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XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA

“SOCIOLOGIA E CONHECIMENTO: ALÉM DAS FRONTEIRAS”

GT TEORIAS SOCIOLÓGICAS

Coordenação: Josué Pereira da Silva

Global e Local
na Teoria Social Contemporânea

Sandro Ruduit Garcia

Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
sandroruduit@ig.com.br

Universidade de Campinas
Campinas (SP)
1 a 5 de setembro, 2003
1

Global e Local
na Teoria Social Contemporânea1

Sandro Ruduit Garcia2

Resumo

O objetivo do presente texto é debater aspectos da relação entre global e local, a partir
da contribuição de três autores representativos da teoria social contemporânea: Anthony
Giddens, Manuel Castells e Boaventura S. Santos. Trata-se de abordar um dos temas
emergentes na teoria social, em face da nova morfologia imposta pela globalização às
sociedades contemporâneas, através do contraste entre as obras de tais autores
relativamente aos seguintes aspectos: (a) debate estrutura e ação, visando à apresentação
sumária dos seus princípios/ pressupostos de análise no que se refere às relações entre
macro e micro processos sociais; (b) processo de globalização e suas implicações para
as localidades, tendo em vista a discussão sobre quais seriam os processos, os atores e
os conflitos sociais que estão a marcar as sociedades atuais e sobre as conexões entre os
fenômenos sociais de ordem global e os de ordem local, os quais desafiam o saber e a
imaginação sociológica de nosso tempo. O presente documento discute, pois, as
abordagens dos autores supracitados sobre a conexão global – local, relacionando-as aos
seus princípios teóricos mais amplos, visando a contribuir para a organização e para o
debate de esquemas teóricos de análise e de pesquisa sobre o tema em tela.

Introdução

A nova morfologia das sociedades de nosso tempo está não apenas a abrir uma
plêiade de novos temas para a teoria social, como também a repercutir sobre os próprios
fundamentos teóricos e metodológicos das ciências sociais em geral e da sociologia em

1
Texto elaborado na disciplina Teoria Sociológica Avançada, coordenada pela Profa. Dra. Elida
Rubini Liedke, Programa de Pós-Graduação em Sociologia/ UFRGS, e inscrito no VII Congresso
Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, realizado na UCAM, Rio de Janeiro, setembro de 2002.
2
Doutorando no PPGS/ UFRGS, Projeto de Tese Globalização e Desenvolvimento Local: o novo
pólo automobilístico de Gravataí (RS) – implicações sociais. Mestre em Sociologia pelo PPGS/
2

particular, impondo, em alguns casos, a reformulação dos instrumentos de análise


disponíveis, e exigindo, em outros, a elaboração de novos conceitos. Um dos temas
emergentes que estão a desafiar a imaginação sociológica é o da relação entre o
processo de globalização e as localidades. De fato, constata-se relativamente à dimensão
econômica, entre outros aspectos, que está em curso uma nova divisão internacional do
trabalho, conduzida por corporações internacionais e estimulada por organismos
multilaterais e por governos nacionais e locais. Tais corporações movimentam-se,
instalam-se e desinstalam-se, no território global, na busca por vantagens competitivas e
por novos mercados locais. Os fluxos globais de capital, sejam industriais, sejam
financeiros, contrastam com a fixação da maior parte da mão-de-obra no seu local de
origem, não obstante a intensificação das migrações internacionais.
Na dimensão política, discute-se o papel dos Estados e dos governos nacionais,
em face não apenas da crescente influência de organismos multilaterais, notadamente
FMI (Fundo Monetário Internacional), BM (Banco Mundial) e ONU (Organização das
Nações Unidas) e de blocos econômicos sobre os governos nacionais, expressa, por
exemplo, em políticas de privatização/ liberalização/ desregulamentação, mas também
da descentralização das políticas públicas, recursos e responsabilidades dos governos
nacionais/ federais aos governos locais/ municipais.
Na dimensão cultural das sociedades, assiste-se à difusão de uma cultura global,
facilitada pelas redes de comunicação, notadamente a televisão. Paralelamente ao
processo de homogeneização cultural, testemunha-se a emergência de particularismos
culturais e o crescimento de racismos e de sentimentos xenófobos. As manifestações
culturais caracterizam-se, na contemporaneidade, tanto pela universalidade e pela
homogeneidade, quanto pelo particularismo e pela diferença, consistindo em processos
relacionados e complementares.
Na dimensão societal, observa-se a alteração das noções de tempo e de espaço,
bem como das relações dos seres humanos com a natureza. O boom das
telecomunicações, das tecnologias de transporte e sobretudo da informática vem
transformando a experiência humana, em razão da aceleração dos processos sociais e da
instantaneidade na circulação de informações e de decisões por todo o Mundo. Além
disso, a microeletrônica e a biotecnologia expandiram as possibilidades de uso, de
controle e de recriação do ambiente natural.

UFRGS, dissertação Relações Interfirmas e Emprego: estudo de uma rede de empresas no setor
de telecomunicações.
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Há, pois, variadas questões abertas pela nova realidade: Quais seriam as
repercussões do processo de globalização para as localidades? Quais as oportunidades
abertas? Quais os limites impostos? Qual seria a capacidade das localidades de
interferirem na dinâmica global? Como o local se insere no global? Há possibilidades de
contra-tendências à globalização? Por fim, qual seria a fronteira entre um fenômeno
social global e um local?
O objetivo do presente texto é debater aspectos da relação entre global e local, a
partir da contribuição de três autores representativos da teoria social contemporânea:
Anthony Giddens, Manuel Castells e Boaventura S. Santos. Trata-se de abordar um dos
temas emergentes na teoria social, em face da nova morfologia imposta pela
globalização às sociedades contemporâneas, através do contraste entre as obras de tais
autores relativamente aos seguintes aspectos: (a) debate estrutura e ação, visando à
apresentação sumária dos seus princípios/ pressupostos de análise no que se refere às
relações entre macro e micro processos sociais; (b) processo de globalização e suas
implicações para as localidades, tendo em vista a discussão sobre quais seriam os
processos, os atores e os conflitos sociais que estão a marcar as sociedades atuais e
sobre as conexões entre os fenômenos sociais de ordem global e os de ordem local, os
quais desafiam o saber e a imaginação sociológicas de nosso tempo.
Assim, o presente documento não é uma revisão da literatura sobre globalização:
ele apresenta as abordagens de três importantes autores na teoria social atual, mas ainda
pouco debatidos nas ciências sociais brasileiras, sobre a conexão global - local
relacionando-as aos seus princípios teóricos mais amplos, visando a contribuir para a
organização e para o debate de esquemas teóricos de análise e de pesquisa sobre o tema
em tela. A seleção destes autores decorre do fato de que, sem prejuízo das divergências
entre si, todos se valem da idéia de que a globalização é um fenômeno relativamente
novo e tem impactos importantes em todos os domínios da vida social, para além da
dimensão econômica, distinguindo-se da abordagem da mundialização3.

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Segundo a abordagem da mundialização, as sociedades contemporâneas enfrentam uma
nova etapa de internacionalização dos processos econômicos. Tratar-se-ia de uma nova
configuração do capitalismo mundial relacionada a novas relações internacionais decorrentes da
abertura de economias nacionais, mediante processos de liberalização e de desregulamentação
de mercados, interligadas mundialmente em tempo real. Enfatizam-se os processos econômicos
da mundialização (expansão do comércio internacional, investimento direto externo, expansão
das multinacionais, domínio do capital financeiro, entre outros) cuja origem remontaria ao
século XIX. A “globalização” seria um fenômeno antigo que, presentemente, apenas se
intensificou. Estaríamos enfrentando mudanças que exigiriam adaptações, ou ajustes
estruturais, de nossos sistemas sociais aos novos tempos. Neste caso, são enfatizadas as
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Anthony Giddens

A reflexão de Anthony Giddens sobre as características e as conexões entre os


processos sociais globais e locais apoia-se em um amplo projeto teórico, que o autor
denomina de teoria da estruturação, bem como na sua interpretação da vida social atual
como sociedade de risco, que enfatiza a instabilidade, a imprevisibilidade, a relativa
fragmentação e a amplitude global das práticas sociais na contemporaneidade, as quais
convergiriam no risco real de catástrofes em grande escala.
Na teoria da estruturação, Giddens desenvolve uma argumentação original para
a relação entre estrutura e ação social, ou determinismo e voluntarismo, ou ainda
sistema e ator social - assim como também o fizeram, por variados caminhos, Pierre
Bourdieu, Alain Touraine, Jürgen Habermas, entre outros intelectuais de nosso tempo -
da qual extrair-se-á aspectos que marcam a sua análise a respeito dos processos globais
e dos locais. Tais dicotomias são substituídas pela idéia de estruturação: a vida social
seria um fluxo contínuo de atividades e práticas sociais recorrentes que tanto
reproduzem instituições sociais mais amplas, como dependem dos hábitos e modos de
vida adotados pelos indivíduos (Giddens, 1989).
Neste caso, não haveria a separação entre, de um lado, a sociedade e, de outro, o
indivíduo. Em lugar desse par de conceitos amplamente utilizado nas ciências sociais, a
teoria da estruturação focaliza as práticas sociais ordenadas no tempo e no espaço
segundo a dualidade da estrutura. Por um lado, como meio da ação social, as estruturas
seriam, a um só tempo, coercitivas e capacitadoras. Elas seriam coercitivas, na medida
em que expressam as regras para o exercício das práticas sociais em certo contexto
espacial e temporal, implicando na estabilidade das relações sociais e configurando
sistemas sociais. No entanto, elas seriam também capacitadoras, na medida em que
disponibilizam oportunidades aos atores sociais, isto é, recursos por meio dos quais os
indivíduos podem agir. Então, estruturas seriam conjuntos de regras e recursos que
ordenam, estabilizam e oportunizam o desenvolvimento das práticas sociais,
configurando sistemas e instituições sociais. As práticas sociais mais amplas no tempo e

continuidades entre os períodos pré e pós mundialização, bem como a idéia de totalidade
social. Entre outros importantes representantes desta abordagem, estão François Chesnais,
Giovanni Arrighi, Paul Hirst e Grahame Thompson.
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no espaço seriam as instituições, as quais garantiriam a reprodução dos sistemas sociais


(Giddens, 1989).
Por outro lado, como resultado da ação social, as estruturas representariam
recursos e regras empregadas segundo a monitoração reflexiva e a cognoscitividade dos
atores sociais, os quais agiriam de modo consciente e intencional. Os indivíduos
monitorariam hermeneuticamente o uso das regras e dos recursos de que dispõem em
um contexto espaço-temporal, a partir das suas capacidades/ habilidades cognoscitivas,
e ao fazê-lo reproduzem e transformam as estruturas sociais. A cognoscitividade dos
atores poderia ser traduzida em termos de dois tipos de estoques de conhecimentos: a
consciência discursiva e a consciência prática. O primeiro caso representaria aquilo que
os atores sociais seriam capazes de verbalizar sobre as suas interpretações acerca das
regras que governam as suas ações. O segundo caso representaria aquilo que os atores
sociais sabem sobre as regras que governam as suas ações, mas que não são capazes de
apresentar de forma discursiva. A consciência prática produziria a rotina, a qual
permitiria a recriação constante das propriedades estruturais da atividade social.
Portanto, as estruturas sociais efetivar-se-iam somente na ação social, mais
precisamente elas somente existiriam como traços mnêmicos que os indivíduos
empregam para a organização das práticas sociais (Giddens, 1989).
Tais aspectos da elaboração teórica mais ampla refletem-se nas concepções de
modernidade, de globalização e de sociedade atual, como sociedade de risco,
desenvolvidas pelo autor. Segundo Giddens (1991), os pensadores clássicos da teoria
social, mormente Marx, Durkheim e Weber, teriam enfatizado não apenas as
continuidades, mas também as oportunidades criadas pela Modernidade, malgrado
Weber tenha revelado certo pessimismo relativamente às conseqüências da expansão da
burocracia. No entanto, conforme Giddens, a sociedade moderna apresentaria contornos
específicos que materializar-se-iam em um conjunto de instituições singulares: a
organização econômica capitalista, a vigilância, o poder militar e o industrialismo.
Estas romperiam com as sociedades tradicionais, em razão de sua especificidade (como
nos casos do trabalho assalariado, do uso generalizado de fontes inanimadas de energia
e do Estado-Nação) e do ritmo e amplitude das mudanças sociais. Essas instituições
manifestar-se-iam, na atualidade, em termos de dimensões da globalização e de riscos
de catástrofes de grande escala às sociedades.
As instituições supracitadas revelam e reproduzem a nova dinâmica estabelecida
nas sociedades modernas, caracterizadas por maior amplitude, velocidade e,
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conseqüentemente, instabilidade, da atividade social. Esse dinamismo expresso nas


instituições modernas relaciona-se a três fatores. Primeiro, a separação do tempo e do
espaço. As sociedades pré-modernas ou tradicionais amarravam o tempo aos lugares/
locais. A modernidade padroniza o tempo através do relógio, o que possibilita a
diferenciação entre lugar/ presente e espaço/ ausente. Isso teria levado à compreensão
do tempo e do espaço como construções sociais, independentes do lugar, e à
intensificação das relações de presença e ausência. Segundo, o desencaixe dos sistemas
sociais: por desencaixe me refiro ao deslocamento das relações sociais de contextos
locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo e
espaço (Giddens, 1991, p.29). Terceiro, a ordenação e reordenação reflexiva das
relações sociais. A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as
práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação
renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter
(Giddens, 1991, 45). Nas sociedades tradicionais, a estabilização das relações sociais
(através da consciência prática) apoiar-se-ia na tradição, elaborada localmente pelas
comunidades. Nas sociedades modernas, os estoques de conhecimento e de informação
ampliam-se para além da tradição local, em razão dos mecanismos de desencaixe e da
separação tempo-espaço. A renovação dos conhecimentos alteram as práticas sociais
que, por sua vez, exigem a reelaboração dos próprios conhecimentos, num processo de
forma espiral que Giddens denomina de dupla hermenêutica. Desse modo, a dinâmica
dos sistemas sociais modernos, materializada nas suas instituições, implicariam no
processo de globalização e de produção de riscos de alta conseqüência. Estes marcariam
a transição da modernização simples, caracterizada pela previsibilidade dos processos
sociais (período da elaboração da teoria social clássica que apostara nas continuidades),
para a modernização reflexiva, caracterizada pela incerteza e pelo risco socialmente
criados. A alta reflexividade dos processos sociais teria gerado futuros abertos e
problemáticos sobre os quais os atores sociais tomam decisões. Em lugar de certezas, o
descontrole (Giddens, 1996).
A globalização, afirma Giddens (1991), é produto da modernidade, na medida
em que consiste, basicamente, no alongamento das relações entre formas sociais e
eventos locais e distantes propiciado pelo desencaixe e pela reflexividade.

“A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações


sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que
acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas
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de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais


acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações
muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte
da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do
tempo e do espaço” (Giddens, 1991, p.70).

Neste caso, a globalização seria composta por quatro dimensões correspondentes


às instituições da modernidade, as quais conteriam um tipo de risco, em face do caráter
altamente instável e fragmentado da vida social atual. A primeira dimensão da
globalização seria a organização de uma economia capitalista mundial. Embora a
atividade econômica se desenvolva em territórios sujeitos à regulamentação do Estado,
a insulação da economia perante a política possibilita um amplo escopo para as
atividades globais das corporações de negócios, que sempre têm uma base matriz num
estado específico, mas podem desenvolver muitos outros envolvimentos regionais em
outros lugares (Giddens, 1991, p.75). A expansão capitalista pelo Globo Terrestre,
motivada pela busca de mercados competitivos de produtos e de trabalho que
possibilitem a acumulação de capital, geraria desigualdades internas e externas aos
países. Uma sociedade capitalista, como sociedade de classes, desconsideradas as
demais instituições, tenderia à produção da desigualdade, a qual tornou-se inter-
relacionada em âmbito global: A prosperidade crescente de uma área urbana em
Singapura pode ter suas causas relacionadas (. . .) ao empobrecimento de uma
vizinhança em Pittsburgh cujos produtos locais não são competitivos nos mercados
mundiais (Giddens, 1991, p.70). Daí um dos riscos de alta conseqüência das sociedades
atuais ser a possibilidade de colapso dos mecanismos de crescimento econômico, em
face da expansão das desigualdades entre classes e da pobreza em escala planetária. À
busca capitalista de acumulação indefinida de capital, opor-se-iam limites dos recursos,
implicando na concentração da riqueza já produzida (Giddens, 1991 e 1996).
A segunda dimensão da globalização seria a configuração de um sistema de
Estados-Nação. Os Estados seriam os principais centros de poder, porquanto controlam
os meios de violência e a informação e desenvolvem laços estratégicos com outros
Estados, na promoção de sua cultura e na manutenção de sua soberania e território,
sobrepondo-se inclusive às megacorporações empresariais (Giddens, 1991). O risco
produzido nesta dimensão seria o crescimento do poder totalitário, em razão da
possibilidade das operações de vigilância serem empregadas na repressão de direitos
democráticos ou como instrumento de terror (Giddens, 1996).
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A terceira dimensão da globalização seria a ordem militar mundial. O acesso a


armamento de grande potencial destrutivo, como o nuclear, não estaria relacionado à
riqueza econômica dos países, devido ao intenso fluxo de armamentos e de técnicas
militares entre países, desenvolvido no contexto da Guerra Fria. A maioria dos países
teria sofisticados sistemas militares aplicados à guerra. Além disso, as duas guerras
mundiais teriam demonstrado como conflitos locais tornam-se questões de
envolvimento global (Giddens, 1991). O risco envolvido seria o conflito nuclear ou a
guerra em grande escala, ameaçando ao Planeta, especialmente no contexto atual de
eclosão de conflitos locais (políticos, nacionalistas, econômicos, étnicos e religiosos)
em todos os continentes e correspondente difusão de armamentos.
Last, but not least, a quarta dimensão da globalização seria a divisão
internacional do trabalho relacionada ao desenvolvimento industrial. A divisão do
trabalho não ocorreria mais apenas entre tarefas, mas entre regiões especializadas, que
se acentuou após a II Guerra Mundial. A distribuição mundial da produção estaria
alterando-se, no sentido da desindustrialização dos países desenvolvidos e da
emergência de países recém industrializados, acarretando mudanças na relação dos
indivíduos com o meio ambiente. O risco daí decorrente seria o desastre ecológico, em
razão da degradação ambiental e da extinção de recursos naturais face à expansão do
industrialismo como modo de relação do ser humano com o meio ambiente natural.
Giddens fala de uma natureza artificial em lugar de uma natureza natural (Giddens,
1996).
Entre os múltiplos aspectos das relações entre globalização e localidades a partir
da obra de Giddens, pode-se destacar: a) a origem local dos processos globais; b) os
impactos das dimensões da globalização sobre as localidades e vice-versa; e c) a
contradição, a polidimensionalidade e a indeterminação desses processos. Quanto ao
primeiro aspecto, a interpretação de Giddens é a de que a globalização apresentaria uma
origem cultural definida: a Europa. Tratar-se-ia de uma conseqüência do domínio e do
sucesso alcançado pelas instituições modernas (capitalismo, Estado-Nação, militarismo
e o industrialismo), localmente situadas, sobre outras regiões do Planeta. Neste caso,
tratar-se-ia também de um processo de ocidentalização do mundo:

“As civilizações têm seus períodos de juventude, maturidade e velhice, e


conforme elas são substituídas por outras, a distribuição regional de poderes
globais se altera. Mas a modernidade não é apenas uma civilização entre
outras, segundo a interpretação descontinuísta que sugeri acima. O controle
declinante do Ocidente sobre o resto do mundo não é o resultado de uma
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diminuição do impacto das instituições que ali emergiram primeiramente,


mas, pelo contrário, o resultado de sua disseminação global (. . .). Podemos
interpretar esse processo como um processo de globalização (. . .)” (Giddens,
1991, p.57).

Quanto ao segundo aspecto, a orientação teórica de Giddens leva-o a interpretar


a relação entre o global (entendido como a expansão e o domínio de instituições
localmente situadas sobre outras regiões) e o local não como uma relação unidirecional,
mas como conexões de mútua influência. De um lado, as dimensões da globalização
influenciam fortemente as decisões nas localidades, na medida em que estabelecem
regras e recursos dos quais os atores sociais globais e locais utilizam-se. De outro lado,
as localidades teriam a capacidade de reproduzir ou de transformar as regras e a
distribuição dos recursos disponibilizados pelas instituições globais. É por meio da
atividade social situada nas localidades que as estruturas globais se reproduzem: “A
globalização não é o mesmo que o desenvolvimento de um „sistema mundial‟, e não
está simplesmente „aí fora‟ – tendo a ver com influências de grande alcance. Ela é
também um fenômeno „aqui dentro‟, diretamente ligado às circunstâncias da vida local”
(Giddens, 1996, p.96).
As estruturas da globalização seriam, pois, tanto o meio que fornece regras e
recursos para a ação local, como o fim da própria atividade social localmente situada
(dualidade da estrutura). A globalização não é interpretada por Giddens como um
sistema abstrato que paira sobre as localidades, determinando as escolhas dos atores
sociais, mas um produto do modo como os múltiplos atores sociais globais e locais
relacionam-se entre si e empregam os recursos de que dispõem, interferindo na própria
dinâmica do processo de globalização.
Quanto ao terceiro aspecto, seria possível pensar-se em termos do
estabelecimento de uma dialética de controle entre atores sociais globais e locais, na
qual as localidades exercem algum tipo de influência sobre a dinâmica global. Além
disso, é preciso considerar que alguns atores sociais (localidades, Estados, blocos
econômicos, organismos multilaterais, corporações empresariais, entre outros) têm
maiores chances, pelo poder de que dispõem, de interferir nos processos sociais do que
outros atores sociais. Então, a globalização configura um processo contraditório,
fragmentado e contingente, no qual as relações entre global e local não seriam
homogêneas, nem permanentes/ contínuas.
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“As grandes companhias influenciam novas formas de regionalização social e


econômica, mas não são necessariamente os principais agentes envolvidos.
Padrões instáveis de regionalização respondem a aspectos mais amplos de
globalização ou, mais precisamente, a relações variáveis do que é local e
global. Da mesma forma que em situações, os processos de regionalização
são dialéticos; muitas comunidades locais preexistentes desintegraram-se ou
tornaram-se substancialmente reestruturadas, mas essas mesmas mudanças
também promovem a mobilização comunitária local” (Giddens, 1996, p.105).

A mútua influência entre global e local é, para Giddens, polidimensional,


transcendendo aspectos puramente econômicos. A globalização apresenta variadas
dimensões (conseqüências da modernidade) que penetram as localidades. Ela implicaria
a difusão de informações e conhecimentos apoiados na ciência e na tecnologia que
estariam substituindo as tradições e os valores locais.

“Uma influência importante aqui é o impacto difuso dos „sistemas abstratos‟


– sistemas de perícia de todos os tipos – em nossas vidas nos dias de hoje.
Sob o duplo impacto das influências de globalização e destradicionalização,
muitos aspectos da vida cotidiana tornam-se esvaziados de habilidades
desenvolvidas localmente, sendo invadidos por sistemas peritos de
conhecimento. As mudanças revolucionárias de nosso tempo não estão
acontecendo tanto no domínio da política ortodoxa quanto ao longo das
fissuras da interação entre as transformações locais e globais. Trata-se aqui
de algo mais profundo do que o impacto da mudança tecnológica sobre a vida
das pessoas, apesar de seu grande alcance. Os sistemas abstratos incluem não
só a tecnologia, mas também qualquer forma de conhecimento perito que
substitua as artes ou capacidades locais” (Giddens, 1996, p.111).

A sociedade atual estaria, pois, diante de um futuro aberto/ indeterminado, no


qual localidades podem interferir com variada intensidade na dinâmica global. Isso
exigiria localidades e indivíduos ativos, capazes de aproveitar as oportunidades abertas
por um mundo maleável, instável e de alta reflexividade. O Quadro 1, abaixo,
esquematiza os principais aspectos discutidos acerca de Giddens, bem como os que
serão apresentados sobre Castells e Boaventura Santos.

QUADRO 1 – CONSTRASTE ENTRE GIDDENS, CASTELLS E SANTOS

Anthony Giddens Manuel Castells Boaventura


Santos
Estrutura vs. Estruturação: Rede vs. Ser: Instituições e
Ação Social estrutura como meio lógica dos fluxos unidades de prática
(condicionante) e econômicos e social: constelações
resultado tecnológicos vs. de relações de
(condicionada) da lógica identitária. poder. O exercício
ação social, que é Poder dos fluxos é do poder é
tanto recursiva, maior do que os capacitante e
quanto monitorada. fluxos de poder. inibidor.
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Globalização Globalização decorre Globalização tem Globalização é


das instituições motivação polidimensional:
modernas. Ela é sobretudo econômica, política,
polidimensional: econômica, mas cultural e social. As
economia capitalista seus reflexos são estruturas sociais
mundial, sistema de também políticos, atuais produzem
Estados-Nação, culturais e uma globalização
ordem militar societais. Institui a hegemônica capaz
mundial, divisão Era da Informação de submeter as
internacional do (sociedade em localidades aos
trabalho. Institui a rede, economia seus interesses.
sociedade de risco. informacional e Institui sistemas
cultura da modernos em
virtualidade real). transição.
Global - Local - fenômenos globais - sociedade em - corporações
têm origem local; rede conecta e movimentam-se no
- mútua influência desconecta as espaço mundial em
entre global e local localidades, busca de
(dialética de segundo o seu vantagens
controle); “valor”; competitivas
- contradição, - governos locais oferecidas pelas
polidimensionalidade têm papel ativo e localidades;
e indeterminação, crescente na - corporações
em razão dos promoção da tornaram o
diferentes recursos competitividade trabalho em um
e estratégias das dos seus recurso global,
localidades. territórios; acentuando
- localidades desigualdades
desenvolvem socoiais;
diferentes tipos de - governança em
movimentos sociais lugar de governo;
na defesa de suas - conflito entre
identidades. cultura global e
particularismos
gera novas fontes
de identidade.

Manuel Castells

A conexão entre processos sociais globais e locais na obra de Manuel Castells


desenvolve-se no contexto de um projeto teórico inovador, a saber, a sua teoria da Era
da Informação. Estaríamos testemunhando a emergência de uma nova estrutura social –
sociedade em rede, de uma nova economia – economia informacional global, e de uma
nova cultura – cultura da virtualidade real. Na sociedade em rede, a economia
informacional global conecta e desconecta localidades, segundo a sua importância
econômica. Como reação à unilateralidade da economia informacional global, as
localidades desconectadas gerariam identidades específicas que se chocam com o
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sistema e entre si. Os governos locais teriam suas responsabilidades e potencialidades


ampliadas, no sentido da promoção do desenvolvimento de seus territórios através da
conexão às redes. Os principais aspectos dessa discussão estão resumidos no Quadro 1
acima apresentado.
A convergência histórica entre três processos distintos, nas décadas de 60 e de
70, quais sejam a revolução da tecnologia da informação, a reestruturação do
capitalismo e do estatismo e a emergência de novos movimentos sociais, tais como o
libertarismo, o feminismo e o ambientalismo, teriam abalado as formas sociais da Era
Moderna – marcada pelo industrialismo, pelo triunfo da razão e pelo domínio humano
sobre as forças da natureza – e suas instituições - sindicatos, ideologias, família, Estado-
Nação, igrejas, entre outras. Em seu lugar, estaríamos testemunhando a emergência da
Era da Informação, marcada pelo modo de desenvolvimento informacional, pela
tecnologia da informação e pela suplantação da natureza, reconstruída como uma forma
cultural ideal (Castells, 1999).
Entre as premissas da teoria da Era da Informação, está a de que a nova
estrutura social, apoiada na lógica de redes, gera uma determinação social em nível
mais alto que a dos interesses sociais específicos expressos por meio das redes: o poder
dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder (. . .). uma sociedade (. . .)
caracterizada pela primazia da morfologia social sobre a ação social (1999, p.497).
Não se trata, no entanto, de simples determinismo estrutural, na medida em que, na
teoria da Era da Informação, consideram-se os conflitos e estratégias dos atores sociais,
as singularidades históricas, políticas e culturais, e a contingência:

“Portanto, todas as sociedades são afetadas pelo capitalismo e


informacionalismo, e muitas delas (. . .) já são informacionais, embora de
tipos diferentes, em diferentes cenários e com expressões culturais/
institucionais específicas. Uma teoria da sociedade informacional (. . .)
deverá estar sempre tão atenta à especificidade histórica/ cultural quanto às
semelhanças estruturais referentes a um paradigma econômico e tecnológico
amplamente compartilhado” (Castells, 1999, p.38).

Então, as sociedades seriam penetradas pelo sistema econômico e tecnológico


dominante (daí haver características estruturais semelhantes), mas, ao mesmo tempo,
remodelam-no, conforme as suas especificidades políticas e culturais. As sociedades,
afirma Castells (2001, p.85), são forjadas por agentes sociais, mobilizados em torno de
interesses, idéias e valores em um processo aberto e conflitante.
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A teoria de Castells contém forte influência de Alain Touraine, sem prejuízo da


interlocução com Karl Marx e com Max Weber. Neste caso, as sociedades de nosso
tempo estruturar-se-iam em torno de dois eixos: de um lado, a rede que opera segundo
uma lógica instrumental, no plano de um paradigma econômico e tecnológico
amplamente compartilhado; de outro lado, o ser que opera segundo uma lógica
identitária, no plano de significados produzidos desde processos históricos e territórios
específicos. A política, mormente as instituições do Estado, seria responsável pela
mediação da interação entre a rede (sistema econômico e tecnológico) e o ser
(identidades). A estrutura social resultaria dessa interação. Assim, segue-se uma divisão
fundamental entre o instrumentalismo universal abstrato e as identidades
particularistas historicamente enraizadas. Nossas sociedades estão cada vez mais
estruturadas em uma oposição bipolar entre a Rede e o Ser (Castells, 1999, p.23).
A globalização é um elemento central na teoria da Era da Informação, na
medida em que, resultando da convergência entre a crise e reestruturação do capitalismo
e a revolução da tecnologia da informação, demarcaria a emergência da organização
social em rede, da economia informacional global, da cultura da virtualidade real e da
reestruturação do Estado-Nação, afetando a constituição de identidades e de sujeitos
sociais, numa interação conflituosa. Ela demarca o fim da Era Moderna.
A crise do capitalismo industrial associada ao desenvolvimento das tecnologias
da informação, especialmente as que se relacionam com telecomunicações, informática
e transportes, teriam induzido ao processo de globalização e, por conseguinte, à
organização social em rede. O sistema capitalista enfrentou, na década de 70, uma crise
de lucratividade (não de produtividade) cuja razão seria a escassez de mercados
consumidores. A globalização, apoiada nas tecnologias da informação, representaria a
ampliação dos mercados comerciais, num primeiro momento, e do investimento externo
direto, posteriormente. Para abrir novos mercados, conectando valiosos segmentos de
mercado de cada país a uma rede global, o capital necessitou de extrema mobilidade, e
as empresas precisaram de uma capacidade de informação extremamente maior
(Castells, 1999, p.104). Assim, a globalização, neste esquema teórico, teria motivação
econômica - malgrado as suas repercussões sobre todos os domínios da atividade social
humana – engendrando, seguindo a terminologia de nosso autor, o capitalismo
informacional, no qual a função da tecnologia seria a geração de novos conhecimentos e
informações, penetrando e transformando todos os domínios da atividade social.
14

A economia informacional global seria uma economia com capacidade de


funcionar como uma unidade em tempo real, em escala planetária (Castells, 1999,
p.111). A nova economia operaria como um sistema altamente competitivo, com
fronteiras instáveis, no qual os agentes de crescimento, nações e empresas, visam a
obter o máximo proveito das oportunidades oferecidas pelas regras vigentes, no caso de
nações a competitividade, de empresas, o lucro. A “moeda” de maior valor neste
sistema seria a capacidade de acesso e de processamento da informação. Então, quanto
maior acesso e capacidade de operar tecnologias da informação, tanto maiores seriam as
chances de concorrência e de sucesso de um agente, quer empresas, quer regiões ou
nações, na economia informacional global.
Tratar-se-ia, pois, de uma economia desigual, embora, salienta Castells (1999),
não na forma de um centro e de uma periferia. Haveria muitos centros e periferias na
economia informacional global, em razão desta conectar localidades/ regiões capazes de
tornarem-se competitivas (portanto, valiosas), através da ação política e da estratégia
desenvolvida por suas instituições sociais e políticas, mas não necessariamente nações
inteiras. Paralelamente, a nova economia desconecta localidades/ regiões pouco
competitivas (portanto, pouco valiosas), as quais constituiriam „buracos negros‟ nos
países, sejam desenvolvidos, sejam emergentes. Assim, as tecnologias da informação e
a desregulamentação de mercados permitiriam ao capitalismo informacional conectar e
desconectar regiões, estabelecendo fronteiras que se expandem e se retraem. Para tanto,
as políticas governamentais desempenhariam papel decisivo, porquanto afetam a
competitividade das economias, nacionais, regionais e locais. Os governos regulam os
níveis de concorrência, a abertura de mercados, investem em novas tecnologias, apoiam
empresas e setores, repercutindo sobre a estrutura e a dinâmica econômica. Haveria três
regiões principais e suas áreas de influência na nova economia (América do Norte,
União Européia e Pacífico asiático), em torno das quais os demais países competiriam
para atrair capital, profissionais especializados e tecnologia, configurando uma rede
hierárquica e interdependente.
A reestruturação capitalista - e sua expansão não apenas na busca de mercados,
mas também no preenchimento dos espaços deixados pelo estatismo - a penetração da
tecnologia da informação nos variados domínios da estrutura social e os movimentos
sociais da década de 60 – que contribuíram no questionamento das formas centralizadas
de poder - convergiriam na configuração da sociedade em rede, típica da Era da
Informação. Redes são estruturas abertas, capazes de expandir de forma ilimitada,
15

integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde
que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (Castells, 1999, p.498). Ela seria
um sistema aberto, dinâmico e capaz de assimilar inovações sem comprometer o seu
equilíbrio. A distância dos fluxos entre nós variariam de zero, para nós dentro da rede, a
infinito (ou desconexão), para nós externos à rede.
A organização social em rede afetaria também o poder e a cultura. O Estado-
Nação não conseguiria mais impor seus comandos por completo, em razão da
globalização do capital, agora mais veloz, da ação de organizações multilaterais e da
descentralização da autoridade para governos locais. Uma nova geometria do poder
organizar-se-ia: o Estado em Rede, marcado por maleáveis relações de poder que se
transformariam de acordo com especificidades das variadas configurações de atores e de
instituições (Castells, 2000).
Estaríamos testemunhando a emergência de uma nova cultura diante das
tecnologias da informação: a cultura da virtualidade real, em razão, em parte, da
transformação das noções de tempo (invalidação do tempo cronológico) e de espaço
(superação da idéia de lugar) (Castells, 2000). A organização social em rede
estabeleceria a comunicação de símbolos desprovidos de territorialidade/ localização e,
conseqüentemente, desprovida de memória, de passado ou de futuro: a cultura da
virtualidade real é um sistema em que a própria realidade (. . .) é inteiramente captada,
totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais no mundo do faz-de-conta,
no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência,
mas se transforma na experiência (Castells, p.395).
Todavia, na teoria da Era da Informação, as sociedades são estruturadas pela
interação entre as forças da globalização e a lógica de redes, de um lado, e as expressões
de resistência a elas constituídas em torno de identidades primárias, de outro. Tal
oposição decorreria não apenas do carácter impositivo do processo de globalização e da
lógica de redes, mas também de sua seletividade. Por um lado, as redes globais seriam
tão penetrantes que, sentencia Castells (2000, p.428), o único modo de se livrar de seu
domínio parece ser ficar fora delas e reconstruir o significado com base em um sistema
de valores e crenças inteiramente distinto. Nestas circunstâncias, as identidades seriam
constituídas fora dos princípios da sociedade em rede, reconstruindo as instituições a
partir de suas referências específicas/ particulares, como são os casos dos
nacionalismos, dos separatismos étnicos/ religiosos e dos localismos. Por outro lado, o
carácter seletivo da globalização, traduzido na exclusão de expressivos segmentos das
16

sociedades, estimularia a configuração de identidades particulares, sem referência às


sociedades em rede. Essas identidades estariam assumindo carácter defensivo, operando
como trincheiras dos atores sociais desvalorizados pelas instituições dominantes, tais
como nos casos do fundamentalismo religioso/ étnico, do nacionalismo e do localismo.
Tratar-se-ia de identidades de oposição à globalização e à sociedade em rede,
implicando na dissolução das identidades compartilhadas e de projetos de transformação
social abrangente, na medida em que se fecham em torno de seus „paraísos comunais‟ e
raramente comunicam-se entre si, com o Estado ou com a sociedade em rede (Castells,
2001).
Os elementos teóricos mais amplos, bem como as características das sociedades
atuais, acima desenvolvidos revelam variadas conexões entre os processos sociais
globais e os locais, das quais pode-se destacar três aspectos: a conexão/ desconexão das
localidades à sociedade em rede, o papel dos governos locais e a produção de
identidades comunais/ locais. No que se concerne ao primeiro aspecto, conforme já
argumentado, Castells (1999) sustenta que a economia informacional global consiste
num sistema aberto e altamente competitivo, no qual ganhadores e perdedores,
conectados e desconectados, alternam-se. O processo de globalização atuaria
seletivamente sobre indivíduos, sobre localidades e sobre países, implicando numa
geografia irregular de inclusão/ exclusão e em conexões entre localidades/ regiões
distantes possibilitadas pela tecnologia da informação. A competitividade seria
alcançada através de capacidade tecnológica, de acesso e de integração a grandes
mercados, de baixos custos de produção local e de fomento das instituições políticas às
estratégias de desenvolvimento. Assim, na sociedade em rede, as localidades
conduziriam seus esforços para tornarem-se competitivas e atrativas ao processo de
globalização, estabelecendo intensa competição si:

“Por intermédio da tecnologia, redes de capital, de trabalho, de informação e


de mercados conectaram funções, pessoas e locais valiosos ao redor do
mundo ao mesmo tempo em que desconectaram as populações e territórios
desprovidos de valor e interesse para a dinâmica do capitalismo global.
Seguiram-se a exclusão social e a não-pertinência econômica de segmentos
de sociedades, de áreas urbanas, de regiões e de países inteiros (. . .)”
(Castells, 2000, p.413).

Quanto ao segundo aspecto, Castells (2001) observa que o processo de


globalização vem promovendo o fortalecimento dos governos locais, em razão da
tendência à descentralização da autoridade do Estado, conforme sustentado
17

anteriormente. Os governos locais não somente estariam mais adaptados às variações


dos fluxos globais, como também responderiam mais adequadamente às demandas das
identidades comunais. Assim, governos locais estariam a participar ativamente de
negociações com empresas multinacionais e com outros agentes governamentais, bem
como a elaborar estratégias de desenvolvimento de suas localidades (treinamento de
recursos humanos, investimento em pesquisa e desenvolvimento, concessão de
empréstimos e subsídios), tornando-se forças decisivas nos destinos dos cidadãos.

“O Estado não desaparece, porém. É apenas redimensionado na Era da


Informação. Prolifera sob a forma de governos locais e regionais que se
espalham pelo mundo com seus projetos, formam eleitorados e negociam
com governos nacionais, empresas multinacionais e órgãos internacionais. A
era da globalização da economia também é a era da localização da
constituição política. O que os governos locais e regionais não têm em termos
de poder e recursos é compensado pela flexibilidade e atuação em redes”
(Castells, 2000, p.435).

Por fim, para Castells (2001), haveria uma disjunção sistêmica entre o global e o
local para a maioria dos indivíduos, na sociedade em rede. Daí configurar-se-iam
identidades segregadas, tais como o fundamentalismo, o nacionalismo e o
comunitarismo, como reações à globalização, às redes e à crise do patriarcalismo/
família.

“Enfim, as comunidades locais, construídas por meio da ação coletiva e


preservadas pela memória coletiva, constituem fontes específicas de
identidades. Essas identidades, no entanto, consistem em reações defensivas
contra as condições impostas pela desordem global e pelas transformações,
incontroláveis e em ritmo acelerado” (Castells, 2001, p.84).

As comunidades locais/ territoriais produziriam variados tipos de movimentos


sociais em defesa de suas identidades: os que favorecem a integração na estrutura e na
prática dos governos locais, reforçando a possibilidade de participação dos cidadãos nas
instâncias do Estado; os que defendem as comunidades, territórios e ambientes; os que
desenvolvem projetos de sobrevivência coletiva aplicados a comunidades de baixa
renda; e os que defendem que tudo deve ser experimentado, sentido, vivenciado,
imediatamente (cultura da urgência), tais como as gangues.
Portanto, as sociedades contemporâneas caracterizar-se-iam pela predominância
das estruturas sobre a ação social. Tais estruturas constituem sistemas abertos,
competitivos, dinâmicos e equilibrados, nos quais a mudança social ocorre
18

gradativamente, incluindo ou excluindo os atores sociais, individuais ou coletivos,


inclusive localidades. Os processos de inclusão/ exclusão, no entanto, não são
inexoráveis, podendo ser revertidos pelas estratégias governamentais. As localidades
excluídas tendem a desenvolver identidades específicas, implicando em sociedades
fragmentadas em seus interesses e valores.

Boaventura de Souza Santos

Posicionando-se no campo da teoria crítica, Boaventura Santos insere a sua


interpretação da relação entre o global e o local em um ambicioso e revolucionário
projeto teórico, ainda em construção. Haveria distintos e conflituosos processos de
globalização (econômicos, políticos, sociais e culturais), os quais configurariam uma
globalização hegemônica e a possibilidade de uma globalização contra-hegemônica. Tal
formulação envolve a crítica à sociedade e à ciência modernas, bem como a concepção
das sociedades atuais como sistemas modernos em transição, compostos por uma
constelação de variados espaços estruturais aos quais corresponderiam unidades de
prática social - no âmbito microssocial - e instituições - no âmbito macrossocial. Os
principais aspectos dessa discussão estão resumidos no Quadro 1 acima apresentado.
Na formulação da teoria crítica pós-moderna, Boaventura Santos (2000)
argumenta que estaríamos experimentando não apenas uma transformação societal, mas
também epistemológica, ambas associadas à crise do paradigma moderno. A transição
paradigmática atual, como quaisquer outras, seria guiada pelo pensamento utópico. Um
dos principais elementos distintivos da teoria crítica seria a incorporação da reflexão
sobre possibilidades, projetos e utopias para as sociedades contemporâneas:

“Por teoria crítica entendo toda a teoria que não reduz a realidade ao que
existe. A realidade qualquer que seja o modo como é concebida é considerada
pela teoria crítica como um campo de possibilidades e a tarefa da teoria
consiste precisamente em definir e avaliar a natureza e o âmbito das
alternativas ao que está empiricamente dado” (Santos, 2000, p.23).

Trata-se de uma crítica à ciência moderna em geral e à teoria social em


particular, no sentido de que estas limitar-se-iam a explicar fenômenos e a apontar
tendências. A teoria crítica pós-moderna estabelece diálogo com o marxismo – principal
escola crítica da modernidade – com o pensamento de Foucault e com as teorias
19

feministas. A ciência moderna configurar-se-ia como um conhecimento-regulação cujo


ponto de ignorância situa-se no caos e cujo ponto de saber situa-se na ordem,
pressupondo um mundo estático e eterno no qual o passado se repete no futuro. A teoria
crítica pós-moderna ataca a razão instrumental e o colonialismo – concepção do outro
como objeto e não como sujeito – supostamente presentes na ciência moderna, em favor
do princípio de solidariedade – concepção do outro como sujeito e não como objeto –
tendo em vista a produção do conhecimento-emancipação. A teoria crítica pós-moderna
propõe, pois, a ampliação do espectro analítico, através da consideração das
possibilidades – não apenas tendências ou probabilidades – contidas nos processos em
curso, visando à formulação de cenários emancipatórios. Neste caso, ela consistiria
numa teoria paradigmática que rompe com o paradigma moderno/ dominante: (. . .)
deixou de ser possível conceber estratégias emancipatórias genuínas no âmbito do
paradigma dominante já que todas elas estão condenadas a transformar-se em outras
tantas estratégias regulatórias (Santos, 2000, p.16).
As sociedades capitalistas contemporâneas seriam, conforme Boaventura Santos,
corretamente denominadas de sistemas modernos em transição. Estes consistiriam em
constelações de relações de poder, as quais seriam tanto inibidoras, quanto permissoras.
O poder seria polidimensional e contingente: a mesma constelação de poder permite
múltiplas situações e contextos em que o exercício capacitante se combina com o
exercício inibidor, revelando múltiplas formas de opressão e de desigualdade nas
sociedades capitalistas e no sistema mundial. Nesta formulação, nosso autor rompe não
apenas com o estruturalismo/ determinismo (inclusive marxista), como também com
formulações teóricas apoiadas no princípio de que o poder seria fragmentado e presente
em toda a parte sem estruturação (como sustenta Foucault), pois o desenvolvimento das
sociedades capitalistas e o sistema mundial capitalista estão alicerçados em tais
constelações (de poder), e não em qualquer dos espaços estruturais tomados
individualmente (Santos, 2000, p.314).
Os sistemas modernos em transição consistiriam na articulação de espaços
estruturais ou campos de interação, operando como modos de produção de prática
social. Um espaço estrutural conteria seis dimensões: a) unidade de prática social -
dimensão ativa do espaço, operando como princípio organizador da ação coletiva e
individual e como critério de identificação entre indivíduos e grupos; b) instituição -
organização da repetição na sociedade; c) modalidade de desenvolvimento -
direcionalidade da ação social, referindo-se à mudança social; d) formas de poder –
20

como formas de troca desigual; e) formas de direito - procedimentos regularizados e


padrões normativos aceitos pelo grupo e criados para a geração, prevenção e resolução
de litígios; f) formas de conhecimento - senso comum específico do espaço estrutural,
consistindo em conjuntos de argumentos, contra-argumentos e premissas de
argumentação que orientam a troca de conhecimentos nas interações sociais. Assim, não
haveria primazia de um espaço estrutural sobre os demais, sendo eles relativamente
autônomos entre si, porquanto cada um deles caracterizar-se-ia por um tipo específico
de troca desigual (poder) que produz um estilo de interação e uma direcionalidade
próprios.
As sociedades de nosso tempo compor-se-iam de seis espaços estruturais. O
espaço doméstico referir-se-ia a relações de parentesco e de domesticidade, tendo como
unidade de prática social a diferença sexual e geracional e como instituição a família,
voltadas para a maximização da afetividade. O espaço da produção referir-se-ia à
geração de valor econômico e ao processo de trabalho, tendo como unidades de prática
social a classe e a natureza e como instituições a fábrica e a empresa, voltadas para a
maximização do lucro e da degradação da natureza. O espaço do mercado referir-se-ia à
distribuição e ao consumo de mercadorias, tendo como unidade de prática social o
consumo e como instituição o mercado, aplicados à maximização da mercadorização
das necessidades. O espaço da comunidade referir-se-ia à geração e à manutenção de
identidades e de territórios, tendo a etnicidade, a religião e a nacionalidade como
unidades de prática social e a comunidade, a Igreja e a vizinhança como instituições,
visando à maximização da identidade. O espaço da cidadania referir-se-ia às relações
entre cidadãos e Estado, tendo como unidade de prática social a cidadania e como
instituição o Estado, voltados para a maximização da lealdade. Finalmente, o espaço
mundial seria a matriz organizadora dos efeitos pertinentes das condições e das
hierarquias mundiais sobre os espaços doméstico, da produção, do mercado, da
comunidade e da cidadania de uma determinada sociedade (Santos, 2000, p.278).
Neste caso, a globalização, longe de ser consensual, é (. . .) um vasto e intenso
campo de conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemônicos, por um
lado, e grupos sociais, Estados e interesses subalternos, por outro (. . .) (Santos, 2002,
p.27). Ela conteria processos não apenas econômicos, mas também sociais, políticos e
culturais nos quais os conflitos de interesses e as diferentes direções de tais processos
produziriam, simultaneamente, uma globalização hegemônica e outra contra-
21

hegemônica, não captadas pelas explicações monocausais e lineares inscritas no


paradigma dominante da ciência moderna.
A globalização econômica decorreria de uma nova divisão internacional do
trabalho operada pelas empresas multinacionais que seriam os seus atores principais. A
nova economia mundial caracterizar-se-ia pela proeminência do capital financeiro e de
agências financeiras multilaterais, por investimentos em âmbito global e pela
desregulação de economias nacionais, entre outros aspectos. Haveria três grandes
capitalismos transnacionais atravessados por hierarquias entre países centrais,
semiperiféricos e periféricos: o americano, marcado pelas relações entre Estados
Unidos, Canadá e América Latina; o japonês, marcado pelas relações entre o Japão e os
demais países asiáticos; e o europeu, marcado pelas relações entre a União Européia, o
Leste Europeu e o Norte da África. Por conseguinte, a globalização econômica,
sustentada pela ideologia neoliberal, estaria impondo restrições à regulação da
economia pelos Estados, novos direitos de propriedade internacional para investidores
estrangeiros e subordinando os Estados às agências multilaterais, particularmente o
Banco Mundial (BM), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI).
A globalização social caracterizar-se-ia pela reorganização das relações entre
classes sociais, implicando em acentuação das desigualdades. O capitalismo
transnacional geraria uma nova classe social: a emergente burguesia de executivos de
empresas multinacionais, composta pela elite empresarial, diretores de empresas, altos
funcionários do Estado, líderes políticos e profissionais influentes, locais, e pelos
gestores de empresas multinacionais e dirigentes de instituições financeiras
internacionais, globais. A hegemonia exercida pela nova classe social implicaria na
redistribuição de renda da massa da população para a burguesia estatal, as
multinacionais e o capital local, estabelecendo novas desigualdades sociais. Tal
hegemonia apoiar-se-ia nos princípios ideológicos neoliberais, tais como redução de
custos salariais, liberalização do mercado de trabalho e redução de direitos sociais. A
economia é, assim, dessocializada, o conceito de consumidor substitui o de cidadão e o
critério de inclusão deixa de ser o direito para passar a ser solvência (Santos, 2002,
p.35).
A globalização política caracterizar-se-ia por uma outra constelação de forças
políticas entre os Estados Nacionais, em face da nova divisão internacional do trabalho
e da nova economia política pró-mercado. Os Estados centrais no sistema interestatal
22

mundial estariam ampliando seus poderes em detrimento dos Estados periféricos e


semi-periféricos, notadamente através das instituições financeiras multilaterais e de
acordos políticos interestatais que controlam. Neste caso, o Estado-nação parece ter
perdido a sua centralidade tradicional enquanto unidade privilegiada de iniciativa
econômica, social e política (Santos, 2002, p.36). Essa nova constelação de forças entre
Estados implicaria no enfraquecimento dos poderes dos Estados, especialmente os
periféricos e semi-periféricos, e no agravamento das desigualdades entre o centro e a
periferia do sistema mundial.
Por fim, a globalização cultural caracterizar-se-ia pela complementaridade entre
homogeneização cultural e eclosão de particularismos. Por um lado, as sociedades
centrais imporiam os seus valores, crenças e práticas culturais às demais sociedades,
sobretudo através dos meios de comunicação eletrônicos, notadamente a televisão,
configurando um processo de ocidentalização/ americanização do mundo. Os traços
culturais mais homogeneizados seriam aqueles passíveis de transformação em
mercadorias, interessando aos agentes empresariais. Por outro lado, em parte como
reação à ocidentalização do mundo, eclodiriam particularismos culturais/ localismos
relacionados às etnias, religiões e comunidades.
A partir dos princípios teóricos e das propriedades dos processos da
globalização, sumariamente apresentados acima, Boaventura Santos interpreta o global
e o local como resultado de uma constelação de relações de poder no âmbito do espaço
mundial. Haveria um modo de produção de globalização, liderado pelos países e agentes
econômicos centrais/ dominantes no sistema mundial, que define a partir de seus
critérios o que seria global e o que seria local. O global seria o local estendido para além
da própria localidade, de acordo com as relações de poder no sistema mundial.

“O global e o local são socialmente produzidos no interior dos processos de


globalização. Distingo quatro processos de globalização produzidos por
outros tantos modos de globalização. Eis a minha definição de modo de
produção de globalização: é o conjunto de trocas desiguais pelo qual um
determinado artefato, condição, entidade ou identidade local estende a sua
influência para além das fronteiras nacionais e, ao fazê-lo, desenvolve a
capacidade de designar como local outro artefacto, condição, entidade ou
identidade rival” (Santos, 2002, p.63).

Desse modo, seria possível destacar quatro aspectos significativos da relação


entre global e local, considerando-se os processos da globalização supracitados.
Primeiro, a nova divisão internacional do trabalho derivaria da movimentação de
23

unidades produtivas pelo espaço mundial, motivadas por vantagens competitivas de


cada localidade (infra-estrutura, mão-de-obra, incentivos fiscais, proximidade de
mercados consumidores, entre outras). As zonas industriais tradicionais estariam
perdendo a primazia na atração de novos investimentos em favor dos atributos das
localidades. O Estado Nacional seria substituído pelas estratégias privadas das
corporações multinacionais como agente dominante nesse processo. As localidades
passariam a remodelar-se de acordo com as exigências do capital global.

“Ao mesmo tempo que a dinâmica endógena local freqüentemente assente


em complexas combinações entre agricultura e indústria, produção familiar e
produção industrial vai ligando, sem a intermediação do espaço nacional, os
espaços locais aos espaços globais da economia, as antigas regiões industriais
vão-se descaracterizando e desindustrializando, reaparecendo em seu lugar o
espaço local como fator produtivo estratégico” (Santos, 2000, p.154).

Segundo, a acentuação das desigualdades sociais relacionar-se-ia com o fato de


que o trabalho passa a ser um recurso global, porquanto a livre movimentação de
empresas multinacionais no espaço global implicaria no uso da mão-de-obra de
quaisquer localidades. Além disso, as variadas formas de investimento de capitais
externos nas economias periféricas e semi-periféricas (fusões, compra de empresas
estatais, participação acionária e outras) estariam a atestar a crescente influência do
capital global sobre os capitais nacionais. A globalização hegemônica faria crer que não
haveria outra alternativa de sobrevivência na nova economia para trabalhadores e
empresas nacionais, senão a associação com o capital global. Daí uma nova composição
entre classes que submeteria o local ao global.

“Ao nível das práticas capitalistas globais, a luta trava-se entre a classe
capitalista global e todas as outras classes definidas a nível nacional, sejam
elas a burguesia, a pequena burguesia e o operariado (. . .). O que resta das
burguesias nacionais e a pequena burguesia são, nesta fase de transição, a
almofada que amortece e a cortina de fumo que obscurece a contradição cada
vez mais nua e crua entre o capital global e o trabalho entretanto
transformado em recurso global” (Santos, 2002, p.60).

Terceiro, as políticas públicas e as diretrizes do Estado-Nação nos países pobres


(periféricos e semi-periféricos) seriam cada vez mais fragilizadas, em favor dos Estados
centrais e das instituições multilaterais. O que sobrou do Estado-Nação Moderno estaria
submetido às influências de agentes externos. A globalização hegemônica estaria a
substituir a idéia de governo pela de governança: os governos nacionais/ locais
24

deixariam de ser condutores dos destinos de seus povos e passariam a ser coordenadores
dos interesses dos múltiplos agentes envolvidos. Entretanto, proliferariam organizações
não-governamentais, movimentos sociais e outras formas de resistência, por fora do
Estado Moderno, como formas de resistência política das localidades às determinações
de agentes externos.
Quarto, o conflito entre cultura global e particularismos, ambos processos
inscritos na globalização, originaria outras fontes de identidade, relativas às relações
pessoais, próprias das localidades. O caráter abstrato das relações no nível global
reforçaria os vínculos e as identidades locais, reforçando, assim, os laços sociais
comunitários, como contra-tendência à homogeneização.

“A primeira contradição é entre globalização e localização. O tempo


presente surge-nos como dominado por um movimento dialético em cujo
seio os processos de globalização ocorrem de par com processos de
localização. De facto, à medida que a interdependência e as interacções
globais se intensificam, as relações sociais em geral parecem estar cada vez
mais desterritorializadas, abrindo caminho para novos direitos às opções, que
atravessam fronteiras até há pouco tempo policiadas pela tradição, pelo
nacionalismo, pela linguagem ou pela ideologia, e freqüentemente por todos
eles em conjunto. Mas, por outro lado, e em aparente contradição com esta
tendência, novas identidades regionais, nacionais e locais estão a emergir,
construídas em torno de uma nova proeminência dos direitos às raízes. Tais
localismos, tanto se referem a territórios reais ou imaginados, como a formas
de vida e de sociabilidade assentes nas relações face-a-face, na proximidade e
na interactividade” (Santos, 2002, p.54).

Portanto, a conexão entre o global e o local para Boaventura Santos é marcada,


nos planos econômico, social, político e cultural, pela submissão do segundo ao
primeiro: quer pela exclusão, quer pela inclusão subalterna. A globalização hegemônica
estaria renovando e acentuando hierarquias no espaço mundial, através de influências
sobre as localidades. No entanto, a globalização, salienta o autor, é processo, isto é, ela
é um movimento conflituoso e, por vezes, contraditório entre vencedores e vencidos.
Neste sentido, a teoria a construir deve, pois, dar conta da pluralidade e da
contradição dos processos da globalização em vez de os tentar subsumir em abstrações
redutoras (Santos, 2002, p.56).

Considerações Finais
25

O processo de globalização está a transformar as sociedades de nosso tempo,


exigindo, em alguns casos, a criação de novos instrumentos de análise e, em outros, a
reformulação dos já disponíveis. A sociologia brasileira tem, nas obras de Giddens, de
Castells e de Boaventura Santos, contribuições valiosas para a consecução de tal
desafio, em razão da originalidade e pertinência dos seus argumentos. Cabe, pois, tecer
considerações, ainda que sumárias e gerais, concernentes às obras discutidas, tendo em
vista apontar certas divergências e convergências relativamente ao tema em tela e a
partir das quais propõem-se premissas de análise.
A análise de Anthony Giddens apoia-se predominantemente sobre as sociedades
desenvolvidas/ centrais, sobretudo Europa Ocidental e Estados Unidos, mas desenvolve
profundamente aspectos relativos ao plano microssocial, dos significados, valores e
motivações da ação social. Trata-se da teoria menos apoiada em instâncias empíricas e
mais acabada e articulada do ponto de vista lógico e conceitual. Para Giddens, a teoria
social deve enfrentar questões de natureza fundamentalmente ontológica, em face das
mudanças sociais atualmente em curso consistirem na extensão da modernidade
(modernidade reflexiva). Não se trata de um projeto teórico que proponha ruptura
epistemológica. Daí o seu diálogo com os teóricos clássicos. As estruturas seriam
maleáveis e passíveis de transformação pela ação social. A globalização seria
polidimensional, compondo-se de aspectos econômicos, políticos, culturais e societais,
igualmente relevantes. Manuel Castells desenvolve sua obra a partir de um amplo
espectro de observação empírica: sociedades do Ocidente e do Oriente, do Norte e do
Sul. A Era da Informação representaria, a exemplo da percepção de Giddens, mudanças
ontológicas para a teoria social, dialogando com Marx e com Weber. As estruturas
teriam elementos permanentes, relativos a uma base tecnológica e econômica, e uma
geometria variável, conforme as instituições políticas e as culturas locais. Neste caso, a
globalização seria um processo originalmente econômico, mas que repercute em todas
as dimensões sociais. Há um amplo espectro de observação empírica também na obra de
Boaventura Santos: países centrais, semi-periféricos e periféricos. A teoria social
deveria enfrentar uma dupla reformulação: ontológica e epistemológica, em face da
crise do paradigma moderno. As estruturas sociais podem ser alteradas pelos atores, mas
através de processos que conduzam à ruptura paradigmática. Assim, a globalização seria
polidimensional (penetra em todos os espaços estruturais) e também capaz de submeter
as localidades aos seus interesses, em face das propriedades das estruturas sociais atuais.
26

As propriedades mais gerais das teorias examinadas repercutem na interpretação


do papel das localidades. No caso de Giddens, as economias locais estariam
desempenhando papel ativo na nova divisão internacional do trabalho, através de
estratégias de aproveitamento das oportunidades geradas pela globalização. Parece que
os governos locais/ regionais/ nacionais estabelecem uma dialética de controle com os
agentes da globalização, na promoção da soberania e do desenvolvimento dos
territórios. Haveria um processo de crescente destradicionalização das localidades, em
razão da substituição das habilidades locais pela confiança em sistemas abstratos. Para
Castells, a economia local buscaria a competitividade, como forma de conectar-se às
redes globais de produção, distribuição e consumo, capitaneadas pelos agentes da
globalização. Os governos locais preocupar-se-iam com a promoção de condições de
competitividade de suas economias e com a mobilização dos interesses, valores e
movimentos sociais de suas comunidades. A tradição expandir-se-ia, por meio da
proliferação de identidades comunais baseadas na história e na cultura locais, operando
como instrumentos de reação ao carácter abstrato e instrumental das redes. Finalmente,
segundo Boaventura Santos, as economias locais estão à disposição dos mercados como
fatores produtivos estratégicos, em razão da mobilidade dos capitais. No entanto, elas
poderão representar formas emancipatórias de produção, tais como a „economia
solidária‟. Os governos locais/ regionais/ nacionais estão deixando de ser condutores
dos destinos de seus territórios e comunidades, passando a atuar como condutores dos
interesses dos vários atores sociais. Embora desconsiderados pela lógica dos mercados,
o espaço das comunidades seria, entretanto, fonte potencial de novas solidariedades
emancipatórias.
Os argumentos dos autores supracitados autorizam a formulação de três
princípios/ premissas de análise, que poderiam operar como fundamentos teóricos mais
amplos para uma agenda de investigação do tema das conexões entre o global e o local:
 Princípio da transitoriedade. O processo de globalização está a transformar a
realidade social, estabelecendo novos tipos de relações, de atores e de instituições
sociais, para os quais a sociologia deve estar atenta. Experimentamos uma fase de
transição de um tipo de sociedade (industrial/ moderna) para outro, ainda em aberto, do
qual é preciso identificar as descontinuidades (novas instituições, atores, relações
sociais), bem como as continuidades.
 Princípio da polidimensionalidade. Ainda que sua gênese relacione-se a fatores
econômicos e tecnológicos, o processo de globalização compõe-se de aspectos
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econômicos, políticos, culturais e societais, os quais são construídos por atores sociais
(empresas, sindicatos, trabalhadores, empresários, governos, parlamentos, centros de
pesquisa, associações civis, entre outros), segundo suas estratégias e embates (com
motivações econômicas, políticas, culturais; com eficácia variável; e com efeitos
indeterminados) e seus recursos/ possibilidades/ limites para o desenvolvimento da ação
social (as estruturas oportunizam mais recursos – capital, informação, qualificação,
poder – para alguns do que para outros). Refutam-se abordagens deterministas e
voluntaristas, ambas redutoras. Considera-se: (a) que os efeitos dos processos da
globalização são variáveis tanto no que se refere aos países, regiões e localidades,
quanto aos atores sociais, precisando-se considerar não apenas as características
econômicas e tecnológicas globais, mas também as societais e institucionais locais; (b)
que as localidades interagem ativamente, através das estratégias dos seus atores e dos
recursos de que dispõem, com as forças da globalização, recebendo influências, mas
também podendo exercer algum tipo de condicionamento sobre elas.
 Princípio da poliformidade. As implicações dos processos da globalização sobre as
sociedades, regiões, localidades, indivíduos, são altamente heterogêneas, produzindo
múltiplas formas na realidade social. Tal pluralidade de formas relaciona-se, por um
lado, com as múltiplas forças, interesses, conflitos, estratégias e recursos dos atores
sociais e, por outro lado, com a convivência entre formas sociais emergentes/ novas e
resistentes/ antigas, nos processos de transição.
Experimentamos, pois, um tempo de transformações e de incertezas, em razão
das repercussões da globalização em todos os domínios da atividade social humana,
gerando instabilidade, fragmentação e variadas conflitualidades: expansão das
desigualdades econômicas - entre países, entre localidades e entre grupos sociais - dos
autoritarismos, de formas de violência - guerras entre Estados, terrorismo, conflitos
étnicos armados - e de degradação ambiental. Os argumentos desenvolvidos atestam a
relevância econômica, política e cultural das localidades na vida dos indivíduos, na
contemporaneidade. No entanto, serão as localidades forças sociais e políticas capazes
de elaborar e valer-se de estratégias econômicas e políticas que extraiam proveito da
nova economia, de conjugar os múltiplos interesses e identidades dos atores sociais
(classe, etnia, religião, língua, gênero, ecologia, entre outras), de promover novos
valores voltados para a solidariedade e de comunicarem-se entre si, permitindo a
superação das desigualdades, da fragmentação e dos conflitos do tempo da
globalização?
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Referências

CASTELLS, M. A sociedade em rede. 2ª Ed.. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1999.


CASTELLS, M. Fim de milênio. 2ª Ed.. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2000.
CASTELLS, M. O poder da identidade. 3ª Ed.. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2001.
GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo : Martins Fontes, 1989.
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo : UNESP, 1991.
GIDDENS, Anthony. O Estado-Nação e a violência. São Paulo : EDUSP, 2001.
GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. São Paulo : UNESP, 1996.
SANTOS, Boaventura de S.. A crítica da razão indolente : contra o desperdício da
experiência. São Paulo : Cortez, 2000.
SANTOS, Boaventura de S.. Os processos da globalização. In: __________ (Org.). A
globalização e as ciências sociais. São Paulo : Cortez, 2002. Pp.25-102.

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