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GT TEORIAS SOCIOLÓGICAS
Global e Local
na Teoria Social Contemporânea
Universidade de Campinas
Campinas (SP)
1 a 5 de setembro, 2003
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Global e Local
na Teoria Social Contemporânea1
Resumo
O objetivo do presente texto é debater aspectos da relação entre global e local, a partir
da contribuição de três autores representativos da teoria social contemporânea: Anthony
Giddens, Manuel Castells e Boaventura S. Santos. Trata-se de abordar um dos temas
emergentes na teoria social, em face da nova morfologia imposta pela globalização às
sociedades contemporâneas, através do contraste entre as obras de tais autores
relativamente aos seguintes aspectos: (a) debate estrutura e ação, visando à apresentação
sumária dos seus princípios/ pressupostos de análise no que se refere às relações entre
macro e micro processos sociais; (b) processo de globalização e suas implicações para
as localidades, tendo em vista a discussão sobre quais seriam os processos, os atores e
os conflitos sociais que estão a marcar as sociedades atuais e sobre as conexões entre os
fenômenos sociais de ordem global e os de ordem local, os quais desafiam o saber e a
imaginação sociológica de nosso tempo. O presente documento discute, pois, as
abordagens dos autores supracitados sobre a conexão global – local, relacionando-as aos
seus princípios teóricos mais amplos, visando a contribuir para a organização e para o
debate de esquemas teóricos de análise e de pesquisa sobre o tema em tela.
Introdução
A nova morfologia das sociedades de nosso tempo está não apenas a abrir uma
plêiade de novos temas para a teoria social, como também a repercutir sobre os próprios
fundamentos teóricos e metodológicos das ciências sociais em geral e da sociologia em
1
Texto elaborado na disciplina Teoria Sociológica Avançada, coordenada pela Profa. Dra. Elida
Rubini Liedke, Programa de Pós-Graduação em Sociologia/ UFRGS, e inscrito no VII Congresso
Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, realizado na UCAM, Rio de Janeiro, setembro de 2002.
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Doutorando no PPGS/ UFRGS, Projeto de Tese Globalização e Desenvolvimento Local: o novo
pólo automobilístico de Gravataí (RS) – implicações sociais. Mestre em Sociologia pelo PPGS/
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UFRGS, dissertação Relações Interfirmas e Emprego: estudo de uma rede de empresas no setor
de telecomunicações.
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Há, pois, variadas questões abertas pela nova realidade: Quais seriam as
repercussões do processo de globalização para as localidades? Quais as oportunidades
abertas? Quais os limites impostos? Qual seria a capacidade das localidades de
interferirem na dinâmica global? Como o local se insere no global? Há possibilidades de
contra-tendências à globalização? Por fim, qual seria a fronteira entre um fenômeno
social global e um local?
O objetivo do presente texto é debater aspectos da relação entre global e local, a
partir da contribuição de três autores representativos da teoria social contemporânea:
Anthony Giddens, Manuel Castells e Boaventura S. Santos. Trata-se de abordar um dos
temas emergentes na teoria social, em face da nova morfologia imposta pela
globalização às sociedades contemporâneas, através do contraste entre as obras de tais
autores relativamente aos seguintes aspectos: (a) debate estrutura e ação, visando à
apresentação sumária dos seus princípios/ pressupostos de análise no que se refere às
relações entre macro e micro processos sociais; (b) processo de globalização e suas
implicações para as localidades, tendo em vista a discussão sobre quais seriam os
processos, os atores e os conflitos sociais que estão a marcar as sociedades atuais e
sobre as conexões entre os fenômenos sociais de ordem global e os de ordem local, os
quais desafiam o saber e a imaginação sociológicas de nosso tempo.
Assim, o presente documento não é uma revisão da literatura sobre globalização:
ele apresenta as abordagens de três importantes autores na teoria social atual, mas ainda
pouco debatidos nas ciências sociais brasileiras, sobre a conexão global - local
relacionando-as aos seus princípios teóricos mais amplos, visando a contribuir para a
organização e para o debate de esquemas teóricos de análise e de pesquisa sobre o tema
em tela. A seleção destes autores decorre do fato de que, sem prejuízo das divergências
entre si, todos se valem da idéia de que a globalização é um fenômeno relativamente
novo e tem impactos importantes em todos os domínios da vida social, para além da
dimensão econômica, distinguindo-se da abordagem da mundialização3.
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Segundo a abordagem da mundialização, as sociedades contemporâneas enfrentam uma
nova etapa de internacionalização dos processos econômicos. Tratar-se-ia de uma nova
configuração do capitalismo mundial relacionada a novas relações internacionais decorrentes da
abertura de economias nacionais, mediante processos de liberalização e de desregulamentação
de mercados, interligadas mundialmente em tempo real. Enfatizam-se os processos econômicos
da mundialização (expansão do comércio internacional, investimento direto externo, expansão
das multinacionais, domínio do capital financeiro, entre outros) cuja origem remontaria ao
século XIX. A “globalização” seria um fenômeno antigo que, presentemente, apenas se
intensificou. Estaríamos enfrentando mudanças que exigiriam adaptações, ou ajustes
estruturais, de nossos sistemas sociais aos novos tempos. Neste caso, são enfatizadas as
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Anthony Giddens
continuidades entre os períodos pré e pós mundialização, bem como a idéia de totalidade
social. Entre outros importantes representantes desta abordagem, estão François Chesnais,
Giovanni Arrighi, Paul Hirst e Grahame Thompson.
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Manuel Castells
integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde
que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (Castells, 1999, p.498). Ela seria
um sistema aberto, dinâmico e capaz de assimilar inovações sem comprometer o seu
equilíbrio. A distância dos fluxos entre nós variariam de zero, para nós dentro da rede, a
infinito (ou desconexão), para nós externos à rede.
A organização social em rede afetaria também o poder e a cultura. O Estado-
Nação não conseguiria mais impor seus comandos por completo, em razão da
globalização do capital, agora mais veloz, da ação de organizações multilaterais e da
descentralização da autoridade para governos locais. Uma nova geometria do poder
organizar-se-ia: o Estado em Rede, marcado por maleáveis relações de poder que se
transformariam de acordo com especificidades das variadas configurações de atores e de
instituições (Castells, 2000).
Estaríamos testemunhando a emergência de uma nova cultura diante das
tecnologias da informação: a cultura da virtualidade real, em razão, em parte, da
transformação das noções de tempo (invalidação do tempo cronológico) e de espaço
(superação da idéia de lugar) (Castells, 2000). A organização social em rede
estabeleceria a comunicação de símbolos desprovidos de territorialidade/ localização e,
conseqüentemente, desprovida de memória, de passado ou de futuro: a cultura da
virtualidade real é um sistema em que a própria realidade (. . .) é inteiramente captada,
totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais no mundo do faz-de-conta,
no qual as aparências não apenas se encontram na tela comunicadora da experiência,
mas se transforma na experiência (Castells, p.395).
Todavia, na teoria da Era da Informação, as sociedades são estruturadas pela
interação entre as forças da globalização e a lógica de redes, de um lado, e as expressões
de resistência a elas constituídas em torno de identidades primárias, de outro. Tal
oposição decorreria não apenas do carácter impositivo do processo de globalização e da
lógica de redes, mas também de sua seletividade. Por um lado, as redes globais seriam
tão penetrantes que, sentencia Castells (2000, p.428), o único modo de se livrar de seu
domínio parece ser ficar fora delas e reconstruir o significado com base em um sistema
de valores e crenças inteiramente distinto. Nestas circunstâncias, as identidades seriam
constituídas fora dos princípios da sociedade em rede, reconstruindo as instituições a
partir de suas referências específicas/ particulares, como são os casos dos
nacionalismos, dos separatismos étnicos/ religiosos e dos localismos. Por outro lado, o
carácter seletivo da globalização, traduzido na exclusão de expressivos segmentos das
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Por fim, para Castells (2001), haveria uma disjunção sistêmica entre o global e o
local para a maioria dos indivíduos, na sociedade em rede. Daí configurar-se-iam
identidades segregadas, tais como o fundamentalismo, o nacionalismo e o
comunitarismo, como reações à globalização, às redes e à crise do patriarcalismo/
família.
“Por teoria crítica entendo toda a teoria que não reduz a realidade ao que
existe. A realidade qualquer que seja o modo como é concebida é considerada
pela teoria crítica como um campo de possibilidades e a tarefa da teoria
consiste precisamente em definir e avaliar a natureza e o âmbito das
alternativas ao que está empiricamente dado” (Santos, 2000, p.23).
“Ao nível das práticas capitalistas globais, a luta trava-se entre a classe
capitalista global e todas as outras classes definidas a nível nacional, sejam
elas a burguesia, a pequena burguesia e o operariado (. . .). O que resta das
burguesias nacionais e a pequena burguesia são, nesta fase de transição, a
almofada que amortece e a cortina de fumo que obscurece a contradição cada
vez mais nua e crua entre o capital global e o trabalho entretanto
transformado em recurso global” (Santos, 2002, p.60).
deixariam de ser condutores dos destinos de seus povos e passariam a ser coordenadores
dos interesses dos múltiplos agentes envolvidos. Entretanto, proliferariam organizações
não-governamentais, movimentos sociais e outras formas de resistência, por fora do
Estado Moderno, como formas de resistência política das localidades às determinações
de agentes externos.
Quarto, o conflito entre cultura global e particularismos, ambos processos
inscritos na globalização, originaria outras fontes de identidade, relativas às relações
pessoais, próprias das localidades. O caráter abstrato das relações no nível global
reforçaria os vínculos e as identidades locais, reforçando, assim, os laços sociais
comunitários, como contra-tendência à homogeneização.
Considerações Finais
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econômicos, políticos, culturais e societais, os quais são construídos por atores sociais
(empresas, sindicatos, trabalhadores, empresários, governos, parlamentos, centros de
pesquisa, associações civis, entre outros), segundo suas estratégias e embates (com
motivações econômicas, políticas, culturais; com eficácia variável; e com efeitos
indeterminados) e seus recursos/ possibilidades/ limites para o desenvolvimento da ação
social (as estruturas oportunizam mais recursos – capital, informação, qualificação,
poder – para alguns do que para outros). Refutam-se abordagens deterministas e
voluntaristas, ambas redutoras. Considera-se: (a) que os efeitos dos processos da
globalização são variáveis tanto no que se refere aos países, regiões e localidades,
quanto aos atores sociais, precisando-se considerar não apenas as características
econômicas e tecnológicas globais, mas também as societais e institucionais locais; (b)
que as localidades interagem ativamente, através das estratégias dos seus atores e dos
recursos de que dispõem, com as forças da globalização, recebendo influências, mas
também podendo exercer algum tipo de condicionamento sobre elas.
Princípio da poliformidade. As implicações dos processos da globalização sobre as
sociedades, regiões, localidades, indivíduos, são altamente heterogêneas, produzindo
múltiplas formas na realidade social. Tal pluralidade de formas relaciona-se, por um
lado, com as múltiplas forças, interesses, conflitos, estratégias e recursos dos atores
sociais e, por outro lado, com a convivência entre formas sociais emergentes/ novas e
resistentes/ antigas, nos processos de transição.
Experimentamos, pois, um tempo de transformações e de incertezas, em razão
das repercussões da globalização em todos os domínios da atividade social humana,
gerando instabilidade, fragmentação e variadas conflitualidades: expansão das
desigualdades econômicas - entre países, entre localidades e entre grupos sociais - dos
autoritarismos, de formas de violência - guerras entre Estados, terrorismo, conflitos
étnicos armados - e de degradação ambiental. Os argumentos desenvolvidos atestam a
relevância econômica, política e cultural das localidades na vida dos indivíduos, na
contemporaneidade. No entanto, serão as localidades forças sociais e políticas capazes
de elaborar e valer-se de estratégias econômicas e políticas que extraiam proveito da
nova economia, de conjugar os múltiplos interesses e identidades dos atores sociais
(classe, etnia, religião, língua, gênero, ecologia, entre outras), de promover novos
valores voltados para a solidariedade e de comunicarem-se entre si, permitindo a
superação das desigualdades, da fragmentação e dos conflitos do tempo da
globalização?
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Referências