos paradigmas do setor e da formação em Saúde, visando à
ampliação da capacidade de respostas às necessidades de saúde da população.

Nesse processo faz-se fundamental pensar estratégias de articulação que visem


instituir uma relação estreita entre o campo teórico e o campo prático, construindo ações de
mudança na cultura das instituições e promovendo a melhoria da qualidade dos serviços
prestados por ambos, tendo em vista o aprimoramento dos processos de ensino-aprendizagem.

O ensino deve levar em conta e, ao mesmo tempo, fazer parte de um modelo político-
cultural condicionado pelo contexto em que estão inseridos, pois seus objetivos estão
necessariamente relacionados aos da sociedade.

O ato de ensinar não se dissocia do ato político de buscar produzir crítica sobre o
instituído, visando à criação de linhas de fuga, não no sentido de fugir, mas no
sentido de abrir novos caminhos que afirmem a cognição como subjetivação e vida.
(ARANTES et al, 2004, p.58)

Com essas reflexões iniciais sobre a educação ficamos com as questões mais práticas e
operacionais sobre a realização desse processo no Programa de Residência alvo dessa
pesquisa. Temos como base as transformações atuais dos processos de ensino-aprendizagem
que instituem formas ativas de se conceber o conhecimento. Não é possível apostar em uma
transmissão linear do conhecimento, do mestre para o aluno e, menos ainda, na existência de
hierarquia na relação com o sujeito do conhecimento.

As residências em Saúde podem ser entendidas como uma estratégia de intervenção


que visam à transformação da formação profissional e da realidade da saúde de nosso país. É
77

um ensino-aprendizagem-fazer que subverte todo o processo de ensino e a relação deste com


a realidade social do país.

De acordo com este enfoque, o problema da mudança e do aprendizado nas


organizações de trabalho supera amplamente o papel tradicional atribuído à
educação do pessoal, convertendo-a em uma ferramenta de intervenção institucional.
Isto significa que, para entender como o aprendizado se converte em ação, no âmbito
de uma organização, é necessário conhecer os elementos que apoiam a persistência e
a mudança institucional... (BRASIL, 2009a, p.51)

No Programa de Residência alvo desta investigação é possível entrar em contato de


forma intensa com o mundo do trabalho em Saúde Mental em uma instituição psiquiátrica que
passa pelo processo de transformação. Muitas questões se colocam no processo de análise
dessa proposta, de forma a possibilitar o pensar a relação deste curso com as orientações
colocadas pelos novos paradigmas e pelas legislações que regulam o campo da formação em
Saúde.

Da mesma forma, torna-se possível uma aproximação com a ocorrência do processo


de formação dos alunos a partir do encontro com o mundo do trabalho, que revela uma
importante descontinuidade entre teoria e prática, entre ideal e real. As questões suscitadas
pelo trabalho e pela vida apontam de forma crua para o real da clínica, para o impossível, o
não sabido, isto é, para algo que não conseguirá ser plenamente recoberto por explicações e
sentidos construídos academicamente (LACAN, 1998).

Após o percurso trilhado até aqui, por meio do qual foi possível revisitar autores,
aprofundar conceitos e assumir um posicionamento no campo filosófico metodológico,
estamos munidos e autorizados a mergulhar na investigação de campo, que toma em análise
os processos de formação do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do
IPUB/UFRJ.

O próximo capítulo se destina à apresentação do Programa com seus mecanismos


pedagógicos, suas concepções teóricas e seus operadores do cuidado. A aproximação e o
estudo dos instrumentos organizadores do curso é etapa fundamental para a construção da
cartografia dos movimentos, que acontecerão no capítulo subsequente.
3. APRESENTANDO O PROGRAMA DE RESIDÊNCIA
MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL DO IPUB/UFRJ

O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ como


um exemplo dentre as inúmeras propostas de formação em Saúde que surgem a partir do
incentivo da parceria entre os Ministérios da Saúde e da Educação.

Mostram-se aqui todas as dimensões que compõem a proposta pedagógica deste curso,
com base nas informações presentes no Projeto Político Pedagógico (IPUB, 2010) e no
Caderno do Residente (IPUB, 2013). Tal exposição se faz fundamental para a compreensão da
análise cartográfica construída por essa pesquisa, que será trabalhada nos capítulos
subsequentes.

O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do Instituto de


Psiquiatria (IPUB) está vinculado ao Centro de Ciências da Saúde da UFRJ e foi criado em
2010, tendo sido regulamentado por meio do Ofício 10.209/2009 do CGHU-DHR/SESu/MEC
de 06 de outubro de 2009 (IPUB, 2013).

Por sua vez, o Projeto Político Pedagógico (PPP) tem início com a apresentação do
Instituto da Psiquiatria da UFRJ na qualidade de instituição hospitalar e universitária, que
conta com forte tradição na formação de profissionais em Saúde Mental, os quais circulam
entre os campos da Psiquiatria e da Saúde Mental. Tais características definem um cenário
bastante particular, em que se desenvolve essa proposta formativa.

O Instituto de Psiquiatria tem como característica, comum a outros hospitais


universitários, o triplo legado: o ensino, a assistência e a pesquisa. Cada um destes
objetivos representa um universo complexo de desafios. Não é fácil a manutenção
deste tripé. (IPUB, 2010, p. 4)

O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental constitui uma


modalidade de ensino de pós-graduação com duração de dois anos e se destina a psicólogos,
enfermeiros, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais sob a forma de curso de
especialização, que se caracteriza por treinamento em serviço, em regime de dedicação
exclusiva e sob orientação profissional.

Ele compõe um dentre os seis Programas de Residência da UFRJ, cada um


referenciado a determinado instituto/hospital e com uma especialidade a ser desenvolvida.
79

São eles: HUCFF43, residência em Hospital Geral; IESC 44, residência em Saúde Coletiva,
IPPMG45, residência em Saúde da Criança e do Adolescente; ME 46, residência em Saúde
Perinatal e Materno Infantil; ESFA47, residência em Saúde da Mulher e em Saúde da Família
e Comunidade.

O Programa de Residência em Saúde Mental do IPUB teve início em 2010, com a


abertura de seis vagas para três categorias profissionais: psicologia, enfermagem e serviço
social. Em 2011 houve aumento no número de vagas, que passou de seis para doze, bem como
a inclusão de mais uma categoria profissional, a terapia ocupacional. Em 2012, o número de
vagas aumentou novamente, completando vinte, além da previsão de cinco vagas para cada
categoria profissional. Por sua vez, em 2013, as vagas se mantiveram e foram aprovados mais
vinte alunos.

Desde a sua criação, o programa cresceu e se ampliou, tornando-se cada vez mais
complexo e exigindo a parceria de novos profissionais para a composição de novos cenários
de prática. O curso hoje conta com quarenta alunos, dos quais vinte são residentes no primeiro
ano e vinte, residentes no segundo ano. Este número se apresenta bastante expressivo se
comparado com as demais propostas de formação disponíveis nessa modalidade, na área de
Saúde Mental.

Trata-se de uma proposta de formação em Saúde que integra o conjunto de propostas


de qualificação dos trabalhadores dessa área, o qual foi promovido pelo Ministério da Saúde
em parceria com o Ministério da Educação. Nessas propostas, a temática da
multiprofissionalidade dá lugar a uma direção inovadora, com discussões importantes sobre o
que é fundamental de cada categoria profissional, o que é nuclear e o que é comum às
diferentes categorias no cuidado em Saúde.

Como objetivo geral do Programa destaca-se:

Desenvolver um curso de pós-graduação, nos moldes de residência,


multiprofissional e interdisciplinar em saúde mental, com base nas definições e
determinações da Política Nacional de Saúde Mental, com formação especializada
em serviço, sob orientação docente-assistencial, tendo como eixo o cuidado em
saúde e a qualidade de vida. (IPUB, 2010, p.5)

43
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – HUCFF.
44
Instituto de Saúde Coletiva- IESC.
45
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira – IPPMG.
46
Maternidade Escola – ME.
47
Hospital Escola São Francisco de Assis – HESFA.
80

A formação dos alunos, implicados e imersos no contexto institucional, caracteriza um


processo de intervenção, em que, no seu fazer-saber, os alunos promovem um processo de
transformação em ato. É correto afirmar que a instituição serve à residência, assim como a
residência serve à instituição, e o produto disso é inevitavelmente construído no seu fazer, que
emerge dessa relação (IPUB, 2010).

No entanto, a realização desse processo mútuo de formação, de intervenção e de


transformação não é algo que ocorra de modo automático nem direto. Requer um
planejamento, uma encomenda, que, nesse caso, é sustentada pela direção dada ao curso na
formulação do seu Projeto Político Pedagógico, norteador de práticas, definidor de métodos e
que aponta caminhos a serem trilhados.

O Projeto Político Pedagógico previsto para o curso segue a mesma orientação do que
é preconizado pelo SUS, no qual:

É desenvolvido um conjunto de ações que visam à formação de uma nova geração


de profissionais, por meio de um processo educacional inovador e transformador,
com o objetivo de assegurar a excelência técnico-científica contextualizada pela
abordagem ética, singular e integral de cada pessoa e comprometida com a defesa da
vida e o direito à saúde. (IPUB, 2010, p. 3)

Como pressupostos orientadores da prática assistencial, previstos nesse projeto, temos


a construção de linhas de cuidado para os pacientes e, no exercício do fazer, operam-se os
conceitos de desinstitucionalização e a construção de rede e território,48 como principais
operadores do cuidado.

O marco conceitual desse projeto está fundamentado nos quatro pilares do


conhecimento e da formação permanente, conforme trabalhados por Moacir Gadotti (2000), a
saber: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros, aprender a ser.
Esses pilares concentram a complexidade que está colocada na missão de formar sujeitos
integrais, visando ao exercício da prática em Saúde, a qual tem lugar no mundo das
necessidades reais das pessoas.

A relação teórico-prática, o aprender a pensar, o saber-fazer, o saber-conhecer e o


saber-conviver são concebidos como mecanismos fundantes da competência humana e das
habilidades profissionais. No campo pedagógico-educacional, o projeto trabalha com o
desenvolvimento de competências cognitivas, afetivas e motoras, conforme designação do
MEC por meio do relatório da UNESCO (DELORS et al., 1998).

48
As palavras em destaque referem-se aos operadores do cuidado indicados pelo PPP (IPUB, 2010).
81

Esses eixos de sustentação fornecem um importante entendimento de como a


interligação entre os quatro campos de competência contribuem para formação profissional.

O processo ensino-aprendizagem na educação profissional como uma competência49


a ser adquirida numa determinada área de atuação, expressa na qual o profissional
deve saber e ser capaz de fazer para exercer sua prática com sucesso. (IPUB, 2010,
p.7)

O projeto propõe uma organização curricular que aborda a íntima articulação entre
teoria e prática, sem subordinações. Essa proposta traz para o debate alguns pontos
específicos, pois o mundo da prática, que é o mundo do trabalho, configura-se como uma
escola, uma vez que as questões e as vivências produzem conhecimentos, possibilitando a
formação profissional.

Esse projeto propõe uma inovadora organização curricular que aborda uma íntima
articulação entre teoria/prática, sem subordinações. Utiliza uma abordagem
pedagógica construtivista e fundamentada na aprendizagem significativa e de adulto.
Focaliza metodologias ativas de aprendizagem tanto na formação de residentes
como na educação permanente de docentes. (IPUB, 2010, p.7).

O PPP se ocupa em descrever de maneira clara a proposta metodológica aí


desenvolvida, que está centrada na utilização de metodologias ativas de aprendizagem. Essa
proposta aposta na construção de espaços semanais de Educação Permanente, lança mão do
acompanhamento dos alunos em sessões de tutoria e trabalha a construção do portfólio
reflexivo como método pedagógico e avaliativo. Esses itens constituem os mecanismos
pedagógicos50 formulados pelo curso, os quais serão analisados no próximo capítulo.

No processo de acompanhamento dos alunos destacam-se os tutores, os preceptores de


campo de estágio e os preceptores de núcleo profissional. 51 Os tutores são três profissionais
que acompanham os alunos ao longo dos dois anos de curso, ocupando-se do
desenvolvimento pedagógico do aluno e atuando como facilitador na articulação teórico-
prática.

Caberá ao tutor produzir junto aos residentes os projetos pedagógicos individuais,


detalhando as atividades teóricas-práticas nos seus respectivos cenários, bem como
acompanhar o seu desenvolvimento durante o curso. (IPUB, 2010, p. 8).

49
A noção de competência aqui empregada refere-se à mobilização de capacidades para a tomada de decisão e
realização de ações específicas que caracterizam determinada prática profissional, nesse caso, a prática dos
profissionais de Saúde frente a situações de saúde-doença, segundo contexto e critérios de excelência (HAGER
& GONZCI, 1996).
50
As palavras em destaque referem-se aos dispositivos pedagógicos indicados pelo PPP (IPUB, 2010).
51
As palavras em destaque referem-se aos profissionais que efetuam o acompanhamento dos alunos conforme
indicado pelo PPP (IPUB, 2010).
82

Além dos tutores, o curso discrimina ainda dois tipos de preceptores: os de campo de
estágio e os de núcleo profissional. Os preceptores de campo de estágio são os responsáveis
pelo acolhimento dos alunos no dia-a-dia dos serviços em que ficam lotados. Eles têm por
atribuição:

Promover a integração dos residentes das diversas áreas profissionais no respectivo


campo; - promover a integração dos residentes com a equipe de saúde, usuários
(indivíduos, família e grupos) e demais serviços. (IPUB, 2010, p. 9)

Segundo alguns autores, a presença do preceptor no campo de estágio se mostra como


importante instrumento de avaliação do aluno na medida em que ele está próximo ao aluno no
exercício do fazer, auxiliando, intervindo e colhendo os efeitos das intervenções no campo em
relação aos pacientes e com as equipes.

A observação da evolução das habilidades no dia-a-dia das relações interpessoais, a


evolução dos pacientes, o interesse que demonstram pelo outro, as situações que
surgem, mostram sua própria evolução e segurança como aluno. Observando,
estando junto na hora das interações com os pacientes. (BRAGA e SILVA, 2006,
p.56)

Os preceptores de núcleo profissional são aqueles profissionais que se ocupam em


pensar as questões referentes a cada categoria profissional e a maneira como ela conversa com
as demais categorias e com o campo da Saúde Mental: “Os preceptores de núcleo, por sua
vez, serão divididos por núcleos profissionais e acompanharão os residentes nos cenários de
práticas internos e externos” (IPUB, 2010, p. 8).

Um dos pilares fundamentais do curso, contido no PPP, se baseia na construção do


projeto pedagógico individual (PPI).52 Este dispositivo permite que os alunos sejam
acompanhados individualmente ao longo de sua trajetória pelo mesmo tutor, responsável pelo
desenvolvimento pedagógico. O objetivo é acompanhar o aluno no processo de articulação da
teoria com a prática, com atenção às competências a serem desenvolvidas, auxiliando a
sustentação do trabalho clínico e possibilitando a construção de uma reflexão sobre a sua
prática (ESTEVES, 2008).

Os campos de estágio vão se definindo a cada vez e para cada um, de forma que as
diversidades e os interesses individuais venham a ser considerados, ao mesmo tempo em que
se faz necessário manter uma estrutura curricular comum (IPUB, 2010).

Nesse contexto, os residentes atuam em diversos cenários de prática, dentro e fora do


hospital, o que promove a inserção dos profissionais no mundo do trabalho desde o primeiro

52
As palavras em destaque referem-se a um dos dispositivos pedagógicos indicados pelo PPP (IPUB, 2010).
83

ano de sua formação. O Programa conta com uma variabilidade de cenários de prática que
contemplam setores internos ao IPUB no primeiro ano; e serviços externos em parceria com
as Coorednações de Saúde Mental dos Municípios do Rio de Janeiro, Niterói e Secretaria
Estadual de Saúde do Rio de Janeiro.53 O objetivo principal é a ampliação das possibilidades
de vivência dos alunos, favorecendo o desenvolvimento de profissionalismo, visando garantir
elevados padrões de qualidade, conforme descrito claramente no Projeto Político Pedagógico
do curso. (IPUB, 2010).

Diferentes dispositivos clínicos e assistenciais54 são acionados entre as atividades


práticas, tais como: visitas domiciliares (VD), acompanhamento terapêutico (AT) no espaço
da cidade, acompanhamento de internação domiciliar do usuário e seus familiares, com a meta
de construir nova abordagem ao atendimento à crise fora das instalações dos Institutos, além
das atividades de lazer e de trabalho assistido. Essas modalidades de trabalho, já descritas no
PPP, atravessaram a experiência de pesquisa de forma viva e serão mais bem descritas em
outro tópico (IPUB, 2010).

Caracterizando-se por imersão na vida, na realidade dos serviços de Saúde Mental, as


seguintes modalidades assistenciais são descritas como cenários de prática no PPP:

 Cenários Internos ao IPUB – duas enfermarias, uma masculina e outra feminina,


totalizando, no máximo, cento e um leitos; centro-dia para pacientes com graves
transtornos psíquicos (CAD); centro-dia para a infância e a adolescência (CARIM);
centro de convivência para usuários abusivos de álcool e outras drogas (PROJAD);
três serviços residenciais terapêuticos (SRT) em instalações externas à sede do
Instituto (casas em bairro residencial); um centro de lazer (Clube da Esquina) situado
no espaço da universidade; oficinas terapêuticas concentradas nas atividades do
Projeto Enfermarias.
 Cenários Externos – diversos serviços de atenção psicossocial extra-hospitalares de
base comunitária (CAPS, nas suas diferentes modalidades, infantil, álcool e drogas e
CAPSIII); serviços de emergência psiquiátrica e geral; serviços de residência
terapêuticos, programas de gestão; ambulatórios e dispositivos da atenção básica.

O percurso prático é acompanhado das atividades teóricas, que são compostas pelas:
Sessão Clínica, Centro de Estudos, Seminário Clínico e demais Módulos Disciplinares.

53
Em janeiro de 2013, a rede de cenários externos passou por importante ampliação em função do aumento do
número de residentes R2, que chegaram a vinte alunos.
54
As palavras em destaque referem-se aos dispositivos pedagógicos indicados pelo PPP (IPUB, 2010).
84

O modelo avaliativo previsto no PPP mescla a avaliação formativa e a avaliação


somativa, que se dá ao longo dos dois anos do curso. Busca-se estimar os saberes e a prática
profissional relacionada ao desenvolvimento de competências e aos objetivos gerais do
programa na efetivação do seu projeto pedagógico singular.

Ao término dos dois anos, cada residente deverá apresentar o TCC (Trabalho de
Conclusão de Curso), que consiste em pesquisa individual. Esta é uma atividade acadêmica
obrigatória, condição imprescindível à obtenção do certificado de conclusão do Curso de
Residência Multiprofissional em Saúde Mental.

Nos próximos tópicos, cada um desses elementos será analisado de forma mais
aprofundada e articulada com as narrativas dos atores, na vivência do curso em ato,
constituindo a cartografia dos movimentos do Programa de Residência Multiprofissional do
IPUB/UFRJ.

Como esses pressupostos operam na vida do curso em andamento? Quais os efeitos


desses mecanismos para o processo de formação dos alunos? Quais as questões que essa
proposta metodológica produz?
4. CARTOGRAFIA DOS MOVIMENTOS NO PROGRAMA DE
RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL DO
IPUB/UFRJ

A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse


ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou
- eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que
abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que
aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando
borboletas. (Manoel de Barros, 1998) 55

A escolha por investigar o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde


Mental do IPUB/UFRJ se deu pela proximidade desta pesquisadora com a instituição IPUB e
com este curso especificamente.

O curso se mostrava instigador de estudos a respeito dos processos formativos em sua


relação com o mundo do trabalho, levantando questões a partir do desenrolar cotidiano das
atividades do Programa. Revelaram-se diferentes elementos, conceitos e perspectivas
pedagógicas desconhecidas, até então, nas experiências vivenciadas anteriormente pela
pesquisadora.

Tomando como ponto de ancoragem a ampla revisão bibliográfica que deu início a
este estudo, foi possível localizar nesse curso um caráter inovador, conforme mencionado em
seu Projeto Político Pedagógico (PPP). A inovação diz respeito a uma conjunção de fatores
que perpassam os campos da Educação e da Saúde, produzindo um arranjo bastante particular
que congrega dimensões filosóficas, pedagógicas, clínicas e institucionais, as quais, juntas,
dão identidade a esta proposta: orientam a construção de dispositivos pedagógicos, conduzem
a organização do curso, promovem a construção das disciplinas, definem os cenários de
campo, criam novos espaços institucionais e, dessa forma, orientam a formação de uma nova
geração de profissionais em Saúde Mental.

55
Poema extraído da abertura do Caderno do Residente - Orientações Gerais para o R2- (IPUB, 2013).
BARROS, Manoel de. A maior riqueza do homem é a sua incompletude. In: BARROS, M. Retrato do Artista
Quando Coisa. São Paulo: Editora Record, 1998.
86

Este capítulo apresenta o esforço de organizar a riqueza do material coletado ao longo


dos quatro meses do trabalho de campo. Neste complexo processo de análise foi possível
identificar os diversos movimentos que se apresentaram na efetivação da proposta
pedagógica, construindo uma cartografia com três dimensões que se entrecruzam e se
imbricam todo o tempo, colocando em movimento: as formulações teóricas orientadoras do
curso, a construção do conhecimento pelos alunos e os efeitos da proposta de formação para
os atores envolvidos e para a instituição. Todas essas dimensões e as relações entre elas estão
completamente entrelaçadas e se influenciam mutuamente no desenrolar do curso e no
caminhar da pesquisa.

Vale retomar que a noção de teoria, trabalhada nos capítulos anteriores, traz embutida
uma dimensão de produção ativa daquilo que supostamente ela descreve. Assim, Silva, T.T.
(2011) afirma categoricamente que a realidade é produzida ativamente.

A noção de que uma teoria é produzida com o objetivo de recobrir o real e que é criada
para dar conta dele, já não se sustenta mais frente às correntes pós-modernas e pós-críticas da
Educação. Nesse contexto, alicerçado pelo pensamento pós-moderno e pós-estruturalista, uma
teoria passa a ser compreendida enquanto representação e, por isso, inúmeras representações
são possíveis e todas elas, sempre relativas.

Toda teoria se torna assim, inseparável dos efeitos representacionais da realidade que
produz. No novo contexto, objeto de investigação e efeitos do processo investigativo
coincidem ao mesmo tempo e em mesmo lugar. O objeto que a teoria descreve é, a um só
tempo, produzido por ela.

Essa reflexão inicial marca o caminho de análise do material produzido por esta
investigação cartográfica. É possível afirmar que este estudo produziu os elementos da forma
como eles se construíram na vivência cotidiana, ganhando consistência e visibilidade.
Somente a partir da vivência em ato dos dispositivos previstos, estes puderam ganhar a
dimensão de realidade, revelando as relações e os atravessamentos entre os elementos
comprometidos no processo formativo.

Em tal contexto, o currículo, assim como o Projeto Político Pedagógico de um curso, é


permeado pelas teorias e pelos autores que inspiram a sua construção.

Da perspectiva da noção de discurso, estamos dispensados dessa operação, na


medida em que tanto supostas asserções sobre a realidade quanto asserções sobre
como a realidade deveria ser têm ‘efeitos de realidade’ similares. (SILVA, 2011,
p.13)
87

Orientador das ações de um curso e de uma proposta pedagógica, o PPP se apresenta


como uma sistematização, nunca definitiva, de um processo de planejamentos das ações
educativas. É um instrumento teórico-metodológico de intervenção e de mudança na realidade
tanto dos alunos, no que diz respeito à sua formação, quanto da instituição em que está
inserido e, do mesmo modo, da sociedade onde habitam.

Encontram-se contemplados no texto do PPP as dimensões: específicas da instituição


enquanto organização, composta por setores; e pedagógicas, bem como as dimensões
políticas, culturais e econômicas constituídas de um marco referencial: finalidade; do
diagnóstico: realidade; e de uma programação: mediação (HORNBURG e SILVA, 2007).

É possível afirmar que partimos da realidade para pensar as ferramentas e as propostas


de ação, de modo que possamos alcançar a finalidade da formação dos nossos alunos. Fruto
da relação entre a realidade e a finalidade, uma tensão está colocada em processo dinâmico e
contínuo.

Os projetos educativos, sempre que apostados na realização das utopias e na


transformação do real, vão dialetizar as aspirações do desejável e as fronteiras do
possível, num jogo em que aquelas procuram explorar e, se necessário, destruir
estas, que, por seu turno, colocam entraves e obrigam à reelaboração das primeiras.
(CARVALHO, 1992: 206)

Parte fundamental no processo educativo, o Projeto Político Pedagógico é o plano


global concernente a uma instituição de ensino, por meio do qual toda a proposta pedagógica
se embasa e se justifica, orientando ações e criando estratégias para que o plano de formação
seja efetivo. Conforma uma metodologia de trabalho que possibilita ressignificar a ação de
todos os agentes da instituição, o que aponta para a sua missão interventora e transformadora
da realidade (VEIGA-NETO, 1995).

Um plano de formação implica necessariamente ações intencionais, não cabendo


espaço para ingenuidades ou alienações, razão pela qual dizer a que veio, com clareza e
determinação, é o primeiro passo para a definição de uma posição política e filosófica
(VEIGA-NETO, 1995).

Os estudos sobre a construção de um projeto político pedagógico apontam para a


importância da construção de métodos que possibilitem uma ação de transformação, partindo
de como as coisas estão, para onde se deseja chegar. Esse tipo de projeto traz em seu bojo
uma forma de cobrança ética de mudança, que se situa como orientadora das ações, não
deixando que a formação fique à deriva. O currículo de uma escola ou curso requer a
assunção de uma identidade e de uma organização interna para que possa ser concretizado.
88

Ao tomarmos em análise a instituição IPUB como o cenário privilegiado para o


desenvolvimento desta proposta, alguns desafios se colocam de antemão.

O IPUB é um hospital psiquiátrico, isto é, uma instituição hospitalar destinada à


assistência em Saúde Mental, pelo que deve estar incluído na reflexão acerca do
redirecionamento da assistência psiquiátrica brasileira, visando à ampliação de um cuidado
comunitário e regionalizado; ao mesmo tempo, é um setor da universidade, com missão
acadêmica importante, que traz muitas outras implicações internas e externas para os
profissionais, para a rede de Saúde e para o campo da produção científica.

Essas questões constitutivas presentes no cenário de criação do Programa de


Residência Multiprofissional em Saúde Mental atravessam a formulação e o desenvolvimento
desta proposta educativa. Dentre alguns temas que gravitam em torno dessas características da
instituição, estão: a operação do vínculo e a responsabilidade territorial, a organização e o
processo de trabalho, a direção clínica voltada para os casos, os dispositivos reconhecidos de
cuidado, a relação com os princípios do SUS e com a Política Nacional de Saúde Mental.

O campo de atuação desse Programa de Residência se apresenta como um campo de


realidade concreto, que se propõe distinto das experiências laboratoriais assépticas e
controladas, distantes das categorizações previstas nos livros didáticos e manuais que tentam
aprisionar e descrever sujeitos, sofrimentos e modos de vida.

Ao tomar as instituições e os Serviços de Saúde enquanto cenários de prática delimita-


se um espaço-tempo de trabalho-intervenção. Assim, o trabalho de acompanhamento dos
alunos se deu ao mesmo tempo em que ocorreu o acompanhamento dos efeitos do trabalho
deles sobre a instituição, as relações de trabalho, o acompanhamento dos casos, a constituição
das equipes, tornando toda essa produção-reflexão um material a ser alvo de análise sobre o
processo de formação aqui em jogo.

Dessa forma, este capítulo tem como objetivo destrinchar os três movimentos de
forma entrecruzados que compõem a cartografia do Programa de Residência Multiprofissional
em Saúde Mental do IPUB/UFRJ com a meta de tentar explicitá-los, embora seja impossível
separá-los completamente, pois é junto e misturado que eles se constituem.

O primeiro movimento articula o PPP previsto, teórico, o do papel, com a sua


aplicação em ato. Trata-se aqui de um PPP vivo, que se conforma na cena de sua efetivação.
Os operadores do cuidado e os dispositivos clínicos se mostram na sua potência e em toda a
sua dificuldade, como realmente acontece.
89

O segundo movimento se detém nos processos de formação e nos movimentos dos


espaços formativos com ênfase para o processo de construção do conhecimento pelos alunos a
partir do encontro com os impasses e as questões advindas do mundo do trabalho.

O terceiro movimento enfatiza a arte de fazer furo no muro56 como a possibilidade de


desconstrução de sujeitos, dos saberes e das práticas ao tentar recolher os efeitos desta
proposta formativa para os atores envolvidos no processo e para a instituição.

Todo o processo de construção da cartografia se efetua e é alinhavado por meio das


narrativas dos alunos, coordenadores, tutores e preceptores do curso e serão apresentadas
como disparadores das situações de análise, dando visibilidade às questões e subsidiando as
reflexões.

4.1 Primeiro Movimento: O Projeto Político Pedagógico em ato

Várias são as dimensões de análise presentes nesta investigação que colocam em foco
uma reflexão consistente entre o PPP previsto e a sua aplicação em ato no cotidiano do curso
em andamento.

Neste capítulo, buscamos identificar a quais questões o PPP do Programa de


Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ busca responder, quais as suas
teorias formuladoras, sua dimensão de mundo, de sujeito e o modelo de aprendizagem que
sustenta e faz operar. Da mesma forma, analisa o modo como os operadores do cuidado e os
mecanismos pedagógicos operam no processo de formação dos alunos.

O PPP do curso em foco sustenta a direção desta proposta formadora e se apresenta,


em sua formulação teórica, afinado com o projeto institucional do Instituto de Psiquiatria sob
uma tripla dimensão: ensino, assistência e pesquisa, da mesma forma que se orienta pela
produção de estudos multiprofissionais no campo da Saúde Mental (IPUB, 2010).

Algumas das reflexões trazidas pelo PPP seguem em acordo com os autores que
ajudaram a pensar as transformações do campo da Educação, considerando a complexidade
do mundo e o processo de ensino aprendizagem indissociados das experiências cotidianas que
operam enquanto acontecimentos (LARROSA, 2002a).

56
Expressão usada pela Coordenadora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do
IPUB/UFRJ e que aponta, ao mesmo tempo, uma posição ética e uma direção clínica e política para a formação
no campo da saúde mental. Esse termo esteve presente nos espaços pedagógicos do curso, apontando para a
possibilidade de intervenção na instituição e nas lógicas de trabalho estabelecidas, capaz de promover mudanças
na realidade.
90

Por sua vez, a formulação teórica do PPP é embasada em correntes educacionais


críticas, como a pedagogia construtivista e a aprendizagem significativa, que apresentam
restrições na amplitude de suas concepções, embora tragam importantes contribuições para o
processo de transformação da educação.

Segundo Becker (1992), construtivismo significa dizer que o conhecimento não é dado
e sim construído na relação do sujeito com o mundo e se constitui por força da ação do sujeito
sobre o mundo. Identificamos Piaget e Freire como os precursores dessa corrente de
pensamento. Para Gadotti (1996), Freire foi um dos criadores do construtivismo crítico.

Na percepção de Silva, T.T. (2011), Freire propõe uma educação problematizadora e


construída de forma dialógica em oposição à educação bancária, que se constituía do
“depósito” de informação e de fatos, ou como ato isolado e individual. As concepções
freireanas apresentam uma importante mudança, recusando a ideia de que o sujeito é uma
tabula rasa, sobre a qual iriam se imprimir os conhecimentos.

O pensamento de Freire, embora fundamental para a história da educação brasileira, se


dedica a pensar a educação como ato intencional, dirigido para alguma coisa. Desta forma, o
construtivismo se ocupou de pensar os métodos de aquisição do conhecimento sem se deter na
aquisição do conhecimento propriamente dito.

Silva (2011) questiona o pensamento construtivista de Freire: “Freire está aqui longe
das concepções pós-estruturalistas recentes que concebem o conhecimento como
estreitamente relacionado com suas formas de representação no texto e no discurso” (p.59).

O mesmo ocorre com o conceito de aprendizagem significativa de Ausubel, ao qual


nos dedicamos no Capítulo 2 deste estudo. Esse conceito se apresenta como uma descoberta
importante para o campo da Educação, mas é problematizado por Larrosa (2002a), que o
aproxima da noção de opinião, bastante criticada por ele.

Ao considerarmos a análise proposta por Larrosa, identificamos que a aprendizagem


significativa se restringe à importância de dar sentido ao que é aprendido, facilitando a
assimilação dos conteúdos pelo sujeito. Contudo, para Larrosa o que interessa é a capacidade
de vivenciarmos os acontecimentos, aquilo que não possui sentido prévio e que exige a
construção de novos sentidos, novas explicações para os eventos e para o mundo.

Com base nessa reflexão, é possível considerar a carência de formulações teóricas no


PPP que sejam mais afeitas às concepções epistemológicas apresentadas nos capítulos
91

anteriores e que tomam o conhecimento como produção em ato e promotora de


transformações do mundo.

Tomando como fundamento os autores estudados, aventamos a possibilidade de novas


formulações e outras orientações que possam contribuir para a melhor fundamentação de uma
proposta para um curso de residência multiprofissional em Saúde.

Ao mesmo tempo em que carecem de sustentação teórica no projeto escrito, na prática


do acompanhamento dos espaços pedagógicos formativos foi possível notar o modo como a
proposta se efetiva em ato, transcendendo as orientações filosóficas previstas no PPP, e se
aproximando das novas formulações expostas pelos filósofos e autores pós-críticos.

Os mecanismos pedagógicos trabalham com o foco nos impasses e incidentes críticos,


que são tomados em análise e se tornam disparadores de pesquisa, de reflexão e de produção
teórica.

No processo de construção do projeto político pedagógico de um curso, alguns autores


chamam a atenção para a importância de um processo de sensibilização dos atores
institucionais. Apontam como fundamental o processo de mobilização institucional para a
criação de nova proposta de trabalho, de forma que ela possa ter significado para todos
(HORNBURG e SILVA, 2007).

Ao longo do processo de acompanhamento das atividades, foi possível formular


questões do tipo: como a foi a construção deste PPP? Houve participação dos setores da
instituição? Foi uma construção coletiva? Os atores institucionais foram consultados ou
tiveram conhecimento do projeto, uma vez que envolveria diretamente a instituição como um
todo? Estas questões mostraram-se pertinentes nesta análise, a partir de algumas falas
apresentadas pelos atores do curso de residência.

“É preciso apresentar o projeto da residência nos cenários de prática para onde os


alunos irão.” – (tutor do curso).

“Os preceptores não sabem nada sobre como o nosso curso se organiza.” – (R1,
Enf.)57.

“Os supervisores nem sabem quem nós somos, nós chegamos sem que eles
soubessem do nosso curso.” – (R1, Psic).

“O que a gente fala é grego para ele. Eles não entendem esse negócio de residência
multiprofissional.” – (R1, A.S.).

57
As narrativas dos alunos serão apresentadas de acordo com o ano de pertencimento – R1: residentes de
primeiro ano ou R2: residentes de segundo ano - acrescidos da categoria profissional abreviada – T.O.:
Terapeuta Ocupacional; Enf.: Enfermeiro; Psic.: Psicólogo e A.S.: Assistente Social.
92

No que diz respeito à criação do programa de residência do IPUB, foi possível


recolher fragmentos de falas que davam pistas sobre a sua construção, possibilitando uma
reflexão sobre essas mesmas falas.

“Houve algumas reuniões com alguns atores do corpo docente, no momento de


construção do curso e produção da proposta pedagógica”. (tutor/coordenador do
curso)

Essas discussões que envolveram a implantação do curso ficaram restritas à alguns


atores, docentes, não contemplando a instituição como um todo na direção de se produzir um
processo significativo e de construção coletiva.

A apresentação que a coordenadora faz sobre o processo de gestação institucional do


curso, aponta uma grande fragmentação na forma como a instituição se organizou para a
efetivação dessa proposta. As falas expõem dificuldades que se atualizam em alguns episódios
que atravessaram a experiência de trabalho-formação dos alunos, dentre elas: as dificuldades
de pactuação coletiva do trabalho e a fragmentação entre os setores. Essa análise revela o
modo como a falta de uma construção de sentido coletiva pode afetar a implantação das
diretrizes do curso e a relação entre os atores institucionais.

Identificamos que a falta de conhecimento da proposta acarreta o não pertencimento


dos atores institucionais como um coletivo partícipe das decisões que os afetam de maneira
direta, dificultando o seu engajamento na direção pedagógica colocada pelo curso.

Na implantação de nova proposta de trabalho é importante, ainda, um bom diagnóstico


da realidade para que as intervenções possam ser planejadas de acordo com os dados reais a
serem enfrentados (HORNBURG e SILVA, 2007).

“A instituição não funciona como a residência multiprofissional funciona.” – (R1,


Psic.).

“Os outros residentes (médicos) não têm espaço para discussão coletiva”. – (R1,
Enf).

“Por que só a gente tem que produzir o portfólio”? - (R1, Enf).

“Por que os alunos da especialização não precisam entrar na enfermaria? Eles nem
frequentam a supervisão clínica”. – (R1, T.O.)

A proposta pedagógica do curso de residência apresenta uma direção para a formação


em consonância com a atual política de Saúde e Educação, afinada com as suas
transformações na direção de formar profissionais orientados pela integralidade das ações.
Alguns aspectos centrais e, por si mesmos, inovadores no rol das propostas educativas em
saúde são descritas da seguinte maneira:
93

Essa nova demanda implica na ressignificação do papel da escola na sociedade e na


construção de novos modelos político-pedagógicos que respondam a uma formação
cidadã, para além da transmissão de conhecimentos. (IPUB, 2010, p.5)

As falas descritas sugerem que esta não é uma direção clara ou unânime dentro da
instituição, do mesmo modo que não é colocada para as demais propostas formadoras. Em
razão disso, várias lógicas de cuidado e diferentes propostas pedagógicas coexistem no
mesmo espaço institucional, provocando o aparecimento de contradições, paradoxos e
divergências deflagradas claramente na fala dos alunos:

“Nas supervisões de equipe clínica são debatidos apenas as prescrições


medicamentosas.” – (T.O., R1).

“Por que os outros profissionais (não médicos) não participam da supervisão da


equipe clínica?” – (Psic, R1)

“Se o paciente não melhorar com a medicação, vai ser indicado o eletrochoque.”
(Enf, R2).

Foram identificadas posturas conservadoras de cuidado e de formação. Ainda há


lógicas médico-centradas com enfoque no procedimento e nas ações curativo-preventivistas,
hospitalocêntricas; aliadas a métodos tradicionais de ensino, cuja base é a transmissão de
conhecimento e o treinamento de habilidades.

Aqui se faz importante retomar a lógica educativa que sustenta os modelos tradicionais
de ensino, conforme estudado no Capítulo 2 desta dissertação.

Na concepção do ensino tradicional, a prática se resume à aplicação de uma teoria, na


qual há um rol de condutas possíveis e previamente comprovadas em determinado estudo
teórico. As condutas são estabelecidas e padronizadas com anterioridade, orientadas por uma
hipótese diagnóstica igualmente definida e restritiva das possibilidades de ser dos sujeitos.
Nesse contexto, não há lugar para as metodologias problematizadoras, nem espaço para o
encontro com o sujeito. O paciente, assim como os alunos, é tomado como objeto das ações
de cuidado e das ações educativas.

Essa forma tradicional de pensar o cuidado e a formação em Saúde se apresenta como


modelo hegemônico no IPUB, sede do Programa de Residência Multiprofissional e principal
cenário de desenvolvimento dessa proposta.

Tal contradição se revela em outros momentos ao longo desta análise e aponta para
uma contradição constitutiva deste curso. Todos esses elementos são combinados num
panorama institucional complexo. Desta forma, o curso de residência multiprofissional entra
em choque com a realidade, trazendo consequências para todos os atores do processo.
94

A riqueza e a variedade de propostas pedagógicas, assim como a pluralidade de


saberes e de orientações clínicas, não podem estar dissociadas de certa orientação maior,
colocada para a formação no campo da Saúde. Da mesma forma, elas não podem ocorrer a
despeito das políticas públicas, nem desconsiderando os desafios enfrentados pelas
necessidades de saúde da população e da sociedade.

Os cursos de formação na área da Saúde, assim como as ações de cuidado em Saúde,


não podem mais correr ao largo de certa direção da política preconizada pelo SUS, pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a área da Saúde. Não é possível sustentar que qualquer
proposta de formação ou de cuidado é válida e que cada um pode fazer o que bem entender,
utilizando recursos públicos e serviços públicos de forma privada e particular. Estamos todos
submetidos a uma orientação maior estabelecida pela política de formação em Saúde, e a
universidade tem a missão de efetivamente operar com esses pressupostos em ato.

Apostar na existência de direção comum não é sinônimo de almejar o término de


disputas e, menos ainda, visa à construção de consenso. As diferentes orientações, presentes
também no corpo docente dos atores que sustentam em ato a implementação do programa,
atualizam-se também em ato, no exercício do trabalho, na relação com os alunos e nas
conduções profissionais. As divergências, contradições e paradoxos entre os vários projetos
aparecem ao longo da prática do fazer, impossíveis de serem escamoteadas.

O cenário da vida é um campo de disputas, tensões e descontentamentos permanentes.


Aprendemos com Foucault que não há a verdade única, o que não significa a validade de
qualquer coisa.

“A preceptora cismou que eu tenho que apresentar um caso clínico ao término da


minha passagem pelo serviço; conversa com ela pra mim; será que precisa ser dessa
maneira?” – (R1, T.O.)

“Hoje eu fui à enfermaria visitar a paciente e descobri que o médico deu alta. Por
que ninguém me avisou? Eu faço parte da equipe de cuidado?” – (R1, Psic.).

“Marcaram o ECT do paciente no horário da apresentação do teatro. Semana de


trabalho para o paciente se engajar na atividade. A equipe não conseguiu perceber
que isso era muito importante para ele; logo, não foi levado em consideração” – (R2,
Enf.)

“A gente precisa participar do Centro de Estudos? Eles só falam sobre medicação e


mudança de comportamento. Não teve nenhum tema sobre o trabalho
multiprofissional nesse semestre”. – (R1, Psic.).

Como fazer? O que fazer se, de fato, não existe um mundo coeso, coerente e uniforme,
nem aqui nem do outro lado do mundo? Como trabalhar com lógicas e pressupostos tão
diferentes? Essa é uma reflexão importante. Identificar as dificuldades e as contradições que
95

se apresentam é uma das etapas do processo de investigação da realidade, quando apostamos


na sua capacidade de desconstrução, de construção e de reformulação permanente, produzindo
novas instituições e novos modos de operar no mundo.

Tal como afirma Foucault (1987), as verdades são construídas e desconstruídas, e o


mundo, os serviços e as lógicas não são assim; elas se constituíram assim. O mundo não está
pronto para receber os sujeitos, do mesmo modo que os sujeitos não estão prontos. Há nessas
experiências possibilidade de transformação de mundos e de sujeitos? Diante dessa realidade
é possível apostar na possibilidade de novos devires?

A contradição se apresenta de forma dura e crua no cotidiano da implantação de um


Projeto Político Pedagógico (PPP) que não é unânime, assim como quase nada nesta vida é.

“Acho que não dá para gente ficar mais na enfermaria; os preceptores não
acompanham os alunos no dia-a-dia como deveriam” – (R1, A.S.).

“Até que ponto nós devemos manter esse serviço como cenário de prática? Eles
desconsideram completamente a existência dos CAPS.” – (tutor do curso).

O que fazer? Esta é uma pergunta presente durante todo esse processo investigativo, e
é vivida na experimentação de alguns dilemas por parte dos coordenadores e tutores.

Como sustentar a não existência de cenários ideais e suportar as controvérsias dos


cenários reais? Qual o limite da intervenção do coordenador do Programa ou de um tutor em
determinado cenário de prática?

Do mesmo modo, a direção do que a academia entende por pesquisa e produção do


conhecimento, e que é orientada pelo que a comunidade científica reconhece como ciência, é
colocada em cheque neste PPP. Ele faz alusão a outra forma de conceber a produção do
conhecimento, ao construir dispositivos e estratégias pedagógicas que buscam sustentar a
formação enquanto intervenção na realidade e criação de novas formas de subjetivação e de
novas realidades.

Essa outra forma de produção do conhecimento, que é sustentada por uma nova
epistemologia, ainda é incipiente no mundo científico e, segundo Silva, T.T. (2011), introduz
uma forma de pensar a ciência de modo diferente da ciência positivista.

A nova proposição científica dá lugar a novas possibilidades de experiência,


promovendo a criação de métodos inovadores de pesquisa, que tentam abarcar vários outros
aspectos do mundo e das relações entre os sujeitos, pelo que são incapazes de serem
96

investigados pelos métodos das ciências naturais. Surge a possibilidade de abarcar o mundo
tomando em conta e incluindo toda a sua complexidade (MORIN et al., 2003).

A construção de um projeto pedagógico como este se coloca como um desafio para os


próprios candidatos ao Programa de Residência, levantando uma importante reflexão sobre a
formação nos cursos de graduação das profissões da Saúde.

O SUS, embora seja o sistema público de saúde vigente no Brasil, não tem a sua
efetivação garantida somente por leis e portarias. A construção do SUS envolve uma mudança
de lógica de trabalho e de modelo assistencial, que afeta todos os níveis da vida dos sujeitos e
atravessa em cheio as formações em saúde.

“Eu nunca tinha lido sobre o SUS antes de fazer a prova da residência” – (R1, Psic.).

“Gostei muito dos autores que falam sobre o cuidado em saúde, não conhecia” –
(R1, A.S.).

Muitos alunos chegam sem ter estudado esse tema na graduação. Isso denota a
dissociação e não equivalência entre as regulamentações e sua efetivação na vida prática dos
atores, dos cursos e das propostas pedagógicas.

Esse desconhecimento de conceitos fundantes e orientadores coloca uma dificuldade


inicial no processo de efetivação do PPP, mas é com os descompassos e hiatos que o mundo
se constitui. É desta maneira controversa e complexa que se constitui também este PPP.

Dias (2011) traz uma análise crítica da abordagem cognitivista de competências, por
sua divisão em habilidades estanques e fragmentadas: competências motoras, afetivas e
cognitivas, conforme desenvolvido no Capítulo 2.

O PPP se fundamenta na articulação das várias dimensões de competência – cognitiva;


afetiva e relacional. Esse modelo formativo baseado na aquisição de competências, conforme
descritos no Relatório da UNESCO (Delors et al., 1998), ressaltam uma dimensão utilitarista,
reconhecendo como habilidades a serem desenvolvidas para melhor aplicação prática. O
programa aborda essas dimensões ao enfocar seu caráter articulador em prol da realização de
uma tarefa bem-sucedida.

Para Dias (2011), mais do que uma dimensão utilitária, a competência deve estar
relacionada à capacidade de produção, de recriação do mundo e não apenas como
97

solucionador de problemas. Assim, essa construção sustenta que a aprendizagem se dê como


um devir, cujas habilidades só são “medidas” como as ações sobre o mundo. 58

O PPP desenha um percurso teórico-metodológico diretamente relacionado com a sua


aplicabilidade prática, logo é possível acompanhar alguns efeitos desta proposta, em ato, na
formação dos alunos a ele submetido.

Da mesma forma, o currículo se constitui como invenção social e é resultado de um


processo histórico: “Em determinado momento, através de processos de disputa e conflito
social, certas formas curriculares- e não outras- tornam-se consolidadas como o currículo"
(DIAS, 2011, p.148).

O que está incutido no texto do currículo? De que ordem é a sua tensão? Como esta se
atualiza na realização da sua proposta pedagógica? O currículo, assim como o próprio PPP,
mais do que a programação para uma disciplina ou para um curso, é um espaço de poder e
território de disputas: “O conhecimento corporificado no currículo carrega as marcas
indeléveis das relações sociais de poder.” (SILVA, T.T. 2011, p.147).

O currículo se apresenta como resultado de uma contingência social e histórica capaz


de contemplar alguns conhecimentos em detrimento de outros e sustentar uma orientação
política inegável, que marca uma decisão, nada ingênua, quanto a sua implementação. Na
construção de um currículo, bem como na construção do PPP, há uma eleição dos
conhecimentos, que, naquele momento, são considerados pertinentes à formação de futuros
profissionais que atuarão no campo da Saúde Mental. Assim, tem caráter intencional.

As orientações das teorias pós-críticas da educação avaliam que o jogo do


conhecimento não se limita mais a uma análise entre os campos das relações econômicas e
das lutas de classe (Silva, T.T., 2011 e Veiga-Neto, 2007). Essas teorias acreditam em uma
forma de poder descentrado, transformado e presente em toda a rede social. O conhecimento
passa a ser entendido como parte inerente do poder e não oposta a ele. Não há currículo
neutro nem portador da verdade única.

O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias
tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é
relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é
autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O
currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade.
(SILVA, T.T., 2011, p.150)

58
Para a reflexão mais aprofundada a respeito das novas formas de conceber o conceito de competência é
indicada a leitura de Dias (2011).
98

Essa é a análise proposta neste item, retomar o PPP do Programa de Residência


Multiprofissional em Saúde Mental e colocá-lo sob reflexão, entendendo seus pressupostos e
sua direção, que são completamente atravessados pelo momento histórico. Em seu bojo, ele
traz as contradições presentes na nossa sociedade e na instituição em que o PPP atua.
Apresenta o jogo de forças e as relações de poder nele envolvidas, que atravessam a proposta
formativa como não poderia ser diferente, já que falamos da vida, e tomamos em conta o
contexto em que ela acontece.

Orientado por determinada proposição teórica, seu conteúdo busca responder a uma
demanda de formação em saúde exigida pelas novas diretrizes curriculares dos cursos da
Saúde (Brasil, 2003), mas que denuncia, na sua implantação, o descompasso com a vida da
instituição.

Essas narrativas são um exemplo de uma forma de análise do currículo ou proposta


pedagógica na forma como ela se define por seus atores no exercício da formação em ato.

É fundamental o reconhecimento da proposta teórica que orienta a construção do


currículo. Da mesma forma é preciso entender como ela se articula com a proposta
pedagógica.

Qual conhecimento deve ser ensinado para se alcançar o que está previsto para o
egresso? Ele traz certa dimensão de homem, cultura e sociedade em seu conteúdo. Nesta
direção, o PPP do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental, traz uma clara
posição política e clínica, além de dizer adeus a uma postura de construção pedagógica neutra
e desinteressada.

Uma reflexão sobre o porquê de alguns conhecimentos serem contemplados, e não


outros, mostra que a indagação está diretamente relacionada à questão: o que eles devem ser?
O que os alunos devem se tornar? “Afinal, um currículo busca precisamente modificar as
pessoas que vão ‘seguir’ aquele currículo.” (SILVA, 2011, p.15).

Este é o objetivo final de toda proposta pedagógica, transformar um sujeito mais do


que formar um aluno. Da mesma forma, quando uma proposta é formulada, de certa forma,
partindo de nós mesmos, daquilo que nos tornamos, da nossa subjetividade, da nossa
identidade, assumimos uma posição que ali se apresenta junto com o que propormos para os
alunos. Nosso percurso, nossa formação, nossas escolhas e nossa posição política (SILVA,
T.T., 2011; VEIGA, 1995).
99

Como aponta Foucault (2004), nossas escolhas são exemplos de uma relação de poder,
incutida em todo o processo. Toda escolha se mostra inevitavelmente permeada por essas
relações. É justamente essa análise do poder que separa as teorias tradicionais das críticas e
pós-críticas. Teorias críticas estão focadas nas técnicas, em como operar os conhecimentos,
nas metodologias, em detrimento do porquê. Apresentam-se com uma concepção mais
técnica, aplicada sem processo reflexivo e capaz de questionar as relações de poder incutidas
no processo.

As perspectivas atuais sobre o currículo assumem uma atitude pós-estruturalista


(Paraíso, 2004). Há indefinição e incerteza em relação ao conhecimento, em que o significado
é sempre cultural e socialmente produzido, chamando a atenção para as relações de poder em
jogo nos processos de significação. A verdade também é relativa e não mais totalizante, bem
como não tem correspondência com uma suposta realidade. A verdade é um processo
construído. E os currículos se aproximam dessa visão, quando operam com a verdade
enquanto produção no cotidiano de sua execução.

O PPP inclui vários elementos e mecanismos que sustentam a sua aplicação,


possibilitando a sua implementação, de forma a tentar assegurar os seus preceitos e sua
direção teórico-metodológica. Nos próximos itens deste capítulo será analisado cada um
desses elementos, investigando a maneira como se constituem e colocam em prática a
formação em Saúde Mental deste curso em particular.

4.1.1- Operadores do cuidado

É no plano da realidade do trabalho, na emergência das questões assistenciais, clínicas,


institucionais e políticas que as ferramentas conceituais, os operadores do cuidado, se
atualizam.

Na direção orientadora para este curso, novas balizas surgem para o debate no campo
da produção do cuidado em Saúde, com destaque para três conceitos atuantes e propulsores
das ações no campo da Saúde Mental pública. São eles: linha de cuidado,
desinstitucionalização e as noções de rede e território.

Estes conceitos são extraídos do PPP e visam à consolidação da direção ética, clínica e
política apresentada nos capítulos anteriores. Objetiva-se que eles funcionem, de fato, como
operadores da clínica, tomando a direção de fazer com que os atos em Saúde sejam capazes de
efetivar uma proposta de trabalho condizente com os princípios e diretrizes do SUS.
100

Com Foucault, retomamos o conceito de caixa de ferramenta 59 para nos ajudar a


compreender esses operadores do cuidado. Eles funcionam como conceitos dos quais se
podem lançar mão como uma ferramenta, ajudando a orientar e a operar a realidade da clínica
conforme sustentado por Merhy (1998; 2002; 2007).

Esses operadores são pensados no PPP como elementos transdisciplinares, a serem


operados no encontro com o sujeito, e desta forma sustentam uma força crítica, capaz de
desestabilizar, produzir crise, já que difere das orientações especializadas, procedimentais e
distribuídas por categoria profissional.

Neste contexto, atravessando as especialidades e as fragmentações profissionais, estes


operadores do cuidado também funcionam como intercessores, fazendo liga, articulando
saberes e práticas diferentes.

Linha de cuidado

A construção de linha de cuidado com o paciente, parte, inevitavelmente, de uma nova


forma de entender o processo de saúde doença. Parte-se de um entendimento outro, diferente
das ações de saúde orientadas pela lógica da saúde coletiva e pela racionalidade médica, que
entende a doença como algo que acomete o sujeito e que por isso deve ser combatida e
evitada.

“Ela não para de delirar, o que faço com isso?”- (R1, Enf.)

As ações de tratamento e cura acabam se resumindo às ações perpetradas pelos


profissionais especializados, detentores do saber sobre o que acontece ao sujeito enfermo e
capaz de orientar sobre a aquisição de comportamentos mais saudáveis. (MERHY,
FEUERWERKER e CERQUEIRA (2010); MERHY (2009, 2011); MERHY E CECCIM
[s/d]).

“Eles (os médicos) esperam que a medicação vá livrá-la do delírio”- (R2, Psic.).

“O tratamento na crise é apenas medicação e contenção?” – (R1, Enf).

Assim, a racionalidade científica se organiza e se sustenta por essa forma de entender


o adoecimento, fazendo do sujeito doente um objeto passivo alvo das ações assertivas de
profissionais competentes que tudo sabem sobre o que o sujeito tem, e por isso prescrevem

59
O conceito de caixa de ferramenta de Foucault pode ser compreendido na medida em que ele construiu um
vocabulário e formulou uma gama de conceitos que emergiam das experiências práticas e se propunham como
geradores de práticas. Desta forma, para esse fim, o arsenal conceitual deve funcionar como uma caixa de
ferramenta (REVEL, 2005, apresentação).
101

modos de viver mais saudáveis a partir de orientações gerais e para todos, do que é mais
saudável, do que é melhor e do que deve ser seguido por todos.

Nesse contexto é preciso incluir outras racionalidades que possam disputar planos de
cuidado na direção de se produzir um cuidado compartilhado e ampliado. Não há uma única
forma de entender o adoecimento nem uma única forma de tratamento a ser considerada. Essa
reflexão amplia as possibilidades de pensar o caso e a construção de possibilidades.

“A profissional já definiu para onde a paciente vai; ela diz que sabe o que é melhor
pra ela. Está decidido e pronto.” – (R1, Enf.).

“Aquela paciente teve alta, pois foi avaliado pelo médico que ela já estava há tempo
demais internada. Para uma histérica grave, a instituição agrava os sintomas, por
isso ela precisava ir embora logo.” – (R1, Psic.).

“Meu supervisor disse que pacientes que usam drogas não podem ficar na
enfermaria.” – (R1, Enf.).

Isso é dito desconsiderando a gravidade do caso, sem levar em conta seu sofrimento
ou o motivo de sua doença, cujo um dos sintomas é o comportamento manifesto. Uma
avaliação baseada numa perspectiva moral e não de cuidado é o que acaba orientando as ações
de muitas equipes de saúde. Quem é o paciente? Quais suas questões?

Como destacar o sujeito da massa institucionalizada? Como nos destacarmos das


condutas padronizadas e dos saberes instituídos? O sujeito se perde em meio ao todo, aos
sinais de uma possível síndrome. O cuidado fica refém de um julgamento moral. 60

Essas ações gerais são as balizas da saúde coletiva, orientam a formação e as práticas
profissionais em todos os campos da Saúde Pública. Baseado em sinais e sintomas, testes,
taxas e exames, a vida dos sujeitos é esquadrinhada e disciplinarizada com as “melhores”
indicações do que deve ser feito.

“A técnica de referência disse que o melhor para ela é morar em um abrigo.” – (R1,
A.S.).

O preço desta forma de conduzir as ações de cuidado em Saúde tem efeitos em todos
os campos da vida, em todas as especialidades, padronizando modos mais adequados de
conduzir a vida, julgando e condenando ações inadequadas.

“O residente médico disse que, se ele tomasse a medicação adequadamente, não


viveria se internando aqui.” – (R1, T.O.)

60
Condutas que se orientam exclusivamente por comportamentos que ferem regras de convivência ou de
conduta. Por exemplo, casos de agressividade tratados com contenção e aumento da dosagem medicamentosa.
Há dificuldade em reconhecer, em determinado comportamento, um funcionamento do sujeito, certa forma de
estar no mundo, que deve ser acolhida e tratada de forma diferente do tratamento dado pelas pessoas leigas.
102

“A enfermagem disse que ela se interna sempre, porque aqui ela tem comida na
hora, banho, remédio.” – (R1, Enf.).

No campo da Saúde Mental, a disciplinarização chegou ao confinamento, produziu


procedimentos invasivos, gerou exclusão e alijamento social. Intervenções médicas, jurídicas,
higienistas e normatizadoras produziram impossibilidades de ser, assujeitamentos,
cronificações, espremendo sujeitos múltiplos de forma a caberem em diagnósticos estanques e
genéricos (PASSOS e BENEVIDES, 2000; CECCIM e CARVALHO, 2006; LEME, 2011).

Os especialistas fragmentam sujeitos e disputam territórios de saberes sobre a doença a


despeito dos sujeitos doentes. Centram suas ações em procedimentos definidos para a sua
categoria e partem de seu rol de conhecimento específico, acreditando assim ser possível
construir um entendimento sobre a realidade do mundo.

O que regula essas orientações clínicas e políticas? Quais os efeitos para determinada
condução de trabalho? Como aferir a proposta mais adequada? Não havendo uma verdade
única, que caminho seguir?

A forma como este projeto, em particular, conversa com a política de Educação em


Saúde, para verificar o quanto este se aproxima e se afasta das atuais diretrizes propostas, é
um importante orientador, que pode ajudar nesta análise.

Uma das primeiras encomendas do curso para os alunos é que cada residente
acompanhe certo número de pacientes, priorizando os casos de longa permanência. Essa
premissa funciona como um disparador na construção de novos lugares de cuidado para os
pacientes institucionalizados. As ações de saúde passam a ser orientadas pelas necessidades
de cada caso e não pelos procedimentos técnicos profissionais.

É com muito estranhamento que os alunos, aos poucos, vão se aproximando dos
pacientes, se interessando pelo que eles têm a dizer, suportando formas estranhas de estar no
mundo. Pacientes mais agressivos, pacientes que não falam, que não saem do leito, que
engolem e injetam objetos, que se machucam, que comem lixo, que usam drogas, que batem
com a cabeça na parede, que não desejam nada.

“A equipe disse que, nesse caso, já foram tentadas todas as coisas, que não há mais
nada para ser feito.” – (R1, A.S.).

“O paciente tem isso, então fazemos assim (determinada prescrição médica), se ele
não responder em quatro semanas, a equipe vai resolver pelo ECT.” – (R1, Psic.).

Nas narrativas aparece a descrição de uma sucessão de procedimentos específicos que


já foram realizados por técnicos em separado e sem a participação do paciente nas decisões
103

sobre a sua vida. Há pacientes que já estavam recebendo o benefício, que já tinham
conseguido a vaga no abrigo ou que já foram para casa e voltaram para a internação várias
vezes em curto espaço de tempo.

“Eu trabalhei tanto e quase nada foi registrado na SIASUS. Como registrar as visitas
institucionais, as reuniões de discussão de caso, os telefonemas... Tudo isso é
trabalho!” – (R2, Psic.).

Em uma Unidade de Saúde, no processo de construção do relatório anual de gestão, a


residente se dá conta de que as ações de cuidado produzidas pela equipe são infinitamente
maiores e mais complexas do que a capacidade de enquadramento nos códigos de
procedimentos disponíveis pelo Ministério da Saúde.

“Toda vez que eu entrava na enfermaria, eu chamava a paciente para participar da


oficina. Ela não queria nada, não falava muito e ficava restrita ao leito. Um dia ela
aceitou, e eu nem acreditei.” – (R1, A.S.).

O cuidado em saúde não pode se limitar a um repertório restrito e restritivo de


cuidado, de interpretação e de tradução do mundo do outro. Que outras ações podem ser
pensadas ou mesmo inventadas no encontro com o paciente?

“Nunca pensei que, enquanto assistente social, eu fosse capaz de acompanhar Z.


Achei que meu trabalho fosse só procurar um abrigo para encaminhá-la.”- (R1,
A.S.).

“Ninguém entendia porque a paciente não ia embora: já tinha benefício, a família já


se organizou para recebê-la, a medicação está em dia. O que se passa com ela?” –
(R1, A.S.).

Romper com a lógica do procedimento pode trazer efeitos de cuidado cada vez mais
centrados no sujeito, tomando a sua palavra em consideração, reconhecendo as dificuldades e
as limitações de cada um, trabalhando novas possibilidades de estar no mundo, também para
cada um.

“A minha equipe quer que eu acompanhe todos os benefícios dos pacientes, mas eu
não acompanho benefícios, eu acompanho sujeitos.” – (R1, A.S.).

“Na enfermaria não tem escova nem pasta de dente. Não precisa ser enfermeiro para
saber que isso é importante.” – (R1, Enf.).

A construção da linha de cuidado, em si, parte da transformação do modelo


hegemônico de produzir saúde e construir cuidado. Outra lógica opera e impõe a necessidade
de reconfiguração de valores, conceitos e condutas. Novos elementos são incluídos na análise,
como: as diferentes dimensões da vida, a relação do sujeito com o mundo, com as pessoas e
consigo mesmo. Isso faz com que seja preciso conceber modos diversos de funcionamento
dos sujeitos no mundo e, ao mesmo tempo, dinâmicos, incapazes de ser plenamente
104

apreendidos por uma categoria diagnóstica ou por um saber especializado (MERHY, 1998;
2007).

“Desculpa, eu me atrasei porque o ex-sogro do S. veio aí, e o filho dele, que há doze
anos não o vê, veio também. Eu não tinha avisado para o S., porque eles já tinham
faltado duas outras vezes. A gente não disse nada antes. Perguntamos ao filho se ele
gostaria de ver S. E o filho respondeu: - Claro, eu vim pra cá por isso. Para o
paciente nós falamos: - S. o seu filho D. tá aqui. D.? Eu nem lembro mais, o nome é
esse? Respondemos que sim e perguntamos se ele queria vê-lo: -Quero. Logo ao
entrar na sala o menino já foi dizendo: - Oi pai. Ele ficou meio desconfiado, ficou
dois segundos calado e, depois, disse pro filho: - Você está forte, hein? Então agora
os dois estão lá embaixo, no maior papo. E eu e a médica querendo saber mais. Eles
estão lá conversando muito...” – (R1, T.O.)

Este relato - de uma residente de primeiro ano, terapeuta ocupacional que chegou
muito emocionada para uma atividade - retrata a amplitude de uma ação de cuidado, que vai
muito além de regular sinais e sintomas. O processo saúde-doença é dinâmico e inapreensível;
podemos apenas acompanhá-lo junto ao sujeito, apostando que outras construções
impensáveis possam produzir outros rearranjos. Novas configurações passam a ser possíveis
quando os sujeitos são implicados nesse processo.

Assim, a linha de cuidado requer a aposta no sujeito como corresponsável por sua vida
e seu tratamento. As saídas de um problema ou a produção de novos modos de subjetivação
são possíveis quando nos orientamos por ações usuário-centradas (MERHY, 2004).

Como exemplo, tomemos o relato abaixo, fragmento de um portfólio:

“No processo de mudança para a SRT, a equipe decide conceder a vaga para outra
paciente do hospital, e não mais para a moradora do hospital cuja vaga estava
prevista. Quando a então moradora soube que perderia a vaga para outra pessoa, esta
decide ir à reunião do serviço e afirma, diante de todos, que a vaga era dela.”- (R2,
Psic.).

A desinstitucionalização61

No campo da Saúde Mental temos um importante desafio, que foi colocado pelas
novas políticas públicas, cuja direção de trabalho se baseia na desinstitucionalização das
práticas e na substituição de modelos de tratamento centrados no hospital mediante a
implantação de dispositivos comunitários e territoriais. Esses novos serviços tornam-se atores
fundamentais no processo da criação de possibilidades de vida para pacientes com grave
comprometimento mental.

61
Conceito trabalhado por vários autores, entre eles: Rotelli et al. (2001) e Basaglia (1985). Presente na
orientação da Reforma Psiquiátrica Brasileira, baseada em práticas de cuidado e voltada para fora do espaço
asilar, visando à substituição deste por serviços territoriais e práticas de reabilitação psicossocial.
105

Resgatar os laços familiares, comunitários e de tratamento deve ser uma direção de


trabalho desde a chegada dos pacientes na enfermaria. É nesse processo de reconstrução que o
conceito de desinstitucionalização passa a atuar como operador do cuidado.

Mais do que a retirada de pessoas com longos períodos de internação dos hospitais
psiquiátricos. Este conceito ganha nova amplitude ao estar colocado para todos os pacientes
como direção de trabalho. A desinstitucionalização como operador do cuidado visa sustentar
uma direção no sentido de acompanhar sujeitos em seus sofrimentos, apostando na
possibilidade de construção de novas saídas, de formas inovadoras de estar no mundo, em um
processo de desinstitucionalização dos espaços, das formas de tratar, de entendimento sobre a
loucura, a desinstitucionalização de si mesmo.

“Como essa paciente vai conseguir viver lá fora, com tanta desorganização?”- (R1,
Enf.).

“Aqui dentro é mais seguro para ela; lá fora é muito perigoso.” – (R1, A.S.).

Essa pergunta nos remete a uma aposta de que os sujeitos precisam construir
condições de possibilidade para estarem no mundo, assim como os profissionais, a
comunidade e a sociedade.

“É preciso fazer o contato com o CAPS, afinal eles cuidaram dela sem internar por
algum tempo.” – (R1, T.O.)

A vida em sociedade é uma produção constante para todos, nada fácil, mas um desafio
que se põe quando se trabalha com o conceito de desinstitucionalização enquanto operador
clínico. Ele exige a construção de uma rede de sustentação, que forneça apoio e acolhimento
para os sujeitos no mundo da vida.

Rede e território

O processo de cuidado em saúde exige o reconhecimento e a importância da


construção de laços, vínculos que ligam as pessoas, os serviços e os pacientes com o mundo.
Um mundo de sentidos construídos. A construção de rede e territórios é um trabalho de criar
novos e antigos lugares de pertencimento, de reconhecimento de si, do outro e do mundo,
promovendo espaços de cooperação mútua e de saúde em seu sentido mais amplo.

“Como resgatar os laços de uma paciente que ninguém quer cuidar?” – (R1, A.S.).

Aqui a dimensão de rede e território precisa ser ampliada para além do bairro ou
região de moradia e para além da família original de pertencimentos. As dimensões de rede e
território apontam para a necessidade de sua construção e reinvenção. Os laços além de
106

poderem ser resgatados podem ser construídos e reconstruídos. As saídas e as respostas não
estão dadas.

“Ele já teve alta; então, não é mais problema meu, certo?” – (R1, Psic.).

“Se o paciente está internado, por que eu tenho que conhecer de onde ele vem e que
serviço ele frequentava?” – (R1, Enf.)

“A obrigação de vir visitar o paciente é do serviço; se eles não vêm, eu não tenho
que ficar chamando. Já era pra eles saberem disso.” – (R1, Psic.).

“Ninguém acha importante fazer contato com o CAPS da região; só eu tenho que
fazer isso?” – (R1, A.S.).

A construção e a reconstrução exigem um processo de corresponsabilização ativo dos


atores envolvidos, pois todos fazem parte desse movimento. Identificar o que já funcionou, ou
seja, recuperar laços estremecidos, só faz sentido quando há uma aposta situada e orientadora
da direção de trabalho.

4.1.2 Dispositivos pedagógicos

Podemos entender o conceito de dispositivo pedagógico,62 previsto no PPP (2012), a


partir do que nos é possível extrair das contribuições de Foucault sobre o conceito de
dispositivo. Este capítulo introduz o conceito de dispositivo, sustentando-o para além de um
instrumento ou método de avaliação. Entende-se dispositivo como um conceito que tem sido
utilizado por muitos autores ao longo dos anos, em vários campos do conhecimento, e
demonstra a complexidade a que está referido.

Para Foucault (2004), o conceito de dispositivo foi definido inicialmente como um dos
operadores materiais do poder entendido como: técnicas disciplinares, estratégias minuciosas
e formas de assujeitamento e docilização dos corpos utilizadas pelo poder, detendo-se sobre o
poder coercitivo, que opera na forma de dominação.

Dispositivo, para Foucault, é assim constituído por uma rede que se estabelece entre
um “conjunto heterogêneo de elementos que engloba discursos, instituições, práticas,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, o dito e o não dito.” (FOUCAULT,
apud REVEL, 2005, p.40).

62
Utilização de conceitos foucaultianos na prática educativa, conforme apresentados por Veiga-Neto (2007).
107

Segundo Tallemberg (2004), uma das contribuições mais instigantes na concepção de


dispositivo em Foucault é a articulação entre corpo, história e produção capitalista. Essa
estratégia é capaz de fazer operar o poder de forma disseminada nas entranhas das relações,
disciplinarizando os corpos, que são construídos historicamente para além da sua composição
física e a serviço do modo de produção capitalista.

Deleuze (1999), ao retomar o conceito de Foucault, dá destaque para a dimensão


produtiva do poder, que não é somente da ordem da coerção e da opressão, mas da ordem
daquilo que subverte, dobra, resiste (Tallemberg, 2004). Trata-se de um conceito operatório
multilinear composto por linhas de natureza diferente e alicerçado em três grandes eixos, que
combinam campos de saber, relações de poder e modos de subjetivação. “Os objetos visíveis,
os enunciados formuláveis, as forças em exercício, os sujeitos numa determinada posição,
são como que vetores ou tensores.” (DELEUZE, 1999, p.1).

Para Deleuze (1999), todos estão imersos em dispositivos e eles nos atravessam o
tempo todo, fazendo-se necessário instalar-se sobre as próprias linhas, separá-las, desenhando
um mapa, cartografando terras desconhecidas e, ao mesmo tempo, construindo novas linhas,
criando novas possibilidades e brechas. Essas linhas não se limitam a compor um dispositivo,
porque elas o atravessam e o arrastam, “do norte ao sul, do leste ao oeste ou em diagonal”.

Um dispositivo é definido por enunciados que dele são produzidos, da mesma forma
que uma linha de subjetivação se institui enquanto um processo, uma produção de
subjetividade. Ela tem que se fazer e pode constituir-se enquanto linhas de fuga, linhas de
fratura, contanto que o dispositivo o permita ou possibilite.

Na medida em que elas escapam das dimensões do saber e poder, as linhas de


subjetivação parecem particularmente capazes de traçar caminhos de criação, que
não param de abortar, mas também, de serem retomados, modificados, até a ruptura
do antigo dispositivo. (DELEUZE, 1999, p.5)

Os espaços pedagógicos propostos para o curso têm uma tripla função organizam a
rotina dos alunos, possibilitam o acompanhamento do trabalho, isto é, testemunham a
construção de conhecimentos, ao mesmo tempo em que proporcionam essa mesma
construção.

Tais espaços congregam a formação e a avaliação de forma simultânea e


intrinsecamente relacionada, evidenciando uma análise sistemática tanto dos alunos como
indivíduos e da turma enquanto um coletivo de trabalho, quanto do curso em si: suas
108

organizações, ações institucionais, direções para a formação e a coordenação das iniciativas


pedagógicas.

São eles: o Espaço de Educação Permanente, a Tutoria e o Portfólio.

A proposta do Programa é trazer os elementos da formação para a cena, os quais, por


consequência, serão foco de avaliação. São eles: os impasses, os abalos dos processos de
trabalho, as situações críticas, que possibilitam, sob o foco da análise, a construção de saídas,
rearranjos e novas configurações, delineando objetos, sujeitos e narrativas em novas
possibilidades criativas. Isso explica o processo de aprendizagem, em uma dinâmica do
movimento, que incorpora as dificuldades, colocando-se propositivo quanto mais adverso é o
ambiente e fértil quanto mais árido é o terreno.

Essa posição investigativa proposta ao aluno que ingressa no curso aproxima-se da


posição do cartógrafo por convocá-los a “acessar aquilo que força a pensar, dando-se ao
pesquisador, como possibilidade de acompanhamento daquilo que não se curva à
representação” (AMADOR e FONSECA, 2009, p. 31).

Posição esta que, diante da imersão em um campo problemático, requer o exercício de


uma cognição muito mais capaz de inventar o mundo do que de explicá-lo. Retomamos aqui o
método inventivo-intuitivo de Bergson (1984), que, diferente da fixidez e da imobilidade da
inteligência, age obstinadamente pela mobilidade, pelo insólito, pelo efêmero.

Trata-se de uma zona relativa às condições da experiência, as quais são


determinadas por perceptos e afectos, os quais, por se situarem em uma zona de
passagem, são afeitos a dar existência às coisas, daí ligando-se a uma regra
complementar, pela qual se mostra como um problema, tendo sido bem colocado,
tende por si mesmo às forças virtuais em curso de atualização. (AMADOR e
FONSECA, 2009, p.33)

Os pontos foram elencados, assim, apenas de maneira didática, pois esses vieses se
entrecruzam e se imbricam de maneira indissociada no cotidiano do trabalho e na vida como
ela é. Várias são as implicações e as combinações possíveis, infinitos atravessamentos estão
colocados, cujos dispositivos pedagógicos fazem aparecer, possibilitando novas produções e
outras construções.
109

4.1.2.1 Espaço de Educação Permanente e construção do conhecimento


reflexivo

“Qual é a parte da tua estrada, no meu caminho?”


(Zeca Baleiro.)63

A literatura sobre Educação Permanente em Saúde (EPS) é vasta e atravessa a


dimensão da formação, da clínica e da gestão do trabalho e do cuidado. Essas dimensões serão
aqui apresentadas, na medida em que traremos para reflexão a construção desse espaço no
Programa de Residência Multiprofissional do IPUB.

Um mundo, mundo, vasto mundo 64... Fluido e dinâmico, acompanhado e reflexivo,


uma forma de se pensar e viver o mundo do trabalho.

O espaço de Educação Permanente (EP) se apresenta como lugar depositário dos


impasses do trabalho, construção coletiva de saídas para as tensões vivenciadas no cotidiano,
bem como de alinhavo pedagógico ao atribuir conceitos e identificar posições.

Neste espaço, o conceito de transversalidade, elaborado por Guatarri (1987), se torna


pertinente, pois faz operar o plano em que a realidade, nas suas inúmeras dimensões, se
comunica.

“A gente chega cheio de dúvidas e sai pior.” – (R2, T.O.).

“Ninguém responde nada; ninguém dá uma solução.” – (R2, T.O.).

A operação a ser realizada nas EPs é a de transversalidades, por fazer ruir o esperado,
o desejado, o idealizado. Esta pesquisa mostra o quanto este espaço é difícil e doloroso para
os atores envolvidos. De certa forma revela-se uma posição imatura e desavisada em relação
ao mundo.

“Não sei o que está acontecendo, os residentes não chegam na hora da aula. Não
entregaram o trabalho. O que está acontecendo?” – (tutora do curso).

“Fizemos a EP hoje com duas pessoas.” – (tutora do curso).

As falências dos ideais que sustentam vidas, assim como a construção de novas metas
pessoais e profissionais, passam necessariamente pela dimensão de implicação de todos e,
principalmente, a de cada um em seu processo de formação da própria vida, abrindo para um
devir em constante processo de criação.

63
BALEIRO, Zeca. Quase Nada, Álbum Perfil, Som Livre. 2003.
64
ANDRADE, C.D. de. Poema de sete faces. In: Alguma Poesia. Belo Horizonte: Ed. Pindorama, 1930.
110

“O que a gente vai fazer nesse lugar? Ninguém nem sabe quem a gente é.” – (R1,
Enf.).

“Os porteiros tratam mal os pacientes; alguém tem que fazer alguma coisa.” – (R1,
Psic.).

“Os técnicos dos CAPS não ficam na convivência com os pacientes; eles falam que
é importante, mas não ficam.” – (R2, T.O.).

“É muita coisa, é muito trabalho; vocês deviam trocar os preceptores.” – (R2, Enf.).

“Aquela pessoa não devia coordenar o serviço; ninguém respeita ela.” – (R1, A.S.).

Os serviços e, de alguma forma, o mundo, não estão preparados para nós, já prontos e
completos. As leis não estão implantadas e completamente funcionando. As portas dos
serviços estão abertas, mas eles não estão plenamente habilitados a receber pessoas. E a
pergunta possível de ser formulada do lugar de aluno-residente, ou mais, de ator micropolítico
de um processo em construção é: o que fazer diante dessa realidade? Pergunta que é, ao
mesmo tempo, de todos e de cada um!

A este trabalho se dedica o espaço de Educação Permanente, o de construir uma saída


possível diante dos impasses reais. Tarefa nada fácil frente ao material que aparece.

“Nós queremos um turno para estudo, não dá tempo para estudar.” – (Turma de R1)

“Os textos são muito grandes. Isso tudo vai fazer mal para nossa saúde.” – (R1,
T.O.)

No começo de uma nova turma são muito presentes as queixas, o lamento e quase uma
posição de culpar os coordenadores, os organizadores do curso pelas mazelas da instituição,
dos serviços e do mundo. Como se lhes coubesse poupá-los da realidade dos serviços e da
vida. E pelas dificuldades da vida. É possível identificar certo desencanto, que aparece por
meio da dificuldade de fazer operar uma transformação das queixas que são apresentadas em
possibilidades de trabalho vivo em ato, construindo novos modos de atuar nas situações
relatadas.

A imersão no trabalho dos serviços deve ocorrer de forma cuidadosa e respeitando as


improvisações e impossibilidades da vida real. É preciso inserir o residente em um fazer
cotidiano e miudinho, onde ele é apresentado ao campo micropolítico. Nele temos uma
dureza: a dificuldade de encarar a vida imperfeita, de serviços incompletos e sujeitos falhos,
embora inevitável, é difícil de ser manejada com os alunos. As frustrações e ressentimentos
pelo fato de a vida não ser bela, precisam se transformar em potência transformadora de vida
para cada um e para o trabalho em Saúde.
111

Esse processo de chegada ao serviço é chocante, com toda a intensidade que essa
palavra acarreta. Para uns mais, para outros, um pouco menos catastrófico. Não se trata aqui
de um encontro com a Saúde Mental ou com os serviços de Saúde apenas, o que já não é
pouco. Trata-se de um encontro com a realidade da vida, do mundo não apenas do trabalho,
das relações humanas, das carências de todas as partes, da incompletude, da inadimplência, da
falta no seu sentido mais lacaniano, de uma falta estrutural e que aponta o tempo todo para um
fazer contínuo.

Um fazer que aponta, o tempo todo, para cada um, convocando a um protagonismo,
uma sustentação que é individual, sem precisar ser o desamparo radical.

A demanda por respostas prontas, por solicitações e por reivindicações impossíveis


inunda a dinâmica de uma das turmas em andamento e dificulta a possibilidade de produzir
questões sobre as dificuldades e as incompletudes do mundo. Esse encontro parece
desconcertante aos alunos.

“Sofrimento possível de ser evitado? Como acolher o sofrimento produzindo


possibilidades de reflexão sobre o fazer?” – (tutor do curso).

Este é o primeiro grande desafio de virada do curso. Momento inicial e decisivo para a
produção de um processo de formação consistente.

Como operar a “transformação da queixa em questão”? Essa posição reflexiva não se


baseia em negar o papel diferenciado que existe entre coordenadores, tutores, preceptores e
alunos, mas convidar todos a construir coletivamente as possíveis respostas e
encaminhamentos para as questões, tornando-os partícipes do processo.

“A gente queria que a coordenação do curso mudasse o nosso horário de entrada no


CAPS. O CAPS abre às 8h, mas ninguém da equipe chega cedo. Por que a gente tem
que chegar?” – (R2, T.O.).

Neste pedido não havia uma reflexão sobre o serviço, a clientela, no tocante a sua
responsabilidade enquanto instituição pública. O pedido era para que os residentes fossem
poupados de estarem solitariamente no serviço, solucionando o desconforto com a situação e
impedindo a construção de qualquer questão que pudesse refletir o que estava acontecendo.

A dinâmica foi de tentar problematizar o pedido feito pelos alunos, de estranhá-lo na


tentativa de extrair consequências do mesmo. Qual o papel deles, residentes-profissionais com
a dinâmica do serviço, com os pacientes? Como trabalhar essa questão junto à equipe?
112

A dimensão da queixa-denúncia, reclamação, desimplicação, acusação do outro no


lugar do culpado, do responsável, enquanto o aluno assume a posição passiva e
‘desimplicada’ do processo no qual está inserido.

“Mas vocês acham que uma autorização para chegar depois do horário é o melhor
encaminhamento para essa questão?” – (tutora do curso).

Neste exemplo, a tentativa de promover uma reflexão acerca desse pedido por parte
dos tutores que participavam da EP foi entendido como recusa frente ao pedido e interpretado
como má vontade ou como algo proposital, cujo objetivo era prejudicá-los ou não acolhê-los.

A transformação em questão requer que o aluno se aproprie do problema também


como seu, como implicado no processo e, de dentro, poder construir novos encaminhamentos.
Ele passa a integrar a equipe na qual o problema diz respeito, fazendo das queixas iniciais
subsídios para a construção de questões reflexivas, sobre as quais o aluno vai procurar
ativamente construir soluções ou encaminhamentos. O pedido de mudança do horário, não
comprometia em nada os alunos envolvidos no serviço.

“Por que será que todos chegam depois do horário?” – (tutora do curso).

Essa nova pergunta promoveu uma resposta, que foi capaz de operar alguma mudança
no processo reflexivo dos alunos, deslocando o pedido da mudança de horário para a
dificuldade concernente à atividade desenvolvida nesse horário: a Convivência. O grupo pode
concluir que todos chegavam tarde, porque era muito difícil estar na convivência.

Nesse último trecho foi possível ver uma mudança da posição inicial e decisiva, que
apareceu no coletivo dos alunos. Alguns encaminhamentos foram pensados, como, por
exemplo, discutir essa questão nos espaços de preceptoria de campo e na reunião de
supervisão, promovendo uma reflexão ampliada sobre o espaço da convivência. Foi possível
ainda que os outros alunos, localizados em diferentes cenários, falassem um pouco sobre a
experiência de estarem na convivência e as dificuldades que esse espaço suscitava. Tornou-se
possível perceber também que cada um pode produzir diferentes reflexões e que um
encaminhamento efetivo depende do que cada um será capaz de fazer com essa informação,
no cotidiano do trabalho.

A dificuldade apresentada pelos alunos na experimentação de um espaço livre, para


falar sobre o trabalho, acabou gerando um espaço em que se falava sobre tudo, menos sobre o
trabalho. Apareciam críticas, queixas e cobranças; tudo vinha na frente do trabalho. Falar
sobre a dureza do trabalho, a respeito do que não se sabia, ou acerca do que se tinha dúvida
113

era algo difícil. Se na discussão aparecia algum questionamento sobre o que se poderia fazer,
frente à situação relatada, isso era escutado como afronta. Então, falar sobre o trabalho era
algo bastante difícil e incômodo, em especial, para um dos grupos de alunos. Como dissipar
esse mal-estar era a questão que estava colocada.

“Como convocar ao trabalho apesar das mazelas e insuficiências de todos, serviço,


coordenação, alunos?” – (tutor do curso).

Pudemos perceber que uma das turmas viveu esse momento de forma muito dura e
com efeitos danosos, muitas vezes impossíveis de serem manejados por um Programa de
Formação, que, mesmo responsável, é incapaz de responder por todas as dimensões da vida.

Aqui fica claro, também, o quanto o Programa se encontra em construção. Não em um


empirismo ingênuo, mas em um mundo sem respostas prévias, que exige uma posição de
análise constante de todos os atores.

O falecimento de um residente gerou nos colegas um enorme ressentimento para com


a coordenação do programa e com os tutores. Falas foram direcionadas em espaço de EP, o
que denota o quanto a posição de alguns alunos permanece idealizada, culpabilizando o outro
por dificuldades e perdas.

“A residência produziu a morte dele.” – (R1, T.O.).

Esse processo de trabalhar não com o que se gostaria ou desejaria, mas com o que é
possível, exige um amadurecimento profissional. Há um possível, cuja dimensão deve ser
buscada ao risco de nos perdermos no que achamos que deveria ser.

Os territórios da micropolítica são marcados pelos co-engendramentos de si e de


mundos, onde eu, ao estar ali, atuo e interfiro no cuidado. As ações exigem a nossa presença e
nosso comparecimento subjetivo, pessoal e profissional, produzindo lugares de encontros,
nada fáceis de serem sustentados.

“Como fazer? Como enfrentá-los”? (tutor/coordenador do curso)

Da mesma forma, a construção de novos lugares, de novos vínculos com os alunos


promovem a construção de novas posições frente ao processo de ensino-aprendizagem.

Como transformar os espaços de discussão coletiva do trabalho e dos casos


acompanhados em espaços de construção de possibilidades singulares de cuidado e
não apenas afirmação do saber já sabido, meramente aplicado ao outro?

Como sustentar o espaço de Educação Permanente como um espaço, a cada vez, de


uma construção coletiva e singular a partir das situações problemas vivenciadas
pelos residentes no cotidiano do trabalho? Como suspender o nosso saber ou as
nossas soluções a priori e promover uma ampla discussão sobre os casos? Como
114

sustentar isso ao mesmo tempo em que os próprios alunos almejam, demandam


soluções, convocando a gente, o tempo todo, do lugar de quem sabe, do lugar de
mestre?

Como proporcionar a construção coletiva no emaranhado de pedidos de respostas


que os alunos colocam para os coordenadores do curso?

As demandas são variadas e de todas as ordens. Essas questões são formuladas pelos
coordenadores, tutores e preceptores a todo o tempo, apontando para a necessidade de análise
desse processo, para a construção de novas estratégias facilitadoras na transformação da
“queixa em questão”. O espaço de Educação Permanente não é um lugar nada simples e muito
menos protocolar. É um lugar incerto, arenoso.

Suas ferramentas tecnológicas só serão efetivamente tecnologias singularizadoras


como encontros acontecimento. Por isso, não há nada fácil por ser feito, há tensões e
paradoxos, mas que são necessários para dar substância a aposta que o Humaniza
SUS declara. (MERHY e CECCIM, [s/d], p.7)

A transformação dos espaços de EP em espaços mais propositivos possibilitou a


transformação do processo de formação, potencializando e ampliando a sua capacidade
formativa. Uma encomenda mais direcionada a falar sobre o trabalho, e não falar sobre
qualquer coisa que não fosse o trabalho, redireciona o foco para os impasses enfrentados no
mundo do trabalho. A sugestão de se introduzir a leitura de textos sobre EP, no começo do
semestre ajudou outra turma na construção da identidade desse espaço, potencializando o seu
poder de dispositivo pedagógico.

No entanto, a tensão passa a se colocar entre os tutores.

“A gente não tem que construir uma agenda para a EP. Na EP tem que vir o que
incomoda, o que eles quiserem pautar e sobre o que eles quiserem falar.” – (tutora
do curso).

Outra possibilidade construída foi a alternância entre os espaços de EP mais livres,


com espaços de seminário clínico, no qual, a cada vez, um aluno apresentaria um tema de
impasse a ser trabalhado por ele previamente. Nessa proposta, o aluno dividiria com o grupo
as suas reflexões, discutindo questões formuladas sobre o caso ou uma situação clínica-
institucional, a conduta do serviço e sua própria conduta e as ações possíveis frente à situação.
Um espaço destinado às dúvidas e questões possibilitou a ampliação do debate, incluindo
novos elementos, aprofundando o tema com a contribuição e todos e a troca de experiências.

A identificação dos temas centrais se deu no espaço de EP e foi produzido pelo grupo.
Ao mesmo tempo, em que aparecia, no testemunho do residente o seu encontro solitário com
o paciente, a dificuldade de sustentar o endereçando de tratamento feito a ele.
115

“Ele falou para mim o que nunca contou para ninguém.” (R2, A.S.).

Nessa discussão, estava em jogo também a chegada do residente ao serviço, a


construção de um lugar na equipe de trabalho e a sua saída meses depois.

“Como sair? Como encaminhar e transmitir o trabalho realizado?” (R2, A.S.)

Este foi apenas um dos vários movimentos que esta pesquisa pôde acompanhar no
processo de construção dos espaços de educação permanente. É possível concluir que é um
espaço em permanente construção, a cada vez e com cada grupo de alunos, ao mesm tempo,
se trata de um espaço instituído, do qual a coordenação do curso não abre mão.

É, sem dúvida, um espaço dispositivo, capaz de fazer operar os processos de


formação, tomando os acontecimentos como propulsores de novas possibilidades de
entendimento e de construção de mundo, não havendo respostas prévias nem soluções
mágicas.

Essa reflexão nos aproxima do conceito de caosmose, trabalhado por Guattari, cuja
definição nos remete a um processo de relativização da realidade, criando a possibilidade de
novos arranjos desta. (GUATTARI, 1992).

Caosmose, esse conceito se mostra fundamental para o processo de Educação em


Saúde, de cuidado em Saúde e de acompanhamento de casos e situações clínicas e
institucionais. O processo de educação é sempre de formação não apenas profissional, mas
também pessoal, subjetivo, coletivo. A inter-relação estabelecida pode ser capaz de promover
um processo formador, muito além de conteúdos preestabelecidos, mas de conteúdos
construídos em relações próprias e singulares.

O espaço de EP pode constituir um lugar onde o indizível se faz dizível e o invisível é


desvelado. Trata-se de um espaço aberto, difícil e extremamente desconfortável para todos,
alunos, tutores e coordenadores.

Essa dificuldade se deve tanto ao inesperado do que aparece quanto ao trabalho que
será produzido. Não é possível saber previamente as questões que serão pautadas pelos alunos
e pelo grupo, nem a forma como as questões serão encaminhadas por quem coordena o
espaço, o tom de reflexão, as queixas, as recusas e as proposições. As formas de construção
de afirmações e de negativas, as possibilidades e as impossibilidades, as demandas
equacionáveis e as não equacionáveis... Não é possível saber de antemão a forma como tudo
116

isso vai se encaminhar na hora de sua construção nem depois, assim como qual dificuldade
existirá para o grupo e para cada um.

Tudo isso, ao mesmo tempo e a cada vez, se coloca como mistério infinito,
incomensurável, cujos efeitos são impossíveis de serem precisados. Estamos no campo do
impreciso, da multiplicidade e da complexidade, sem possibilidade de redução, simplificação
ou aferição.

As tentativas de análise e as proposições reflexivas foram extraídas das próprias


narrativas dos protagonistas desses espaços pedagógicos, em ato e enquanto se produziam,
dos alunos (R1 e R2), dos coordenadores do Programa e dos tutores.

Um emaranhado de linhas, ideias, ideais, direções de trabalho diversificadas, projetos


em disputas, dúvidas, tensões, ações e incríveis construções. Linhas de fuga e, em outros
momentos, linhas de ruptura. Ruptura com o já dado, com o naturalizado e com instituído.
Com o: por que se fez assim? Por que ninguém nunca viu? Ou se viu, por que não fez
questão?

Esse é o mote de sustentação desse espaço coletivo denominado EP: “transformar


queixa em questão”. Aqui convivemos com o absurdo, com o inaceitável, com o injusto da
vida como ela é, construindo a possibilidade de que possamos fazer alguma coisa com tudo
isso.

4.1.2.2 Tutoria e construção do Projeto Pedagógico Individual (PPI)

Nos espaços tutoriais vemos um aprofundamento da aposta metodológica feita pelo


curso em seu formato de acompanhamento pedagógico singular, a saber: o recurso da tutoria
como articulador entre teoria e prática, alunos e preceptores, serviços e rede, vida pessoal e
profissional, alegrias e angústias, sucessos e fracassos, dificuldades e facilidades, real e ideal.

Considerado elemento-chave da organização do programa pelo PPP (IPUB, 2010), o


Projeto Pedagógico Individual (PPI) consegue articular o que é individual, destacando a
singularidade em meio à homogeneidade de uma turma de doze ou vinte alunos, com o
coletivo do grupo de residentes multiprofissionais.

Mais uma vez, é preciso afirmar ante a multidisciplinaridade: o todo não é igual à
soma das partes! Cada aluno é uma potência única, cuja participação no corpo coletivo é
variada e não destaca inteiramente as características de cada um que a compõe. Nessa
perspectiva, o que está em jogo é a aprendizagem, a aquisição de competências variadas, as
117

habilidades para um exercício crítico e reflexivo enquanto profissionais e cidadãos do mundo.


Exercício que só é possível ser feito um a um, de modo singular.

Luckesi (2000) introduz a necessidade de incluir na avaliação a disposição de acolher


toda e qualquer situação que nos chega como material de análise e reflexão. A ideia é que, a
partir daí, possam ser construídas alternativas quanto ao que fazer. É preciso suspender a
categorização ou o juízo de valor quanto ao nível de satisfação ou insatisfação, assertividade
ou negatividade que a situação ou o aluno possa provocar. Acolher situações e alunos da
forma como eles se apresentam é a condição de possibilidade para que seja possível construir
alguma coisa a partir daí, reconhecendo as potencialidades e as limitações em jogo,
respeitando as singularidades e os modos particulares de existência.

O ato de acolher é dimensão fundamental também no campo da Saúde Pública,


concebida como ação tecno-assistencial, que pressupõe a mudança da relação profissional-
usuário por meio de parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade. É ser capaz
de transformar o usuário em sujeito, partícipe ativo no processo de produção da saúde. O
acolhimento se insere como uma direção de trabalho colocada pela política, ao mesmo tempo
em que se constitui na qualidade de uma das competências a serem desenvolvidas na
formação de profissionais para saúde e, para isso, é preciso tomar nossos alunos não como
objetos, mas como sujeitos da aprendizagem (BRASIL, 2004c).

Em um diálogo entre residente e tutor, uma posição de trabalho se apresenta,


convocando o aluno a uma corresponsabilização:

“-Eu posso me recusar a apresentar um caso no serviço?” – (R1, A.S.).

“-Você acha que pode sair do serviço sem dar notícias do seu trabalho com o
paciente?” - (tutor do curso).

“-É..., acho que não.” – (R1, A.S.).

Trabalhar na direção de uma implicação e de corresponsabilização pelas ações em


Saúde é formar sujeitos críticos e atentos às próprias práticas, produzindo, ao mesmo tempo,
sua própria autonomia e contribuindo para a sua formação ética.

A possibilidade dada pela tutoria possibilita que o encontro em pequenos grupos ou


individualmente se desenhe como a experiência singular possível de ser partilhada
coletivamente. Ela se revela como um dispositivo pedagógico pessoal e intransferível, capaz
de operar como ferramenta que intervém no mundo da vida e no das pessoas.
118

A coordenação do curso aposta que, da mesma forma em que se trabalha na clínica em


Saúde Mental com o conceito de projeto terapêutico singular, considerando as
particularidades e as necessidades de cada um dos pacientes, o PPP segue a mesma linha de
raciocínio, ao sustentar a construção de projetos pedagógicos individuais, singulares e muito
particulares.

“Eu sempre quis fazer serviço social, queria mudar o mundo.” – (R1, A.S.).

“Eu sou uma pessoa mais crítica e gosto muito das questões políticas.” – (R1, Enf).

A não padronização da demanda dos alunos faz com que os tutores, os coordenadores
e os preceptores tenham uma flexibilidade impensada na forma de conduzir os espaços
tutoriais e de construir os PPIs. É, ao mesmo tempo, a disponibilidade de acompanhar os
processos de formação dos alunos, seus limites, dificuldades, interesses e potencialidades.

Na fala baixo, a residente sustenta à decisão de não optar pela especialização:

“Escolher a residência foi uma decisão em nome de uma experiência mais sentida do
que pensada, e que nunca poderei provar racionalmente.” – (R1, Psic.).

Acompanhar individualmente cada aluno de um curso que vem aumentando a cada


ano, mostra-se um desafio cada vez mais difícil e, ao mesmo tempo, inegociável. A
experiência deste PPP foge de toda forma da padronização encontrada nos processos de
educação que traçam percursos educativos únicos para sujeitos diversos.

“Qual o critério para a distribuição nos serviços?” – (R1, Enf.).

É comum um estranhamento inicial para quem chega em um curso no qual os


desenhos dos cenários de campo se constroem a partir dos percursos individuais de cada um
dos alunos, diferente das “grades” formais e previamente estabelecidas, comuns aos cursos de
graduação e pós-graduação.

As particularidades também operam dificuldades de manejo na construção do Projeto


Pedagógico Individual, que suporta as diferentes potencialidades e dificuldades.

“Por que eu não fiquei no Serviço Residencial Terapêutico?” – (R1, Enf.).

“Eu não gosto da clínica de álcool e drogas, por que vou ter que passar por lá?” –
(R1, A.S.).

Acompanhar as individualidades não se apresenta como coisa simples. Os


coordenadores do curso e os tutores criam demandas de atividades a serem desenvolvidas
pelos residentes. Em certa medida, eles desejam demais, planejam ações, esperam
119

intervenções expressivas e transformações, alimentando grandes expectativas do aluno,


desejando demasiadamente pelo outro.

Uma residente define bem essa expectativa em relação a eles:

“O que vocês querem da gente”? (R1, Enf.).

Uma aposta na capacidade de transformação e no potencial transformador de cada um


do grupo de residentes, não se deve confundir com uma exigência de transformação. Os
alunos sozinhos, sem qualquer suporte institucional, não vão conseguir mudar as lógicas de
trabalho instituídas há décadas.

A pergunta da aluna precisa promover reflexões e redefinições da direção do trabalho


com os alunos, estando atentos para os efeitos que essas demandas têm sobre eles.

A existência do Projeto Pedagógico Individual possibilita a visada da diferença entre


os sujeitos, por isso é preciso estar atento ao que vai ser possível para cada um e a forma de
cada um operar os pressupostos do cuidado. Às vezes, a coordenação e os tutores se
equivocam, correndo o risco de se orientarem pela maioria! Ou... pelo que deveriam?!

A aluna mais quieta e isolada não é necessariamente ausente nem desinteressada.


Muitas vezes, os coordenadores e os tutores querem coisas que os alunos recusam ou
simplesmente não são e não conseguem ser. Desejam, por exemplo, que eles sejam ativos, que
falem mais, que estejam mais integrados. Como é difícil esse esforço de, a todo o momento,
não esquecer que é com cada um.

“Cada um tem o seu jeito. Eu sou assim; não dá para querer que eu seja outra
pessoa, porque isso é impossível.” – (R1, Psic.).

Os desejos dos organizadores do curso e os do corpo docente estão presentes todo o


tempo, mas não podem conduzir as ações. Há o risco de que essa exigência gere resistência e,
mesmo, desistência. Ao mesmo tempo é preciso suportar as escolhas desses sujeitos-alunos,
quando decidem interromper o curso e fazem outras escolhas, diferente das que são esperadas
e desejadas pelos tutores.

“Como querer e, ao mesmo tempo, não desejar pelo outro? Ela não pode desistir do
curso, é uma pena! Ela não sabe o que está fazendo.” – (tutora do curso)

É preciso aceitar cada um a seu jeito, sem comparações, sem destituições. Essa é a
beleza, a riqueza e a dificuldade do trabalho do educador.
120

4.1.2.3 Portfólio Reflexivo: cada um narrando a sua história

O portfólio recebe diferentes nomenclaturas de acordo com suas finalidades e espaços


geográficos, como, por exemplo: porta-fólios, processo-fólios, diários de bordo, dossiê. Chega
a se apresentar com classificações também variadas: portfólio particular, de aprendizagem,
demonstrativo e webfólio (ALVES, [s/d]).

É um documento personalizado, que apresenta os trabalhos de seu autor


acompanhados de profunda reflexão e, dessa forma, se diferencia do diário de campo, cuja
função é basicamente descritiva, sem necessariamente envolver um processo reflexivo, isto é,
sem construção de sentido a partir do vivido (SCHÖN, 1992).

O portfólio é uma compilação apenas dos trabalhos que o estudante entenda


relevantes a p ós um pr oc e s s o d e análise crítica e devida fundamentação. O que
é importante não é o portfólio em si, mas, o que o estudante aprendeu ao criá-lo ou,
dito de outro modo, é um meio para atingir um fim e não um fim em si mesmo.
(ALVES [s/d], p.3).

Carvalho (2001) apresenta o portfólio na educação como novo elemento para o


desenvolvimento da leitura e da escrita, aplicado à produção e à gestão do conhecimento e da
aprendizagem. É utilizado como um instrumento de acompanhamento e melhoria no estudo
no qual, obrigatoriamente, está incluso o caráter afetivo-reflexivo, já que o aluno organiza e
registra reflexivamente o que lhe é significativo. Dentre os propósitos apresentados por esse
autor a respeito desse novo instrumento, estão:

Permitir ao estudante documentar sua história; desenvolver o elo existente entre


escola e famílias; capacitar os alunos a assumir sua aprendizagem escolar e a propor
metas para sua futura aprendizagem; servir de incentivo para o florescimento da
criatividade, além de importante ferramenta para avaliação escolar. (CARVALHO,
2001, p. 99)

Fundamentado em nova concepção de educação, na qual os pressupostos pedagógicos


diferem dos modelos tradicionais de ensino, ele se delineia como estratégia capaz de
desenvolver, no aluno, uma postura de corresponsabilização pela organização, pelo
desenvolvimento e pela avaliação do seu trabalho, tornando-o participe na construção do seu
percurso educativo (CERMINARO e SORDI, 2006).

Algumas experiências têm apresentado resultados positivos quanto a sua utilização,


funcionando de modo efetivo como estratégia de formação, de investigação e de avaliação a
serviço da qualidade da formação.

O portfólio está mudando o rumo da formação desses professores-alunos. A antiga


prática de ‘transmissão de conhecimentos’, de trabalho isolado e solitário por parte
dos alunos e de avaliação unilateral, seletiva e excludente está cedendo lugar ao
121

processo de trabalho em que predominam a construção, a reflexão, a criatividade, a


parceria, a auto-avaliação e a autonomia. (VILLAS BOAS, 2001, p.305)

Outra atitude desenvolvida com o uso do portfólio, fundamental para a formação de


sujeitos críticos e reflexivos, é a sua capacidade de:

Fornecer evidência sobre os constrangimentos e coerência, sobre grau de


sucesso/insucesso, permitindo fazer o pensamento fluir à medida que vai sendo
capaz de analisar criticamente as suas práticas, desde o nível técnico ao ético e de, se
auto-analisar como sujeito responsável na transformação das situações e no sentido
dos valores que fundam e dignificam a condição humana e nela, o inquestionável
valor diferenciador de cada um. (SÁ-CHAVES, apud ALVES, [s/d], p.10).

Reconhecido, cada vez mais, como espaço e lugar de mediação entre a escola e o
aluno, o portfólio tem-se mostrado capaz de potencializar múltiplas formas de expressão
humana. Utilizado de forma ampliada e personalizada, pode incluir poesia, lista de livros,
filmes, fotos, artefatos, resumos, trabalhos apresentados, além de incluir a experiência
prazerosa frente à oportunidade de significar a sua trajetória.

O portfólio é um arquivo que captura o tempo na tentativa de aprisionar, na forma de


um registro, um processo que comporta o ontem, o hoje e aponta a possibilidade de amanhã,
para produções futuras e para novas formas de o sujeito se constituir e de significar a sua
experiência. Um passado e uma atualidade de um ser que não é mais, e que ainda está por vir
(FOUCAULT, 2000; LEME, 2011).

Apresenta-se o portfólio como um esforço de captura do tempo incapturável, como


registro de um processo não linear e sem um ponto rígido e previamente definido de chegada,
diferente da forma como se pensavam os processos educativos tradicionais, basicamente
fundamentados em aferição orientada por parâmetros e metas estabelecida, fixas e rigorosas a
guiar as ações e as intencionalidades do mundo pedagógico (DELEUZE, 1999; GALLO,
2008).

Aberto ao inesperado, ao não previsível, ao que acontece, o portfólio tem como foco
os processos de transformação, que, mais do que saber para onde precisa ir, deve-se
acompanhar seu caminhar, a construção de um percurso possível e pertencente a cada um. Um
percurso de transformação de si e, ao mesmo tempo, registro de transformação da realidade.

Vários são os relatórios produzidos pelos alunos e que compõem seus portfólios. Eles
levantam questões, promovem reflexões e propõem ações interventivas sobre a realidade.
Relatórios sobre o Serviço Residencial Terapêutico, a respeito de um evento crítico na
enfermaria, relativos ao levantamento da clientela de um serviço, todos esses colocam
questões e promovem a reflexão acerca de si mesmo e do mundo ao seu redor.
122

No campo da Saúde, o uso do portfólio se apresenta como ferramenta inovadora.


Associada às metodologias ativas de aprendizagem constitui-se como instrumento capaz de
acompanhar o processo de construção do conhecimento dos profissionais de Saúde (COTTA
et al., 2011; GADOTTI, 1996).

Acompanhando as novas direções no campo da Educação em Saúde, o ato de avaliar


passa a ser cada vez mais entendido como um processo dialógico do aluno com o mundo,
orientados pelo educador. Trata-se de um processo contínuo e inacabado, de idas e vindas,
avanços e retrocessos, presente em qualquer processo real de formação.

Muitos são os elementos que devem compor esse processo, possibilitando que seja o
mais ampliado e inclusivo possível, cabendo a apropriação de falhas e de dificuldades do
percurso também como motoras da aprendizagem, como foco de prescrições pedagógicas e
ações formativas para o aluno e, por isso, incorporadas ao processo de ensino.

Quanto aos critérios a serem avaliados neste processo, é igualmente necessário


desenvolver quesitos ampliados, para além do conhecimento teórico e das habilidades
técnicas. É preciso ampliar os horizontes e estabelecer todos os itens essenciais ao bom
exercício profissional: atitude ética, respeito à diferença, relacionamento interpessoal,
habilidades comunicativas que podem ser desenvolvidos a partir de um processo de análise
longitudinal (BRAGA e SILVA, 2006).

O conhecimento é uma ferramenta importante da competência, mas não assegura


uma ação competente; é a capacidade e a coragem para inovar, associada a outras
habilidades cognitivas e comportamentais que configuram o perfil do indivíduo
competente. (BRAGA e SILVA, 2006, p.330).

Assim, a melhor forma de avaliar o aluno e também o curso ou a proposta de formação


deve ter o formato que possibilite uma apreciação mais próxima possível da realidade vivida e
que esta possa fazer valer a aprendizagem exatamente como ela se dá: de forma processual.

Associado diretamente a uma estratégia avaliativa e partindo da compreensão


diferenciada sobre a educação, o portfólio tem sido cada vez mais utilizado nos processos de
acompanhamentos dos alunos em diversas áreas da saúde, identificado como um dos
instrumentos a serviço da avaliação processual (FEUERWERKER e SENA, 2002; COTTA et
al., 2011).

Ao mesmo tempo em que podemos entendê-lo como um mecanismo de avaliação


instituído, proposto como forma de vigilância e de documentação de um percurso educativo,
123

ele se apresenta também enquanto potência instituinte, capaz de fazer aparecer, operar e
construir novas formas de entendimento das situações vivenciadas.

O portfólio enquanto um dispositivo em ação possibilita a transcendência de uma


função inicial, produz movimento, formas de pensar, perceber, ouvir, enunciar e desejar.
Engendram-se, assim, outros vetores possibilitando uma transgressão frente ao clichê,
operando transformações de contextos, sujeitos e realidades, gerando linhas de fuga e de
rupturas.

Diante das propostas de transformação na formação em Saúde, seus atravessamentos,


agravos e necessidades, o portfólio funciona como um dispositivo, em razão de ser capaz de
responder às exigências atuais de acompanhamento dos processos de formação dos alunos.
Nele se incluem o contexto e a forma reflexiva de se operar sobre a realidade, capaz de
abarcar toda a dimensão de complexidade que o tema da formação em Saúde nos coloca, com
o objetivo de fazer frente a uma urgência histórica, visando obter um efeito transformador.

Com relação a esse conjunto de condições singulares capaz de sustentar o portfólio,


enquanto um dispositivo, destacam-se: o mundo globalizado, o volume e a rapidez de
informações, as novas exigências educativas, os contextos profissionais diversificados, as
disputas de poder sobre o doente, as ações de intervenção cristalizadas, a necessidade de
solução de problemas concretos e as construções criativas frente às demandas de saúde, dentre
outras, tornam possível o entendimento do seu papel operador na produção de práticas
pedagógicas e formadoras até então impensáveis e improváveis.

O portfólio configura um dos dispositivos capazes de fazer revelar o conjunto de


tensões presentes nas práticas do campo da Saúde e da Saúde Mental, incluindo-as como foco
de análise e compondo os processos de formação por estarem presentes no cotidiano do
trabalho. Ele se torna, assim, um instrumento capaz de produzir zonas de visibilidade do que
está implícito e imbricado nas ações, nas formas de pensar e produzir o cuidado em Saúde
(DELEUZE, 1999).

Da mesma forma, o portfólio-dispositivo combina, de maneira estratégica, campos de


saber, relações de poder e modos de subjetivação, atuando como um regime capaz de “fazer
ver” e “fazer dizer”, o “visível” e o “invisível”, fazendo nascer ou desaparecer o objeto, o qual
não existiria fora do seu escopo, a partir do pressuposto de que as verdades são construídas e
desconstruídas e de que não devemos buscar sujeitos e objetos, mas regimes de constituição
de sujeitos e objetos.
124

Pertencemos a dispositivos; estamos imersos o tempo todo, ao mesmo tempo em que


agimos neles. Compostos por linhas de natureza transitória e efêmera, predispostas às
variações de direção e de intensidade, que estabilizam e desestabilizam, dando um caráter
movente, tensionadas por forças que operam em direção a uma atualização contínua. O atual
não é o que somos, mas antes o que nós nos tornamos, aquilo que estamos nos tornando, isso
assegura o seu caráter de produção e transformação, fundamental nessa concepção de
portfólio-dispositivo.

O uso do portfólio pelos alunos do curso de Residência Multiprofissional em Saúde


Mental do IPUB/UFRJ tem-se constituído a principal estratégia avaliativa conforme indicado
em seu Projeto Político Pedagógico. O Programa considera os processos educativos como
incompletos e insuficientes, partindo do reconhecimento de que no ato mesmo de conhecer
estamos transformando objetos e, ao mesmo tempo, nos transformando (BECKER, 1992).

A direção de trabalho colocada pelo PPP (IPUB, 2010) toma a construção do portfólio
como decisiva e orientadora. Esta aposta visa possibilitar que o residente estabeleça um
diálogo com suas próprias práticas, um diálogo capaz de produzir também uma conversa com
autores que discutem determinada temática, sendo capaz de ampliar o conhecimento e
solidificar conteúdos.

Esse exercício é sustentado por meio do acompanhamento do tutor, responsável pelo


acompanhamento pedagógico do aluno, e principal orientador nos momentos de construção
do portfólio, pesquisa de textos e estudo teórico.

No começo do curso, onde se estabelece o contrato pedagógico, 65 é apresentado ao


aluno um roteiro mínimo, que tem o objetivo de organizar a construção do portfólio,
identificando os documentos indispensáveis tais como:

Trajetória pessoal;
Expectativas com relação à residência;
Cenários de prática referente a cada serviço: uma reflexão crítica com questões
práticas, ações possíveis e estratégias de intervenção; apresentação das atividades
realizadas: acompanhamento de casos e participação em oficinas e grupos. (o que
vocês fizeram, e qual foi a contribuição que vocês deram)
Disciplinas: incluir uma reflexão sobre cada módulo com questões, contribuições e
sugestões. (O que cada disciplina pode contribuir para a sua formação, para a sua
prática profissional);
Fóruns de discussão (reflexão sobre todos os espaços de discussão: sessão clínica,
centros de estudos, Educação Permanente, supervisões e tutorias). Destacando as
questões, aprendizagens, contribuições;

65
É denominado “Contrato Pedagógico” tudo que é combinado no início do semestre sobre formas de atuação de
professores e estudantes: objetivos a serem alcançados, metodologias, formas de avaliação, datas de entrega de
trabalhos, enfim, os papéis de cada um.
125

Participação em eventos/congressos: reflexões, sobre os espaços. Todos os trabalhos


apresentados, e cópia dos certificados;
Outras questões que achar relevante refletir;
Bibliografias utilizadas ao longo do período: tudo que vocês leram, viram e que
foram significativos para a formação profissional e pessoal. (IPUB, 2010)

Esse roteiro ilustrativo vem acrescido de uma observação fundamental:

O portfólio é um documento de avaliação que demonstra o percurso do aluno


durante a sua formação. Ele deve ser construído ao longo do curso, a cada vez. Tudo
cabe nele: poesia, fotos, música... que ele tenha a cara de cada um. Precisa ser um
trabalho gostoso... por isso usem a criatividade! (IPUB, 2010)

Além do roteiro mínimo, cada tutor constrói, junto com o aluno, uma forma de ele se
organizar para a realização dessa tarefa, que se desenvolve ao longo dos dois anos de curso,
com o intuito de garantir que sua elaboração seja efetivamente continuada e processual. Por
exemplo: um dos tutores propõe que cada aluno desenvolva uma questão reflexiva por
semana, a respeito de algo que tenha chamado a sua atenção no trabalho, de forma a produzir
níveis diversos de análise, além de soluções propositivas e criativas sobre ela.

No PPP (IPUB, 2010), a construção do processo formativo se dá por meio de distintas


ferramentas de aprendizagem, as quais têm formatos híbridos. Exemplificamos com as
construções acadêmicas e estéticas, quais sejam: relatos de práticas das distintas experiências
dos alunos em suas ímpares conduções de linhas de cuidado nos cenários de aprendizagem
nos quais se inserem durante o primeiro e o segundo ano; coletânea de trabalhos produzidos
pelos alunos ao longo dos dois anos de residência, a partir de um processo crítico-reflexivo da
sua experiência cotidiana e de forma a proporcionar uma visão ampla do processo de
aprendizagem e dos diferentes componentes do seu desenvolvimento cognitivo e afetivo;
utilização de outras mídias estéticas-imagéticas-reflexivas, como: fotos, pinturas, poemas,
instalações e representações das mais variadas naturezas.

Em tal contexto, o portfólio funciona como um conceito capaz de fazer operar a


sustentação de uma proposta pedagógica, na qual a própria construção em si promove a
produção de conhecimento.

Nesta construção proporciona-se ao aluno o desenvolvimento de uma atitude crítica e


reflexiva frente às experiências do seu fazer profissional cotidiano, ao tomar a experiência do
acontecimento como motora do processo de formação, sistematizando os diversos conteúdos
de aprendizagem presentes nessas situações e operando transformações na realidade em que
estão inseridos (DEWEY, 1979).
126

Trabalhar com o portfólio coloca um desafio para alunos, coordenadores, preceptores


e tutores, ao trazer para o foco dos processos de ensino-aprendizagem a capacidade de
reflexão sobre a prática, como um analisador dos mesmos processos e cuja produção se
concretiza na construção deste enquanto um instrumento de avaliação e dispositivo
pedagógico.

Esse dispositivo pedagógico, mais uma vez, atualiza e ratifica a direção colocada pelos
outros dispositivos: toma como ponto de partida os impasses, as dificuldades e as dúvidas. Tal
posição garante a sustentação da possibilidade de não saber66 alguma coisa, mas,
fundamentalmente, o querer saber. É importante frisar que só é possível se debruçar e
construir conhecimento a respeito do que não se sabe, acerca daquilo de que se tem dúvida,
sobre uma experiência ainda não nomeada e imediatamente desconhecida. Aqui, a
incompletude e a falta são tomadas como motoras desse processo (RINALDI, 2004).

Da mesma forma, é fundamental construir espaços nos quais essas dúvidas e impasses
iniciais possam aparecer e ser trabalhados, em constante exercício de pesquisa-intervenção67
por parte dos alunos. É correto afirmar que as ideias são construídas no formato de espirais de
reflexão e de ação sucessivas, a partir da prática profissional nos serviços de Saúde, de forma
dialógica (ELLIOTT, 1993).

Sobre o exercício da escrita, outro processo reflexivo se abre. Destaca-se a


importância de sistematizar a experiência. Ao eternizar um acontecimento, ao mesmo tempo o
delimita e dá contorno. Um contorno, que, em si, já seleciona partes da experiência que
ficarão de fora, mas que possibilita um distanciamento importante do escritor para com o seu
escrito, para com a própria prática (LEME, 2011).

Cada aluno se sente autorizado para ousar e trabalhar criativamente em cima dos
elementos atravessados em seu processo de aprendizagem, que causaram efeitos para a sua
formação. Tudo cabe no portfólio, desde que faça sentido para a sua trajetória profissional e
pessoal, de forma que os alunos possam ocupar a posição de protagonistas de suas práticas, e
consequentemente de seus textos. Ele é um esforço de construção de sentido.

66
Ao considerarmos o processo analítico como algo terminável, que portanto, se desenvolve em determinado
espaço de tempo, vemos que há um caminho a percorrer entre o ponto inicial, com a instauração da transferência,
e o ponto de encerramento, momento de concluir. Durante esse processo está implicado um desconhecimento
que é interno ao próprio movimento em que a ação do analista permanece, para ele mesmo, em grande parte
velada. É no só depois que precipita o momento de concluir que um saber sobre este percurso se elabora.
67
“A cartografia como método de pesquisa-intervenção” é apresentada por Eduardo Passos e Regina Benevides
(2000). Com base na contribuição da análise institucional, discute a indissociabilidade entre o conhecimento e a
transformação tanto da realidade quanto do pesquisador.
127

Aposta-se que a construção do portfólio opere como veículo de produção de


conhecimento com base em situações práticas do fazer cotidiano.

Esta pesquisa pôde acompanhar um importante momento para o Programa. A cada


final do ano propõe-se aos alunos a produção de um portfólio artístico. Sugere-se que cada
um, a seu jeito, apresente, por meio de outras linguagens, o que tem sido o seu percurso na
residência até aquele momento.

De fato, tratou-se de uma produção emocionante, afetada pela vida e por sentimentos
que atravessaram o primeiro ano de residência para cada um daqueles alunos que compunham
a turma de R1 e, por isso mesmo, muito difícil de ser retratada e descrita.

Na tentativa de retomar as narrativas, recuperam-se aqui alguns trechos dessa


experiência-acontecimento, os quais inundaram o espaço de apresentação do portfólio
artístico. Conformam narrativas nas quais a intensidade das palavras e as descrições de
algumas propostas apresentadas pelos alunos dispensam qualquer possibilidade de análise.
Elas são o que são e como são, atravessadas, o tempo todo, pela vida, pelo trabalho, pela
saúde e pela doença, pela harmonia e pela discordância, pelo agradecimento e pela
lamentação.

Dentre elas há um poema construído por uma residente após uma apresentação em
LIBRAS68 do Abecedário da XUXA. Seu objetivo era demonstrar o quanto o primeiro ano da
residência tinha sido uma experiência difícil. Falava, de forma lúdica, sobre a dificuldade de
linguagem entre os profissionais, entre os pacientes, dificultando a comunicação na
instituição.

“Tudo começou com uma aprovação repleta de expectativas. De repente, uma


aproximação com vários inesperados: a muito famosa, porém poluída, Copacabana.
Nunca mais conseguiria passagens aéreas pra voltar pra casa. Ainda existe o
manicômio. A saudade de casa apertava e de tudo que não se reorganizava. (Tentei
fazer uma coisa descontraída para não chorar...) Mudanças quantitativas, diversas
perspectivas. Atos subordinados ao acaso solicitavam auxílios desesperados,
preceptoria, tutoria e companhia. Tantas iam tornando amparadas quando eu
escorregava. O agradecimento àqueles que nos permitiram ouvir, acolher, olhar nas
suas distintas formas de existência, expressão e outros significados da vida, pois a
experiência provou que pouca idade, maturidade, pouca relação há ou nenhuma, e
que a saúde mental é mesmo como rapadura, apesar de doce, muito dura! Pois
algumas das respostas eles tinham; outras, ainda não foram encontradas, e o que
fazer com essas perguntas sem respostas? Que venham os outros, com outras
expectativas e vontades de fazer diferente... Os outros residentes, os outros serviços,
que aprendamos a fazer a diferença, refinando a qualidade e aprimorando a leveza
das tecnologias dos processos... Que o obrigatório seja um incentivador. Que o
crescimento exista e nos ajude a continuar de coração...” (R1, T.O.)

68
Linguagem Brasileira de Sinais.
128

Essa apresentação foi complementada pela música do Gonzaguinha, O que é, o que é?

Eu fico com a pureza das respostas das crianças... viver e não ter a vergonha de ser
feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz ... eu seu que a vida
devia ser melhor e será, mas isso não impede que eu repita... é bonita, é bonita e é
bonita...

Fazendo um acróstico com a palavra Residência, uma aluna descreve:

“Resistência: a gente, quando chega, encontra um ambiente extremamente médico.


Tem que lutar, e isso gerou muita resistência em mim, e muitas vezes eu pensei em
desistir... Muito difícil cavar o nosso lugar... Os médicos não ouviam a gente... Eram
várias barreiras... E o próprio trabalho na Saúde Mental... É muito difícil fazer uma
diferença... Essa palavra me acompanhou o ano todo...” (R1, Psic.)

Outra passagem, entre música, vídeo e poesia, uma residente afirma:

“A experiência é sempre singular! Eu queria que as pessoas olhassem com os meus


olhos e se afetassem como eu me afetava e, quando isso não acontecia, eu me
angustiava muito e recorria à tutoria.” (R1, A.S.)

Parodiando a música do Cartola, Preciso me encontrar: segue mais uma produção de


um dos alunos, que de forma poética, nos apresenta a dureza do primeiro ano de residência:

“Deixe-me ir preciso andar...


Para o saber médico e a intervenção medicamentosa dominante encontrada logo no
início da residência;
Deixe-me ir preciso andar...
Aos duros cenários de prática do IPUB, que por vezes querem padronizar nossa
passagem pelo serviço e determinar nosso projeto pedagógico que pressuponha-se
ser singular;
Deixe-me ir preciso andar...
Aos médicos que ao pensarem a alta dos pacientes os vinculam instantaneamente ao
ambulatório do IPUB, sem considerar o território e a circulação dos sujeitos;
Deixe-me ir preciso andar...
Quando tutelamos os pacientes e pensamos saber o que é o melhor para eles;
Deixe-me ir preciso andar...
A equipe e profissionais que desejavam que nós assistentes sociais
acompanhássemos os casos ditos com “questões sociais”, nosso trabalho não se
reduz a isso;
Deixe-me ir preciso andar...
A burocracia dos serviços de saúde, que pode fazer com que tenhamos um trabalho
perdido;
Deixe-me ir preciso andar...
As políticas de governo, que fazem regredir os avanços manicomial da Reforma
Psiquiátrica, com as ações higienistas e de policialesca, maquiadas como sendo
ações de saúde...” (R1, A.S.).

Uma das coordenadoras afirma emocionada:

“Não tem jeito, cada um tem uma forma muito singular de falar, das experiências,
dos afetos...”. (tutora/coordenadora).

Para finalizar essa passagem, segue o registro de mais um importante trecho que fala
por si:
129

“(...) a EP também tem sua importância no processo de formação.


Ela proporciona discutir o que se tem feito em nossa intervenção.
Chegar até aqui não tem sido moleza.
Mas com essa maravilhosa turma,
Conseguirei chegar ao final com certeza.
Agradeço também a Deus que até aqui me ajudou,
Nessa etapa da vida e me transformou.
Ninguém poderá dizer que ao final dessa experiência,
Sairá da residência da mesma forma que entrou.” (R1, A.S.).

4.2 Segundo Movimento: A formação de todos e de cada um

Na verdade sofro de excessos, que me dão certo


vocabulário
Como derramar, escorrer, atravessar.
Tenho a impressão de que tudo vaza em sobras.
Tenho dificuldade em caber (...)
Palavras são estacas fincadas ao chão.
Pedras onde piso nessa imensa correnteza que
atravesso. (Viviane Mosé, Rios)69

Falas inquietantes, incômodos cotidianos, conflitantes direções de trabalho. O


acompanhamento dos espaços pedagógicos do Programa de Residência Multiprofissional em
Saúde Mental do IPUB/UFRJ resultou em um vasto diário de campo e no registro de
inúmeras narrativas, as quais serão agrupadas aqui na tentativa de identificar temáticas e
processos em um movimento que se deu ao longo do curso. Registro de afecções, de ações
comprometidas e de efeitos produzidos no encontro com o trabalho nos serviços que integram
a rede de atenção psicossocial em Saúde Mental, cenários de prática do programa.

Em um meio onde tudo é conhecimento e no qual toda ação promove conhecimento,


esta parte da pesquisa tem o intuito de mapear alguns desses núcleos temáticos e a forma
como eles se constituíram ao longo do processo de formação no curso de residência
multiprofissional do IPUB/UFRJ.

É preciso não sucumbir ao relativismo, em que tudo e nada valem a mesma coisa. É
preciso nomear, identificar os conteúdos desse processo, identificando os núcleos temáticos,
ativando a capacidade reflexiva e a possibilidade de construção de resposta pelos alunos em
formação.

Neste segundo movimento serão apresentadas algumas das temáticas que circularam
nos espaços de formação no período de construção desta pesquisa. É possível notar certo
encadeamento na forma como os temas se apresentam, deflagrando o processo de construção
e de complexificação no processo de formação dos alunos.

69
Poema trazido por uma residente no espaço de apresentação do portfólio artístico. Viviane Mosé, Rios.
130

a- Quem eu sou? E as expectativas

A chegada dos alunos é cheia de expectativas. Pessoas que vêm de diferentes


realidades, experiências de vida, histórias, formações e pretensões.

“Pessoas tão diferentes que a vida fez questão de juntar”. – (R1, T.O.).

Um conjunto de sujeitos com suas individualidades, com a própria história, com suas
verdades e memórias. São esses sujeitos particulares que compõem o coletivo da turma, cuja
missão de trabalho-formação se estabelece. É nesse contexto que um processo educativo se
coloca, na interação com o mundo institucional, com os conceitos e os conteúdos a serem
aprendidos e soluções a serem criadas.

Uma das residentes nomeia a sua turma:

“Os multicoloridos.” – (R1, A.S.).

As questões também adquirem desenhos diferentes conforme o percurso de cada


aluno. Uns, chegam trazendo em sua bagagem alguma experiência de estágio em Saúde
Mental; outros, vão ter o primeiro contato com a Saúde Mental na residência.

Uma multiplicidade jamais possível de ser uniformizada. A formação da residência


aponta para a necessidade de ser, ao mesmo tempo, para todos e para cada um! Cada um tem
percurso próprio e isso precisa ser respeitado e incluído. Assim como cada um seguirá o seu
próprio percurso, o que parece óbvio, mas na prática se mostra uma realidade bastante
complexa.

b- Trabalho com a multiprofissionalidade: do que se trata?

Outro tema diz respeito ao trabalho multiprofissional. A multiprofissionalidade, ainda


que presente no título do curso, coloca um desafio que se operacionaliza no cotidiano do
trabalho.

“Mas o que significa exatamente uma residência multiprofissional?” – (R1, Psic.).

A mudança de perspectiva na relação entre as categorias profissionais é algo que causa


enorme estranhamento, já que nossa formação é feita distanciada das demais categorias, sem
qualquer inter-relação entre elas.

“Eu não sou psicóloga, como vou acompanhar um paciente?” – (R1, A.S.).

“Os plantonistas me perguntaram se eu vou ficar responsável pela rotina da


enfermaria.” – (R1, Enf.).
131

“Pensamos em montar uma oficina de culinária só com as terapeutas ocupacionais.”


– (R1, T.O.).

O encontro com a multiprofissionalidade é uma dificuldade vivida pela maioria dos


alunos que se graduaram, orientados pelo que a sua profissão tem de específico e pelo que a
diferencia das demais categorias. Nesta lógica, a especialidade se apresenta como figura, ao
passo que o que é comum, surge como fundo, às vezes difícil de ser reconhecido.

A experiência da residência coloca uma transformação nada simples e nada fácil de ser
operada. Os alunos se ocupam profundamente de questões como: Como cada caixinha
profissional se articula com as demais no exercício do cuidado em Saúde? Em que elas se
diferenciam? Inicialmente tentam garantir as suas especificidades, diferenciando-se das
outras.

“Os psicologia precisam de uma sala para atendimento individual.”- (R1, Psic.).

Outras categorias tentam se refugiar nos espaços destinados às respectivas categorias


profissionais, onde todos os profissionais de sua profissão se reúnem e desenvolvem ações
procedimentais. É um empuxo muito forte, cuja argumentação é inicialmente difícil de fazer
sustentar.

“Se todos os assistentes sociais ficam ali naquela sala, por que nós não podemos?” –
(R1, A.S.).

O curso tenta oferecer resistência a esses compartimentos profissionais, ao sustentar


uma oposição em ato frente às práticas manicomiais, normatizadoras, segregadoras e
protocolares. Esses espaços institucionais e multiprofissionais são formadores por conterem
possibilidades ímpares de encontros, produtores de intercessores: “um universo de processos
educativos em ato, em um fluxo contínuo e intenso de convocações, desterritorializações e
invenções” (MERHY e CECCIM, [s/d], p. 8).

No contexto dos serviços de Saúde em que as práticas de cuidado se dão, é que


também se encontram os residentes multiprofissionais do IPUB. Um campo variado, no qual
os serviços se organizam orientados mais ou menos pelo cuidado do corpo com órgão, ora
orientados pelo cuidado do encontro (MERHY e CECCIM, [s/d], p. 8).

Essa variedade de condutas ocorre na análise de cada cenário e estas se encontram


operando em momentos diversos de um mesmo cenário tanto por pessoas diferentes como
pelas mesmas pessoas. Isso aponta para a incipiência do trabalho em Saúde, cuja crença na
compreensão de mundo maniqueísta não mais se sustenta: “porque tratar com qualidade,
132

cuidar com integralidade ou escutar com sensibilidade, não são oposições e nem fragmentos
autossuficientes” (MERHY e CECCIM, [s/d], p.9).

O ato de cuidar não é específico de nenhuma categoria profissional. Mas, as


afirmações até agora apresentadas só são compreensíveis em contexto ampliado, sustentada
por uma nova compreensão do processo de saúde-doença que deixa de considerar o
adoecimento como o acometimento do corpo por uma enfermidade, cujo tratamento deve
promover uma restauração do corpo ao seu estado anterior de normalidade.

Com o foco nos procedimentos específicos a serem realizados por cada categoria
profissional, lidamos com tarefas-estanque e desvinculadas das necessidades dos usuários. A
assistente social acompanha a retirada do benefício e faz contatos sociais e familiares; já o
médico faz a prescrição, ao passo que o psicólogo conversa, enquanto a terapeuta ocupacional
desenvolve habilidades manuais e o enfermeiro cuida da rotina na enfermaria. A pergunta é:
quem cuida do sujeito?

Qual categoria profissional pode responder exclusivamente por uma ação de cuidado?
A dos pacientes que são alvo de muitos procedimentos: ECT,70 substituições de
medicamentos, aumentos de dosagens, objeto de uma enxurrada de tecnologias duras e leve-
duras, onde se espera a produção de respostas mágicas que prescindiam do contato e do
encontro. As ações especializadas poderão ser pensadas somente a posteriori, a partir do
encontro e conforme as necessidades de saúde de cada sujeito (MERHY, 1998; CECCIM,
2004-2005).

Essa fragmentação do cuidado que está presente na prática da atenção à saúde tem sido
a resposta hegemônica oferecida pelos serviços de Saúde até o momento, o que garante uma
lógica de atuação multiprofissional, entendida como multifacetada ou um somatório de ações
individualizadas.

A formação oferecida pela residência multiprofissional no cenário do IPUB evidencia


a fragmentação do mundo do trabalho presente nos serviços de uma unidade hospitalar. Desta
forma, os atores evolvidos no Prograda de Residência Multiprofissional sinalizam o desafio
da construção de um trabalho, a cada vez, com todos os envolvidos no cuidado com cada
paciente.

70
Eletroconvulsoterapia é um tratamento psiquiátrico no qual são provocadas alterações na atividade elétrica do
cérebro, induzidas por meio da passagem de corrente elétrica sob condição de anestesia geral. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Eletroconvulsoterapia>.
133

A construção de um cuidado individualizado faz com que os procedimentos sejam


incluídos de acordo com cada necessidade e de forma compartilhada com todos os atores do
cuidado, como neste caso em que a residente relata uma situação vivenciada:

“Eu, a médica e a assistente social conversamos sobre o retorno dele para casa.”-
(R1, T.O.).

A construção da possibilidade de retorno do paciente para casa não depende de uma


ligação do assistente social, da garantia da prescrição nem de uma avaliação psicológica do
caso. Depende de uma construção coletiva de todos os atores, inclusive, do familiar e do
próprio paciente. A preocupação com o cuidado do paciente em seu retorno ao lar não é
específica de nenhuma categoria.

Essa construção coletiva também foi observada em outras situações:

“Descobrimos que R. adora comer no McDonalds.”- (R1, Enf.).

“Fomos ao teatro.” – (R1, Psic.).

“Estamos indo ao cabeleireiro.” – (R1, T.O.).

Para Ceccim e Merhy (2009), os lugares de encontro não são lugares dominados pela
técnica, pela rotina, pelos protocolos, por uma profissão ou por uma instituição a que os
autores chamam de “forças externas”. Lugar central é destinado ao usuário, cujo cuidado pode
ser produzido a partir desse encontro. Chegamos assim ao conceito de usuário-centrado, em
oposição a médico-centrado ou procedimento-centrado.

Desta forma, o residente vai se tornando disponível ao vínculo, ao cuidado, ao outro


que sofre, ampliando sua capacidade de produzir ações cuidadoras capazes das intervenções
as mais diversas.

c- Contradições entre instituição hospitalar e direção de trabalho territorial

Esse outro tema traz para reflexão as contradições cotidianas entre as ações da
instituição IPUB e a direção da Política de Saúde Mental voltada para o trabalho com o
território.

O curso tem início em 2010 e se apresenta como proposta de formação


multiprofissional em meio a uma instituição de formação médico-psiquiátrica tradicional. O
IPUB/UFRJ, embora tenha sido um importante protagonista no processo de Reforma
Psiquiátrica brasileira e reúna, em seu corpo docente, os principais autores e as principais
produções sobre o tema, possui ainda uma assistência organizada fundamentalmente a partir
134

dos espaços de internação psiquiátrica, onde a presença do médico é central e os demais


profissionais atuam em ações paralelas com tarefas específicas e compartimentalizadas a
partir de seus núcleos profissionais.

Há ainda uma importante fragmentação entre os diferentes setores que compõem a


instituição, não existindo espaço de interlocução entre os serviços; logo, as ações de cuidado
também são estanques tanto dentro do próprio hospital entre os setores que o compõem,
quanto em relação à rede de serviços territoriais presente no município do Rio de Janeiro e
demais municípios vizinhos.

Este panorama apresenta uma realidade institucional hospitalar, médico centrado e


orientado por ações curativas e nucleares. Elas se chocam com perspectivas outras,
orientadoras do processo de reforma psiquiátrica em construção. É possível concluir que
ambas as lógicas coexistem simultaneamente no espaço da cidade onde hospitais psiquiátricos
convivem no território com os serviços CAPS, ambulatórios, PSFs, clínicas da família e
demais estruturas de cuidado territorial em Saúde.

Além das estruturas e das conformações dos serviços, convivemos com lógicas
assistenciais diversas, que definem práticas às vezes mais, às vezes menos orientadas pelos
pressupostos da reforma e pelos princípios do SUS. Essa contradição foi descrita por Costa-
Rosa (2000), ao definir que o Modo psicossocial e o Modo hospitalar de operar o cuidado
atingem diretamente o acompanhamento dos pacientes e a relação dos alunos com as equipes
e com o território.

“Os pacientes que recebem alta são encaminhados para o ambulatório, mas M. mora
em Nova Iguaçu!” – (R1, A.S.).

“Ele mora sozinho num quarto; vai precisar de um suporte maior após a alta.” – (R1,
T.O.).

A descrição inicial do contexto em que se insere o Programa de Residência se choca


com a proposta de se orientar por ações decisivas na direção de um trabalho em equipe
multiprofissional, que atue de maneira transdisciplinar, tomando como operadores do cuidado
o conceito de desinstitucionalização e a construção da linha de cuidado e rede para os sujeitos
em sofrimento psíquico.

Esse complexo de fatores se entremeia e acarreta importantes efeitos no momento da


chegada das turmas de alunos. Os relatos a seguir ilustram a sensação de descompasso que se
coloca desde o começo, entre a proposta do Programa de Residência e a organização
institucional hospitalar.
135

“Chocante; desestimulante.” – (R1, Psic.).

“Essa direção de trabalho é da instituição ou é do curso de residência?” – (R1, Psic.).

“Na equipe a que estou referida só há médicos, nenhum outro profissional participa
da equipe clínica!” – (R1, T.O.).

Essa chegada é vivida com muita frustração. Questões sobre o processo de Reforma
Psiquiátrica, o descompasso entre a realidade e a forma como está descrita no livro ou
prevista nas legislações tomam a cena dos espaços tutoriais e de educação permanente.

Que lugar eles ocuparão nesse contexto institucional tão paradoxal e como irão
desenvolver o trabalho em saúde? Muita angústia está presente no momento da chegada.

“As ações são automáticas e imediatas; não há espaços de discussão. Não há


equipe.” - conclui a residente 11.

“O modo de falar com os pacientes é ruim.” – afirma o residente 6.

O Programa de Residência, por meio do seu PPP (IBUB, 2010), sustenta a proposta de
que a formação se dê frente às adversidades do trabalho em Saúde Mental, que ocorra ao
mesmo tempo no enfrentamento das questões reais, dos serviços reais, posto que tudo isso
tem efeitos para a formação.

O choque entre o ideal e o real, entre a teoria e a prática, entre o de deveria ser e o que
é, entre o que nos cabe e os nossos limites, esse é o núcleo temático debatido nos espaços
pedagógicos.

Aqui, os episódios cotidianos apontam para as nossas próprias contradições. Há um


hiato entre o que é dito, alvo da formação teórica em consonância com as políticas e o que é
orientado pela Reforma Psiquiátrica brasileira. Distância entre o que se fala e o que se faz. O
hiato da vida?

Os alunos, a todo tempo, chamam a atenção para essa contradição, embora suas
expectativas iniciais sejam as de solucionar o problema, de findar a contradição e de resolver
o paradoxo. Mostra-se angustiante o encontro com um mundo complexo e fragmentado na
relação entre produção teórica e produção do cuidado, entre as diferentes maneiras de dizer e
de fazer presentes na instituição, cenário dessa proposta pedagógica.

“Existem pacientes que moram na enfermaria há mais de dez anos.” – (R2, Psic.).

“O tratamento na crise é ficar internado e tomar medicação? Mas é isso que trata a
crise?” – (R1, Psic.).

“Dar alta é encaminhá-lo para casa e só? Pensar a continuidade do tratamento não é
importante?” – (R1, A.S.).
136

Atualiza-se o hiato entre a produção teórica do campo da saúde mental, formulada por
autores chaves, muitos deles docentes que compõe o corpo do IPUB, e pelas políticas de
saúde mental; e a assistência oferecida cotidianamente nos setores da própria instituição.

“Estou acompanhando uma paciente que mora em Austim, Belford Roxo, pensei em
ligar para o CAPS, mas o médico quer que ela continue se tratando no ambulatório.
E a regionalização?” – (R1, A.S.).

“Essa é quarta internação dele só esse ano; precisamos entender o que está
acontecendo. Não dá pra gente repetir a mesma coisa.” – (R1, T.O.).

A fala de um residente do segundo ano, após seis meses de inserção em um dos CAPS
do município do Rio de Janeiro, analisa esse hiato.71

“Alguém precisa levar a enfermaria para o mundo, as pessoas não conhecem os


resultados de outros tipos de apostas, os profissionais que trabalham lá nunca
experimentaram trabalhar na rede. Não sabem que lá fora já não se discute um caso
clínico dessa forma! O paciente é o centro do debate e não os seus sintomas. E eu
não estou falando só de outros profissionais, estou falando dos psiquiatras. A
responsabilidade dos residentes médicos terem muito pouco recurso para pensar o
caso clínico é da formação que eles recebem, que é muito desatualizada. Olha a
diferença do Pinel, lá é completamente diferente. Se as pessoas parassem um pouco
para ver como são as residências multi e psiquiátrica na rede, ficariam constrangidos
com o que esta sendo produzido aqui. Vocês têm obrigação de falar com a Maria, ela
me parece uma pessoa muito sincera e legal. Ela já trabalhou na rede? Por que vocês
não trazem os residentes psiquiatras e multi da rede para um centro de estudos, eles
precisam ver como se constrói um projeto terapêutico em conjunto. (...) Vou deixar
registrado no meu portfólio, no final do curso, a sugestão de que o primeiro ano
deveria ser na rede e depois dentro do IPUB. ” (R1, Enf.).

Outro tema muito recorrente foi sobre a utilização da contenção mecânica nas
enfermarias. Tema delicado e sujeito a inúmeros atravessamentos e disputas. Cientificismos
fervorosos, críticas de grupos que defendem os direitos humanos, valores morais de bem e
mal em jogo também.

“Contenção por angústia dos técnicos?” – (R1, Psic.).

“Ação imediata; ações radicais.” – (R1, Enf.).

“Não há espaço para discussão sobre o que é feito e nem como é feito.” – (R1, Enf.)

“Percebo um modo ruim de falar com os pacientes internados.” – (R1, A.S.).

As situações vividas pelos alunos, sobre a prática da contenção mecânica, mostram as


encrencas práticas de uma ação complexa e contraditória em Saúde, no mundo onde a prática
se dá, produzindo importantes reflexões.

“Será que era preciso?” – (R1, Psic.).

“Será que tinha que ser dessa maneira?” – (R1, Enf.).

71
Cabe ressaltar que, durante o estudo, foram recolhidas muitas falas que destacavam esse hiato.
137

“Por que tanta violência?” – (R1, A.S.).

Sobre a prática da contenção, alguns profissionais da própria instituição pesquisaram o


tema e construíram, com autorização da direção, um protocolo institucional de aplicação
dessa técnica, cuja literatura comprovou sua eficácia em alguns casos específicos e em
algumas circunstâncias clínicas definidas. A aplicação deste protocolo requer uma avaliação
clínica e o acompanhamento do paciente contido, de modo a justificá-la a cada vez, ao longo
de um período determinado.

Mais uma vez, a contradição se mostra a despeito do protocolo e aparece como tema
de debate nos espaços formativos do Programa de Residência. Nesses espaços foi possível a
construção de questões que viabilizaram uma reflexão sobre o que é contenção, a diferença
entre fazer contenção e dar continente, desencadeando a possibilidade de um estudo mais
aprofundado com os residentes, para além das diferentes opiniões ou valores políticos e
morais.

A contradição permite problematizar as intervenções, construir outras possibilidades


de respostas a partir delas, identificar o que foi possível fazer e o que cada um poderia ter
feito, estudar mais sobre o tema, de modo a produzir elementos que possam sustentar outra
forma de cuidado, que possibilitem a construção de novas possibilidades.

Algum tempo depois, os residentes dão notícia de que uma paciente grave, que tem
surtos frequentes de agressividade, após inúmeros episódios de contenção conturbados,
permite que sua equipe de cuidado – residentes, auxiliares, técnicos, enfermeiros e médico –
consiga contê-la, amarrando apenas um de seus dedos à cama de ferro da enfermaria,
deixando algumas perguntas para reflexão:

De que ordem foi essa ação? O que pôde ser contido? Qual a função da presença da
equipe? O que possibilitou a sustentação da crise sem fortes tiras de tecido que
segurassem todo o seu corpo avantajado? O que se passa com essa paciente de tão
radical e insuportável? Questões fundamentais para alunos e técnicos, para a
formação de uma instituição de saúde.

d- Encontro com o mundo do trabalho

Com o passar do tempo, dos meses, a imersão no mundo do trabalho vai aproximando
os residentes de questões mais profundas e, ao mesmo tempo, sutis, que apontam para a
delicadeza da clínica e das condutas no âmbito da Saúde Mental. Aqui podemos identificar o
que chamamos do encontro com o mundo do trabalho propriamente dito, onde alguns temas
são depurados a partir das reflexões nos espaços coletivos.
138

Por exemplo, os espaços de EP mesclados com a proposta de um Seminário Clínico


trouxeram a possibilidade de discutir temas, como, por exemplo, a recepção em Saúde
Mental, tornando possível a reflexão ampla a respeito dos pontos centrais de funcionamento
de uma rede de saúde: acolhimento, acesso, produção de acesso e barreira, o encaminhamento
e as diferenças entre os serviços que compõem a rede.

Do mesmo modo, temas mais complexos sobre o acesso foram explorados com
desdobramentos para se pensar as referências e contrarreferências, experiências bem e mal
sucedidas acompanhadas de reflexão sobre as conduções, a burocracia, os encaminhamentos
que não chegavam e os serviços que não recebiam. Possíveis equívocos de comunicação
foram considerados. Igualmente foram lembradas as dificuldades estruturais e as de gestão,
como serviços lotados ou com agendamentos demorados. Em meio a isso, uma importante
pergunta pôde ser formulada:

“O que pode ser feito diferente frente ao drama do acesso aos serviços de saúde em
nosso Estado”? (R2, A.S.).
As diferentes experiências de recepção compartilhadas pelos alunos proporcionaram
uma importante reflexão sobre os tipos de serviço, a forma como se organizam, o
funcionamento das equipes, a disponibilidade para a escuta, as diferentes concepções de
recepção, de acolhimento e de triagem, bem como os efeitos disso para alguns casos em
acompanhamento...

Essas são algumas dentre várias temáticas que circularam nos espaços pedagógicos;
algumas delas inspiraram os temas das monografias de conclusão de curso dos alunos.

A chegada dos residentes em um dos serviços, cuja missão estratégica é efetivar o


processo de desinstitucionalização de pacientes de longa permanência, promove o
aparecimento de importantes reflexões sobre o trabalho clínico e os processos de trabalho que
interferem diretamente na condução dos casos. Mais uma vez, o descompasso, algo muito
diferente do esperado, do escrito, do dito ocorria no interior desse dispositivo, que, de alguma
maneira, era parte ativa das reflexões dos alunos nos espaços de formação pedagógica.

Qual a missão desse serviço? A que ele serve? Qual o critério de ingresso? Que
lógica opera a sustentação desse dispositivo no cenário da reforma psiquiátrica?
Qual a sua relação com o território? Como deve ser o seu funcionamento? Que
dispositivo deve ser indicado como lugar de tratamento a clientela de longa
permanência? Qual a função dos profissionais que ali trabalham? Como acontece o
cotidiano do trabalho? Quais as estratégias de produção de autonomia? Quais os
indicadores de cronificação? Qual a relação de trabalho entre o serviço e os
moradores de longa permanência internados nas enfermarias de agudos? Como se
dava a “alta”? Qual o critério de substituição dos pacientes?
139

Essas são apenas algumas das inúmeras perguntas construídas pelos alunos - R1 e R2 -
ao longo desses meses de produção da pesquisa. Essas indagações geraram inúmeras
reflexões, estudos aprofundados sobre os conteúdos de desinstitucionalização, relativos à
reforma psiquiátrica, a leitura de artigos sobre relatos da experiência de
desinstitucionalização, inúmeros encontros, os processos de construção de autonomia, o
dispositivo de cuidado, de relação, de cuidado e de tutela.

Era nítido o quanto essas questões provocadas pela imersão no mundo do trabalho, de
fato, tinham atravessado a experiência desses alunos em um nível orgânico, passional e cheio
de afetações inomináveis e imprevisíveis, que os tiravam completamente da sua zona de
conforto e tiravam igualmente a coordenação, os tutores e os preceptores. Era impossível
responder a isso com conformismo ou neutralidade. Era impensável que, quem quer que
fosse, em uma posição de formadores de pessoas, de sujeitos, de cidadãos, ficar inerte e
insensível à dimensão de fato, de evento significativo, de acontecimento embutida naquelas
questões tão pertinentes, tão profundas e tão delicadas que eram apresentadas, a cada novo
encontro, com os alunos.

A dimensão da responsabilidade pela formação estava colocada e, de alguma forma, os


convocava a responder de maneira ética e clinicamente engajada.

4.3 Terceiro Movimento: A arte de fazer “furo no muro”

We don't need no education


We dont need no thought control
No dark sarcasm in the classroom
Teachers leave them kids alone
Hey! Teachers! Leave them kids alone!
All in all it's just another brick in the wall.
All in all you're just another brick in the wall.
(Another Brick In The Wall/ Pink Floyd72)

O terceiro e último movimento identifica um processo incipiente de transformação.


Trata-se dos efeitos dessa proposta de formação que teve efeitos de intervenção para os
alunos, pacientes, preceptores, tutores, coordenadores e instituição. Nesses efeitos é possível
notar um processo de transformação em andamento, como um processo de
desinstitucionalização em sentido ampliado. Desinstitucionalização de si, do outro e do
mundo, de sujeitos, de práticas e de modos de cuidado em Saúde. Desinstitucionalização dos

72
O clipe sugerido por uma aluna como forma de ressaltar a importância de um processo de formação que
produza sujeitos críticos e reflexivos. (R1, T.O.).
140

pacientes, dos residentes, dos serviços, dos coordenadores/tutores/preceptores, que operam de


modo contra-hegemônico e produzem transformações radicais nos processos de cuidado em
Saúde.

Esse movimento busca dar visibilidade aos produtos decorrentes do processo de


conhecimento construído pelos alunos em meio à instituição, ao serviço, à prática, ou seja,
onde o processo de conhecimento estiver intimamente relacionado ao processo de intervenção
sobre a realidade.

Recupera-se aqui a expressão “furo no muro”, muito presente nos espaços coletivos do
Programa de Residência. Uma expressão que pode ser interpretada pelos analistas, analisada
pelos cientistas ou problematizada pelos institucionalistas, denotando uma complexidade e
polissemia de vieses exploratórios.

Optamos por um percurso reflexivo, em que a análise da expressão “furo no muro” se


associa com a letra da música do Pink Floyd, clipe postado por uma aluna no espaço de
tutoria virtual.73 Uma primeira reflexão nos remete aos tipos de formação e às consequências
dos processos educativos, formadores dos sujeitos que atuam no mundo. Retomando
brevemente as funções e os usos da Educação, entendemos que esta pode operar como
reprodutora de sujeitos dóceis e acríticos, treinados para atuarem no mundo de forma passiva,
ou como construtora de sujeitos críticos e reflexivos, capazes de produzir novas respostas
frente aos desafios do mundo, em uma atuação libertadora, parafraseando Freire (1999), e não
aprisionadora e castradora das potencialidades dos sujeitos e das formas de pensamento, que
são diversas e infinitas. Como sugere a música, uma das tarefas da formação é romper a
produção de sujeitos mantenedores do muro.

Desta forma, a expressão “furo no muro” nos remete a processos de transformação na


formação e na instituição, construídos por todos e por cada um. Aqui, a aproximação com a
cena da queda do Muro de Berlim, símbolo de um mundo dividido74 entre capitalismo e
socialismo, presente no século passado, faz-se inevitável.

Que história é essa de fazer “furo no muro”? De que forma isso se aproxima do tema
desta pesquisa?

73
O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ utiliza a plataforma virtual
Constructore/UFRJ, ampliando os espaços de troca entre alunos e tutores.
74
Título de um documentário realizado pela Rede Globo de Televisão.
141

A proximidade da expressão com o tema central desta pesquisa está na descoberta, a


partir da análise do material produzido nos espaços pedagógicos do Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ, dos efeitos que se apresentam ao se
tomar o processo formador como transformador em ato, operando ações concretas de
mudanças nos espaços onde o curso se faz presente.

Um segundo espectro de reflexão aproxima a cena da queda do muro ou, mesmo, a


expressão furo no muro ao campo da Saúde Mental, funcionando como metáfora do processo
de reformulação da assistência psiquiátrica brasileira, que tem como direção teórico-
metodológica a substituição gradativa dos grandes hospitais psiquiátricos por serviços
territoriais de tratamento em Saúde Mental. No processo de transformação da assistência no
Brasil fomos diretamente inspirados pelo modelo da Psiquiatria Democrática Italiana, onde a
queda do muro se fez de forma real, com o fechamento dos hospitais psiquiátricos,
sustentando a concretude da mudança de práticas assistenciais, redirecionando-as para novas
formas de tratamento, fundamentadas em estruturas assistenciais inéditas de cuidado para com
a doença mental e seus sujeitos.

Assim, o simbolismo da queda do muro ou, mesmo, o furo no muro do hospício pode
ser evocado como a mudança na forma de conceber a doença mental e seu tratamento, em que
o furo no muro constrói a possibilidade de introdução da diferença na cidade, da unificação do
diverso, do fim dos separatismos, dos isolamentos e das segregações, que estão, em muito,
nos impedimentos e nas limitações físicas e arquitetônicas das grandes estruturas manicomiais
e se reproduzem e se constituem por práticas, por ações e por ideologias que promovem a
segregação. A queda do muro ou o furo, mais do que uma ação de derrubada física é uma
ação de desconstrução cotidiana, micropolítica, presente nas ações de cuidado, criadas por
pequenos protagonistas do dia-a-dia, capazes de derrubar muito mais do que tijolos e
concreto.

Desta forma, fazer o furo no muro é uma metáfora, é a construção simbólica desse
processo transformador de operar transformações no âmbito das próprias práticas cotidianas,
as quais, somadas, criam ressonâncias amplificadas infinitas vezes e, neste processo, o
Programa de Residência tem operado de forma ativa.

Os residentes recuperaram algumas falas que circulam nas equipes de trabalho:

“Dona P. está esperando alta celestial.” – (R1, A.S.).

“Com V. nós já tentamos de tudo, não tem jeito, ela fica melhor internada na
enfermaria.” – (R1, Psic.).
142

Em outras narrativas aparece a reflexão do próprio residente:

“Os moradores não possuem a chave da casa e não podem abrir a geladeira.” – (R2,
Psic.)

“Os pacientes graves que somem do serviço são considerados casos de abandono e
ponto final.” – (R1, Enf.).

Essas mudanças no processo de formação dos alunos não ocorrem de forma simples.
Certos efeitos apontam para algumas das dificuldades identificadas no movimento dos alunos:
a de permanecer durante todo o horário de plantão, a de permanecer na enfermaria, a de
acompanhar pacientes, dificuldade em reconhecer o seu lugar profissional, em assumir
responsabilidades profissionais com os serviços e com os pacientes, bem como denúncias
quanto às falhas do profissional X ou Y. Muitas foram as atitudes perpetradas por alunos,
recolhidas no processo de produção desta pesquisa; algumas mapeáveis e outras, não.

Em outro grupo de alunos, os efeitos de convocação ao trabalho enfrentam menos


resistência e dificuldade, de maneira que os projetos de ações e de intervenções se
multiplicam. Diante das dificuldades enfrentadas em um dos cenários de prática, uma
residente comenta:

“Pra mim já foi, já era. É isso e tudo bem. Vamos lá então ver o que é possível.” –
(R1, T.O.).

Junto aos pacientes, a sustentação de ações inovadoras e a produção de encontros


potentes de vida e de cuidado se reproduzem em falas recolhidas cotidianamente. O
acompanhamento feito por um residente do processo de desinstitucionalização de uma
paciente expõe o encontro cuidadoso que foi produzido. Esse residente sustentou a indicação
da paciente para uma vaga em moradia externa, discutindo o caso e, desse modo, impedindo
que sua vaga fosse concedida a qualquer outra paciente. Este residente se admira com a fala
que lhe fora endereçada pela paciente.

“Quando você se vai, fico na solidão.”- (R1, Psic.).

No caso específico dessa paciente, foram meses de trabalho do residente para que ela
pudesse construir possibilidades concretas de se mudar do seu jeito, com suas limitações,
impedindo que a equipe decidisse, a despeito da paciente, indicar outra pessoa para a “sua
vaga”.

Outro residente se interroga sobre a melhor forma de conversar com uma profissional
com quem divide o cuidado da paciente, na tentativa de incluir um cuidado singular e não
tutelar.
143

“Como dizer para a técnica que a paciente é capaz de escolher o próprio colchão? E
que o melhor para ela (técnica) pode não ser para ela (paciente).” – (R2, Psic.).

Diante de uma situação conflituosa em um dos cenários de prática, onde se sentindo


solitário e com um suporte frágil e vacilante, o residente pergunta ao tutor:

“Cadê os tais preceptores que iriam nos acompanhar em determinado cenário de


prática?” – (R1, T.O.).

Ao mesmo tempo, os residentes conseguem cada vez mais incluir outros técnicos no
cuidado de determinado paciente, e o cuidado torna-se cada vez mais compartilhado:

“O técnico de enfermagem foi ao shopping junto comigo e a paciente. No final de


semana, eu não estava e ele foi sozinho com ela”. (R1, Enf.).

Outras passagens são fundamentais para dar visibilidade aos acontecimentos. Em


outro caso, a residente consegue restabelecer o contato da paciente com a família, de modo
que, após inúmeras vindas do pai, torna-se possível combinar uma ida da paciente em casa, o
que não acontecia há cinco anos pelo menos. Nessa visita, todos se dispõem a estar presentes:
residente, técnico e médico. Um encontro ímpar e inesperado.

Algumas consultas na enfermaria se transformam em consultas conjuntas, e o cuidado


passa a ser realmente partilhado, motivo pelo qual a direção do caso passa a ser construída de
modo conjunto, incluindo o familiar e o próprio paciente. Há mudança na lógica dos
procedimentos específicos distribuídos por determinadas profissões.

Nos espaços mais duros e fragmentados pela aridez, os residentes chegaram fazendo a
diferença. Construindo espaços de possibilidades, linhas de fuga, que aponta para a
construção de novas possibilidades, segundo Deleuze (1999).

O esforço de captura deixa brechas fundamentais, justamente por não haver respostas
apriorísticas que possam dar conta das necessidades do sujeito. São brechas que aparecem
escancaradas a quem se dispuser a olhá-las, as quais são nomeadas na dinâmica institucional
de diferentes formas: não aderência ao tratamento; transtorno de personalidade, falta de
moradia, traficante, resistente à medicação, simuladoras... São infinitos os nomes que a
instituição lança mão quando o seu projeto de tratamento procedimental e apriorístico não dá
conta de tratar o sujeito. Nesses espaços, um olhar atento e despretensioso, despido de
orientações generalizadas, encontra um campo rico e produtivo: a promoção do cuidado
singular.

Os processos de formação, nesta linha de construção, além de operar modificações nos


alunos, alvos das iniciativas pedagógicas, reverberam para os espaços e para as relações de
144

trabalho em que eles estão inseridos. Esses elementos se integram à cena institucional, são
incorporados pelas equipes e passam a participar de seus funcionamentos. É de dentro para
fora que transformações incalculáveis vêm se mostrando possíveis nesse período. Cada vez
mais visíveis e notórias.

“A paciente não saía da cama para nada, fazia tudo no leito e então passei a
acompanhá-la de perto. A cada vez que ia vê-la, me apresentava e ficava ao seu
lado, me colocando disponível e atenta a ela. Perguntava sobre sua vida e sempre a
chamava para passear pela enfermaria, às vezes pelo pátio. Algum tempo depois, ela
topou me acompanhar e, desde então, nunca mais ficou restrita ao leito.” – (R1,
A.S.).

Os inúmeros debates e reflexões protagonizados pelos alunos junto às equipes clínicas


e ao Serviço Residencial Terapêutico (SRT) culminaram com a produção de um Seminário de
Desinstitucionalização organizado conjuntamente pela Direção do IPUB e pelo Programa de
Residência Multiprofissional e realizado em outubro de 2012.

O objetivo deste evento era apresentar o trabalho das enfermarias e do SRT no que
tange ao cuidado com os pacientes de longa permanência, na tentativa de se construir uma
direção comum a ser operacionalizada pelo Programa de Desinstitucionalização que
coordenaria as ações junto aos pacientes-moradores.

Nesse seminário, muito foi falado sobre a importância do Programa de Residência,


ressaltando que, desde a sua implantação há dois anos e meio (na época), o número de
pacientes de longa permanência baixou de vinte e três para doze. Os residentes têm
conseguido construir novas direções de tratamento para os pacientes que habitam as
enfermarias de agudos, repensando a SRT como único destino possível para esses sujeitos.

Mais do que apoiadores das ações de mudanças,75 os residentes, em contexto


institucional diverso, têm respondido do lugar de protagonistas das novas ações de cuidado,
cujo peso é sentido por eles a cada novo desafio real, frente à forte correnteza das forças
externas, das rotinas institucionais, dos cuidados categorizados e fragmentadores do sujeito.

A construção do Projeto Enfermarias 76, composta em sua maioria pelos residentes


multiprofissionais sob a coordenação de um dos preceptores de campo, tem possibilitado
outras formas de tratamento aos pacientes internados. Introduzem-se novas linguagens, novas

75
Expressão utilizada por Ceccim e Merhy (2009), ao se referirem aos atores institucionais catalisadores de
ações institucionais potencialmente inovadoras e responsáveis pela convocação de um debate ampliado sobre as
práticas de singularização do cuidado em Saúde.
76
Um dos cenários de prática do IPUB, coordenado pelo Dr. Júlio Verztman, pelo qual passam os residentes de
primiero ano. Ele tem como objetivo construir espaços e atividades com os pacientes internados, habitando as
enfremarias.
145

relações de tratamentos com os pacientes, novos elementos passam a ser identificados como
sinais de melhora e o tratamento se amplia.

Os espaços do Projeto se organizam a partir de uma atividade central, a assembleia


que reúne todos os pacientes, os residentes e cada vez mais profissionais, em um esforço de
organização e de construção coletiva das atividades. Nesse espaço, todos são ouvidos e
protagonizam ações conjuntas, que passam a operar sobre a realidade estabelecida até então.

A partir da Assembleia77, a semana se organiza, oficinas são criadas, atividades de


lazer são construídas e as dificuldades de convivência são debatidas e equacionadas. É um
espaço de acolhimento e de fala com efeitos de organização para os sujeitos. Aí surgem:
oficina de culinária, oficina da paz, grupo de DST e AIDS, visitas domiciliares aos domingos,
sessões de teatro noturnas e outras, dominicais, relatórios de trabalho, projetos de intervenção,
minigrupos de residentes multi para discutir os casos de suas equipes, entre outras inúmeras
iniciativas, que, aos poucos, e com o tempo, vão se multiplicando e transformando a cena do
IPUB e dos serviços.

Nesse Projeto surgem novas parcerias de trabalho com diferentes profissionais,


pesquisadores e artistas. Escola de dança, educação física, música e arte. A vida cultural passa
a existir: cinema, teatro e passeios pela cidade. Inúmeras são as transformações visíveis e
invisíveis.

Os efeitos das saídas individuais e coletivas, cada vez mais constantes no cotidiano do
trabalho, fazem com que os profissionais da rouparia, setor responsável pelas roupas dos
pacientes, chamem os alunos para pensar estratégias conjuntas de organizar a separação das
roupas. O que antes era usado de forma indiscriminada por todos os pacientes, passa a ser
separado para cada um. Alguns pacientes ‘ganham’ roupas próprias, reconstruindo aos poucos
gostos, estilos, características e identidades.

No esforço de construção das singularidades, as enfermarias recebem armários


individuais. Afora isso, as falas dos pacientes são consideradas, a partir de então, de outra
maneira.

77
Atividade semanal construída por residentes, profissionais e pacientes, com o objetivo de fazer circular a fala,
onde são debatidos temas gerais e de interesse de todos. Um dos objetivos é que os pacientes particpem da
construção das atividades e das regras de convinecia na enfermaria.
146

Os casos em que nada se tinha para fazer, passam a responder ao investimento de


cuidado diferenciado. A contenção de determinada paciente consegue ser reduzida a um laço
com o qual se amarra um de seus dedos na cama de ferro da enfermaria.

Um paciente muito grave e agressivo começa a participar das atividades coletivas de


forma intensa e participativa, a partir do acompanhamento de uma residente terapeuta
ocupacional.

Determinada oficina, pensada para acolher a demanda de culinária de um paciente, se


transforma em oficina de culinária para um grupo de pacientes. Essa oficina vai se
complexificando e passa a organizar todas as etapas desde a produção dos alimentos, a lista de
compras, a ida ao supermercado, a preparação, a limpeza da cozinha e, claro, a refeição
diferente daquela fornecida pela instituição.

Aos poucos, os CAPS passam a ser incluídos no rol dos possíveis encaminhamentos, e
essa função não fica apenas com o ambulatório da universidade, em que o ambulatório
acadêmico por caso é substituído pela real necessidade daquele paciente, o que também é
formador. Os encaminhamentos para os CAPS envolvem a construção e a discussão coletiva
dos casos, as visitas institucionais, o acompanhamento dos pacientes, a visita ao território de
moradia, a inclusão da família na discussão e a construção de novas estratégias para as
situações de alta.

Surgem assim novos interesses e possibilidades de trabalho inovadoras, de tratamento,


de ser, de viver a vida, de pensar a vida, de construir a vida, “que é bonita, é bonita e é
bonita...”, conforme uma das apresentações do portfólio artístico.

As reuniões de preceptores internos (serviços do IPUB) e externos (serviços externo


ao IPUB) começam a se estabelecer de forma mais regular e organizada. Fala-se mais do
programa, da sua organização, e suas diretrizes vão ficando a cada vez mais claras, com
ajustes de horário, parcerias de trabalho e o sentimento de que esse espaço começa a se
desenhar com a possibilidade da construção coletiva. Retoma-se a ideia estabelecida para o
trabalho junto aos pacientes, pois a participação coletiva pode fomentar uma construção
coletiva e tem a possibilidade de promover uma mudança coletiva.

Os residentes, ao integrarem as equipes clínicas e passarem a compartilhar o cuidado


com os residentes médicos, começam a participar também da Sessão Clínica do IPUB, lugar
de apresentação de caso clínico no espaço público da instituição. Embora seja um momento
difícil, em que aparecem as inseguranças e as dúvidas, a presença desses diferentes atores do
147

cuidado, orientados por diferentes lógicas de tratamento, traz novos elementos para o debate,
tornando cada vez mais rica e ampliada a discussão e a construção coletiva do caso.

A participação dos residentes multiprofissionais no Centro de Estudos, outra atividade


institucional semanal, mobiliza uma reflexão sobre as temáticas que vêm sendo priorizadas
nesse espaço. Determinada turma se disponibiliza a construir uma lista com novos temas, que
incluam as temáticas multiprofissionais e envolvem pesquisas do campo da atenção
psicossocial. Assim, foi criada uma comissão de alunos para discutir a sugestão de novos
temas junto aos organizadores da atividade.

Dispor-se ao encontro com outro objetivo que não a restauração do sujeito ao estatuto
de normalidade, remissão dos sintomas e enquadramento social, possibilita que seja possível a
dimensão de acontecimento: “Que acontecimento é esse, que se abre de modo tão díspar,
como oportunidade para processos de subjetivação os mais variados, num agir micropolítico
e pedagógico intensos?” (MERHY e CECCIM, [s/d], p. 8).

É basicamente com essa pergunta que os alunos se deparam ante os efeitos de seu
trabalho junto aos pacientes.

“O que eu fiz? Foi milagre? Não fiz nada demais, só não desisti de conversar com
ela e um dia ela me respondeu. Todos tinham dito que eu estava perdendo meu
tempo que ela era um quadro neurológico e que nada poderia esperar dela.” – (R1,
A.S.).

Nesse caso, o quadro neurológico resumia inteiramente tudo que a paciente era e
poderia ser. Ele explicava tudo o que a paciente fazia, ou melhor, deixava de fazer, e
justificava, com a mesma intensidade todas as suas impossibilidades. Esse entendimento
resumia o argumento para que todos da equipe não se ocupassem dela. Todavia: “Um
encontro cuidador pode ser o disparador de autopoieses78?” (MERHY e CECCIM, [s/d], p.
8).

O momento do encontro-acontecimento pode ser caracterizado como intercessor,


aquele em que irrompe uma riqueza de processos relacionais e que não pode ser reivindicado
por nenhum saber específico. É preciso construir possibilidades de o sujeito se exercer, viver
a vida em sua potencialidade.

78
A noção de autopoiese foi formulada pela primeira vez na década de setenta por dois biólogos chilenos,
Humberto Maturana e Francisco Varela, e utilizada por Deleuze e Guattari no campo da filosofia. A novidade de
Maturana e Varela é propor o entendimento dos seres vivos como estando em constante processo de produção de
si, em incessante engendramento de sua própria estrutura. É importante considerar o processo de autocriação
constante (KASTRUP, 1995).
148

Aqui vale citar a riqueza colocada pelo autor:

Nessa condição, o cuidar do outro é operado por distintas modalidades de saber e


fazer, não culmina com as práticas particulares das profissões, das tecnologias do
cuidado ou dos protocolos, prolonga-se pela invenção de si, dos entornos, de
mundos. (MERHY e CECCIM, [s/d], p. 8)

Sustentar a direção do Curso de Residência não parece tarefa fácil. Isto requer a
capacidade de administrar todo o tempo as tensões vividas pelos alunos imersos no mundo do
trabalho tal como ele é: inacabado, pouco multiplicador de trabalho vivo, procedimento
centrado, nada orientado pelas particularidades e reprodutor de condutas vazias de sentido.

O residente chega com outra agenda; é preciso acompanhar cada um, interessar-se
pelo que há de singular e, desse modo, produzir cuidados cada vez mais inovadores, nunca
antes pensados, por terem como foco a singularidade. É essencial escutar o outro, pois nada
sei dele. É indispensável ir ao seu encontro com a possibilidade de este ser um acontecimento
criativo, a respeito do qual meus ‘a priore’ serão incapazes de responder.

Os coordenadores e tutores fazem a si próprios essa mesma pergunta:

Poderia ser diferente? Poderia haver outra proposta que orientasse a formação de
profissionais em saúde no contexto do SUS?

A resposta tem sido negativa até o momento, o que coloca essa direção de trabalho
como condição imprescindível, algo inegociável diante do mandato ético e pedagógico que
atravessa toda a construção do curso e está presente em seu Projeto Político Pedagógico.

Neste trabalho apresentamos as construções das possibilidades de atuação de um


grupo de residentes multiprofissionais, que, em variados cenários, vem tentando construir um
cuidado singular, de modo a interferir na realidade institucional e produzir novas saídas
criativas.
PROVISÓRIAS CONCLUSÕES

Um prato fundo
pra toda fome que há no mundo.
(Zeca Baleiro, 2002)79
Quais as conclusões possíveis a partir desta investigação?

Neste esforço de conclusão, pensar a formação no Programa de Residência


Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ coloca-nos um desafio previsto e
permanente, considerando os pressupostos trabalhados nesta dissertação. Como formar
profissionais para um contexto geral, diante das limitações e das possibilidades de cada um:
alunos, preceptores, tutores e instituição?

O objetivo, com este trabalho, foi o de sustentar a análise aprofundada de uma


experiência de formação na modalidade de Residência em Saúde com base na construção de
um percurso de reflexão teórica a respeito das transformações ocorridas nos campos da
Educação, da Saúde e da Educação em Saúde, elencando autores e direções teóricas.

Tornou-se possível enfocar a formação dos alunos no Programa de Residência


Multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ como meta do estudo, ao problematizar a
formação de profissionais para a área da Saúde e a da Saúde Mental como experiência
complexa e nada fácil de ser sustentada pelos atores do programa: alunos, coordenadores,
tutores e preceptores.

Para acompanhar esse processo foi preciso se render ao que é fluido, inapreensível,
pois o momento passa e, quando é possível identificar, já estamos fazendo outra coisa. Assim,
o que se apresenta aqui tornou-se antigo, desatualizado, uma vez que as pessoas são outras, os
processos se modificaram e os efeitos caminharam.

Em razão dessa intangibilidade, o que esta pesquisa pode construir não é algo estável,
e é legítimo afirmar que inúmeras mudanças estão ocorrendo sem parar. O grupo de
profissionais responsáveis pelo curso, assim como a própria instituição e os pacientes, vai
continuar recolhendo, ao longo dos anos e das próximas turmas, os efeitos de seu trabalho.

79
Zeca Baleiro, Música: Quase nada. Álbum Perfil, Som Livre, 2002.
150

Retomando as questões colocadas inicialmente nesta investigação: Como se dá a


inserção dos residentes na vida cotidiana da instituição? Como os alunos têm sido capazes de
manter a condução do trabalho suscitado pela diversidade da multiprofissionalidade? Como
sustentar a tensão entre teoria e prática, sem cair na erudição vazia de experiência ou no
empirismo ingênuo e sem conteúdo? Quais as competências e as habilidades que o curso de
residência tem conseguido ativar? Como acontece a transmissão de um trabalho clínico nas
diferentes categorias profissionais? Quais os efeitos dessa experiência de formação?

A formação nas Residências em Saúde ocorre no cenário real dos serviços, lugar dos
impasses e do cotidiano do cuidado, onde este se constitui como um campo de produção
singular.

Como forma de conclusão, podemos afirmar que a proposta do curso de residência


multiprofissional do IPUB/UFRJ se afina com os pressupostos do SUS e com a Política
Nacional de Saúde Mental. Apostamos que, para a melhora do cuidado em Saúde, se faz
preciso modificar o modo de produzir cuidado no momento do seu acontecimento, no lugar
mesmo onde as práticas se dão. Eis um desafio central e complexo, cujos conceitos –
integralidade, usuário centrado, projeto singular, acolhimento do sujeito – operam, não sem
tensão, em uma realidade institucional adversa.

A direção determinada pelos pressupostos do Programa, muitas vezes se mostrava


oposta ao modo como alguns cenários de prática do curso se organizavam, regidos
fundamentalmente pelos procedimentos e por prática protocolares e corporativas, vazias de
significado para o sujeito em quem a ação incide. Nesse modelo, o sujeito a ser cuidado
recebe papel secundário.

Por sua vez, é apenas no fazer que as construções do conhecimento se constituem, se


desenvolvem e se estabelecem. Assim, e somente assim, o conhecimento ganha visibilidade
concreta, na mesma medida em que essa concretude e operacionalidade promovem
conhecimento.

A experiência de acompanhamento pode trazer importantes reflexões para o campo da


formação em Saúde Mental. São visíveis as transformações clínicas, institucionais e
formativas em todos os atores envolvidos nesse processo: coordenação, residentes, tutores,
preceptores e profissionais de Saúde dos diferentes cenários de prática. Os efeitos alcançados
são recolhidos cotidianamente na condução dos casos, no número de pacientes em processo
de desinstitucionalização, no impacto que as ações de formação têm causado para o processo
151

de transformação de uma instituição asilar e na construção de uma rede capaz de diminuir o


hiato entre a atenção hospitalar e a comunitária.

Esta pesquisa foi capaz de registrar um processo de formação em construção, que


revela entraves, impasses e produções. As ações aí desenvolvidas respeitam a ética, abarcam a
clínica e a política, bem como operam transformações na forma de conceber e de atuar no
campo da Saúde Mental, em especial na sua instituição-sede, um hospital psiquiátrico
universitário, exercendo sua atividade como uma forma de intervenção na realidade.

A ‘invasão’ dos residentes multiprofissionais, grupo que soma quarenta alunos neste
ano de 2013, tem podido promover uma convocação à instituição, eminentemente médica, a
rever suas práticas, a incluir outros aspectos do sujeito em sofrimento e a ampliar o seu leque
de estratégias de tratamento, de modo que todos os envolvidos se tornam atores e beneficiados
ao mesmo tempo.

Lugar-comum, mas talvez seja importante reafirmar, como o poeta, que é ao caminhar
que se faz o caminho,80 levando destaque à dimensão da prática, daquilo que é experimentado
no mundo do trabalho, da vida do fazer profissional.

Retomamos aqui Foucault, cujo pensamento coloca dificuldades que reforçam o dito
do poeta, ao apontar para a dimensão de construção continuada à medida que caminhamos.
Esse pensador inaugura a dimensão do deserto, da falta de balizas definidas e definitivas, que
trazem angústias e incertezas a todos.

Na verdade, os residentes pedem respostas, solicitam esclarecimentos relativos às


dúvidas que surgem durante o atendimento e manifestam a sensação de aridez que está
presente nos primeiros momentos do curso. O não saber, somado à ausência de protocolos de
cuidado fechados e definitivos, coloca o sujeito imerso em um mundo a ser descoberto e
construído.

Em certo sentido, ler os livros de Foucault é como passear pelo deserto. Paisagem
ora desoladora, ora magnífica, na qual nenhuma trilha se desenha a não ser aquela
que o próprio caminhante cunha com seus passos; lugar sem lugar onde nada
permanece No entanto, o deserto é a apoteose da luz: onde tudo é visível e não há
como se esconder. Nem todo mundo está disposto a passeios tão inóspitos. Não há
conforto possível aqui. Nenhuma reconciliação, apenas batalhas: entre palavra e
coisa, entre história e filosofia, entre o pensamento e seu lado de fora, entre poderes
e resistências, entre sujeito e si. Nenhuma promessa, nenhuma redenção: apenas

80
António Machado, poeta sevilhano: “no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se hace camino”. Os
poemas de António Machado foram transcritos da 2a.ed. (revista e aumentada) de uma Antologia Poética (com
selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento), da editorial Cotovia (1999).
152

perigos. Nenhuma dialética, apenas tensão sem aufhebun. Nenhuma teleologia,


nenhum otimismo: apenas desafios sempre renovados. (ARAÚJO, 2008. p.75)

Conhecer a realidade implica acompanhar o seu caminho nos espaços em que a vida
ocorre, onde o ensino-aprendizagem aparece, nos relatos das ações de intervenção operadas
pelos alunos que esta pesquisa teve como meta recolher e analisar, de modo a revelar os
processos reflexivos e formadores.

Ante as situações vividas pelos alunos foi possível identificar atitudes e a construção
de reflexão sistemática a respeito da prática profissional, promovendo a melhor compreensão
dos conhecimentos dos alunos a partir da análise de suas palavras, assim como possibilitou o
estudo dos contextos onde os alunos se inseriram. As narrativas capturadas mostraram-se
como um processo de intervenção na realidade, cuja construção já não é mais a descrição pura
do fato em si, mas a percepção dele já transformado.

Considerando a inseparabilidade entre análise das implicações e intervenção, além de


examinar, como cenário, o campo da experiência vivenciada pelos alunos que nos
debruçamos a pesquisar, somos tomados sempre pela dimensão clínico-política envolvida nos
processos de trabalho e de educação.

Esta dissertação pode mostrar que, neste mundo complexo, interessam os processos, os
acontecimentos multirreferenciados e multideterminados. O Programa de Residência
Multiprofissional, investigado por esta pesquisa, promove alguns movimentos essenciais no
sentido de propor um modelo de formação que constitua importante dispositivo de produção
de um profissional de Saúde Mental mais comprometido com os princípios e as diretrizes do
SUS e mais afinado com as transformações do campo da Educação em Saúde.

Como conclusão desta dissertação é possível afirmar que a aquisição de conhecimento


pode ser analisada por meio dos fazeres no mundo do trabalho. As intervenções e a
possibilidade de construção de narrativas sobre esse fazer tornam possíveis as identificações
dos processos educativos, do processo de ensino-aprendizagem em ato, na cena da
experiência de vida.

(...) defender que toda pesquisa é intervenção exige do cartógrafo um mergulho no


plano da experiência, lá onde conhecer e fazer se tornaram inseparáveis, impedindo
qualquer pretensão à neutralidade ou mesmo suposição de um sujeito e de um objeto
cognoscentes prévios à relação que os liga. (...) Conhecer é, portanto, fazer, criar
uma realidade de si e do mundo, o que tem consequências políticas. (PASSOS et al.,
2010, p.30)

Outra posição assumida pelo curso é a de sustentar o engajamento na construção de


uma postura reflexiva como prática permanente e não esporádica no que concerne ao trabalho
153

realizado e à importância de aprender com a experiência. A realidade da prática reflexiva não


é medida por discursos ou intenções, mas pelo lugar, pela natureza e pelas consequências da
reflexão no exercício cotidiano da profissão, isto é, o processo reflexivo produz consequência
para sujeitos, instituições e sociedades (PERRENOUD, 2002).

A autonomia e a responsabilidade de um profissional dependem do desenvolvimento


da capacidade de refletir em e sobre sua ação. Essa capacidade está no âmago do
desenvolvimento permanente, em função da experiência de competências e dos
saberes profissionais. (PERRENOUD, 2002, p.13)

O que apareceu nos discursos dos alunos foi alvo de aprofundamento teórico da
experimentação das possibilidades de lidar, da avaliação das respostas encontradas e da
revisão das estratégias de atuação. Resultado de um processo de investigação-ação. O
impacto dos espaços de construção do conhecimento promoveu a aquisição da capacidade de
reflexão e de revisão de práticas.

No que diz respeito aos processos educativos, vale entendê-los também como uma
relação complexa, em que vários são os elementos relacionados, tomando em conta que o
conhecimento é construído em forma de espiral, em uma constante de idas e vindas, durante
as quais os saberes vão se sedimentando, impulsionando outros novos conhecimentos e
capacidades mais e mais elaboradas de análise, complexificando o entendimento do mundo,
das práticas e das próprias ações.

A análise da narrativa possibilitou a investigação do processo de formação por parte


dos alunos em interação com os professores e educadores. O estudo de situações-problema, de
casos e de impasses cotidianos estimulou a interação entre os membros do grupo, incitou a
comunicação e promoveu a reflexão através do incentivo de conflitos sociocognitivos,
construindo conhecimentos e aguçando uma reflexão ética e atitudes profissionais. “O
sucesso pessoal e profissional dos seres humanos passa, decisivamente, pelas suas
capacidades de interação, ou seja, pelas suas capacidades de ouvirem e compreenderem as
narrativas das pessoas que os rodeiam” (REIS, 2008, p.15).

Uma reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem nesse curso, além de


identificar situações inundadas de poder formador e os seus efeitos nos alunos, pode levantar
reflexões sobre a condução dos espaços formativos coordenados por professores e docentes
do curso mediante a análise de sua interação com o grupo de alunos, para que possamos
detectar e ultrapassar eventuais dificuldades/problemas ao longo de sua intervenção. É preciso
estudar o próprio modo de ensino e sua aposta metodológica; examinar as próprias ações e as
intervenções profissionais; redirecionar essas ações e intervenções, além de retomar caminhos
154

que possam responder as necessidades estabelecidas pelas políticas e pelas necessidades da


população consumidora dos Serviços de Saúde.

O processo de aprendizagem nada mais é do que um processo de transformação de


sujeitos, os quais, por sua vez, mudam a realidade, possibilitando novas formas de ser e de
fazer, engendrando novas subjetividades e realidades inéditas em processo contínuo e sem
fim.

Esta investigação evidenciou ainda que estamos todos em formação, em construção,


aprendendo e alterando nossas práticas como resultado das experiências que formos
realizando ao longo dos processos de investigação. As aprendizagens efetuadas pelos
residentes no processo de acompanhamento e no de problematização da realidade também
podem ajudar no aperfeiçoamento da prática profissional de coordenadores, tutores e
preceptores através da reflexão e da análise das interações com o grupo de residentes.

A tentativa de resposta às questões formuladas pelos alunos era feita com novas
questões de maneira a estimular o pensamento para que eles chegassem por si à resposta,
validando suas próprias conclusões e encaminhamentos, expressando suas ideias. “(...) um
excelente educador não é um ser humano perfeito, mas alguém que tem serenidade para se
esvaziar e sensibilidade para aprender.” (CURY, apud REIS, 2008, p.12-3).

Provisório, transitório e incompleto, assim é tudo que está em processo, em


construção. Muitas encrencas ainda não nomeadas atravessarão o caminho do curso e da
formação, quando tudo for bem. Alunos que querem ir embora, alunos que não terminam o
curso, alunos que fogem, burlam, não cumprem acordos, não sustentam o trabalho...

Esta pesquisa não se dedicou a dar notícias do perfeito funcionamento das coisas ou
das conclusões passíveis de generalizações para outras tantas experiências de residência
multiprofissional brasileira. Não se orientou pela busca de um modelo.

Baseou-se na investigação de um curso com características próprias, com apostas


fundamentadas e orientadas pela direção da formação em Saúde e pela política de Saúde
Mental, tendo recolhido alguns efeitos desta intervenção e ciente de que há vários desafios
ainda por vir. Trata-se de um devir permanente, porém nada contínuo, por comportar nele
interrupções, desvios de rota e focos simultaneamente variados, rupturas e reestruturações,
cuja tentativa de aprisionamento denuncia em ato a impossibilidade dessa captura. Sua
característica é sempre parcial e incompleta.
155

A proposta desta pesquisa diz respeito a uma apreensão mais próxima quanto possível
de um processo que é invisível e, ao mesmo tempo, concreto, já que não pode ser visto
enquanto acontecimento singular e pessoal, mas cuja visibilidade se faz possível e se eterniza
em atos e transforma-ações, operando produtos na realidade e sobre a realidade, redefinindo
percursos, alterando forças e possibilitando a construção de novos, outros e muitos devires,
produzindo novos dispositivos.

Vale ressaltar que esta pesquisa também se deu como um acontecimento para o
pesquisador, um processo de construção cotidiana de produzir reflexão, olhando para os
mesmos eventos corriqueiros de todos os dias de forma a valorizá-los e a tomá-los em análise,
produzindo outros novos entendimentos e formas de olhar. Foi sem dúvida uma experiência
surpreendente!

Nesse processo de acompanhamento continuado dos alunos, muita coisa se produz e


tantas outras se transformam, em um processo dinâmico e também inusitado, trilhando
caminhos cada vez mais profundos junto ao conhecimento clínico, à prática do cuidado, ao
fortalecimento do nosso atual Sistema de Saúde, e na pesquisa não foi diferente.

É possível ainda identificar questões que se repetem e ganham destaque, novos


cenários de prática se desenham, e o aluno vai delimitando interesses e aprofundando suas
reflexões prático-teóricas, em um processo educativo que se faz coletivo e, ao mesmo tempo,
singular.

Cada aluno constrói um percurso de aprendizagem próprio nesse projeto pedagógico


singular, em que os interesses, as dificuldades e as potencialidades dos alunos são tomados
sob análise e incluídos no processo.

Por isso, o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo,


contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece,
duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma
experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua,
singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. (LARROSA, 2002a, p.27).

Assim, na experiência do Programa de Residência, o acompanhamento de


singularidades vai se desenhando ao longo do curso. O conhecimento é construído e produz
sentido de acordo com a forma particular de cada um estar no mundo, que é, ao mesmo
tempo, “ética (um modo de conduzir-se)” e “estética (um estilo próprio)” (LARROSA,
2002b).
156

Os efeitos alcançados são produtos concretos, textos consistentes sobre práticas


vividas, transformações na vida das pessoas assistidas, mudanças institucionais inimagináveis,
egressos do curso que passam a ocupar lugar na rede e a trabalhar para a sustentação do SUS.

Os residentes multi, que eram no começo seis e hoje são quarenta, encontram-se bem
imbricados no tecido institucional, mas, ao mesmo tempo, curiosamente, diferindo dele. São
ouvidos e conquistaram um ‘lugar ao sol’, à sombra do caramanchão.

É comum acompanharmos estagiários que se tornam residentes e estes, por sua vez,
profissionais do SUS. A potência desse dispositivo de formação tem trazido profissionais
cada vez mais capacitados para o campo, o que aumenta a qualidade da assistência prestada
nos serviços públicos de Saúde e ajuda a sustentar a política de desinstitucionalização que nos
orienta em nosso trabalho.

Seguimos equipes e serviços que, a todo o momento, são convidados a reverem suas
práticas e a recolherem os efeitos de seu fazer. A ideia é que esse programa seja parceiro na
reestruturação da atenção em Saúde Mental de nosso município nesse momento, o que revela
nosso compromisso com a formulação de políticas públicas de Saúde e de formação para o
SUS.
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ANEXOS

ANEXO 1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título do Projeto: O programa de residência multiprofissional em saúde mental:


Uma reflexão sobre ensino, transmissão e formação em serviço.
Pesquisador: Flávia Fasciotti Macedo Azevedo, mestranda da Linha de Pesquisa
Educação em Saúde do Programa de Pós Graduação em Psiquiatria e Saúde
Mental do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tel:
9915-9467, e-mail: flaviafm@uninet.com.br
Orientador da pesquisa: Prof.ª Dr.ª Maria Paula Cerqueira Gomes da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, tel: 2295-3449, e-mail:
paulacerqueiraufrj@gmail.com.br
Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psiquiatria da UFRJ: Av.
Venceslau Brás 71 Fundos, CEP: 22290-140. Campus Praia Vermelha - Botafogo
– Rio de Janeiro.Telefone: (21) 3873-5510.

O Sr. (a) está sendo convidado (a) a participar do projeto de pesquisa intitulado “O programa
de residência multiprofissional em saúde mental: Uma reflexão sobre ensino, transmissão e
formação em serviço”, realizado pela Linha de Pesquisa Educação em Saúde do Programa de
Pós Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. O objetivo
dessa pesquisa é investigar o processo de formação dos alunos de pós-graduação do Programa
de Residência Multiprofissional em saúde mental do IPUB/UFRJ. Este estudo será
desenvolvido utilizando o método cartográfico, a partir da observação participante e análise
das narrativas orais e escritas construídas pelos alunos/tutores/preceptores nos espaços
pedagógicos coletivos e individuais, dispositivos de formação instituídos e privilegiados
conforme descrito no Projeto Político Pedagógico do curso. Esses espaços de discussão e
reflexão sobre as experiências vividas durante o curso poderão ter o áudio gravado com o
objetivo de acompanhar as narrativas dos participantes a fim de identificar analisadores
capazes de fazer aparecer o processo de formação em curso.
A presente pesquisa não constitui risco ou agravo à integridade física do pesquisado, estando
assegurada a autonomia para participar ou não como sujeito da pesquisa, sem que haja
prejuízo para qualquer um dos integrantes das atividades nem prejuízo para o processo de
168

formação dos alunos. Por se tratar de uma pesquisa voluntária, o sujeito terá o direito de não
querer participar ou de interromper a sua participação a qualquer momento. Terá ainda o
direito de esclarecer qualquer dúvida, assim como apontar qualquer desconforto no processo
de coleta de dados durante o desenvolvimento da pesquisa.
Quanto aos benefícios, o estudo pretende fortalecer o campo da educação em saúde, da
formação em serviço e das residências multiprofissionais Toda a informação extraída dos
espaços coletivos, tutoriais e do portfólio reflexivo, que for dita, registrada ou transcrita será
confidencial e anônima e este material será inutilizado após a análise dos dados. Ressaltando
que o material gravado em áudio somente será utilizado durante a análise da pesquisa, não
sendo utilizado em qualquer outra etapa da investigação. Os resultados desta pesquisa poderão
ser apresentados ou publicados em eventos e revistas científicas, resguardando o anonimato
dos participantes. Uma via deste documento será entregue ao voluntário, e outra arquivada até
a conclusão da pesquisa. A assinatura deste não invalida a garantia dos direitos legais do
participante.

Autorização
Eu,................................................................................................................................................,
idade .............., R.G. no ....................................................... declaro ter sido informado (a) e
concordo em participar, como voluntário (a), do projeto de pesquisa acima descrito.

Rio de Janeiro,..........de..............................de 2012.

__________________________________ _________________________________
Pesquisador Responsável Voluntário (a)
ANEXO 2. PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
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