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F. A.

JENNER
Editor científico

J. A. ZAGALO-CARDOSO
Co ordena ção científica

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A. C. D. MONTEIRO
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CAMINHO
colecção universitária
F. A. JENNER
Ed ito r científico

J. A. ZAGALO-CARDOSO
Coordenação científica

A. C. D. MONTEIRO
1 A. CUNHA-OLIVEIRA

Uma doença
ou alguns modos de se ser humano?

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colecção universitária
Os autores

F. A. Jenner (Editor Científico)


M. B., Ch. B„ PA. D., F. R. C. P„ D. P. M„ F. R. C. Psych.
Professor Catedrático dc Psiquiatria da Universidade dc Sheffield
(Inglaterra).
Director do Departamento dc Psiquiatria do Royal Hallamshirc Hos­
pital.
Foi colaborador dc Sir H. A. Krcbs (Prémio Nobcl dc Medicina e
Fisiologia) c dc Erwin Stcngel (discípulo dc Frctid, Presidente da Ass.
Int. dc Prevenção do Suicídio c obreiro da Classificação Internacio­
nal das Doenças Mentais da Organização Mundial de Saúde).
Foi autor do primeiro Ensaio dc Controlo Terapêutico realizado no
mundo entre duas drogas psicotrópicas (benzodiazepinas), pelo que
recebeu um Prémio de Investigação Médica, em Viena dc Áustria, e
pioneiro da investigação dos ritmos biológicos circadianos e das
«psicoses periódicas». Descobriu duas doenças genéticas (uma des­
sas mctabolopalias hereditárias — a aspartilglicosaminúria — tem
considerável importância cpidcmiológica, na Finlândia).
Trabalhou com figuras representativas da Psiquiatria Mundial (Gjcs-
sing, Baruk, Tcllcnbach, Lconard, Slatcr, Laing, Basaglia, etc.) e co­
labora nas mais prestigiadas revistas internacionais da especialidade.
Desde o início dos anos 60 que se dedica à investigação dos mais
diversos aspectos na área da chamada «Esquizofrenia». Em 1971,
publicou, no The Times, a primeira denúncia pública da detenção
psiquiátrica dc cidadãos soviéticos dissidentes.

«e s q u iz o f r e n ia » António C. D. Monteiro
Uma Doença ou Alguns Modos de Se Ser Humano?
Licenciado em Medicina pela Universidade do Porto (1971).
Capa e orientação gráfica:
Secção Grafica da Editorial Caminho PA. D. pela Universidade dc Sheffield (1983).
Revisão: Secção de Revisão da Editorial Caminho Doutor em Psiquiatria pela Universidade do Porto (1984).
© Editorial Caminho, SA, Lisboa__1992 Professor dc Psiquiatria do Departamento de Saúde Mental da Facul­
Tiragem: 2000 exemplares
omposição: Secção de Composição da Editorial Caminho dade dc Medicina da Universidade do Porto.
Impressão c acabamento: Tipografia Lousanense Faleceu cm Dezembro dc 1987.
Data dc impressão: Julho de 1992
Depósito legal n.° 56 410/92
ISBN 972-21-0758-5

PUOTECA DA PENHA DE FRANÇA


.1. A / . i ) ■11.> ( íiuloso ((Coordenador Científico da Edição)
I M■mi ' ............ Mi 11H nu pela Universidade de Coimbra (1981).
Mi .........a I' n|mnliin pela Universidade do Porto (1989).
' .....p' i m i ............ li nélica Médica pela Ordem dos Módicos (1992).
Mm i. 111• il i l u nldade de Psicologia e de Ciências da Educação da
U n iu 1 ililudc de ( 'oimbra.

I \ < unha Oliveira


i ......... ad" em Medicina pela Universidade de Coimbra (1973).
M' in em Psiquiatria pela Universidade do Porto (1990).
| In le de Serviço Hospitalar.
Às nossas muito queridas mulheres.
Bárbara
Dina
( olaborador Joana
Helena

Manuel Chetcuti (Co-autor do Capítulo 1)


Licenciado cm Belas-Artes.
Assistente do Instituto Politécnico de Shcffield (Inglaterra).
A arte dos sábios é pôr nomes
vazios às coisas cheias de sentido.

TEIXEIRA DE PASCOAES

El hombre no tiene una naturaleza,


pero el hombre futuro no es más que un
drama... Su vida es algo que ha de ser
elegido, fabricado a medida que avanza,
y un hombre consiste en esta elección e
invención. Cada hombre es el novelista
de si mismo, y aunque puede clegir entre
ser un escritor original o un plagiario,
no puede escapar a la elección... Está
condenado a ser libre... La liberlad no
es una actividad ejercida por m a enti-
dad que ya poseia un ser fijo, antes y
aparte de esta actividad. El ser libre si­
gnifica... poder ser otra cosa que lo que
uno es, y no se trata, de una vez por
todas, de ninguna naturaleza determina­
da... Contrariamente a todas las demás
cosas en el Universo, a las que les ha
sido atribuído un ser prefijado, el hom­
bre es la única y casi inconcebible rea-
lidad que no tiene un ser irrevocable-
mente prefijado. No es sólo en la econo­
mia, sino también en la metafísica, donde
el hombre ha de ganarse la vida.

J. ORTEGA Y GASSET
índice

Prefácio ao original inglês................................................................... 15


Prefácio à edição portuguesa.............................................................. 17
Homenagem ao Prof. Doutor António Monteiro........................... 21
Capítulo I — A domesticação da arte, da loucura e da margi­
nalidade ................................................................... 27
Capítulo II — Da crítica ao conceito de «compreensão» de
K. Jaspers à abordagem «ideográfica» da «esqui­
zofrenia» ................................................................. 47
Capítulo III — A «práxis» dos psiquiatras, o «código da lingua­
gem» psiquiátrica e o conceito de «causali­
dade» ........................................................................ 71
Capítulo IV — Para uma análise da «psico(palo)logia» da «es­
quizofrenia» ............................................................ 89
Capítulo V — O «comportamento esquizofrénico» c a investi­
gação da «psiquiatria social» ........................... 125
Capítulo VI — A investigação neurobiológica c o problema
da causalidade na «esquizofrenia» .................. 137
Capítulo VII — Que «base genética» para a «esquizofrenia»? 159
Capítulo VIII — Um «novo paradigma» para a «esquizofrenia»? 179
Bibliografia............................................................................................... 203
Prefácio ao original inglês

Eu sempre acreditei que a Esquizofrenia (ou Esquizofrenias) se


categoriza melhor, talvez, como doença e em grande medida conti­
nuo a perfilhar esse ponto de vista. Mas, à medida que cu ia avan­
çando na leitura do livro, dei comigo a concordar com grande parte
da sua argumentação central — que nós Psiquiatras padecemos de
uma das piores «manias» da era moderna, isto é, o desejo de expli­
car tudo, ou melhor, de explicar as coisas de maneira a não sermos
importunados por elas; que a capacidade de compreender a condi­
ção, o comportamento e o discurso do paciente depende, em grande
medida, da capacidade imaginativa dos psiquiatras e, ainda, do seu
comprometimento pessoal com os pacientes; que existem boas razões
para crer que, quando se alcança o sentido que faz o Processo que
chamamos Esquizofrenia, vários caminhos se abrem. Este livro apon­
ta alguns desses caminhos e combate a tendência para a via única
— com foros de via Oficial! —> seja ela biológica, social ou psi­
cológica.
O objecto de estudo da Psiquiatria é, de facto, o ser humano in
toto, no contexto da sua biografia. E só poderemos conhecer este
objecto se tomarmos a sério o paciente e caminharmos para a com­
preensão da sua situação.
Achei o livro imensamente provocalório, desafiador, apaixonado Prefácio à edição portuguesa
e generoso. De muitos modos, ele é um bem-vindo antídoto para uma
certa pobreza de espírito patente na Psiquiatria Contemporânea, e
vem lembrar, necessária e oportunamente, que a Psiquiatria se ocupa
dos indivíduos no seu todo coeso e global: cérebro e mente, corpo e
psique.
O livro ultrapassa as ideias de Lairig e de Szasz (que concebem
a Esquizofrenia ou como uma deliberada afirmação de dissidência
social ou como um desvio voluntário) e procura reunir um conjunto
de argumentos plausíveis de forma a fazer-nos encarar a Esquizo­
frenia como uma resposta compreensível às vicissitudes da vida. Assim,
o livro evita os rótulos, os estereótipos e os bodes expiatórios.
Ainda que muitos dos psiquiatras contemporâneos possam encon­
trar neste livro matéria de sobra para discordarem dele, farão mui­
to bem se o lerem, pelo menos para voltar a ter presente que, ape­
sar de todo o aclual entusiasmo pela investigação cerebral e pelas
descobertas biológicas, as Esquizofrenias permanecem um dos mais
inextricáveis enigmas da Medicina Moderna. E, nestas circunstâncias,
seria bem melhor que abordássemos o tema com o mínimo de aber­
tura de espírito e humildade necessárias para evitar os equívocos, Um livro que começa por citar pensamentos de dois grandes génios
os erros de paralaxe e os pressupostos erróneos dos nossos prede­ — Teixeira de Pascoaes e Ortega y Gasset — tem que ser natural­
cessores. mente um livro importante, qualquer que seja o seu conteúdo. E, isso,
porque a influência motivadora de tais pensamentos sobre um qual­
Professor Anthony Clarc quer texto obriga, desde logo, a que o seu autor ou autores tenham
Bclhlcm Royal and Maudsley Hospitais, Londres
que proceder a uma ampla reflexão meditativa.
Não foge à regra este livro, com um conteúdo centrado à volta
do conceito de esquizofrenia, considerados por alguns como «uma
forma especial de existir».
0 termo esquizofrenia diz, pois, respeito a uma definição e a um
conceito criados pela Medicina, definição e conceito esses que têm
por principal objeclivo criar uma forma de comunicar entre os pro­
fissionais dessa matéria científica.
Acontece, porém, que o conceito científico da chamada «doença
esquizofrénica» já nada tem, hoje, a ver com uma certa generaliza­
ção deste conceito num sentido mais vulgar (Eonseca, 1988) (')•
De facto, não é raro ouvirmos dizer que «fulano de tal» é um

(’) Fonseca, A. F. da, Psiquiatria e Psicopatologia, Fundação Calouste Gulbcn-


kian, Lisboa, 1988.
esquizofrénico, expressão frequentemente usada para classificar um
comportamento socialmente irregular de certos indivíduos (psicopa- em que uma grande parte do conhecimento é ainda embrionário.
tas, histéricos, violentos). Por vezes, essa expressão toma mesmo um Parafraseando Fernando Pessoa, poderíamos dizer que, neste capítulo,
sentido colectivista, dizendo-se que um determinado grupo ou etnia «os psiquiatras são tão ignorantes e laterais aos assuntos como os
constitui uma «sociedade esquizofrénica», porque abundam no seu seio outros homens daquilo a que eles chamam ciência».
indivíduos com comportamentos considerados «desviados». Talvez, por isso mesmo, é que, num outro ângulo, alguns médi­
Resulta esse «anátema» do prejuízo histórico que impregnou sem­ cos psiquiatras, por deformação profissional, mostram tendência a
pre o conceito de doença mental e da circunstância de os indivíduos interpretar vários comportamentos aparenlemente normais à luz da
que sofrem de perturbações hoje classificadas como pertencendo ao psiquiatria e da psicopatologia. Isso acontece muito especialmente em
grupo das esquizofrenias serem aqueles que apresentam, em regra, relação aos comportamentos de homens que se encontram no Poder.
um comportamento mais bizarro e mais incoerente. Foi, aliás, esse Pensemos que essa generalização constitui uma forma errada e
prejuízo histórico e social, aliado àquela generalização conceituai, lotalmente depreciativa de enquadrar a psiquiatria. Tal atitude não
que forneceu argumentos à chamada antipsiquiatria, uma perspecti- passa de um equívoco, em que o indivíduo que critica ou classifica
va crítica quanto à validade dos fundamentos biológicos das doen­ pretende, no fundo, apresentar-se como um contrapoder.
ças psíquicas. Segundo essa perspectiva, «a doença mental não existe» Regressando a este interessante e diríamos que algo provocativo
e quem está doente é a «sociedade, cujos valores humanos se en­ texto sobre «Abordagem ideográfica da esquizofrenia», queremos
contram, hoje, alienados». aconselhar a sua leitura não só aos médicos psiquiatras mas tam­
Este texto não pretende ser propriamente uma tese antipsiquiálrica, bém a todos os técnicos de saúde mental e a quantos se interessam
mas a frequência com que são citados alguns dos principais defen­ por problemas de psicologia e da psicopatologia.
sores dessa perspectiva (Laing, Szasz, Foucault) comprova que os seus A doença ou comportamento esquizofrénico constitui ainda hoje
autores conferem certa validade àqueles argumentos sociológicos. um mundo subjectivo em relação ao qual muito teremos que desvendar.
De uma forma mais precisa, fica-nos a impressão de que os autores Trata-se, na realidade, de um conteúdo humano e de um contexto re­
se aproximam muito de uma concepção mctacomunicativa da esquizo­ lacional em relação aos quais bem se poderá aplicar a afirmação de
frenia, em que os fundamentos da doença, se é que doença deve ser Karl Popper: é um mundo em que «somos muito diferentes naquilo
considerada, se expressam em mensagens contraditórias que dificul­ que sabemos e rigorosamente iguais na nossa imensa ignorância».
tam as relações do indivíduo esquizofrénico com os demais indivíduos. Por último, desejamos chamar ainda a atenção para o facto de
Daí o apoio que procuram encontrar em Wittgenstein, que de­ o editor científico deste livro ser um ilustre cientista inglês (Profes­
fine a compreensão a partir da relação da linguagem com o Mundo sor da Universidade de Shejfield) que não hesita em fazer referên­
que essa mesma linguagem pretende representar. Todavia, a lingua­ cia, na Introdução, a alguns pensamentos de dois grandes génios
gem não refiecte a realidade, antes a determina, diz aquele filósofo. ibéricos. ■
Não parece haver dúvidas de que as principais «dificuldades» que A co-auloria anglo-portuguesa deste texto aparece, assim, como
enfrentam uma grande maioria dos indivíduos ditos «esquizofrénicos» uma consequência das relações científicas em tempo estabelecidas e
se situam no âmbito do pensamento, da comunicação e da lingua­ desenvolvidas pelas escolas psiquiátricas do Porto e de Sheffield.
gem. Resta saber se tais «dificuldades» são meramente funcionais ou E, nesse sentido, cabe aqui prestar uma merecida homenagem à sau­
se assentam em fundamentos neuronais de carácter desorganizativo. dosa memória do Prof. António Monteiro, infelizmente tão precoce-
Os autores procuram, a nosso ver, contornar, habilmente, a mente desaparecido, e que foi um dos pioneiros dessas relações e
questão, recorrendo mais uma vez a Wittgenstein que coloca cm também um dos grandes inspiradores deste texto.
paralelo «as pequenas e as grandes convicções, as certezas e as
evidências em que assenta o quotidiano do homem moderno». Porto, Abril de 1992.
A clarificação é difícil, porque se trata de um terreno científico
A. Fcrnandcs da Fonseca
Homenagem ao Prof. Doutor António
Carlos Davim Monteiro (1947-1987)
(Sheffield, 1979-1983)

Scja-me permitido que me resigne com o facto de, tanto em termos


históricos como em termos mundiais, já não se ser demasiado novo
para morrer quando se atingem os 40 anos de idade; para nós, po­
rém, o Dr. António C. D. Monteiro era simultaneamente um jovem
e um homem extremamente promissor. Sinto mesmo que me foi dado
privar com um dos mais brilhantes elementos da Psiquiatria Portu­
guesa, o qual, tanto quanto me foi dado presumir, me reservava um
carinhoso sentimento filial. Tratava-me sempre por «Professor» quan­
do me queria dizer alguma coisa, abstendo-se até de utilizar o «Prof.»
coloquial.
De certo modo, a primeira impressão que ele poderia causar nas
pessoas era a de tratar-se de um cavalheiro cortes, formal, algo rígido,
mesmo lcvcmcnlc pedante e aristocrata, sempre tão meticuloso no vestir
como nos modos de se comportar. Essa aparência era, porém, ape­
nas superficial e foi-nos rapidamente desfeita quando, num baile de
máscaras, se nos apresentou como um francês libertino, acompanha­
do de sua esposa e cúmplice que aparecia no papel de uma superor-
namentada parisiense.
Durante o seu tempo de permanência entre nós, o Dr. Monteiro
primaria sempre por uma fina sociabilidade e imaginação divertida necessitava era que o deixassem ir embora para casa. Eu tremia só
que tirava partido da sua grande cultura e do lacto de ser, assim como de pensar nisso, mas, ao fim de algumas horas, decidi, com grande
a sua esposa, um bom poliglota. Era, cm muitos sentidos, um co­ nervosismo, aceitar a sugestão.
nhecedor c apreciador das coisas boas da vida, com um penetrante A «fera» vestiu-se de modo muito aprumado e foi para casa, para
sentido de humor c uma profunda ironia. junto da mulher c dos filhos. Na opinião destes, o paciente estava
Tudo isto para dizer, da melhor maneira de que sou capaz, o quanto ainda muito estranho mas comportava-se bastante bem.
aprendi a admirar e a gostar deste meu discípulo de pós-graduação, Tudo tinha começado cm Amesterdão, onde o nosso homem tinha
c para que se possa compreender o verdadeiro abalo que nos sacu­ tido contados com uma das conhecidas «meninas» da cidade; culpa-
diu quando tomámos consciência do seu cruel destino. A maneira como, bilizado, o paciente voltara sub-rcpliciamcnte à Holanda para pedir
corajosamente c de bom humor, foi capaz de lidar com os diferentes desculpa à rapariga de se ler servido dela, isto apesar de, na devida
passos do seu calvário, reforçou mais ainda o respeito que tínhamos altura, lhe ler pago o preço combinado. Este tipo de situações era,
por ele. As últimas palavras que me dirigiu foram ditas, com a boca no entender do paciente, susccptívcl de dcspolctar uma guerra nuclear.
seca, na noite que antecedeu a sua morte: «esta noite não estou cm O Dr. Monteiro via, nesta situação, um homem tão torturado pe­
grande forma[...]». la culpa como tentado pelo desejo. Desenredando grande parte de uma
A maior parle das nossas conversas c a raison d’êlre deste nos­ situação que a priori parecia fora da nossa compreensão, ele demons-
so percurso comum foram, como este livro esclarece, determinadas trou-nos que ela se tornava aparcntcmcnlc mais clara se tomássemos
pela «Esquizofrenia». As barreiras inicialmcntc experimentadas no nosso cm atenção a maneira de ser, os padrões c as necessidades do
diálogo, fruto de algumas diferenças de pcrspccliva teórica de base, paciente.
foram dando lugar a um diálogo franco c sincero, de concordância De uma forma poética, ele ajudou-nos muitas vezes a entender
crescente, não sem que o Dr. Monteiro tivesse aprendido a discordar a tragédia vivida pelo louco c o poder que os impulsos adquirem cm
de mim sem me melindrar. pessoas moralmentc atormentadas; ajudou-nos a todos a senti-lo por
Uma área partieularmente sensível dizia respeito à caótica sexua­ nós mesmos. Desse modo, podíamos compreender de que forma o fim
lidade do «psicótico». Para ele o que era primário era a psicose: para do mundo parecia tão inevitável.
mim era a sexualidade. Mas ambos estávamos de acordo sobre a Somos nós, pois, que nos fazemos sãos c loucos uns aos outros.
importância de se aprender a conhecer mais as pessoas cm si mes­ O Dr. Monteiro conhecia o tormento de uma alma como aquela; a
mas do que o paciente c a sua psicopatologia. E sobre isso mesmo sua c a nossa necessidade de compreensão c apoio. Mesmo que não
que se debruça a sua tese de doutoramento The Concepts o f Under- fôssemos totalmcntc bem sucedidos terapcuticamcnte, isso não deixa­
standing and the Schizophrenia Problem, como referimos no capítulo ria de ser muito preferível ao círculo vicioso cm que tão facilmente
deste livro dedicado ao conceito de Verstehen de Jaspers. podemos cair, o qual destrói a nossa oportunidade de compreender,
Acontecia-mc, por vezes, perder o domínio de certos pacientes de alguma maneira, a história c as vicissitudes do paciente.
que tinha a meu cargo c que, consequentemente, estavam também sob Ele também sabia que as explicações psicodinâmicas são conjcc-
a minha responsabilidade. Lembro-me muito bem de um «esquizo­ turas mais ou menos necessárias para a boa marcha do nosso dia-a-
frénico» partieularmente perturbado: mostrava-se violento para com -dia como «bons psiquiatras». Elas são, contudo, hipóteses sempre
os outros pacientes e para com o pessoal que o assistia, comportan- provisórias que a todo o momento precisam de ser reavaliadas. Não
do-sc como uma lera, ameaçando lodos os que, como cu, apertavam podem conslituir-se cm fórmulas ou princípios religiosos.
o controlo sobre ele, fechando-o num quarto, sem roupa, respondendo Nós discutíamos cm comum o problema do conto-do-vigário que
à sua agressividade com um suplemento de medicação. O Dr. Mon­ a psicanálise paradigmática constitui: um simples ser humano senta-
teiro viria a concluir que a minha loucura c os meus receios eram -sc ao fundo de um divã, enquanto um outro, deitado, pobre c inlc-
Ião grandes como os do paciente, o qual, cm sua opinião, o que mais liz, acredita que a revelação complctamcnte livre de lodos os seus
pcnsamcnlos pode conduzir ao seu renascimento; e, evidcnlcmcntc, de todos esses encontros e debates, e de todos esses anos a conviver
paga por esse grande privilégio... de perto com os pacientes. Bem gostaria cu de voltar a momentos
O desdém do Dr. Monteiro dirigia-se mais para a arrogância do como esses e cnvolvcr-mc de novo num debate que tornasse a con­
analisado, por este acreditar que ao remover as sucessivas camadas duzir a uma semelhante mutualidade com os pacientes. Talvez con­
atingirá o cerne da cebola. Nós trocávamos apontamentos sobre as sigamos — e nós vamos tentá-lo — , mas isso requer, tal como a cisão
frustrações da vida de certos analistas nossos conhecidos, que com­ nuclear, um conjunto de partículas radioactivas que se possam encon­
parávamos à daqueles feirantes sem cabelo que se dedicam a vender trar.
loções para carecas. Que belos e calmos dias aqueles, durante os quais brotaram as
Para nós, era muito importante enriquecer conslanlcmcntc as nossas fontes de inspiração para este livro!
próprias vidas, manter a curiosidade sobre a vida humana e, muito
especialmcnte, aprender a vive-la o melhor possível. Assim, não se Shcfficld, 1992.
estranhe que as nossas discussões tivessem lugar nos locais e nas
ocasiões mais inesperadas. F. A. Jenner
No dia seguinte a uma festa em minha casa, festa para a qual
cu tinha convidado várias pessoas «psicóticas», uma mocinha pare­
cia particular mente perturbada. Eu tinha-lhe pregado a desfeita de lhe
ter pedido para sair connosco para tomar uma bebida (e para nos atu­
rar...), quando ela parecia estar a divertir-se com a festa. O Dr. Monteiro
torceu o nariz e olhou de soslaio para mim. É claro que logo aí lhe
adivinhei uma reprovação. Explicaria ele, depois: «Então vocc con­
vida-a para uma festa cm sua casa c põe-se a discutir filósofos de
quem ela nunca ouviu falar?!! O que o senhor aprecia, no fundo, é
ouvir-sc a si mesmo. Ela, porém, gostou da comida c do vinho, c
apreciou o facto de estar integrada no ambiente. Honeslamcnle, penso
que ela gostaria de continuar a sentir isso tudo no dia seguinte. Mas
hoje, bem vistas as coisas, o que é que mudou na vida dela? Temos
de ter o cuidado de não brincar com as pessoas!»
Isso encorajou-me a responder-lhe: «Eu só estava a tentar impres-
sioná-lo [...]» Ao que ele, com amável sarcasmo, replicou: «E con­
seguiu!» Nunca nenhum dos meus 26 doutorandos me havia alguma
vez tratado dessa maneira, embora cu tivesse à minha volta muita
gente verdadeiramente boa e interessante.

Talvez eu devesse ter evitado personalizar tanto estas questões,


mas o Dr. Monteiro teria compreendido a minha necessidade de o
fazer. Ele linha tantos amigos aqui como cm Portugal. Talvez não
seja difícil de compreender por que é que cu vejo a tese dele como
uma espécie de joint-venlure, isto é, como um registo quase factual
Capítulo I

A domesticação da arte, da loucura


e da marginalidade
Com a colaboração de M. Chetcuti

Propriamente, o único crítico de arte ou cie


letras deve ser o psiquiatra; porque, ainda que os
psiquiatras sejam tão ignorantes e laterais aos as-
suntos como todos os outros homens daquilo a que
eles chamam ciência, têm ainda assim, perante o
que vem a ser um caso de doença mental, aquela
competência que consiste em nós julgarmos que
eles a têm. Nenhum edifício de sabedoria humana
pode erguer-se sobre outros alicerces.
Este capítulo poderá conter algumas dificuldades para o leitor e,
por isso, sugerimos que uma forma de o abordar seja lc-lo no fim.
Na verdade, o conteúdo deste capítulo é a resultante de muitos debates
entre um artista c alguns psiquiatras, e nele se reconhece que a maior
parte daquilo a que chamamos «Arte» nos pode fornecer maneiras
diferentes e inovadoras de ver o mundo. Claro que a arte não é
«lógica», isto é, não se prende àquilo a que chamamos «Racionali­
dade», mas não deixa, por isso, de ser um facto histórico. Mas também
não c possível pormo-nos completamente de fora do «contexto
histórico», nem modificar de uma vez só tudo aquilo a que chama­
mos «Forma» e «Conteúdo». Porque, se fôssemos capazes de o fa­
zer, estaríamos, talvez, a pedir de mais a nós próprios e aos nossos
contemporâneos, no campo da «compreensão» c da «crítica». E possível
avançar mais depressa se nos reunirmos numa tertúlia de gente que
esteja por dentro da linguagem da arte.
Mas, dentro daquilo a que chamamos «linguagem», podemos falar
acerca de que? A resposta andará à volta de qualquer coisa como o
Mistério que está para lá do Ser; c, por outro lado, aquilo que vem
a ser a «realidade factual» da existência humana. Conhecemos mui-
to bem a realidade c a natureza das nossas próprias experiências vitais, utilizadas. As palavras não deixam de manter uma relação mais ou
mas a verdade ó que persistem sempre todos aqueles mistérios que menos complexa com o mundo, apesar de o universo das intenções
lhes são inerentes c que estão para alem da capacidade de qualquer humanas lhes conferir um colorido de imensos significados. Um mundo
explicação de tipo científico. puro «das coisas» é algo que cm si mesmo provavelmente não existe
Muito embora seja possível imaginar que, mais tarde ou mais cedo, ou, se existe, será algo acerca do qual não lemos capacidade para
possa haver uma explicação da arte através de mecanismos cerebrais, saber grande coisa. Na verdade, somos nós mesmos que criamos as
de teorias cvolucionistas ou da psicologia experimental, por exem ­ realidades, tanto a partir do mundo como de nós próprios (Bachclard,
plo, nós optámos por escrever este livro no pressuposto inverso, isto 1968).
é, que a dúvida continuará, e com ela o seu mistério, mesmo que todos Sendo inovadoras, as obras de arte requerem uma descodificação
esses mecanismos c teorias venham a ser estabelecidos. Pensamos, para poderem ser compreendidas e avaliadas, o que implica a utili­
de facto, que persistirá sempre muito de inefável por detrás da ex­ zação de uma «linguagem». Mas ao escalarmos uma montanha ne­
periência c da estética. O facto de se partir desta nossa perspectiva cessitamos, porém, sempre de um primeiro apoio para firmarmos o
pode vir a lazer alguma luz sobre a questão das «Psicoses». pé no apoio seguinte — o que é igualmcntc verdadeiro para todas
Aquilo que c aceite como arte tende a ser influenciado, rcco- as formas de linguagem de comunicação. As linguagens secretas, essas,
nhccidamcnte, pelo chamado «espírito da Época». E o que é aceite tendem, pelo menos em parle, a tornar-se numa (orma de jogo
como boas crenças depende, igualmcntc, de um certo grau de cum­ impossível, como se tentássemos chutar com os dois pés ao mesmo
plicidade com o chamado «senso comum» de uma dada época. tempo, num jogo de futebol.
Cada qual por seus meios, quer os artistas quer os loucos, pro­
curam explorar c representar novas pcrspcctivas c experiências pes­
As tentativas de aplicar as formas de pensar dos estudiosos da soais; c, ccrtamcnte, o universo da loucura pode servir para exprimir
arte aos problemas da psiquiatria podem perder muito do seu poten­ a sensação de dificuldade que os outros experimentam cm comprccn-
cial de aprendizagem, se, por um lado, formos demasiado iconoclas­ dê-lo (cf. Jaspers, 1913), ficando numa situação um tanto idêntica a
tas cm relação à psiquiatria ou se, por outro lado, formos excessiva- quem tente caminhar com uma perna partida ou com uma perna só...
mente românticos em relação aos pacientes. De lacto, é possível que, Há muita gente que se dá conta da «loucura» que constituem as
deste modo, nos escape a autêntica «devastação» que muita da cha­ nossas «instituições»; no entanto, a maior parle deixa-se viver numa
mada «Loucura» rcalmcnlc implica. verdadeira cumplicidade com o «contexto humano socio-histórico» que,
Tanto o artista como o louco costumam preocupar-se com aqui­ cm sua opinião, os transcende. Outras pessoas fecham pura e sim­
lo que existe no seio (c para alem) das palavras que utilizamos, plesmente os olhos, enquanto outras se sentem satislcilas. Finalmcnte,
chamando a nossa atenção para aspectos da linguagem que todos nós há quem defenda que essas instituições são sagradas, isto é, intocáveis.
habitualmcntc descuramos. Na realidade, quer o falar quer o escre­ Ora muito bem: a nenhum destes grupos de pessoas se dá nem o nome
ver acabam por se tornar uma concessão relativamcnte àquilo que de loucos nem a designação de vanguardista...
consideramos logos ou cogito. Sendo assim, «arte» c «loucura» tor­ Já aqueles que nos parecem agir de uma forma estranha, à margem
nam-se palavras muito fluidas, ainda que, em boa verdade, não se­ dos seus próprios interesses, com manifesta ausência de instinto de
jam sinónimas, na medida cm que um orador minimamente arguto é competição c de espírito dircctor, são os que mais probabilidades podem
pcrfeitamcnle capaz de utilizar, de uma forma discriminante, qual­ reunir de virem a ser diagnosticados como «loucos»; c, mais ainda,
quer dos dois conceitos. se se entregam à expressão de conceitos muito pessoais a respeito
Como não somos «relativistas absolutos», preferimos, à maneira de si mesmos — c do que julgam ser o seu próprio valor ou a falta
de Wittgcnstcin (1953), abster-nos de perguntar o que é que as pala­ dele — , numa clara violação das mais elementares regras do jogo
vras significam, c demonstrar antes como é que elas costumam ser social, que os outros parecem manejar perfeitamente.
São classificados tambcm como «loucos» aqueles que confessem «esquizofrenia» ou da «neurose obsessiva». Afirmações deste tipo, so­
ter experiências alucinatórias, o que é o mesmo que dizer: pcrccp- bre aquilo que a todos nos parece mau, não deixam de ter o mesmo
ções cujos fundamentos, alem de estranhos, não são susccptívcis valor que afirmar, em relação a Homero, Miguel Ângelo, Beethoven
de uma confirmação socialmcntc integrável (cf. Schncidcr, 1959). c Shakcspcare, que se trata, sem dúvida, de grandes artistas. Já cm
O diagnóstico dependerá ainda do facto de o sujeito pcrccpcionar o relação a uma bicha-cadela, um elefante ou um marciano as opiniões
mundo c os outros de forma tal que lhe pareça estar rodeado de podem variar, se bem que cada um destes seres, em si mesmo, pareça
inimigos ou de gente com secretas intenções a seu respeito. a mesma coisa para a maior parte das pessoas.
Esses estados de isolamento acabam por ser, pelo menos, tão Para melhor situar o problema, poderíamos falar aqui do caso de
indesejáveis como partir um braço ou uma perna. É certo que Laing uma senhora que sofria de insuficiência cardíaca, de gravidade tal que
(1960) «romantizou» a loucura — e pode muito bem iralar-sc, ate, mal conseguia falar, c que, uma vez tratada cirurgicamente através
de um passo tão difícil quanto necessário para que se faça luz sobre de uma valvotomia mitral muito bem sucedida, lhe sobreveio uma
o outro lado da questão; no entanto, não deixa de ser uma conjcclu- dermatilis artefacto.: ora, mais lhe valia continuar com a sua insufi­
ra um tanto duvidosa, cm especial se partir do princípio da existên­ ciência cardíaca...
cia de um mundo místico, uma cspccic de realidade «extra-humana» Assim, também pode haver casos em que a loucura individual
que esteja à espera de ser descoberta, para lá da realidade social contida («clínica») seja preferível a certas formas de cumplicidade com loucuras
na linguagem humana consensual. Aceitar os mistérios, sim; o que muito mais indesejáveis— mesmo que protagonizadas por um grande
não recomendamos é a sua mistificação. número de pessoas. Aos olhos do orgulhoso e para o coração ranco­
Já W illgcnstcin (1953) não andará muito longe da verdade quan­ roso o sofrimento não tem importância nenhuma. Ainda que a vida
do diz que todos nós temos de viver na jaula da linguagem — e não humana fosse uma sequência miserável de acontecimentos insípidos,
há dúvida de que este mesmo texto teve de ser escrito numa jaula ou uma sequência insípida de acontecimentos miseráveis, para Tho-
de palavras — , mas o ecrto é que tanto o nosso comportamento como mas Hobbcs (1914) o suicídio seria uma impossibilidade humana es­
a arte, a loucura c a experiência vivida se situam para além daqui­ sencial. Claro que bem podia argumentar que falava cm nome da
lo que as palavras podem transmitir. Qualquer tentativa de encontrar grande maioria das pessoas, na medida em que, sendo absolutamente
uma forma de expressão das realidades e das experiências que ultra­ verdadeira apenas uma pequeníssima parte daquilo que habitualmcnte
passam a capacidade das palavras, c qualquer tentativa de atingir a dizemos, torna-se verdade o conjunto de realidades socialmcntc acei­
estranheza do Ser, como algo distinto do Nada (cf. Sartre, 1943, tes — como é, cm regra, o caso do que aquele autor diz. Mas é
Hcidcggcr, 1978), implica, para nós, a aceitação da necessidade de precisamente este tipo de «verdades», resultantes daquilo que é
explicar os mistérios. Não se trata, aqui, de uma mislilicaçâo, mas «a realidade socialmcntc aceite», que nos acaba por levar a rotular,
antes da tentativa de conceptualizar muito daquilo que faz parte da sob a forma de palavras como «louco», as formas de rejeição social
realidade central da nossa vida, tal qual a vivemos: algo que é ca- de algumas realidades.
racteristicamcntc humano c que tem, mesmo assim, uma possibilidade, Bem, é claro que não pretendemos aqui nem favorecer nem
ainda que aproximada, de ser comunicado entre nós. estimular o comportamento da criança que, não podendo ou não
Não é de todo impossível obter um consenso humano sobre aquilo querendo ir a uma festa, fica muito contente por ficar cm casa; nem
que é desejável ou não, na medida cm que uma boa parte da expe­ o daquele menino que vai à festa mas põe tudo num enorme reboli­
riência humana é comunicável, c, assim, todos nós podemos reconhecer, ço. Isto é muito importante que se diga, para o que temos cm vista
com alguma facilidade, que a insuficiência cardíaca, uma lraclura ou analisar, na medida cm que temos de aceitar socialmcntc muitos desses
um tumor maligno são coisas más para qualquer pessoa, não sendo, comportamentos, c cm que tentamos compreender por que é que eles
para isso, necessário andar a sondar o que pensa a Mente de Deus. existem apesar de estrategicamente não parecerem assim tão efica­
O mesmo pode dizer-se acerca da «paranoia», da «depressão», da zes...
Perguntaríamos antes: o que é que se poderá modificar no futu­ quer cicatrizar, na sempre serena beleza da face da nossa própria
ro para responder, tanto quanto possível, às necessidades do maior cultura.
número de pessoas? Mas... será que é assim tão inevitável o conflito entre a socie­
Cremos que, regra geral, nos deveríamos esforçar por ajudar todos dade c o marginal? Não é visível, não é clara, a vertigem quase cega
aqueles que estão em dificuldade ou se encontram alienados de uma que nos atrai para a utopia, quando imaginamos coisas — como o
forma negativa, sem termos necessariamente que os admirar como «Jardim do Éden» — que nos sugerem ideias de tranquilidade c imu­
admiramos os artistas — que têm a capacidade de utilizar a sua tabilidade, aliás mais próximas daquilo que caracteriza a Morte do
alienação de uma forma positiva. Seja como for, é necessário que que daquilo que caracteriza a Vida? Será que a maior parle das fre­
compreendamos o louco, cujo discurso pode ser, em certo sentido, o quentes revoluções espirituais — se exceptuarmos a que decorreria
«Discurso sobre o estado da Nação c do Mundo». dos conceitos de Espinoza (1962) — bulirá assim tanto com os fun­
Posto isto, poderíamos tentar estabelecer alguns paralelismos entre damentos de uma cultura predominantemente mecanicista? De qual­
aqueles que histórica e habitualmcntc são chamados loucos, por um quer modo, seriam ameaças com que poderíamos saber lidar...
lado, c alguns artistas, por outro. E que ainda persistem algumas O que se passa é que os mistérios que não tenham uma explica­
confusões acerca do que venham a ser comportamentos como «lou­ ção imediata, não só não constituem matéria de investigação, atra­
co», «rebelde» ou «pobre de espírito». vés de métodos alternativos, como são pura e simplesmente ignora­
Também o dissidente, o perverso e o marginal têm, como o louco, dos — ou, pior ainda, tratamo-los c rcpclimo-los com os mesmíssimos
o poder potcncialmcntc perturbador de afcclar a razão e a nossa cultura critérios que pretendemos desacreditar... Atiramos com todos eles para
colcctivas, influenciando desse modo o nosso padrão de respostas. o fundo do armário, à espera de serem esquecidos. Na realidade, apenas
O marginal bem sucedido, subtil, activo, subverte o stalu quo atra­ temos habitualmcntc a intenção de resolver o que consideramos «pro­
vés do seu estilo de vida, propondo-nos uma visão do mundo que, a blemas».
seu ver, é a única correcta, uma vez que é processada pelas suas «an­ Não há dúvida que se pode considerar uma loucura procurar um
tenas» e não pelas dos outros — o que implicaria a necessidade de gato preto, que não existe, dentro de uma sala escura; mas que dizer
testarmos a visão colcctiva do mundo pelo sistema empírico desse se, durante a perseguição a esse gato inexistente, alguém gritar: «apa-
marginal... nhei-o!», «está aqui!»?
Torna-se, talvez, necessária uma compreensão individualizada da O professor Donahuc (1982), do Instituto de Literatura Hcnry James
herança histórico-biográfica em causa, levando-nos a perceber por que da Universidade de Nova Iorque, sob o título Zealots o f Explanation
motivos esse marginal não pode ou não quer aceitar um dogmatismo (O Fanatismo Explicador), põe cm relevo a noção de que, no cxacto
«saudavelmente» pragmático que, não passando de uma fórmula momento em que nos deparamos com uma imagem ou um objecto
generalizada para salvaguardar das nossas conveniências sociais e para produzido por um artista, cessamos aí o nosso confronto com a obra,,
a redução do mistério e da dor próprios da existência humana, cons­ de arte — passando a servir-nos daquelas trivialidades que rodeiam
titui a atitude mais habitual: isto é, meio caminho andado para uma a actividade do artista como uma forma de substituir comodamente
vida «bem sucedida». Um marginal deste tipo é esscncialmcnte, c antes o trabalho de compreendê-lo. Este tipo de fait-divers autobiográficos,
de mais, um «não-crente», isto é, do ponto de vista espiritual, um que substituem a compreensão, permite-nos evitar uma confrontação
ser profundamcnlc céptico e iconoclasta. muito mais complicada com a natureza da mensagem ou do mistç-. '
Em geral, tendemos a conceptualizar o louco e o artista cm fun­ rio, intrínsecos à imagem ou ao objccto propostos pelo artista.
ção daquilo que parece distingui-los do comum de nós — c, por esse «Gostaria de falar», diz-nos o Professor Donahue, «acerca das artes,
processo, conccptualizar tanto o louco e o artista como nós mes­ tendo em conta o mistério que as rodeia, não tanto como um pro­
mos... O marginal, por seu turno, é encarado como um desafio às nos­ blema ou como um enigma que seja necessário decifrar, mas apenas
sas convicções e perccpçõcs — uma espécie de ferida que não no contexto real da sua criação; neste sentido, o mistério é para ser
ESQUIZOFRENIA» 37
deiam um tipo de resposta comum por parte da Sociedade Organiza­
contemplado c nílo para ser resolvido ou desmontado em pequenas
da que, face à ameaça de um tal poder potencial, lhes aplica proce­
peças. Com o andar dos tempos, tornou-se escandaloso falar de mis-
dimentos cautelares de domesticação.
in ios, embora eles pareçam sempre emergir das profundidades: é como
Chegados aqui, cremos que seria útil explicar, um pouco mais
se a única situação de que valesse a pena falar frustrasse, simulta­
detalhadamente, aquilo que entendemos por «Domesticação». Os di­
neamente, qualquer tentativa razoável de lidar com ela. Gostaríamos
cionários apontam os seguintes significados:
de voltar a dar a voz ao mistério, para o podermos distinguir da
1 — «tornar afeiçoado à casa»;
mistificação ou do puro desconcerto.
2 — «submeter [subentenda-se “os animais”] ao controlo do
«Uma das motivações mais fortes da vida moderna é a explica­
homem»;
ção de tudo, de preferência uma explicação “satisfatória”. Assim, pode
3 — «tornar dóceis, civilizar» (subentenda-se «os selvagens»).
dizer-se que a imagem de marca dos críticos modernos coincide com
No contexto cm que lem os vindo a colocar o problema, «dom es­
a ideia de “Fanáticos da Explicação”: o que eles pretendem c negar
ticar» significa fazer com que você aceite o que não quer ou não pode
o mistério das artes, fragmentando-o numa sucessão de pequenos
aceitar; isto é, submetê-lo ao controlo social, torná-lo dócil, aneste­
problemas, mas o seu esforço é perverso.»
siá-lo. Vem a talhe de foice lembrar a técnica, a que atrás fizemos
O filósofo Gabriel Mareei (1949) estabeleceu deste modo a dis­
referência, de propositadamente se fazer ouvidos de mercador às atitudes
tinção entre um problema e um mistério: «um problema é algo que
de insurreição, de forma a desviar-lhes ou minorar-lhes o seu poten­
se interpõe no meu caminho; encontra-se diante de mim, na sua
cial subversivo — centrando-o em trivialidades e em coisas sem in­
totalidade. Um mistério, por sua vez, é qualquer coisa na qual cu me
teresse.
descubro c interrogo — e cuja essência, portanto, se não encontra diante
de mim na sua globalidade».
De certo modo, isto pode facilitar a compreensão do sentido que
Michel Foucaull (1963) chama a atenção para o lema que John
pretendemos dar à Domesticação do ArtistajOuisider. De uma forma
Howard lia por cima da porta principal do Hospital o f Charity, em
subconsciente ou de um modo deliberado, acabamos por nos dedicar
Mainz: «Se até os animais selvagens se deixam subjugar com uma
àqueles problemas em relação aos quais pensamos ter já a resposta
canga, é preciso não perdermos a esperança de corrigirmos os homens
correcta: «Ah, sim, é um Cubista; pois, um Surrealista», etc. — ou
que se desviam do bom caminho.» A verdade é que um dos mais
então um termo médico qualquer, como «esquizofrénico», que pre­
irónicos triunfos da Idade da Razão foi a substituição das leprosarias
tende definir um estado da mente.
por lugares de confinamcnto para uma nova categoria de outsiders.
Ao servirmo-nos deste tipo de rótulos, estamos a fugir ao nosso
A intenção subjacente era de natureza jurídica c não medica: «corri­
envolvimento pessoal, c a verdade é que tanto o crítico como o médico
gir através do confinamcnto».
nos fornecem o tipo de saídas de que necessitamos para evitar o
Um outro exemplo, agora de Pinei, citado por Foucaull, é tirado
escândalo. E claro que não tomamos por afirmações estes expedien­
de um estabelecimento hospitalar religioso cm França. Quando se dava
tes — que, aliás, sabemos muito bem o que querem dizer. Mas
a um «louco furioso» ordens para que comesse o que lhe davam, duas
acabamos por nos servir deles como forma de fugir ao mal-estar que
coisas podiam suceder: se recusava a comida, davam-lhe dez chiba­
um aprofundamento demasiado desse tipo de questões nos poderia
tadas de castigo; se, todavia, se mostrasse submisso e dócil (o que
provocar, tendo em conta as suas repercussões na nossa própria pessoa.
qualquer um faria, ao fim de poucas sessões de chibatadas...) passa­
Poder-se-ia dizer que nem o crítico nem o psiquiatra existem para
va a gozar de determinados privilégios, como o de comer à mesa do
nos ajudar a compreender seja o que for, mas que, no entanto, ao
vigilante; mas à mais pequena transgressão levava uma vergastada nos
fornecerem-nos uma explicação consagrada pelas suas qualificações,
dedos, com uma varinha de metal.
ajudam-nos a domesticar o terror provocado por esses mistérios.
Aquilo que se vê não é, pois, uma tentativa de fazer elevar a
O louco, o rebelde, o dissidente e o artista subversivo descnca-
Im Muilitlmlc» do louco ao nível do humano, mas sim, antes, de re- Esta aprovação equivale à concessão de uma bênção moral.
( onsiíimi um homem de quem nada mais se espera do que a anima- A própria moralidade constitui um derivado do dogma religioso; c a
hd.uli nesse caso, domestica-se o animal e põe-se o homem de fora... autoridade para os impor provém dos pilares dc sustentação do pró­
( iuno disse Ibucault, «não 6 o animal que fica silenciado, é o homem prio Estado — o sistema jurídico, a Igreja organizada, as profissões
que fica abolido». ligadas à normalização e censura dos comportamentos, a família
Mas estes exemplos mantêm os seus equivalentes nos tempos de hierárquica e o partido político totalitário.
hoje. Surpreendemo-nos pela forma como «belíssimas» pessoas c não Esta bênção moral constitui uma forma mascarada dc censura, tao
menos «óptimas» instituições são utilizadas como instrumentos de crua como gcralmcntc o é a própria censura cm si, mas mais hábil
domesticação através do controlo social. Sc um paciente exprime c discreta nas suas sugestões ambíguas quando faz passar nos media
determinadas ideias com que ninguém está de acordo («delírios»); se o modelo dc comportamento estabelecido. A sua linalidade é susten­
passa muito tempo na enfermaria entretido numa lengalenga dc fra­ tar todas aquelas instituições dentro das quais se supõe preservar-se
ses sussurradas («salada dc palavras»): é do consenso geral que nada a nossa sanidade colcctiva. O resultado é uma prolunda intromissão
do que ele queira, deseje ou pense, faz qualquer sentido (porque é no terreno da individualidade. A posição social ocupada pela religião,
«louco»); no entanto, se a determinada altura se lembra dc dizer de pela política, pela ciência e pela arte torna a censura respeitável aos
viva voz o que toda a gente pensa cm surdina dc determinado membro olhos do público cm geral. Muitos dos cânones constitucionais c
enfatuado e pomposo do staff (coisa que, se calhar, é demasiado «forte» normativos dcstinãm-se a indicar-nos a forma de alcançar a felicidade,
para ser aqui reproduzida), o que acontece é que esta revelação, segundo o que está prescrito pela sociedade. E uma questão que se
coerente e perfeitamente compreensível da ideia que faz c daquilo levanta a todos nós, que detemos algum poder nessa matéria, é a dc
que sente cm relação àquele técnico, longe dc constituir, como poderia saber até que ponto somos uma extensão do poder do Estado.
parecer, um bom indício da sua lucidez, é, pelo contrário, utilizado Thomas Szasz descreveu uma situação que se ajusta perfeitamen-
como «prova dc acusação», isto é; como «mais uma» confirmação tc a este aspecto dc controlo sociomoral inerente à domesticação.
do seu diagnóstico — c um indício (prognóstico) da sua futura dete­ A tentativa dc assassínio do presidente Rcagan por John Hincklcy foi
rioração... considerada um acto dc loucura porque a sua motivação não podia
É triste, mas a única frase que tinha algum sentido acaba por ser ser socialmcntc aprovada. Rccordar-se-á que, acima de tudo, na mente
utilizada para corroborar a «evidência» da sua loucura e, é claro, da dc Hincklcy pairava o desejo dc impressionar a actriz Jodic Fostcr.
necessidade de um tratamento mais «intensivo». Então, Hincklcy só podia ser um louco, uma vez que ninguém em
Uma história deste tipo, aparentemente tão simples, tem todos os seu perfeito juízo daria um tiro cm presidente nenhum por um motivo
ingredientes dc um caso clássico dc domesticação. Esse homem desses. Não: as pessoas normais só atiram contra os presidentes quando
constitui, no verdadeiro sentido dc Thomas Szasz (1984), um rcccp- estão descontentes ou politicamente motivadas, dc preferência se forem
tor forçado dc um tratamento que não quer. O tratamento é-lhe imposto influenciadas por uma ideologia estrangeira ou simplesmente contrária.
porque, face ao modo «normal» dc agir e dc pensar, a sua actuação O facto dc o acto em si poder, cm ambos os casos, conduzir ao mesmo
não parecia fazer qualquer sentido; no entanto, por uma cruel ironia, desfecho, não tem qualquer importância; o que é importante, acima
vê o seu diagnóstico confirmado, na única vez cm que disse alguma dc tudo, é encontrar, na diferença entre os motivos, a distinção entre
coisa que fazia sentido. a sanidade e a loucura.
Não são, cvidcntcmcnte, nem os actos nem os indivíduos, cm si, Hincklcy estava decerto enganado: é possível que tenha impres­
que nos levam a marcá-los como «loucos» ou como «incompre­ sionado Jodic Fostcr, mas é lícito duvidarmos se terá provocado nela
ensíveis»; o que conta é o facto dc podermos, ou não, discernir neles o efeito que vcrdadciramenle pretendia. Pode muito bem ter feito um
um motivo «adequado». Não se trata tanto da necessidade de per­ papel de parvo, mas seria rcalmente um louco? Será esta uma forma
cebermos urn motivo, mas, antes, da necessidade de o aprovarmos. mais de utilização do rótulo como processo de impor o controlo?
I lincklcy foi declarado louco porque a resposta das instituições so­ «surpresa do novo», isto é, aquilo que não nos é lamiliar. Sem a ajuda
ciais aos seus confessos motivos foi a de que estes não faziam sen- e o esclarecimento dos seus próprios fundadores, sentimo-nos provo­
ndo. I louve uma tentativa de o neutralizar devido aos seus actos, dado cados, a estranheza invade-nos o rosto, de sobressalto.
que estes foram vagamente encarados como uma grande ameaça pa- A má vontade dirigida contra o artista demasiado inovador é tanto
'.i ° l'.stado, na medida em que eram «demasiado» compreensíveis!... mais curiosa quanto a principal razão de queixa contra determinado
Banalizar o papel do presidente, colocando à sua frente, na ordem aclo, determinada imagem ou determinado objccto c a de que é ou
de. prioridades, as nossas aspirações românticas, c o mesmo que cn- são ininteligíveis, isto 6, que não têm significado, que os seus auto­
íraquccer toda a panóplia de forças ao serviço da ordem social. Então res atiram escarros de tinta à cara do público, que esses artistas são
o Estado o que faz é voltar-se para os sacerdotes da ciência, que verdadeiros animais selvagens — anote-se o rótulo de «feras» (fau-
mantêm ao seu serviço — os árbitros morais que pronunciam o ves) posto a um conjunto de pintores que expuseram no Salão de
vcrcdicto de loucura, a derradeira arma. Outono cm Paris, cm 1905. Também há quem os ache uns loucos,
Existem na arte paralelos muito interessantes, nos quais aquilo uns diabos, uns brincalhões.
que aparentemente c incompreensível é vigorosamente aviltado. Aque­ Como é, então, que um acto sem significado nos incomoda tanto,
las obras que se afastam partieularmente do sulco traçado são rotu­ se ele não tem sentido nem poder? Como e porquê tem ele tamanho
ladas de loucas, insanes ou heréticas. Este último adjcctivo c muitas efeito sobre nós? Ora, é precisamente esse poder do estranho c do
vezes utilizado livrcmcntc como um sinónimo dos dois primeiros, e desconhecido que nos perturba mais; o que provoca desconlorto é esse
vicc-versa. O observador mais amável, que adia o seu juízo enquan­ ataque à nossa maneira de encarar a realidade. Os actos que não são
to nao compreende, certo de que na devida altura poderá compreen­ reconhecíveis no seu significado induzem desconforto: põem cm causa
der, está a perpetuar o mito de que algumas coisas sucedem antes a nossa sanidade colcctiva. A maior rejeição c má vontade estão
do seu tempo. Evidentemente, não há nada que esteja à frente do reservadas àquelas obras e àquelas activ idades que tenham o desca­
seu tempo. O que se passa é que surgem actos, imagens e objcclos ramento de processar-se de fora da normalidade contemporânea. Uma
com os quais nos temos de confrontar antes mesmo, cvcntualmcntc, especial rejeição contempla tudo o que glorifique e aprofunde as
de possuirmos uma gramática prontamente disponível para os dcsco- diferenças. A nossa cultura essencialmcnte científica, de orientação
dilicar; mas não surgem noutro tempo que não seja o deles mesmos. mccanicista, espera dos seus intelectuais que se comportem como
A fúria dirigida contra a novidade — para Robert Hughes, a autênticos csclarcccdorcs-dc-mistérios e não como indutores de con­
«surpresa do novo» — 6 um sentimento idêntico àquele que experi­ fusão ou atiçadores de incêndios. Esta necessidade de esclarecer
mentamos perante quaisquer actos que pareçam movimentar-se fora mistérios como se fossem quebra-cabeças, de imaginar o intelec­
dos trilhos socialmcnte determinados. Foucault cm Loucura e Civili­ to humano como um laser que ilumine c destrua tudo à sua frente,
zação escreveu: «A definição mais simples c mais geral de loucura, indicia um mecanismo de negação face à inevitabilidade de os mistérios
cm sentido clássico, c o delírio (délire).» Esta palavra deriva de lira mais rcfractários existirem dentro de nós mesmos c não diante de nós.
(um sulco ou rego), de modo que DeUrio-Delirium significa rcalmcntc A rcacção do público e dos críticos perante o inaceitável e o
«andar por fora do sulco». desconhecido é allamcntc esclarecedor. Existe, por exemplo, um grande
O sentido original de délire (fr.), delírio (port. c cast.), delirious conjunto de provas do desconforto individual c social provocado pela
(ingl.), adquiriu uma certa tonalidade moral cm ditos populares como nudez. A pintura c a escultura, sem a «folha de figueira» ou a «parra»
«andar fora dos eixos» ou «perder a tramontana», ele., ainda que real ou metafórica, têm causado muito barulho entre os afectados c
Sauvages c Morcau de Tours tenham de algum modo reposto as coisas os intolerantes; c, se bem que a noção daquilo que se chama obsce­
no seu lugar dizendo que «o delírio c o sonho do homem acorda­ nidade esteja fora dos nossos objcctivos, será interessante notar que
do». os guardiões da nossa moralidade, na sua maior parte, afirmam que
Temos estado a tratar de um aspecto do choque provocado pela a sua função é proteger os outros das imagens, objcclos ou actos
proibidos. Não são cies os que se podem corromper com essas situa­ as massas, deve contribuir para o seu enriquecimento ideológico e para
ções, mas sim as crianças, os impressionáveis e os fracos de espírito... a sua educação moral.» Mais ou menos felicidade, mais ou menos
Os vigilantes da moral fazem sempre tudo para «proteger» os outros inspiração, que liberdade? Nessa mesma altura, um artista dissidente,
dos pensamentos que eles próprios experimentam. O Baile de Núpcias que queria expor os seus trabalhos cm Espanha, viu-se impedido de
dos Coclhinhos, uma figura de um livro infantil, foi retirado de cir­ o fazer, através de uma Nota do Ministério da Informação, que con­
culação nos estados do Sul dos EUA, em 1959, porque o «noivo» siderava a sua obra «demasiado social e demasiado política para poder
era negro c a «noiva» era branca, o que foi interpretado como fa­ ser exposta». O duplo discurso toma-se claro. «Liberdade Artística»
zendo parte de uma campanha para favorecer o intcgracionismo. Um significa sujcitar-sc à linha do Partido; a arte surge como propagan­
editor da Florida escrevia: «Isto não passa de uma lavagem ao cére­ da, e o Ministério da Informação informa que essa informação é
bro; se pegarem no livro c o folhearem, a primeira coisa que vos saltará proibida!
à mente é que esses coelhos vivem num regime de integração racial.» Aqui está um curioso exemplo de uma opinião censurada em nome
O Conselho Municipal de Buffalo, Nova Iorque, adoptou uma Reso­ da «boa censura»; esta frase de uma moça negra de dezasseis anos
lução no sentido de a estatuária da Allbridgc Gallcry ser resguarda­ foi retirada do catálogo da exibição do llarlem on my Mind por ler
da do olhar do público, isto ó, ser recoberta com panos ou retirada sido considerada anti-semita: «O nosso desprezo pelos Judeus faz-nos
das salas. As estátuas censuradas eram da «Idade de Ouro da Arte sentir mais Americanos, por estarmos a compartilhar um preconceito
Grega», incluindo a Vénus de Milo, a estátua de Apoio c a Vénus nacional.» Existem, cvidcnlcmentc, milhares de exemplos de outras
de Mediei. O bispo católico da rcspcctiva diocese achou bem que se formas de rejeição, supressão ou negação do que é novo, invulgar
tomasse semelhante medida, uma vez que, cm sua opinião, a exibi­ ou simplesmente desconcertante. Talvez um dos mais arrepiantes seja
ção pública da nudez era «uma perigosa insinuação da imoralidade, aquilo que sucedeu ao escultor llorcntino Piclro Torrigiano, encarre­
especialmente para o público menos amadurecido». Não estava, evi- gado pelo espanhol Duque d ’Arco de lhe executar a encomenda de
dcntcmcntc, a rcfcrir-sc a ele mesmo, mas aos outros. uma Madonna. Porém, nenhum dos dois concordou com o preço linal
Uma Exposição Internacional de Arte Moderna, realizada cm Nova da escultura c Torrigiano, simplesmente, destruiu-a. Conduzido à In­
Iorque cm 1913, provocou escândalo público, o escárnio da impren­ quisição de Scvilha, o artista foi considerado culpado c condenado à
sa c o ataque da crítica. Cerca de quatro centenas de obras de pin­ morte por «sacrilégio»! As implicações deste julgamento c da rcs­
tura, gravura c escultura de jovens artistas de então, entre eles Cézanne, pcctiva sentença são empolgantes, pois, se o homem era um herege
Matissc, Gauguin, Picasso c Van Gogh, serviram para «gerar distúrbios» desse calibre, como é que foi capaz de conceber uma obra suficicn-
c «despertar alguns antros de depravação». O New York Times clas­ temente santa para o tornar culpado de sacrilégio?
sificava a Mostra como patológica e medonha. Comentários poste­
riores, escritos após a transferência da Exposição para Chicago, afir­
mavam que «a ideia de que alguém pode olhar para semelhantes coisas Não se advoga, aqui, uma sociedade sem desvio — sem arte —-
sem se sentir ofendido é um puro disparate». O dircctor do Instituto nem uma atitude necessariamente mais «liberal» para com o margi­
de Arte de Chicago avaliava assim os trabalhos cubistas cm exibi­ nal. Não é nossa intenção apurar aqui se a sociedade deve ser tota­
ção: «um jogo de moeda-ao-ar entre a loucura c a impostura». Po­ litária, militarista ou liberal-decadente. Estes pólos opostos do ciclo
rém, o equilíbrio acabaria por ser de algum modo reposto através da social histórico contêm consequências políticas e sociais que são mais
observação de um comentador, segundo o qual «a arte eslava a fáceis de entender através de instrumentos sociais e políticos.
recuperar ali a sua loucura essencial».
Numa declaração de princípios do Partido Comunista da URSS
dos linais dos anos 60, relacionada com «a liberdade artística», dizia- É a busca implacável de uma forma de tornar concreto o misté­
-sc. «A arte deve ser uma lontc de felicidade c de inspiração para rio do nosso ser que acaba por, mais cficazmcntc, nos barrar o caminho.
Da nossa forma monossémica dc construir um modelo do universo,
essencialmcnlc euclidiana, tiramos a conclusão dc que todos os mistérios
Foucault (1963) disse que «a loucura tem coisas em comum com
são meros problemas que, como todos os problemas, se podem re­
a linguagem da arte», mas não disse que ambas eram a mesma coisa.
solver desde que se disponha da adequada formulação teórica.
A loucura não está na natureza da mensagem mas na inexprcssibili-
É possível que a loucura seja a tirania do pensamento indizí­
dade da situação. É possível, mas a arte da psiquiatria — uma
vel — o qual, apesar disso, pode ser tomado mais significante e mais
expressão efémera na história da arte de ser humano — exige-nos
compreensível. Desse modo, poder-se-ia encarar a arte como o pen­
que reconsideremos os fundamentos em que assentam as nossas es­
samento usufruído cm comum, num jogo dc equilíbrios entre lingua­
truturas profissionais c as nossas maneiras dc reagir; as bases cm que
gens, ora comuns ora secretas, mantendo, porem, aquela componente
assentamos a nossa forma de viver e as nossas famílias; e, concerteza,
«louca», sem a qual a arte se toma descritiva ou se transforma num
que reparemos na estranheza dc muita da nossa lógica, e da neces­
estereótipo fugaz dc determinada moda ou, ainda, num mero instru­
sidade que temos de obter concordâncias e analogias. Os factos existem
mento de propaganda do Poder do Estado. Nós temos necessidade do
no terreno, como existem na arte; podemos aprender tanto sobre as
espelho, isto c, dc algo que nos ajude, dc fora, não a confirmar «quem»
propriedades dos fármacos e dos pigmentos como acerca da compul­
nós pensamos ser, mas a descobrir efcctivamcntc aquilo que somos.
são c do mármore, por exemplo. Sc é a loucura que fornece o ímpeto
sublime e se, como disse Foucault, ela é «contemporânea da obra de
arte», então, é a combinação da loucura c da linguagem que pode
O pintor e escultor Mareei Duchamp (1972), que tão profunda-
dar origem à expressão criativa.
mente influenciou a nossa visão do mundo, no início deste século,
viria depois a abandonar a actividadc artística. Numa entrevista que
concedeu em 1963, disse: «No fim dc contas, devo ter deixado de
Ao tratarmos um corpo que não apresenta lesões, somos como
intervir como artista por não sentir, certamcnte, grande vontade de
os nossos antepassados que apenas procuravam cxorcisar os demónios.
me tornar numa vítima da integração dos artistas na sociedade.» Torna-
Por sermos incapazes ou por não termos vontade dc mudar o mundo
-sc assim mais claro que a domesticação do indivíduo é uma ques­
dc acordo com as necessidades e as caractcríslicas do outsider, ten­
tão dc tempo, e que resistir o máximo de tempo possível é a única
tamos fazer com que este se modifique dc maneira a conformar-se
estratégia.
com o mundo. Ele é, de facto e antes de mais, um observador de
A instituição do paciente involuntário cm psiquiatria é, para
dentro que olha para fora: uma sentinela. A sua loucura, ao fim e
Thomas Szasz (1971), a transformação daquela prática numa exten­
ao cabo, pode estar apenas em ter edificado um mundo que não nos
são da lei — o que tem um particular atractivo, que, no entanto, só
pode descrever.
pode atrair rcalmcntc um outsider muito ingénuo. Ao fim c ao cabo,
ou se trata de um «esquecimento» dc somenos ou, pior, significaria
um ncodarwinismo cugénico: a aplicação da lei do mais forte, na luta
pela sobrevivência, àquilo que se julga ser mais adequado cm maté­
ria humana. Thomas Szasz não fez mais que substituir a miséria da
intervenção pela moral da selva.
Nas nossas notas de abertura dissemos que acrcdilávamos existir
uma certa confusão entre «Loucura» e «Criatividade»; que os rótulos,
ansiosamente procurados, são depois utilizados de uma forma incor-
rccta.
Capítulo II

Da crítica ao conceito de «compreensão»


de K. Jaspers à abordagem «ideográfica»
da «esquizofrenia»

PROFESSOR: llow does it come aboul that while lhe lower classes lalk withoul
knowing which language theyre speaking, while each person actually believes he is
speaking a language that, in fact, he is not, they all somehow manage to communicate
satisfactorily with one another?
PUPIL: Wonders will never cease.

E. I O N E S C O
1. Introdução

Neste capítulo iremos tratar das possibilidades e dos processos


através dos quais poderemos tentar «compreender» as pessoas que vêm
sendo «diagnosticadas» como «esquizofrénicas» e de que modo po­
derão essas possibilidades e procedimentos ter (ou não) implicações
quanto ao modo de abordar o «diagnóstico», a «acção terapêutica» e
o «prognóstico» desta situação.
Decidimo-nos por examinar o conceito de «compreensão» não
apenas porque tem sido um critério muito importante para o diagnósti­
co de «esquizofrenia», mas também porque esse conceito se encon­
tra relacionado muito de perto com teorias muito vulgarizadas c que
tratam das «causas» e da «natureza» das «perturbações esquizofrénicas».
Os nossos colegas aplicam o rótulo de «esquizofrenia» a um grupo
de pacientes em que detectam uma «ininteligibilidade inaceitável»,
por outras palavras, a maioria dos psiquiatras acha que a situação c
as ideias destes pacientes são tão ininteligíveis como indesejáveis.
Para nós, a questão essencial não é cuidar de saber o que a palavra
«esquizofrenia» significa do ponto de vista semântico, mas, antes, tentar
csclarcccr as formas como tem sido usado esse rótulo c as consequên­ lados irregulares e multifacetados pouco mais é do que sugestões
cias que isso possa ter na práxis clínica dos psiquiatras. de estruturas globais e generalizações significantes. Procura o siste­
As alterações como os «delírios», as «alucinações», as «altera­ ma, a simplicidade, a delimitação do terreno; e quando se satisfaz,
ções formais do pensamento» e os «sintomas catatónicos», por mais linalmente, com estes resultados, “talha” a verdade conveniente.
impressionantes e estranhos que pareçam, são possivelmente susccptíveis 1'anto “decreta” como descobre as leis que “demonstra”, assim
de interpretações significativas, no contexto da «história vilae» dos como projecta, do mesmo modo que discrimina, os modelos que
pacientes. Sc adoptarmos uma atitude de «senso comum» rclativamente delineara.»
à possibilidade de «compreensão» do comportamento dos outros seres Evidcntcmcnle, a nossa liberdade está longe de ser absoluta c é
humanos, ficamos sempre sujeitos a perder grande parte da sua si- necessário todo o cuidado para não nos deixarmos conduzir por escolhas
gnificância; é bom não esquecermos que, até ao surgimento de Frcud aleatórias ou por programas de acção sem qualquer sentido.
na «cena psiquiátrica», muitas das aeções humanas consideradas hoje Teremos de ter em conta, evidcntcmcntc, o «estado da arte» num
«compreensíveis» (por exemplo, lapsus linguae e lapsos de memória, dado momento histórico e, por outro lado, qualquer suposição que
sintomas obsessivos e histéricos, etc.) eram vistas ora como aconte­ estejamos autorizados a fazer acerca da «esquizofrenia» não poderá
cimentos casuais ora como sintomas «patológicos» devidos a meca­ ignorar o que os pacientes realmcntc fazem ou dizem. Como disse
nismos causais localizados algures dentro do Sistema Nervoso Cen­ Nelson Goodman (1978), «enquanto a aptidão para reconhecer a
tral. possibilidade de vias alterna'ivas pode ser libertadora e sugestiva de
Em nossa opinião «compreender ou não compreender» é uma novos caminhos amplos de exploração, o voluntarismo que pretenda
alternativa resolvida, com muita frequência, não através da chamada acolher todos os mundos não conduzirá a nenhum. A simples cons­
«natureza da doença», mas através das «lutas de poder» travadas entre tatação das muitas tramas de referência utilizáveis não nos fornece
os profissionais de saúde mental, e, ainda, entre estes profissionais c qualquer mapa do movimento dos corpos celestes; a aceitação da
os seus pacientes. A disponibilidade de tempo, a preocupação e o possibilidade de escolha de bases alternativas não produz qualquer teoria
interesse intelectual relativamcnte aos problemas dos pacientes são científica ou qualquer sistema filosófico; o conhecimento das múltiplas
verdadeiros «luxos» que os profissionais de saúde mental raramente formas de ver não conduz, por si só, a pintar quadros. A largueza
estão dispostos a dispensar com generosidade... de espírito não substitui o trabalho árduo».
Na realidade, a capacidade de «compreender» depende, cm grande Reconhecemos, pois, que ao tentar «compreender» os pacientes
parte, da capacidade imaginativa dos psiquiatras e também do seu diagnosticados como «esquizofrénicos» estamos a entrar num jogo de
envolvimento com o paciente; talvez tenhamos aceite com demasia­ apostas c a «montar» um «cavalo» numa «corrida» que está longe
da ligeireza a «nâo-comprccnsibilidade» da «sintomatologia» dos «esqui­ de ter terminado. Pela aragem dos tempos, contudo, pensamos ter boas
zofrénicos», provavelmente influenciados pelas ideias preconcebidas razões para fazer esta aposta e tentar demonstrar que ainda existem
que iam de encontro aos interesses e fidelidades de escola cm que «vários caminhos para percorrer c explorar». Como disse Goodman
nos encontremos inseridos. (1978), «a descoberta das leis implica o seu planeamento prévio.
Neste livro esforçar-nos-emos, pois, por demonstrar que os psi­ O reconhecimento de modelos é antes de mais um trabalho de os in­
quiatras têm à sua frente várias maneiras de «criar o mundo», no ventar e impor. A compreensão e a criação caminham lado a lado».
momento cm que interacluam com os seus pacientes «esquizofréni­ Sc alguém conseguir encontrar, uma «explicação física» devidamente
cos». Com Goodman (1978), podemos dizer: «A verdade, longe de convincente para as vivências c o comportamento dos pacientes
ser um Patrão solene c grave, é um Servo obediente c dócil. O cientista «esquizofrénicos», ccrlamcnlc que haveremos de reconhecer, então,
que se supõe a si mesmo decididamente devotado à procura da verdade o carácter falacioso desta nossa abordagem.
ilude-sc a si próprio. Porque aquilo que faz é continuar a “espremer”
ad aeternum pequenas verdades triviais; e o que encontra nos resul-
ESQUIZOFRENIA» 53
prova das provas do que ele mesmo pretendia demonstrar. Na ausência
2. Karl Jaspers e o conceito de «compreensão» de critérios «objectivos» para o diagnóstico de «esquizofrenia» (ao
contrário, por exemplo, dos pacientes com Paralisia Geral, nos quais
Iremos agora discutir, com algum pormenor, o conceito de «com­ llayle pôde detectar um «espessamento das meninges») (cf. Moore e
preensão» e desafiar as opiniões básicas de Karl Jaspers sobre o assunto. Solomon, 1934), Jaspers não pôde evitar um certo tipo de pensamen-
Na Psicopatologia Geral, de 1913, Jaspers considerava a «esqui­ lo tautológico, ao definir a «esquizofrenia» pela «incompreensibili-
zofrenia» como um exemplo de «processo psicótico», uma «doença», dade» dos seus sintomas, ao mesmo tempo que considerava esses
que c, com toda a probabilidade, de «origem orgânica» e que se carac- mesmos sintomas «incompreensíveis» na medida em que eram pro­
teriza por sintomas «específicos» que não nos c possível «compreen­ vocados por uma «doença» a que chamava «esquizofrenia».
der» cm função da «biografia» e dos «acontecimentos vivenciais O «Jogo da Linguagem» é um jogo bastante perigoso; muitas vezes
significativos» (life events) do paciente. convencemo-nos de que estamos a falar de «coisas reais» quando, em
Ao discutir aquilo a que chamava «o problema fundamental da boa verdade, estamos a utilizar palavras em proveito da nossa causa.
psicopatologia» (isto c: «trata-sc de um desenvolvimento da perso­ É curioso notar que ao mesmo tempo que os psiquiatras se mostram
nalidade ou de um processo?»), Jaspers escrevia (1913): «o carácter muito perfeccionistas na correcção dos erros conceptuais e dos hábitos
incompreensível do processo representa o limite da nossa compreen­ linguísticos individualistas dos seus pacientes [é o caso, por exem­
são c terá de ser visto no sentido de um fenómeno biológico subja­ plo, da «psicoterapia cognitiva» de Beck (1976), da «terapia racio-
cente, c não em conformidade com a própria Existência, cm si, que nal-cmotiva» de Ellis (1973) e da «teoria dos constructos pessoais»
suporta a vida e lhe dá realidade. de Kelly], já não se mostram tão rigorosos no exame (e na reflexão)
«O conceito filosófico de Existência, em si mesmo, não pode apli­ dos seus próprios «jogos de linguagem».
car-se à investigação psicopatológica concreta. Sc for aplicado desse Em relação a isto, seria interessante referir que mesmo um autor
modo, perderá inevitavelmente o seu significado muito especial c mais tão «ortodoxo» como Fish (1966) foi forçado a reconhecer que: «seja
profundo. As modificações que acontecem na existência humana não qual for o conceito de esquizofrenia que utilizemos, deveremos ter
constituem modificações da Existência em si. A transformação do em mente que a nossa classificação das psicoses não-orgânicas se baseia
indivíduo como um todo e do seu mundo próprio, através de fenómenos em quadros clínicos e não na etiologia. Até que se possa classificar
de natureza biológica que provocassem uma distorção do curso da sua as doenças mentais com base em alterações neurofisiológicas e bio­
vida, c a transformação provocada pelas escolhas imponderáveis da químicas subjacentes, nada poderemos acrescentar de novo à argu­
Existência são duas realidades completamcntc diferentes que se não mentação já existente sobre o conceito de esquizofrenia e de demen-
podem colocar no mesmo plano. A segunda, aliás, não tem qualquer lia praecox, a qual tem vindo a ocupar os melhores cérebros da
valor de realidade para a ciência da psicopatologia. A invasão da psiquiatria dos últimos setenta anos».
personalidade por um processo, em lugar de enriquecer a liberdade É interessante salientar que o próprio Jaspers não deu uma ajuda
Existencial, reverte numa manifestação de loucura». por aí além, ao reconhecer que os pacientes «esquizofrénicos» eram,
O que é que Jaspers entende por «Existência cm si»? O que vêm além do mais, «diferentes» dos pacientes com Paralisia Geral. Sobre
a ser «modificações da existência humana» c como c que elas se isto, escreveu ele na Psicopatologia Geral (1913): «[...] mas as al­
poderão diferenciar das «modificações da Existência em si»? Como terações psíquicas que surgem na Paralisia Geral são de uma natu­
poderemos nós distinguir (na ausência de critérios de validação in­ reza radicalmcnlc diferente das que se verificam na esquizofrenia.
dependentes) «as distorções provocadas por fenómenos da natureza No primeiro caso, é como se tivesse sido destruída uma pequena pe­
biológica» das «transformações provocadas pelas escolhas imponderáveis ça de relojoaria — as destruições grosseiras têm um interesse rclati-
da Existência cm si»? vamente menor. No segundo caso, é como se um relógio começasse
Não vamos censurar Jaspers por causa das suas opiniões, mas o a trabalhar mal, parasse e começasse a trabalhar de novo corrcc-
que não se pode é encarar tudo aquilo que escreveu como se fosse a
tamcnlc. Em tal caso, procurar-se-iam alterações selectivas, específicas. opta por concluir esse mesmo capítulo com uma afirmação categórica:
Mas há mais: a vivência esquizofrénica é singularmente produtiva. «a investigação dos fenómenos biológicos fundamentais e do desen­
Em certos casos e a seu modo, o conteúdo dessa vivência esquizo­ volvimento significativo da história vitae culmina numa diferencia­
frénica c tudo o que ela representa podem criar, em si mesmos, um ção dos tipos de vida individual: o desenvolvimento coerente de uma
novo tipo de interesse; sentimo-nos muitas vezes atónitos c sacudi­ personalidade (baseado no curso normal dos períodos biológicos etários
dos ante a presença de segredos estranhos e numinosos, o que, neste c de todas as várias fases contingentes) e a disrupção de uma vida
sentido, não é o que possivelmente acontece quando nos deparamos que se quebra cm duas e se desagrega, porque, cm determinado
com a destruição grosseha, as irritações e os períodos de excitação momento, surgiu um processo que veio intervir nos acontecimentos
da Paralisia Geral. Mesmo quando viermos a descobrir os processos biológicos, alterando de uma forma irreversível c incurável a vida
somáticos subjacentes às psicoses, persistirá sempre um profundo psíquica, ao interromper o curso dos acontecimentos biológicos». Noutra
contraste entre as diferentes psicoses e, provavelmente, também um passagem do mesmo livro (p. 704), Jaspcrs afirma: «independente-
grande interesse, embora de outra natureza, pelas suas manifestações mente das dificuldades do caso individual, e apesar delas, temos de
psíquicas». evitar estender a compreensão para lá dos limites do compreensível.
Mais clarificadores ainda, face à complexidade deste assunto, e Há aqui como que uma atitude fundamental da psiquiatria, c daí a
às próprias dúvidas e perplexidades de Jaspcrs, são os comentários tão notória tentação pela polémica. Todas as tentativas de compreen­
deste autor no Capítulo x iv da Psicopatologia Geral (tradução ingle­ der a esquizofrenia se parecem relacionar com uma tendência para
sa): «a abordagem biológica dos casos é de um grande interesse, cm negar os factos do processo cm toda a sua especificidade».
especial quando eles não permitem, de modo algum até ao momen­ Depois de lermos Jaspcrs, ficamos com a impressão de que pouco
to, estabelecer uma distinção clara entre desenvolvimento da perso­ poderemos ajudar se perguntarmos: Que «factos»? Que «processo»?
nalidade c processo. Existem os raros casos dos chamados verdadei­ Que «especificidade»? Que significado tem a expressão «para além
ros “paranoicos”, as alterações compulsivas progressivas, as “insânias” da compreensão humana»? Quem define (e como) o reino c as fron­
sem quaisquer sintomas primários (falsas pcrccpçõcs, alterações do teiras do «compreensível», para lá dos quais é interdita a passagem?
pensamento, ideias delirantes primárias, fenómenos de passividade, Em Steps to an Ecology o f Mind, Grcgory Batcson (1978) de­
alienação do pensamento, etc.), ainda que talvez com negativismo c fende um ponto de vista complctamcntc diferente, quando diz (p. 193):
bloqueio (os quais nem sempre se podem distinguir claramcntc de «há muitos autores que têm tratado da esquizofrenia como se ela
fenómenos neuróticos, resultantes de complexos). Se nestes casos não estivesse cm contraste extremo com quaisquer outras formas de
se encontra uma interrupção do sentido biográfico, no modo de início pensamento e comportamento humano. Se bem que se trate de um
de determinada síndrome conhecida, os diagnósticos tendem a ser dis­ fenómeno isolávcl, a verdade é que prestar demasiada atenção às
cordantes, mesmo entre especialistas experimentados. O que um es­ diferenças cm relação ao normal — mais ainda do que a receosa
pecialista considera ser um desenvolvimento anancástico, uma neu­ segregação física (isto é, «racial») dos psicóticos — não ajuda a
rose ou uma psicastcnia, é considerado por outro como uma esqui­ compreender os problemas. Na nossa abordagem defendemos que a
zofrenia. Seja uma alteração da personalidade seja um processo, uma esquizofrenia pressupõe princípios gerais que são importantes cm todos
personalidade claramcntc anormal ou uma transformação esquizofré­ os tipos de comunicação e que, por isso mesmo, será possível des­
nica de uma maneira de ser que era, anteriormente, muito diferente, cobrir nela similitudes informativas com muitas situações de comu­
são dois diagnósticos que se opõem ainda de uma maneira tal que, nicação “normal”».
não só se torna possível o surgimento de “casos difíceis” como, cm A este propósito achamos que vale a pena referir rapidamente
face disso, são os próprios conceitos fundamentais que ficam cm xeque, algumas ideias de E. Blculer (1911) sobre a «entidade» a que, atra­
pelas suas limitações constantemcntc verificadas». vés da sua investigação e dos seus escritos, viria a dar o nome. Ainda
No entanto, apesar das suas dúvidas e reservas iniciais, Jaspcrs que, do ponto de vista teórico, aceitasse as ideias de Kracpclin quanto
à delimitação da entidade clínica dementia praecox e o curso pro­ importantes para o tratamento e o manejo geral do paciente do que
gressivamente deteriorante da «doença» (bem como a noção subja­ qualquer hipotética causa orgânica para a sua doença».
cente, segundo a qual por detrás da sintomatologia haveria uma Stierlin (1967) disse: «[Bleuler] tomou-se cada vez mais insistente
qualquer alteração orgânica), E. Bleuler apresentou uma teoria psi­ sobre as causas orgânicas da perturbação. Ainda que possamos ler no
cológica da «esquizofrenia» claramente inspirada em Freud e na Escola seu tratado: “nada se sabe ainda sobre aquilo em que se baseia o
Psicanalítica. processo patológico”, logo nos é ensinado que “em estados agudos
Não esqueçamos que Eugen Bleuler, enquanto tentava ainda encontram-se vários tipos de alteração nas células ganglionares. Em
«compreender» a «esquizofrenia» (e inventar o respectivo neologis­ casos de longa evolução, a massa cerebral está um tanto reduzida;
mo) tornou famoso o aforismo: «quanto mais histérica é a histeria, muitas células ganglionares, em especial da 2.* e da 3.* camadas, estão
mais esquizofrénica é a esquizofrenia» (!!). Ele chamou a atenção para alteradas de várias formas; por vezes, as fibrilas das células c os axónios
as semelhanças que existem entre os sonhos e os sintomas «esquizo­ parecem conter anomalias. A glia encontra-sc sistematicamente en­
frénicos» e comparou o seu próprio conceito de «pensamento autis­ volvida: diversas alterações nos vários tipos de células, aumento das
ta» com o conceito de «processos elementares do pensamento», de células pequenas. Existe um depósito de pigmento e outros materiais
Freud; escreveu Bleuler (1911): «os complexos patogénicos [isto é, catabólicos, aumento das fibras mais delicadas da glia, e assim por
“esquizofrenia”] sobrevalorizaram e perverteram o impacto equilibra­ diante”».
do da linguagem». Stierlin (1967), a propósito de Bleuler, disse: «ao A opção de E. Bleuler foi acima de tudo uma decisão «estraté­
dar relevo ao facto de os sintomas esquizofrénicos serem um exage­ gica», modelada pela Wellanschauung (Maneira de estar no mundo)
ro das vivências normais, ao carácter todo-poderoso do aparelho psi­ da instituição académica e apoiada na autoridade «magistral» de Krac-
cológico, e ao reconhecer que existem muitas formas abortivas e pclin.
latentes de esquizofrenia, Eugen Bleuler ameaçou realmente o edifício Não devemos esquecer que Kracpelin estudou os seus «casos
teórico de Kracpelin, quando pretendia acabá-lo e dar-lhe suporte. Foi clínicos» num contexto muito artificial e «deformador da realidade»,
esse o resultado paradoxal dos seus esforços, e se fosse tomado em como são os grandes hospitais psiquiátricos, e tal como eram orga­
devida conta poderia ter aberto novas e apaixonantes perspectivas. nizados e como neles se trabalhava, na Alemanha do início do sé­
O que aconteceu foi que durante muito tempo não se tirou partido culo. Os pacientes (em especial os «psicóticos») eram observados e
nenhum disso c a principal razão pode jazer com os ossos de Bleu­ «tratados» como «objectos cicntificamcnte interessantes» (e perigo­
ler». sos), que apresentavam montes de «sintomas psicopatológicos curio­
Segundo parece, E. Bleuler deixou-se afundar progressivamente sos e bizarros», obviamente (?) provocados por «causas naturais» e,
pelas contradições a que os seus trabalhos conduziam, cm contraste consequentemente, «completamente» à margem de qualquer tipo de
com Freud que, pouco incomodado com os seus críticos, prosseguiu razões humanamente «compreensíveis», tal como foi assinalado por
solitariamente o seu caminho de «construção de uma teoria». Depres­ Goffman (1961), Roscnhan (1973) e Laing (1960).
sa advertido pelos colegas de que estaria a pisar um terreno muito A «Ciência» nunca é neutral e, nos seus procedimentos, é sem­
escorregadio, E. Bleuler acabou por sucumbir às pressões conciliares pre possível descortinar a influência das nossas afiliações e objecti-
dos académicos. vos.
Segundo Fish (1964), «se bem que houvesse excepções impor­ A rcacçâo de Kracpelin e de Jaspcrs, entre outros, à descrição
tantes, pode dizer-se que, em geral, o que a Psiquiatria Germânica do «delírio sensitivo de auto-referência», de Kretschmer (1918), é mais
terá ganho em rigor científico (?) e em conhecimento clínico (?) perdeu- um bom exemplo, em nossa opinião, das «pressões do poder político»
-o cm humanidade. A abordagem neurológica somática da psiquia­ sobre e no interior dos meios académicos. Rasmusscn (1978), a este
tria conduziu naturalmente ao negligenciar dos aspectos psicológicos propósito, escreve: «Sobre a publicação do livro de Kretschmer,
e sociais da doença mental, os quais, por vezes, podem ser muito mais Kracpelin (e mais ainda os seus discípulos) adoptou uma atitude de
cerla reserva, devido à importância que dava ao curso e à evolução lo cuja «compreensão» é impossível deva merecer menos crédito que
para avaliar a validade de uma entidade, e, tendo em conta o seu o conhecimento susceptível de «compreensão»!! Se é logicamente
método de trabalho, afirmava que era necessário um período de demonstrável que um dos diagnósticos médicos mais frequentes de
seguimento prolongado para que tal quadro pudesse ser aceite como «doença» crónica incapacitante depende de semelhantes critérios, é
algo mais do que um “complexo de sintomas” (Kraepclin e Lange, evidente que valeria bem a pena submeter esses mesmos critérios ao
1927). Jaspers (1973) previa que o livro haveria de vir a ocupar um exame de um espírito disponível para a crítica.
lugar cativo na história da psiquiatria, mas não podia aceitar que, com
base na mera análise do meio envolvente, do carácter, da predispo­
sição e da experiência vivcncial, fosse exequível a familiarização, fosse 3. O conceito de «compreensão» e a abordagem
por quem fosse, de como é que os conflitos e os afectos vinham
desembocar cm ideias delirantes ou em delírios verdadeiramente «ideográfica» da «esquizofrenia»
irredutíveis; isto é, como é que eles podiam ser, assim, “compreen­
didos”. A linha divisória que ele mesmo havia traçado, alguns anos Em nossa opinião, o conceito de «compreensão humanista» com
antes, no seu livro Allgemeine Psychopalhologie, entre o compreensível que nos temos ocupado não é um conceito comprovável de um modo
(que se pode atingir empaticamcnte) e o esscncialmente ininteligível concreto, para o qual possamos definir critérios e limites «objccti-
(determinado por um processo), não é agora respeitada. Em edições vos». Para avaliar a sua utilidade, quer como instrumento «diagnóstico»
subsequentes da Allgemeine Psychopalhologie, não só não aceitava quer como bitola «terapêutica», no estudo clínico da «esquizofrenia»,
ainda o sensitiver Bezichungswahn como afirmava que muitos des­ somos forçados a depender da intuição e da imaginação humanas e,
ses casos eram, cm boa verdade, «esquizofrenias benignas de início ainda, de querer ou não aceitar o próprio conceito.
tardio.» Jane Austcn, Shakcspcarc, Thomas Hardy ou Gocthe, nada sabiam
De toda esta polémica, fica-nos a sensação nítida de que o conceito decerto acerca das pessoas (embora tenham feito jus à reputação de
de «compreensão» nunca foi inteiramente discutido e clarificado, pese inspirados «pintores» ou «retratistas» da alma humana), mas, no en­
embora a sua «sólida» reputação, entre sucessivas gerações de psi­ tanto, os conceitos correntes entre os psiquiatras parecem levar à con­
quiatras, como critério «pronto-a-vestir» para o diagnóstico da «es­ clusão de que é possível distinguir francamente entre «compreensão
quizofrenia». Desde os tempos de Jaspers, Kraepclin e Eugcn Blcu- humana» de problemas humanos, por um lado, dos problemas huma­
ler, de facto, aquele «à margem da compreensão humana» tem vin­ nos para os quais, por outro lado, é necessário procurar uma «expli­
do a reforçar as expeclativas de uma explicação bioquímica elemen­ cação científica», uma vez que são «doenças mentais». Por outras
tar das «psicoses», nomeadamente da «esquizofrenia» (já que se exigem palavras, o conceito de «esquizofrenia» depende de se aceitar que
«explicações científicas» para todas as experiências vivenciais que nós, determinadas coisas podem compreender-se e outras coisas não, apesar
como seres humanos, não podemos compreender); e tem vindo a ser de nenhumas delas se poder quantificar e objectivar estatisticamente.
conjugado, para idênticas finalidades, com nosologias psiquiátricas Mas o que é que significa dizer que não é possível compreender
filiadas nas estatísticas — mesmo sabendo nós que os métodos es­ alguém? Será que as opiniões significantcs dos seres humanos, acer­
tatísticos não podem produzir classificações objcctivas. As classifi­ ca do mundo e das pessoas, caem do céu?
cações servem sempre um determinado propósito... Para responder a esta questão, temos de estudar em grande por­
Curiosamente, aliás, o diagnóstico de «esquizofrenia» (e a sclcc- menor a «história vitae» dos nossos pacientes, por forma a que se
çâo do chamado «Material» para os estudos sociológicos, farma­ obtenha, ao cabo disso, algo de aproximado a uma biografia pessoal.
cológicos c bioquímicos, que têm sido desenvolvidos neste campo) Afinal de contas, a investigação nos domínios da «psiquiatria» é
tem sido baseado cm «sintomas» que não estamos em condições de frequentemente mais semelhante à busca de um significado para um
«compreender», muito embora seja evidente que aquele conhccimcn- «poema» (ou qualquer outro tipo de «texto») do que uma pesquisa
para a descoberta de «causas» (') (como sucede na «Física» ou na conseguir um «diagnóstico clínico» mais fácil. Por mais atractiva e
«Química»), se bem que não devemos esquecer que o conceito de «científica» que possa parecer, parece-nos que esta estratégia tem o
«causa» é hoje encarado com muito mais relativismo do que há algumas risco de conduzir a uma autêntica «petrificação» dos «conteúdos
décadas atrás, antes do surgimento de homens como Heisenberg (1962) mentais» dos pacientes, tendo em vista uma pretensa «objectividadc»
e Bohr (1976). c «neutralidade». Ao utilizarmos rótulos para nomear as «coisas» que
Evidentemente, temos de ter presente, também, que nunca nos será supomos estudar, pode ser-nos transmitida a errónea convicção de as
possível explicar ou compreender completamentc a vida de outrem; termos descoberto e, em certo sentido, de passarmos a ser donos delas,
apenas nos é permitido o «olhar de relance» sobre os motivos e expe­ quando, ao cabo de tudo, apenas estivemos a lutar contra moinhos
riências pessoais dos outros. de vento e a desperdiçar oportunidades de ter um diálogo significante
Ao fim e ao cabo, o mesmo se pode dizer dos feitos e das ac- com os nossos pacientes.
tividades de investigação dos «cientistas naturais». O próprio Ncw- Seria, na verdade, muito surpreendente se o médico pudesse,
ton pouco adiantou, quando disse: «não sei o que é que cu possa utilizando este tipo de abordagem, «compreender» de facto os seus
representar para o mundo, mas para mim mesmo pareço ter sido apenas pacientes... Tendo cm conta estes aspectos, gostaríamos de propugnar
um rapaz que brincava na praia, divertindo-mc a descobrir, aqui e por um estilo de «história clínica» mais imaginativo e mais «conforme
além, um seixo polido ou uma concha mais bonita, enquanto o imenso com a vida» e, ainda, por um mais elevado grau de atenção, com
oceano da verdade permanecia diante de mim, completamentc por des­ vista, não apenas a repararmos na própria categorização que infli­
cobrir». gimos aos pacientes, mas também nos motivos que nos levam a
Estamos sujeitos a erros de paralaxe nas versões que damos das fazê-la.
biografias dos pacientes «esquizofrénicos». Napoleão não andava muito O perigo — e, quem sabe, o próprio objectivo (?!) — de uma
longe da verdade quando disse: «a História não passa de uma fábula análise demasiado forçada e artificial dos «conteúdos mentais» dos
a que se costuma dar crédito»... pacientes, como se estivéssemos a juntar sucessivos «instantâneos foto­
No entanto, cremos que a abordagem «ideográfica» será sempre gráficos», consiste na «neutralização» do paciente, enquanto indivíduo
mais adequada a produzir um quadro vivo e penetrante do compor­ vivente, c na sua transformação num «objccto» completamente dife­
tamento passado e presente dos pacientes do que os modos «oficiais rente, cm natureza, cm qualidades, c em motivos c medos elementa­
e recomendados» de elaboração de «histórias clínicas». res, em relação ao observador «científico». Através desta operação,
De facto, se os psiquiatras não acreditam na possibilidade de o médico ficaria, implícita e dcfinitivamcnte, colocado numa espé­
«compreender» o que um determinado paciente diz ou faz, limitar- cie de «zona protegida», a partir da qual pudesse fazer «diagnósticos»
-sc-ão a tentar colcccionar aquilo que a priori definem como «sinto­ e tomar decisões, sob a protecção do seu «Código de Definições
mas relevantes» (segundo as principais «entidades nosológicas» defi­ Diagnósticas», isto é, do seu próprio discurso profissional. No dizer
nidas pelos «códigos diagnósticos» com que estão de acordo), con­ de Foucault (Scheridan, 1980) «o discurso aparece quando a capaci­
firmando, no fim, as suas próprias previsões. dade humana da fala se torna altamente desenvolvida, formalizada,
A partilha da «realidade subjectiva» dos outros seres humanos, submetida a regras, e desenvolve-se sob a égide de um conceito
com a finalidade de conseguir um quadro mais nítido das suas expe­ normativo, do tipo “permitido/proibido”, “racional/irracional”, “ver-
riências vivcnciais e do «fluxo da consciência», assemelha-se a uma dadciro/falso”. Mas o limite do dizível e, a fortiori , do que se pode
tentativa de obter «fotografias mentais» seriadas, com o fim de ver e pensar, está imbuído do “erro” que mora no seio de qualquer
representação do “real”».
A tentativa de «compreender» o comportamento dos pacientes
(’) Para uma mais detalhada discussão do problema das «Razões» e das «Cau­ (e a abordagem «ideográfica» que pressupõe) implica que nós queira­
sas», ver o capítulo III deste livro.
mos realmcnte colocar a discussão ao nível do paciente, levando-o a
sério, como uma pessoa que lenta comunicar alguma coisa (Bateson, «compreender» essas pessoas, decidindo desde o início acentuar a
1978), ou então — num certo sentido, é a mesma coisa — que tenta distância que «nos» separa «delas»; partindo desta irredutível distân­
esquivar-se a essa mesma comunicação. cia, os psiquiatras concluem pela «absoluta impossibilidade» de
Não devemos esquecer que muitas opiniões e pontos de vista de «compreender» os «sintomas psicóticos», confirmando, a partir daí,
pessoas «normais» podem ser erróneos, mas são compreensíveis e, ás a «origem orgânica» da «doença esquizofrénica».
vezes, podem ser modificados através da discussão humana habitual. Essas ideias derivam provavelmente daquilo que se consideram
Com esta discussão, tentaremos oferecer ao paciente (de uma forma as vias «objectivas» e «científicas» para abordar e estudar a «reali­
tão honesta quanto possível) as nossas próprias ideias e opiniões sobre dade». Se os «esquizofrénicos» são pessoas assim tão «estranhas» e
as ideias dele, embora, necessariamente, numa atmosfera amistosa e «diferentes», então é porque eles deverão pertencer a uma outra
acolhedora. Esperamos que esta mudança na «forma de ver o mun­ «realidade», com a qual há que lidar de forma cautelosa e despren­
do» (e a demonstração da nossa «compreensão» e preocupação) possa dida, através de métodos de investigação «científicos» e «objcctivos».
conduzir a uma espécie de negociação entre nós e o paciente e, quem Essa «realidade» não poderia ser conhecida nem compreendida atra­
sabe, a uma modificação mais ou menos profunda e mais ou menos vés do envolvimento e do diálogo humanos, apenas poderia ser
duradoura das crenças e estilos de vida do paciente. explicada através de determinadas «causas naturais».
Escolhemos deliberadamente este tipo de abordagem porque ela Como é óbvio, há razões importantes, de natureza emocional
acentua mais as semelhanças do que as diferenças entre as ideias e (e «política»), que levam a aceitar este tipo de «explicação» sem se
as preocupações características dos seres humanos (sejam elas «nos­ pensar a sério noutro tipo de alternativas. Encarados como «objec-
sas» ou «desses»). tos» de «estudo científico», os pacientes podem ser «inspeccionados»
Evidentemente, não pretendemos estabelecer quaisquer paralelos de uma forma impessoal e descomprometida —- a única forma cor-
forçados — nem pô-los de lado — entre o psiquiatra e o paciente, recla de levar a cabo um estudo «objectivo» dos seus «sinais» e dos
no que toca às suas respectivas atitudes face ao mundo (Dasein). Em seus «sintomas». Assim, o bom psiquiatra «cienuTico» deveria ser capaz
termos do que é ou não «desejável», as duas situações são bastante de coligir o seu «material clínico» de uma forma «neutral», sem
diferentes, e mesmo que os pacientes «esquizofrénicos» tenham tan­ quaisquer ideias preconcebidas sobre o «objecto» que lhe é dado
to a oferecer e a revelar sobre a natureza dos conflitos humanos quanto observar. Este modelo, pedido de empréstimo às «ciências exactas»,
a natureza da vida humana o permite, a verdade é que o seu estado implicaria, por parte dos psiquiatras, uma capacidade potencial para
é de perplexidade c sofrimento, e não poderia ser aceite como um eliminar quaisquer fontes de dúvida e de perplexidade perante a
modelo de «esclarecimento mental». Nós estamos cm desacordo com definição dos «estados mentais» dos pacientes, e para analisá-los a
os «antipsiquiatras» quando eles dizem que os pacientes «psicóticos» partir dos seus «itens psicológicos» constituintes, como se faz a uma
deveriam ser encarados como «heróis», mais lúcidos e mais sãos que peça anatómica ou a uma preparação histológica.
o «homem-médio», empenhados num «processo purificador» de Esse modelo foi já cm grande medida revogado alé pelas pró­
«autocura», uma espécie de «viagem através do espaço interior», cujo prias «ciências exactas»; actualmente, qualquer físico reconhece que
objectivo é «superar o nosso terrível estado normal de alienação». Como o «observador» é sempre parte no «fenómeno observado», não lhe
disse Mascari (1979): «sondar as metáforas do paciente (e por razões sendo possível adoplar uma postura complctamente «neutral c distan­
morais ou terapêuticas todo o médico o deveria verdadeiramente tentar) ciada» cm relação ao fenómeno observado (Capra, 1976).
não implica aceitá-las. Em certo sentido, o mundo do esquizofrénico Se bem que nos seja possível compreender a atractividade e a
não é um candidato possível ao nosso aval — não é o companheiro simpatia que esse modelo possa despertar, a verdade é que, para nós,
ideal para se ganhar uma corrida». se trata de uma pcrspcctiva inadequada à natureza das interaeções
Os psiquiatras (ainda demasiado influenciados pelas ideias de humanas.
Jaspcrs) põem de lado, com demasiada facilidade, a possibilidade de Tal como a mitológica Medusa, que transformava cm pedras todas
as pessoas que ousassem olhar para ela, também a linguagem da cm abordar as «histórias clínicas» dos pacientes da mesma forma que
«psicopatologia» pode «fossilizar» o paciente e (a outra face da mesma o faria um biógrafo ou um novelista.
moeda) também o psiquiatra que não ousou encarar o «discurso real» Como assinalou Scharfetter (1980), «o assunto da psiquiatria é o
dos seus pacientes, preferindo empunhar o seu «Código de Defini­ ser humano in toto, no contexto da história da sua vida. Só podere­
ções de Rótulos.» mos dominar semelhante assunto se tomarmos o paciente a sério e
Não queremos com isto negar, evidentemente, a utilidade das levarmos cuidadosamente a cabo a tarefa de compreender a sua
tentativas que os psiquiatras têm feito no sentido de conseguirem para condição. Quando abordamos desta maneira aqueles a quem a vida
si mesmos um «constructo mental» sobre os «estados subjectivos» dos correu mal, já contribuímos para que o exame psiquiátrico não se­
seus pacientes, de uma forma tão clara quanto seja razoavelmente ja, como observou Garfinkcl, uma “cerimónia de degradação”, e para
possível; no entanto, pensamos que é necessário acentuar sempre, que a “escolha do vocabulário e da sintaxe” não seja, como disse
também, as conotações políticas, culturais e históricas dos nossos ritos Laing, um “acto político negativo”. Temos, acima de tudo, que
profissionais e a influência que eles podem ter na forma como retra­ ter a consciência do “poder sedutor da linguagem”, na concepção
tamos os nossos pacientes (Stoffcls, 1975). de Nietzsche [...]. O paciente não tem sintomas. O que ele está é a
passar por um tipo de situações que o fazem comportar-se de um modo
um tanto desviado em relação ao que vem a ser a norma do seu grupo.
Nada existe, no seu comportamento, que possa lincarmcnte ser rotu­
4. A «história clínica» de «esquizofrénicos» lado de absurdo. E evidente que esta não é uma proposição científica
como caso particular de «biografia» mas, sim, o reconhecimento de que a psicopatologia é o estudo da
experiência vivcncial do paciente e um indicador para o tratamento.
Um dos objectivos deste capítulo é contribuir, de algum modo, Só uma atitude destas nos pode permitir lidar com os nossos pacien­
para uma abordagem «ideográfica» da «psicopatologia» e do compor­ tes de uma forma adequada».
tamento dos pacientes «esquizofrénicos». Em nossa opinião, os psiquiatras tendem facilmente a utilizar
O problema põc-sc, basicamente, do seguinte modo: poderemos conceitos demasiado superficiais e tacanhos daquilo que venham a ser
nós retirar destas pessoas «perturbadas» qualquer ensinamento sobre a «compreensão» e a «História Clínica», especialmente com os
«o que é scr-sc humano» [como Kicrkcgaard (1941) insistcntcmcntc pacientes diagnosticados como «psicóticos» ou «esquizofrénicos»;
nos pedia que tivéssemos cm conta]? podemos ver aqui, mais uma vez, a influência de Jaspcrs e da sua
Como seres humanos, estamos fadados para classificar o mundo «Psicopatologia Geral», nomeadamente quando ele afirma que a
cm que vivemos, de modo a seguirmos o fio da meada no labirinto «compreensão» só é possível e autêntica quando é «espontânea»,
de factos que se entrecruzam nos nossos sentidos; a natureza desta «imediata» e «intuitiva».
busca das relações «nomotéticas» que ligam os casos individuais (ou Escrevendo acerca do conceito de «compreensão» de Jaspers, Fish
seja, para nós, as «leis gerais» do comportamento humano) fica, porém, (1966) diz: «Jaspers sugeriu que um sintoma esquizofrénico é algo
inevitavelmente marcada pela estratégia inicial com que partimos para com que o examinador não pode experimentar empatia. Isso signifi­
as operações de «colheita de dados». ca que, sempre que um psiquiatra encontre um paciente com uma
A este respeito, a obra «revolucionária» de Lévi-Strauss (1966) perturbação mental de natureza não-orgânica, se tente colocar total­
no campo da antropologia é, cm nossa opinião, um belo exemplo de mente na situação de vida do seu paciente, e procure compreender
como uma mudança radical de perspcctiva teórica pode conduzir a os sintomas que este apresenta, em função da personalidade, do estado
novas estratégias de colheita de dados e, consequentemente, à «des­ afcctivo e das dificuldades situacionais do paciente.
coberta» de relações e analogias previamente insuspeitadas. «Caso um sintoma não possa ser compreendido por este proces­
Nós defendemos uma «estratégia de colheita de dados» que consista so, esse sintoma é então esquizofrénico. Trata-se, evidentemente, de
uma forma muito subjectiva de ver as coisas, e alguns psiquiatras estão A este respeito, é interessante assinalar que foi Herder, um filósofo
mais preparados que outros para o que seja a compreensão. Há dois e historiador (e não um médico ou um psiquiatra), quem primeiro
pontos que é bom assinalar: o primeiro, é que devemos ter em linha utilizou a palavra «empatia» (Einfuhlung), no sentido de capacidade
de conta que existe uma vasta gama de excentricidades humanas, para de imaginar e «compreender» os acontecimentos do passado histórico
alem da psicótica; o segundo, é que por “empatia” c “compreensão” e, através deles, os sistemas de valores e as maneiras de ver o mundo
se quer significar uma abordagem superficial e pouco elaborada, e de povos diferentes e de diferentes culturas.
não uma interpretação em função de determinada psicologia dinâmi­ A psiquiatria, com efeito, tomou de empréstimo às Humanidades
ca.» O que é que Fish quer dizer com «abordagem superficial e pouco este conceito, mas depois serviu-se dele de uma forma muito super­
elaborada»? Inclinamo-nos mais a pensar que as nossas tentativas de ficial e tacanha. Quando escrevem acerca das «personalidades» e das
compreender os outros estão condenadas a ser problemáticas, impre­ •'perturbações mentais» dos seus pacientes, os psiquiatras deixam-se
cisas e incompletas... influenciar pelos princípios hipotéticos da chamada «ciência psicopa-
No entanto, a tentativa de «compreender» as «acções» e a lológica», à margem do tempo e da cultura, esquecendo que o compor­
«biografia» seja de quem for arrisca-se a ser um processo muito tamento humano é, na sua maioria, uma espécie de jogo que decorre
complicado, minucioso e cansativo, ainda por cima sujeito a ser testado e continuamcnte se modifica no contexto histórico e social.
no futuro — é que os homens e as mulheres são, por «natureza», Foi com este tipo de «mensagem» que Wilhelm Dilthey (1959),
difíceis de compreender, ale mesmo quarulo têm a sorte de perten­ filósofo alemão do século x ix, terá eventualmente influenciado dcci-
cer à feliz categoria das «pessoas normais»... sivamente as ideias de Jaspers sobre conceitos fundamentais da ac-
Ignorar a contribuição dos métodos e dos critérios das «Ciências lual psiquiatria, como a «compreensão», o «desenvolvimento de perso­
Humanas» para o mais global conhecimento do comportamento social nalidade» e o «processo psicótico» (tal parece ter acontecido apesar
c das relações interpessoais do homem, seria o mesmo que impedir de o próprio Jaspers ter afirmado que foi mais influenciado pelos
o progresso da teoria e da prática psiquiátricas. conceitos de Max Weber, aliás seu amigo íntimo, do que pelos de
Tal como Inglcby (1981) escreveu: «A “descodificação” da maio­ Dilthey).
ria dos sintomas requer uma metodologia de natureza muito diferente, Dilthey pode ter influenciado Jaspers e, desse modo, a psiquia­
que ultrapasse os limites do senso comum [...]. Aquilo que é preciso tria, a «compreender» as pessoas, mas não, de acordo com o mesmo
é uma forma de ter em conta as experiências pessoais e o compor­ Jaspers, a «compreender» «doenças» como a «esquizofrenia». Assim,
tamento, em termos de significações, que não são necessariamente, e por definição, não nos é possível «compreender rcalmente» as
porém, as que são conscientemente avaliadas seja pelo agente seja «verdadeiras esquizofrenias» descritas por Jaspers, Langcfcldt, Schnei-
pelos seus semelhantes; e isto requer uma total revisão tanto da nossa der, pelo «P.S.E.», etc., etc. É curioso, aliás, acentuar que a chama­
concepção do que entendemos por “pessoa”, como dos próprios métodos da de atenção de Dilthey para a «compreensão» tenha levado Jaspers
das ciências humanas. Aquilo que tem de ser posto cm causa é não a definir e a chamar a atenção para aquilo que não pode ser
só o mito positivista do homem-máquina mas também aquilo a que «compreendido»...
Marcusc chama o “mito do homem autónomo”, para o qual se incli­ Opondo-se à tendência dominante no seio dos «cientistas huma­
nam por igual os teóricos inlcrprctalivos. No lugar da “unidade do nos e sociais» seus contemporâneos, no sentido de imitar as metodo­
Eu”, concebida pela fcnomcnologia e pelo senso comum, deveríamos logias e os fins últimos das chamadas «ciências exactas», Dilthey tentou
colocar o conceito [pessoano] de homem fragmentário, autoconlradilório transformar as «Humanidades» (aquilo a que ele chamava «ciências
e alienado da sua própria experiência. Só deste modo se pode tornar do homem, da sociedade c do Estado») cm ciências interpretativas
aparente a verdadeira falta de sentido do comportamento “louco”, c, («hermenêuticas») de pleno direito (Rickman, 1967).
ao mesmo tempo, a verdadeira loucura que é o comportamento que Esta espécie de «ciências interpretativas» incluiriam a «psicolo­
o senso comum designa por “são”.» gia». Como disse Roback (1956): «o fisicalismo (que inclui lodos os
68 «ESQUIZOFRENIA»

estádios e graus do behaviorismo) e a linguística descritiva estão ambos durante o qual tanto o paciente (o «protagonista») como o médico
muito bem a dançar ao seu próprio compasso; mas a vida, essa, trata (o «espectador») se encontram envolvidos na «construção» de uma
predominantemente dos desejos, dos pensamentos, dos sentimentos, história vitae significante», pondo na mesa as cartas dos valores e
dos propósitos, dos motivos e das ideias. Sc reduzíssemos tudo isto • visões do mundo» pessoais (mesmo quando pensam que não).
a estímulos e respostas, ficaríamos estropiados à partida: nada podería­ Dilthey (1959) advogava uma «vasta trama teórica destinada ao
mos imaginar para além de uma reacção a um som ou a uma luz [...] estudo do homem» e repetidamente chamou a atenção para o papel
não nos seria possível criar o cubo a partir de um quadrado, nem o da imaginação e da criatividade dos investigadores no estudo da nossa
quadrado a partir de uma linha». ■realidade» sociohistórica; se quisermos abordar o «mundo pessoal»
Em nossa opinião, Dilthey tem coisas muito importantes a dizer dos pacientes «esquizofrénicos» pelo seu vasto contexto histórico e
a todos os psiquiatras; entre elas, as suas judiciosas notas acerca do social, ficaremos ccrtamente menos atreitos a rotular o seu compor-
estudo (e reflexão interpretativa) da experiência e do comportamen­ tamento e as suas vivências como «incompreensíveis» e «completa­
to humanos. Para ele, «compreender» a vida e as acções de um ser mente estranhas» à «natureza humana normal».
humano implica, antes de mais, uma cuidadosa análise da intcracçâo Como disse Rickman (1967), «a compreensão, enquanto forma
entre as vivências experimentadas ao longo de uma vida (Erleben) c característica da abordagem dos seres humanos, torna-se necessária
as suas «expressões» individuais (por exemplo, o estilo da obra, o porque o mundo do humano se encontra repleto de uma significação
comportamento social, as «produções criativas», etc.) (Rickman, 1976). que o mundo físico por si mesmo não tem. Isto não quer dizer que
Propriamente, só é possível «compreender» as pessoas se tiver­ exista um plano providencial ou um desígnio superior por detrás da
mos na devida conta todo o conjunto das suas histórias pessoais; porem, existência humana, mas apenas que as acções humanas se fazem
estas histórias pessoais nunca podem ser dadas por completas, pelo acompanhar da sua consciência e têm, atrás de si, uma intenção; brotam
que a «compreensão» que delas temos não pode ser, também, com­ de interpretações de situações e de juízos valorativos [...]. A tarefa
pleta e total. Dilthey escreveu: «o homem-protótipo dcsintegra-sc tio historiador, do sociólogo, do antropólogo social ou do psicólogo
durante o processo da história». não termina na descrição desses comportamentos ou dessas acções
O mesmo autor valorizou a «biografia» como um meio de me­ humanas; é possível descobrir por detrás deles um significado, um
lhorar o nosso conhecimento, quer das «populações» ou «expressões» sentido, através do processo da compreensão. Em última análise, nós
de uma dada pessoa, quer da «visão do mundo» dominante na so­ próprios podemos verificar que as nossas experiências vitais e os nossos
ciedade em que vive; e fez notar lodo esse processo de «construção» sentimentos estão por detrás das nossas acções».
e de «auto-envolvimento» (mais ou menos deliberado) que subjaz a O conhecimento do nosso «passado histórico» (assim como o
toda a tentativa de elaboração da história vitae ou da biografia de conhecimento da «biografia» de um paciente) não é diferente do
outro ser humano. conhecimento que julgamos ter de um amigo, do seu carácter, dos
Dilthey levaria mais de dez anos a escrever a biografia de Schle- seus modos de pensar e agir c das mais subtis nuances da sua per­
tcrmachcr, famoso teólogo alemão... Embora a «história vitae» de um sonalidade [tão bem descritos por Montaigne (1978), por exemplo].
paciente não costume levar tanto tempo nem tanto esforço de inves­ «Para isso», escreve Berlin (1979), «necessitamos de uma grande
tigação ao psiquiatra, isso não legitima a subestimaçâo dos seus capacidade imaginativa — a mesma que é necessária aos artistas e
«enigmas» nem a leviana assunção da possibilidade (ou não) de os aos novelistas, em especial — mesmo que isso não pudesse lcvar-
«compreender»... -nos muito longe na compreensão de formas de vida demasiado afas­
São tudo temas importantes que requerem a nossa atenção, na tadas ou demasiado diferentes da nossa. E ainda assim não haveria
qualidade de psiquiatras; de facto, a «construção» e o «auto-envolvi- motivo para desesperar, uma vez que aquilo que nós procuramos é
mento» são aspectos particularmente evidentes no «encontro psi­ compreender seres humanos — tal como nós, dotados de uma mente,
quiátrico» — uma forma particular de diálogo entre duas pessoas, de objcctivos c de uma vida interior. Ao contrário do impenetrável
conteúdo da natureza não-humana, as obras do homem não podem
nunca ser completamcnte ininteligíveis para nós. Sem esta capacidade Capítulo III
de “penetrar” (Vico, 1970) nas mentes e nas situações, o passado seria,
para nós, uma mera colecção morta de objectos de museu. Esta forma
de conhecimento não se baseia na filosofia cartesiana, antes assenta A «práxis» dos psiquiatras, o «código
no facto de nós sabermos efectivamcntc o que são os homens, o que
vem a ser a acção, o que é ter intenções e motivações — o que nos
da linguagem» psiquiátrica e o conceito
permite tentar compreender e interpretar (de forma a que cada qual de «causalidade»
se sinta cm sua casa no mundo humano) aquilo a que Hcgcl (Ma-
zlisch, 1966), chamou bey sich selbsl seyen.»
No entanto... não será surpreendente que os psiquiatras «tenham
investido todas as suas energias» na busca das «causas naturais» da
«esquizofrenia», pondo de lado, logo à partida, todas as tentativas de
«compreender» esta forma especial (« esquizofrénica») de «estar no
mundo» — esse tal «mundo civil que, se foi feito pelos homens, c
acessível ao conhecimento humano»? (Vico, 1970.)

P S IQ U E T IP IA (O U P S IC O T IP IA )
Então todo o mundo é símbolo e magia?
Se calhar é...
E por que não há-de ser?
1. A «práxis» dos psiquiatras
e as «linguagens» da psiquiatria

Não é difícil entender por que 6 que os psiquiatras se não sen­


tem muito inclinados para fazer uso frequente do seu «potencial
humano», como forma de conduta nas suas tarefas clínicas diárias.
A utilização do nosso «potencial humano», como instrumento tera­
pêutico de «compreensão» e interesse, expõe-nos, de certo modo, à
opinião crítica das outras pessoas, e leva-nos a reconhecer, no fim
de tudo, que não dispomos de soluções rápidas e bem definidas para
oferecer, enquanto seres humanos (a não ser as nossas próprias ca­
pacidades e insuficiências).
Esta é, talvez, a razão por que os psiquiatras usam e abusam
da sua «gíria» peculiar— uma cspccie de «capa linguística» debaixo
da qual os profissionais se podem proteger de uma verdadeira con­
frontação com os «reais» problemas c aflições dos seus pacientes.
É evidente que, com isto, não estamos advogando soluções «volun-
taristas» ou «naives» para os problemas práticos da psiquiatria, nem
a negar a necessidade de sofisticarmos o manejo das nossas dúvidas
profissionais. A psiquiatria é, acima dc tudo, uma «cicncia política» Como Kcnnedy (1980) diria, a propósito da clínica geral, pensa­
(no sentido aristotélico do termo) essencialmentc preocupada com a mos que também os psiquiatras são muitas vezes tentados a trans­
«práxis» das relações interpessoais e com a necessidade de achar formar «pessoas doentes» cm «doenças» e, por meio desta «opera­
respostas (por parciais c incompletas que sejam) à questão de fundo: ção linguística», a manter intacto o poder de decidir sobre aspectos
como 6 que os homens deveriam viver? tão fundamentais como a vida c o destino de um grande número dc
Há que reconhecer que as tarefas diárias reais dos psiquiatras (e pessoas.
aquilo que eles entendem por obrigações profissionais) são, acima dc Kubie (1971) clarificou muito bem esta situação, ao escrever:
tudo, um mero resultado dc uma «luta política» prolongada entre as «Quando um paciente irrompe numa rebelião cega e aberta, eu sei
instituições c o corpo dc profissionais; as fronteiras «territoriais» da que lhe posso atribuir uma “excitação catatónica”. Porém, se ele es­
psiquiatria foram definidas, digamos assim, como as fronteiras de conde a sua dor e o turbilhão que lhe vai no íntimo com um sorriso
qualquer país — pelo que estamos perfeitamente cientes de que podem “apatetado”, com um riso “imotivado” ou com gestos e palavras
ser alteradas cm qualquer momento, como diria Goclhc (1977). infantis, é então designado por “hcbcfrénico”. E evidente que estas
Assim sendo, a psiquiatria tem necesidade de uma técnica, mas designações têm um certo valor pragmático, como forma estenográfica,
precisa de rcflectir sobre ela a todo o momento, de forma a adaptar digamos assim, de descrever as situações correspondentes; mas diagnós­
as nossas conjccturas e as nossas decisões ao teste da prática clínica. ticos não são. E quando um desses pacientes emerge do seu estado,
A este propósito Gcorgin (1981) teceu os seguintes comentários: como de vez cm quando sucede ( ainda que temporariamente), pode
«A nosologia e a semiologia, que lhe está organicamente ligada, pare­ surpreender-nos ao falar claramcntc c à vontade acerca de si mesmo
cem impor-sc como elementos constitutivos do corpus psiquiátrico. e do seu comportamento exterior aparcnlcmcntc bizarro, bem como
Impõe-se ao nível triplo do seu discurso, como escrita de descrição, das suas vivências interiores. Quando isto acontece, admira-nos que
teorização e comunicação; condições que não são, decerto, suficien­ ninguém espere mais nada do paciente senão o seu mutismo c a sua
tes, mas que são necessárias em virtude da sua cientificidadc; a inércia. Vejamos as coisas pelo lado do paciente: que poderia ele dizer
nosologia representa, todavia, um perigo real, qual seja o dc induzir ou fazer que valesse a pena?... que poderia ele resolver se dissesse
um discurso reificantc, c, através desta “coisificação” do objccto do ou fizesse alguma coisa?»
discurso, eliminar o conteúdo das palavras. Impõe-se, talvez, escla­ Embora se concorde que não é fácil falar sem utilizar uma gíria
recer melhor este risco da utilização defensiva da nosologia por um profissional, convém sublinhar que esse costume e essa necessidade
discurso “ocultador” que, ao colar-sc ao discurso médico, nele perde se podem facilmente converter num «cientismo» rígido e sem signi­
dc vista o seu próprio objccto, que é a elaboração de um significado ficado, que, por sua vez, propaga a ideologia ou a crença dc que a
dentro de uma estrutura que é necessário desenredar. Põe-se então a moderna psiquiatria se encontra devidamente fundamentada, precisa
questão, dentro do discurso psiquiátrico, do enredar e desenredar de e corrccta quanto aos seus conceitos e à sua terminologia (Lcmcrt,
duas ordens dc discursos heterogéneos: o discurso médico e o dis­ 1979). Pois bem: parafraseando Wiltgcnstcin (Kcnny, 1976), não po­
curso analítico. O problema passa então a ser passar dc uma derá a psiquiatria «estar presa na jaula da (sua própria) linguagem»?
“amálgama” a uma “articulação” entre ambos; e, também, o dc inte­ Wing (1978), conhecido investigador na área da «esquizofrenia»,
grar, sob uma certa pcrspcctiva, uma determinada maneira dc ouvir escreveu: «quanto mais amplos c menos específicos c fidedignos forem
— ouvir “aquilo que é dito” sem olhar “àquele que o diz.”» os critérios utilizados no diagnóstico da esquizofrenia, mais provável
Dito isto, surpreende verificar até que ponto a «tccnicidadcs» do é que os psiquiatras se deixem influenciar por pressões ou ideologias
«código linguístico» dos psiquiatras são as resultante dc um sincero dc natureza social, e até política, e se exponham a críticas legítimas».
desejo de clarificar assuntos obscuros, e até que ponto também re­ A nosso ver, Wing não deve ter reparado que aquilo a que chama
sultam do «jogo dc poder» implícito na necessidade dc preservar o «uma definição clara», cm especial dc uma «entidade» tão contro­
status c os privilégios dos psiquiatras (Laing, 1960). versa como a «esquizofrenia», é (pelo menos nas actuais circunslân-
cias) uma decisão política cm si mesma e que significa, na verdade, consciência. Isto é, e seja como for, vivemos numa casa feita pelas
o conformar-se com o grupo de poder que, na psiquiatria, estabelece nossas próprias mãos.
as definições oficiais. Quando pretendemos abarcar toda a riqueza e variedade da «vida
Não devemos esquecer que para Wittgenstein «a filosofia desata mental» dos nossos pacientes, é partieularmente prejudicial ignorar
os nós que damos no nosso próprio pensamento. Mas isso implica as consequências negativas deste tipo de «fctichismo verbal». Não
fazer movimentos tão complicados como esses nós. E embora o fim estando ainda definidas as «estradas onde não estamos autorizados a
último da filosofia seja simples, o seu método pode já não ser, pelo transitar», como é muitas vezes o caso das teorias e das «técnicas»
menos se for o de chegar a semelhante resultado. A complexidade da psiquiatria, devemos ter sempre presente a natureza problemática
da filosofia não está no seu assunto mas, antes, na complicação do das palavras que seleccionamos para caractcrizar a «realidade»; se
nosso entendimento» (Kcnny, 1976). E, como psiquiatras, não seria acreditarmos no valor absoluto das nossas opções, podemos ficar de
bom que tivéssemos consciência dos nós que enredam o nosso en­ olhos fechados a outras possibilidades e a outras «estradas transitáveis».
tendimento e a nossa linguagem (para não falar dos que existem no
pensamento dos nossos pacientes)?
O próprio Schncidcr (1955) sempre encarou o seu famoso con­ 2. O «código de linguagem» dos psiquiatras
ceito de «esquizofrenia» como um mero artifício ou convenção lin­ e o conceito de «causalidade»
guística que, como tal, deveria merecer, da parte do clínico, um manejo
muito cauteloso. Huber et al. (1975) focaram esta questão de um modo A «terminologia profissional» dos psiquiatras (quer dizer, as pala­
muito claro, quando escreveram: «não podemos deixar de concordar vras que eles escolhem para descrever o comportamento e as vivên­
com Schncidcr quando diz que qualquer conceito de esquizofrenia é cias dos pacientes) influenciou dccisivamentc os seus conceitos a
uma convenção e que existem hoje convenções muito diversas a respeito da «causalidade» das «doenças» psiquiátricas (e muito cm
respeito daquilo a que se chama “esquizofrenia”». especial da «esquizofrenia»).
No entanto, um pouco mais à frente, Huber et al. fazem marcha No campo da antropologia linguística, a bem conhecida «hipótese
atrás quando dizem: «em nossa opinião, a presunção de uma doença de Sapir-Whorf» (Whorf, 1964) postula que «o “mundo real” é, em
genética c somaticamente fundamentada, determinada também cm parte grande medida, construído inconscientemente sobre os hábitos linguís­
por condições ambientais e, em especial, a hipótese de um defeito ticos do grupo. Não existem duas línguas tão semelhantes ao ponto
enzimálico cerebral de origem genética (responsável por mecanismos de se poder dizer que traduzem a mesma realidade social. Os mun­
ncurobioquímicos sensíveis a stresses incspecíficos de diversa natu­ dos em que vivem as diferentes sociedades são mundos distintos, e
reza) é bastante compatível com os resultados do estudo de Bona e não apenas um mesmo mundo etiquetado com rótulos diferentes».
com os achados mais recentes em “esquizofrenia”». Assim, é razoável argumentar-se que a linguagem de um povo
As opiniões de Huber et al. mostram muito claramente o poder pode, pela mesma ordem de razões, determinar os seus conceitos de
da «linguagem técnica» c a «temeridade» com que por vezes mani­ «saúde-doença». De facto, é possível encontrar relações entre os
pulamos as palavras para darmos por resolvidas certas questões que, «aspectos linguísticos» c o «conceito de doença» cm sociedades c
em boa verdade, estão ainda à espera de uma solução adequada. Não culturas tão diferentes como a chinesa, a esquimó, a navaho e a
devemos esquecer que há opções a tomar quanto ao tipo de lingua­ europeia. Tem sido dito que nas línguas europeias a utilização mui­
gem nas áreas do conhecimento cm que os factos se não encontrem to frequente de metáforas espaciais para exprimir conceitos abstrac-
ainda definitivamente clarificados e estabelecidos. Estas opções irão, tos favoreceu uma caracterização mais rígida da «doença» c reduziu
de qualquer modo, criar em nós a ilusão de estarmos de posse de a capacidade de conceber factorcs múltiplos na «causalidade das
um conhecimento «real», pelo que, de certa forma, implica uma doenças». O uso preferencial de «substantivos» cm lugar de «verbos»,
«construção» do próprio mundo — mesmo quando disso não lemos para exprimir a, ideia de doença, pode conduzir a uma visão estática
da «doença» e tende a separar as doenças entre si, como «entidades ça, c a adopção de um novo conceito de saúde e de doença que seja
distintas», cm vez de as definir como aspectos do funcionamento mais abrangente que o nosso, quem sabe se aparentado com aque­
corporal. le que vigora em algumas das sociedades primitivas que mencioná­
A relação entre o homem e o seu meio é muito complexa; neste mos».
intrincado padrão de múltiplas «transaeções», pode encontrar-se um A investigação na área da epidemiologia das doenças infeccio-
rico «viveiro» de potenciais «causas» à espera de ser descobertas pelos sas, por exemplo, demonstra muito claramente que os pontos de vista
nossos «exercícios diagnósticos». Mesmo quando se considera a prática que defendemos, a respeito do papel «específico» da medicina c das
da «medicina somática» e dos seus esforços científicos, pode facil­ formas «correctas» de intervenção médica, estão intimamente relacio­
mente chegar-se à conclusão de que aquilo que muitas vezes se tem nadas com as formas implícitas (ou explícitas) de conccptualizarmos
como garantido (ou seja, como uma «teoria etiológica» evidente e a «estrutura causal» do mundo.
definitiva) não passa de uma das maneiras de abordar o mundo, entre De facto, se considerarmos a medicina uma actividade profissio­
muitas outras tão bem ou melhor adequadas aos nossos objcctivos par­ nal e técnica com objcctivos quase exclusivamcnte «curativos», fica­
ticulares. remos muito mais propensos a encarar as «causas» das «doenças» como
Como notou Warner (1976), «as formas alternativas “ ele tem uma factores que intervêm sobre o corpo humano de acordo com um
doença” e “ele sofre de uma doença”, implicam uma clara separa­ processo «catcnário» relativamente simples e directo.
ção entre o paciente e a sua doença. Destas frases não se retém a Como disse Staccy (1979), «a’partir do século x vi, os médicos
impressão de uma modificação interna nos processos íntimos do desenvolveram novas maneiras de olhar para debaixo da superfície
indivíduo. Em vez disso, vem juntar-se ao indivíduo ou desabar sobre da vida e, com esta nova visão, com este “olhar fixo” como disse
ele uma entidade autónoma chamada “doença”; nada permite inferir Foucault, nasceu a medicina clínica. A doença nunca mais foi vista
que, quer o paciente quer os seus processos internos, desempenham como algo caído de cima, mas como qualquer coisa gerada no inte­
qualquer papel no desenvolvimento da doença. Para transmitir esta rior do organismo [...]. A partir destes princípios, aprofundou-se a
ideia seria necessário exprimir a questão cm forma de verbo: “ ele hi­ fixidez do olhar, prcsenlemente focado nas células, na microbiologia
pertensa” (por exemplo). Tive ocasião de sugerir que a forma como e no laboratório. É por isso que os clínicos, na sua qualidade de
utilizamos as palavras nos dificulta a pronta aceitação da ideia de que cientistas, raramente concebem as relações vivas para lá da estrita fron­
o indivíduo, a sua personalidade e os seus processos sociais e ambien­ teira do corpo humano».
tais são factores importantes no desenvolvimento da sua doença [...]. Talvez por isso mesmo, pela nossa atitude face à «saúde» e à
O “padrão médio de linguagem europeia” amarra-nos a um “padrão «causalidade», se explique a nossa tendência para interpretar o declí­
médio europeu” de conceito de doença. É verdade que aceitamos a nio da taxa média anual de mortalidade por doenças infccciosas
doença como a resultante de modificações multifactoriais nos proces­ (a «tuberculose respiratória», por exemplo), que se verificou cm to­
sos biológicos, mas continuamos a concebê-la como um objccto ri­ dos os países industrializados da Europa Ocidental, como mero re­
gidamente definido, imutável c monocausal que cai sobre o indivíduo sultado da introdução da quimioterapia em 1947, esquecendo-nos de
e é distinto dele. Ou, por outras palavras, continuamos a concebê-la que a mortalidade por tuberculose vinha decaindo nitidamente des­
como uma “coisa”. A nossa ideia de doença pouco menos concreta de que foi descrita, pela primeira vez, em 1838, cm virtude da
é que a dos Esquimós, que a afastam soprando-lhe ou varrendo-a». modificação das condições que tornaram a tuberculose tão temível
Cremos existirem boas razões para estabelecer uma forma mais (a diminuição das resistências às infccções devido à malnutrição e
elaborada de pensamento sobre a «causalidade» e as «teorias à exposição à promiscuidade cm grandes aglomerados populacio­
etiológicas» no campo da medicina (e da psiquiatria) e para exi­ nais).
gir, como Totman (1979), em Social Causes o f Illness «uma mudan­ Harc (1974) tenta demonstrar que, tal como nas doenças infec-
ça radical do nosso estilo mccanicista de pensar e descrever a doen­ ciosas, os «sintomas» c o «prognóstico» das «perturbações mentais»
(cm especial da «esquizofrenia») também melhoraram ao longo dos influencia aquilo que julgamos poder exigir à medicina (e também à
últimos setenta anos, por influência de uma série de factores de natureza psiquiatria), enquanto ciência e enquanto serviço público. No seu livro
social, cultural e económica. A este respeito, Edward Hare escreve: I he Role of Medicine — Dream, Mirage or Nemesis? Mckeown (1976)
«se estas alterações significam que a esquizofrenia se tornou uma doen­ nota que «a ciência e os serviços médicos estão mal dirigidos e o
ça mais suave neste país, então deveremos ter a curiosidade de saber investimento social da saúde é mal utilizado, porque assentam em
por que é que isto aconteceu. A explicação habitual, certamcnte, é pressupostos errados acerca dos fundamentos da saúde humana. Parte-
que foi o tratamento — c em particular a intervenção social — que se do princípio que o corpo humano pode ser encarado como uma
determinou essa grande melhoria. Mas se nos lembrarmos de que as máquina e que protegê-lo da doença (e dos seus efeitos) depende
doenças se têm modificado, cm natureza e gravidade, por razões que fundamentalmente de uma intervenção interna. Esta abordagem con­
nos escapam, temos de admitir a possibilidade de que o mesmo se duziu a um certo desinteresse pelas influências externas e pelo com ­
possa aplicar ao caso da esquizofrenia e que, portanto, o tratamento portamento das pessoas, circunstâncias estas que constituem factores
médico apenas tenha desempenhado um papel rclativamente modes­ básicos de saúde; e conduziu também a uma relativa indiferença pela
to. Ainda hoje se discute se a melhoria do prognóstico da esquizo­ maioria das pessoas doentes — que não dá motivo nem ocasião para
frenia se terá dado antes ou depois da introdução das drogas feno- aquelas medidas internas que constituem o núcleo central das preo­
tiazínicas, por volta de 1957; no entanto, a minha própria experiên­ cupações medicas».
cia pessoal não me deixa qualquer dúvida de que a melhoria chegou Evidentemente, as opiniões de .Mckeown podem aplicar-se às
primeiro [...]. Além disso, se a esquizofrenia começou e continua a tarefas clínicas psiquiátricas, nomeadamente às suas interaeções
melhorar, então será de esperar que as suas formas mais graves dêem com os pacientes «psicóticos» e «esquizofrénicos». De facto, a imagem
progressivamente lugar às perturbações mais ligeiras do espectro do corpo como máquina susccplívcl de «reparação» por processos
esquizofrénico. Isso poderá significar que a distinção clínica entre a de «engenharia» pode bloquear, se for muito notória, o manejo cor-
esquizofrenia, por um lado, e as psicoses afectivas, as neuroses e os rccto c sensível de muitos casos de «doença somática». O caso é ainda
distúrbios de personalidade, por outro, ficará progressivamente esba­ mais evidente se considerarmos a situação dos pacientes psiquiátricos,
tida, da mesma maneira que se esbateu nos dias de hoje a distinção cspecialmcnte daqueles que sofrem das chamadas «psicoses funcio­
Kraepeliniana entre os vários subtipos da esquizofrenia [...]. Gosta­ nais».
ria de sugerir-vos que as perturbações psiquiátricas estão constante­ Stacey (1979) afirma que «hoje em dia, o maior perigo para a
mente a mudar, e que deveríamos registar cuidadosamente todas estas medicina clínica é o de se deixar aprisionar num método de obser­
modificações e, ainda, que tenhais em mente que, pelo menos parte vação da saúde (e da falta dela) que, embora bem sucedido em de­
destas modificações (talvez mesmo uma parte considerável), se de­ terminadas frentes, se tem mostrado total mente mal sucedido nas ou­
vem a processos seculares de natureza estranha ou lateral às conven­ tras». Pensamos que um caso interessante é o da «esquizofrenia» porque
cionais preocupações da medicina». exemplifica muito bem as perigosas consequências desse tal «méto­
Muito embora Hare (1974) chame a nossa atenção para aspectos do de observar a saúde c a falta dela».
interessantes, devemos assinalar aqui a nossa discordância, quer em O que queremos sugerir aqui é a necessidade de uma visão mais
relação aos seus «paradigmas básicos» respeitantes à natureza da clara c mais imaginativa do conceito de «causalidade» em medicina
«esquizofrenia» quer em relação à forma como ele conceptualiza os (c particularmcntc cm psiquiatria) c dos trabalhos c problemas com
seus dados. Subscrevemos, antes, as críticas de Bcrrios (1981) aos que, nestas áreas de investigação, a mente curiosa se depara. Esta
pontos de vista de Hare.
atitude não implica, bem entendido, que se negue a necessidade das
Do que atrás foi dito pode concluir-se que o «paradigma» (e a «metodologias científicas» no estudo das «perturbações mentais», mas
«linguagem descritiva» concomitante) sobre o qual baseamos as nossas pressupõe que se evite confundir «método científico» com «cientis­
opiniões a respeito das «causas reais» da «saúde» c da «doença» mo» ingénuo e incipiente (Gauld c Shottcr, 1977; Giddcns, 1974; Harré
e Sccord, 1972). Como disse Stacey (1979) «as novas perspcclivas bicada do nosso «objecto de estudo» (neste caso, as crianças raquíti­
que cu desejo propor, quanto aos meios c aos métodos da clínica, cas de Sheffield). Só desta forma se pode evitar o perigo de tomar
consistem, da parte de todos os que trabalham em medicina clínica, por «descoberta científica» definitiva aquilo que, ao fim e ao ca­
em deixar a imaginação científica vaguear mais à vontade. Significa bo, não passa de uma formulação incompleta e ilusória da «equação
isto apostar-se não apenas na investigação centrada sobre as células causal».
mas também na investigação localizada nas relações sociais, cm busca O mesmo exemplo serve ainda para pôr em evidência as conse­
de modelos alternativos para a preservação da saúde e para a con­ quências da nossa «estratégia de investigação» relativamente ao re­
cepção da doença». gime terapêutico «real» ou «correcto» (comprimidos de Vitamina D
As consequências negativas de uma concepção demasiado estrei­ ou, pelo contrário, um padrão de vida saudável com muito sol, boa
ta da «causalidade» e da «etiopatogenia» (em especial nas perturba­ alimentação e exercício físico?)
ções de natureza médica e psiquiátrica) estão muito bem caractcri- De certo modo, algo de muito semelhante aconteceu com a «esqui­
zadas na história da «descoberta» da etiologia do raquitismo. Depois zofrenia»: uma parte considerável dos psiquiatras ainda acredita que
de lerem observado e estudado um grande número de crianças da área as «drogas neurolépticas» são o tratamento «real» e «correcto» da
urbana de ShcITicld (cm que a doença era muito frequente), os cien­ «doença esquizofrénica».
tistas concluíram que o raquitismo se devia a uma deficiência de um Ccrtamcntc que, em muitas situações, o poder agressivo e «trau­
factor, a que chamaram Vitamina D, no organismo dessas crianças, mático» das circunstâncias sociais, nas quais se inclui a própria
esquecendo aparentemente o importante papel eliológico desempenhado Medicina, é enorme. É o que se verifica nos casos de Tuberculose e
pela manifesta falta de luz solar a que essas crianças estavam croni­ de Raquitismo, por exemplo, nos quais as medidas preventivas são
camente sujeitas. uma necessidade óbvia e prioritária. Mas, seria desejável que os médi­
Apesar dessa escuridão ser um factor tão óbvio na cidade de cos de Shcfficld do século passado, face aos fumos poluidores da ci­
Shcfficld, no século XIX, atmosfericamente poluída tanto pelos detri­ dade, se limitassem a dizer, sem mais: «recusamo-nos a dar-lhe V i­
tos industriais como pela horrível fumarada, isso sim, responsável pelo tamina D, porque aquilo que você tem é uma síndrome de Explora­
ambiente insalubre em que as crianças se tomavam raquíticas, a verdade ção Capitalista; o que há a fazer, meu caro, é combater o sórdido
é que os médicos e cientistas de então viviam em Dcbyshire, na zona crescimento industrial»?
periférica c não poluída da cidade. Assim se compreende melhor por E claro que seria completamente inaceitável deixar essa pessoa,
que motivo «esqueciam» a falta de sol quando se deslocavam ao centro tão carenciada de ajuda, abandonada à sua sorte e entregue às garras
de Shefficld para observar as crianças... da dita «exploração capitalista», colocando-a na frente de combate,
Ora, afinal, qual seria a descoberta fundamental: a bioquímica do assim debilitada, sem, ao menos, um precioso suplemento vitamínico...
raquitismo ou a sua origem ambiental? Dizendo de outro modo: a Cuidamos ser desnecessário decifrar a metáfora para outras situações,
doença radicava numa perturbação bioquímica sensu strictu, ou seria nomeadamente, para o caso dos «neurolépticos».
antes o fruto de uma privação de luz solar e de uma alimentação O que vem a ser uma «descoberta fundamental»?
deficiente? É possível que para cientistas bem instalados na vida, Não foi desse modo que a farmacologia e a medicina se toma­
habitando vivendas numa zona despoluída e aprazível da cidade, fosse, ram mais importantes para o conhecimento humano c universitário?
na altura, mais fácil prestar atenção ao metabolismo e à bioquímica Não será que sempre se tem procurado dar mais àqueles que já têm
do que ter de tomar posição c responsabilizar o sórdido desenvolvi­ muito c tinir àqueles que pouco têm?
mento industrial do século... No caso de uma «perturbação» como a «esquizofrenia», depara-
Este exemplo «clássico» põe em evidência as armadilhas con­ mo-nos com um sistema ainda mais complexo de «interaeções cau­
tidas numa «teoria da causalidade» demasiado simplista; e, simul­ sais», que não pode ser conceptualizado segundo modelos cartesia­
taneamente, realça a necessidade de uma abordagem múltipla e diver- nos ou euclidianos. Peio contrário, terá que ser concebido segundo
perturbações mentais pois, com excepção da sífilis do Sistema Ner­
um modelo «transaccional» ou «organísmico» da «estrutura do mundo»
centrado em noções como «globalidade», «organização» e «campo» voso Central, não tem havido, da parte da psiquiatria, uma resposta
(gestalt) (')• aos factores que no passado provocaram o declínio das doenças
somáticas de natureza infccciosa. A conclusão a tirar é que a resolu­
Curiosamente, este tipo de «criação do mundo» faz lembrar, em
ção de um problema psiquiátrico como o da esquizofrenia poderá vir
muitos aspectos, os conceitos próprios de civilizações muito antigas
(muitos séculos anteriores à «ascensão e esplendor» do empirismo de a surgir, não do tratamento da doença (já estabelecida, por métodos
bioquímicos ou outros), mas da neutralização dos factores que con­
Bacon, Galileu e Ncwton). Referimo-nos à história da ciência na China
duziram à referida anomalia — como aconteceu com todas as prin­
e, para ilustrar o que acabámos de dizer, podemos citar Joscph Ncc-
cipais doenças infecciosas que conseguimos controlar. Sc assim é, os
dham (1956): «o que isto quer dizer é que o universo é em si mesmo
um vasto organismo, em que ora um ora outro dos seus componen­ principais esforços da investigação médica deverão concentrar-se na
tes assume a direcção. E um organismo espontâneo, não criado, em identificação desses factores, o que se poderá conseguir observando
que todas as partes colaboram entre si num serviço mútuo [...]. Num e ponderando cuidadosamente a história pessoal dos esquizofrénicos
sistema como este, a “causalidade” é reticular a hierarquicamente c de suas famílias, comparando-as com as famílias não afcctadas e
flutuante, e não fragmentária ou lincarmcntc encadeada. Com isto quero estudando o comportamento da doença em diferentes populações. Esta
dizer que a concepção de “causalidade” chinesa a respeito do Mun­ é, obviamente, a abordagem do cpidcmologista; no caso da esquizo­
do Natural é semelhante à do fisiologista que estuda a rede nervosa frenia, porém, ele vai ter ainda mais necessidade de inspiração do
dos celenterados ou a chamada “orquestra endócrina” dos mamífe­ que no estudo das doenças físicas: deverá proceder mais como Cris­
ros [...]. Alem disso, hoje cm dia c provável que os centros nervo­ to do que como Gallup, suspeitando da resposta antes de começar a
sos superiores dos mamíferos e do próprio homem constituam uma procurá-la c usando a investigação subsequente como uma ocasião para
espccie de continuum reticular ou de “rede nervosa”, muito mais infirmar (ou não) as suas suspeitas».
A este respeito gostaríamos dc acrescentar que, muito embora os
flexíveis em natureza do que a tradicional concepção da rede telefónica
ou de um sistema de trocas poderia exemplificar [...]. Tudo isto pontos dc vista de Mckcown e de Staccy, sobre o problema da
significa uma forma de pensar muito diferente do conceito de causa­ causalidade em medicina, mereçam toda a nossa atenção, não os
lidade fragmentária mais simples, tipo bola de bilhar, em que o impacto achamos suficientcmcntc radicais para poderem desafiar os velhos
inicial de determinado objecto é a causa única do movimento de outro». paradigmas que ainda influenciam a nossa concepção das «causas»
Em nossa opinião, a abordagem da «esquizofrenia», tanto no campo das perturbações somáticas e mentais. Afinal de contas, as «Teorias
da clínica como na área da investigação, talvez fosse mais correcta Sociológicas da Causalidade» podem ser tão simplistas e tão enga­
e tivesse mais significado se conceptualizássemos esta «perturbação» nosas como as teorias bioquímicas que se propuseram criticar. As nossas
(c as suas possíveis «causas») de acordo com aquilo a que Joscph críticas às «Teorias da Causalidade» (cm especial no que respeita à
Nccdham (1956) chama «modelo chinês» de causalidade reticular e «esquizofrenia») procuram ir mais longe (dc acordo com as ideias dc
hierarquicamente flutuante — que se opõe ao modelo de causalidade Goodman, 1978) e mostrar até que ponto as teorias se relacionam
linear ocidental e ncwtoniano. intimamcnlc com os nossos propósitos c com os caminhos que deci­
Mckcown (1976) refere-se a um problema semelhante quando dimos trilhar cm ordem a intervir sobre o «mundo» e sobre a «rea­
escreve: «poucas provas há de sucesso no que loca ao tratamento das lidade».
Talvez por não rcflcctirmos cuidadosamente sobre as nossas moti­
vações profissionais e sobre os «códigos linguísticos» de que nos
(') O termo «transaccional» deriva do impacto, nas áreas da biologia, da sociolo­ servimos para descrever a «realidade», temos tendência a abordar o
gia, das ciências políticas, etc., das concepções dc Dcwcy c dc Bcntlcy (1949) quanto problema da «causalidade da esquizofrenia» de uma forma exccssi-
à estrutura c funcionamento da sociedade, cm oposição às chamadas concepções «inte- vamente fragmentária, unidimensional, logo, ingénua. O nosso objcc-
raccionais» ou «auto-accionais» formuladas por outros autores (Bcrtalanffy, 1968).
tivo principal é a descoberta da «causa da esquizofrenia» mas, como pelos seus «hábitos linguísticos» e pela concomitante maneira de
a Quimera grega, essa «causa» tem conseguido escapar a todos os perceber a «realidade» do que é ser «paciente mentol». Sc formos
esforços e teorias — talvez por usarmos as palavras erradas para capazes de conhecer, num dado instante, o estado do Universo,
descrever aquilo que pretendemos e por formularmos as perguntas conhecemos, também, toda a História...
erradas cm relação ao significado dos «sintomas» dos nossos pacien­
tes. Talvez nos esqueçamos de que (como sucede com a «personali­
dade») não há uma «causa» única para a «esquizofrenia» e que, por
isso, há mais opções a considerar no que toca aos aspectos observa­
dos e analisados. Como diz Manfred Blculcr (1978), «durante meio
século o principal objcctivo dos estudiosos da esquizofrenia perma­
nece o mesmo: descobrir a causa única de uma doença cuja sinto­
matologia c evolução sugeriria uma entidade única. Esses estudos,
porem, não tiveram êxito. Nem sequer um passo se aproximaram da
descoberta de uma causa específica para esta hipotética entidade
nosológica única. Hoje, temos que perguntar a nós próprios por que
razão se não descobriu ainda a causa específica da esquizofrenia.
A razão pode ser simples: talvez não haja nenhuma causa! (vários
factorcs palogénicos podem ser conjuntamente responsáveis pelo apa­
recimento da doença). Tal como não poderemos explicar o desenvol­
vimento da personalidade saudável levando cm linha de conta uma
única influência normal, também não poderemos compreender o de­
senvolvimento da esquizofrenia admitindo uma única influência nega­
tiva. Em ambos os casos, teremos de fazer uma integração de muitas
predisposições c de muitas influências».
A estrutura e o funcionamento da «realidade» talvez não sigam
um «plano director» de tipo laplaciano.
A «visão do mundo» de Laplace (1796) está muito claramcnlc
contida no seu famoso dito: «uma inteligência que, num dado ins­
tante, conhecesse todas as forças de que está animada a Natureza e
a situação respectiva dos seres que a compõem, e que fosse tão vasta
ao ponto de poder submeter à análise todos estes dados, abrangeria
na mesma fórmula os movimentos quer dos grandes corpos do Uni­
verso quer do mais pequeno átomo: nada seria incerto para ela e, a
seus olhos, o futuro c o passado seriam presente».
Gostaríamos de sublinhar aqui as relações que existem entre esta
abordagem mccanicisla das formas de conhecer (c de actuar sobre)
o «mundo» c o modus operandi das nossas instituições psiquiátricas;
quer os psiquiatras quer os restantes profissionais de saúde mental têm
sido condicionados, nas suas opiniões e na sua actividadc clínica diária,
Capítulo IV

Para uma análise da «psico(pato)logia»


da «esquizofrenia»

Delírio? Alucinação? mas a razão e a aluci­


nação derivam da mesma fonle donde brotaram os
versos de Homero e as Pedras das Pirâmides.
É tudo a mesma energia essencial, a mesma vibra­
ção indefinida, a que puseram um nome que não
diz nada.

T E IX E IR A D E P A S C O A E S

Fiz de mim o que não soube,


E o que podia fazer de mim não fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e
[não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Eslava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Nota previa

Os qualro capítulos que sc seguem mcrcccm-nos um comentário


prévio.
Seria complctamcnte estulto c descabido da nossa parte preten­
dermos, com este livro, aduzir os comentários finais e definitivos ao
grande «Debate sobre a “Esquizofrenia”». No entanto, perdoe-se-nos
um certo grau de simplificação c ate de «dogma», na medida em que,
por esta via, julgamos esclarecer melhor os nossos pontos de vista.
Não pretendemos, longe disso, diminuir ou de algum modo «impe­
dir» a continuação dos estudos bioquímicos, eleclrofisiológicos c
genéticos, que, aliás, também cfcctuámos ('), mas desejamos, antes,
lançar um olhar crítico sobre esse tipo de estudos e, simultaneamente,
alargar os nossos horizontes intelectuais e conceder mais ênfase às
nossas pcrspcctivas.
Antes de concluirmos o livro, procurámos reconsiderar tudo o que
parecia estar já demonstrado, mas acabámos por concluir que muito(*)

(*) Exemplos de alguns estudos desfavoráveis à hipótese orgânica: Jcnncr et al.


(1962); Damas-Mora et al. (1974); Jenncr et al. (1975); Howlett c Jcnncr (1978);
Vlissides et al. (1986).
daquilo a que chamamos «Ciência» está bem longe de ser imparcial. agressivas e «eróticas» (no sentido platónico)? Se a neurose é, como
Entre muitas outras coisas, estudámos a «Mancha Cor-de-Rosa» o dizia Freud (1929), o preço da civilização, é de crer que essa mes­
Acido Neuramínico, as alterações dos Potenciais Evocados, as aíte- ma civilização se processe à custa da repressão da animalidade se -
raçõcs da Adcmlciclase, da Aldostcrona, do Metabolismo do Azoto, vagem, durante o período da vida cm que se é alimentado, educado
etc. No entanto, apesar dos trabalhos aparentemente conclusivos dos c doutrinado. É possível, pois, que a civilização seja apenas um verniz
nossos antecessores, a verdade é que não conseguimos replicar ne­ ou, como diria Gocthc (1977), que seja necessário aprender a mentir
nhum deles. E possível que possamos estar muito enganados acerca
para se ser «bem» educado.
do que para nos 6 evidente: aquilo que vem a ser ser-se humano Mas Não deixa de ser verdade que aquilo a que chamamos normal e
o nosso Axioma é que é mais fácil entender o Homem, se prescin­ uma cspccic de manto que a sociedade estende sobre tudo o que e
dirmos de muita da nossa sofisticação.
natural, procedimento esse que é gerador de tensão — dai que se tome
Em nossa opinião, todo o pensamento humano é axiomático na necessário um mínimo de tranquilidade que possibilite a adapíação a
medida cm que, pelo menos, tem detrás de si determinado tipo de situação socio-histórica cm vigor. A este proposito, Hcnn Ey (1950)
certezas, mais ou menos recônditas, sobre as quais se desenvolvem pode ter, de algum modo, contribuído para esclarecer o problema com
todas as argumentações seguintes. Nessa medida, todas as nossas as suas explicações organo-dinâmicas baseadas no conceito de Hu-
«certezas» são simples ideologias. Como diria Wittgcnstcin (1953) ghlings Jackson (1958), segundo o qual os centros nervosos mais
para se abrir uma porta é necessário fazer mover as dobradiças.’ elevados reprimiriam a acção alavicamcntc mais automatica do sis­
E ao afirmar noutro lado (Wittgcnstcin, 1953), de uma forma tão óbvia tema nervoso central de nível inferior (cf. Jcnncr e Damas-Mora 1978).
quanto iluminada, que mais tarde ou mais cedo teremos que deixar Nesta óptica, a sociabilidade seria o patamar mais elevado do iun-
de nos interrogar, W.ltgcnstein retratava o dilema humano diante do cionamento dos Centros Nervosos Superiores. A capacidade humana
Lao bcm •lustrado, aliás, por David Humc (cf. Magcc, de discernimento é um dom subtil que não está no seu melhor quan­
987). Hume escreveu que sempre que abandonava o seu escritório do se tem uma dor de cabeça, quando se está doente ou quando se
sentia necessidade de agir e de acreditar, pois que agir c acreditar tem o córtex sobrcstimulado — o que pode acontecer por múltiplas
taz parte integrante de se ser humano.
c variadas razões. Algumas delas são cxaclamcntc os medos c as
A questão que nós pomos c que as dobradiças do discurso psi­ frustrações. Talvez o mesmo se passe após o consumo prolongado cie
quiátrico são feitas de material medico, desenvolvido cm grande medida fenotiazinas, explicando-se, assim, as chamadas «psicoses por hiper-
no século xix, no qual a Física, a Química c a Matemática consti­ sensibilidade» (Chouinard e Jones, 1978), ou seja, uma «esquizofre­
tuíam as ciências fundamentais. As opiniões da medicina repousam, nia» provocada pela suspensão dos ncurolépticos — almal, analoga
alias, e confortavelmente, nos seus mais evidentes êxitos. No campo a certos processos de privação de benzodiazcpinas ou de heroina. Este
da investigação da «esquizofrenia», por exemplo, a eficácia das fc- facto pode c tem sido utilizado como um argumento a favor da tese
notiazinas c real, assim como o surgimento de estados paranóides em que atribui a «esquizofrenia» a um excesso de actividade dopaminer-
consequência do consumo de anfclaminas é também um facto __ eica. E cm certo sentido é, se bcm que muitas coisas estejam cm
embora a taxonomia matemática possa ser uma quimera. Negar tudo jogo. É um facto que os sistemas dopam inérgicos são activados pelas
isso nem sequer seria inteligente. Mas o problema que se coloca t anfclaminas, e pode considerar-se que o estudo do impacto das alte­
o que c que isso explica? Não será verdade que todos os seres humanos rações do ADN sobre esses sistemas é uma via interessante de in­
tem, desde o berço, uma certa propensão para a paranoia? Isto é: não vestigação. No entanto, qualquer estudo terá muito mais^ valor e
scra que todo o ser humano necessita de ser considerado maravilho­ interesse se contribuir para melhorar cfcctivamcnte a existência hu-
so pc os outros, e de reservar para si próprio uma certa falia de poder’
Ou, ainda, no sentido freudiano (Freud, 1932): não estarão os homens Até certo ponto, a pessoa normal é um ser humano natural re­
constantemente envolvidos numa complicada tensão entre tendências primido, c a repressão a que é sujeito poderia ser substituída, com
vantagem, pelo esclarecimento que conduzisse à aceitação do con- 1. Introdução
ronto honesto entre os impulsos naturais do ser humano c as limita­
ções sociais à sua livre expressão. Todos nós temos a nossa quota- O facto de se «encarar a esquizofrenia mais como uma forma de
-parte de egoísmo e de interesses pessoais, como seres humanos que vida do que como uma doença», segundo as palavras de Luc U om -
somos, necessitados tanto uns dos outros como de regras que nos pi (1980) tem implicações importantes rclativamcntc ao modo de
permitam viver em coexistência. No entanto, os seres humanos tem interpretar a «psico(pato)logia» dos «pacientes esquizofrénicos»; esta
capacidade para discernir aquilo que c possível c gratificantc em termos controvérsia é do maior relevo, uma vez que os «sintomas» «bizar­
sociais — c sentem-se ajudados quando se negoceia com eles o ponto ros» c «incompreensíveis» dos «esquizofrénicos» tem sido írequen-
de equilíbrio. Infelizmente, nem sempre 6 possível, através da lingua­ tcmcnlc utilizados como argumentos supostamente muito fortes a lavor
gem, ajudar as pessoas a reconhecer ate que ponto foram cfccliva- da natureza «orgânica» ou «bioquímica» desta «doença» c da impos­
mente ajudadas por esse processo, ou ajudar a demove-las da ideia sibilidade de tentar compreender o sigml içado daquilo que os «pa­
de terem sido ludibriadas... E mais difícil é, ainda, convencê-las de cientes esquizofrénicos» dizem ou fazem. Nós sentimos que «a musica
que as pessoas com quem elas vivem podem ter dificuldade cm começa onde as palavras acabam» que «a música nos soa conforme
perceber que, cada qual cm seu autocomprazimcnto, acredita nas a disposição» c que somos capazes de entender isso.
mesmas coisas. Contudo, devemos salientar, a este rcspctlo, que ate os clínicos
Mas esta serena aceitação do ser humano, tal como ele é c pertencentes ao que podemos chamar «tradição psiquiátrica clássica»
do orosamente difícil para o fanático religioso, para o radical mais tentaram compreender a «psico(pato)logia» da «esquizofrenia» através
ardoroso, para o nacionalista mais ferrenho, para o colérico, para aque­ de modelos conceptuais de tipo mais «dinâmico», de certo modo
le que se sente magoado, e até para o profissional perfeitamente con­ similares aos modelos que foram propostos para explicar as chamadas
victo do seu status. E certo que ao escrevermos este livro temos uma «perturbações neuróticas» («compreensíveis»). Neste contexto, pode­
certa esperança de jogar o nosso próprio jogo numa forma razoavel­ mos afirmar que a abordagem de Conrad ocupa, de certo modo, uma
mente apurada, que nos permita melhorar a nossa imagem dentro de «posição intermédia» entre a «fcnomcnologia objectiva» (mas lambem
determinados limites. E esse jogo consiste no conjunto de propostas «estática» c rígida) de Jaspers e, por outro lado, os conceitos de autores
que poderemos fazer para o bem-estar psíquico c mental das pessoas. como E. Bleuler c Ciompi, que encaram a «esquizofrenia» como uma
Tal como no mundo dos negócios, o interesse mútuo é a melhor receita variante do «processo da própria vida», intimamcntc relacionada (no
Nao podemos, no entanto, deixar de assinalar que uma obra como que respeita às suas «manifestações clínicas») com as circunstancias
esta, escrita a revelia de posições já bem estabelecidas, pode, cm certa c vicissitudes particulares da biografia de cada paciente.
medida, ser perigosa. Os meandros do mundo académico têm bastante Num artigo especialmente dedicado a este assunto, Koehler (17/7)
mais de tortuosos que de lógicos e inocentes — eles são afinal escreve: «A dada altura, Schncider referiu que os sintomas de pri­
inevitavelmente humanos, também... Mas, assim como os erros da Igreja meira ordem, habitualmcntc agrupados sob a designação de experiên­
Cnsta não obscurecem, cm si mesmos, as intenções do Novo Testa­ cias de passividade, podem ser concebidos como resultantes de uma
mento, lambem os desvios e as querelas específicas dos profissionais certa “permeabilidade da delimitação cu-mundo”, enquanto os lonc-
e dos académicos nao podem pôr em causa um Espírito Universitário mas de primeira ordem e a pcrccpção delirante não podem ser ex­
que consiste cm por todas as cartas em cima da mesa. Como insti­ plicados do mesmo modo. Ao contrário de Schncider, a guns impor
tuições humanas que são, e tal como os seres humanos, elas vivem tantes clínicos alemães, aparcnlcmcnlc insatisfeitos com a abordagem
debaixo de tensões abertas c encobertas. Um pensamento puro c uma Jasperiana (1912; 1968) estático-descritiva da fcnomcnologia, tenta­
ciência pura pouco mais são do que pura ficção. Já dizia Gocthc (1977): ram compreender alguns fonemas de primeira ordem de um modo mais
cial°>>ílet0 SCr SinCCr° ’ mas na° posso comprometer-me a ser impar- dinâmico. Conrad (1957), na sua monografia sobre a esquizofrenia
aguda, tentou demonstrar, com base nas ideias da Gestaltheone, que
........ frequentemente transições fenomenológicas dinâmicas entre nos parece que seja sempre possível (ou sequer desejável) distinguir
sintomas de primeira ordem. [...] Os representantes da escola «aquilo» que um determinado paciente tem para dizer ou fazer dc
dinâmica, como Conrad (1957) e Janzarik (1968), concebem a pro­ «como» cventualmcnte o diz ou faz, espccialmcntc no que se refere
gressão da esquizofrenia aguda, em termos de gravidade, desde a aos «delírios» e «alucinações» que ocorrem na «esquizofrenia».
pcrccpção delirante ate aos fonemas, como o resultado das experiên­ Neste contexto, pensamos que é legítimo afirmar que o «conteúdo»
cias de passividade.» da mensagem «cria a sua própria forma». Por que não poderá uma
Também vale a pena salientar que, cm relação à «psico(pato)logia» pessoa que se debate com um importante dilema existencial (envol­
da «esquizofrenia», ninguém foi capaz até agora de demonstrar ine­ vendo as suas mais íntimas e básicas pcrspcctivas sobre a vida)
quivocamente a existência de «sintomas esquizofrénicos específicos». «escolher» exprimi-lo de uma «forma» distorcida («delirante» ou
Ao comentar este assunto, Fish (1966) não é muito esclarecedor, «alucinada») comprccnsivelmcnte relacionada com a perturbação
reconhecendo que: «Pode pcnsar-sc que os sintomas de primeira ordem emocional provocada pelos seus próprios «conteúdos mentais»? Afi­
de Schncidcr tomam muito simples o diagnóstico da esquizofrenia, nal dc contas, todos nós sabemos muito bem como os nossos
mas, de facto, subsistem algumas dificuldades. Com efeito, se o doente «conteúdos mentais» (e as emoções com eles relacionadas) podem dar
está muito ansioso ou perplexo pode ser difícil ter a certeza se tem origem a experiências «bizarras» e invulgares do ponto dc vista das
rcalmcnte um sintoma de primeira ordem ou se é “como se” o ti­ suas caractcrísticas «formais» (v.g. certos tipos dc experiências per-
vesse.» Será possível fazer tal distinção? ccptivas distorcidas que algumas pessoas relatam quando andam por
Até os divulgados c largamcnlc aceites «sintomas de primeira um caminho isolado c desconhecido numa noite escura).
ordem» de Schncidcr têm sido frequentemente «diagnosticados» no Na nossa opinião, podemos encontrar alguns paralelismos escla­
caso de «pacientes» que sofrem de outros tipos dc «psicoses funcio­ recedores sobre o problema das relações entre a «forma» c o
nais», estando, portanto, muito longe dc merecer a reputação de «conteúdo» nos campos da arte c da literatura.
sintomas «patognomónicos» da «esquizofrenia» (Abrams c Taylor, 1982; Qualquer pessoa minimamente familiarizada com a história da arte
Carpcntcr et al., 1973; Silvcrstonc c Harrow, 1981). O próprio Schnci­ c da literatura sabe como certos tipos dc expressão artística podem
dcr aceitava o «diagnóstico» de «esquizofrenia» na ausência dc qualquer parecer «estranhos» c «chocantes» c como é difícil para uma consi­
«sintoma dc primeira ordem» (desde que o «paciente» apresentasse derável parte do público contemporâneo aceitá-los e compreender o
a «combinação certa» de «sintomas secundários»...), o que prova que seu significado. Podemos lembrar, por exemplo, o «escândalo» pro­
este assunto é muito mais problemático do que parece à primeira vista... vocado pela arte «abstracta» e o modo como foi claramcntc rejeita­
Muito se tem dito e escrito, por outro lado, sobre as diferenças da pelo cidadão comum que nela não conseguia descobrir qualquer
supostamente muito marcadas entre a «forma» c o «conteúdo» dos «significado». Devemos então ficar surpreendidos com o facto dc a
«sintomas» da «esquizofrenia». É frcqucntcmcntc defendido que, apesar «compreensão» ser necessariamente um processo complexo? A este
dc podermos compreender o «conteúdo» destes sintomas, a sua «forma» respeito, pensamos que há boas razões para rejeitar qualquer concei­
não tem qualquer possibilidade dc «compreensão». A este respeito, to simplista sobre a «compreensão», quer se trate da «compreensão»
gostaríamos dc chamar a atenção para as dificuldades implícitas nesta dc uma «forma dc arte» ou da análise do comportamento e das
distinção aparcntcmcnle clara c para os perigos da falta de sofistica­ experiências dc um «paciente». Também aqui podemos abordar o
ção conceptual que lhe está subjacente. problema a partir do ponto dc vista tradicional (que aceita a existên­
É rcalmcnte assim tão simples c fácil como se pensa, distinguir cia dc um «conteúdo» claro c predeterminado na mente do autor, que,
a «forma» dc um determinado «estado mental» (ou comportamento) depois, é «traduzido» através dc «formas» adoptadas pelas conven­
do seu «conteúdo»? Não estaremos, pelo contrário, a inviabilizar a ções culturais dominantes da época) ou, por outro lado, podemos
apreciação das relações existentes entre a «forma» e o «conteúdo», encarar a «forma» c o «conteúdo» como dois aspectos inseparáveis
quando avaliamos os «sintomas» da «esquizofrenia»? Dc facto, não da mensagem artística e, até, considerar que a «forma» tem o seu
próprio significado intrínseco (ou, por outras palavras, que o «como» As pessoas «normais» crêem numa série de coisas estranhas
é também uma parte do «que»). Não é difícil perceber por que é que (patriotismos, religiões, ideologias, convenções sociais, mitos, etc., etc.),
os artistas e os escritores podem ser levados a criar novas «formas» e, contudo, tentamos compreender estas ideias em termos de infân­
de expressão prccisamentc por causa «daquilo» que pretendem dizer cia, família, casamento, profissão, carreira, país de origem, etc., etc.
ou exprimir. Os historiadores também tentam compreender os feitos de homens
A discussão deste assunto mostra como as atitudes e os modos célebres, os acontecimentos passados, as culturas, as sociedades, as
de os psiquiatras conceberem a «realidade» são modelados (frequen- ideias e as ambições humanas; poderemos aprender, através dos seus
temente por um período de tempo demasiado longo) pelos pontos de estudos e metodologia, a tentar compreender, de um modo mais
vista dominantes, oulrora defendidos por ouUos tipos de profissionais. fidedigno, o significado da «psico(pato)logia» dos «pacientes esqui­
Alem disso, revela lambem a necessidade de rever rcgularmentc as zofrénicos»?
teorias psiquiátricas, sobretudo quando elas são tão obviamente in­ Como já dissemos, a importância que Dillhey atribuiu à «com­
fluenciadas por uuxlas c ideias sujeitas a mudanças c evoluções rápidas; preensão» levou os psiquiatras, sobretudo através da influência do
é interessante, a este respeito, chamar a atenção para a tese de Her- trabalho de Jaspers (1913; 1968), a procurar conccptualizar (c tentar
bert Rcad (1955), segundo a qual um novo tipo de arte é a primeira definir), paradoxalmcntc, aquilo que «não pode ser compreendido».
etapa em cada desenvolvimento do pensamento humano, e para a Ao tentarmos provar, perante nós próprios, a nossa «normalidade»,
relação existente entre esta tese e o conceito de «mudança de para­ esquecemo-nos (talvez involuntariamente) do que significa rcalmcn-
digma» de T. Kiihn (1970). tc scr-se humano. Deste modo, recusamos in limine qualquer possí­
Considerando agora os sintomas «psico(pato)lógicos» mais frequen- vel tentativa para compreender as crenças «esquizofrénicas», muito
temente pesquisados pelos clínicos quando assumem a tarefa de provavelmente influenciados pela convicção de que seria insensato
«diagnosticar» a «esquizofrenia», gostaríamos de tecer, neste capítulo, tentá-lo.
alguns comentários sobre as «definições oficiais» destes «sintomas» Continuamos, por exemplo, a «diagnosticar» as crenças «esqui­
e de salientar algumas das razões por que não estamos inclinados a zofrénicas» indesejáveis como «delírios primários (ou autóctones)»
concordar com essas definições. apesar de sabermos pcrfcitamcntc que o maior interesse prático de
conhecer os «delírios autóctones» (ou qualquer outro «tecnicismo»
semelhante, cm relação a esta matéria) é o de passar nos exames de
2. Os «delírios» da «esquizofrenia» psiquiatria...
A experiência adquirida nas interaeções humanas mostra, contu­
Os «delírios» da «esquizofrenia», por exemplo, são definidos como do, que muitas ideias falsas chamadas «delírios» são, frcqucntcmcntc,
ideias falsas cm que o «paciente» crc com uma convicção inabalável bastante «compreensíveis».
e resistente à argumentação lógica e ao confronto com a realidade, A este respeito, Frecman (1981) escreve: «O conceito de delírio
sendo inexplicáveis através do seu contexto social e cultural (Hamil­ de Jaspers (1963) baseia-sc no facto de os doentes que sofrem de
ton, 1985). Mas, quantas ideias humanas erradas não são exactamcntc psicoses esquizofrénica e paranóide vivcnciarem estes acontecimen­
assim? Quais as circunstâncias que as convertem num «delírio»? Os tos mentais como sendo alheios ao eu e complclamcnlc diferentes dos
compromissos, desejos, projectos e medos habituais do ser humano modos anteriores de pensar, sentir e perceber. Esta disrupção na
«normal» são, por acaso, «lógicos» e «racionais»? Quantas das ideias continuidade c qualidade da vida mental foi utilizada para concluir
e crenças «normais» são, de facto, passíveis de argumentação racio­ que, ao contrário das ideias delirantes, os delírios propriamente ditos
nal e, consequentemente, modificadas ou abandonadas de ânimo leve? não têm antecedentes psicológicos. Este ponto de vista nunca foi
Será realmcnte assim tão fácil e claro o modo de explicar (ou in­ aceitável para os psiquiatras que privilegiam a abordagem do desen­
fluenciar) os conteúdos «normais» das mentes «saudáveis»? volvimento na patologia mental. De acordo com Minkowski (1927),
Katan (1954) e Ey (1969), cujos textos foram influenciados por Jack- sentimos que as nossas crenças e opiniões pessoais são contrariadas
son (1894), Freud (1911) e Ribot (1920), é possível compreender c por outras pessoas e estamos em risco de sermos desprestigiados e
resolver esta perturbação da continuidade do conteúdo da vida mental humilhados por esse facto. Embora este não seja o lugar para um
daqueles que sofrem de psicoses esquizofrénica c paranóide.» aprofundamento da questão, parece-nos importante frisar que a filo­
Somos levados a crer que muitos dos chamados «delírios» são sofia da Lógica, assim como a da Matemática, levanta questões
acessíveis à «negociação», no contexto de uma relação interpessoal pertinentes acerca do que seja a verdadeira natureza das regras. Por
de conliança. Com efeito, parece que apenas estamos muito alentos agora, apenas gostaríamos de salientar o papel importante da nossa
ao apego que os «doentes» têm aos seus próprios pontos de vista e estabilidade emocional quando somos confrontados com o impacto das
ao que estes representam cm relação às suas atitudes para com a vida nossas opiniões.
e para com os seus semelhantes. Tendo presente as considerações expendidas, parece-nos que a
E habitualmente aceite que podemos «compreender» o «conteúdo» capacidade para compreender os «delírios» dos «pacientes esquizo­
de muitos «delírios», mas não a «forma» deste tipo de «sintomas». frénicos» deve resultar, cm grande parte, da nossa vontade para aceitar
Tal como já dissemos anteriormente, não achamos, de modo algum, que vale a pena tentar tal «compreensão», ainda que não sejam apenas
injustificada a tentativa para «compreender» esta «forma» «extrema» os «pacientes» a acreditar cm ideias erradas e a tirar conclusões tal-
(c «estranha») de (distorcida) comunicação, muito provavelmente inti- sas. Aliás, nós próprios também o fazemos quando projcctamos os
mamente relacionada com a perturbação emocional «extrema» c com nossos pontos de vista subjcctivos para tentar compreender o signifi­
a difícil situação pessoal dos «pacientes delirantes». De facto, para cado do comportamento dos pacientes. Parafraseando Foucault (1961),
quase todos nós, a cumplicidade para com as convenções sociais é devemos ler sempre presente que «a pessoa que se confessa apresen­
bastante compensadora e conseguimos tirar grande partido daquilo que ta a “matéria bruta”, mas é sempre o confessor que dá o “signiliça­
sabemos aparentar (Jenncr, 1984). do corrccto”». De facto, compreender um paciente pode muito bem
As crenças desempenham funções importantes rclativamentc às ter mais a ver com o relacionamento c a intimidade do que com qual­
necessidades mais básicas c vitais dos «pacientes» (tal como acon­ quer argumentação lógica; ou com a compreensão de um poema do
tece com as nossas próprias crenças «normais»), não sendo difícil per­ que com a de uma equação matemática.
ceber por que é que se «agarram» tanto a elas, mesmo quando pare­ Tudo isto não é tão fidedigno como habilualmcnlc parecem ser
cem aceitar (pelo menos, temporariamente) os argumentos lógicos que as «explicações científicas», mas, no caso cm apreço, isto é, perante
contradizem a sua validade. outro ser humano, é muito provavelmente mais relevante e significa­
Gostaríamos de chamar a atenção, a este respeito, para a pala­ tivo. Olhar de perto para as pessoas com a finalidade de conhecer
vra alemã «superstição» — Aberglaube — , uma vez que pensamos as suas ideologias (ou, por outras palavras, os seus «delírios») é, afinal
que exprime (a um nível mais ou menos consciente) de um modo de contas, como olhar para a boca de um cavalo com a finalidade
muito acurado as atitudes ambivalentes de muitos «pacientes deliran­ de saber qual o estado dos seus dentes...
tes» para com as suas próprias «crenças falsas».
A existência deste profundo dilema entre as «necessidades emo­
cionais» e os «modos de pensamento racional» é muito provavelmente 3. «Perturbações formais do pensamento
suficiente para explicar por que é que a tentativa para compreender (e da linguagem)»
as crenças equívocas de um «paciente» não contribui necessariamente
para o persuadir a abandonar as suas ideias «idcossincráticas» e, até, Outros «sintomas psico(pato)lógicos» importantes, no que respei­
pode ser encarada como uma ameaça muito perigosa para o seu precário
ta ao modo «oficialmcntc» reconhecido para «diagnosticar» a «esqui­
«equilíbrio mental».
zofrenia», são as chamadas «perturbações formais do pensamento (c
De certo modo, isto acontece com qualquer de nós, sempre que da linguagem)». Muitos artigos dedicados ao comportamento «esqui-
/olicn ico» apresentam este tipo particular de «perturbações mentais» totalmente na «racionalidade» e capacidade do homem para pensar
como um valioso indicador da «esquizofrenia» e consideram-no uma de um modo lógico...
«entidade discreta c separada», situada à parte dos outros aspectos Tucker e Roscnbcrg (1979), ao analisarem a grande diversidade
do pensamento. de «perturbações formais da linguagem e do pensamento» habitual-
«O pensamento humano normal», tal como a história humana mente apresentadas por investigadores e por clínicos como prova da
«normal» ou as interaeções sociais humanas «normais», não é, con­ natureza «orgânica» (e «incompreensível») da «esquizofrenia», escre­
tudo, uma sequência catcniformc de acontecimentos estritamente vem: «Os linguistas c antropologistas observam que, em cada cultu­
predizíveis, sem qualquer margem para um desenvolvimento de tipo ra, há parâmetros semânticos que estabelecem as normas para o modo
estocástico. Apesar disso, este modo simplista de encarar a «realidade» com o as pessoas falam de acordo com o sexo, a idade, a classe social,
está implícito muitas vezes nas opiniões prevalecentes dos psiquia­ etc. O esquizofrénico, de acordo com a nossa hipótese, cria a im­
tras acerca da «verdadeira natureza» dos sinais e sintomas «psicóticos», pressão de perturbação no ouvinte, por se desviar subtilmente dessas
incluindo as «perturbações formais do pensamento». cxpcctativas. Neste caso, o interlocutor pode perceber o desvio como
Singcr (1975), ao escrever acerca do «curso da consciência ocorrendo a um nível estrutural ou sintáctico. Por conseguinte, depa­
humana», afirma: «Foi frequentemente admitido que a imaginação (ou ramos com uma longa lista de supostos defeitos que foram apresen­
fantasia) desaparece virtualmentc da vida mental do adulto, emergin­ tados como características chave da linguagem dos esquizofrénicos:
do apenas durante os sonhos noctumos ou fantasias ocasionais. [ ] falhas de associação, pensamento concreto, sobreinclusivo, ilógico, etc.
Freud procurou salientar o poder das capacidades humanas verbais c A grande diversidade destes supostos defeitos é assinalável. Apesar
analíticas desde que os indivíduos estivessem libertos de conflitos de poderem ser dcscritivamcntc acurados, não são inequivocamente
neuróticos. De acordo com investigações recentes, parece muito mais específicos da esquizofrenia. O discurso corrente das pessoas normais
verosímil que o pensamento é frcqucntemcntc caractcrizado por um é também gcralmcnlc desorganizado, espccialmcnte quando se encon­
arranjo complexo de imagens e experiências sensoriais concretas c de tram cm estados de elevada ansiedade ou agitação. [...] E óbvio que
sistemas de codificação léxico-verbal c analítica. Com efeito, apenas as falhas de associação, o bloqueio c as falhas de comunicação ocorrem
um pequeno número de pensamentos é processado vcrdadciramcntc na conversação normal. De facto, representam mais a regra do que a
de uma forma puramente “proporcional” ou abstracta, pois quase todos excepção, na linguagem do dia-a-dia.»
os pensamentos envolvem a recordação ou antecipação de cenas e Para estes autores, a «desorganização» do discurso (e do pensa­
imagens visuais de determinadas interaeções humanas.» mento) dos «esquizofrénicos» está intimamente relacionada com o seu
Afinal de contas, segundo podemos concluir a partir dos co­ (muito compreensível) estado de perturbação emocional c com o tipo
mentários de Singer, os «processos formais do pensamento» dos seres particular de «mensagem verbal» que são levados a comunicar. Noutro
humanos «normais» não são assim tão diferentes dos que ocorrem nos artigo, estes mesmos autores escrevem (Tucker c Roscnbcrg, 1975).
«pacientes psicóticos» como tendemos habitualmentc a acreditar. «Sc analisarmos “o factor esquizofrénico” (obtido através da análise
Foucault (1961), ao falar do aumento da incidência de «doenças faclorial do discurso dos pacientes com a ajuda de várias categorias
nervosas» verificado durante a segunda metade do século xvm , cita de “conteúdos verbais”), torna-se evidente que o doente esquizofré­
um médico contemporâneo que escreve: «Não vos sintais felizes’com nico — através da própria escolha do vocabulário - diz-nos algu­
a vossa condição de homens sensatos c civilizados; um instante é quanto ma coisa sobre os estados que vivência. Isto é, manifesta uma ex­
basta para perturbar e aniquilar essa suposta sensatez de que estais cessiva preocupação consigo próprio num contexto de acentuado mal-
tão orgulhosos; um acontecimento inesperado, uma emoção forte e -estar emocional c desorientação [...]. A utilização de sobreinclusões,
súbita da alma transforma abruptamente o homem mais sensato e tais como as que dizem respeito às referências temporais e espaciais,
inteligente num louco furioso.» Como vemos, até os cientistas que sugere uma acentuada necessidade de se situar. [...] Frcquentcmcnlc,
viveram durante o século das «Luzes c da Razão» não podiam confiar tenta aproximar-se através de meios tão primitivos como a agressão
ou fantasias de destruição do terapeuta por incorporação mágica. fluência de impressivas imagens visuais e auditivas. A fantasia de
O doente esforça-sc por encontrar um nível aceitável de intimidade, Einstcin sobre o homem lançado no espaço que, ao olhar para trás,
sentindo-se allcmalivamcnte ameaçado pela proximidade c intimida­ se vê a si próprio enquanto viaja mais rapidamente do que a veloci­
do pela distância [...]. A sua situação parece traduzir não tanto uma dade da luz; a imagem de Kekule de números dançando cm círculos,
suspensão (ou defeito) dos processos do “ego” como uma tentativa a visão de Kattering de uma flor que sugeriu as potencialidades de
de um ego defensivo (e, talvez, dcfeclivo) para sobreviver face a um determinado mecanismo — misturador de gasolina são todos
um stress extremo. Pode muito bem acontecer que procure o pensa­ exemplos cm que a expressão poética parece emergir sob uma lor-
mento concreto c sobrcinclusivo para compensar o seu medo da dis­ ma imaginária antes da sua tradução cm abstraeções mais racionais
solução e do caos.» e sequências verbais da ciência pura.»
Rcfcrindo-sc às questões levantadas pelo estudo dos «processos A semelhança frcqucntcmcntc insuspeitada existente entre «nós»
formais do pensamento», numa pcrspccliva algo diferente da anterior, (pessoas «normais») c «eles» («pacientes psicóticos»), no que se refere
Singcr (1975) escreve: «Uma serie de experiências começou agora a aos «processos formais do pensamento» (c à sua «desorganização»
demonstrar uma muito maior complexidade do pensamento do adul­ mais ou menos acentuada), é também reconhecida (c demonstrada)
to quando se tenta captar o seu curso do que quando apenas se analisa por Harrow c Quinlan (1977), num artigo cm que escrevem: «Os
o seu produto, obtido sob a forma de respostas a certas perguntas ou resultados sugerem que: (1) o pensamento desorganizado não é ex­
problemas. Parece evidente que a análise do curso do pensamento, clusivo da esquizofrenia; (2) as distinções entre os níveis moderados
lena a partir desta abordagem, confirma, de certo modo, a descrição c graves da patologia do pensamento são importantes; (3) o pensa­
literária do curso do pensamento feita por autores como James Joyce. mento desorganizado é influenciado pela psicopatologia c pelas per­
Alem disso, esta pesquisa torna evidente que a progressão do pensa­ turbações agudas. Os dados obtidos por inferência sugerem: (4) o
mento dos adultos normais não tem a estrutura e a precisão formais pensamento desorganizado c o normal situam-sc ao longo de um con-
que Frcud lhe atribuía. Estas experiências demonstram a rápida mudança tinuum; (5) as “perturbações do pensamento” não são entidades dis­
de atenção provocada pelos estímulos externos, pela avaliação dos cretas, separadas e situadas à parte de outros aspectos do pensamen­
estímulos, pelo recurso à lembrança de memórias da infância, pela to; (6) os velhos conceitos acerca dos sintomas primários da esqui­
antecipação de acontecimentos imediatos ou longínquos e, ocasional- zofrenia necessitam de ser reexaminados.» (Cf. Harrow et a i, 1973.)
mente, ale pela elaboração de fantasias acerca de acontecimentos de
ocorrência muito pouco provável na vida do indivíduo.»
A este respeito, vale a pena consultar o livro Ulysses, de James 4. «Comportamento catatónico»
Joyce (1922) (partieularmente o celebre último capítulo, no qual
podemos seguir o «curso da consciência» de Molly Bloom enquanto Na nossa opinião, o conceito de «comportamento catatónico»
esta está deitada na cama), e o seu romance (mais controverso) Fin- otmbém necessita muito de ser reexaminado. Após os trabalhos de
negarís Wake (1939). Kahlbaum (1874) c Kracpclin (1913), os «sintomas catatónicos» têm
As descrições de «descobertas científicas» celebres atestam ilus- sido utilizados como a base para o «diagnóstico» de um dos «subti-
trativamente o papel decisivo da «imaginação humana» nos proces­ pos» fundamentais da «esquizofrenia» e, também, como um argumen­
sos, frcqucntcmcntc cheios de meandros, da «investigação científica», to a favor da origem «somática» desta «doença mental» (Mahcndra,
que, por vezes, supomos «complclamentc imunes» às «incursões sel­ 1973). Contudo, no caso das «psicoses funcionais» como a «esqui­
vagens c ilógicas da imaginação». Jcrome Singcr (1975) escreve, ainda: zofrenia», pensamos que há argumentos suficientes para justificar a
«As narrativas da aclividadc criativa dos próprios cientistas indicam abordagem deste tipo de «sintomatologia» a partir de outras pcrspcc-
que estes alcançam, com certa frequência, êxitos na obtenção de so­ tivas. Com efeito, não está posta de parte a tentativa de «compreen­
luções para problemas importantes c bastante técnicos graças à in­ der» as «rcacçõcs catatónicas» dos «esquizofrénicos» c para as rela­
cionar com a biografia e com as vivências destes «pacientes» (cf. Jcnner perturbador das bases biológicas da vida mental dos pacientes, su-
e Damas-Mora, 1983). Isto é apoiado, de certo modo, pelos achados postamente dependente de algum tipo de disfunção metabólica.
de Vcnables e Wing (1962), que estudaram a relação entre o «nível Contudo, tal como Gjessing demonstrou, alguns pacientes podem
de activação» (ou arousal) e o «isolamento social» dos «pacientes es­ recuperar totalmcnte desta situação.
quizofrénicos». Neste artigo, os autores escrevem: «Estes resultados Na realidade, não é difícil perceber como é que um ser humano
indicam que, nos doentes esquizofrénicos, existe uma relação estrei­ subjugado por conflitos e dilemas pessoais tão perturbadores acaba
ta e consistente entre o grau de isolamento social e o nível de acti­ por recorrer a um tipo tão extremo de «mecanismos de defesa do ego»;
vação psicológica, quando medida central e perifericamcntc. Quanto o «isolamento», o «autismo», a (aparente) «anestesia afectiva» e outras
mais isolado está o doente mais elevada é a sua activação. A única «rcacçõcs defensivas» (aulodestrulivas) semelhantes, são as únicas
cxcepção a esta regra geral encontra-sc nos doentes que apresentam «barreiras» que o «paciente» acha suficicnlcmcntc seguras para se
marcados delírios coerentes, sem qualquer incoerência do discurso «autoproteger» de um ambiente social que considera demasiado
concomitante [...]. Assim, verifica-se uma situação aparcntcmcntc ameaçador e perigoso.
paradoxal — quanto maior é o nível de activação medido através de Outrora, os pacientes, em vez de se «autoprotegerem» através de
potenciais cutâneos ou de 2-flashes limiares, menor é o grau de rcacçõcs de «isolamento» ou de «passividade», manifestavam as suas
motivação do doente manifestado através do seu comportamento ou emoções incontidas através daquilo que então se designava por rcac­
das suas respostas alectivas [...]. Isto sugere que o doente aparente- çõcs de «excitação catatónica», ou outras formas de comportamento
mente mais isolado é, de facto, mais afcctado pelo seu ambiente do de acting-out menos dramáticas. Isto parece estar pcrfcitamcntc de
que uma pessoa normal. O isolamento do ambiente — quer social acordo com a teoria de Gjessing (1976), segundo a qual quer a
quer físico pode ser, portanto, um mecanismo protcctor. Outro «excitação» quer o «estupor» são expressões do mesmo problema
trabalho sugere que o discurso pode ser afcctado, nos seus aspectos subjacente, que para ele residia nas toxinas nitrogenadas — o que
simbólicos e motores, por perturbações no sistema activador [...]. nos merece muitas reservas (Jcnner c Damas-Mora, 1983).
O nível de activação dos esquizofrénicos pode ser influenciado por É interessante assinalar aqui as semelhanças existentes entre estas
várias drogas, cm particular pelos novos derivados da fenotiazina, c invulgares (e indesejáveis) «estratégias protcctoras» e os tipos de
pela organização do ambiente social dos pacientes.» comportamento humano frcqucntcmcntc observados durante situações
Se levarmos em linha de conta os achados de Vcnables e Wing, de «catástolrc natural», como, por exemplo, as rcacçõcs de «imobi­
pensamos que há boas razões para aceitar a «comprcensibilidadc» do lização completa» ou «agitação psicomotora extrema e incontrolável»;
«isolamento» (e, até, a «catatonia») manifestado pelo comportamen­ no caso dos «esquizofrénicos catatónicos», contudo, a «ameaça» vem,
to «esquizofrénico». de facto, não do «mundo exterior», mas sim do «mundo interior» do
Na nossa opinião, no caso das «psicoses funcionais», os sinto­ próprio «paciente», sobretudo dos indesejáveis «conslructos mentais»
mas de «isolamento social», «autismo», «anestesia afcctiva» ou «rcac- através dos quais percebe a «realidade» e as intenções c atributos dos
ções calatónicas» podem ser todos encarados como variedades da seus semelhantes.
mesma «atitude ou postura defensiva» básica face a um «mundo Este tipo de interpretação é também corroborado pelos achados
exterior» ameaçador. de Stone c Eldrcd (1959). Neste artigo, os autores escrevem: «Pa­
É interessante recordar que Gjessing (1976) encarava a «excita­ rece que nestes pacientes [esquizofrénicos] crónicos o aumento pro­
ção» c o «estupor catatónico» como dois estados equivalentes. Pen­ vocado da frequência e da duração dos contactos com o pessoal
samos que estes estados são, frcqucntcmcntc, o resultado final de uma hospitalar é acompanhado por um aumento dos delírios manifestados.
cadeia de rcacçõcs largamcntc dependente de emoções e de propósitos Estes dados apoiam a hipótese de que os delírios representam sinto­
humanos «compreensíveis». Este tipo de comportamento foi encara­ mas restitutivos, na medida em que o psicótico tenta lidar com a in-
do «tradicionalmente» como a «expressão» de um «processo patológico» teraeção das forças internas c da realidade externa. Infelizmcntc, isto
1 liiquenlem enlc interpretado, quer pelos enfermeiros quer pelos nações» dos «esquizofrénicos», defendeu, muito compreensivelmcnlc,
mh'.Iuo s, como um mau resultado. O doente toma-se mais agitado. de acordo com o seu paradigma, que ««a estimulação central causa­
\ . suas rotinas metódicas falham. Solicita mais tempo c atenção do dora da alucinação» impõe-se tão poderosamente ao «doente» que «este
pessoal. Pode ocorrer um aumento do risco de suicídio [...]. Não nos tem de ser louco para não acreditar nelas» (!!?).
deverá surpreender que um doente cujo muro de apatia foi abalado De Clérambault (1974) escreveu, a este respeito: «A crença
possa regredir ao seu antigo quadro de projccçõcs e delírios, para, delirante (na “alucinação”) é a rcacção, da parte da mente e das
assim, lidar com o stress provocado pelas novas relações. Não con­ emoções que permanece sã, a um automatismo que surge esponta­
sideramos que o aumento da actividadc delirante seja necessariamente neamente c toma o doente de surpresa num momento em que este
uma mudança boa ou má. Pensamos que poderá ser uma ocorrência se encontra emocional c mcntalmcnte bastante calmo.» Este autor
inevitável na reabilitação de certos pacientes esquizofrénicos crónicos.» encara o «paciente esquizofrénico», portanto, não como um indivíduo
Quando solicitados por médicos ou enfermeiros (e incitados a cmocionalmente (e socialmcnte) perturbado que tenta comunicar o seu
intcractuar mais «aclivamentc» com um «mundo exterior» ameaça­ mal-estar de um modo invulgar e indesejável, mas, pelo contrário,
dor), os «pacientes esquizofrénicos» (ainda que se apresentem «iso­ como um indivíduo bastante «são c calmo» (pelo menos, «parcial-
lados» e «institucionalizados») tendem a defender-se, como vimos, de mente»!?) que é «subitamente acometido» por experiências estranhas
um modo «extremo», daquilo que sentem como uma invasão perigo­ e totalmcnte alheias à sua vontade, sentimentos c «pontos de vista»...
sa das suas perturbadas vidas pessoais c do seu frágil equilíbrio mental; Não podemos esquecer, contudo, que, muitos séculos antes de De
talvez o seu comportamento social seja mais «compreensível», neste Clérambault, o médico grego Asclépios, um verdadeiro pioneiro no
contexto particular, do que estamos habitualmcntc predispostos a tratamento humano dos «doentes mentais», defendeu uma pcrspccti-
admitir...
va sobre a natureza das «alucinações» que, na nossa opinião, é mais
sofisticada. Com efeito, definiu «alucinação» como uma representa­
ção que atinge a intensidade de uma percepçâo devido ao enfraque­
cimento do «aparelho regulador» da mente. As suas concepções vieram
5. «Experiências alucinatórias» a ser confirmadas muito mais tarde, por exemplo, pelo trabalho
experimental de Lhermitte (1961) e Ajuriaguerra (1954) estes autores
As «experiências alucinatórias» são também dos mais importan­ concluíram que uma estimulação directa no Sistema Nervoso Central
tes «sintomas psicopatológicos» habitualmente utilizados para o nunca origina sensações de tipo alucinatório, a menos que exista uma
«diagnóstico» da «esquizofrenia». Contudo, esquecemo-nos muito perturbação mais ou menos acentuada da personalidade do indivíduo.
frcqucntcmentc que estas experiências mentais «bizarras» são passíveis Os seus achados apoiam também aquilo que Baillargcr havia já
de abordagens muito diversas e que não pode ser tido como certo observado rclativamcnte à estimulação dos próprios órgãos dos sen­
que a sua explicação definitiva tenha sido alcançada. tidos; algumas sensações podem originar-se deste modo, mas nunca
_ Recentemente, vieram a lume interessantes estudos holandeses sobre «verdadeiras pcrccpções», a não ser que «a imaginação esteja simul­
a tão disseminada experiência de «ouvir vozes» (Romme e Eschcr, taneamente perturbada», segundo as suas palavras.
1989). Muitas das pessoas que «ouvem vozes» levam uma vida vulgar. Apesar de autores como Schncidcr não terem proposto cxplicila-
Por outro lado, é razoável salientar, desde já, que a cultura popular mente quaisquer teorias específicas rclativamcnte à «etiopatogenia da
consagra expressões que parecem adequadas a esta questão: «ouvir a esquizofrenia», pensamos que muitos psiquiatras clínicos continuam
voz de Deus», «ouvir a voz da consciência», sentir a «vocação» (voz a aceitar que as «alucinações auditivas schnciderianas» resultam ne­
que nos chama, mandando-nos seguir um certo caminho). cessariamente de algum tipo de processo «orgânico» («ncurofi-
Por exemplo, De Clérambault (1974), que apoiou uma «explica­ siológico»?) perturbador do funcionamento do cérebro. Vale a pena
ção» estritamente «neurobiológica» para o aparecimento das «aluci­ salientar, a este propósito, que os «sintomas» de tipo «psicótico» (entre
os quais as «alucinações») têm sido frequentemente observados, não Um pouco mais adiante, no mesmo artigo, Van den Berg (1982)
s õ durante a evolução de «síndromas cerebrais orgânicas», mas também escreve: «Uma alucinação, tal como qualquer outro fenómeno artifi-
nas «per turbações psíquicas funcionais» possivelmente com uma cialmcntc isolado, apenas pode ser devidamente abordada num estu­
explicação «psicodinâmica» (tais com o, por exemplo, a «síndroma de do da totalidade psíquica, que, de algum modo, está perturbada. Este
Ganser», que foi classificada entre os «estados dissociativos histéri­ ser perturbado deve constituir o primeiro e mais importante objecto
cos») (Schatzman, 1980). de estudo. [...] Se bem que, fenomcnologicamcntc falando, não pode
Este modo de pensar não leva cm linha de conta que um dado cquiparar-sc a alucinação à pcrccpção, há, contudo, uma relação intima
«sintoma», por mais impressivo e «estranho» que pareça, não implica entre a alucinação e a totalidade psíquica específica que caractcriza
necessariamente, por si só, a existência de um «mecanismo causal» a pessoa doente. Hugcnholtz exprimiu isto do seguinte modo:
delinido a avaliação do significado e da importância desse «sin­ “A alucinação tem um conteúdo que se radica na totalidade psíquica
toma» necessita de uma abordagem diagnóstica de tipo global, que da alma” [...]. Parece-me conveniente salientar que a relação entre
interprete cada um dos «sintomas» no contexto geral do comporta­ a alucinação e a totalidade psíquica não existe apenas em termos
mento, da experiência pessoal e, até, do estado físico dos pacientes. de conteúdo, mas também em termos deforma. [...] Ao concentrar­
A descoberta da «neuropatologia» da «Paralisia Geral», por mo-nos no conteúdo, tornamo-nos cegos para com a forma cm que
exemplo, não resultou de qualquer tipo de inferência baseada na sua o doente se apresenta, enquanto estamos com ele. Se não ha qual­
«psicopatologia» bizarra (e, aparentemente, «incompreensível»); de fac­ quer sensibilidade para com essa forma, isto é, para com o modo de
to, não foi a intuição clínica de A. Baylc que o levou a suspeitar (e o doente se relacionar, então também não podemos esperar qualquer
investigar) da existência de anomalias orgânicas no cérebro dos seus fiabilidade de uma teoria sobre as alucinações!»
doentes este autor fez a sua «descoberta» seguindo o caminho Van den Bcrg aborda os «sintomas», como as «alucinações», de
oposto. Por inerência das suas funções num grande «hospital psi­ um modo bastante diferente de Schneider [e, também, da abordagem
quiátrico», tinha que realizar exames post-mortem num grande número de todos os proponentes dos «sistemas e métodos de avaliação clinica»
de doentes falecidos; foi no cumprimento desta obrigação de rotina que têm sido mais ou menos influenciados pelos pontos de vista de
que se lhe deparou aquilo que, mais tarde, descreveu como sendo a Schneider — o PSE, Present State Examination (Wing et al„ 1973),
«neuropatologia» caractcrística da «Paralisia Geral» — só depois por exemplo]. Noutra passagem do artigo já citado, Van den Berg
utilizou estes achados «objcctivos» para confirmar os seus «diagnósticos (1982) tece os seguintes comentários: «Esta totalidade que inclui o
clínicos» (Moorc e Salomon, 1934). modo de ser c de se relacionar, a que Morcau de Tours chamou “fait
No seu livro Du hashish et de 1’aliénation mentale (Paris, 1845), primordial”, deve ser o principal objccto de qualquer análise feno-
o psiquiatra francês Morcau de Tours afirmou também que o proble­ menológica do fenómeno da alucinação. Este “fait primordial" não
ma da «alucinação» não se confina ao «sintoma» cm si, mas está ligado pode ser limitado ao conceito de “consciência”, embora exista uma
a totalidade do que designou de «personalidade doente». J. H. Van tendência para o fazer. [...] É preferível falar da maneira de ser do
den Bcrg (1982) escreveu, a este respeito: «Morcau não pretendeu doente, da ideia que tem sobre si próprio, do seu estado de humor,
demonstrar uma base orgânica; desejava saber — em linguagem ou, cm suma, do “estado mental” do doente. Estas designações rcfe-
moderna — quais são os pré-requisitos psicológicos para a ocorrên­ rem-sc aos conceitos de Heidcgger sich befinden, gestimmt sein e Stim-
cia das alucinações. Este “fond mental” ou “ cause essentielle", que mung, que é gcralmcntc traduzido por “humor”. Por exemplo, Jelgcrs-
encontrou no "fait primordiel", é totalmcnte de natureza psicológica, ma, no seu manual de psiquiatria, rcfcrc-se explicitamcnte à relação
manifestando-se mais claramcnte, de acordo com o autor, na “exci- existente entre o humor e as alucinações do doente. Além disso, nota
tation versatile”. [...] Morcau de Tours exprimiu o seu ponto de vista correctamcntc que o modo de ser e o humor se modificam cm pri­
no seguinte aforismo quase paradoxal, ainda que perspicaz: “Não é meiro lugar — “uma psicose nunca começa com alucinações .»
adequado falar de alucinações, mas antes de estado alucinatório”.» Van den Berg parece não aceitar, portanto, a existência de «sin­
tomas esquizofrénicos primários», cspccialmcnlc sob a forma de «terapêutica comportamcntal» das «alucinações esquizofrénicas», Sladc
«alucinações». Este autor chama a nossa atençáo para o facto de (1973) formula as seguintes conclusões: «O principal ponto de inte­
estarmos, na pessoa do «doente esquizofrénico», perante um ser humano resse foi a elucidação dos mecanismos psicológicos subjacentes à
«predisposto» (cm virtude daquilo que pensamos serem motivos bastante experiência das alucinações auditivas. Os achados da fase inicial de
compreensíveis) para ter um indesejável estilo de (distorcida) comu­ investigação sugerem que as vozes dos doentes tendem a manifes­
nicação interpessoal e não apenas perante um «cérebro doente» cujas tar-se quando estes se encontram num estado de elevada activação
«moléculas retorcidas» não podem produzir senão «pensamentos retor­ interna provocado pela exposição a uma variedade de situações sociais.
cidos» e «percepções irreais». O tratamento através da exposição gradual a estas situações, durante
Linus Pauling, que foi galardoado duas vezes com o Prémio Nobcl, um estado de relaxamento, leva a uma diminuição do nível de acli-
afirmou: «não há “pensamentos retorcidos” sem “moléculas retorci­ vação geral do doente, bem como a um decréscimo gradual da fre­
das »... Nós sentimo-nos muito mais inclinados a pensar precisamente quência de aparecimento das vozes.»
o contrário; c pensamos, ainda, que essa boulade foi expedita mas Sladc demonstra, portanto, que os «estados de elevada activação»
pouco perspicaz, pois quase todas, se não todas, as grandes molécu­ c a «psicopatologia esquizofrénica» concomitante podem muito bem
las são retorcidas c quase todos os verdadeiros pensamentos, se não estar dependentes de uma diversidade de interaeções sociais signifi­
todos, são igualmente retorcidos... cativas que o «paciente» percebe como particularmentc ameaçadoras
Num artigo de Horowitz (1975) podemos encontrar uma análise para o seu precário sentimento de «segurança pessoal». Num outro
das «experiências alucinatórias» muito próxima da posição de Van artigo, Judkins c Sladc (1981) demonstram a existência de uma
den Berg: «Nas experiências alucinatórias a informação é represen­ correlação significativa entre o nível dos «sentimentos de hostilidade»
tada sob a forma de imagens, cm vez da forma lexical. [...] Esta dos «pacientes esquizofrénicos» e, por outro lado, a duração c a
mudança para um predomínio da representação por imagens pode intensidade das suas «alucinações auditivas».
ocorrer por causa da motivação psicológica, bem como de alterações Outra abordagem caractcrizada também por uma pcrspcctiva
fisiológicas. Ideias e sentimentos emergentes, mas reprimidos, podem bastante aberta sobre as «alucinações esquizofrénicas» é apresentada
manifestar-se sob a forma de imagens espontâneas; a tradução des­ num livro da autoria de Freeman, Cameron e McGhic (1965). Ao
tas imagens cm palavras significativas pode, nesse caso, ser impedi­ tratarem das «perturbações da pcrccpção» (Capítulo VII do livro
da através de um mecanismo de defesa.» referido), estes autores afirmam: «Possivelmente as alucinações au­
Para Horowitz, a «intromissão» destas imagens, através de uma ditivas são as perturbações pcrccptivas mais frequentes na esquizo­
intensificação gradual da sua frequência e nitidez, pode fazer com que frenia. Na linguagem psiquiátrica corrente este termo descreve a
sejam tomadas erroneamente como «percepções reais» por um paciente situação cm que o doente “ouve vozes” que parecem ler origem no
perturbado emocionalmentc (ou «predisposto»); este autor atribui, deste ambiente externo. Num artigo recente, Karagulla (1955) argumenta
modo, um papel preponderante aos motivos, desejos e emoções dos contra a tendência comum para encarar estes fenómenos num con­
«pacientes», na «construção» das «experiências alucinatórias» — no texto muito limitado c faz uma análise interessante acerca da natu­
seu modelo, a intensificação relativa das fontes internas de infor­ reza destas perturbações pcrccptivas. Na esquizofrenia o doente é
mação pode ocorrer cm diversas circunstâncias, tais como o aumen­ continuamcntc perturbado por ideias que se lhe impõem independen-
to dos inputs internos derivados da activação de ideias c sentimentos tcmcnlc da sua vontade. Algumas delas surgem-lhe como pensamen­
devidos a desejos, necessidades c estados de medo (v.g. alucinações tos provenientes de vozes no ambiente externo. Estas são corrente-
do cônjuge falecido descritas pelo cônjuge sobrevivo). mente aceites como alucinações auditivas e representam, na nossa
O papel do processo psicodinâmico dos «esquizofrénicos» na opinião, apenas uma gradação destas experiências. O termo “aluci­
origem das «alucinações» é também confirmado, no contexto de um nações auditivas” não pode ser utilizado para designar todos os modos
tipo de abordagem bastante diferente, por Sladc. Num artigo sobre a de encarar este fenómeno, nem salienta suficientcmcnlc a sua nalu-
reza complexa e as relações íntimas que tem com o pensamento do são topográfica”. Sugeriu que esta libertação das inibições dos inpuls
próprio doente. Nalguns doentes estas ideias estranhas surgem como internos pode ter uma finalidade adaptativa [...]. Assim, uma aluci­
“pensamentos apenas um pouco diferentes qualitativamente do curso nação pode satisfazer temporariamente alguns aspectos das referidas
imperceptível do pensamento normal”. Este conceito de gradação da necessidades, e esta satisfação poderá reforçar algumas mudanças nos
experiência alucinatória parece ser importante para a compreensão das controlos, tomando possíveis as alucinações.»
alucinações de tipo bizarro e completamcnte desenvolvidas que ocorrem Para além de referir o mecanismo da «necessidade-satisfação» de
na esquizofrenia crónica.» certas «experiências alucinatórias», Horowitz chama a nossa atenção
Apesar de não podermos deixar de discordar de algumas ideias para as possíveis «recompensas» que os doentes podem obter a partir
de Karagulla, pensamos que salientam, muito justamente, não só as das suas «alucinações» e para o concomitante processo de reforço que
relações íntimas existentes entre as «alucinações» e a «psicodinâmi- pode levar à repetição futura deste mesmo tipo de experiências.
ca» dos «pacientes», mas também as semelhanças existentes entre estas A este respeito, gostaríamos de lembrar que estamos totalmente de­
experiências supostamente «estranhas» e certas variantes do estado de pendentes das narrações dos «pacientes» sempre que procuramos sa­
consciência «normal». ber se estão (ou não) a «sofrer» de «alucinações». Na realidade, em
Contudo, o que pretende dizer Karagulla quando afirma que o consequência da natureza inteiramente subjectiva destas experiências,
«doente esquizofrénico é continuamente perturbado por ideias que se estamos desprovidos de qualquer critério objectivo para a confirma­
lhe impõem indcpcndentemcnlc da sua vontade»? Esta afirmação é ção das afirmações dos «pacientes»; temos de aceitar as suas pala­
apenas um modo de falar ou está Karagulla rcalmente convencido de vras c tentar compreender o seu significado «real» com a ajuda daquilo
que os pensamentos dos «pacientes» não são os seus próprios pensa­ que sabemos acerca da «situação clínica» e da «biografia» destes.
mentos? A este respeito, gostaríamos de salientar a opinião de Szasz A pcrspectiva delineada contrasta forlcmcntc com os critérios
(1977), quando escreve: «Agora, a psiquiatria, quando dorme, conti­ adoplados pelos organizadores do «Estudo-Piloto Internacional da
nua a sonhar com ela (isto é, a Paralisia Geral); quando está acorda­ Esquizofrenia» (W. H. O., 1973) como «critérios estandardizados» para
da, vê o mundo como se o espectro da Paralisia Geral se escondesse o diagnóstico «correcto» da «esquizofrenia».
atrás de cada cara tola ou pensamento perturbado. Assim, a imagem Szasz (1977) rcfcrc-se a uma questão semelhante quando escreve:
da espiroqueta retorcida que enlouquece as pessoas está a ser substi­ «Alucinações —- sem problema; ou comunicação com divindades ou
tuída, na mente de muitos psiquiatras, pela imagem da molécula defuntos (c ser mal sucedido na pretensão de uma “vocação divina”
retorcida que as enlouquece». ou de ser espirita); ou ver a própria infância ou outros acontecimen­
Segundo Horowitz (1975): «A percepção é um processo de tos do passado (com os olhos da própria mente) e contá-los a alguém
construção regulado essencialmcntc por duas necessidades: a neces­ que insiste em que o interlocutor os vê “na realidade”.»
sidade de um conhecimento acurado da realidade c a necessidade de Evidentemente, podemos rejeitar os comentários espirituosos de
saber aquilo que é esperado ou temido no mundo exterior. Esta última Szasz por serem irrelevantes, na medida cm que não se referem às
necessidade, chamada “cxpcctativa”, dirige a percepção; é um modo «verdadeiras» e «típicas» «alucinações esquizofrénicas». Contudo,
de activar certos esquemas que se conjugam com padrões potenciais. mesmo sem questionarmos o significado das palavras «verdadeiras»
Suponhamos que há esquemas de elevada activação resultante de um e «típicas», pensamos que as observações de Szasz são úteis e es­
estado de necessidade intensa. Por causa desta dupla origem, os es­ clarecedoras, no contexto de uma discussão sobre as «alucinações
quemas internos são conjugados com a percepção, podendo a ima­ esquizofrénicas». Com efeito, aquilo que nos parece importante nos
gem assim formada produzir uma experiência idêntica à percepção. comentários de Szasz é o facto de nos chamar a atenção para a
Em estados de necessidade intensa não é necessária qualquer percep­ insistência dos clínicos em atribuir um «carácter alucinatório» às
ção. Freud chamou a este processo de natureza interna, que origina experiências subjectivas dos «pacientes» (ou, mais precisamente, às
uma representação como se fosse de proveniência externa, “regres­ suas afirmações acerca delas).
Este modo de abordar o problema é muito interessante, uma vez pudessem ser automaticamente escritas, representadas c transpostas para
que os livros de texto «tradicionais» de psiquiatria encaram a in­ um écran de televisão, seriam, sem dúvida, extraordinárias.»
sistência dos «pacientes» cm afirmar a «realidade» das suas «vozes Devemos ter presente que não podemos esperar que os «pacien­
alucinatórias» como o critério mais decisivo para a correcta carac­ tes esquizofrénicos» consigam dar uma descrição completamcnte
terização destas experiências, esquecendo que o mais importante c acurada dos seus «estados mentais»; tal como qualquer outro ser hu­
o modelo interpretativo que os médicos estão dispostos a utilizar mano, estão também condicionados pelas limitações do seu próprio
para definir (c rotular) o comportamento e a linguagem dos «pacien­ vocabulário e, portanto, estão sujeitos a falar sobre si próprios (c sobre
tes». Na realidade, quando um «esquizofrénico» afirma repetitivamen- os outros) através de um tipo de linguagem «como se» (isto é,
te que «ouve vozes» o mais que podemos dizer é que ele insiste em necessariamente desadequada).
nos contar que «ouve vozes»; a partir das suas afirmações não Horowitz (1975) rcferc-se também a este problema quando escreve:
temos o direito de inferir a existência de qualquer espécie de seme­ «A estranheza de uma imagem inicial pode persistir nas fases de
lhança (ou melhor, identidade) entre as experiências subjcctivas avaliação, após o episódio da imagem inicial. A avaliação pode re-
que nos relata e aquilo a que chamamos habitualmente «percepções lacionar-sc com a memória do episódio da imagem inicial, aliás su­
normais». jeita a uma revisão contínua. Este tipo de processamento da infor­
Obviamcnte, o comportamento (e o discurso) «indesejável» do mação segue certas regras ou programas, incluindo o princípio da rea­
«paciente esquizofrénico» mostra como está perturbado c como lhe lidade, espccialmcnlc no que toca à distinção entre a realidade c a
é difícil comunicar connosco de um modo «socialmente aceitável»; fantasia. Mas, como no exemplo da alucinação de comida, para res­
contudo, as «alucinações», ainda que sejam perturbadoras c indesejáveis, tabelecer a homeostasia fisiológica ou para manter a esperança psi­
podem muito bem ser encaradas como «mensagens especiais» que os cológica, aquilo que é mais adaptalivo pode ser o abandono das regras
«pacientes» utilizam para transmitir aos seus semelhantes o seu esta­ habituais e a aceitação das construções mentais como se fossem reais.
do de perturbação emocional e mal-estar pessoal ('). Em situações com o os estados de necessidade intensa, o princípio da
Esta é a perspectiva de Rosemary Dinnagc (1980) quando, ao realidade pode ser abandonado a favor do princípio do prazer. Tal
comentar o livro The Story o f Ruth, da autoria de Morton Schatz- abandono pode contribuir para a aceitação das experiências com ima­
man (1980), escreve: «Devemos também ponderar, a propósito dos gens como se fossem reais. Na esquizofrenia as alucinações reslitu-
estados de êxtase c das representações de Ruth, como a tendência para tivas podem ser um assunto a considerar.»
dramatizar a nossa vida interior é normal e profundamente arreiga­ Horowitz aceita, portanto, a intervenção dos «sistemas motivacio-
da. [...1 Acharíamos vcrdadciramcntc extraordinária uma peça teatral nais» do «paciente» não só durante a activação do «processo
ou um romance que nos representasse juntamente com todas as pessoas imagístico», que cvcntualmcnte leva às «alucinações», mas também
com quem discutimos como se fossem reais; mas, o facto de Hamlct nas fases subsequentes de «avaliação» e «narração» de tais experiên­
não existir antes de Shakcspcarc cristalizar uma parte si próprio na cias, isto é, durante o período cm que os «pacientes» se entregam à
personagem, é vcrdadciramcntc tão extraordinário como tudo o que difícil tarefa de «escolher» as palavras que lhes parecem «certas» para
relatámos até aqui. Os escritores afirmaram, vezes sem conta, que, descrever os seus «estados mentais».
por vezes, o seu trabalho lhes parece como se fosse “representado” Nesta breve discussão das chamadas «alucinações esquizofréni­
cm qualquer outra parte; os actores inventam toda uma personagem cas», gostaríamos também de salientar que são frequentemente rela­
a partir das páginas de um roteiro. Sc as nossas fantasias vulgares tadas «experiências alucinatórias» de muitas e variadas «formas» e
«conteúdos» por indivíduos «normais» submetidos à «hipnose». Com
efeito, as pessoas sujeitas a um processo de sugestão «induzida» (ou
(') Ver, a este respeito, a investigação de Jay Haley (1963), no campo da «teoria «auto-induzida») são capazes de vivenciar as memórias de aconteci­
da informação» e a sua aplicação à análise c interpretação do comportamento e da mentos e de emoções «como se» fossem realidades actuais.
linguagem dos «pacientes esquizofrénicos».
Mellet (1980), por exemplo, define a «hipnose» como um «esta­ sua variada «psico(pato)logia» pode contribuir para uma melhor com ­
do de consciência invulgar (ou alterado) em que ocorrem distorções preensão do comportamento «esquizofrénico».
da perccpção (possivelmente incluindo as que se referem ao espaço Não podemos esquecer que estas «bizarras» «perturbações men­
e ao tempo) como respostas de um sujeito sem crítica às ideias tais», que o célebre Charcot inicialmente atribuiu à intervenção de
provenientes de uma fonte objcctiva (habitualmcntc o hipnotizador) causas «orgânicas», apenas se tomaram acessíveis à «compreensão
ou de uma fonte subjectiva (a própria memória) ou de ambas». humana», cm geral, após Frcud ter formulado as suas críticas e opiniões
O facto de as «experiências alucinatórias» ocorrerem cm «esta­ bem conhecidas. Se agora nos parece aceitável tentar compreender
dos hipnóticos» «induzidos» (ou «auto-induzidos») prova aparcntcmcntc os motivos c conflitos dos «pacientes histéricos», por que não have­
a existência de uma disposição «natural» dos seres humanos «nor­ mos de tentar fazer o mesmo rclativamcntc à «psico(pato)logia» dos
mais» para experimentar (e, algumas vezes, «produzir») «estados de «esquizofrénicos»? Na verdade, quando um «paciente histérico» afir­
consciência» c «perturbações pcrccptivas» qualitativamente diferen­ ma que não é capaz de ver ou ouvir, apesar de sabermos que tem os
tes. órgãos da visão e da audição perfeitamente saudáveis, não se com ­
Ormc (1973) afirma: «Os estados invulgares do comportamento porta de um modo menos «estranho» (ou indesejável) do que um «es­
motor (como ser capaz de permanecer suspenso, horizontalmente, pelos quizofrénico» que afirma ver ou ouvir alguma coisa que, de facto,
tornozelos e pela nuca, entre duas cadeiras) não são os indicadores «não existe»!! ...
do estado hipnótico. O facto mais importante 6 a distorção da per- Rclcrindo-sc à conceptualização de Picrrc Janct sobre a «histeria»,
cepçâo.» llza Vcith (1965) escreve: «A definição de Janct sobre o “inconsciente”
Tal como Mellet (1980) considera: «Há muitas técnicas, mas o incluía também a noção de aeções “automáticas” e, de facto, ele foi
hipnotizador é sempre um facililador de processos naturais ao alcance o primeiro a salientar devidamente o significado do comportamento
de todos os indivíduos». automático do paciente histérico. Nem sequer a utilização da pala­
Para Barbcr (1969), todos os «fenómenos hipnóticos» derivam de vra “subconsciente” estava complctamcnte ausente da sua
um processo de role-playing, basicamente dependentes do nível de conccplualização dinâmica, tal como demonstram claramcntc os breves
motivação particular do indivíduo «hipnotizado». excertos seguintes: “O acto subconsciente pode influenciar a consciên­
Barbcr c Wilson ( in Dinnagc, 1980) apresentam um «modelo cia, ainda antes da sua execução; pode trazer para o primeiro plano
conceptual» idêntico, em relação à «natureza» dos «estados hipnóticos», impulsos vagos a que o doente chama desejos e cuja origem não
e aduzem detalhadas provas objcctivas que parecem confirmar a vali­ compreende. [...] Acrescentemos algo mais: as ideias subconscientes,
dade da nossa tentativa de relacionar as «alucinações esquizofréni­ antes de qualquer tipo de manifestação prévia, podem, através da
cas» com as «experiências hipnóticas». associação de imagens, criar verdadeiras alucinações que subitamente
Os «estados hipnóticos» (estados de consciência alterada, carac- invadem a consciência — Picrrc Janct, L’état mental des hystériques.»
terizados basicamente por distorções da perccpção c provavelmente Quando lemos os textos acerca das «alucinações histéricas» veri­
dependentes de uma motivação mais ou menos consciente para re­ ficamos que é habitualmcntc sublinhado que estas são «tipicamente»
gredir a um nível mais primitivo de funcionamento mental) estão de natureza visual c, portanto, «basicamente» diferentes das «verdadeiras
também relacionados, de certo modo, com outras «situações clínicas» alucinações esquizofrénicas», caractcrizadas pelo seu conteúdo verbal
muito interessantes, isto é, com as chamadas «reacções histéricas». mais ou menos complexo. Contudo, nos «estados histéricos», há «pa­
Meares (1960), por exemplo, conccptualiza a «hipnose» como um cientes» que relatam «alucinações auditivas». Wijscnbcck et al. (1980),
«estado de regressão atávica», isto é, uma «regressão para uma for­ por exemplo, escrevem acerca de uma mulher de 39 anos de idade,
ma mais primitiva de funcionamento mental em que o pensamento casada c mãe de quatro filhos, que foi admitida num hospital psiquiá­
lógico e crítico é suspenso e as emoções ficam incontroladas». trico, apresentando, entre outros «sintomas», «alucinações auditivas».
Rclcrimo-nos aqui à «histeria» porque pensamos que o estudo da Comentando estas experiências, os autores (Wijscnbcck et al., 1980)
afirmam: «As alucinações auditivas ocorriam sempre que viajava de tudo o que se disse acerca desse mundo. O aspecto mais importante
táxi, uma situação que estava concrctamente associada ao trabalho do é que, durante a maior parte do tempo, os pacientes discriminam as
seu marido como taxista (ela alucinava uma voz masculina que lhe suas alucinações das suas percepções. [...] O facto de os pacientes
ordenava que se atirasse fora sempre que viajava de táxi [...]. Intcr- afirmarem, com tanta frequência, que alguém lhes fala pelo telefone
rogava-se sobre o que poderia ser aquilo e olhava para trás, mas ou pela rádio, deve ser tomado precisamente como uma expressão de
ninguém estava lá). Uma vez que era ambivalente em relação aos que o mundo mórbido é artificial e de que lhe falta qualquer coisa
homens — sentimento que tinha dominado a sua atitude desde a para ser “real”. [...] Todas estas dificuldades resultam do facto dc o
infância — , os seus impulsos agressivos para com o marido eram pensamento objcctivo, ao reduzir as coisas, tal como são vivcnciadas,
reprimidos c substituídos por sentimentos de culpa. As alucinações a objcctos c ao reduzir a subjcclividadc ao cogitatio, não deixar margem
nos táxis pareciam representar agressões projectadas sobre o objccto para a adesão equívoca do sujeito aos fenómenos pré-objectivos.»
de ambivalência. Deste modo, podia escapar aos sentimentos dc culpa Blondcl abordou alguns problemas semelhantes, muitos anos antes
e, ao mesmo tempo, manifestar agressividade.» dc Mcrlcau-Ponty o fazer. Sobre tal facto, Korcr (1980) escreve:
De acordo com estes autores, a «história pessoal» (e os motivos «O filósofo francês Blondcl publicou La Conscience Morbide (Blon­
compreensíveis) desta «doente» foram suficientes para explicar os seus dcl, 1914) baseado nos seus estudos sobre doentes mentais. Aí afir­
«sintomas», incluindo as «alucinações auditivas», sem ser necessário mou que não podemos compreender aquilo que vivência um indivíduo
pressupor ou postular a intervenção dc quaisquer factorcs «orgânicos» psicótico se, por exemplo, dizemos que “uma alucinação é uma
específicos. Concluem o referido artigo com os seguintes comentários: pcrccpção sem objecto” ou “um delírio é um juízo erróneo que se
«Cremos que este tipo de psicogcncsc c de fcnomcnologia numa doente mantém apesar dc provas cm contrário”. Estas definições podem ser
não-psicótica c nâo-dissociativa exemplifica as alucinações dc origem formulações verbais adequadas, mas não são capazes dc transmitir seja
conversiva, c, em muitos aspectos, ajusta-se à descrição dc Filzgc- o que for acerca do modo como os doentes rcalmcnte vivcnciam as
rald e Wells (1977). Perguntamos-nos se a sua raridade na literatura alucinações ou os delírios — ainda pior: estas definições sucintas criam
científica traduz uma pequena prevalência ou apenas o facto de, nestes a impressão falaciosa dc que compreendemos o paciente.»
casos, os pacientes não pedirem ou não obterem uma ajuda psiquiátrica, Chamando a nossa atenção para alguns aspectos, também referi­
a não ser que existam outras dificuldades. [...] Tal como a cegueira dos por Szasz (1977), acerca da «avaliação» (ou «interpretação clínica»)
ou a surdez convcrsivas traduzem bloqueios da pcrccpção, num dos das «experiências alucinatórias», Mcrlcau-Ponty (1945) afirma, um
extremos do espectro, cremos que as alucinações traduzem uma pouco mais adiante, no mesmo livro: «Quando a vítima dc alucina­
expressão complexa da sintomatologia conversiva, no extremo de maior ções afirma que vê ou ouve, não devemos tomá-la à letra, uma vez
activação do espectro.» que também afirma o oposto: o que devemos fazer é tentar comprccn-
Vale a pena salientar, a este respeito, o estudo muito original e dê-la. Não devemos ficar satisfeitos com as opiniões da consciência
perspicaz sobre as «experiências alucinatórias» produzido pelo filósofo sã sobre a matéria da consciência alucinatória nem considerarmo-nos
francês Mcrlcau-Ponty, no seu livro Phénoménologie de la Percep- como os únicos juízes capazes dc julgar o signilicado distintivo das
tion (1945); na nossa opinião, este autor procurou alargar a análise alucinações. ['...] Estou sentado em frente ao sujeito e conversamos
dos «estados mentais» e das «experiências subjectivas» humanas muito os dois; ele tenta descrever o que "vê" e o que "ouve"; não é uma
para alem dos estreitos limites definidos (e impostos) pelos tratados questão de o tomar à letra ou de reduzir as suas experiências à minha,
«tradicionais» de psiquiatria. Ao abordar as «alucinações», por exem ­ de concordar com ele ou de realçar o meu ponto de vista, mas de
plo, Merlcau-Ponty (1945) escreve: «As alucinações provocam a tornar explícita a minha experiência e, também, a sua experiência,
desintegração do real perante os nossos olhos e colocam um quasc- tal como me é transmitida, as suas crenças alucinatórias e a minha
-real no seu lugar, fazendo-nos regredir, em qualquer destes aspec­ crença real, de nos compreendermos um através do outro [...].
tos, para as bases pré-lógicas do nosso conhecimento, confirmando «As alucinações estão associadas a determinados domínios sen-
soriais apenas na medida em que cada campo sensorial proporciona positada e injustificada a tentativa de «compreender» as experiências
uma possibilidade de expressão particular da distorção existencial. As c o comportamento destes nossos semelhantes, através das suas bio­
alucinações do esquizofrénico são predominantemente auditivas e tácteis grafias. Na nossa opinião, são necessários argumentos mais fortes e
porque os mundos auditivo e táctil, em virtude da sua estrutura na­ mais relevantes do que a supostamente «bizarra» «sintomatologia es­
tural, estão mais aptos para simbolizar uma existência que está sub­ quizofrénica» para podermos considerar seguramente destituído de valor
jugada, ameaçada e despersonalizada. [...] A vítima de alucinações o que designamos de abordagem «humanística» das pessoas com o
não vc e ouve no sentido corrente, mas utiliza os seus campos sen- «diagnóstico» de «esquizofrenia» e da sua «psico(pato)logia».
soriais c a sua inserção num determinado mundo para construir, a partir
dos fragmentos desse mundo, um mundo artificial que corresponde à
intenção global do seu ser.»
A «experiência alucinatória» pode, portanto, ser encarada como
mais uma consequência indesejável do modo peculiar como «os
pacientes esquizofrénicos» «constroem» (ou «percebem») o mundo que
se depara aos seus olhos, ouvidos ou receptores tácteis. Segundo esta
pcrspcctiva, as «alucinações» não são necessariamente o resultado
mecânico de qualquer «doença cerebral orgânica», como De Cléram-
bault, por exemplo, costumava concebê-las; podem representar, por
outro lado, um modo distorcido (c alienado) de comunicar a sua difícil
situação humana aos seus «semelhantes» (mais ou menos receptivos
e compreensivos). A este respeito, Mcrleau-Ponty (1945) tece os
seguintes comentários: «A comida recusada pela vítima de alucina­
ções está envenenada apenas para si própria, embora o esteja de um
modo irrefutável. A alucinação não é uma percepção, mas tem o valor
de realidade, e é isso que conta para a sua vítima. [...] Por muito
diferente que seja da percepção, a alucinação tem de ser capaz de a
suplantar e de assumir para o doente uma existência mais importante
do que as suas próprias percepções. Isto é assim porque a alucina­
ção e a percepção são modalidades da mesma função primordial, através
da qual organizamos à nossa volta um quadro de estruturas defini­
das que, por um lado, permite situar-nos adequadamente no mundo
e, por outro, ser-lhe marginal.»

6. Conclusão

Após tudo o que explanámos acerca da «psico(pato)logia» da


«esquizofrenia», pensamos que há fortes argumentos para concluir que
a natureza da «sintomatologia» dos «pacientes esquizofrénicos» não
é, por si só, uma razão suficiente para excluir e considerar despro-
Capítulo V

O «comportamento esquizofrénico»
e a investigação da «psiquiatria social»

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo


À tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Cremos que o nosso «paradigma» para a conceptualização da
«esquizofrenia» (ver Capítulo VIII) concorda com os dados empíricos
obtidos pelos investigadores, na área da chamada «psiquiatria social
(ou comunitária)».
Devemos deixar aqui expresso que não estamos de acordo com
a designação de «psiquiatria social», já que toda a práxis psiquiátrica
se enreda no tecido «social» c deve ter sempre em conta a «comu­
nidade», onde os pacientes vivem as suas mais ou menos perturba­
das existências.
As conclusões a que chegaram, por exemplo, Tarricr et al. (1979),
seriam facilmente previsíveis se o paciente «esquizofrénico» tivesse
sido encarado como uma pessoa altamente sensitiva, vivendo num
estado mais ou menos permanente de grande turbilhão emocional, muito
em especial quando intcractua com pessoas que julga serem parlicu-
larmenle ameaçadoras ou «perigosas». Assim, Tarricr et al. concluem
o seu artigo, intitulado Bodily reactions lo people and events in schi-
zophrenics, com as seguintes observações: «as medições psicofi-
siológicas obtidas de pacientes esquizofrénicos no laboratório dei­
xam escapar variações importantes que se tornam visíveis quando os
pacientes são testados em sua própria casa [...]. O laboratório é um esquizofrénicos que vivem na comunidade e não tomam drogas pa­
local inadequado para medir as reacções dos pacientes esquizofréni­ recem recair em consequência do efeito perturbador das interaeções
cos ao seu meio social. Quando os pacientes esquizofrénicos estão sociais quotidianas. Só os pacientes com terapêutica de manutenção
expostos a situações novas, como um life event (') ou uma atmosfe­ se encontram protegidos contra as tensões que surjam num ambiente
ra de acentuada EE (“emoção expressa”), as medições psicofisiológicas social de rotina, e só eles têm poucas probabilidades de recair mes­
alteram-se de forma significativa. Estes factos dão consciência ao mo que estejam expostos a uma nova tensão adicional, na forma de
conceito unificador de arousal (2) já antes utilizado para explicar a um outro life event, conforme os resultados deste estudo».
precipitação de reincidências esquizofrénicas cm circunstâncias sociais A este respeito, podemos citar Vaughn e Leff (1979), quando
semelhantes. A sensibilidade das medições psicofisiológicas às mo­ escrevem: «Brown e outros sugeriram que o retraimento social pode
dificações surgidas no meio social do paciente esquizofrénico permitc- constituir uma forma de lidar com uma situação de tensão, ou seja,
-nos tentar induzir modificações nesse mesmo meio, cm situações um mecanismo protector que reduz as possibilidades de reincidência
cicntificamente controladas, e, prioritariamente, no caso daqueles pa­ da esquizofrenia. A investigação desta hipótese revelou a existência
cientes esquizofrénicos que vivem num meio social parlieularmente de uma correlação estatisticamente significativa (P= 0,023) entre o
nocivo, com elevado risco de reincidência». deficiente contacto olhos nos olhos e o retraimento social cm pacien­
Tendo em vista uma abordagem «humanística» da «esquizofrenia», tes de famílias com uma elevada EE. Dentro do grupo com uma
parece-nos um tanto simplista e esquemática a via segundo a qual elevada EE, 2/3 dos pacientes que manifestavam retraimento social ou
estes autores pretendem caractcrizar as múltiplas interaeções entre os que evitavam determinados familiares, nos meses que antecediam o
pacientes «esquizofrénicos» e o meio social mais ou menos diversi­ internamento, estavam bem no follow-up ('), enquanto 58% daqueles
ficado cm que vivem; porém, se tivermos em atenção que os seus que não mostravam sinais de retraimento social viriam a recair pos-
resultados podem ser interpretados em diferentes níveis de concep- teriormente. Isto sugere um estilo geral de coping (2), e fornece um
tualizaçâo, veremos que a investigação conduzida por estes autores apoio mais à noção de que a pessoa que sofre de esquizofrenia pode
se revela muito útil, já que, longe de estar em contradição com o ter ou desenvolver um certo controlo sobre o desenrolar da sua doença.»
nosso «paradigma», o conjunto dos seus resultados se enquadra fa­ Um pouco mais adiante, os mesmos autores concluem o seu artigo
cilmente nesta nova abordagem, corroborando-a por inteiro. com as seguintes sugestões: «isto conduz-nos a uma outra forma de
O mesmo se aplica, por exemplo, às conclusões a que chegaram intervenção, como seja tentar modificar as atitudes de excessivo envol­
L cff et al. (1973), no artigo em que escrevem: «os ensaios clínicos vimento ou de demasiada crítica por banda dos familiares. Presente-
com fenotiazinas de manutenção, conduzidos em pacientes esquizo­ mente, pouco sabemos ainda sobre a génese destas atitudes e até que
frénicos cm meio hospitalar, não costumam revelar, ao contrário dos ponto são elas susceptíveis de transformação, o que torna esta suges­
ensaios levados a cabo em ambulatório, uma acentuada vantagem da tão um tanto especulativa. No entanto, a análise dos factores deter­
droga activa em relação ao placebo. Isto sugere que o meio hospita­ minantes das EE dos familiares poderá vir a proporcionar a solução
lar tem por si mesmo um efeito protcctor, que defende os pacientes para intervenções mais adequadas. Por exemplo, para se aprender a
com placebo de muitas das tensões a que estão submetidos quando lidar com um familiar demasiado crítico em relação a um paciente,
vivem no seio das suas famílias (Brow et al., 1972). Os pacientes poderá ser bastante útil examinar sistematicamente as queixas que ele

(') A expressão life evenís, que se pode traduzir adequadamente por «circunstân­ (') O termo follow-up está consagrado na gíria psiquiátrica comum, designando o
cias da vida», faz parte da gíria psiquiátrica comum (Ver Capítulo III), pelo que seria «seguimento» metódico da «evolução» do «quadro clínico» dos pacientes, cm progra­
arriscado substituí-la aqui pela correspondente expressão em português... mas de investigação.
O Ao termo arousal, que se pode traduzir por «estado de alerta» ou simples­ Q) O termo coping designa, na gíria psiquiátrica, a maneira mais ou menos conse­
mente «alerta» ou «activação», acontece o mesmo que à expressão life events. guida de «lidar com» ou superar as dificuldades da vida.
tem a fazer sobre a situação, o que nos permitiria efectuar uma análise jectividade» podem prejudicar o significado e a eficácia da relação
sumária das suas rcacções: os seus reparos dizem respeito às carac- médico-paciente.
terísticas estáveis da personalidade do paciente ou referem-se, antes, A necessidade de uma análise mais significativa e mais sensível
a comportamentos relacionados com a própria doença?». (ainda que eventualmcnte «menos objectiva») da «psico(pato)logia»
Embora não estejamos de acordo com a «terminologia» (e os da «esquizofrenia» está bem patente em Korcr (1980): «O método fe-
subjacentes «paradigmas») destes autores, é realmente encorajador nomcnológico, quando utilizado sem crítica, conduz-nos ao grau mais
encontrar «psiquiatras sociais» interessados em ouvir o que os pa­ elevado de generalização, na abordagem da esquizofrenia: são os
cientes e seus familiares efectivamente dizem, e em saber o que eles elementos comezinhos e formais da “mancha aparente de sintomas”
realmente fazem. O que sugere que pelo menos alguns dos investi­ que fazem a fé dos diagnósticos de rotina. Isto pode ser suficiente e
gadores, que trabalham neste domínio, não consideram assim tão até adequado em programas de investigação farmacológica com um
necessário seguir à risca os «princípios» da «observação distanciada» grande número de pacientes, devido à necessidade de dar consistên­
preconizados por Hymowitz c Spohr (1980), no artigo The effects of cia c fidedignidade aos resultados obtidos. Mas, ainda aqui, um
antipsychotic medication on lhe linguistic ability o f schizophrenics. instrumento que se baseie apenas na nomeação de sintomas pode muito
Estes autores, ao descreverem a «metodologia» da sua investigação, bem não conseguir medir aquilo que tenha nomeado mal.»
escreveram: «para facilitar o desenvolvimento da relação com os su­ E demonstra, igualmcnte, que aquilo a que nós costumamos chamar
jeitos ('), partimos sempre de uma entrevista com quatro perguntas «padrões científicos correctos» nada mais é do que um sistema de
padronizadas: a) Como se tem sentido?', b) Como é que veio parar «defesas» contra o envolvimento com os nossos pacientes, espartilhando
ao hospital?; c) Gosta disto aqui no hospital?; d) Fale-me de um um diálogo que se deixaria colorir pelas nossas (mútuas) emoções e
problema qualquer que tenha ou de alguma coisa que o costume «visões do mundo».
aborrecer». No seguimento desta deliciosa «metodologia» e um pouco A este propósito, escreveu Rowc (1980): «Os psiquiatras têm tam­
mais adiante, referindo-se àquilo que chamam «a análise do compor­ bém as suas próprias crenças, que influenciam, por sua vez, a forma
tamento verbal em mecanismos de defesa psicológica», Hymowitz e como eles estruturam a sua comunicação com o paciente [...] A Psi­
Spohr apresentam os seguintes itens como processo de «medida da cologia e a Psiquiatria têm levado demasiado tempo a aprender aquilo
anormalidade esquizofrénica»: «8 — Alusões Direclas: são todas as que os Físicos sabem desde há muitos anos: que o observador é sempre
referências ao experimentador ou ao método experimental considera­ parte da experimentação. E ambas têm levado também demasiado
das indicativas de uma manobra mal-adaptativa de defesa e de perda tempo a compreender que, enquanto a partícula quântica pode não
da capacidade de centrar a atenção; 9 — Juízos', pontua-se o uso de se incomodar com os esforços do observador cm achar um sentido
quaisquer juízos de valor que se considerem relacionados com defe­ no mundo que o rodeia, o sujeito humano, o paciente, está sempre
sas extemalizadas e possivelmente projectivas.» Nem mais, nem empenhado cm tentar encontrar um sentido para o seu próprio mundo
menos... pessoal. Tudo o que acontece neste mundo implica sempre alguma
Aliás, esta última citação é verdadeiramente paradigmática daqui­ comunicação.»
lo que temos tentado dizer sobre as diversas metodologias que têm E certo que há artigos que discutem os «factores precipitantes»
sido utilizadas no estudo da «esquizofrenia». Ela mostra muito cla- do «comportamento esquizofrénico», intitulando-se, por exemplo,
ramente até que ponto as nossas infelizes tentativas de chegar à «ob- O Contexto Social da «Esquizofrenia» (Wing, 1978), O Meio Social
e as Recaídas na Esquizofrenia (Editorial B. M. J., 1980), Aí Crises
e as Alterações no Sistema de Vida que Precedem a Irrupção ou a
(‘) Na gíria de psiquiatras e psicólogos, o termo «sujeito» aplica-sc ao paciente Recaída dos Aspectos Clínicos da Esquizofrenia Aguda (Birlcy e Brown,
que ó submetido a um programa de investigação, durante o qual se «medem» as suas 1970), etc.; no entanto, embora reconheçam a influência dos «facto­
«reacçõcs» a situações artificiais criadas pelo investigador. res ambientais» no comportamento dos pacientes e no «balanço em o­
as variáveis «psicossociais» desempenham na «história natural» da
cional», estes trabalhos parece terem por adquirido que os referidos
«esquizofrenia», isto é, na «biografia» das pessoas infelizes c pertur­
factores apenas desempenham um «papel acessório», no contexto geral
badas a que chamamos «esquizofrénicas» (W. H. O., 1973). De facto,
da «teoria ctiopatogénica da esquizofrenia» «oficialmcntc» aceite. De
aquele estudo, apesar de só ter sido possível depois de os investiga­
facto, se considerarmos a forma escolhida pelos seus autores para apre­
dores se lerem posto de acordo sobre os «requisitos básicos» para o
sentar aquilo a que chamam «factos» e conclusões, ficamos com a
diagnóstico «corrcclo» da «esquizofrenia», demonstrou ainda assim que
impressão nítida de que eles continuam a sustentar um «modelo» de
o «curso» e o «prognóstico» dos «casos clínicos» seleccionados varia­
«esquizofrenia» assente no binómio «processo/docnça», na linha dos
vam amplamente de país para país, sendo habitualmente mais favoráveis
conceitos «tradicionais» de Jaspers. Neste «modelo», ó claro que existe
nos países «terceiro mundistas» do que nos Estados europeus, espe-
um lugar para a intervenção de «factores sociais c familiares», mas
cialmcnte os escandinavos...
quando toca às «verdadeiras causas da esquizofrenia» esses factores,
Aqui está um estudo que, cuidadosamente planeado com a ex­
como dizem Birlcy e Brown (1970), reduzem-se à mera «precipita­
pressa finalidade de demonstrar a existência de uma «entidade mórbida
ção» das «irrupções agudas, recaídas ou exacerbações dos estados
homogénea» (para a qual se admite uma provável «causa orgânica»),
esquizofrénicos».
acaba por realçar claramcnte o papel decisivo que têm os factores
Contudo, se estudarmos cuidadosamente a «biografia» desses pa­
«socioculturais» na evolução da «história clínica» de cada paciente,
cientes (e, simultaneamente, as nossas próprias vidas c experiências
bem como a falta de homogeneidade do próprio objecto de estudo,
pessoais) com olhos de novelista ou de historiador, ficaremos nós tão
qual reductio ad absurdium...
à vontade para postular a existência desses hipotéticos «processos-
As conclusões do estudo (W. H. O., 1973) confirmam os acha­
-doença»? Isto é: estaríamos nós tão prontos a responsabilizá-los pelo
dos anteriores de investigações que pretendiam comparar o prognóstico
«estado mental» c pelo comportamento das pessoas perturbadas a quem
de «casos» de «esquizofrenia», diagnosticados, respectivamente, em
chamamos «esquizofrénicos»? Será que a verdadeira situação dessas
países do «Mundo Ocidental» (Europa e América do Norte) e em
pessoas se encontra muito mais perto da «vida real» do que habitual­
comunidades menos industrializadas e menos urbanizadas. Murphy e
mente se julga? Talvez o problema se possa explicar de um modo
Raman (1971), por exemplo, escreveram a este propósito: «aparente-
mais significativo se o encararmos como o resultado final da intcrac-
mente, podemos admitir que a perturbação (ou seja, a «esquizofre­
ção entre a personalidade de cada paciente cm particular e o seu «meio
nia») tem um prognóstico muito melhor em certos povos indígenas
social» — interaeção que é mais fácil de compreender se estivermos
tropicais do que nos países europeus, apesar de nestes últimos se dispor
dispostos a servir-nos da nossa imaginação e da nossa preocupação
de mclhor(cs) tratamento(s), e que é bem possível que as nossas ideias
para com o ser humano. O modelo conceptual que a «Psiquiatria
acerca da cronicidadc estejam erradas. Merece ser reabilitada a velha
Social» tem da «esquizofrenia», aceitando implicitamente os «facto­
ideia de que a esquizofrenia é uma “doença da Civilização”».
res sociais acessórios» (que agiriam mecanicamente, de modo idên­
No fim do tempo de seguimento, a proporção de pacientes «esqui­
tico ao das causas somáticas «realmcntc importantes»), conduziu tanto
zofrénicos» que se encontrava «livre de sintomas e a funcionar nor-
os investigadores como os clínicos a ignorarem ou a desvalorizarem
malmentc» era claramcnte mais elevada nas ilhas Maurícias do que
o papel dos «sistemas de causalidade reticular» ou «hierarquicamente
na Grã-Bretanha (e em relação a esta os pacientes mauricianos tinham
flutuante», para utilizarmos de novo a terminologia de Joscph Nce-
menos recaídas após a alta hospitalar), o que levou aqueles dois autores
dham. Uma descrição «paradigmática» daquilo que designamos abor­
a explicar: «os nossos dados sugerem que a doença é relativamcnle
dagem «mccanicista» do papel dos factores «socioculturais» na
benigna. As condições que se encontram nas ilhas Maurícias favore­
«esquizofrenia» encontra-se patente, por exemplo, no trabalho de Day
cem o desaparecimento dos sintomas, enquanto as condições europeias
(1981).
— ou pelo menos algumas delas — favorecem a sua persistência. Por
Os dados empíricos fornecidos pelo «Estudo Piloto Internacional
outro lado, onde a doença é grave nenhum agrupamento de situações
da Esquizofrenia» vieram chamar a nossa atenção para o papel que
Assim, somos levados a admitir a hipótese de que estes aspectos da
parece distinguir-se claramente de qualquer outro. Uma hipótese a
vida nas Tonga (que se encontram cm algumas, mas não em todas
explorar é que o paciente europeu menos afectado fique «aprisiona­
as sociedades pré-industriais) protegem o indivíduo propenso à esqui­
do» num determinado papel de doente criado pela racionalidade
zofrenia de quaisquer sobrecargas emocionais, enquanto num estilo
superficial da sua cultura (e pela ideia que essa mesma cultura vei­
de vida mais individualista as mesmas sobrecargas se abatem sobre
cula em relação a essa doença), enquanto o paciente mauriciano,
ele impiedosamente».
defendido por um conjunto de explicações a que poderíamos chamar
É bom de ver que não estamos a pensar que estes artigos sejam
superstições, está apto a encontrar com mais facilidade uma via de
tudo o que é necessário para exemplificar todos os múltiplos aspec­
escape para a sua perturbação inicial».
tos estudados pela «psiquiatria social» e «transcultural». Apesar dis­
E certo que estamos longe de concordar com alguns dos concei­
so, pensamos que eles nos proporcionam a oportunidade de rcflcctir
tos expressos neste artigo e com a linguagem utilizada pelos seus
sobre novas formas de conceptualização da «realidade» que consiste
autores para caracterizarem os «casos clínicos» que estudaram. No
em estar alguém «mentalmente doente». Além do mais, o que está
entanto, pensamos que os «factos fundamentais» por eles encontra­
cm questão aqui não é saber como interpretar os achados proporcio­
dos e referentes à «evolução», «prognóstico» e «taxa de recidiva» da
nados por elementos de investigação mais ou menos exóticos, mas
«esquizofrenia» diagnosticada, respectivamente, na Grã-Bretanha e nas
antes o problema, muito mais essencial, das relações entre a «psi­
ilhas Maurícias, têm a sua importância e merecem a nossa melhor
quiatria» (definida como uma área de especialização profissional
atenção; estes «factos» demonstram, pelo menos, a complexidade das
específica) c as chamadas «ciências humanas» (Davis, 1981).
questões que se levantam em qualquer discussão sobre o comporta­
Em resultado, talvez, da maneira como foram assentes os «fun­
mento «esquizofrénico».
damentos» da «psiquiatria científica» na viragem do século (Scull,
Num artigo mais recente Murphy e Taumorpean (1980) chegam
1981), o intercâmbio de ideias e opiniões entre «psiquiatras» e
a conclusões muito semelhantes (cf. Dalc, 1981). Ao tentarem expli­
«cientistas sociais» tem sido demasiado escasso para permitir uma
car o melhor «prognóstico» da «esquizofrenia» nas ilhas Tonga, cm
conccptualização mais imaginativa da «doença mental». Não deve­
comparação com a Austrália, aqueles autores escrevem: «quanto à.s
mos, porém, esquecer que a práxis da psiquiatria «social», «transcul­
diferenças fundamentais entre as ilhas Tonga (exemplo de uma «so­
tural» ou «antropológica» se não confunde com o mero estudo dos
ciedade tradicional») e a Austrália (exemplo de uma «sociedade mo­
«factorcs prccipitantcs» da «doença mental», nem com o viajar por
derna»), há duas que estão relacionadas com aquilo que acabamos de
sítios distantes e desconhecidos, antes consiste no desenvolvimento
dizer. Nas Tonga, o indivíduo médio dos anos 70 dispunha de modelos
das nossas dúvidas clínicas, tendo em conta a vasta gama de variáveis
de actuação bem definidos, esperava-se dele que fizesse o mesmo que
implícitas em qualquer tentativa de compreender (e, se possível,
até aí tinham feito os seus pais, e que a situação sociocconómica
modificar) o comportamento «indesejável» dos nossos pacientes.
vigente lhe proporcionasse a satisfação das necessidades próprias. Na
Austrália, o indivíduo médio tem de lidar com uma gama de proce­
dimentos que os seus pais não conheceram, e as pressões sociais que
Sc encararmos a «esquizofrenia» como um tipo indesejável de
sobre ele se exercem vão mais no sentido de o fazer respeitar a tradição
«forma de vida», as variáveis sociais e culturais adquirirão, ccrtamcnle,
do que no sentido de criar coisas novas e originais; além disso, na
um mais importante papel no chamado «curso» e «evolução» da
Austrália, espera-se que cada indivíduo saiba competir com os ou­
«doença» dos nossos pacientes (ou, dizendo de outra maneira, na sua
tros e tomar as suas próprias decisões; nas Tonga, embora se enco­
«biografia» pessoal c única).
raje a competitividade no desporto e na navegação (seafaring), as
decisões principais são comunitárias (da família, da aldeia, da igre­
ja, etc.), e todo aquele que sentir dificuldade em tomar iniciativas é
não só autorizado como é mesmo encorajado a deixá-las para os outros.
Capítulo VI

A investigação neurobiológica
e o problema da causalidade
na «esquizofrenia»

Pela natureza da procura, nós podemos ler que


espécie de descoberta pode então o pesquisador
alcançar; e sabendo isto, podemos suspeitar que
tal descoberta é o que o pesquisador secreta e
inconscientemente deseja.
1. Introdução

As últimas «descobertas» referentes aos processos bioquímicos


cerebrais c, lambem, os óbvios (e, muitas vezes, úteis) «efeitos clínicos»
de alguns agentes psicofarmacológicos (lais como as drogas «ncuro-
lcplicas») tem sido utilizados, quer por investigadores quer por clínicos,
como argumentos supostamente muito fortes a favor da origem
«neurobioquímica» da «esquizofrenia».
Neste trabalho, gostaríamos de tentar demonstrar que este assun­
to c muito mais complexo do que parece à primeira vista e que os
resultados até agora obtidos por meio de métodos de investigação ncu-
robiológica não podem ser usados como prova irrefutavelmente con­
vincente a respeito da «verdadeira natureza c causa da esquizofrenia».
Dada a imensa complexidade do cérebro humano, em termos de
circuitos funcionais e vias ncuroquímicas (Brazicr c Pctschc, 1978),
devemos, na verdade, usar de grande prudência se queremos evitar
interpretações apressadas e grosseiras dos factos «corrcctos» e «ob-
jcctivos» a que temos chegado através da investigação ncurobiológica
básica. Procurando estabelecer uma analogia que julgamos para-
digmálica, poderemos lembrar que a teoria da relatividade de Eins-
Obviamentc, não gostaríamos de nos ocupar aqui com o intermi­
tein veio implicar a existência, até aí insuspeitada, de um quociente
nável debate acerca das chamadas relações mente-corpo, embora
correclor do comprimento (ou massa) dos objcclos que se deslocam
pensemos que, de um modo geral, os psiquiatras têm demonstrado
a uma Velocidade (V) comparativamente a um dado observador. Tal
uma considerável falta de sofisticação filosófica sempre que se re­
como no campo da investigação da física, também cm neurobiologia
solvem a discutir este assunto (Hill, 1981); o nosso objectivo é ape­
teremos que reflcctir sobre (e rever) os nossos conceitos fundamen­
nas tentar saber se os «factos» que nós conhecemos neste campo de
tais quando analisamos fenómenos muito complexos que põem em
investigação com uma razoável dose de certeza são (ou não são) com ­
jogo um grande número de variáveis. Sugerimos, a este respeito, a
patíveis com uma interpretação da «esquizofrenia» que decida dar realce
seguinte equação: Q = TE em que nó o número de factorcs num dado
à sua «compreensibilidade» e «significância», isto é, à inteligibilidade
modelo conceptual e N é o número de neurónios cerebrais (> 1010), básica daquilo que os «doentes esquizofrénicos» dizem ou fazem.
sendo Q o quociente de validade das extrapolações que fazemos quando Rcfcrindo-se mais partieularmente à perplexidade habitual nos
partimos dos nossos modelos c teorias e procuramos chegar a uma «doentes esquizofrénicos» e à sua situação de isolamento social, Jen-
explicação válida da acção cerebral integrada. A física ncwtoniana ner (1980) comenta: «se nos comportarmos de acordo com as leis do
não é verdadeira nem falsa, mas apenas relevante para um número “jogo social” predominantes num dado período seremos classificados
finito de questões c propósitos (Hcssc, 1974). Pensamos que será válido como normais, embora queimar “bruxas” fosse uma actividadc aceite
e desejável pcrspcctivar da mesma maneira a investigação c a pro­ por quase todos num dado momento histórico. Sc preferirmos viver
cura do conhecimento psiquiátrico; também neste campo os proble­ no nosso próprio mundo de fantasia podemos não ser aceites pelos
mas não devem ser avaliados nos termos do «princípio da não con­ outros se isso nos levar a ser incómodos e perturbadores. Estaremos
tradição» de Aristóteles e não podem, por isso, ser traduzidos, sem então em guerra com aqueles cujo mundo nós rejeitamos. Não nos
que se cometam erros, de um paradigma para outro diferente. Em podemos adaptar a esse mundo nem considerá-lo favorável aos nos­
última análise, somos nós próprios que escolhemos o nível a que sos interesses. Em tais situações de conflito, c cm parle como resul­
operamos com a realidade, a qual permanece infinitamente mais subtil tado do medo que sentimos pela perda da nossa própria identidade c
do que as nossas diferentes linguagens. autonomia, podemos perder o controlo das nossas ideias. Mas o
Em biologia, a complexidade das interaeções entre fenómenos e paciente, tal como todos nós, precisa de ser um membro da socie­
das formas de auto-organização e de auto-rcplicaçâo obrigam a dade. O seu problema é semelhante à hesitação sentida pelo adoles­
questionar o conceito de «lei» e o conceito de «causalidade», que, cente; render-se a ser controlado pelos outros ou lutar contra eles e
aliás, têm vindo a ser progressivamente substituídos por noções como ficar estupidamente só. Se pensarmos, no entanto, em assuntos menos
«sistema», «estrutura», «modelo» c «processo». Em conformidade com sensíveis e pessoais, quer o doente esquizofrénico quer o adolescente
isto, o problema das etiologias é encarado não em função de uma não mostram geralmente qualquer tipo de hesitação ou perplexidade,
«causalidade linear» mas em função de uma «causalidade circular» o que sugere que o seu cérebro pode funcionar perfeitamente bem».
(ou «espiral») em que se aceita a inextricável dialéctica causal-con-
sequencial, pelo que, neste campo, o «causalismo» tem vindo a ceder
terreno em favor do «finalismo». Assim, também em neurobiologia,
não é mais aceitável a «causalidade» enquanto uma forma de deter­
2. Análise crítica da fundamentação
minismo, pois o seu lugar é muito limitado, ainda que válido em neurobiológica da causalidade
domínios específicos do conhecimento científico (Bunge, 1979). As na «esquizofrenia»
«leis» apresentam-se cada vez mais com um carácter probabilístico,
aproximativo c provisório bem retratado no conceito de «rcfutabili- Sc considerarmos o comportamento e a linguagem dos «esquizo­
dade» de K. Poppcr (1963). frénicos» como tipos indesejáveis c autodestrutivos de estilo de vida
c de (distorcida) comunicação interpessoal (Haley, 1963) num con­ monoamina-oxidase das plaquetas sanguíneas encontradas cm «pacien­
texto de acentuado mal-estar emocional e excessiva preocupação tes esquizofrénicos» (e que previamente se pensou estarem relacio­
consigo próprio, pensamos que não é de modo algum surpreendente nadas com possíveis «mecanismos etiopalogénicos fundamentais») são
encontrar nestes indivíduos tão profundamente perturbados: actualmente consideradas como dependentes de muitos tipos de va­
a) «Anomalias neurobioquímicas», provável e qualitativamente riáveis que têm muito pouco a ver com o chamado «processo patológico
similares às apresentadas por pessoas «normais» quando experimen­ da esquizofrenia», tais como: medicamentos ministrados ao paciente;
tam situações emocionalmente penosas; estado nutritivo do paciente; fase do ciclo menstrual cm que as pacien­
b) Uma resposta «terapêutica» positiva a drogas cuja acção prin­ tes se encontram; sexo e personalidade do paciente (Gattaz e Bcck-
cipal consiste numa «normalização» do estado de «activação» (ou arou- man, 1981; Gattaz et al., 1981); e, muito curiosamente, níveis de an­
sal) dos «pacientes»; siedade e «activação» apresentados pelo paciente (Mathcw et al.,
c) Um padrão de reacções psicofisiológicas que também sugere 1981a). Mathcw et al. (1981b), por exemplo, escrevem a este res­
um elevado nível de activação (ou arousal) do Sistema Nervoso Central. peito: «O achado mais importante deste estudo é a diminuição signi­
ficativa na actividadc da monoamina-oxidase plaquctária após tera­
pêutica pelo relaxamento [...]. Os resultados de outra investigação
2.1. Aspectos bioquímicos também apoiam a existência de uma associação entre ansiedade e
actividadc da monoamina-oxidase |...|. Tem-se demonstrado que o stress
Rclativamente às «anomalias neurobioquímicas» na «esquizofre­ aumenta esta actividadc nos animais. Do mesmo modo, tem sido
nia», será interessante destacar um comentário de Smythies (1963): verificada uma associação entre hormonas relacionadas com o stress,
«Desta discussão resulta que será necessário encarar a possibilidade tais como ACTH c adrenalina, e a actividadc desta enzima. Gentil c
de as perturbações metabólicas associadas com a esquizofrenia, ou colaboradores e, ainda, Owcn e colaboradores, demonstraram que a
pelo menos algumas delas, não terem qualquer relação unívoca com actividadc da monoamina-oxidase plaquctária, na espécie humana,
esta entidade clínica, sobretudo num sentido qualitativo. Elas podem aumenta com a ministração parcnlérica de adrenalina.» (Cf. Bujatti
ocorrer de uma forma menos acentuada no metabolismo das pessoas e Ricdcrcr, 1976.)
esquizóides ou no metabolismo das pessoas normais que vivem emoções Em relação, ainda, com esta linha de investigação, pensamos que
complexas, penosas e perturbadoras ou mesmo nos familiares assin- vale a pena registar os seguintes comentários de Wcincr (1983):
tomáticos dos esquizofrénicos. A diferenciação bioquímica entre estes «Actualmente, c gcralmcntc aceite que os baixos níveis de MAO
grupos poderá apenas ser quantitativa ou regional. Nos não esquizo­ ocorrem apenas em alguns, não todos, os pacientes esquizofrénicos
frénicos os processos metabólicos anómalos podem nunca atingir o crónicos. Os diferentes níveis não correspondem a qualquer forma
nível requerido para haver uma “quebra de barreiras” e a invasão dos clínica particular de esquizofrenia [...].
mecanismos cerebrais globais de pcrcepção, pensamento, emoções c «Algumas pessoas normais têm níveis que são ainda mais baixos
controlo motor, como parece ser o caso na esquizofrenia.» Obviamcntc, que os encontrados cm pacientes esquizofrénicos crónicos. [...] Esta
Smythies conccptualiza a «esquizofrenia» de um modo muito dife­ conclusão — de que os baixos níveis são marcadores genéticos —
rente do nosso; mesmo assim ele não pode deixar de reconhecer que foi questionada (Domino c Gahagan, 1977). Sc esta conclusão é cor-
nas pessoas «normais» que vivcnciam emoções perturbadoras e pe­ rccta, por que têm os pacientes esquizofrénicos agudos níveis nor­
nosas podem também ocorrer alterações metabólicas qualitativamente mais? E por que têm também os pacientes com depressão bipolar baixos
semelhantes às que surgem na «esquizofrenia». níveis plaquctários?» (Cf. Bourdillon e Ridges, 1971; Carlsson, 1978;
O mesmo se pode dizer rclativamente aos resultados obtidos por Hcllcr et al., 1970; Hoffcr, 1967; Horrobin, 1980).
meio das investigações ncurobiológicas mais recentes envolvendo ou­ Outros dados muito interessantes foram obtidos a partir de inves­
tros tipos de estratégia. Por exemplo, as alterações na actividadc da tigações feitas noutros campos. No caso da psicoendocrinologia, por
exemplo, Sachar (1970) demonstrou de maneira muito elegante a exis­ dicionário bioquímico, foram estudadas, à procura de um possível
tência de relações muito íntimas entre crises emocionais muito in­ envolvimento na esquizofrenia. Esses estudos são feitos por cientistas
tensas (de tipo «psicótico» ou «esquizofrénico») c, por outro lado, res­ clínicos que têm na alma a esperança de uma solução e o dinheiro
postas de carácter massivo e dramático do córtex supra-renal. Num dos subsídios (muitas vezes concedidos por companhias produtoras de
trabalho referente a este tipo de investigação este autor escreve: remédios) a queimar-lhes os bolsos. [...]
«A este respeito, a ideia delirante do paciente esquizofrénico pode «Raramcnle os resultados obtidos por um grupo de pesquisado­
ser vista com o um mecanismo de defesa ou de adaptação psicológica res foi confirmado por outro grupo de pesquisadores, trabalhando com
de cariz patológico, que o ajuda a minimizar a ansiedade, do mes­ outros grupos análogos de pacientes. Raramcntc foi tentada a resolu­
mo modo que a profunda fé religiosa de algumas mulheres que ção de afirmações contraditórias. Raramcntc qualquer entusiástico
aguardam uma intervenção cirúrgica por motivo de ncoplasia do seio pesquisador clínico exprimiu a preocupação de que a esquizofrenia
as ajuda a manlcrcm-sc tranquilas. Na verdade, se o paciente esqui­ possa estar associada a múltiplos efeitos bioquímicos diferentes, ou
zofrénico cm tratamento abandonar as suas ideias delirantes c enfren­ que vários tipos diferentes de alterações bioquímicas possam levar às
tar de novo a realidade que lhe é penosa, volta a experimentar muitas (ou ser geradas pelas) mesmas expressões de comportamento.»
vezes grande mal-estar emocional c uma acentuada activaçâo do córtex Pensamos, contudo, que vale a pena registar mais alguns dados
supra-renal antes de se verificar a recuperação clínica completa [...] acerca das principais linhas de pesquisa bioquímica da «esquizofre­
é evidente que o diagnóstico de esquizofrenia, por si só, não nos dirá nia». As tentativas para «descobrir» uma «base biológica» para a
se o córtex supra-renal está ou não aclivado. Nestes pacientes é ne­ «esquizofrenia» nem sempre foram bem executadas, do ponto de vista
cessário isolar cspccificamcnte as dimensões clínicas de activaçâo metodológico. Partindo de algumas pesquisas que haviam revelado,
emocional e de desorganização dos mecanismos proteclorcs do ego.» cm «pacientes esquizofrénicos», elevados níveis séricos de cobre, que
Como escreveram Rose et al. (1984), a propósito da investiga­ quase exclusivamcntc se encontra sob a forma de uma mctaloproteína,
ção bioquímica da «esquizofrenia»: «A maior parte das pequisas é verificou-se, pelo teste de Akcrfcldt, que a ccruloplasmina também
feita no sentido de um estudo da bioquímica dos próprios esquizo­ se encontrava aumentada nestes pacientes. A esta investigação não
frénicos. Amostras cerebrais são difíceis de obter, cxccpto cm exames foram alheios vários erros metodológicos (v.g. a necessidade de ex­
post mor tem, e, por isso, materiais corporais mais facilmente acessíveis cluir outras situações em que ocorre uma elevação da ccruloplasmi­
— urina, sangue ou líquido céfalo-raquídco — de esquizofrénicos na, com o a gravidez c uma multiplicidade de doenças) c, ainda, uma
declarados são comparados com amostras de pessoas-controlo “nor­ fonte evidente de erros técnicos, pois a positividade do teste utiliza­
mais” [...] depressa começaram a vcrificar-sc grandes diferenças na do depende dos baixos níveis séricos de ácido ascórbico (Weincr, 1983),
bioquímica de doentes esquizofrénicos hospitalizados em comparação relacionados, entre outros factorcs, com a alimentação dos doentes.
com a de pessoas normais do mesmo sexo, idade, etc. Mas essas Também as investigações levadas a cabo por Bogoch (1960), que
diferenças mostraram ser artificiais; pacientes hospitalizados não assinalaram baixos níveis de ácido ncuramínico no LCR de «esqui­
esquizofrénicos mostravam idênticas diferenças dos normais. Finalmcnte, zofrénicos», sofreram a influência de artefactos evidentes que invali­
dcscobriu-sc serem essas diferenças o efeito de longos períodos a comer daram quaisquer conclusões (cf. Jcnncr et al., 1962).
a fraca comida dos hospitais ou dos produtos químicos existentes nos Uma das linhas de pesquisa de níveis anormais dos constituintes
remédios administrados aos pacientes — ou até do excesso de café séricos incidiu sobre as proteínas, algumas das quais enzimas. Hcath
bebido pelos doentes hospitalizados [...). c Krupp (1968), na Tulane University, realizaram trabalhos sobre uma
«Seria cansativo c desnecessário contar em pormenor a história fraeção proteica do soro, a taraxeína, que foi identificada como uma
da pesquisa no campo da bioquímica da esquizofrenia dos últimos trinta imunoglobulina circulante, isto é, como um anticorpo capaz de agir
anos. Quase todas as substâncias bioquímicas que se sabe estarem através da ligação aos núcleos dos oligodcndrócitos da área septal do
presentes no cérebro, dois ou três anos após a sua introdução no cérebro, c que ocorreria em consequência de um erro inalo do meta­
bolismo. Estes resultados não foram, porém, confirmados por outros lagem (-40% ) de «pacientes» com uma grande variedade de «psico­
investigadores (Bochcme et al., 1973; Logan e Dcodhar, 1970; ses agudas» (Coffcy et al., 1970; Meltzer, 1976). Na maior parte dos
Whiltingham et al., 1968). casos, os valores destas taxas «normalizaram» alguns dias ou sema­
Recentcmcnte, apareceu um certo número de trabalhos sobre as nas após o início da doença. Por outro lado, verificou-se que estas
alterações dos níveis de imunoglobulinas no soro de «esquizofrénicos». alterações enzimálicas dependem de um certo número de variáveis,
Em relação às várias subclasses de imunoglobulinas (-A,-D,-G,-M), como a raça, o sexo (Meltzer et al., 1971) e a ministração intramus­
Solomon et al. (1969) registaram uma elevação dos níveis séricos de cular de cloropromazina (Meltzer, 1969; Meltzer e Moline, 1970a).
IgG, que não foi confirmada por outros autores. As elevações das taxas Significativamente a isoenzima da CPK, que se encontra aumentada
séricas de lgM, verificadas noutros trabalhos, têm sido relacionadas nas «psicoses agudas», é de origem muscular e não cerebral (Mclt-
com a ministração de psicotrópicos. zer, 1969; Meltzer e Moline, 1970b), o que, aliás, também sucede
Haddad e Rabe assinalaram, em 1963, um constituinte antigéni- no caso da aldolasc. Desta forma, os níveis séricos elevados de CPK
co anormal no soro dos «pacientes esquizofrénicos». Trabalhos pos­ e de aldolasc, encontrados sobretudo na fase inicial da «doença», não
teriores (Rosenblatt et al., 1968; Solomon et al., 1969) identificaram só não são específicos para a «esquizofrenia» como também se des­
um «factor rcumalóidc» no soro destes «pacientes», que relaciona­ conhece o que possam contribuir para uma teoria etiológica desta «per­
ram não com o diagnóstico de «esquizofrenia» mas com o «estado turbação mental». Sc, como afirma Harding (1974), quando todas as
de humor depressivo», não sendo qualquer destes aspectos confirma­ outras variáveis são controladas, estes níveis séricos enzimáticos
do pelas investigações de Mcllsop et al. (1973). rcflcctem um aumento na actividade motora e não a própria «doen­
Burch et al. (1968) propuseram uma conccptualizaçâo da pato­ ça psicótica», coloca-se scriamcntc em dúvida a validade «diagnóstica»
genia da «esquizofrenia» como «doença auto-imune». Se é certo que c o valor prcdictivo da CPK e da aldolasc, na «esquizofrenia».
a existência de um «factor rcumatóide» é um fenómeno auto-imune, Outra linha de investigação postula que a patogénese da «esqui­
em que uma IgG adquire propriedades anligénicas (’) que, por sua zofrenia» é devida a metabólitos anormais com propriedades «psico-
vez, desencadeiam a produção de auto-anticorpos, não é menos ver­ ticomiméticas», resultantes de substâncias orgânicas normais. Neste
dade que a presença destes anticorpos auto-imunes não lhes confere, contexto, foi investigada a 3,4-dimetoxifcniletilamina (3,4-DMPEA)
necessariamente, um papel patogénico em qualquer doença, pois po­ (Fricdhoff e van Winkle, 1962a), cuja origem, endógena (v.g. a partir
dem até aparecer em indivíduos normais. Alguns trabalhos de menor da dopamind) ou exógena (dietética), não foi possível esclarecer, bem
projccção (Pulkincn, 1977; Stabcnau et al., 1968; Turncr c Chipps, como a sua correlação com a «esquizofrenia» (Mcndclson, 1964) e
1966) referiram-se, ainda, a outras rcacçõcs imunológicas, mas sem a sua corrccla identificação, na urina, através da cromalografia gaso­
obterem resultados conclusivos. sa c da cspcctografia de massa. Também se investigou a dimclillrip-
A linha de pesquisas sobre as taxas alteradas de enzimas no sangue tamina, originada a partir de uma hipotética via metabólica «anor­
de «pacientes psicóticos agudos» incidiu sobre as mais variadas ca­ mal», mas não específica para a «esquizofrenia».
tegorias destas substâncias, embora possamos destacar, entre as mais O trabalho de H. Osmond et al. (1952), ligado à hipótese de uma
estudadas, a crcalina-fosfoquinase (CPK), a aldolasc e a monoami- alteração do processo de «transmctilação» responsável pela produ­
na-oxidasc (MAO-B). Já a elevação sérica da transaminasc glulâmi- ção de substâncias «psicoticomimélicas» no organismo (cf. Nestoros
co-oxalacética (TGO) encontrada por Schwcid et al. (1972) não foi et al., 1977), conduziu à rocambolesca «aventura» da célebre pink
confirmada por outras investigações. spot (mancha cor-de-rosa). Fricdhoff c van Winkle (1962 a,b) obser­
Encontram-se níveis séricos elevados da CPK numa certa pcrccn- varam uma mancha cor-de-rosa no papel de cromalografia, após
tratamento com nihidrina e reagente de Erlich, que se admitia ser
(!) Estas propriedades antigcnicas resultam, possivelmente, de uma mutação gené­ produzida «espccificamcntc pela urina dos esquizofrénicos». Bourdillon
tica ao nível das células imunocompctcntcs. et al. (1965) levaram muito a sério estas suspeitas, parecendo muito
pouco familiarizados com a problemática natureza da «esquizofrenia» E esclarece: «alguns graves Doutores dizem que este fedor era natu­
e com os problemas inerentes aos estudos bioquímicos nesta área. Estes ral em todos os que intervieram na morte do Senhor» (cf. Sampaio-
últimos investigadores, aceitando sem reservas as teses genéticas, pre­ -Bruno, 1983). É caso para comentar que, por conseguinte, prevale­
tendiam utilizar a mancha como marcador genético, tendo-a dctecta- ciam já, então, teses genéticas sobre semelhante cheiro, apesar de tal
do na análise cromatográfica da urina cm 46 de 73 «esquizofrénicos» imperfeição genética poder ser manipulada por meios religiosos...
(e em nenhum dos 16 pacientes não-«esquizofrénicos»), pelo que foram Carecem, por enquanto, de confirmação as investigações sobre a
considerados os autores dos resultados mais impressionantes nesta área iriptamina (Domino e Gahagan, 1977), a mcúonina (Pollin et al., 1961)
de pesquisa. Esta confirmação aparente do estudo mais limitado de e o triptofano.
Friedhoff e van Winkle (1962 a,b), a teorização de 'H. Osmond et Também as alterações do metabolismo do nitrogénio receberam
al. (1952) e, ainda, o facto de uma idêntica mancha ser produzida a atenção de alguns autores (Gjessing, 1976).
pela 3,4-dimctoxifcnilctilamina (3,4-DMPEA), um metabolito mclila- Se as possíveis alterações bioquímicas descritas são a causa da
do da dopamina, jproduziram conjuntamente uma história de marca. «esquizofrenia» ou co-variantes do estado psicológico e do compor­
Contudo, manchas cromatográficas semelhantes podem ser produzi­ tamento dos «pacientes esquizofrénicos» é a questão que Weiner (1983)
das pelas mais diversas substâncias. debate quando escreve: «Actualmcntc não podemos esperar saber como
Assim, c uma vez mais, os «factos» mais convincentes revcla- a descoberta de uma substância bioquímica específica, por exemplo,
ram-sc, afinal de contas, artefactos produzidos mais pelo entusiasmo conseguiria melhorar a compreensão da causa da esquizofrenia. Pre­
do que pela investigação. Esta história pode ensinar muitas lições acerca sumivelmente, tal substância poderia ser importante como critério de
das «armadilhas» que se deparam aos cientistas menos avisados e mais validade diagnóstica, da mesma forma que os níveis alterados das hor­
entusiastas. monas tiroideias servem como critério de validade diagnóstica para
Num trabalho em que estudaram amostras de suor de «esquizo­ as doenças da tiróide. Mas tal descoberta teria pequeno significado
frénicos» e de indivíduos-controlo com «psicoses orgânicas», inter­ etiológico em si própria, porque as causas das doenças da glândula
nados no mesmo hospital, Smith c Sincs (1960) afirmaram ter «de­ tiróide são bastante desconhecidas e estão muito para além dos níveis
monstrado» um «odor peculiar» do suor de um grande número de das hormonas tiroideias. Além disso, as alterações numa substância
pacientes «esquizofrénicos». E afirmaram, ainda, que os ratos de ou substâncias podem ser co-variantes de alguma manifestação com-
laboratório podiam ser condicionados a discriminar significativamente portamcntal [...].
o cheiro do suor extraído de cada um dos grupos de pacientes estu­ «A lógica diz-nos que uma descoberta fisiopatológica não é ne­
dados. Scrvindo-sc dos resultados deste estudo, em que não foram cessariamente patogénica, a despeito das tradicionais tentativas cm
tomadas em linha de conta as condições básicas e materiais da vida medicina para conseguir inferir causas e patogéneses a partir da fi-
e da alimentação institucionais, não faltaram psiquiatras a deixarem siopatologia e da anatomia patológica, após o início de uma doença.
seduzir-se pela «utilidade» desse «odor peculiar» como critério de O conhecimento das causas e palogénese de uma doença é limitado
diagnóstico para a «esquizofrenia». e só progredirá através de estudos prospcctivos e longitudinais de
E interessante, a este propósito, recordar o famoso «faetor judai- pessoas em risco para uma determinada doença e suas subformas.»
cus», uma particular forma de mau cheiro que, desde a Antiguidade
Clássica até ao século xvn , certos intelectuais e inquisidores notavam,
gravemente, nos judeus. Para frei Cristóvão de Santo Tirso, tão fedo­ 2.2. Aspectos psicofarmacológicos
renta era a geração dos judeus com o fedorentos eram os seus erros... e psicocirúrgicos
O caso complica-sc quando Vicente da Costa, cm 1668, cm Lisboa,
assevera que os judeus baptizados perdiam o mau cheiro dos corpos, No que respeita aos «efeitos terapêuticos» conseguidos com os
logo voltando o cheiro a judeu quando apostalassem do Cristianismo. novos medicamentos psicotrópicos, pensamos que não devemos negar
os avanços da investigação psicofarmacológica nem os êxitos obti­ fundamental da doença mental em questão. Para além disto, as cor­
dos com este tipo de abordagem dos problemas postos pela «doença relações temporais rclalivamente pequenas entre os efeitos conheci­
mental». Contudo, esta estratégia de investigação leva algumas pes­ dos da maioria das drogas psicotrópicas, que na maior parte dos casos
soas a conccptualizar a «doença mental» de um modo redutor e sim­ ocorrem rapidamente, e os seus efeitos clínicos, sugerem que altera­
plista, que consideram o único «correcto» c «científico», esquecendo ções secundárias, ou ainda mais indirectas, produzidas pelas drogas
com demasiada facilidade não só os inconvenientes intrínsecos des­ possam mediar as suas aeções clínicas.»
tes medicamentos (efeitos secundários, uso demasiado ingénuo e con­ No caso da «esquizofrenia», por exemplo, há um «intervalo de
fiante da psicofarmacoterapia, etc.) como também o facto de a lalência» médio de cerca de 3 semanas entre o início do «tratamen­
«natureza real da doença mental» ser bastante problemática, o que to» c o aparecimento dos primeiros resultados «terapêuticos», no que
requer um espírito aberto a estratégias de pesquisa variadas c criati­ respeita à «psico(pato)logia típica» da «esquizofrenia» — como os
vas. Assim, os aparentes sucessos dos «ncurolépticos» podem bloquear delírios, as alucinações e as perturbações formais do pensamento são,
o médico numa atitude rígida, intimamente relacionada com as suas provavelmente, o resultado de uma «activação» (arousal) aumentada
teorias de «causalidade» acerca do comportamento dos «esquizofré­ (com uma concomitante perturbação emocional), estes «sintomas»
nicos»; esta postura pouco esclarecida diminui o poder criativo do apenas começarão a desaparecer depois de a ansiedade dos pacientes
psiquiatra, reduzindo de modo evidente o seu «potencial terapêutico». ter sido reduzida por estas drogas até níveis razoavelmente baixos
Sobre este assunto, Baldcssarini (1985) tece alguns comentários (Klein, 1981; May, 1971, 1973).
que, cm nossa opinião, todos os psiquiatras deveriam ler: «Os medi­ A teoria dopaminérgica da «esquizofrenia», cujo mecanismo
camentos antipsicóticos exercem efeitos benéficos em virtualmcntc todos bioquímico residiria numa hiperdopaminergia ou numa hipersensi-
os tipos de doença psicótica e, ao contrário de uma concepção errónea, tividade dos rcccptores pós-sinápticos à dopamina, nasceu de uma
embora bastante corrente, não são sclectivos para a esquizofrenia [...]. extrapolação que partia do modo de acção dos «ncurolépticos» para
Assim, as esperanças dos anos 50 c 60 rclativamcntc à descoberta chegar à hipotética «etiopatogenia de esquizofrenia», após Carlsson
de erros inatos do metabolismo geneticamente determinados c clara- e Lindqvist demonstrarem, cm 1962, que a administração de «ncuro-
mente definidos que explicassem a doença psiquiátrica não foram lépticos» levava ao aumento da quantidade de metabolilos da dopa­
concretizadas. mina no cérebro do rato, sugerindo que estas drogas bloqueavam os
«Além disso, há a convicção crescente que poderá ser uma rcccptores dopaminérgicos.
simplificação excessiva tentar formular hipóteses causais da doença A este propósito afirma H. Wcincr (1983): «Pelos efeitos conhe­
mental a partir dos achados da psicofarmacologia. Assim, esperava- cidos das drogas constrói-se uma hipótese acerca da causa e da
-sc frcqucnlcmcntc que o mecanismo de acção das drogas antipsicóticas patogénese da esquizofrenia. Mas é isto uma via lógica para conhe­
e antidepressivas apontasse o caminho para a descoberta de alterações cer a sua causa e patogénese? A acção farmacológica de uma droga,
fisiopatológicas básicas, na esquizofrenia c na doença maníaco-depres­ como os digitálicos na Insuficiência Cardíaca Congestiva, nada nos
siva, que fossem funcionalmcntc opostas aos efeitos das drogas. Isto diz acerca das múltiplas causas da insuficiência do coração. Muitas
não se provou ser assim. drogas com uma variedade de aeções farmacológicas cm diferentes
«As drogas antipsicóticas, antimaníacas c antidepressivas têm efeitos sistemas do organismo são usadas para o tratamento da hipertensão
nos mecanismos corlicais, límbicos, hipotalâmicos c do tronco cere­ essencial, cuja causa c patogénese são pcrfcitamcntc desconhecidas.
bral que são de importância fundamental para a regulação da activação Na melhor das hipóteses, a acção de uma droga pode dar algumas
{arousai), nível de consciência, afccto c funções vcgclativas. É per- indicações acerca da fisiopatologia de uma doença mas não acerca
feitamente possível que a modificação fisiológica c farmacológica destas do seu modo de início ou predisposição. De facto, pode até ser perigoso
regiões encefálicas possa ter importantes consequências comportamcn- extrapolar da acção de uma droga para a fisiopatologia de uma doença.»
tais e efeitos clínicos úteis, independentemente da natureza ou causa Ilustrando este mesmo aspecto, Rose et al. (1984) escrevem: «Pode
valer a pena criar remédios que aliviem sintomas, como a aspirina de artigos sobre resultados de pesquisas, fez reputações médicas e
para uma dor de dentes, mesmo que nada digam a respeito da causa científicas e trouxe um lucro substancial às grandes firmas produto­
do problema. A multiplicidade de remédios (e fórmulas de remédios) ras de remédios. A história do pensamento dos bioquímicos a res­
é um aspecto do modo como funcionam as companhias farmacêuti­ peito da esquizofrenia, durante esse período, está inlimamentc inter­
cas num campo onde o conhecimento da lei das patentes é tão im­ ligada com a história da indústria farmacêutica, para quem as dro­
portante quanto a arte clínica. O problema é confundir-se o efeito de gas psicotrópicas foram uma das maiores fontes de receita.»
um remédio com a oferta de uma explicação, o alívio da dor com L. Ivcrscn (1981), por exemplo, ao resumir os resultados da sua
uma cura para a doença.» cuidadosa c prolongada investigação sobre os «mecanismos bioquímicos
Assim encarada, «a eficácia terapêutica» de uma droga não pode da esquizofrenia», proclamou recentemente a «morte da hipótese
orientar-nos para a «etiopatogenia» real de uma doença, pois não dopaminérgica», dado que os seus resultados não confirmavam o papel
é uma via que lhe sirva de acesso. Neste contexto, é difícil deter­ desta ainina biogénica como «faclor etiológico da esquizofrenia». Como
minar se um «facto» é anterior ou posterior ao aparecimento de bom bioquímico, evidentemente ele continuará a procurar outras «ex­
uma «patologia», pelo que ficam muito limitadas as «conclusões plicações ncurobioquímicas» para esta «doença», embora pensemos
etiopatogénicas» que se podem extrair após o início de uma «doença». que há também argumentos suficientes para justificar a abordagem
Estes «obstáculos» à investigação causal da «esquizofrenia» deste problema a partir de outras pcrspectivas.
conduziram à utilização de uma estratégia de investigação assente na Ainda antes do aparecimento dos «neurolépticos», já o eminente
indução experimental de model psychosis, através da acção de dro­ neurologista português Egas Moniz (1874-1955), em 1935, identifi­
gas ditas «psicoticomiméticas», entre as quais se contam as anfeta- cando a «base orgânica do pensamento» com as «sinapses», tentara
minas, a mcscalina e a LSD 25. Rose at al. (1984) pronunciam-se concluir a partir da resposta «terapêutica» positiva à lobolomia pré-
sobre esta estratégia de investigação, nos seguintes termos: «Tais pro­ -frontal, descoberta pela qual foi galardoado com o Prémio Nobel cm
blemas originaram outro tipo de aproximação mais atractivo para o 1949, que «certas psicoses», entre as quais se contava a «esquizofre­
pensamento rcducionista: observar os efeitos de agentes farmacêuti­ nia», eram causadas por um funcionamento anormal do cérebro. Szasz
cos — drogas — no comportamento humano. Se uma droga provoca (1977) comenta esta inferência da seguinte forma: «Egas Moniz
um comportamento tipo esquizofrenia — por exemplo, alucinações reconhece que o seu objectivo, ao tentar a lobotomia em seres humanos,
auditivas — , então far-se-ão tentativas para concluir que a droga in­ não era tanto o de encontrar uma cura para a “psicose” como o de
terfere, na pessoa normal, com um processo bioquímico que no es­ encontrar um apoio para a pedra angular da “psiquiatria orgânica” —
quizofrénico está lesado. Daí, por exemplo, ter havido nos anos 60 isto é, estabelecer um alicerce sólido para “o estudo das funções
um período durante o qual foram feitas tentativas no sentido de se psíquicas numa base orgânica” [...]. Cito o trabalho dc Egas Moniz
encontrarem ligações entre a LSD e a esquizofrenia, com base no facto não tanto para condená-lo como para sublinhar o desvio fundamen­
de as pessoas que usavam a LSD sentirem alucinações que podiam tal, neste tipo dc investigação, dos métodos tradicionais da investi­
ser consideradas como análogas às do esquizofrénico. Esta lógica que gação médica. Para estabelecerem a natureza orgânica da paralisia geral,
argumenta ao contrário, partindo do efeito da droga para chegar à causa os investigadores médicos estudaram os cérebros de doentes faleci­
de uma doença (lógica ex juvantibus), é visivelmente um procedimen­ dos e procuraram definir e demonstrar a histopatologia da doença. Não
to arriscado, tanto para quem pratica a lógica como para o paciente. tentaram provar que a paralisia geral era uma doença orgânica do
Como fizemos bem cm notar no caso da L-dopa, nenhuma droga aclua cérebro mutilando o corpo do doente, chamando a isso “tratamento”
num só ponto. Substâncias químicas estranhas introduzidas no corpo e tirando da intervenção “terapêutica” inferências acerca da natureza
não são balas mágicas. da doença. [...] O raciocínio que está por detrás deste método de
«No entanto, tal pensamento dominou mais de trinta anos de “investigação”, assim como os seus resultados, gozam hoje de am­
pesquisas sobre a bioquímica da esquizofrenia, gerou uma infinidade pla aceitação. Por exemplo, acredita-se geralmente que, por os tran-
quilizantcs major afectarcm o chamado comportamento “psicótico” cm tes neuróticos» apresentando situações de tensão, ansiedade c/ou de­
vários aspectos que muitas pessoas consideram desejáveis, isso pro­ pressão; estes mesmos tipos de alterações electroencefalográficas quan­
va que os “doentes” assim “tratados” sofrem de uma “doença men­ titativas pareciam responder favoravelmente a certas modalidades de
tal” que tem uma “base orgânica”.» Estes comentários de Szasz não intervenção psicoterapêulica, sobretudo no caso daqueles pacientes que
fazem mais do que reafirmar as considerações de Baldessarini, que tinham sido classificados como muito ansiosos durante as sessões de
apresentámos anteriormente, no início deste capítulo. psicoterapia (grupo de «elevada intensidade») — estes autores sugerem
que as alterações electroencefalográficas no grupo de «elevada inten­
sidade», a seguir à sessão de psicoterapia, «reflectem uma desactivação
2.3. Aspectos psicofisiológicos e neuroftsiológicos cerebral generalizada e uma melhoria funcional ao nível do hemisfé­
rio cerebral direito». Noutro passo do seu trabalho, também apresen­
A propósito da investigação psicofisiológica aplicada à «esqui­ tam a hipótese de a «libertação dos afcctos bloqueados, no decorrer
zofrenia», é de salientar que muitos resultados apresentados como da sessão de psicoterapia, ser seguida por um aumento generalizado
«novas descobertas» são, na realidade, falseados por não se terem quer da amplitude electroencefalográfica quer da sua variância, nas
utilizado grupos de controlo escolhidos correctamente. Referindo-sc áreas temporais, o que indicaria uma menor activação cerebral».
a este ponto, Lader (1975) escreve: «Praticamente todos os achados Também no que concerne ao «factor de risco fisiológico» respei­
positivos em esquizofrénicos tem sido também descritos em estados tante às «anomalias da orientação do olhar e dos movimentos ocula­
de ansiedade, sempre que se fazem comparações directas. Não é res finos» descritas por Holzman e colaboradores em 1973, confir­
derrotismo mas realismo sugerir que nenhuma propriedade psicofi- madas por outros autores (Shagass et al., 1974; Shagass et al., 1976)
siológica dos esquizofrénicos foi até agora inequivocamente demons­ e apontadas por alguns como «marcadores genéticos para a esquizo­
trada. Não podemos tirar quaisquer conclusões reais e cientificamentc frenia» (Holzman et al., 1977), são válidas algumas das considerações
corrcctas enquanto pacientes com estados ansiosos não forem siste­ expendidas anteriormente. Relativamentc a este assunto, escreve Wciner
maticamente incluídos como grupos de controlo adicional nos estu­ (1983): «A anomalia encontra-se presente cm pessoas não esquizo­
dos psicofisiológicos de pacientes esquizofrénicos. Assim, o aumen­ frénicas e nos familiares de doentes esquizofrénicos. [...] Poderá ser
to das variáveis vegetativas e endócrinas, a falta de reactividade, a prematuro perguntar qual o significado de tais anomalias [...]. Reflec­
lentidão na adaptação e habituação, a má discriminação dos estímulos tem alguma situação nervosa central que compromete a atenção ou
e a perturbação geral na eficiência das respostas dos esquizofrénicos a perccpçâo selectiva do mundo exterior? Mas por que levará tal
encontram-se, em grau maior ou menor, nos pacientes com ansiedade compromisso à esquizofrenia nuns casos e não noutros? E por que
elevada e podem muitas vezes induzir-se nos indivíduos tranquilos e persistirá a anomalia nos doentes em remissão? As doenças cerebrais
normais, por intermédio de procedimentos provocadores de stress.» podem produzir a mesma disfunção. Encontra-se na arteriosclerose
(Cf. Toone et al., 1981.) cerebral, doença de Parkinson, lesões do tronco cerebral e dos
No que diz respeito ao campo de investigação neurofisiológica, hemisférios cerebrais (Holzman, 1975), e em pacientes com depres­
pensamos que vale a pena salientar os resultados obtidos pelos in­ são psicótica (Shagass et al., 1974).»
vestigadores que estudaram «pacientes neuróticos» (e, portanto, su-
poslamente «compreensíveis»), Ciesiclski et al. (1981), por exemplo,
foram capazes de encontrar diferenças significativas entre «pacientes 3. Conclusão
neuróticos obsessivos» e grupos de controlo normais relativamentc a
certos tipos de potenciais evocados. Hoffmann e Goldstcin (1981) Tal como assinalam Rose et al. (1984): «Entre as afirmações quanto
também conseguiram provar a existência do que chamaram «altera­ aos factores causais na esquizofrenia feitas desde 1950, podemos
ções clcctrocncefalográficas hemisféricas quantitativas» em «pacicn- indicar: substâncias anormais segregadas no suor dos esquizofrénicos;
injecção de soro de esquizofrénicos em indivíduos normais, provo­ ducionista insiste também em que deve haver uma cadeia causal directa
cando um comportamento anormal; e a presença de enzimas anor­ desde os acontecimentos moleculares em determinadas zonas cerebrais
mais nos glóbulos vermelhos e nas proteínas sanguíneas. Entre 1955 até às mais violentas manifestações de desespero existencial que os
e os nossos dias, relatórios discordantes de pesquisas têm afirmado indivíduos sofrem. [...]
que a esquizofrenia é causada por perturbações no metabolismo da «Mesmo que se encontre uma substância química anormal nos
serotonina (1955); no metabolismo da noradrenalina (1971); no fluidos corporais de um esquizofrénico, quando em comparação com
metabolismo da dopamina (1972); no metabolismo da acctilcolina o mais bem escolhido dos controlos, não se pode inferir que a subs­
(1973); no metabolismo das endorlinas (1976); e no metabolismo das tância observada é a causa da esquizofrenia; pode, pelo contrário, ser
prostaglandinas (1977). Algumas moléculas, tal como os glutamatos uma consequência. O argumento causal pressupõe que a substância
aminoácidos e o ácido gama-aminobutírico, entraram na moda no fim está presente c, em resultado disso, a perturbação começa. Uma tese
dos anos 50, caíram no esquecimento e hoje, nos anos 80, voltaram conscqucncial diz que primeiro ocorre a perturbação c depois, c cm
a estar na moda.» seu resultado, a substância acumula-se. Sc um indivíduo sofre uma
Além destas, muitas outras investigações biológicas se têm feito infecção de um vírus da gripe, há considerável aumento dos anticor­
à volta da «esquizofrenia». Sem pretendermos ser exaustivos, podería­ pos presentes no sangue e no muco nasal — são os mecanismos de
mos ainda referir aquelas que dizem respeito à «resistência à hista- defesa do corpo contra o vírus. Os anticorpos e o muco não causa­
mina», à «menor predisposição para a infecção», às «relações com ram a infecção, e não podem deduzir-se as causas reais pela simples
outras doenças» (v.g. com a tuberculose, doenças hereditárias, doen­ observação de tais consequências. [...]
ças neurológicas: porfirías, hcmocistinúria, coreia de Huntington, doen­ «O determinismo biológico [...] está ligado a uma insistência de
ça de Wilson, etc.), às «alterações do metabolismo da glicose», etc. que os acontecimentos biológicos são onlologicamcntc primeiros, c
Na nossa opinião, todos estes estudos parecem indicar que a causam os acontecimentos existenciais c de comportamento, c daí a
descoberta de anomalias «neurobioquímicas», «psicofisiológicas», afirmação de que, se a bioquímica do cérebro está alterada na esqui­
«psicoendocrinológicas» ou «neurofisiológicas», mais ou menos zofrenia, então, subjacente a essa bioquímica alterada, deve haver um
conspícuas, quando procedemos ao estudo do funcionamento do cérebro qualquer tipo de predisposição genética para a perturbação.»
humano, não implica, necessariamente, a existência de qualquer tipo As anomalias até aqui apontadas podem também encontrar-se, como
de «processo patológico específico» que seria, portanto, o único capaz já vimos, no caso de «pacientes neuróticos» c no que respeita aos
de produzir as anomalias referidas. Isto significa que a eventual «pacientes psicóticos» nenhum dado até agora obtido vai contra a
descoberta de um defeito enzimático na «esquizofrenia» não impli­ hipótese de as suas alterações psicológicas e comporlamcntais serem
cará, necessariamente, que tal defeito ou variação seja determinada explicadas por intermédio de um modelo psicodinamicamcnlc com ­
geneticamente ou guarde uma relação causal específica com a «es­ preensível, isto é, por um modelo que leve cm consideração as
quizofrenia». motivações e os propósitos destes «pacientes psicóticos» e procure
Rclativamentc a toda esta problemática, pensamos que será in­ não esquecer o significado humano e existencial dos seus «sintomas».
teressante c apropriado destacar a autorizada pcrspectiva que Rose et Actualmcntc, após algumas décadas de aturada investigação, é
al. (1984) recentemente deram a lume: «Numa época anterior, psi­ válida a seguinte afirmação de Szasz (1977): «Muito embora possa­
quiatras e neurologistas resolveram subdividir as perturbações men­ mos ter montes de factos novos sobre neuroquímica e psicofarmaco-
tais em “orgânicas” e “funcionais”. [...] logia, não temos nenhum sobre a esquizofrenia.»
«Mas uma tal distinção não é aceitável para o materialismo feroz Chegados aqui, parece-nos pertinente lembrar um comentário de
e dominante da psiquiatria contemporânea. Se há uma mente cm Wcincr (1983), a propósito da investigação ncurobiológica da «esqui­
desordem, ela deve estar associada a um qualquer tipo de aconteci­ zofrenia»: «A informação revista, contudo, revela outra falácia comum
mento fora de ordem, moléculas ou células, no cérebro. A tese re- na investigação da esquizofrenia — o papel da moda na determina-
ção da investigação e da formulação de hipóteses. Como Snydcr et Capítulo VII
al. (1974) salientam: Por que razão teria a natureza decidido infligir
a “anomalia esquizofrénica” precisamente na substância química
específica que o investigador que propõe a teoria está mais habilita­
do a medir?»
Que «base genética» para
a «esquizofrenia»?

Nestas condições, atribuir uma fraeção da organi­


zação final à hereditariedade e o resto ao meio
não faz sentido. É como perguntar se o amor de
Romeu e Julieta é de origem genética ou cultural.
1. Introdução
Os achados da «genética psiquiátrica» tem sido frcqucntcmcnte
utilizados por investigadores c por psiquiatras clínicos como um forte
argumento a favor da «origem hereditária» da «esquizofrenia» e como
prova indiscutível da racionalidade das teorias que atribuem a esta
«perturbação mental» o estatuto de «entidade nosológica» específica
e bem diferenciada com uma (muito provável) «base orgânica».
Em primeiro lugar, pensamos que c preciso salientar que a falta
de critérios externos fiáveis para a validação do diagnóstico clínico
de «esquizofrenia» tem colocado os investigadores desta matéria na
posição algo curiosa de terem que investigar a «base genética» de
uma «doença» sem saberem com segurança a que se referem quan­
do falam a respeito dessa mesma «doença». Sc é verdade que inves­
tigadores c psiquiatras clínicos tem sido capazes de chegar a acordo
entre si rclativamcntc à definição convencional da «esquizofrenia»,
não podemos csqucccr-nos, no entanto, que estas «entidades conven­
cionais» (') são muitas vezes conceptualizadas como «coisas reais c

(') Cf., por exemplo, Report o f íhe International Pilot study of «Schizophrenia».
(Estudo-Piloto Internacional da Esquizofrenia), vol. l, «Results o f the Initial Evaluation
Phase», p. 10, World Health Organizalion (Genebra: Organização Mundial de Saúde,
objectivas», um modo enganador de pensar que leva frequentemente genético quer uma transmissão de tipo cultural (não genética), os
à distorção da análise e da interpretação do significado dos achados resultados dos estudos cm consanguíneos não constituem prova con­
fornecidos pela investigação. clusiva da transmissão genética da «esquizofrenia» (Kinney, 1983).
E evidente que os resultados notáveis (?!) obtidos por investiga­
dores «pioneiros», no campo da genética psiquiátrica (v. g. os estudos
2. Revisão crítica das investigações de famílias e gémeos realizados por Kallmann, 1938) foram altamente
sobre a «genética» da «esquizofrenia» «contaminados» por erros metodológicos; tais resultados têm sido
repetidamente infirmados por programas de investigação mais recen­
Com o correr dos anos foram utilizadas várias estratégias de inves­ tes e sofisticados e as nossas concepções actuais sobre a «transmis­
tigação para identificar o papel da transmissão de «factores genéticos» são genética» da «esquizofrenia» são muio menos simplistas e ingé­
na etiologia da «esquizofrenia», a saber: o método do estudo de famílias nuas do que as teorias vigentes há quarenta ou cinquenta anos atrás.
ou consanguíneos, o método da gcmeologia, o método dos estudos Ao escrever sobre a história da genética psiquiátrica, Gershon diz
de adopção, linkage e marcadores genéticos, bem como o estudo de (1981): «O primeiro trabalho importante de F. Kallmann, publicado
indicadores biológicos da «esquizofrenia». após a sua chegada aos Estados Unidos, foi um estudo de famílias
Ao falarmos deste assunto, não podemos deixar de reconhecer que de esquizofrénicos que englobou 13 851 familiares de 1087 doentes
muito mudou desde os tempos «heróicos» de Riidin, Kallmann e internados num hospital de Berlim durante um período de dez anos,
Luxemburger, relativamcnte às metodologias de investigação e às teorias no qual ele calculou as prevalências das diferentes formas de esqui­
que procuram conceptualizar o papel dos «factores genéticos» na zofrenia nos familiares dos doentes, em comparação com a popula­
«esquizofrenia». Como dizem Reveley e Murray (1980): «Muitas das ção geral. O valor calculado na população geral (0,85%) foi muito
críticas metodológicas e ambientalistas foram assimiladas pelos ge- inferior ao valor obtido nos familiares dos doentes (16,4% para os
neticistas e levaram a um aperfeiçoamento considerável dos estudos filhos c 11,5% para os irmãos). Isto implicava a natureza hereditária
de famílias e gémeos, incluindo a observação de gémeos educados da esquizofrenia, embora a transmissão cultural desta doença não fosse
scparadamcnle. Para além disto, foi introduzida a estratégia dos es­ rejeitada até aos estudos de adopção realizados uma geração depois
tudos de adopção de modo a separar-se o papel dos genes e do por autores dinamarqueses e norte-americanos.»
ambiente através do estudo de indivíduos que receberam os seus genes Sem querermos negar a evidente superioridade metodológica destes
de determinados progenitores, mas foram educados por pais adopli- últimos estudos (Kcty et al., 1971; Roscnthal et al., 1971), relativa-
vos.» mente à investigação pioneira de F. Kallmann, gostaríamos também
Os estudos de famílias apenas revelaram que a «esquizofrenia» de dizer aqui que tais estudos não podem ser aceites, em nossa opinião,
pode ocorrer de forma familial. Muitos factos, da saúde aos hábitos como prova definitiva a favor do papel de «factores genéticos»
alimentares, ocorrem nas famílias sem que nisso haja qualquer de­ específicos na etiologia da «esquizofrenia».
terminismo genético, pois as famílias partilham genes e cultura Na verdade, se considerarmos, para começar, o estudo que inclui
(ambiente psicológico). Uma vez que os diferentes aspectos da aqui­ os filhos de doentes esquizofrénicos que foram separados de seus pais
sição do comportamento implicam quer uma transmissão de tipo e adoptados por outras famílias, lorna-se claro que a diferença entre
as crianças adopladas do grupo experimental (filhos de «esquizofré­
nicos») c as crianças adoptadas do grupo de controlo (filhos de pais
1973). Os autores deste estudo enunciam quatro características, a que chamam «crité­ biológicos «normais»), no que respeita à incidência de «esquizofre­
rios de inclusão», e que, quando observadas ou atribuídas a uma pessoa por um psi­
nia», só é estatisticamente significativa, se incluirmos, no grupo de
quiatra, permitem o «diagnóstico» de «esquizofrenia», a saber: (1) Delírio. (2) Com­
portamento impróprio ou anormal. (3) Alucinações. (4) Perturbação psicomotora 76 crianças adoptadas do grupo experimental, 24 crianças cujos pais
grave. biológicos foram diagnosticados como doentes «maníaco-depressivos»
ou como doentes psiquiátricos com uma variedade de perturbações les indivíduos tinham sido mesmo educados em instituições. O facto
que não pertenciam ao «espectro da esquizofrenia». de se nascer de uma mãe «esquizofrénica» internada num hospital psi­
Lidz et al. (1981) chamam a nossa atenção para este ponto quan­ quiátrico é, muito provavelmente, prejudicial à futura adaptação da
do escrevem: «Se excluirmos dos resultados da investigação estes 13 criança ao «mundo social», isto por uma variedade de razões (físicas
progenitores não esquizofrénicos (os progenitores que foram previa- c psicosociológicas) que têm muito pouco a ver com os hipotéticos
mente diagnosticados como doentes maníaco-depressivos) e os seus genes da «esquizofrenia».
6 filhos do grupo experimental (que receberam o diagnóstico de “per­ É interessante notar que o grupo experimental de Heston conti­
turbações do espectro da esquizofrenia”), a diferença entre o grupo nha também um número significativamente mais elevado de «socio­
experimental e o grupo de controlo deixa de ser estatisticamente sig­ patas» e «atrasados mentais» em comparação com o grupo de con­
nificativa 2,079, d f= l, teste unilateral p=0,075, n. s.). A inclu­ trolo (9/2 e 4/0, respcctivamente) — na nossa opinião, em vez de
são dos 11 progenitores do grupo experimental com diagnósticos muito termos de postular uma hipotética «diátese comum» para a «esqui­
pouco definidos (os investigadores não conseguiram chegar a um acordo zofrenia» e «sociopatia» (isto sem dizer nada acerca da «deficiência
quanto ao diagnóstico a atribuir) torna ainda mais obscuros os resul­ mental»), teria sido mais razoável atribuir estas interessantes diferen­
tados da investigação. Com a exclusão do grupo experimental dos 13 ças ao facto de as crianças adoptadas do grupo experimental se te­
progenitores com psicoses maníaco-depressivas e dos 11 progenito­ rem desenvolvido em condições menos favoráveis (incluindo o período
res com diagnósticos indefinidos, nenhum dos quais deveria ser in­ de vida inlra-utcrina), o que pode ter contribuído para a sua maior
cluído num estudo de crianças adopladas filhas de progenitores es­ susceptibilidade a adoecer com uma variedade de «perturbações psi­
quizofrénicos, a diferença entre os grupos experimental e de contro­ quiátricas» (Wolkind, 1979).
lo não chega mesmo a aproximar-se da significância estatística Não podemos esquecer que o filho de uma mãe «esquizofréni­
(Xz = 0>92, d f= 1, teste unilateral p > 0,5, n. s).» ca» pode muito bem ter de enfrentar os seus pais adoptivos (e o mundo
Este estudo não consegue, portanto, replicar os achados de Heston cm geral) «com um corpo franzino» (Humphrcy, 1980) para além do
(1966, 1970), que foram amplamcntc aceites como prova substancial seu «pouco invejável» pedigree.
a favor das hipóteses deste autor, que considerou a «esquizofrenia» É interessante notar, a este respeito, que um dos 5 «esquizofré­
como uma «perturbação csscncialmcntc genética» e sugeriu a exis­ nicos» adoptados do grupo experimental do estudo de Heston tam­
tência de uma chamada «diátese comum» para a «esquizofrenia» e bém tinha sido diagnosticado como «deficiente mental», muito tem­
«sociopatia». po antes do início da sua «doença esquizofrénica», tendo-lhe sido
Heston estudou 47 crianças que, no decurso dos primeiros meses atribuído um Q.I. de 62.
de vida, tinham sido permanentemente separadas das suas mães Smith (1980) chama a nossa atenção para este tipo de problema
«esquizofrénicas» hospitalizadas c comparou-as com 50 crianças filhas quando diz: «Tratei recentcmcnte da adopçâo do filho de uma esqui­
de mães não «esquizofrénicas» das quais tinham também sido sepa­ zofrénica de dezasseis anos de idade, cuja avó tinha também sofrido
radas numa idade muito precoce. Verificou que 5 crianças filhas de de esquizofrenia. As assistentes sociais explicaram-me que os pais
mães «esquizofrénicas» se tinham tornado também «esquizofrénicas» adoptivos tinham direito a serem informados sobre as origens da
cm contraste com nenhuma do grupo de controlo, e o seu grupo criança, e eu concordei em encontrar-me com eles. Foram feitas
experimental incluía também 9 «sociopatas» (grupo de controlo-2), perguntas acerca de hereditariedade da esquizofrenia e mesmo sobre
13 «neuróticas» (grupo de controlo-7) c 4 indivíduos «atrasados men­ os sinais que deveriam ser procurados durante a adolescência no caso
tais» (grupo de controlo-0). infeliz de a criança vir a apresentar a mesma doença. Compreendi
No entanto, os indivíduos do grupo experimental que Heston es­ que a criança entrava nesta família transportando já consigo um passado
tudou eram filhos de mães «esquizofrénicas» hospitalizadas, facto que de esquizofrenia, e que seria observada atentamente, toda a sua vida,
pode ter inviabilizado condições de adopçâo favoráveis, e alguns des- tendo cm vista saber se a sua tara hereditária se traduziria cm anor-
malidadc. Qual é a influência destes factos nos estudos de adopção qualquer história psiquiátrica tinham melhores aptidões sociais gene­
feitos no Orcgon e na Dinamarca (Gottesman, 1978), que eu julgava ticamente determinadas, tais como melhor aparência física, maior
constituírem prova irrefutável da esquizofrenia ser herdada por inteligência, maior capacidade atlética e/ou outros talentos susceptíveis
mecanismos genéticos? Se houve, nestes estudos, transmissão de de facilitar uma adaptação social óptima no contexto da cultura oci­
informações aos pais adoptivos sobre a história familiar das crian­ dental [...]. Uma vez que o estudo não conseguiu uniformizar as famí­
ças adoptadas, como pode ocorrer neste país, terá isso invalidado o lias biológicas dos grupos experimental e de controlo quanto às aptidões
objcctivo da investigação, que era separar as influências genéticas das sociais de base genética, poderia muito bem suceder que as crianças
influências ambientais rclativamcnle às crianças estudadas?». adoptadas do grupo de controlo sem história psiquiátrica proviessem
O estudo escandinavo de Fischcr (1973), ao revelar que a taxa prcfcrencialmente de famílias das classes média e superior, com heran­
de incidência da «esquizofrenia», corrigida para a idade, na descen­ ça genética favorável, que concordassem com a adopção dos seus filhos,
dência de qualquer um dos gémeos monozigólicos (MZ), de um par após gravidezes precoces e ilegítimas, enquanto as crianças do grupo
discordante para a «doença», era idêntica (10%), permite concluir que experimental teriam tendência a ser adoptadas por motivo de situações
a transmissão de tipo genético não é suficiente para explicar os casos sociais mal estruturadas caractcrísticas de famílias com menos apti­
de «esquizofrenia» verificados cm tais descendências. dões genéticas (c ambientais) no que respeita à adaptação social. No
As pretensões dos autores do segundo estudo americano-dinamar­ entanto, esta formulação, tal com o a interpretação genética, falha cm
quês (Kcty et al., 1971) a lerem provado, para além de qualquer dúvida virtude de não se encontrarem diferenças entre os grupos experimen­
razoável, «a base genética da esquizofrenia» foram também adequa- tal c de controlo. Assim, a controvérsia permanece num impasse.»
damente questionadas por alguns investigadores. Bcnjamín (1976), por Pode dizcr-sc que a mesma situação de impasse existe no que
exemplo, escreve a este respeito: «neste estudo verificou-se uma se refere aos achados até agora obtidos através dos estudos de gé­
diferença altamente significativa entre os grupos experimental c de meos. Quer as críticas teóricas quer a investigação empírica demons­
controlo na categoria dos irmãos consanguíneos, c não se verifica­ tram claramcnte que os estudos de gémeos inicialmcntc realizados
ram diferenças claras nas categorias dos irmãos germanos c dos pro­ produziram resultados que sobrestimavam, cm larga medida, o papel
genitores. Este achado é peculiar e contraditório. Mostra, de facto, dos «factorcs genéticos» na «esquizofrenia». Investigações mais re­
que quanto menor é a consanguinidade maior é o efeito genético. As centes, que procuraram evitar os erros da amostragem não represen­
diferenças deveriam ser mais ténues, e não mais marcadas, na cate­ tativa c do diagnóstico incerto da zigosidade, chegaram a índices de
goria dos irmãos consanguíneos». concordância nos gémeos MZ consideravelmente mais baixos no que
No mesmo artigo, Bcnjamín salienta outra questão muito inte­ respeita à «esquizofrenia».
ressante que, na nossa opinião, tem muito a ver com os problemas Em síntese, ainda que a maior concordância para a «esquizofre­
metodológicos levantados pelos estudos comparativos dos grupos nia» nos gémeos MZ não seja um artefacto, o seu significado é
experimental c de controlo no campo da «genética psiquiátrica». complexo e discutível. A única conclusão definitiva, dada a laxa de
A este respeito, ela escreve: «Embora os pressupostos da interpreta­ concordância para os gémeos MZ de cerca de 50%, é que os facto­
ção dos autores implicassem que as diferenças estavam associadas à rcs ambientais devem desempenhar um importante papel (Kinncy,
existência de genes deletérios (isto é, destrutivos, dcfcctivos, induto­ 1983). A este respeito, Jackson (1960) salientou o ambiente singular
res de doença) no grupo experimental, é igualmente possível que as e a psicologia específica dos gémeos MZ, que são frcqucntcmcntc
diferenças observadas pudessem estar associadas à existência de genes vestidos de igual modo, confundidos na sua identidade, tratados como
benéficos (isto é, construtivos, superiores) no grupo de controlo. Por «os gémeos» c não individualmcntc, e partilham experiências comuns
exemplo, aqueles que pensam que a esquizofrenia é uma solução social (Koch, 1966). Também um ambiente pré ou pcrinatal semelhante pode
desadaptativa para os problemas postos pela existência poderiam conLribuir para explicar a mais elevada taxa de concordância dos
argumentar que as crianças adoptadas do grupo de controlo sem gémeos MZ. Nos pares de gémeos MZ discordantes para a «esqui­
zofrenia», as complicações obstétricas são significativamente mais fre­ «Low platclct monoaminc oxidase and vulnerability to schizophrcnia»
quentes no gémeo «esquizofrénico» (Mc Ncil e Kaij, 1978; Pollin e (Wyatt et al., 1975); «Substrate-typic changes o f platclct monoaminc
Stabcnau, 1968). Estudos que não envolveram gémeos também assi­ oxidase aclivity in subtypcs of schizophrcnia» (Dcmish et al., 1977);
nalaram um índice de complicações obstétricas mais elevado nos «Residual performance déficit in clinically remitted schizophrenics:
doentes «esquizofrénicos» que nos controlos que incluíram irmãos «nor­ a marlcer for schizophrenial» (Asamow, 1978).
mais» (Mc Ncil c Kaij, 1978) e crianças adoptadas (Jacobsen e Kinncy, Em nossa opinião, as investigações sobre linkage e indicadores
1980). Os gémeos MZ, quando comparados com os DZ, apresentam biológicos (genéticos) da «esquizofrenia» dão azo a especulações sobre
um certo número de problemas de desenvolvimento, incluindo baixos o papel «predisponente» ou «precipitantc» dos níveis enzimáticos
pesos ao nascerem (Atraso de Crescimento Inlra-Utcrino), elevadas alterados, viciados pelo princípio de que tal alteração depende cxclu-
taxas de mortalidade infantil, c morbilidade pcrinatal aumentada sivamente do controlo genético. Ora, há indicações que sugerem que
(Campion e Tucker, 1973). Uma vez que, no estudo dos gémeos, há os níveis enzimáticos no cérebro e no organismo podem ser altera­
fontes de erro que tornam problemáticas as comparações entre os dos pela experiência social precoce (Hcnry et al., 1971; Stone et al.,
gémeos MZ e os DZ c que não podem ser resolvidas (v. g. o reportório 1976). Mesmo um erro metabólico como o que ocorre na fenilcclonúria,
genético de cada um dos gémeos MZ de um par difere cm função para se manifestar fenotipicamcnte (clinicamcntc) necessita que a
da extensão das diferenças em induções ambientais e no tirning das fcnilalanina esteja presente na dieta. Por outras palavras, o defeito
activações de tais induções durante os períodos críticos do desenvol­ cnzimático na fenileetonúria «predispõe» à doença, mas não é sufi­
vimento — pré c pcrinalais), fica claro que os gém eos MZ c DZ não ciente para a sua ocorrência. Assim, uma eventual descoberta de um
representam uma «experiência natural» perfeita. possível defeito cnzimático na «esquizofrenia» não significará neces­
Sc é verdade que o segundo estudo americano-dinamarquês (Kety sariamente que tal defeito ou variação seja determinada geneticamente
et al., 1971) soube obviar muitas das limitações ora citadas — nesse ou guarde uma relação causal com a «esquizofrenia». Aliás, nesta
estudo, a maioria dos filhos de pais «esquizofrénicos» foi adoptada perspectiva, não se transmitem «doenças» enquanto tais, mas sim e
antes do «surto psicótico» dos progenitores, o que eliminou não só o só «predisposições», cuja manifestação fcnotípica depende do concur­
factor ambiental (pré e pcrinatal) consequente à doença do progeni­ so de factorcs ambientais.
tor como também a crítica ao estudo de Hcston sobre a influência A despeito de a maioria dos autores concordar que não há uma
que o conhecimento da «doença mental» da mãe biológica teria na transmissão genética de tipo modeliano simples para a «esquizofre­
«doença» da criança adoptada —■, não é menos verdade que esse estudo nia» (Stone et al., 1976; Kidd c Cavalli-Sforza, 1973; Matthyssc c
levou aos resultados contraditórios que assinalámos e é limitado pelas Kidd, 1976; Shiclds et al., 1975; Slatcr e Cowic, 1971), não há qualquer
críticas que faremos na «conclusão». acordo quanto ao hipotético modo de transmissão genética desta
Quanto aos indicadores biológicos para a «esquizofrenia» e à «doença», sendo admitidos os modelos mais díspares:
ligação entre a «esquizofrenia» c um hipotético «marcador genético», a) Teoria monogénica ou monofactorial, nas versões que admitem,
o que seria um dado favorável ao papel de um «factor genético» na respcctivamcnte, (i) um gene recessivo, modificado ou não por poli-
etiologia da «esquizofrenia», os estudos até agora empreendidos neste genes, sendo os heterozigotos «esquizóides» (Heston, 1970; Kallmann,
domínio, por vários autores, não permitem elucidar se são marcado­ 1953): (ii) um gene dominante, segundo Porter e Landis; ou ainda
res de alclos discretos susceplíveis de predispor à «esquizofrenia» ou (iii) um gene de hereditariedade intermédia (Kidd c Cavalli-Sforza,
efeitos pleiotrópicos (Kety c Kinncy, 1981; Kinncy, 1983). 1973);
Destacamos, entre outros, os seguintes estudos: linkage entre as b) Teoria bifaclorial (Karlsson, 1966; Matthyssc e Kidd, 1976);
perturbações do «espectro esquizofrénico» e os genes responsáveis pelos c) Teoria poligénica ou multifactorial (Kidd e Cavalli-Sforza, 1973),
antigenes HLA de histocompatibilidadc (Turncr, 1979); «Dcviant eyc com duas grandes correntes: (i) a que não aceita os indivíduos
tracking in twins discordant for psychosis» (Holzman et al., 1980); «esquizofrénicos» como doentes, mas sim como pessoas que por razões
várias, ainda que de ordem biológica, são incapazes de se adaptar ou Paralelamente a toda esta história, fez-se correr uma outra sobre
são extremamente sensíveis a determinados stresses; e (ii) a que en­ investigações na chamada «Psicose Maníaco-Depressiva», levadas a
cara a «esquizofrenia» como uma «doença» do tipo «psicossomático» cabo na população Amish (seita religiosa endogâmica dos EUA) c que
(Wcincr, 1983) — qualquer delas afirmando que a «esquizofrenia» procuravam responsabilizar um locus do Cromosoma 11 (Egland et
não se adapta ao padrão mendeliano de transmissão, no qual os gémeos al., 1987). Ora, sucede que os estudos de replicação, mais uma vez,
MZ são 100% concordantes para os caracteres em causa; não confirmaram a tese primitiva (Kelsoe et al., 1989).
d) Teoria da heterogeneidade genética de Erlenmeyer-Kimling, Poder-se-á, contudo, perguntar cautclarmcnte: e se for mesmo al­
de 1968, que encara a «esquizofrenia» como uma colecção heterogénea gum dia descoberta «a» causa genética da «esquizofrenia»? Bom, quan­
de entidades derivadas de «erros genéticos» diferentes e independentes to a nós, seria uma «grande» descoberta, caso se demonstrasse tra­
(cf. Wcincr, 1983). tar-se da causa suficiente. Ainda assim, paralclamentc à transmissão
Vivem os numa sociedade dominada pelo que poderíamos chamar da cor dos olhos e da cor e textura do cabelo, etc., que são indubi­
Projcclo Utópico de Normalização (cf. Cunha-Oliveira, 1989), cm que tavelmente «genéticas», o que haveria a concluir daí? Poderá algum
toma um peculiar relevo nas explicações científicas c cm que toma dia suceder que se tenha de falar da Doença dos Olhos Castanhos?
particular importância aquilo que se vem entendendo por Genética Nestas condições, c como diria o biólogo c gcncticista francês
(Rose et al., 1984). Há cerca de quatro anos, uma campanha mais François Jacob (1970), Prémio Nobcl da Medicina e Fisiologia,
ou menos sensacionalista de âmbito mundial anunciou, triunfante, a poderíamos dizer: «atribuir uma fraeção da organização final à here­
«descoberta» do «gene» da «esquizofrenia», a publicar proximamente ditariedade e o resto ao meio não faz sentido: é como perguntar se
na revista Nature — campanha que, pelo seu aspecto «libertador» das o amor de Romeu e Julicta é de origem genética ou cultural». Pen­
consciências, rapidamente contaminou jornais regionais c de paróquia. samos que a muito improvável demonstração de uma causa genética
O caso é que, como na ocasião apurámos, não havia ainda qualquer suficiente da «esquizofrenia» estaria, ainda assim, à mercê de pres­
aval da referida revista para publicar o famoso artigo. Mais tarde, c supostos políticos e projcctivos (de tipo racista) que encarassem essas
finalmcnte, o artigo surgiu, subscrito por Hug Gurling c sua equipa, características genéticas como indesejáveis. Em certo sentido, quase
sob o título Localization o f a Susceptibility Locus for Schizophrenia tudo cm Biologia depende da Lei das Probabilidades, tautologicamcnte,
on Chromosome 5 (Shcrrington et al., 1988). Curiosamente, esse artigo pelo que, em tudo o que biologicamente sucede, surge sempre alguém
termina numa página da Nature onde começa um outro, agora cha­ a decidir do que é «bom» (bonito) ou «mau» (feio).
mado Evidence Against Linkage of Schizophrenia to Markers on Sob uma onda fatalista e deseperada, que propaga a mística do
Chromosome 5 in a Northern Swedish Pedigree (Kcnncdy et al., 1988), Uomo Morbidus, sucumbem os pacientes, as suas famílias e a própria
da equipa de Kidd. Ainda mais estranho, a Nature fez publicar, cm sociedade, submersos todos numa nova espécie de Pecado Original
Maio de 1989, um novo artigo sobre o assunto, intitulado No Lin­ (o «defeito genético») e numa nova espécie de Pecados Veniais e
kage o f Chromosome 5 q / / -q 13 Markers to Schizophrenia in Scot- Mortais (os «erros alimentares», o hábito de fumar e de beber, c todas
tish Families (Clair et al., 1989), corroborando a opinião de Kidd. aquelas pequenas coisas que dão conteúdo e quiçá justificação à
Já quanto a estes dois últimos artigos o comportamento dos mass existência humana — o sal da vida).
media foi totalmentc diferente: silencio absoluto! Pcrdcu-se, assim, a
oportunidade de desagravar, quer a ideia que os psiquiatras c outros
profissionais de saúde mental são treinados a fazer sobre a «esqui­
3. Da «vulnerabilidade» e do «prognóstico»
zofrenia» quer a situação c o estatuto social dos «esquizofrénicos» —
tão maltratados pela ideia, generalizada, de que são «portadores», não na «esquizofrenia»
de uma Psicologia Alternativa (Cunha-Oliveira, 1989), mas de uma
Tara Genética: uma Maldição. Sendo discutível a transmissão genética da «esquizofrenia», uma
falaciosa interpretação da noção de hereditariedade, entendida sob o
signo de uma mística fatalista e desesperada, e uma visão pouco A noção de capacidade, virtualmente liberta de conotações pe­
sofisticada sobre a influência dos «mecanismos» e dos «factorcs jorativas, não implica um maior risco ou «vulnerabilidade» para a
genéticos» no aparecimento das «perturbações psiquiátricas» podem «esquizofrenia», mas tão-só uma maior probabilidade (isto é, uma
levar a ideias simplistas e pouco desejáveis em relação àquilo que capacidade ou predisposição específica) para apresentar determinados
venha a ser um «diagnóstico», uma «acçâo terapêutica» e um «sintomas» que são utilizados para o «diagnóstico» de «esquizofre­
«prognóstico», muitas vezes com nefastas consequências para o nia», pelo que o traço geneticamente transmitido não necessita de ser
«doente», sua família c, até, para a sociedade cm geral. Tais precon­ anormal ou directamcnle patogénico, podendo representar apenas uma
ceitos constituem um handicap que imporia não ignorar, sendo ne­ variante normal (Gaussiana). Segundo este modelo, os traços multi-
cessário desmontar alguns dos erros a que pode conduzir uma sim­ potenciais podem levar quer a uma desadaptação quer a uma exce­
plificação tão abusiva como a oposição entre um comportamento lente adaptação, dependendo das influências ambientais.
«inato», devido à acçâo dos genes, c um comportamento «adquiri­ Em conformidade com a multipotcncialidadc dos traços transmi­
do», devido à acçâo do meio. Esta dissociação, que é frequente mente tidos geneticamente, Karlsson (1970), ao estudar a relação entre a
levada ao extremo de uma dicotomia simplista, vigora há já bastante «criatividade» e a «esquizofrenia», verificou que não só as pessoas
tempo, mas continua a ter larga aceitação na actualidadc. definidas como «criativas» tinham significalivamcntc mais consan­
Uma vez que, para a «esquizofrenia», não era óbvia uma trans­ guíneos do l.° grau diagnosticados com «esquizofrenia» como também
missão genética directa, aceitou-se que fosse transmitida uma «pre­ os doentes «esquizofrénicos» tinham significativamente mais consan­
disposição» ou «tendência» para a sua manifestação fenotípica. Esta guíneos do l.° grau definidos como «criativos», isto cm comparação
«diátese» tem sido referida de forma distorcida na literatura psiquiátrica com a população geral cm ambos os casos.
como uma «vulnerabilidade» (isto é, fraqueza ou deficiência). De entre as interpretações equívocas sobre a hereditariedade (v. g.
Entre as várias teorias acerca da «vulnerabilidade», podemos a confusa distinção entre hereditário e congénito, a aceitação de bases
destacar o conceito de «fragilidade esquizotrópica», apresentado por genéticas simplistas para as semelhanças com os progenitores e a
Zubin c Spring (1977), ao qual, obviamente, se aplicam todas as con­ aceitação pouco crítica da hereditariedade do adquirido), destaca-se
siderações por nós tecidas até aqui. a crença cm que nada ou muito pouco pode modificar uma condi­
O conceito de «vulnerabilidade», ao referir-se explicilamcnte a ção para a qual se descubra uma predisposição hereditária. Ora, as
uma «predisposição» (genética, ambiental, ou resultante da inte- afccçõcs hereditárias não são forçosamente inevitáveis nem lâo-pou-
racção de ambas) para o desenvolvimento de um processo anormal, co incuráveis; podem prevenir-se e podem responder ao tratamento,
tem implícitas as conotações pejorativas de traço indesejável e de sendo modificáveis por factores ambientais (v. g. dieta, exercício, edu­
estigma moral. Ora, o significado da palavra «diátese», ao contrário cação). É um erro profundo pensar que a noção de hereditariedade
do de «vulnerabilidade», não é unívoco, pois pode muito bem refe- implica ipso facto a de cronicidadc c/ou incurabilidade. Foi este
rir-se a uma «predisposição» hereditária favorável, nos termos das perigoso e paralisante sofisma que serviu de base às noções pré-men-
«possibilidades» globais de um indivíduo. Termo genérico este, no dclianas de «degenerescência» (B. A. Morei, V. Magnan) c de «es­
qual H. Piéron (1968) considera implícitas as noções de capacidade tigma» (B. A. Morei) e à separação dos «doentes mentais» em
(possibilidade de apresentar comportamentos específicos cm determi­ «curáveis» c «incuráveis», desenvolvida na Alemanha no século x ix,
nadas circunstâncias, elaborada ao longo da história pessoal) e de repercutida nos conceitos de «Dementia Praecox» (Kraepclin) e de
aptidão que «designa o substracto constitucional de uma capacida­ «Esquizofrenia» (na «fase tardia» de E. Bleuler) e no modo abusivo
de [...] que ela revela, indircctamcntc, mas depende de condições pré­ de fazer o seu diagnóstico e prognóstico. O prognóstico de cronici-
vias entre as quais jogam o grau de maturação — ou, em sentido dade, assim fundamentado, vigora cm obras clássicas c de larga
inverso, de involução — a formação educativa ou a aprendizagem e aceitação, como, por exemplo, o tratado de psiquiatria de Maycr-Gross,
o exercício». Slatcr e Roth. De facto, nas psiquiatrias Kracpcliniana-blculcriana-
-freudiana não havia lugar para a recuperação da «esquizofrenia» par, o probando e o seu irmão gémeo desenvolveram os seus sinto­
(E. Blculcr começou optimista e tomou-se pessimista, mas o seu filho, mas de forma independente e sem prévio conhecimento da «doença»
Manfred, seguiu a dirccçâo oposta). do outro irmão — apesar deste facto, verificou-se uma marcada
Tal prognóstico, negado pela observação suficicntementc prolon­ semelhança de sintomas dentro de cada par.
gada dos «doentes», pelas estatísticas, pelas «curas tardias», etc., foi Estes achados lembram-nos a estratégia de investigação que tem
criticado desde os primórdios da psiquiatria, sendo mais recenlcmente utilizado gémeos MZ educados separadamente, com o objectivo de
contestado como um «prognóstico destruidor» (Baruk), ao qual não separar de modo mais claro o papel dos factores genéticos e ambien­
é indiferente um «diagnóstico» de igual modo «destruidor» (Mennin- tais na «esquizofrenia». De facto, se encontrarmos um índice de
ger e Ellcnbcrgcr), pela estigmatização antiterapêutica do «doente», concordância notável num dado grupo de gémeos MZ com respeito
«condenado» a cumprir tal profecia ou vaticínio. ao diagnóstico clínico de «esquizofrenia», temos primeiro que ultra­
Tal como afirma Szasz (1977), a respeito deste problema: «seria passar a objecção de as semelhanças poderem resultar de um meio
mais corrccto atribuir a cronicidade a determinadas expcctalivas sociais ambiente muito parecido antes de podermos estar certos de que elas
(c também familiares, medicas e psiquiátricas) e a determinados arranjos se devem a factores hereditários. Esta foi também uma das falhas mais
institucionais do que aos males que eles originam». Expcctalivas essas óbvias nos estudos «pioneiros» de famílias levados a cabo por auto­
decorrentes, cm larga medida, de tais «diagnósticos» e «prognósticos». res como Riidin c Kallmann.
Em nosso entender, qualquer pcrspcctiva do ser humano que o O estudo dos pares de gémeos MZ separados numa idade muito
considere objccto de um determinismo genético corre o risco de ser precoce c educados longe um do outro pode ajudar a resolver este
unilateral e não levar cm linha de conta que ele é também portador problema, conjuntamcnlc com os estudos de crianças filhas de pais
de uma enorme plasticidade geneticamente conferida, que resulta na «esquizofrénicos» e educadas por pais adoplivos.
grande riqueza da diversidade que lhe é tão sui generis. O número conhecido de gémeos MZ educados separadamente e
concordantes para o diagnóstico de «esquizofrenia» é, no seu con­
junto, maior que o número conhecido de gémeos MZ que vivem
4. Conclusão separadamente c não são concordantes para esta mesma «perturba­
ção mental» (Kringlcn, 1967); de momento, no entanto, apenas se
Os índices de concordância actualmentc aceites (Kinncy, 1983) conhecem alguns casos que preenchem todos estes requisitos, pelo que
para a «esquizofrenia» nos gémeos MZ não são muito diferentes dos não podemos tirar quaisquer conclusões definitivas a respeito deste
obtidos no caso dos pacientes «neuróticos». Em relação à «neurose assunto. Por outro lado, não podemos esquecer que os pares de gémeos
ansiosa», por exemplo, Slater e Shiclds (1969) encontraram um índice são muitas vezes referidos (ou escolhidos para trabalhos de investi­
de concordância de 65% para os gémeos MZ c de 13% para os DZ. gação e posterior publicação) precisamente porque são concordantes
No caso da «neurose obsessiva», Carcy (1978) publicou um estudo para a «esquizofrenia»; em séries constituídas de modo sistemático
de uma série consecutiva de 12 probandos com «neurose obsessiva» os pares discordantes parecem ser muito frequentes.
que recorreram ao Hospital Maudslcy c que tinham irmãos gémeos Um exame detalhado das biografias destes «doentes» (pares de
MZ. Seis destes 12 irmãos gémeos MZ tinham também sido tratados gémeos MZ educados separadamente e concordantes para a «esqui­
de «queixas nervosas» — destes seis, três tinham traços obsessivos zofrenia») mostra, no entanto, que a maioria dos pares de gémeos,
bem definidos e dois apresentavam possíveis traços obsessivos. Pelo embora educados separadamente cm diferentes «ambientes físicos»,
contrário, apenas um dos irmãos gémeos DZ de uma outra série de foram de facto sujeitos a condições sociocullurais e emocionais muito
12 probandos com «neurose obsessiva» era também obsessivo. Mc semelhantes — muitos deles cresceram cm orfanatos ou foram edu­
Guffin e Mawson (1980) descreveram também dois pares de gémeos cados por parentes dos seus progenitores cm situações sociocconómicas
MZ concordantes para o diagnóstico de «neurose obsessiva»: cm cada igualmente insatisfatórias.
Parece, portanto, que os investigadores que primeiramente estu­ quando escreve: «Não há, no entanto, genes esquizofrénicos ou, de
daram os gémeos MZ educados separadamente aceitaram, de modo igual modo, genes neuróticos [...] não penso que os factores ambien­
bastante pouco crítico, os seus achados como prova irrefutável do tais operem como um mecanismo desencadcante para a esquizofre­
significado decisivo da «hereditariedade» na etiologia da «esquizo­ nia; mais provavelmente, o desenvolvimento esquizofrénico terá que
frenia». ser considerado como o resultado da combinação de factores endógenos
Na nossa opinião, apenas teríamos o direito de atribuir um papel c exógenos, numa interaeção evolutiva [...] o estudo da esquizofre­
etiológico significativo aos factores genéticos se pudéssemos encontrar nia deverá ser associado ao estudo do desenvolvimento da persona­
pares de gémeos MZ concordantes para a «esquizofrenia» que tivessem lidade normal. A solução do chamado enigma da esquizofrenia não
sido separados no início da infância e educados cm condições fami­ resultará, falando de um modo genérico, de uma mera descoberta
liares muito diferentes mas emocionalmente sadias. Ou, ainda, se pudés­ bioquímica, visto não haver explicações bioquímicas simples para as
semos encontrar uma concordância para a «doença» significativamente variações do nível intelectual, da estatura, do peso, da pressão san­
maior cm irmãos consanguíneos filhos de pais «esquizofrénicos» c guínea, ou para a maior ou menor predisposição para a epilepsia. Parte
adoptados prccoccmcnte, do que cm irmãos consanguíneos filhos de da solução poderá muito bem ser encontrada num futuro próximo,
pais «normais» c de igual modo adoptados prccoccmcnte, educados possivelmente através de uma investigação meticulosa no campo das
cm ambos os casos cm condições emocionais estáveis. Estes estudos, ciências sociais. Aqui residem, portanto, as nossas esperanças [...1
evitando os factores obstétricos inerentes aos irmãos uterinos c aos relativamcnte a uma prevenção social.»
irmãos germanos, necessitariam, para que fossem conclusivos, não só A hereditariedade poligénica não pode ser estabelecida pelo método
que a incidência de «esquizofrenia» não diferisse significativamente genealógico (estudo dos pedigrees) nem tão-pouco por métodos es­
entre os irmãos consanguíneos e os irmãos uterinos, como também tatísticos, como afirmam Feldman e Lcwontin (1975), ao escreverem
que houvesse uma diferença significativa entre os grupos experimental sobre o conceito de «hereditabilidade»: «Há uma grande perda de
e de controlo, quer nas categorias dos irmãos consanguíneos quer nas informação quando passamos de uma máquina complexa para alguns
categorias dos irmãos germanos e dos progenitores, o que não suce­ parâmetros descritivos. Na verdade vcrifica-sc uma grande indetermi-
deu até agora. Também os estudos de linkage e de possíveis indica­ naçâo quando tentamos inferir a estrutura da máquina a partir daque­
dores biológicos (genéticos) se revestem do maior interesse neste las escassas variáveis descritivas, elas próprias sujeitas a erros. É como
capítulo. se tentássemos inferir a estrutura de um relógio pela audição do seu
Tendo cm vista as provas pouco concludentes produzidas até agora tic-tac ou pela observação dos seus ponteiros.
pelos estudos mais bem concebidos e controlados respeitantes ao papel «De momento, não existe metodologia estatística que nos permi­
da hereditariedade na «esquizofrenia», e tomando cm linha de conta ta predizer a gama de possibilidades fcnotípicas inerentes a qualquer
o facto de que achados semelhantes foram obtidos no caso de per­ genólipo, nem podem as técnicas de avaliação estatística oferecer-nos
turbações mentais «compreensíveis do ponto de vista psicodinâmico» um argumento convincente a favor de mecanismos genéticos mais
(tais como a «neurose ansiosa» e a «neurose obsessiva»), julgamos complicados que um ou dois loci mendelianos com uma pcnctrância
que é razoável considerar (pelo menos até ao momento actual) a «base baixa c constante. Ccrlamcnte a avaliação da hereditabilidade, quer
genética da «esquizofrenia» como uma predisposição poligénica no sentido lato quer no sentido estrito, mas mais espccialmcntc no
rclativamcntc fraca e incspccífica com a eventual participação de genes sentido lato, é praticamcntc equivalente a não obtermos qualquer
plciotrópicos (multipolenciais), que permite que o meio ambiente exerça informação a respeito dos problemas mais importantes da genética
uma considerável influencia e seja, cm última análise, muito mais humana.»
rcvclantc de um ponto de vista heurístico — como acontece, por Os «esquizofrénicos» podem muito bem estar subjugados (c em
exemplo, no caso dos «pacientes neuróticos». grande parte explicados) por mecanismos cerebrais anormais com uma
A este respeito, pensamos que é apropriado citar Kringlcn (1967) origem genética c nós podemos estar muito enganados nos nossos
pontos dc vista relativos a esta «perturbação mental». Na nossa opinião,
no entanto, esta categoria de «doença» e os seus possíveis «meca­ Capítulo VIII
nismos etiopatogénicos» ainda não foram dc todo elucidados c, embora
tudo o que ocorre no reino animal tenha que ter uma inelutável
«predisposição originária», a longo prazo (partieularmente no que
respeita ao tratamento de pacientes «esquizofrénicos») o uso inteli­
Um «novo paradigma» para
gente do nosso ccrcbro pode vir a revelar-se mais eficaz c mais a «esquizofrenia»?
desejável para nós e sobretudo para os «pacientes», do que a sua dis­
secção anatómica ou o seu estudo bioquímico.
O amor e a consideração podem ser pelo menos tão importantes
para a espécie humana como os conhecimentos de «bioquímica ce­
rebral» e dc «genética psiquiátrica».

A mentalidade científica, porque pensa de modo


causal, é incapaz de «compreender para a frente»;
só entende as coisas «para trás». Mas este saber
só alcança uma metade da alma.
1. A «esquizofrenia» como forma de vida
A importância que temos vindo a atribuir à abordagem «ideo­
gráfica» do comportamento dos pacientes «esquizofrénicos» e à ela­
boração de uma «biografia» desses mesmos pacientes, como forma
de «compreender» os seus actos e vivências, implica que a «esqui­
zofrenia» se encontre, para nós, mais perto do que designamos por
«processo» (') ou «forma de vida» do que, propriamente, de um tipo
específico de «doença».
Manfrcd Bleuler (1978) escreveu: «De acordo com a concepção
actual, os esquizofrénicos mergulham nas mesmas dificuldades com
que todos nós nos debatemos ao longo da vida. Não obstante as
desarmonias, ambivalências ou ambitendências de todos nós, vamos
encontrando as formas c os processos de preservar a consciência dos
nossos próprios “egos” e de colocar o mundo em confronto com a

O A palavra «processo», aqui utilizada, tem o valor semântico «encadeamento de


factos vivcnciados» por determinado indivíduo, sem qualquer conotação filosófica com
igual termo, utilizado no contexto jaspersiano.
nossa vontade. Quanto mais formos capazes de reconhecer no “es­ existe que se assemelhe a uma evolução específica da esquizofrenia.
quizofrénico” um companheiro sofredor e um camarada-de-armas, mais Não há dúvida de que, desde há muito tempo, se vem subestimando
ele será vcrdadciramcntc um dos nossos. No entanto, por estarmos {trosseiramente a possibilidade potencial da esquizofrenia para melhorar.
habituados a ver na sua “inacessibilidade”, “inumanidade”, “diferen­ A luz dos estudos de follow-up continuado, aquilo a que se costu­
ça” ou “estranheza” uma herança patológica ou um processo dege­ ma chamar evolução da esquizofrenia mais parece um processo aberto
nerativo cerebral, afastamo-nos dele, mesmo involuntariamente. E como a uma vasta gama de influências das mais diversas naturezas, do que,
seria bom para o esquizofrénico que continuássemos a seu lado!» (Cf. propriamente, uma doença com uma determinada evolução. Como nos
Hare, 1979.) processos normais da vida, aquilo a que neste caso chamamos doen­
Noutro passo do mesmo livro, Manfred Blculcr chama-nos a ça pode representar, tão-somente, uma reacçâo complexa e variada a
atenção para que, «mesmo em pessoas saudáveis, existe uma certa uma situação global igualmente complexa de uma determinada pes­
tendência para uma vida psíquica esquizofrénica e que essa tendên­ soa, com as suas particularidades, sensibilidades e idiossincrasias,
cia talvez seja só um aspecto normal da natureza humana. Na reali­ estrutura de personalidade, padrões de comportamento e de comuni­
dade, isso tem sido verificado pela investigação no domínio da psi­ cação, experiências passadas e presentes [...]. Quando os encaramos
cologia do homem saudável: por debaixo do patamar da vida psíquica mais de perto e com mais vagar, não há praticamcnte nenhum dos
saudável (que permite adaptarmo-nos aos outros c ao mundo real), velhos dogmas sobre esta doença que se consiga manter em seguran­
existe oculta cm cada ser humano uma vida interior caótica que se ça. Assim, não poderá excluir-se a priori nenhuma abordagem que
desenvolve à margem da realidade. Esta vida interior ilógica e caótica tome mais cm conta a pessoa que a doença, isto é, que seja “psico-
não pode distinguir-se da forma esquizofrénica de pensar, de imagi­ tcrapêutica” num sentido mais ou menos lato ou mais ou menos estrito.
nar e de viver. Talvez possa dizer-se: a sintomatologia das psicoses Encarar a esquizofrenia muito mais como forma de vida do que como
esquizofrénicas não é a resultante necessária de uma causa comum, doença é um conceito tão útil ou mais que qualquer outro, do ponto
mas é sempre do mesmo tipo porque a doença esquizofrénica faz de vista terapêutico. Seja como for, essa atitude inspirar-nos-á mais
revelar o mesmo tipo de tendências humanas». modéstia, mas também mais esperança, quando lidarmos e comuni­
No entanto, discordamos de M. Blculcr: a forma como ele põe carmos com os nossos semelhantes fascinados pelo enigma ainda não
em relevo os aspectos «caóticos» e «ilógicos» da «vida interior» dos resolvido da alienação psicótica».
«pacientes esquizofrénicos» parece indicar que, para ele, esta «vida E interessante comparar o estudo de follow-up, de Ciompi, com
interior» é completamcnte inexplicável e não tem nada que ver com a «estratégia» escolhida por Hubcr (1983), no seu projccto de inves­
as experiências reais da vida dos pacientes. Os comentários de tigação; este autor alemão, ao contrário de Ciompi, resolveu valori­
M. Blculcr, apesar de, cm muitos aspectos, serem perspicazes c es­ zar a natureza «patológica» da «esquizofrenia» e seguir os seus pa­
clarecidos, continuam a ser obvimente influenciados pela terminolo­ cientes cm relação aos «sintomas psicopatológicos» e aos «tipos de
gia do «velho paradigma». De facto, ao rcfcrir-sc à «esquizofrenia», remissão», dividindo estes em: «remissão completa», «síndromas re­
ele não deixa de se socorrer de palavras tais como «doença», «sinto­ siduais puras», «deformação estrutural sem psicose», «resíduos mis­
matologia», «curso» ou «surto»... tos», «defeito psicótico tipicamente esquizofrénico», «psicose crónica
Ciompi (1980), depois de descrever cm pormenor o seu colossal pura» e «deformação estrutural com psicose» (!!?). Não há dúvida
estudo de follow-up de 1642 pacientes «esquizofrénicos« (sclcccio- que a linguagem é rcalmcntc um instrumento muito redutor, mas a
nados de uma população de cerca de 500 000 habitantes, estudados verdade é que muitas vezes ajuda mais a confundir que a clarificar
durante um tempo médio de 36,9 anos), conclui o seu artigo com os os aspectos em questão...
seguintes comentários: «para quem não estabelece relação entre o Do facto de abordarmos a experiência e o comportamento dos «es­
conceito de esquizofrenia e uma evolução necessariamente má, a quizofrénicos», enquanto modalidades perfeitamente legítimas de «for­
enorme variedade das possíveis evoluções servirá para provar que nada mas de vida», decorre o problema da responsabilidade dos pacientes
face ao «enquadramento» e «desenvolvimento» das suas relações, quer vezes, mesmo agressivos para com os outros ou para consigo próprios)
com o mundo quer com os seus semelhantes. e nâo é raro que não tenhamos melhor opção do que recorrer ao uso
Na verdade, se encararmos estes seres humanos nâo como vítimas de drogas e até a métodos mais drásticos de contenção física. No en­
passivas de um «complexo de factores mórbidos», mas, pelo contrário, tanto, se decidirmos atribuir o devido papel à responsabilidade e à
como protagonistas activos da sua própria história e do seu próprio humanidade total dos pacientes, mais facilmente aceitaremos que essa
destino, ficamos muito mais vocacionados para discutirmos com eles espécie de «ilusionismo farmacológico» não passa de uma componente
o papel da sua responsabilidade pessoal, face não apenas em relação secundária de uma «estratégia de acção» muito mais ampla e cujo
à miserabilidade passada (e presente) mas também no que respeita à núcleo central consiste num diálogo significante baseado no «poten­
construção do seu próprio futuro. cial humano» tanto do médico como do paciente.
Evidentemente, sabemos perfeitamente que a situação deles nâo Acerca disto escreveu Grebcn (1981): «poderá o terapeuta deixar
é muito invejável e traduz, nos padrões sociais da vida actual, uma de se inteirar do facto de o seu paciente estar deprimido, ter ideias
grande perturbação, pelo que não poderemos encarar o «fardo da res­ de suicídio ou intenções homicidas, ser um ladrão ou ser um eremi­
ponsabilidade pessoal» deles da mesma forma que a de uma «mente ta? Será que lhe é possível não revelar os seus próprios sentimentos
sólida». No entanto, pensamos que se for devidamente reconhecido acerca do facto de o paciente consumir drogas, faltar ao trabalho ou
o papel da responsabilidade de cada paciente, como parte integrante envolver-se frequentemente com companhias violentas? Evidentemente
de toda a «equação causal», a nossa atitude face à «interaeção clínica» que não [...]. O terapeuta demasiado passivo ou que aparenta essa
(e também face ao que consideraremos então a «terapia correcta») mesma passividade pode muito bem preferir não revelar as suas
será muito mqis significante e muito mais sensata (Frankl, 1963; 1978; inclinações pessoais, mas o certo é que, faça como fizer, na maior
Furlong, 1981). parte das vezes o paciente dá conta delas. Quando se leva longe de
Na verdade, esta maneira de pensar acerca da implicação dos mais uma atitude não intervencionista, o que poderá acontecer é que
pacientes na «incubação», «aparecimento», e «evolução» das suas uma terapia contínua não surta qualquer efeito; muitos insucessos de
próprias «doenças psicóticas» tem por consequência abordarmos com psicotcrapia podem atribuir-se ao facto de os terapeutas trabalharem
uma mentalidade completamente diferente o planeamento das nossas prccisamcnlc desta insensata maneira».
«interaeções clínicas», como, por exemplo, o «diagnóstico» e o Para Sartre (1943), «os homens estão condenados a ser livres»;
«tratamento»; como é óbvio, se apostarmos neste novo estilo de relação e mesmo no caso da «esquizofrenia», nada há que prove que a li­
«médico-paciente», teremos de tomar cm linha de conta o efeito das berdade c a responsabilidade pessoais sejam questões alheias à natu­
escolhas, decisões, projcctos e juízos de valor dos pacientes sobre as reza da sua condição — a um tempo perturbada e perturbadora
suas «carreiras» como «pessoas mcntalmcntc anormais» (Margulics e (McGlashan e Carpenter, 1981). É possível que a «psicose» e a «es­
Havens, 1981). quizofrenia» sejam alguns dos preços que os homens têm de pagar
A esta nova luz o «diálogo clínico» aproxima-se muito de um por terem sido «lançados num mundo» (Hcidcggcr, 1978) onde têm
processo de «negociação» entre seres humanos e afasta-se, simulta­ de encontrar c de percorrer o seu caminho sem o auxílio de qual­
neamente, de um ritual de «observação clínica à distância» sem quer sistema real c concreto de normas absolutas, válidas para todos
significado nenhum. A «negociação» implica necessariamente um com­ os tempos e lugares.
promisso e a entrada cm cena, por parle do médico, da sua franca A «liberdade» traz consigo a necessidade de escolhas c decisões
visão pessoal do mundo, na esperança de poder ajudar os seus pa­ pessoais, mas acarreta, igualmcntc, as dúvidas, os conflitos, as frus­
cientes a modificar c a ultrapassar a indesejável situação cm que se trações e os reveses inevitáveis.
encontram. Como disse Mcrlcau-Ponty (1945): «os chamados obstáculos à
Muitas vezes, os pacientes encontram-sc complctamcnte confu­ liberdade, verdadeiramente, decorrem dessa mesma liberdade. Uma
sos a respeito da vida, sentindo-se muito ansiosos e assustados (por superfície rochosa impossível de escalar, ou um penhasco maior ou
menor, mais vertical ou mais inclinado, são coisas que só têm algum 2. O «potencial humano» dos psiquiatras
significado para alguém interessado em trepar por eles; para alguém e o «tratamento da esquizofrenia»
cujos projcctos façam modelar determinadas formas a partir da massa
uniforme do in se, fazendo emergir um mundo orientado de coisas É nossa opinião que os pacientes «esquizofrénicos», sendo embora
significantes. Ao fim e ao cabo, nada existe que possa impor limites pessoas sensíveis e de certo modo equivocadas, podem tornar-se menos
à liberdade, excepto os limites que a própria liberdade impõe à for­ perturbadas e menos desconfiadas se compreendermos que, além do
ma das suas diversas iniciativas, de modo que o indivíduo dispõe do mais, são também capazes de agir e de pensar como pessoas res­
mundo exterior que a si próprio conceder. Dado que é esse mesmo ponsáveis e socialmcnte activas que dispõem ainda de algum tempo
indivíduo que, pelo facto de existir, traz a lume o significado c o
para dar sentido às suas vidas.
valor das coisas, e dado que nenhuma coisa poderá exercer influên­
«Neste sentido», diz R. D. Laing (1960), «a tarefa em psicotera-
cia sobre ele se não adquirir, graças a ele, significado e valor, não
pia consiste, para utilizar a expressão de Jaspers, em fazer um apelo
existe qualquer acçâo das coisas sobre o indivíduo — mas unicamente
à liberdade do paciente. Uma boa parte das possibilidades cm psi-
um significado (no sentido aclivo), um sinngebung centrífugo». coterapia assenta na capacidade de conseguir efectivamentc esse
Há quem pense que tudo isto são desafios demasiado pesados para objcctivo».
quem nenhum «mecanismo de defesa do ego» seja suficientemente No entanto, apesar de estarmos muito mais inclinados a concluir
lortc e clicaz. Ortcga Y Gassct (1957), filósofo espanhol, descreveu que a «psiquiatria clássica» subestimou de forma evidente a «capa­
muito bem esta necessidade humana de encontrar a segurança e um cidade humanística», tanto dos psiquiatras como dos seus pacientes,
objcctivo na vida, e regras de comportamento firmes c estáveis, quando pensamos que existem bons motivos para realçar a imensa com plexi­
escreveu: «repara naqueles que te rodeiam c ouvi-los-ás falando sobre dade do empreendimento. A «psiquiatria» ocupa-se de pessoas e, no
si mesmos e sobre o que está à sua volta, em termos tão precisos caso particular da «esquizofrenia», somos forçados a lidar com rela­
que poderia parecer muito importante para eles terem uma opinião ções humanas e problemas pessoais muito intrincados, que exigem um
pessoal sobre o assunto. Mas começa a analisar estas ideias c verás comprometimento muito sério por parte dos «profissionais de saúde
que elas rcflcclcm mal a realidade a que parecem aludir; se fores mais
mental».
a fundo nessa análise, descobrirás que nem sequer existe qualquer Este género de comprometimento acarreta um novo tipo de res­
tentativa de ajustar as ideias a essa mesma realidade. Pelo contrário: ponsabilidades para os psiquiatras, já que nos exige que não nos dêmos
por meio destas noções, o indivíduo tenta descartar qualquer visão por satisfeitos com os «tratamentos físicos» e a sedação — que, pos­
pessoal da realidade, ou seja, da sua própria vida. À partida, a vida sivelmente, apenas encobrem o problema de fundo e evitam que se
é um caos em que cada qual se sente perdido. As pessoas suspeitam enfrente a realidade. A tarefa é difícil e arriscada: pode assanhar-se
disso, mas assustam-sc uma vez confrontadas com a terrível realidade; um «ninho de vespas»; além disso, o nosso trabalho tem de ser exe­
por isso, tentam ocultá-la por detrás de um véu de fantasia, cm que cutado no meio de autênticas batalhas ideológicas no seio da psiquia­
tudo é nítido e claro. Não as preocupa saber se as suas «ideias» são tria, dividida entre os «partidos» da ncurofisiologia, da psicodinâmica,
verdadeiras ou não: usam-nas como defesas da sua existência, como da bioquímica e da dimensão social, para não falar das movimenta­
espantalhos para assustar a realidade». ções protagonizadas por associações para a defesa dos direitos cívicos,
Suspeitamos que algo de semelhante aconteça também (embora associações de familiares e amigos dos pacientes, sindicatos de en­
de uma forma mais distorcida c mais extrema) no caso daquelas pobres fermeiros, polícia, juízes, etc., etc. (Dell, 1980).
criaturas cujas «formas de vida», nada invejáveis, costumamos rotu­ Vemos, assim, como é que a discussão do papel do «potencial
lar de «esquizofrenia»...
humano» dos psiquiatras, no «tratamento da esquizofrenia», faz vir
ao de cima, não só a necessária preocupação com a responsabilidade
pessoal e a capacidade de auto-melhoria dos pacientes, mas ainda toda
uma vasta gama dc dificuldades inerentes à prática de uma profis­ interagir com) os pacientes «esquizofrénicos», partindo logo do prin­
são, cuja finalidade mais distintiva é lidar com a questão tão capri­ cípio de que eles são pessoas susceptíveis de ser «compreendidas» c
chosa das relações humanas, num contexto social, cultural, histórico dc que é possível manter com eles um diálogo significante. Temos a
e institucional altamente problemático (Goffman, 1980; Sullivan, 1931). esperança de que esta nova forma de encarar a real condição dos nossos
pacientes possa contribuir para o aparecimento de novos e mais úteis
«paradigmas» e, consequentemente, para uma nova sensibilidade da
3. A emergência de um novo «paradigma» prática psiquiátrica. Aliás, ainda ninguém demonstrou que este novo
para a «esquizofrenia» modo dc ver as coisas possa estar errado...
Como diz Kiihn, no mesmo livro, «os cientistas, durante as
O vasto conjunto de «factos» reunidos pelos trabalhos de inves­ revoluções que ocorrem na ciência, passam a ver coisas novas e
tigação, na área da «esquizofrenia», permite concluir, cm nossa opinião, diferentes onde, com os mesmos instrumentos, viam simplesmente
que nada garante a ideia que os psiquiatras têm da «esquizofrenia»: coisas e lugares já conhecidos. E como se a comunidade dos profis­
isto é, um «processo psicótico incompreensível» — algo que sucede sionais fosse subitamente transposta para um outro planeta, onde os
à revelia, tanto da biografia anterior dos pacientes «esquizofrénicos» objectos mais familiares fossem vistos a uma nova luz e se relacio­
como da dos seus semelhantes, e bem assim da ideia que uns e outros nassem entre si de uma maneira diferente».
fazem do mundo em que vivem e das atitudes que tomam face à Será que acreditar na possibilidade de compreender, melhor ou
existência. Esta tendência para conceptualizar a «esquizofrenia» complc- pior, os pacientes «esquizofrénicos» (e de achar uma significação para
tamente de fora do «comportamento normal» é, segundo nós, a o seu comportamento c para as suas vivências) pode conduzir a nossa
expressão do «paradigma» utilizado pela maioria dos psiquiatras para comunidade profissional «a um outro planeta, onde os objectos mais
interpretar as vivências c os comportamentos indesejáveis dos seus vulgares podem ser vistos a uma nova luz»? Cremos haver boas razões
pacientes. para se tentar a experiência, embora o peso de certos progressos (como
Como disse Kiihn (1970), «a interpretação dos dados é fundamen­ a descoberta do tratamento da paralisia geral, por exemplo) pareça
tal para quem defende um dado paradigma. Mas essa tarefa apenas constituir um poderoso álibi para desmotivar os psiquiatras dc seme­
pode articular o referido paradigma, não o pode corrigir. As vias lhante tarefa.
científicas normais são incapazes dc corrigir paradigmas. Quando muito, Kiihn situa o problema, escrevendo: «muitos dc vós estarão
podem conduzir à verificação dc anomalias e de crises. E estas sur­ ccrlamcnlc a pensar que o que muda com o paradigma é apenas a
gem, não por via deliberativa ou interpretaliva, mas por acontecimentos interpretação científica das observações que, tendo em conta a natu­
relativamcntc súbitos e desestruturados, como seja o aparecimento da reza do meio c do aparelho pcrccptivo, os cientistas fixaram dc uma
gestalt [...]. Aquilo que os químicos aprenderam com Dalton não foi vez por todas. Ou seja, Pricstlcy e Lavoisier observaram o mesmo
o aparecimento dc novas leis experimentais, mas uma nova forma dc oxigénio, mas interpretaram as suas observações de maneira diferente.
fazer química (designada por Dalton como “novo sistema dc filoso­ E, quanto à interpretação a dar ao comportamento dos pêndulos, o
fia química”), a qual se revelaria dc tal modo fértil que só alguns, mesmo se teria passado com Aristótclcs c Galilcu. É bom que se diga
poucos, dos velhos químicos da França c da Grã-Bretanha se manti­ que esta ideia, muito vulgarizada, não é dc modo algum, cm si mesma,
veram fiéis à prática tradicional. Em resultado disso, os químicos viram- um erro ou uma falsidade: faz parte do paradigma filosófico intro­
-se transpostos para um mundo cm que as rcacçõcs se comportavam, duzido por Descartes c simultaneamente desenvolvido pela dinâmica
agora, dc uma maneira muito diferente em relação ao passado». ncwtoniana. Esse paradigma aplicou-se tanto às ciências como à fi­
Foi com o objectivo dc reconsiderar as «anomalias» que ocor­ losofia. O seu desenvolvimento c exploração, assim como os da própria
riam na «natureza dos esquizofrénicos», tendo cm conta aquilo a que dinâmica ncwtoniana, viriam a mostrar-sc fundamentais para a com ­
Kiihn chamava «ciência normal», que nos decidimos a abordar (e preensão dc fenómenos básicos que, dc outro modo, poderia não ter
sido conseguida. Mas, como o próprio exemplo da dinâmica ncwto- mento da loucura cm confronto com todo o decurso de uma vida,
niana o demonstra, mesmo os êxitos mais flagrantes do passado podem subvertendo-lhe o sentido e a própria finalidade. Recentemente, chamá­
não bastar para garantir o adiamento indefinido das crises». mos (Cunha-Oliveira, 1989) a atenção para o extraordinário parale­
Como não queremos «adiar indefinidamente» uma melhor com ­ lismo existente entre a chamada experiência «esquizofrénica», a
preensão das vidas e actos daquelas pessoas perturbadas (e perturba­ experiência da criação poético-literária, a vivência do enamoramen-
doras) a que chamamos «esquizofrénicos», pensamos ter chegado a to e a experiência do sagrado, colocando todas estas situações sob a
ocasião propícia para, pondo de lado o velho paradigma cientifico- designação genérica de «Estados Nascentes», no sentido de Albcroni
-nalural, nos abalançarmos a uma nova visão que conjugue os elementos (1983). E chamámos ainda a atenção para os desígnios utopistas, no
histórico-culturais, que determinaram a introdução do neologismo sentido de Baczko (1985), que o poder nutre para com qualquer desses
blculcriano, com os elementos biográficos que constituem a experiên­ estados; isto é, a finalidade do poder justifica-se no olhar que lança
cia particular da «esquizofrenia». sobre os «Estados Nascentes» racionalizando-os, institucionalizando-
-os na Igreja, no casamento c nos asilos, tornando-os marginais, dimi­
nuindo-lhes o terrível poder subversivo que contêm.
4. Que «paradigma»? Pergunta Albcroni (1983): «Donde deriva então a ideia muito
espalhada, de que o enamoramento é um movimento cgoístico e de
Ao sairmos do labirinto de um paradigma, libertamo-nos da sua clausura?
linguagem: «respeitai, meus irmãos, a hora, qualquer que seja, em «Da instituição política, ideológica ou religiosa, que pretende ter
que o vosso espírito quer falar por metáforas: é então que nasce a um controlo total sobre os indivíduos.»
O livre fluir de qualquer destes «Estados Nascentes» desorgani­
vossa virtude» (F. Nietzsche, 1973).
zaria por completo um poder (qualquer poder) que assenta na Razão.
A conhecida expressão segundo a qual a «esquizofrenia» c uma
«doença da civilização» começou a ganhar um significado muito Como diz a Bíblia : «Eu vim lançar o fogo à Terra, e se ele já está
aceso que mais posso cu desejar? [...] Julgais que vim trazer a paz à
particular à luz dos mais recentes trabalhos de pesquisa histórico-
Terra? Não, eu vo-lo digo, mas a separação. Pois de ora cm diante
-cultural, isto mesmo sem tomar em linha de conta, à maneira de
haverá numa mesma casa cinco pessoas divididas, três contra duas e
Monsieur de La Palice, que se a «esquizofrenia» é um neologismo
introduzido no vocabulário profissional por Eugcn Blculcr, em 1911, duas contra três; estarão divididos: o pai contra o filho, c o filho con­
tra o pai, a mãe contra a filha c a filha contra a mãe; a sogra contra
então é porque não era (re)-conhecida antes!
a nora, c a nora contra a sogra.»
No entanto, a vigência do paradigma científico-natural foi res­
ponsável pela assunção generalizada de que um determinado grupo Criada uma vertiginosa suspensão do vivido e gerado um esta­
de comportamentos socialmcnte indesejados (entre eles o comporta­ do complctamcntc novo («nascente»), o indivíduo tem de debater-
mento «esquizofrénico») constituía «uma entidade clínica», c esta uma -se num mundo à margem da causalidade c do significado comum
«doença». No caso particular da «esquizofrenia», tomava-sc um facto que, para Von Gcbsattel (cf. Gaston, 1978), é um «mundo de mara­
vilha».
aceite, sem discussão, aquilo a que Gaston (1978) chama o «Postu­
lado de Schncider», isto é, que «as perturbações afcctivas e a esqui­ Todos estes estados, pertencendo embora ao grupo dos aconteci­
zofrenia são “sintomas” de doenças desconhecidas». Como vimos mentos extraordinários, se desenvolvem no terreno da mais natural
humanidade.
noutros capítulos deste livro, este postulado, nas suas mais diversas
implicações e consequências, continua por demonstrar, isto é, não passa E com homens c com mulheres comuns (c de modo nenhum com
de uma «lei de Bronze». Além deste postulado, a psiquiatria actual fantasmas ou extraterrestres) que estes acontecimentos se passam, e,
assenta também os seus fundamentos na noção jaspersiana de «Pro­ se põem em causa a estabilidade e a rotina das instituições, é por­
cesso» — ou seja, algo que coloca a imprevisibilidade do acontcci- que estas, por definição, não podem nem querem (sem conspirarem
contra si mesmas) acolher os aspectos imprevisíveis da condição que os psiquiatras exercem a administração de um «segredo» (ou Lei),
humana — senão para os regular e controlar. de que o Poder tem a custódia, e a que eles chamam «normalidade».
O confronto entre o poder subversivo que estes Estados Nascen­ O prestígio de que a «ciência» goza numa sociedade laica, des-
tes implicam e o poder do Estado e das instituições encontra-se bem sacralizada e expurgada do extraordinário, do maravilhoso e do trans­
resumido por F. Ongaro Basaglia (1982), quando afirma: «O perigo, cendente, desempenha o papel de justificadora dc um poder que, dc
a ameaça, estão dentro da natureza do homem, mas é especificamente outro modo, teria de reconhecer-se como arbitrário e discricionário.
em “certos” homens que a desrazão se personaliza e, então, basta A tarefa da «ciência» consiste cm demonstrar que o «defeito», o défice,
individualizá-los c isolá-los, antes que produzam o contágio c antes a «tara» (genética ou outra), o «erro biológico» reside no indivíduo
que destruam a ordem racional.» (anormal) e não na norma social.
A individualização e o isolamento destes Estados Nascentes pro- Perante esse código e perante essa lei que não conhece — que
ccssa-se de modo diferenciado, consoante a qualidade e o tipo de ninguém verdadeiramente conhece a não ser os próprios psiquia­
«apofania» (Revelação) c a capacidade de «contágio» (e de êxito) de tras — , o «esquizofrénico» enreda-se numa «transgressão» e numa
que são portadores. «culpabilidade» que o transcendem, através de um Processo que não
Assinalamos aqui, a mero título de exemplo, o poder de contágio pára dc «andar» e de o envolver cada vez mais.
da «Melanóia» de S. Paulo e da «Revelação» de Muhammad... «Senhor doutor, a psiquiatria tem muitos sintomas, mas o meu
No caso concreto da «esquizofrenia clínica» (o mais «individual» mal é nervos [...]», dizia-nos rccentemcntc um «esquizofrénico».
e o menos «contagioso» destes Estados Nascentes), o mecanismo de Franz Kafka (1935) deu conui do absurdo que constitui um Processo
que o poder se serve c o da dirninutio capitis, sob a forma dc «doença». cm que a Lei é desconhecida, o denunciante pode ser qualquer um
Entendemos aqui por «esquizofrenia clínica» aquela cuja «apo­ (qualquer cidadão cúmplice do siatu quo), c só a vítima (o «réu»)
fania» e poder dc «contágio» são de tal maneira pessoais que muito se vai tomando verdadeiramente conhecida, à medida que vai sendo
dificilmente podem ser compartilhados por alguém. A «apofania» despojada de toda a humanidade.
(Revelação), uma vez compartilhada, escapa ao raio dc acção da No processo movido a Joseph K., fala o guarda Franz:
psiquiatria... — Que é que o senhor quer? Pensa que vai fazer andar mais
Mas esta «doença» não é senão uma caricatura do conceito medico depressa este seu lindo processo só porque barafusta connosco? [...]
comum dc doença: apenas tem aquele conjunto de «sintomas» a partir Somos apenas simples subordinados [...], nada temos a ver com o seu
dos quais Schncidcr postulava a existência dc uma causalidade somá­ caso, a não ser vigiá-lo dez horas por dia, que é para isso que nos
tica (!); e apenas sobrevive a partir das abusivas transposições que pagam. Isto é tudo o que somos, mas compreendemos perfeitamente
se fazem do mecanismo de acção dc certos fármacos adormcccdorcs que os chefes para quem trabalhamos, antes dc ordenarem uma de­
da Psiché. Aquilo que se passa, na realidade, é, para utilizarmos a tenção destas, devem estar devidamente informados das razões que
terminologia dc Charlicr (1988), uma mera «legitimação» dc uma dis­ a motivam c da pessoa do detido [...]. Esta é a Lei. Como pode, pois,
ciplina do poder através dc formas de «reconhecimento institucional» haver engano?
aceites por esse mesmo poder, isto é, através daquilo que se entende — Desconheço essa lei — responde K. — Provavelmente, ela não
por Ciência. existe, a não ser nas vossas cabeças.
É através dc um corpo regulamentar, dc um código ('), cm rela­ — Olha, Willelm, ele diz que não conhece a lei e, no entanto,
ção ao qual perseguem com tenacidade uma legitimação «científica», declara que está inocente.
— Tens inteira razão, Franz, mas nunca conseguirás que um
homem desta força reconheça onde está a razão.
(') É o caso do D. S. M. — III. (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Di- Na verdade, a culpa reside cm ser-sc diferente dos outros, isto
sorders, 3lh cd., 1980, Washington. American Psychiatric Association.) é, não se ser mais ninguém senão a si mesmo — culpa que se vai
avolumando ao longo do processo, à medida que este isola, revela e da Racionalidade ao Poder — ascensão confirmada pelo triunfo da
aniquila o indivíduo (o processado). A «normalidade» (a Lei) c des­ Revolução Francesa (1789-1799). Um dos instrumentos mais efica­
conhecida, porque todo o indivíduo, uma vez isolado por meio do zes da racionalidade triunfante havia sido a Santa Inquisição, que,
Processo que lhe movem, se revela diferente dessa «normalidade» que cm nome de uma Religião Universal e de Estado, se encarregara de
não existe. destruir a grande maioria das diferenças (scr-sc pagão, ou judeu, ou
No processo movido a K., fala o inspector: mouro, ou herege, ou feiticeira). É com a Revolução Francesa que
— O senhor devia ser mais reservado, pois quase tudo o que acaba emergem os primeiros Fundadores da Psiquiatria (Jcnner e Kcndall,
de dizer pode ter influência na apreciação do seu comportamento, com 1991). O aparecimento do Estado Moderno viria a marginalizar ate
o auxílio de uma palavra aqui e ali c, cm qualquer caso, não reverte mesmo aquilo que se entende por Popular. Como diz Charlicr (1988)
especialmente em seu benefício. «atravessada pelas imagens antigas c pelas referências da tradição, a
O Processo não pára de «andar», de evoluir inexoravelmente para política moderna na sua primeira definição é a proscrição do popular».
a «cronicidade» — para a diminutio capitis, isto é, para a «deterio­ Em psiquiatria, c cm particular no caso da «esquizofrenia», o
ração» do papel social do indivíduo, ate à sua aniquilação ou morte processo (de Kafka) tem início no momento cm que alguém dctccta
social. noutrem a «irrupção» de um processo jaspersiano; ou, dizendo de outro
Daquela tal «normalidade» (Lei) só conhecemos o desabafo de modo, a partir do momento em que irrompe o «Estado Nascente» de
Roland Barlhcs (1977): «Todos me impõem o seu sistema de ser [...]. Alberoni, ou o «Ganz andere» (a outra coisa na coisa que previa-
Para ser “normal” (isento de amor), scr-mc-ia necessário achar Co- mente existia) de Mircea Eliadc (1952).
luchc divertido, o restaurante J. bom, a pintura de T. bela c a festa A coincindência de pontos de vista entre aqueles que se têm
de Corpus Christi animada: não apenas sofrer o poder mas entrar cm ocupado dos Estados Nascentes (c incluímos nestes, cvidcntcmcntc,
simpatia com ele.» a «esquizofrenia») não pode deixar de nos impressionar. Para Albe­
Todo o cidadão se movimenta, diante dessa lei chamada «nor­ roni (1983), «o enamoramcnto c uma revolução: quanto mais com­
malidade», no pressuposto de que nunca irá transpor o sombrio limiar plexa, articulada c rica for a [nova] ordem, mais terrível é o desen­
do anonimato e da mediania — passo esse que, a verificar-sc, po­ volvimento, mais difícil, perigoso c arriscado é o processo». Talvez
derá conduzir, à maneira de Franz Kafka, não ao «Tribunal do Palácio se compreenda melhor, agora, por que razão Schncidcr (1955) deixou
da Justiça» mas ao «do sótão», uma vez «movido» um Processo que escapar esta frase sibilina: «a meta da completa resolução somalológica
não c judicial mas clínico: isto c, que não tem detrás de si uma vulgar da psiquiatria das psicoses está a uma distância infinita, incalculável».
lei do Estado mas uma lei da Ciência. Poderemos presumir que essa «distância infinita, incalculável», seja
Como diz Thomas Szasz (1970) c como nós próprios evidenciámos a mesma que existe enire uma obra de arte, por exemplo, c a even­
noutro lugar «a medicina substituiu a teologia, o alienista substituiu tual «história clínica» do seu criador, entre as poesias de Álvaro de
o inquisidor c o doente mental substituiu a lciliccira. O resultado foi Campos c o «Caso clínico» de Fernando Pessoa (Cunha-Oliveira c
a substituição de um movimento religioso de massa por um movi­ Zagalo-Cardoso, 1990): isto c, todo aquele mar de humanidade que
mento medico, c a perseguição dos doentes mentais no lugar da per­ extravasa os acanhados limites da Razão. É que, como disse Teixei­
seguição aos hereges». Um caso de processo político a um Estado ra de Pascoacs (1984): «o homem é o único animal que não coin­
Nascente, cm Portugal, c o da execução bárbara de D. Inês de Castro cide com o mundo; e o seu destino é dilatar o mundo ate onde chega
(1355) pelo «crime» de Enamoramcnto com D. Pedro I. O rei (que a sua fantasia».
era casado com D. Constança Manuel) viria a vingar-se dos executores Sc a Razão detém hoje a exclusividade do Poder, é compreensível
da sua amada e a obrigar a Corte ao beija-mão póstumo daquela a que exerça a sua tirania sobre a Des-Razão, acusando-a, erguendo-
quem chamava «Rainha». -lhc um processo sob as mais tenebrosas das suspeitas. E a maior de
O que está em causa, desde o fim da Idade Média, c a ascensão todas as suspeitas é supor que a Des-Razão é de origem Des-IIuma-
na ou — o que será o mesmo — é indigna já da categoria de Ho­ que são os pequenos Estados europeus, vestígios dessas feudali­
mem: terá pois que consistir num atavismo histórico-antropológico, dades, os de maior nível de vida: Holanda, Bélgica, Suíça, Luxem­
num erro genético, numa agressão virai, numa avaria bioquímica, etc. burgo, Lichtcnstcin, Mónaco, San Marino, Andorra... (cf. Cunha-
Os próprios autores deste livro, pelo simples facto de negarem a -Olivcira, 1989).
existência de uma «entidade clínica» chamada «esquizofrenia» — c É claro que se levanta aqui o problema do caos face à estrutu­
apesar de não negarem a necessidade da ajuda a algumas das pessoas ra, do que é desestrulurado face ao que é estruturado. Curiosamente,
chamadas «esquizofrénicas» — não se livram da suspeita de serem este é um problema que só se põe na sociedade dita Ocidental Con­
portadores de um «mau gene», de serem adeptos de alguma seita temporânea, c não faz qualquer sentido noutro tipo de sociedades a
mágico-csotcrica ou de terem sido infectados pelo vírus de Crow. que a nossa cultura tende a chamar «terceiro mundistas» e «primiti­
Rcccntcmentc, Hare (1988) reconheceu a enorme dificuldade de vas» — onde predominam ainda padrões ditos tradicionais.
dcteclar a presença da «esquizofrenia» antes do século xix, esque­ Se ao poder dos Estados modernos compete impor uma «estru­
cendo, porém, que seria tão inútil procurar a «esquizofrenia» antes tura» racional a comunidades onde a «dcsestruluração» tradicional está
de reunida por Kracpclin-Jaspcrs-Blculcr como procurar infraeções ao sempre latente, então necessita de uma legitimidade, que anteriormente
Código Napolcónico antes da sua compilação (1804). Teria sido para lhe provinha de uma religião universal e de Estado. Com a laiciza­
nós bem surpreendente que Hare encontrasse, fora dos séculos xix e ção do poder, o lugar dessa religião foi ocupado por aquilo que se
xx, as consequências mais específicas das condições sociocullurais entende por Ciência; c, neste sentido, o saber da ciência começa a
predominantes, nos dois últimos séculos, no chamado «Mundo Oci­ legitimar as necessidades do poder: dominar c regular os chamados
dental»: a erradicação sistemática do imprevisível, do espontâneo c «conflitos».
do irracional. Assim , o vírus de Crow é um parente próximo daquele Para nós, psiquiatras, é partieularmente necessário compreender
outro que explicasse as infraeções ao Código Penal c Civil, a partir que «conflitos» o poder nos encarrega de dominar e regular: os
«pequenos conflitos irracionais» e aqueles outros determinados pelos
do século XIX.
Certamcntc, nós entendemos que todos estes Estados Nascentes «Eslados Nascentes». E a isto que se resume a «Bioquímica», a
têm cm comum um grande potencial de desordem, de «caos», incom­ «Genética» e a «Biocstatística» psiquiátricas.
patível com a manutenção e estabilização do Estado Moderno. Dominar a «Genética» e a «Bioquímica» de seres humanos
«Pensei que o universo sentia amor, pelo qual há quem creia o acusados de ser doentes só pode conduzir a uma sociedade de sósias
mundo muitas vezes ao caos retornado», escreveu Dantc Alighicri (Cunha-Oliveira et a i, 1988), desumana, fria, sem conflitos, sem
(1921). afeclos, sem grandeza. Ou seja, parafraseando Dodds (1951), onde é
Certamente, nós entendemos também que todos estes Estados Nas­ tudo «tão terrivelmente racional».
centes desencadeiam a conflitualidade, a instabilidade, os particula- Em que consiste, então, o nosso paradigma'1 Simplesmente, consiste
rismos e o imprevisível — circunstâncias que ao poder central cabe­ cm compreender que os seres humanos em geral se encontram imer­
ria, rcccntcmentc, dominar e regular. Como diz Robcrl Castcl (1979): sos num sistema de tensões gerado do confronto inevitável entre as
«se (as unidades político-administrativas locais] se pudessem autoge- necessidades de uns e os desejos dos outros; e que, para lá disso, o
rir, seria a penúria, a escassez de recursos, a impotência para domi­ mundo em que se movem não se encontra impregnado de um siste­
nar c regular os conflitos, com o risco de vermos despontar, a nível ma ontológico comum de confiança. Sem falar que, nesse mesmo
local, novas feudalidades e novos particularismos». Ocorre-nos per­ mundo, para se ser considerado normal é necessário aceitar sem reservas
guntar aqui que risco tão grande, afinal, seria esse — pois não se o senso comum, cm temas de tamanha importância como a noção de
conhece outro prejuízo que o do próprio poder central c dos seus mitos: tempo, de espaço, de Deus, de liberdade, de «Eu», de moral, de
a História Pátria, a língua oficial, a escolaridade obrigatória, a psi­ responsabilidade, de matéria, etc. Bem entendido, é muito perigoso
quiatria. Sobre a «penúria» e a «escassez de recursos» há que notar ficar a remoer insistcnlcmcntc cm assuntos desta natureza, ao ponto
dc fazer deles uma preocupação única. É muito mais expedito e prático, para a sua aceitabilidade social. É bom ter em consideração isto mesmo,
nos assuntos correntes da vida, deixar esses problemas para trás, como principalmcnte quando estamos diante daquilo que se entende por
procupações irrelevantes e supérfluas. tecnologia. Há muita coisa que é trivial, ainda que seja publicável
Os sucessivos períodos da História ensinam-nos aquilo que, cm em jornais dc grande audiência — os quais, muitas vezes, veiculam,
certa medida, é aconselhável fazer crer aos outros que aceitamos com com certa razão, o receio de que se não saiba muito bem a que é
eles. Na Idade Media, Deus — O Pai — tinha no Ccu a Sua mora­ que podem conduzir certos trabalhos de investigação. Há também muito
da, onde cada qual linha reservado para si um preciso lugar feudal, dc inautcnticidadc c de afcctação naquele tipo dc pessoas que, pre-
como sucede nas castas hindus. Hoje, são o Capitalismo c a Ciência scntcmcnic, tecnificaram a sua vida ao ponto dc os valores terem,
que nos explicam como tudo se deve processar. Mas seja qual for o para elas, ou um significado absoluto ou significado nenhum. E as
sistema dominante, há sempre alguém que tem problemas com ele; suas relações pessoais? Serão também tratadas da mesma maneira?
há sempre quem não queira acreditar que não existem alternativas ne­ E bem possível que esse tipo dc pessoas se sintam até muito mais
nhumas. ameaçadas pelos outros do que uma boa parte dc nós.
Segundo uma ideologia muito cm voga, a Matéria, formada por Talvez não seja uma preocupação prioritária olhar, como Kant,
átomos em permanente colisão, possui uma capacidade intrínseca dc para o firmamento repleto dc estrelas cintilantes, interrogarmo-nos sobre
se auto-apreender esteticamente. Os dilemas epifenomenológicos, dua­ os seus segredos ou preocuparmo-nos demasiado com a nossa própria
listas ou monistas, que se põem ao neodarwinismo, em virtude do mente. Talvez esteja primeiro a necessidade dc fazer o pequeno-almoço
aparente facto dc um universo não-pensante ter dado origem, mais c outras coisas comezinhas desse tipo, mas... nem só dc pão vive o
tarde ou mais cedo, ao pensamento, o mínimo que se pode dizer é homem! A necessidade dc segurança leva-nos ao desejo dc tentar
que se trata dc absurdos. Talvez melhor do que ninguém, Fernando controlar quase tudo — principalmente aquilo que, para nós, é, de
Pessoa (s/d) soube exprimir este falso dilema epifenomenológico, algum modo, misterioso. Uma das estratégias consiste em obscurecer
quando escreveu: os mistérios atrás dc uma obsessiva necessidade dc dar explicações
e cm excluir as «pessoas disruptivas» que põem cm causa aquilo que
Mas enfim não há diferença. o seu meio social entende por «boa ordem das coisas».
Se a flor fiore sem querer, Esta «boa ordem das coisas» é, afinal, um estranho sistema
Sem querer a gente pensa. kafkiano cm que as pessoas adquirem poder através daquilo que se
O que nela é florescer entende por «conhecimento». No entanto, elas mesmas são um pro­
Em nós é ler consciência. duto do sistema: a sua linguagem, as suas regras morais c o seu próprio
mundo são um produto social c um artefacto político. Durante a
Nasce aqui uma nova questão: o êxito das ciências advém-lhes infância tiveram ocasião dc verificar quanto careciam dc amor c quanto
propriamente da forma como formulam as perguntas que têm respos­ necessitavam dc outras pessoas; tiveram ocasião dc verificar que o
ta , c da maneira como põem dc lado tudo aquilo que é imponderável. comportamento das crianças « boazinhas» (isto é, cúmplices) era gra­
No entanto, a existência humana exige respostas eficazes num meio tificado, enquanto o comportamento das crianças «más» (isto é, in-
onde não existem suficientes linhas dc orientação c, assim, para muita conformistas ou «rebeldes») era punido. Grande parte destas verifi­
gente, só através dc crenças se pode satisfazer a sua necessidade dc cações adquire uma concretização conceptual e acaba por se enrai­
segurança. zar c introjcclar sob a forma dc um sólido sistema dc crenças do senso
Verdade se diga, as questões colocadas pela vida a cada ser humano comum. Ora, se estas crenças começarem a ceder nos seus alicerces,
são o que dc mais importante existe quer para a sua própria existên­ é natural que surjam ideias « estranhas», cspccialmcnlc se um grande
cia quer para o seu sistema dc valores, c não precisamente o que dc esforço pessoal dc «integração» não for gratificado, se alguém é
mais conveniente possa ser ou não para a sua carreira profissional c deixado social c pcssoalmcntc desamparado c só neste estranho mundo,
ou se alguém é particularmente alvo de grave prejuízo ou provoca­ se tornaram estranhos para mim — tão estranhos como os outros lodos.
ção. Se qualquer destes grupos de pessoas decide continuar sozinho Sinto saudade de todos os lugares por onde não passam homens
a sua marcha, desencadeia uma espiral de rejeição, de isolamento, nem se vêem mulheres inevitavelmente a rir ou a chorar.
de falsas percepçõcs e/ou vivências, que termina na segregação e no Quem me dera estar ao pé de Deus, o meu Criador,
diagnóstico. E o pior de tudo é que não há saída. Não há para onde e dormir tão docemente como me era dado dormir na minha
ir, não é possível emigrar do nexo social nem da realidade, cm que I infância,
as em oções de cada qual estão tão íntima e inevitavelmente enreda­ ainda por nascer e já cheio de pensamentos elevados!
das nas emoções dos outros. Neste caso, em que é que a geografia Ah! deixem-me estar aqui, simplesmente deitado sobre as ervas,
poderá ajudar se a separação física de pessoas muluamente signifi­ debaixo da abóboda do grande Céu...
cativas, se o afastamento do meio natural de pertença provocam
profundos sentimentos de angústia c de saudade? JOHN CLARE (1793-1864)
A tarefa de viver sozinho é um trabalho hercúleo: pode implicar Tradução livre
a necessidade de criar uma linguagem destinada a não falar com nin­
g u é m pode conduzir à responsabilização de toda a gente pelo des­
conforto que se sente e pode levar a tensões insuportáveis. Entre que- Ate certo ponto, o nosso paradigma admite que seja muito difícil
rer-se ser e scr-se muito especial vai muitas vezes uma grande dis­ conviver com pessoas portadoras de estados de ânimo deste tipo. Elas
tância. A necessidade de segurança pode conduzir, quase sem se dar sofrem tanto quanto se tornam insofríveis e pouco suportáveis; por
por isso, a uma maneira muito pessoal de ver as coisas, que se pode isso c que aqueles a quem a sociedade para isso conferiu o necessário
manter teimosamente. Para a nossa mente humana é essencial aquilo poder lhes chamam «esquizofrénicas».
que pode contribuir para preservar ou destruir a nossa aulo-imagem. Porém, seria bom recordar aqui, uma vez mais, as palavras de
Andar ao sabor das ondas de um mar revolto, desesperadamente Fernando Pessoa (1976): «Propriamente, o único crítico de arte e de
agarrado a esta ou àquela prancha (de crenças) é o que sucede muitas letras deve ser o psiquiatra; porque, ainda que os psiquiatras sejam
vezes, e são essas tábuas de salvação que nos permitem muitas vezes tão ignorantes e laterais aos assuntos como todos os outros homens
sobreviver e respirar fora de água. E, muitas vezes, em especial aque­ daquilo a que eles chamam ciência, têm ainda assim, perante o que
les que julgam ter o poder de ajudar, só tornam as coisas ainda piores. vem a ser um caso de doença mental, aquela competência que con­
siste cm nós julgarmos que eles a têm. Nenhum edifício de sabedo­
Eu ser sou! mas a quem importa o que sou ou deixo de ser? ria humana pode erguer-se sobre outros alicerces.»
Para os amigos que eu tive, já não passo de memórias apagadas. Para terminar, não podemos deixar de citar a oportuníssima
Acabei por viciar-me nas minhas próprias angústias, observação de um crítico inglês a este nosso livro: «A principal di­
que chegam e partem, diante deste estalajadeiro absorto que sou, ficuldade cm publicar este livro reside cm as pessoas a quem ele se
como sombras de uma vida em que muito da minha alma se dirige o poderem rejeitar, na medida cm que a obra desafia a for­
[esfumou. mação c a prática dessas mesmas pessoas. Trala-sc de um caso de
E no entanto eu sou — eu vivo — apesar de arremessado Catch-22. (l) E preciso ver que os psiquiatras em geral, mas princi-
para o meio do nada, do escárnio e do griteiro dos outros,
no mar revolto dos sonhos acordados,
onde nem a minha vida faz sentido nem me traz conforto: (’) lista expressão inglesa, que retoma o título de uma novela de Joseph Hcllcr, é
só me sobeja o naufrágio completo da minha auto-estima um termo informal para designar um processo que retira à pessoa que lhe está subme­
e de tudo quanto me era querido. Na verdade, até aqueles tida toda c qualquer esperança de ver confirmados os seus próprios fundamentos.
[a quem mais amei Aquilo a que, mais amplamentc, poderíamos chamar um «Bico-dc-Obra»...
palmcntc aqueles que tem formação biológica, costumam perguntar
onde iriam eles buscar tempo para compreender os seus pacientes,
Bibliografia
se tem tantos para atender diariamente... E claro que, na opinião deles,
se veem forçados a contcntar-se com medidas paliativas».
Seria «melhor», para eles, manipular os genes... se esses genes
existissem!...
Que fazer, então? Estamos cm crer que o melhor é tentar insis­
tir na aceitação e na compreensão dessas pessoas, por muito difícil
que seja essa tarefa. Pode ser que, mais tarde ou mais cedo, venha­
mos nós e elas a reconhecer a vantagem de caminharmos juntos com
um mínimo de cumplicidade. Talvez então se possa construir algo
de mais adequado para as nossas vidas c para a vida delas. E o que
nos parece. Mas é claro que podemos muito bem estar enganados.
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Portuguesa, 2 volumes
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Conhecer o Conhecimento
Eduardo Chitas e Hcrnâni Resende (org. de)
Filosofia. História. Conhecimento. Homenagem a Vasco
de Magalhães-Vilhena
Giscla da Conceição
Ler Allhusser, Leitor de Marx
José Barata-Moura
Da Representação à «Práxis»
Ontologia da «Práxis» e Idealismo
A «Realização da Razão». Um Programa Hegeliano? A Editorial Caminho está interessada em conhecer
João Maria Freitas Branco
a opinião dos leitores sobre as obras que publica.
Dialéctica, Ciência e Natureza
Ficar-lhe-emos gratos se nos enviar a sua apreciação
Manfred Buhr sobre o conteúdo, apresentação ou qualquer outro
Immanuel Kant aspecto deste volume (não se esqueça de referir o
Nicolai Lápinc título), bem como sugestões de livros que gostaria
O Jovem Marx de ver publicados.

Victor Farias
Heidegger e o Nazismo Escreva para

EDITORIAL CAMINHO

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1200 LISBOA

indicando-nos, também, a sua morada, idade e p ro ­


fissão.

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