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JENNER
Editor científico
J. A. ZAGALO-CARDOSO
Co ordena ção científica
I
CAMINHO
colecção universitária
F. A. JENNER
Ed ito r científico
J. A. ZAGALO-CARDOSO
Coordenação científica
A. C. D. MONTEIRO
1 A. CUNHA-OLIVEIRA
Uma doença
ou alguns modos de se ser humano?
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colecção universitária
Os autores
«e s q u iz o f r e n ia » António C. D. Monteiro
Uma Doença ou Alguns Modos de Se Ser Humano?
Licenciado em Medicina pela Universidade do Porto (1971).
Capa e orientação gráfica:
Secção Grafica da Editorial Caminho PA. D. pela Universidade dc Sheffield (1983).
Revisão: Secção de Revisão da Editorial Caminho Doutor em Psiquiatria pela Universidade do Porto (1984).
© Editorial Caminho, SA, Lisboa__1992 Professor dc Psiquiatria do Departamento de Saúde Mental da Facul
Tiragem: 2000 exemplares
omposição: Secção de Composição da Editorial Caminho dade dc Medicina da Universidade do Porto.
Impressão c acabamento: Tipografia Lousanense Faleceu cm Dezembro dc 1987.
Data dc impressão: Julho de 1992
Depósito legal n.° 56 410/92
ISBN 972-21-0758-5
TEIXEIRA DE PASCOAES
J. ORTEGA Y GASSET
índice
PROFESSOR: llow does it come aboul that while lhe lower classes lalk withoul
knowing which language theyre speaking, while each person actually believes he is
speaking a language that, in fact, he is not, they all somehow manage to communicate
satisfactorily with one another?
PUPIL: Wonders will never cease.
E. I O N E S C O
1. Introdução
estádios e graus do behaviorismo) e a linguística descritiva estão ambos durante o qual tanto o paciente (o «protagonista») como o médico
muito bem a dançar ao seu próprio compasso; mas a vida, essa, trata (o «espectador») se encontram envolvidos na «construção» de uma
predominantemente dos desejos, dos pensamentos, dos sentimentos, história vitae significante», pondo na mesa as cartas dos valores e
dos propósitos, dos motivos e das ideias. Sc reduzíssemos tudo isto • visões do mundo» pessoais (mesmo quando pensam que não).
a estímulos e respostas, ficaríamos estropiados à partida: nada podería Dilthey (1959) advogava uma «vasta trama teórica destinada ao
mos imaginar para além de uma reacção a um som ou a uma luz [...] estudo do homem» e repetidamente chamou a atenção para o papel
não nos seria possível criar o cubo a partir de um quadrado, nem o da imaginação e da criatividade dos investigadores no estudo da nossa
quadrado a partir de uma linha». ■realidade» sociohistórica; se quisermos abordar o «mundo pessoal»
Em nossa opinião, Dilthey tem coisas muito importantes a dizer dos pacientes «esquizofrénicos» pelo seu vasto contexto histórico e
a todos os psiquiatras; entre elas, as suas judiciosas notas acerca do social, ficaremos ccrtamente menos atreitos a rotular o seu compor-
estudo (e reflexão interpretativa) da experiência e do comportamen tamento e as suas vivências como «incompreensíveis» e «completa
to humanos. Para ele, «compreender» a vida e as acções de um ser mente estranhas» à «natureza humana normal».
humano implica, antes de mais, uma cuidadosa análise da intcracçâo Como disse Rickman (1967), «a compreensão, enquanto forma
entre as vivências experimentadas ao longo de uma vida (Erleben) c característica da abordagem dos seres humanos, torna-se necessária
as suas «expressões» individuais (por exemplo, o estilo da obra, o porque o mundo do humano se encontra repleto de uma significação
comportamento social, as «produções criativas», etc.) (Rickman, 1976). que o mundo físico por si mesmo não tem. Isto não quer dizer que
Propriamente, só é possível «compreender» as pessoas se tiver exista um plano providencial ou um desígnio superior por detrás da
mos na devida conta todo o conjunto das suas histórias pessoais; porem, existência humana, mas apenas que as acções humanas se fazem
estas histórias pessoais nunca podem ser dadas por completas, pelo acompanhar da sua consciência e têm, atrás de si, uma intenção; brotam
que a «compreensão» que delas temos não pode ser, também, com de interpretações de situações e de juízos valorativos [...]. A tarefa
pleta e total. Dilthey escreveu: «o homem-protótipo dcsintegra-sc tio historiador, do sociólogo, do antropólogo social ou do psicólogo
durante o processo da história». não termina na descrição desses comportamentos ou dessas acções
O mesmo autor valorizou a «biografia» como um meio de me humanas; é possível descobrir por detrás deles um significado, um
lhorar o nosso conhecimento, quer das «populações» ou «expressões» sentido, através do processo da compreensão. Em última análise, nós
de uma dada pessoa, quer da «visão do mundo» dominante na so próprios podemos verificar que as nossas experiências vitais e os nossos
ciedade em que vive; e fez notar lodo esse processo de «construção» sentimentos estão por detrás das nossas acções».
e de «auto-envolvimento» (mais ou menos deliberado) que subjaz a O conhecimento do nosso «passado histórico» (assim como o
toda a tentativa de elaboração da história vitae ou da biografia de conhecimento da «biografia» de um paciente) não é diferente do
outro ser humano. conhecimento que julgamos ter de um amigo, do seu carácter, dos
Dilthey levaria mais de dez anos a escrever a biografia de Schle- seus modos de pensar e agir c das mais subtis nuances da sua per
tcrmachcr, famoso teólogo alemão... Embora a «história vitae» de um sonalidade [tão bem descritos por Montaigne (1978), por exemplo].
paciente não costume levar tanto tempo nem tanto esforço de inves «Para isso», escreve Berlin (1979), «necessitamos de uma grande
tigação ao psiquiatra, isso não legitima a subestimaçâo dos seus capacidade imaginativa — a mesma que é necessária aos artistas e
«enigmas» nem a leviana assunção da possibilidade (ou não) de os aos novelistas, em especial — mesmo que isso não pudesse lcvar-
«compreender»... -nos muito longe na compreensão de formas de vida demasiado afas
São tudo temas importantes que requerem a nossa atenção, na tadas ou demasiado diferentes da nossa. E ainda assim não haveria
qualidade de psiquiatras; de facto, a «construção» e o «auto-envolvi- motivo para desesperar, uma vez que aquilo que nós procuramos é
mento» são aspectos particularmente evidentes no «encontro psi compreender seres humanos — tal como nós, dotados de uma mente,
quiátrico» — uma forma particular de diálogo entre duas pessoas, de objcctivos c de uma vida interior. Ao contrário do impenetrável
conteúdo da natureza não-humana, as obras do homem não podem
nunca ser completamcnte ininteligíveis para nós. Sem esta capacidade Capítulo III
de “penetrar” (Vico, 1970) nas mentes e nas situações, o passado seria,
para nós, uma mera colecção morta de objectos de museu. Esta forma
de conhecimento não se baseia na filosofia cartesiana, antes assenta A «práxis» dos psiquiatras, o «código
no facto de nós sabermos efectivamcntc o que são os homens, o que
vem a ser a acção, o que é ter intenções e motivações — o que nos
da linguagem» psiquiátrica e o conceito
permite tentar compreender e interpretar (de forma a que cada qual de «causalidade»
se sinta cm sua casa no mundo humano) aquilo a que Hcgcl (Ma-
zlisch, 1966), chamou bey sich selbsl seyen.»
No entanto... não será surpreendente que os psiquiatras «tenham
investido todas as suas energias» na busca das «causas naturais» da
«esquizofrenia», pondo de lado, logo à partida, todas as tentativas de
«compreender» esta forma especial (« esquizofrénica») de «estar no
mundo» — esse tal «mundo civil que, se foi feito pelos homens, c
acessível ao conhecimento humano»? (Vico, 1970.)
P S IQ U E T IP IA (O U P S IC O T IP IA )
Então todo o mundo é símbolo e magia?
Se calhar é...
E por que não há-de ser?
1. A «práxis» dos psiquiatras
e as «linguagens» da psiquiatria
T E IX E IR A D E P A S C O A E S
6. Conclusão
O «comportamento esquizofrénico»
e a investigação da «psiquiatria social»
(') A expressão life evenís, que se pode traduzir adequadamente por «circunstân (') O termo follow-up está consagrado na gíria psiquiátrica comum, designando o
cias da vida», faz parte da gíria psiquiátrica comum (Ver Capítulo III), pelo que seria «seguimento» metódico da «evolução» do «quadro clínico» dos pacientes, cm progra
arriscado substituí-la aqui pela correspondente expressão em português... mas de investigação.
O Ao termo arousal, que se pode traduzir por «estado de alerta» ou simples Q) O termo coping designa, na gíria psiquiátrica, a maneira mais ou menos conse
mente «alerta» ou «activação», acontece o mesmo que à expressão life events. guida de «lidar com» ou superar as dificuldades da vida.
tem a fazer sobre a situação, o que nos permitiria efectuar uma análise jectividade» podem prejudicar o significado e a eficácia da relação
sumária das suas rcacções: os seus reparos dizem respeito às carac- médico-paciente.
terísticas estáveis da personalidade do paciente ou referem-se, antes, A necessidade de uma análise mais significativa e mais sensível
a comportamentos relacionados com a própria doença?». (ainda que eventualmcnte «menos objectiva») da «psico(pato)logia»
Embora não estejamos de acordo com a «terminologia» (e os da «esquizofrenia» está bem patente em Korcr (1980): «O método fe-
subjacentes «paradigmas») destes autores, é realmente encorajador nomcnológico, quando utilizado sem crítica, conduz-nos ao grau mais
encontrar «psiquiatras sociais» interessados em ouvir o que os pa elevado de generalização, na abordagem da esquizofrenia: são os
cientes e seus familiares efectivamente dizem, e em saber o que eles elementos comezinhos e formais da “mancha aparente de sintomas”
realmente fazem. O que sugere que pelo menos alguns dos investi que fazem a fé dos diagnósticos de rotina. Isto pode ser suficiente e
gadores, que trabalham neste domínio, não consideram assim tão até adequado em programas de investigação farmacológica com um
necessário seguir à risca os «princípios» da «observação distanciada» grande número de pacientes, devido à necessidade de dar consistên
preconizados por Hymowitz c Spohr (1980), no artigo The effects of cia c fidedignidade aos resultados obtidos. Mas, ainda aqui, um
antipsychotic medication on lhe linguistic ability o f schizophrenics. instrumento que se baseie apenas na nomeação de sintomas pode muito
Estes autores, ao descreverem a «metodologia» da sua investigação, bem não conseguir medir aquilo que tenha nomeado mal.»
escreveram: «para facilitar o desenvolvimento da relação com os su E demonstra, igualmcnte, que aquilo a que nós costumamos chamar
jeitos ('), partimos sempre de uma entrevista com quatro perguntas «padrões científicos correctos» nada mais é do que um sistema de
padronizadas: a) Como se tem sentido?', b) Como é que veio parar «defesas» contra o envolvimento com os nossos pacientes, espartilhando
ao hospital?; c) Gosta disto aqui no hospital?; d) Fale-me de um um diálogo que se deixaria colorir pelas nossas (mútuas) emoções e
problema qualquer que tenha ou de alguma coisa que o costume «visões do mundo».
aborrecer». No seguimento desta deliciosa «metodologia» e um pouco A este propósito, escreveu Rowc (1980): «Os psiquiatras têm tam
mais adiante, referindo-se àquilo que chamam «a análise do compor bém as suas próprias crenças, que influenciam, por sua vez, a forma
tamento verbal em mecanismos de defesa psicológica», Hymowitz e como eles estruturam a sua comunicação com o paciente [...] A Psi
Spohr apresentam os seguintes itens como processo de «medida da cologia e a Psiquiatria têm levado demasiado tempo a aprender aquilo
anormalidade esquizofrénica»: «8 — Alusões Direclas: são todas as que os Físicos sabem desde há muitos anos: que o observador é sempre
referências ao experimentador ou ao método experimental considera parte da experimentação. E ambas têm levado também demasiado
das indicativas de uma manobra mal-adaptativa de defesa e de perda tempo a compreender que, enquanto a partícula quântica pode não
da capacidade de centrar a atenção; 9 — Juízos', pontua-se o uso de se incomodar com os esforços do observador cm achar um sentido
quaisquer juízos de valor que se considerem relacionados com defe no mundo que o rodeia, o sujeito humano, o paciente, está sempre
sas extemalizadas e possivelmente projectivas.» Nem mais, nem empenhado cm tentar encontrar um sentido para o seu próprio mundo
menos... pessoal. Tudo o que acontece neste mundo implica sempre alguma
Aliás, esta última citação é verdadeiramente paradigmática daqui comunicação.»
lo que temos tentado dizer sobre as diversas metodologias que têm E certo que há artigos que discutem os «factores precipitantes»
sido utilizadas no estudo da «esquizofrenia». Ela mostra muito cla- do «comportamento esquizofrénico», intitulando-se, por exemplo,
ramente até que ponto as nossas infelizes tentativas de chegar à «ob- O Contexto Social da «Esquizofrenia» (Wing, 1978), O Meio Social
e as Recaídas na Esquizofrenia (Editorial B. M. J., 1980), Aí Crises
e as Alterações no Sistema de Vida que Precedem a Irrupção ou a
(‘) Na gíria de psiquiatras e psicólogos, o termo «sujeito» aplica-sc ao paciente Recaída dos Aspectos Clínicos da Esquizofrenia Aguda (Birlcy e Brown,
que ó submetido a um programa de investigação, durante o qual se «medem» as suas 1970), etc.; no entanto, embora reconheçam a influência dos «facto
«reacçõcs» a situações artificiais criadas pelo investigador. res ambientais» no comportamento dos pacientes e no «balanço em o
as variáveis «psicossociais» desempenham na «história natural» da
cional», estes trabalhos parece terem por adquirido que os referidos
«esquizofrenia», isto é, na «biografia» das pessoas infelizes c pertur
factores apenas desempenham um «papel acessório», no contexto geral
badas a que chamamos «esquizofrénicas» (W. H. O., 1973). De facto,
da «teoria ctiopatogénica da esquizofrenia» «oficialmcntc» aceite. De
aquele estudo, apesar de só ter sido possível depois de os investiga
facto, se considerarmos a forma escolhida pelos seus autores para apre
dores se lerem posto de acordo sobre os «requisitos básicos» para o
sentar aquilo a que chamam «factos» e conclusões, ficamos com a
diagnóstico «corrcclo» da «esquizofrenia», demonstrou ainda assim que
impressão nítida de que eles continuam a sustentar um «modelo» de
o «curso» e o «prognóstico» dos «casos clínicos» seleccionados varia
«esquizofrenia» assente no binómio «processo/docnça», na linha dos
vam amplamente de país para país, sendo habitualmente mais favoráveis
conceitos «tradicionais» de Jaspers. Neste «modelo», ó claro que existe
nos países «terceiro mundistas» do que nos Estados europeus, espe-
um lugar para a intervenção de «factores sociais c familiares», mas
cialmcnte os escandinavos...
quando toca às «verdadeiras causas da esquizofrenia» esses factores,
Aqui está um estudo que, cuidadosamente planeado com a ex
como dizem Birlcy e Brown (1970), reduzem-se à mera «precipita
pressa finalidade de demonstrar a existência de uma «entidade mórbida
ção» das «irrupções agudas, recaídas ou exacerbações dos estados
homogénea» (para a qual se admite uma provável «causa orgânica»),
esquizofrénicos».
acaba por realçar claramcnte o papel decisivo que têm os factores
Contudo, se estudarmos cuidadosamente a «biografia» desses pa
«socioculturais» na evolução da «história clínica» de cada paciente,
cientes (e, simultaneamente, as nossas próprias vidas c experiências
bem como a falta de homogeneidade do próprio objecto de estudo,
pessoais) com olhos de novelista ou de historiador, ficaremos nós tão
qual reductio ad absurdium...
à vontade para postular a existência desses hipotéticos «processos-
As conclusões do estudo (W. H. O., 1973) confirmam os acha
-doença»? Isto é: estaríamos nós tão prontos a responsabilizá-los pelo
dos anteriores de investigações que pretendiam comparar o prognóstico
«estado mental» c pelo comportamento das pessoas perturbadas a quem
de «casos» de «esquizofrenia», diagnosticados, respectivamente, em
chamamos «esquizofrénicos»? Será que a verdadeira situação dessas
países do «Mundo Ocidental» (Europa e América do Norte) e em
pessoas se encontra muito mais perto da «vida real» do que habitual
comunidades menos industrializadas e menos urbanizadas. Murphy e
mente se julga? Talvez o problema se possa explicar de um modo
Raman (1971), por exemplo, escreveram a este propósito: «aparente-
mais significativo se o encararmos como o resultado final da intcrac-
mente, podemos admitir que a perturbação (ou seja, a «esquizofre
ção entre a personalidade de cada paciente cm particular e o seu «meio
nia») tem um prognóstico muito melhor em certos povos indígenas
social» — interaeção que é mais fácil de compreender se estivermos
tropicais do que nos países europeus, apesar de nestes últimos se dispor
dispostos a servir-nos da nossa imaginação e da nossa preocupação
de mclhor(cs) tratamento(s), e que é bem possível que as nossas ideias
para com o ser humano. O modelo conceptual que a «Psiquiatria
acerca da cronicidadc estejam erradas. Merece ser reabilitada a velha
Social» tem da «esquizofrenia», aceitando implicitamente os «facto
ideia de que a esquizofrenia é uma “doença da Civilização”».
res sociais acessórios» (que agiriam mecanicamente, de modo idên
No fim do tempo de seguimento, a proporção de pacientes «esqui
tico ao das causas somáticas «realmcntc importantes»), conduziu tanto
zofrénicos» que se encontrava «livre de sintomas e a funcionar nor-
os investigadores como os clínicos a ignorarem ou a desvalorizarem
malmentc» era claramcnte mais elevada nas ilhas Maurícias do que
o papel dos «sistemas de causalidade reticular» ou «hierarquicamente
na Grã-Bretanha (e em relação a esta os pacientes mauricianos tinham
flutuante», para utilizarmos de novo a terminologia de Joscph Nce-
menos recaídas após a alta hospitalar), o que levou aqueles dois autores
dham. Uma descrição «paradigmática» daquilo que designamos abor
a explicar: «os nossos dados sugerem que a doença é relativamcnle
dagem «mccanicista» do papel dos factores «socioculturais» na
benigna. As condições que se encontram nas ilhas Maurícias favore
«esquizofrenia» encontra-se patente, por exemplo, no trabalho de Day
cem o desaparecimento dos sintomas, enquanto as condições europeias
(1981).
— ou pelo menos algumas delas — favorecem a sua persistência. Por
Os dados empíricos fornecidos pelo «Estudo Piloto Internacional
outro lado, onde a doença é grave nenhum agrupamento de situações
da Esquizofrenia» vieram chamar a nossa atenção para o papel que
Assim, somos levados a admitir a hipótese de que estes aspectos da
parece distinguir-se claramente de qualquer outro. Uma hipótese a
vida nas Tonga (que se encontram cm algumas, mas não em todas
explorar é que o paciente europeu menos afectado fique «aprisiona
as sociedades pré-industriais) protegem o indivíduo propenso à esqui
do» num determinado papel de doente criado pela racionalidade
zofrenia de quaisquer sobrecargas emocionais, enquanto num estilo
superficial da sua cultura (e pela ideia que essa mesma cultura vei
de vida mais individualista as mesmas sobrecargas se abatem sobre
cula em relação a essa doença), enquanto o paciente mauriciano,
ele impiedosamente».
defendido por um conjunto de explicações a que poderíamos chamar
É bom de ver que não estamos a pensar que estes artigos sejam
superstições, está apto a encontrar com mais facilidade uma via de
tudo o que é necessário para exemplificar todos os múltiplos aspec
escape para a sua perturbação inicial».
tos estudados pela «psiquiatria social» e «transcultural». Apesar dis
E certo que estamos longe de concordar com alguns dos concei
so, pensamos que eles nos proporcionam a oportunidade de rcflcctir
tos expressos neste artigo e com a linguagem utilizada pelos seus
sobre novas formas de conceptualização da «realidade» que consiste
autores para caracterizarem os «casos clínicos» que estudaram. No
em estar alguém «mentalmente doente». Além do mais, o que está
entanto, pensamos que os «factos fundamentais» por eles encontra
cm questão aqui não é saber como interpretar os achados proporcio
dos e referentes à «evolução», «prognóstico» e «taxa de recidiva» da
nados por elementos de investigação mais ou menos exóticos, mas
«esquizofrenia» diagnosticada, respectivamente, na Grã-Bretanha e nas
antes o problema, muito mais essencial, das relações entre a «psi
ilhas Maurícias, têm a sua importância e merecem a nossa melhor
quiatria» (definida como uma área de especialização profissional
atenção; estes «factos» demonstram, pelo menos, a complexidade das
específica) c as chamadas «ciências humanas» (Davis, 1981).
questões que se levantam em qualquer discussão sobre o comporta
Em resultado, talvez, da maneira como foram assentes os «fun
mento «esquizofrénico».
damentos» da «psiquiatria científica» na viragem do século (Scull,
Num artigo mais recente Murphy e Taumorpean (1980) chegam
1981), o intercâmbio de ideias e opiniões entre «psiquiatras» e
a conclusões muito semelhantes (cf. Dalc, 1981). Ao tentarem expli
«cientistas sociais» tem sido demasiado escasso para permitir uma
car o melhor «prognóstico» da «esquizofrenia» nas ilhas Tonga, cm
conccptualização mais imaginativa da «doença mental». Não deve
comparação com a Austrália, aqueles autores escrevem: «quanto à.s
mos, porém, esquecer que a práxis da psiquiatria «social», «transcul
diferenças fundamentais entre as ilhas Tonga (exemplo de uma «so
tural» ou «antropológica» se não confunde com o mero estudo dos
ciedade tradicional») e a Austrália (exemplo de uma «sociedade mo
«factorcs prccipitantcs» da «doença mental», nem com o viajar por
derna»), há duas que estão relacionadas com aquilo que acabamos de
sítios distantes e desconhecidos, antes consiste no desenvolvimento
dizer. Nas Tonga, o indivíduo médio dos anos 70 dispunha de modelos
das nossas dúvidas clínicas, tendo em conta a vasta gama de variáveis
de actuação bem definidos, esperava-se dele que fizesse o mesmo que
implícitas em qualquer tentativa de compreender (e, se possível,
até aí tinham feito os seus pais, e que a situação sociocconómica
modificar) o comportamento «indesejável» dos nossos pacientes.
vigente lhe proporcionasse a satisfação das necessidades próprias. Na
Austrália, o indivíduo médio tem de lidar com uma gama de proce
dimentos que os seus pais não conheceram, e as pressões sociais que
Sc encararmos a «esquizofrenia» como um tipo indesejável de
sobre ele se exercem vão mais no sentido de o fazer respeitar a tradição
«forma de vida», as variáveis sociais e culturais adquirirão, ccrtamcnle,
do que no sentido de criar coisas novas e originais; além disso, na
um mais importante papel no chamado «curso» e «evolução» da
Austrália, espera-se que cada indivíduo saiba competir com os ou
«doença» dos nossos pacientes (ou, dizendo de outra maneira, na sua
tros e tomar as suas próprias decisões; nas Tonga, embora se enco
«biografia» pessoal c única).
raje a competitividade no desporto e na navegação (seafaring), as
decisões principais são comunitárias (da família, da aldeia, da igre
ja, etc.), e todo aquele que sentir dificuldade em tomar iniciativas é
não só autorizado como é mesmo encorajado a deixá-las para os outros.
Capítulo VI
A investigação neurobiológica
e o problema da causalidade
na «esquizofrenia»
(') Cf., por exemplo, Report o f íhe International Pilot study of «Schizophrenia».
(Estudo-Piloto Internacional da Esquizofrenia), vol. l, «Results o f the Initial Evaluation
Phase», p. 10, World Health Organizalion (Genebra: Organização Mundial de Saúde,
objectivas», um modo enganador de pensar que leva frequentemente genético quer uma transmissão de tipo cultural (não genética), os
à distorção da análise e da interpretação do significado dos achados resultados dos estudos cm consanguíneos não constituem prova con
fornecidos pela investigação. clusiva da transmissão genética da «esquizofrenia» (Kinney, 1983).
E evidente que os resultados notáveis (?!) obtidos por investiga
dores «pioneiros», no campo da genética psiquiátrica (v. g. os estudos
2. Revisão crítica das investigações de famílias e gémeos realizados por Kallmann, 1938) foram altamente
sobre a «genética» da «esquizofrenia» «contaminados» por erros metodológicos; tais resultados têm sido
repetidamente infirmados por programas de investigação mais recen
Com o correr dos anos foram utilizadas várias estratégias de inves tes e sofisticados e as nossas concepções actuais sobre a «transmis
tigação para identificar o papel da transmissão de «factores genéticos» são genética» da «esquizofrenia» são muio menos simplistas e ingé
na etiologia da «esquizofrenia», a saber: o método do estudo de famílias nuas do que as teorias vigentes há quarenta ou cinquenta anos atrás.
ou consanguíneos, o método da gcmeologia, o método dos estudos Ao escrever sobre a história da genética psiquiátrica, Gershon diz
de adopção, linkage e marcadores genéticos, bem como o estudo de (1981): «O primeiro trabalho importante de F. Kallmann, publicado
indicadores biológicos da «esquizofrenia». após a sua chegada aos Estados Unidos, foi um estudo de famílias
Ao falarmos deste assunto, não podemos deixar de reconhecer que de esquizofrénicos que englobou 13 851 familiares de 1087 doentes
muito mudou desde os tempos «heróicos» de Riidin, Kallmann e internados num hospital de Berlim durante um período de dez anos,
Luxemburger, relativamcnte às metodologias de investigação e às teorias no qual ele calculou as prevalências das diferentes formas de esqui
que procuram conceptualizar o papel dos «factores genéticos» na zofrenia nos familiares dos doentes, em comparação com a popula
«esquizofrenia». Como dizem Reveley e Murray (1980): «Muitas das ção geral. O valor calculado na população geral (0,85%) foi muito
críticas metodológicas e ambientalistas foram assimiladas pelos ge- inferior ao valor obtido nos familiares dos doentes (16,4% para os
neticistas e levaram a um aperfeiçoamento considerável dos estudos filhos c 11,5% para os irmãos). Isto implicava a natureza hereditária
de famílias e gémeos, incluindo a observação de gémeos educados da esquizofrenia, embora a transmissão cultural desta doença não fosse
scparadamcnle. Para além disto, foi introduzida a estratégia dos es rejeitada até aos estudos de adopção realizados uma geração depois
tudos de adopção de modo a separar-se o papel dos genes e do por autores dinamarqueses e norte-americanos.»
ambiente através do estudo de indivíduos que receberam os seus genes Sem querermos negar a evidente superioridade metodológica destes
de determinados progenitores, mas foram educados por pais adopli- últimos estudos (Kcty et al., 1971; Roscnthal et al., 1971), relativa-
vos.» mente à investigação pioneira de F. Kallmann, gostaríamos também
Os estudos de famílias apenas revelaram que a «esquizofrenia» de dizer aqui que tais estudos não podem ser aceites, em nossa opinião,
pode ocorrer de forma familial. Muitos factos, da saúde aos hábitos como prova definitiva a favor do papel de «factores genéticos»
alimentares, ocorrem nas famílias sem que nisso haja qualquer de específicos na etiologia da «esquizofrenia».
terminismo genético, pois as famílias partilham genes e cultura Na verdade, se considerarmos, para começar, o estudo que inclui
(ambiente psicológico). Uma vez que os diferentes aspectos da aqui os filhos de doentes esquizofrénicos que foram separados de seus pais
sição do comportamento implicam quer uma transmissão de tipo e adoptados por outras famílias, lorna-se claro que a diferença entre
as crianças adopladas do grupo experimental (filhos de «esquizofré
nicos») c as crianças adoptadas do grupo de controlo (filhos de pais
1973). Os autores deste estudo enunciam quatro características, a que chamam «crité biológicos «normais»), no que respeita à incidência de «esquizofre
rios de inclusão», e que, quando observadas ou atribuídas a uma pessoa por um psi
nia», só é estatisticamente significativa, se incluirmos, no grupo de
quiatra, permitem o «diagnóstico» de «esquizofrenia», a saber: (1) Delírio. (2) Com
portamento impróprio ou anormal. (3) Alucinações. (4) Perturbação psicomotora 76 crianças adoptadas do grupo experimental, 24 crianças cujos pais
grave. biológicos foram diagnosticados como doentes «maníaco-depressivos»
ou como doentes psiquiátricos com uma variedade de perturbações les indivíduos tinham sido mesmo educados em instituições. O facto
que não pertenciam ao «espectro da esquizofrenia». de se nascer de uma mãe «esquizofrénica» internada num hospital psi
Lidz et al. (1981) chamam a nossa atenção para este ponto quan quiátrico é, muito provavelmente, prejudicial à futura adaptação da
do escrevem: «Se excluirmos dos resultados da investigação estes 13 criança ao «mundo social», isto por uma variedade de razões (físicas
progenitores não esquizofrénicos (os progenitores que foram previa- c psicosociológicas) que têm muito pouco a ver com os hipotéticos
mente diagnosticados como doentes maníaco-depressivos) e os seus genes da «esquizofrenia».
6 filhos do grupo experimental (que receberam o diagnóstico de “per É interessante notar que o grupo experimental de Heston conti
turbações do espectro da esquizofrenia”), a diferença entre o grupo nha também um número significativamente mais elevado de «socio
experimental e o grupo de controlo deixa de ser estatisticamente sig patas» e «atrasados mentais» em comparação com o grupo de con
nificativa 2,079, d f= l, teste unilateral p=0,075, n. s.). A inclu trolo (9/2 e 4/0, respcctivamente) — na nossa opinião, em vez de
são dos 11 progenitores do grupo experimental com diagnósticos muito termos de postular uma hipotética «diátese comum» para a «esqui
pouco definidos (os investigadores não conseguiram chegar a um acordo zofrenia» e «sociopatia» (isto sem dizer nada acerca da «deficiência
quanto ao diagnóstico a atribuir) torna ainda mais obscuros os resul mental»), teria sido mais razoável atribuir estas interessantes diferen
tados da investigação. Com a exclusão do grupo experimental dos 13 ças ao facto de as crianças adoptadas do grupo experimental se te
progenitores com psicoses maníaco-depressivas e dos 11 progenito rem desenvolvido em condições menos favoráveis (incluindo o período
res com diagnósticos indefinidos, nenhum dos quais deveria ser in de vida inlra-utcrina), o que pode ter contribuído para a sua maior
cluído num estudo de crianças adopladas filhas de progenitores es susceptibilidade a adoecer com uma variedade de «perturbações psi
quizofrénicos, a diferença entre os grupos experimental e de contro quiátricas» (Wolkind, 1979).
lo não chega mesmo a aproximar-se da significância estatística Não podemos esquecer que o filho de uma mãe «esquizofréni
(Xz = 0>92, d f= 1, teste unilateral p > 0,5, n. s).» ca» pode muito bem ter de enfrentar os seus pais adoptivos (e o mundo
Este estudo não consegue, portanto, replicar os achados de Heston cm geral) «com um corpo franzino» (Humphrcy, 1980) para além do
(1966, 1970), que foram amplamcntc aceites como prova substancial seu «pouco invejável» pedigree.
a favor das hipóteses deste autor, que considerou a «esquizofrenia» É interessante notar, a este respeito, que um dos 5 «esquizofré
como uma «perturbação csscncialmcntc genética» e sugeriu a exis nicos» adoptados do grupo experimental do estudo de Heston tam
tência de uma chamada «diátese comum» para a «esquizofrenia» e bém tinha sido diagnosticado como «deficiente mental», muito tem
«sociopatia». po antes do início da sua «doença esquizofrénica», tendo-lhe sido
Heston estudou 47 crianças que, no decurso dos primeiros meses atribuído um Q.I. de 62.
de vida, tinham sido permanentemente separadas das suas mães Smith (1980) chama a nossa atenção para este tipo de problema
«esquizofrénicas» hospitalizadas c comparou-as com 50 crianças filhas quando diz: «Tratei recentcmcnte da adopçâo do filho de uma esqui
de mães não «esquizofrénicas» das quais tinham também sido sepa zofrénica de dezasseis anos de idade, cuja avó tinha também sofrido
radas numa idade muito precoce. Verificou que 5 crianças filhas de de esquizofrenia. As assistentes sociais explicaram-me que os pais
mães «esquizofrénicas» se tinham tornado também «esquizofrénicas» adoptivos tinham direito a serem informados sobre as origens da
cm contraste com nenhuma do grupo de controlo, e o seu grupo criança, e eu concordei em encontrar-me com eles. Foram feitas
experimental incluía também 9 «sociopatas» (grupo de controlo-2), perguntas acerca de hereditariedade da esquizofrenia e mesmo sobre
13 «neuróticas» (grupo de controlo-7) c 4 indivíduos «atrasados men os sinais que deveriam ser procurados durante a adolescência no caso
tais» (grupo de controlo-0). infeliz de a criança vir a apresentar a mesma doença. Compreendi
No entanto, os indivíduos do grupo experimental que Heston es que a criança entrava nesta família transportando já consigo um passado
tudou eram filhos de mães «esquizofrénicas» hospitalizadas, facto que de esquizofrenia, e que seria observada atentamente, toda a sua vida,
pode ter inviabilizado condições de adopçâo favoráveis, e alguns des- tendo cm vista saber se a sua tara hereditária se traduziria cm anor-
malidadc. Qual é a influência destes factos nos estudos de adopção qualquer história psiquiátrica tinham melhores aptidões sociais gene
feitos no Orcgon e na Dinamarca (Gottesman, 1978), que eu julgava ticamente determinadas, tais como melhor aparência física, maior
constituírem prova irrefutável da esquizofrenia ser herdada por inteligência, maior capacidade atlética e/ou outros talentos susceptíveis
mecanismos genéticos? Se houve, nestes estudos, transmissão de de facilitar uma adaptação social óptima no contexto da cultura oci
informações aos pais adoptivos sobre a história familiar das crian dental [...]. Uma vez que o estudo não conseguiu uniformizar as famí
ças adoptadas, como pode ocorrer neste país, terá isso invalidado o lias biológicas dos grupos experimental e de controlo quanto às aptidões
objcctivo da investigação, que era separar as influências genéticas das sociais de base genética, poderia muito bem suceder que as crianças
influências ambientais rclativamcnle às crianças estudadas?». adoptadas do grupo de controlo sem história psiquiátrica proviessem
O estudo escandinavo de Fischcr (1973), ao revelar que a taxa prcfcrencialmente de famílias das classes média e superior, com heran
de incidência da «esquizofrenia», corrigida para a idade, na descen ça genética favorável, que concordassem com a adopção dos seus filhos,
dência de qualquer um dos gémeos monozigólicos (MZ), de um par após gravidezes precoces e ilegítimas, enquanto as crianças do grupo
discordante para a «doença», era idêntica (10%), permite concluir que experimental teriam tendência a ser adoptadas por motivo de situações
a transmissão de tipo genético não é suficiente para explicar os casos sociais mal estruturadas caractcrísticas de famílias com menos apti
de «esquizofrenia» verificados cm tais descendências. dões genéticas (c ambientais) no que respeita à adaptação social. No
As pretensões dos autores do segundo estudo americano-dinamar entanto, esta formulação, tal com o a interpretação genética, falha cm
quês (Kcty et al., 1971) a lerem provado, para além de qualquer dúvida virtude de não se encontrarem diferenças entre os grupos experimen
razoável, «a base genética da esquizofrenia» foram também adequa- tal c de controlo. Assim, a controvérsia permanece num impasse.»
damente questionadas por alguns investigadores. Bcnjamín (1976), por Pode dizcr-sc que a mesma situação de impasse existe no que
exemplo, escreve a este respeito: «neste estudo verificou-se uma se refere aos achados até agora obtidos através dos estudos de gé
diferença altamente significativa entre os grupos experimental c de meos. Quer as críticas teóricas quer a investigação empírica demons
controlo na categoria dos irmãos consanguíneos, c não se verifica tram claramcnte que os estudos de gémeos inicialmcntc realizados
ram diferenças claras nas categorias dos irmãos germanos c dos pro produziram resultados que sobrestimavam, cm larga medida, o papel
genitores. Este achado é peculiar e contraditório. Mostra, de facto, dos «factorcs genéticos» na «esquizofrenia». Investigações mais re
que quanto menor é a consanguinidade maior é o efeito genético. As centes, que procuraram evitar os erros da amostragem não represen
diferenças deveriam ser mais ténues, e não mais marcadas, na cate tativa c do diagnóstico incerto da zigosidade, chegaram a índices de
goria dos irmãos consanguíneos». concordância nos gémeos MZ consideravelmente mais baixos no que
No mesmo artigo, Bcnjamín salienta outra questão muito inte respeita à «esquizofrenia».
ressante que, na nossa opinião, tem muito a ver com os problemas Em síntese, ainda que a maior concordância para a «esquizofre
metodológicos levantados pelos estudos comparativos dos grupos nia» nos gémeos MZ não seja um artefacto, o seu significado é
experimental c de controlo no campo da «genética psiquiátrica». complexo e discutível. A única conclusão definitiva, dada a laxa de
A este respeito, ela escreve: «Embora os pressupostos da interpreta concordância para os gémeos MZ de cerca de 50%, é que os facto
ção dos autores implicassem que as diferenças estavam associadas à rcs ambientais devem desempenhar um importante papel (Kinncy,
existência de genes deletérios (isto é, destrutivos, dcfcctivos, induto 1983). A este respeito, Jackson (1960) salientou o ambiente singular
res de doença) no grupo experimental, é igualmente possível que as e a psicologia específica dos gémeos MZ, que são frcqucntcmcntc
diferenças observadas pudessem estar associadas à existência de genes vestidos de igual modo, confundidos na sua identidade, tratados como
benéficos (isto é, construtivos, superiores) no grupo de controlo. Por «os gémeos» c não individualmcntc, e partilham experiências comuns
exemplo, aqueles que pensam que a esquizofrenia é uma solução social (Koch, 1966). Também um ambiente pré ou pcrinatal semelhante pode
desadaptativa para os problemas postos pela existência poderiam conLribuir para explicar a mais elevada taxa de concordância dos
argumentar que as crianças adoptadas do grupo de controlo sem gémeos MZ. Nos pares de gémeos MZ discordantes para a «esqui
zofrenia», as complicações obstétricas são significativamente mais fre «Low platclct monoaminc oxidase and vulnerability to schizophrcnia»
quentes no gémeo «esquizofrénico» (Mc Ncil e Kaij, 1978; Pollin e (Wyatt et al., 1975); «Substrate-typic changes o f platclct monoaminc
Stabcnau, 1968). Estudos que não envolveram gémeos também assi oxidase aclivity in subtypcs of schizophrcnia» (Dcmish et al., 1977);
nalaram um índice de complicações obstétricas mais elevado nos «Residual performance déficit in clinically remitted schizophrenics:
doentes «esquizofrénicos» que nos controlos que incluíram irmãos «nor a marlcer for schizophrenial» (Asamow, 1978).
mais» (Mc Ncil c Kaij, 1978) e crianças adoptadas (Jacobsen e Kinncy, Em nossa opinião, as investigações sobre linkage e indicadores
1980). Os gémeos MZ, quando comparados com os DZ, apresentam biológicos (genéticos) da «esquizofrenia» dão azo a especulações sobre
um certo número de problemas de desenvolvimento, incluindo baixos o papel «predisponente» ou «precipitantc» dos níveis enzimáticos
pesos ao nascerem (Atraso de Crescimento Inlra-Utcrino), elevadas alterados, viciados pelo princípio de que tal alteração depende cxclu-
taxas de mortalidade infantil, c morbilidade pcrinatal aumentada sivamente do controlo genético. Ora, há indicações que sugerem que
(Campion e Tucker, 1973). Uma vez que, no estudo dos gémeos, há os níveis enzimáticos no cérebro e no organismo podem ser altera
fontes de erro que tornam problemáticas as comparações entre os dos pela experiência social precoce (Hcnry et al., 1971; Stone et al.,
gémeos MZ e os DZ c que não podem ser resolvidas (v. g. o reportório 1976). Mesmo um erro metabólico como o que ocorre na fenilcclonúria,
genético de cada um dos gémeos MZ de um par difere cm função para se manifestar fenotipicamcnte (clinicamcntc) necessita que a
da extensão das diferenças em induções ambientais e no tirning das fcnilalanina esteja presente na dieta. Por outras palavras, o defeito
activações de tais induções durante os períodos críticos do desenvol cnzimático na fenileetonúria «predispõe» à doença, mas não é sufi
vimento — pré c pcrinalais), fica claro que os gém eos MZ c DZ não ciente para a sua ocorrência. Assim, uma eventual descoberta de um
representam uma «experiência natural» perfeita. possível defeito cnzimático na «esquizofrenia» não significará neces
Sc é verdade que o segundo estudo americano-dinamarquês (Kety sariamente que tal defeito ou variação seja determinada geneticamente
et al., 1971) soube obviar muitas das limitações ora citadas — nesse ou guarde uma relação causal com a «esquizofrenia». Aliás, nesta
estudo, a maioria dos filhos de pais «esquizofrénicos» foi adoptada perspectiva, não se transmitem «doenças» enquanto tais, mas sim e
antes do «surto psicótico» dos progenitores, o que eliminou não só o só «predisposições», cuja manifestação fcnotípica depende do concur
factor ambiental (pré e pcrinatal) consequente à doença do progeni so de factorcs ambientais.
tor como também a crítica ao estudo de Hcston sobre a influência A despeito de a maioria dos autores concordar que não há uma
que o conhecimento da «doença mental» da mãe biológica teria na transmissão genética de tipo modeliano simples para a «esquizofre
«doença» da criança adoptada —■, não é menos verdade que esse estudo nia» (Stone et al., 1976; Kidd c Cavalli-Sforza, 1973; Matthyssc c
levou aos resultados contraditórios que assinalámos e é limitado pelas Kidd, 1976; Shiclds et al., 1975; Slatcr e Cowic, 1971), não há qualquer
críticas que faremos na «conclusão». acordo quanto ao hipotético modo de transmissão genética desta
Quanto aos indicadores biológicos para a «esquizofrenia» e à «doença», sendo admitidos os modelos mais díspares:
ligação entre a «esquizofrenia» c um hipotético «marcador genético», a) Teoria monogénica ou monofactorial, nas versões que admitem,
o que seria um dado favorável ao papel de um «factor genético» na respcctivamcnte, (i) um gene recessivo, modificado ou não por poli-
etiologia da «esquizofrenia», os estudos até agora empreendidos neste genes, sendo os heterozigotos «esquizóides» (Heston, 1970; Kallmann,
domínio, por vários autores, não permitem elucidar se são marcado 1953): (ii) um gene dominante, segundo Porter e Landis; ou ainda
res de alclos discretos susceplíveis de predispor à «esquizofrenia» ou (iii) um gene de hereditariedade intermédia (Kidd c Cavalli-Sforza,
efeitos pleiotrópicos (Kety c Kinncy, 1981; Kinncy, 1983). 1973);
Destacamos, entre outros, os seguintes estudos: linkage entre as b) Teoria bifaclorial (Karlsson, 1966; Matthyssc e Kidd, 1976);
perturbações do «espectro esquizofrénico» e os genes responsáveis pelos c) Teoria poligénica ou multifactorial (Kidd e Cavalli-Sforza, 1973),
antigenes HLA de histocompatibilidadc (Turncr, 1979); «Dcviant eyc com duas grandes correntes: (i) a que não aceita os indivíduos
tracking in twins discordant for psychosis» (Holzman et al., 1980); «esquizofrénicos» como doentes, mas sim como pessoas que por razões
várias, ainda que de ordem biológica, são incapazes de se adaptar ou Paralelamente a toda esta história, fez-se correr uma outra sobre
são extremamente sensíveis a determinados stresses; e (ii) a que en investigações na chamada «Psicose Maníaco-Depressiva», levadas a
cara a «esquizofrenia» como uma «doença» do tipo «psicossomático» cabo na população Amish (seita religiosa endogâmica dos EUA) c que
(Wcincr, 1983) — qualquer delas afirmando que a «esquizofrenia» procuravam responsabilizar um locus do Cromosoma 11 (Egland et
não se adapta ao padrão mendeliano de transmissão, no qual os gémeos al., 1987). Ora, sucede que os estudos de replicação, mais uma vez,
MZ são 100% concordantes para os caracteres em causa; não confirmaram a tese primitiva (Kelsoe et al., 1989).
d) Teoria da heterogeneidade genética de Erlenmeyer-Kimling, Poder-se-á, contudo, perguntar cautclarmcnte: e se for mesmo al
de 1968, que encara a «esquizofrenia» como uma colecção heterogénea gum dia descoberta «a» causa genética da «esquizofrenia»? Bom, quan
de entidades derivadas de «erros genéticos» diferentes e independentes to a nós, seria uma «grande» descoberta, caso se demonstrasse tra
(cf. Wcincr, 1983). tar-se da causa suficiente. Ainda assim, paralclamentc à transmissão
Vivem os numa sociedade dominada pelo que poderíamos chamar da cor dos olhos e da cor e textura do cabelo, etc., que são indubi
Projcclo Utópico de Normalização (cf. Cunha-Oliveira, 1989), cm que tavelmente «genéticas», o que haveria a concluir daí? Poderá algum
toma um peculiar relevo nas explicações científicas c cm que toma dia suceder que se tenha de falar da Doença dos Olhos Castanhos?
particular importância aquilo que se vem entendendo por Genética Nestas condições, c como diria o biólogo c gcncticista francês
(Rose et al., 1984). Há cerca de quatro anos, uma campanha mais François Jacob (1970), Prémio Nobcl da Medicina e Fisiologia,
ou menos sensacionalista de âmbito mundial anunciou, triunfante, a poderíamos dizer: «atribuir uma fraeção da organização final à here
«descoberta» do «gene» da «esquizofrenia», a publicar proximamente ditariedade e o resto ao meio não faz sentido: é como perguntar se
na revista Nature — campanha que, pelo seu aspecto «libertador» das o amor de Romeu e Julicta é de origem genética ou cultural». Pen
consciências, rapidamente contaminou jornais regionais c de paróquia. samos que a muito improvável demonstração de uma causa genética
O caso é que, como na ocasião apurámos, não havia ainda qualquer suficiente da «esquizofrenia» estaria, ainda assim, à mercê de pres
aval da referida revista para publicar o famoso artigo. Mais tarde, c supostos políticos e projcctivos (de tipo racista) que encarassem essas
finalmcnte, o artigo surgiu, subscrito por Hug Gurling c sua equipa, características genéticas como indesejáveis. Em certo sentido, quase
sob o título Localization o f a Susceptibility Locus for Schizophrenia tudo cm Biologia depende da Lei das Probabilidades, tautologicamcnte,
on Chromosome 5 (Shcrrington et al., 1988). Curiosamente, esse artigo pelo que, em tudo o que biologicamente sucede, surge sempre alguém
termina numa página da Nature onde começa um outro, agora cha a decidir do que é «bom» (bonito) ou «mau» (feio).
mado Evidence Against Linkage of Schizophrenia to Markers on Sob uma onda fatalista e deseperada, que propaga a mística do
Chromosome 5 in a Northern Swedish Pedigree (Kcnncdy et al., 1988), Uomo Morbidus, sucumbem os pacientes, as suas famílias e a própria
da equipa de Kidd. Ainda mais estranho, a Nature fez publicar, cm sociedade, submersos todos numa nova espécie de Pecado Original
Maio de 1989, um novo artigo sobre o assunto, intitulado No Lin (o «defeito genético») e numa nova espécie de Pecados Veniais e
kage o f Chromosome 5 q / / -q 13 Markers to Schizophrenia in Scot- Mortais (os «erros alimentares», o hábito de fumar e de beber, c todas
tish Families (Clair et al., 1989), corroborando a opinião de Kidd. aquelas pequenas coisas que dão conteúdo e quiçá justificação à
Já quanto a estes dois últimos artigos o comportamento dos mass existência humana — o sal da vida).
media foi totalmentc diferente: silencio absoluto! Pcrdcu-se, assim, a
oportunidade de desagravar, quer a ideia que os psiquiatras c outros
profissionais de saúde mental são treinados a fazer sobre a «esqui
3. Da «vulnerabilidade» e do «prognóstico»
zofrenia» quer a situação c o estatuto social dos «esquizofrénicos» —
tão maltratados pela ideia, generalizada, de que são «portadores», não na «esquizofrenia»
de uma Psicologia Alternativa (Cunha-Oliveira, 1989), mas de uma
Tara Genética: uma Maldição. Sendo discutível a transmissão genética da «esquizofrenia», uma
falaciosa interpretação da noção de hereditariedade, entendida sob o
signo de uma mística fatalista e desesperada, e uma visão pouco A noção de capacidade, virtualmente liberta de conotações pe
sofisticada sobre a influência dos «mecanismos» e dos «factorcs jorativas, não implica um maior risco ou «vulnerabilidade» para a
genéticos» no aparecimento das «perturbações psiquiátricas» podem «esquizofrenia», mas tão-só uma maior probabilidade (isto é, uma
levar a ideias simplistas e pouco desejáveis em relação àquilo que capacidade ou predisposição específica) para apresentar determinados
venha a ser um «diagnóstico», uma «acçâo terapêutica» e um «sintomas» que são utilizados para o «diagnóstico» de «esquizofre
«prognóstico», muitas vezes com nefastas consequências para o nia», pelo que o traço geneticamente transmitido não necessita de ser
«doente», sua família c, até, para a sociedade cm geral. Tais precon anormal ou directamcnle patogénico, podendo representar apenas uma
ceitos constituem um handicap que imporia não ignorar, sendo ne variante normal (Gaussiana). Segundo este modelo, os traços multi-
cessário desmontar alguns dos erros a que pode conduzir uma sim potenciais podem levar quer a uma desadaptação quer a uma exce
plificação tão abusiva como a oposição entre um comportamento lente adaptação, dependendo das influências ambientais.
«inato», devido à acçâo dos genes, c um comportamento «adquiri Em conformidade com a multipotcncialidadc dos traços transmi
do», devido à acçâo do meio. Esta dissociação, que é frequente mente tidos geneticamente, Karlsson (1970), ao estudar a relação entre a
levada ao extremo de uma dicotomia simplista, vigora há já bastante «criatividade» e a «esquizofrenia», verificou que não só as pessoas
tempo, mas continua a ter larga aceitação na actualidadc. definidas como «criativas» tinham significalivamcntc mais consan
Uma vez que, para a «esquizofrenia», não era óbvia uma trans guíneos do l.° grau diagnosticados com «esquizofrenia» como também
missão genética directa, aceitou-se que fosse transmitida uma «pre os doentes «esquizofrénicos» tinham significativamente mais consan
disposição» ou «tendência» para a sua manifestação fenotípica. Esta guíneos do l.° grau definidos como «criativos», isto cm comparação
«diátese» tem sido referida de forma distorcida na literatura psiquiátrica com a população geral cm ambos os casos.
como uma «vulnerabilidade» (isto é, fraqueza ou deficiência). De entre as interpretações equívocas sobre a hereditariedade (v. g.
Entre as várias teorias acerca da «vulnerabilidade», podemos a confusa distinção entre hereditário e congénito, a aceitação de bases
destacar o conceito de «fragilidade esquizotrópica», apresentado por genéticas simplistas para as semelhanças com os progenitores e a
Zubin c Spring (1977), ao qual, obviamente, se aplicam todas as con aceitação pouco crítica da hereditariedade do adquirido), destaca-se
siderações por nós tecidas até aqui. a crença cm que nada ou muito pouco pode modificar uma condi
O conceito de «vulnerabilidade», ao referir-se explicilamcnte a ção para a qual se descubra uma predisposição hereditária. Ora, as
uma «predisposição» (genética, ambiental, ou resultante da inte- afccçõcs hereditárias não são forçosamente inevitáveis nem lâo-pou-
racção de ambas) para o desenvolvimento de um processo anormal, co incuráveis; podem prevenir-se e podem responder ao tratamento,
tem implícitas as conotações pejorativas de traço indesejável e de sendo modificáveis por factores ambientais (v. g. dieta, exercício, edu
estigma moral. Ora, o significado da palavra «diátese», ao contrário cação). É um erro profundo pensar que a noção de hereditariedade
do de «vulnerabilidade», não é unívoco, pois pode muito bem refe- implica ipso facto a de cronicidadc c/ou incurabilidade. Foi este
rir-se a uma «predisposição» hereditária favorável, nos termos das perigoso e paralisante sofisma que serviu de base às noções pré-men-
«possibilidades» globais de um indivíduo. Termo genérico este, no dclianas de «degenerescência» (B. A. Morei, V. Magnan) c de «es
qual H. Piéron (1968) considera implícitas as noções de capacidade tigma» (B. A. Morei) e à separação dos «doentes mentais» em
(possibilidade de apresentar comportamentos específicos cm determi «curáveis» c «incuráveis», desenvolvida na Alemanha no século x ix,
nadas circunstâncias, elaborada ao longo da história pessoal) e de repercutida nos conceitos de «Dementia Praecox» (Kraepclin) e de
aptidão que «designa o substracto constitucional de uma capacida «Esquizofrenia» (na «fase tardia» de E. Bleuler) e no modo abusivo
de [...] que ela revela, indircctamcntc, mas depende de condições pré de fazer o seu diagnóstico e prognóstico. O prognóstico de cronici-
vias entre as quais jogam o grau de maturação — ou, em sentido dade, assim fundamentado, vigora cm obras clássicas c de larga
inverso, de involução — a formação educativa ou a aprendizagem e aceitação, como, por exemplo, o tratado de psiquiatria de Maycr-Gross,
o exercício». Slatcr e Roth. De facto, nas psiquiatrias Kracpcliniana-blculcriana-
-freudiana não havia lugar para a recuperação da «esquizofrenia» par, o probando e o seu irmão gémeo desenvolveram os seus sinto
(E. Blculcr começou optimista e tomou-se pessimista, mas o seu filho, mas de forma independente e sem prévio conhecimento da «doença»
Manfred, seguiu a dirccçâo oposta). do outro irmão — apesar deste facto, verificou-se uma marcada
Tal prognóstico, negado pela observação suficicntementc prolon semelhança de sintomas dentro de cada par.
gada dos «doentes», pelas estatísticas, pelas «curas tardias», etc., foi Estes achados lembram-nos a estratégia de investigação que tem
criticado desde os primórdios da psiquiatria, sendo mais recenlcmente utilizado gémeos MZ educados separadamente, com o objectivo de
contestado como um «prognóstico destruidor» (Baruk), ao qual não separar de modo mais claro o papel dos factores genéticos e ambien
é indiferente um «diagnóstico» de igual modo «destruidor» (Mennin- tais na «esquizofrenia». De facto, se encontrarmos um índice de
ger e Ellcnbcrgcr), pela estigmatização antiterapêutica do «doente», concordância notável num dado grupo de gémeos MZ com respeito
«condenado» a cumprir tal profecia ou vaticínio. ao diagnóstico clínico de «esquizofrenia», temos primeiro que ultra
Tal como afirma Szasz (1977), a respeito deste problema: «seria passar a objecção de as semelhanças poderem resultar de um meio
mais corrccto atribuir a cronicidade a determinadas expcctalivas sociais ambiente muito parecido antes de podermos estar certos de que elas
(c também familiares, medicas e psiquiátricas) e a determinados arranjos se devem a factores hereditários. Esta foi também uma das falhas mais
institucionais do que aos males que eles originam». Expcctalivas essas óbvias nos estudos «pioneiros» de famílias levados a cabo por auto
decorrentes, cm larga medida, de tais «diagnósticos» e «prognósticos». res como Riidin c Kallmann.
Em nosso entender, qualquer pcrspcctiva do ser humano que o O estudo dos pares de gémeos MZ separados numa idade muito
considere objccto de um determinismo genético corre o risco de ser precoce c educados longe um do outro pode ajudar a resolver este
unilateral e não levar cm linha de conta que ele é também portador problema, conjuntamcnlc com os estudos de crianças filhas de pais
de uma enorme plasticidade geneticamente conferida, que resulta na «esquizofrénicos» e educadas por pais adoplivos.
grande riqueza da diversidade que lhe é tão sui generis. O número conhecido de gémeos MZ educados separadamente e
concordantes para o diagnóstico de «esquizofrenia» é, no seu con
junto, maior que o número conhecido de gémeos MZ que vivem
4. Conclusão separadamente c não são concordantes para esta mesma «perturba
ção mental» (Kringlcn, 1967); de momento, no entanto, apenas se
Os índices de concordância actualmentc aceites (Kinncy, 1983) conhecem alguns casos que preenchem todos estes requisitos, pelo que
para a «esquizofrenia» nos gémeos MZ não são muito diferentes dos não podemos tirar quaisquer conclusões definitivas a respeito deste
obtidos no caso dos pacientes «neuróticos». Em relação à «neurose assunto. Por outro lado, não podemos esquecer que os pares de gémeos
ansiosa», por exemplo, Slater e Shiclds (1969) encontraram um índice são muitas vezes referidos (ou escolhidos para trabalhos de investi
de concordância de 65% para os gémeos MZ c de 13% para os DZ. gação e posterior publicação) precisamente porque são concordantes
No caso da «neurose obsessiva», Carcy (1978) publicou um estudo para a «esquizofrenia»; em séries constituídas de modo sistemático
de uma série consecutiva de 12 probandos com «neurose obsessiva» os pares discordantes parecem ser muito frequentes.
que recorreram ao Hospital Maudslcy c que tinham irmãos gémeos Um exame detalhado das biografias destes «doentes» (pares de
MZ. Seis destes 12 irmãos gémeos MZ tinham também sido tratados gémeos MZ educados separadamente e concordantes para a «esqui
de «queixas nervosas» — destes seis, três tinham traços obsessivos zofrenia») mostra, no entanto, que a maioria dos pares de gémeos,
bem definidos e dois apresentavam possíveis traços obsessivos. Pelo embora educados separadamente cm diferentes «ambientes físicos»,
contrário, apenas um dos irmãos gémeos DZ de uma outra série de foram de facto sujeitos a condições sociocullurais e emocionais muito
12 probandos com «neurose obsessiva» era também obsessivo. Mc semelhantes — muitos deles cresceram cm orfanatos ou foram edu
Guffin e Mawson (1980) descreveram também dois pares de gémeos cados por parentes dos seus progenitores cm situações sociocconómicas
MZ concordantes para o diagnóstico de «neurose obsessiva»: cm cada igualmente insatisfatórias.
Parece, portanto, que os investigadores que primeiramente estu quando escreve: «Não há, no entanto, genes esquizofrénicos ou, de
daram os gémeos MZ educados separadamente aceitaram, de modo igual modo, genes neuróticos [...] não penso que os factores ambien
bastante pouco crítico, os seus achados como prova irrefutável do tais operem como um mecanismo desencadcante para a esquizofre
significado decisivo da «hereditariedade» na etiologia da «esquizo nia; mais provavelmente, o desenvolvimento esquizofrénico terá que
frenia». ser considerado como o resultado da combinação de factores endógenos
Na nossa opinião, apenas teríamos o direito de atribuir um papel c exógenos, numa interaeção evolutiva [...] o estudo da esquizofre
etiológico significativo aos factores genéticos se pudéssemos encontrar nia deverá ser associado ao estudo do desenvolvimento da persona
pares de gémeos MZ concordantes para a «esquizofrenia» que tivessem lidade normal. A solução do chamado enigma da esquizofrenia não
sido separados no início da infância e educados cm condições fami resultará, falando de um modo genérico, de uma mera descoberta
liares muito diferentes mas emocionalmente sadias. Ou, ainda, se pudés bioquímica, visto não haver explicações bioquímicas simples para as
semos encontrar uma concordância para a «doença» significativamente variações do nível intelectual, da estatura, do peso, da pressão san
maior cm irmãos consanguíneos filhos de pais «esquizofrénicos» c guínea, ou para a maior ou menor predisposição para a epilepsia. Parte
adoptados prccoccmcnte, do que cm irmãos consanguíneos filhos de da solução poderá muito bem ser encontrada num futuro próximo,
pais «normais» c de igual modo adoptados prccoccmcnte, educados possivelmente através de uma investigação meticulosa no campo das
cm ambos os casos cm condições emocionais estáveis. Estes estudos, ciências sociais. Aqui residem, portanto, as nossas esperanças [...1
evitando os factores obstétricos inerentes aos irmãos uterinos c aos relativamcnte a uma prevenção social.»
irmãos germanos, necessitariam, para que fossem conclusivos, não só A hereditariedade poligénica não pode ser estabelecida pelo método
que a incidência de «esquizofrenia» não diferisse significativamente genealógico (estudo dos pedigrees) nem tão-pouco por métodos es
entre os irmãos consanguíneos e os irmãos uterinos, como também tatísticos, como afirmam Feldman e Lcwontin (1975), ao escreverem
que houvesse uma diferença significativa entre os grupos experimental sobre o conceito de «hereditabilidade»: «Há uma grande perda de
e de controlo, quer nas categorias dos irmãos consanguíneos quer nas informação quando passamos de uma máquina complexa para alguns
categorias dos irmãos germanos e dos progenitores, o que não suce parâmetros descritivos. Na verdade vcrifica-sc uma grande indetermi-
deu até agora. Também os estudos de linkage e de possíveis indica naçâo quando tentamos inferir a estrutura da máquina a partir daque
dores biológicos (genéticos) se revestem do maior interesse neste las escassas variáveis descritivas, elas próprias sujeitas a erros. É como
capítulo. se tentássemos inferir a estrutura de um relógio pela audição do seu
Tendo cm vista as provas pouco concludentes produzidas até agora tic-tac ou pela observação dos seus ponteiros.
pelos estudos mais bem concebidos e controlados respeitantes ao papel «De momento, não existe metodologia estatística que nos permi
da hereditariedade na «esquizofrenia», e tomando cm linha de conta ta predizer a gama de possibilidades fcnotípicas inerentes a qualquer
o facto de que achados semelhantes foram obtidos no caso de per genólipo, nem podem as técnicas de avaliação estatística oferecer-nos
turbações mentais «compreensíveis do ponto de vista psicodinâmico» um argumento convincente a favor de mecanismos genéticos mais
(tais como a «neurose ansiosa» e a «neurose obsessiva»), julgamos complicados que um ou dois loci mendelianos com uma pcnctrância
que é razoável considerar (pelo menos até ao momento actual) a «base baixa c constante. Ccrlamcnte a avaliação da hereditabilidade, quer
genética da «esquizofrenia» como uma predisposição poligénica no sentido lato quer no sentido estrito, mas mais espccialmcntc no
rclativamcntc fraca e incspccífica com a eventual participação de genes sentido lato, é praticamcntc equivalente a não obtermos qualquer
plciotrópicos (multipolenciais), que permite que o meio ambiente exerça informação a respeito dos problemas mais importantes da genética
uma considerável influencia e seja, cm última análise, muito mais humana.»
rcvclantc de um ponto de vista heurístico — como acontece, por Os «esquizofrénicos» podem muito bem estar subjugados (c em
exemplo, no caso dos «pacientes neuróticos». grande parte explicados) por mecanismos cerebrais anormais com uma
A este respeito, pensamos que é apropriado citar Kringlcn (1967) origem genética c nós podemos estar muito enganados nos nossos
pontos dc vista relativos a esta «perturbação mental». Na nossa opinião,
no entanto, esta categoria de «doença» e os seus possíveis «meca Capítulo VIII
nismos etiopatogénicos» ainda não foram dc todo elucidados c, embora
tudo o que ocorre no reino animal tenha que ter uma inelutável
«predisposição originária», a longo prazo (partieularmente no que
respeita ao tratamento de pacientes «esquizofrénicos») o uso inteli
Um «novo paradigma» para
gente do nosso ccrcbro pode vir a revelar-se mais eficaz c mais a «esquizofrenia»?
desejável para nós e sobretudo para os «pacientes», do que a sua dis
secção anatómica ou o seu estudo bioquímico.
O amor e a consideração podem ser pelo menos tão importantes
para a espécie humana como os conhecimentos de «bioquímica ce
rebral» e dc «genética psiquiátrica».
ARTE
Dagobcrto L. Markl
O Retábulo de S. Vicente da Sé de Lisboa e os Documentos
Paulo Varela Gomes
Cultura Arquitectónica em Portugal no Século XVIII
Vítor Scrrão
Estudos de Pintura Maneirista e Barroca
LITERATURA
Alexandre Pinheiro Torres
Ensaios Escolhidos. Estudos sobre as Literaturas de Língua
Portuguesa, 2 volumes
António Ramos Rosa
Incisões Oblíquas. Estudos sobre Poesia Portuguesa
Contemporânea
A Parede Azul. Estudos sobre Poesia e Artes Plásticas
Ana Paula Ferreira
Wcrncr Krauss
Alves Redol e o Neo-Realismo Português Problemas Fundamentais da Teoria da Literatura
David Mourão-Ferrcira
Tópicos Recuperados. Sobre a Crítica e Outros Ensaios LINGUÍSTICA
Elsa Rodrigues dos Santos (Serie dirigida pela Dr.“ Maria Raquel Delgado Martins)
As Máscaras Poéticas de Jorge Barbosa e a Mundividência Eduardo Paiva Raposo
Cabo-Verdiana Teoria da Gramática. A Faculdade da Linguagem
Garccz da Silva Maria Helena Mira Mateus, Ana Maria Brito, Incs Duarte,
A Pintura na Obra de Eça de Queiroz Isabel Hub Faria
Helena Carvalhão Buescu Gramática da Língua Portuguesa (2.“ edição)
Incidências do Olhar. Percepção e Representação Maria Raquel Delgado Martins
Prémio Máxima de Revelação no Ensaio 1990 Ouvir Falar. Introdução à Fonética do Português (2.a edição)
Isabel Pires de Lima
As Máscaras do Desengano. Para Uma Abordagem Sociológica
SOCIOLOGIA/PSICOLOGIA
de «Os Maias» Daniel Sampaio
João Ferreira Duarte Ninguém Morre Sozinho. O Adolescente e o Suicídio (3.a edição)
O Espelho Diabólico. Construção do Objecto da Teoria James R. Lawlcr
Literária
Inteligência, Hereditariedade e Racismo (2.a edição)
Manuel Gusmão
F. A. Jcnncr, J. A. Zagalo-Cardoso, A. C. D. Monteiro,
O Poema Impossível. O «Fausto» de Pessoa
J. A. Cunha-Oliveira
Margarida Vieira Mendes «Esquizofrenia». Uma Doença ou Alguns Modos de Se Ser
A Oratória Barroca de Vieira Humano?
Prémio de Ensaio Pen Club 1989
DIREITO
Maria Lúcia Lcpccki
Sobreimpressões. Estudos de Literatura Portuguesa e Africana Eliscu Figueira
Renovação do Sistema do Direito Privado
Óscar Lopes
Antero de Quental. Vida e Legado de Uma Utopia Luís Sá
Álbum de Família. Ensaios sobre Autores Portugueses Introdução à Teoria do Estado
do Século XIX Vital Moreira
Prémio Jac.into Prado Coelho 1984 A Ordem Jurídica do Capitalismo (2.a edição)
Os Sinais e os Sentidos Vladimir Tumánov
Cifras do Tempo O Pensamento Jurídico Burguês Contemporâneo
ECONOMIA
A. Anselmo Aníbal e Vítor Costa
Quadros para Uma Viagem a Portugal iio Sei ulu \ \ I
A Gestão dos Recursos Humanos e os Direitos
Comunas ou Concelhos (2.* edição)
dos Trabalhadores — 3 volumes
Questionar a História. Ensaios sobre História de Portugal
A. J. Avelãs Nunes (2.* edição)
Teoria Económica e Desenvolvimento Económico Inquisição de Évora (Dos Primórdios a 1668) — 2 volumes
Aníbal Almeida Portugal na Espanha Árabe — 2 volumes (2.” edição)
Prelúdio a Uma Reconstrução da Economia Política Tudo É Mercadoria. Sobre o Percurso e a Obra de João
António Mendonça
de Barros
A Crise Económica e a Sua Forma Contemporânea Armando Castro
Teoria do Sistema Feudal e Transição para o Capitalismo
Carlos Pimenta
em Portugal
Os Salários em Portugal
A Estrutura Dominial Portuguesa dos Séculos XVI a XIX (1834)
Sérgio Ribeiro
Iossif Grigulcvitch
Recursos Humanos e Estratégia de Desenvolvimento
História da Inquisição
POLÍTICA Iakov Lcntsman
A Origem do Cristianismo (2.a edição)
Luís Sá
Soberania e Integração na CEE Irina Svcnlsitskaia
Regiões Administrativas, o Poder Local Que Falta Os Primeiros Cristãos
Eleições e Igualdade de Oportunidades Josc Ramos Tinhorão
Os Negros em Portugal. Uma Presença Silenciosa
CIÊNCIA
José Tcngarrinha
Hclder Coelho «A Revolução de 1820», de Manuel Fernandes Tomás
Inteligência Artificial. O Balanço da Década de 80 Estudos de História Contemporânea de Portugal
Jcan Rosmorduc História da Imprensa Periódica Portuguesa (2.a edição)
De Tales a Einstein. História da Física e da Química Luís de Albuquerque, António Luís Fcrronha, José da Silva Horta
c Rui Loureiro
HISTÓRIA O Confronto do Olhar. O Encontro dos Povos na Época
Aron I. Gurcvitch das Navegações Portuguesas. Séculos XV e XVI
As Categorias da Cultura Medieval Manuel Rodrigues
António Borges Coelho Os Baldios
A Revolução de 1383 (5.‘ edição) Mario Alighicro Manacorda
Leitura Laica da Bíblia (a publicar)
Maxime Rodinson
Maomé
FILOSOFIA
Armando Castro
Conhecer o Conhecimento
Eduardo Chitas e Hcrnâni Resende (org. de)
Filosofia. História. Conhecimento. Homenagem a Vasco
de Magalhães-Vilhena
Giscla da Conceição
Ler Allhusser, Leitor de Marx
José Barata-Moura
Da Representação à «Práxis»
Ontologia da «Práxis» e Idealismo
A «Realização da Razão». Um Programa Hegeliano? A Editorial Caminho está interessada em conhecer
João Maria Freitas Branco
a opinião dos leitores sobre as obras que publica.
Dialéctica, Ciência e Natureza
Ficar-lhe-emos gratos se nos enviar a sua apreciação
Manfred Buhr sobre o conteúdo, apresentação ou qualquer outro
Immanuel Kant aspecto deste volume (não se esqueça de referir o
Nicolai Lápinc título), bem como sugestões de livros que gostaria
O Jovem Marx de ver publicados.
Victor Farias
Heidegger e o Nazismo Escreva para
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