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QUESTÕES
n 1. Quais os fatores que um médico deveria considerar no pla- VO
Via subcutânea
nejamento de um esquema farmacológico para tratar tanto
a tuberculose aguda quanto a doença subjacente por HIV
dessa paciente? Via transdérmica
n 2. Um dos fármacos de primeira linha no tratamento da tuber-
culose é a rifampicina, que diminui a eficiência dos inibidores
da protease do HIV. Qual o mecanismo envolvido nessa
interação medicamentosa?
n 3. A isoniazida é outro fármaco comumente utilizado no trata-
mento da tuberculose. Por que a origem étnica da Srta. B
dá a seu médico motivo para se preocupar ao considerar o
uso desse fármaco? GI IV
3. N-Desalquilação O Metanfetamina
R1
R1 + Lidocaína
N R2
H NH2 H R2
4. O-Desalquilação O Codeína
O R2 OH +
R R H R2
5. S-Oxidação O Fenotiazina
S S
Cimetidina
R1 R2 R1 R2
6. N-Oxidação H Quinidina
NH2 N
R R OH
7. Dessulfuração S O Tiopental
R1 R2 R1 R2
3. Descarboxilação OH Levodopa
R R OH
+ CO2
O
III. Reduções
1. Redução Nitro O2N H2N Nitrofurantoína
R R Cloranfenicol
2. Desalogenação R X R H Halotano
Cloranfenicol
3. Redução Carbonil O OH Metadona
Naloxona
R1 R2 R1 R2
compostos através da ligação de grupos hidrofílicos, como o áci- independentemente das reações de oxidação/redução e que as
do glicurônico, criando conjugados mais polares (Quadro 4.2). enzimas envolvidas nas reações de oxidação/redução e de con-
É importante assinalar que essas reações de conjugação ocorrem jugação/hidrólise freqüentemente competem pelos substratos.
Metabolismo dos Fármacos | 49
II. Conjugação
1. Glicuronidação COOH
COOH Diazepam
O Digoxina
O OH
OH + OH UDP O
R Ezetimibe
R O OH
OH OH
OH
2. Acetilação O O Isoniazida
OH + CoA R Sulfonamidas
R
S O
O NH2
H
N
HOOC N COOH
H
O
S
R
H
HOOC N
R O
S
6. N-Metilação H Metadona
R1
N
R2 R1
N
R2
Norepinefrina
7. O-Metilação HO R O R Catecolaminas
HO HO
8. S-Metilação SH S Tiopurinas
R R
50 | Capítulo Quatro
A NADP+ NADPH
Flavoproteína Flavoproteína
(reduzida) (oxidada)
2
+e-
RH P450-Fe2+
+e-
RH P450-Fe3+ 3
O2
RH P450-Fe2+
H2O
O2-
1
4
P450-Fe3+
R-H R-OH
(fármaco original) (fármaco oxidado)
R-OH H H
B (fármaco oxidado) 0
H2O R-H (fármaco original)
H2O
Fe3+ H2O
0 6
Heme 1
R-H R-H
Fe3+ Fe3+
Flavoproteína NADP+
(reduzida)
H2O e-
5
2 Flavoproteína NADPH
2H+ (oxidada)
2-
0 0
R-H R-H
Fe3+ Fe2+
0 0-
4 0 0
R-H R-H O2
3
e- Fe2+ Fe3+
(do NADPH)
Fig. 4.2 Oxidação de fármacos mediada pelo citocromo P450. Muitas reações de metabolismo dos fármacos envolvem um sistema de enzimas microssômicas
hepáticas P450, que catalisam a oxidação dos fármacos. A. De modo global, a reação envolve uma série de etapas de oxidação/redução, em que a fração da
enzima P450 que contém ferro atua como transportadora de elétrons para transferir elétrons do NADPH para o oxigênio molecular. A seguir, o oxigênio reduzido
é transferido para o fármaco, resultando em um grupo -OH adicional sobre o fármaco oxidado (por esse motivo, as enzimas P450 são algumas vezes designadas,
de modo coloquial, como “pistolas de oxigênio” ou até mesmo “maçarico da natureza”). A adição do grupo -OH resulta em aumento da hidrofilicidade do
fármaco e taxa aumentada de sua excreção. B. O mecanismo detalhado da reação P450 pode ser dividido em seis etapas: (1) o fármaco forma um complexo
com o citocromo P450 oxidado; (2) o NADPH doa um elétron à flavoproteína redutase, que reduz o complexo P450-fármaco; (3 e 4) o oxigênio une-se ao
complexo, e o NADPH doa outro elétron, criando o complexo oxigênio ativado-P450-substrato; (5) o ferro é oxidado, com perda de água; e (6) ocorre formação
do produto oxidado do fármaco. Existem numerosas enzimas P450, e cada uma delas possui uma especificidade ligeiramente diferente para substratos (como
fármacos). Cinco das enzimas P450 humanas (1A2, 2C9, 2C19, 2D6 e 3A4) são responsáveis por cerca de 95% do metabolismo oxidativo dos fármacos.
tos para metabolismo enzimático e excreção na bile) e para diversas moléculas importantes. A proteína de resistência a
a depuração renal (transporte nas células tubulares proximais múltiplos fármacos 1 (MDR1, multidrug resistance protein 1)
e excreção na luz tubular). Esses processos são mediados por ou a P-glicoproteína, que é um membro da família ABC de
52 | Capítulo Quatro
A D D D
Extracelular
Citoplasma OH
D D D D D D
A C I
Núcleo
Co-ativador
A
RXR
PXR Transcrição do P450
Fig. 4.4 Conceitualização da indução e inibição do P450. Os fármacos podem tanto induzir a expressão quanto inibir a atividade das enzimas P450. Alguns
fármacos são capazes de induzir a síntese de enzimas P450 (painel da esquerda). Nesse exemplo, o fármaco A ativa o receptor de pregnano X (PXR), que
sofre heterodimerização com o receptor de retinóides (RXR) e forma um complexo com co-ativadores, dando início à transcrição da enzima P450. Pode ocorrer
também indução através do receptor de androstano constitutivamente ativo (CAR) ou do receptor de aril hidrocarboneto (AhR) (não indicado). O fármaco D
penetra na célula e é hidroxilado por uma enzima P450 (painel da direita). A enzima P450 pode ser inibida por um segundo fármaco que atua como inibidor
competitivo (fármaco C) ou como inibidor irreversível (fármaco I). O mecanismo pelo qual um fármaco inibe as enzimas P450 não é necessariamente previsível
com base na estrutura química do fármaco; o mecanismo só pode ser determinado experimentalmente. Além disso, os metabólitos dos fármacos A, C e I
podem desempenhar um papel na indução e na inibição das enzimas (não indicados).
O Quadro 4.3 fornece uma lista detalhada de compostos P450, que ativa a mitomicina C; e (2) a reoxidação do fármaco
passíveis de inibir ou de induzir as enzimas P450 comuns. é inibida em condições hipóxicas.
Outros exemplos de metabólitos tóxicos, incluindo o caso
importante do acetaminofeno, são discutidos no Cap. 5.
METABÓLITOS ATIVOS E TÓXICOS
O conhecimento das vias pelas quais os agentes terapêuticos
são metabolizados pode afetar a escolha do fármaco prescrito FATORES INDIVIDUAIS QUE AFETAM O
para determinada situação clínica. Isso se aplica tanto à situação
em que o metabólito é ativo, quando o agente administrado METABOLISMO DOS FÁRMACOS
pode atuar como pró-fármaco, quanto à situação em que o
fármaco possui metabólitos tóxicos (ver Cap. 5). Por diversas razões, as velocidades das reações de biotrans-
Os pró-fármacos são compostos inativos que são meta- formação podem variar acentuadamente de uma pessoa para
bolizados pelo corpo a suas formas terapêuticas ativas. Um outra. Entre esses fatores, os mais importantes são discutidos
exemplo de pró-fármaco é fornecido pelo tamoxifeno, um anta- a seguir.
gonista seletivo dos receptores de estrogênio; esse fármaco tem
pouca atividade até sofrer hidroxilação, produzindo 4-hidroxi-
tamoxifeno, um metabólito que é 30 a 100 vezes mais ativo
FARMACOGENÔMICA
do que o composto original. Outro exemplo é o antagonista Os efeitos da variabilidade genética sobre o metabolismo dos
dos receptores de angiotensina II, o losartan; a potência desse fármacos constituem uma importante parte da nova ciência da
fármaco aumenta 10 vezes com a oxidação de seu grupo álcool farmacogenômica (ver Cap. 52). Certas populações exibem
a ácido carboxílico pela 2C9 do P450. polimorfismos ou mutações em uma ou mais enzimas envolvi-
A estratégia de ativação seletiva de pró-fármacos pode ser das no metabolismo dos fármacos, modificando a velocidade
utilizada com benefícios terapêuticos na quimioterapia do cân- de algumas dessas reações e eliminando outras por completo.
cer. Um exemplo dessa estratégia consiste no uso de mitomi- Essas diferenças farmacogenéticas devem ser consideradas nas
cina C, um composto de ocorrência natural, que é ativado a tomadas de decisões terapêuticas e na dosagem dos fármacos.
um poderoso agente alquilante do DNA após ser reduzido por Por exemplo, um em cada 2.000 caucasianos é portador de
várias enzimas, incluindo uma redutase do citocromo P450. A uma alteração genética na enzima plasmática colinesterase,
mitomicina C mata seletivamente as células cancerosas hipó- que metaboliza um relaxante muscular, a succinilcolina (entre
xicas na parte central de tumores sólidos, visto que: (1) essas outras funções). Essa forma alterada da enzima apresenta uma
células apresentam níveis elevados da redutase do citocromo redução de afinidade pela succinilcolina de cerca de 1.000
54 | Capítulo Quatro
QUADRO 4.3 Alguns Substratos, Indutores e Inibidores Farmacológicos das Enzimas do Citocromo P450
ENZIMA P450 SUBSTRATOS INIBIDORES INDUTORES
3A4 do P450 Agentes anti-HIV Agentes antifúngicos (azólicos) Agentes anti-HIV
Indinavir Cetoconazol Efavirenz
Nelfinavir Itraconazol Nevirapina
Ritonavir Agentes anti-HIV Antiepilépticos
Saquinavir Delavirdina Carbamazepina
Antibióticos macrolídios Indinavir Fenitoína
Claritromicina Ritonavir Fenobarbital
Eritromicina Saquinavir Oxcarbazepina
Benzodiazepínicos Antibióticos macrolídios Rifamicinas
Alprazolam Claritromicina Rifabutina
Midazolam Eritromicina Rifampina
Triazolam Troleandomicina (não azitromicina) Rifapentina
Bloqueadores dos canais do cálcio Bloqueadores dos canais de cálcio Outros
Diltiazem Diltiazem Erva-de-são-joão
Felodipina Verapamil
Nifedipina Outros
Verapamil Cimetidina
Estatinas Mifepristona
Atorvastatina Nefazodona
Lovastatina Norfloxacina
Imunossupressores Suco de toranja (grapefruit)
Ciclosporina
Tacrolimus
Outros
Loratadina
Losartan
Quinidina
Sildenafil
2D6 do P450 Agentes antiarrítmicos Agentes antiarrítmicos Nenhum identificado
Flecainida Amiodarona
Mexiletina Quinidina
Propafenona Antidepressivos
Antagonistas  Clomipramina
Alprenolol Antipsicóticos
Bufuralol Haloperidol
Carvedilol Inibidores da recaptação de 5-HT
Metoprolol Fluoxetina
Pembutolol Paroxetina
Propranolol
Timolol
Antidepressivos
Amitriptilina
Clomipramina
Desipramina
Imipramina
Nortriptilina
Antipsicóticos
Haloperidol
Perfenazina
Risperidona
Venlafaxina
Inibidores da recaptação de 5-HT
Fluoxetina
Paroxetina
(Continua)
Metabolismo dos Fármacos | 55
QUADRO 4.3 Alguns Substratos, Indutores e Inibidores Farmacológicos das Enzimas do Citocromo P450 (continuação)
vezes, resultando em eliminação mais lenta e em circulação dos. A enzima em questão é a N-acetiltransferase, que inativa a
prolongada do fármaco ativo. Caso seja alcançada uma con- isoniazida por uma reação de acetilação (conjugação). O fenó-
centração plasmática de succinilcolina suficientemente alta, tipo de “acetilador lento” é expresso em 45% dos indivíduos
podem ocorrer paralisia respiratória e morte, a não ser que o brancos e negros nos Estados Unidos e por alguns europeus
paciente receba suporte com respiração artificial até que ocorra que vivem em altas latitudes norte. O fenótipo de “acetilador
a depuração do fármaco. rápido” é encontrado em mais de 90% dos asiáticos e nos inuítes
Pode-se observar uma situação semelhante com a isoniazida, dos Estados Unidos. Os níveis sangüíneos de isoniazida estão
um dos fármacos considerados no tratamento da tuberculose quatro a seis vezes mais elevados nos acetiladores lentos do que
da Srta. B. A variabilidade genética, na forma de traço autos- nos acetiladores rápidos. Além disso, como o fármaco livre atua
sômico recessivo disseminado, que resulta em diminuição da como inibidor das enzimas P450, os acetiladores lentos estão
síntese de uma enzima, leva a um retardo do metabolismo desse mais sujeitos a interações medicamentosas adversas. Caso a
fármaco em certos subgrupos da população dos Estados Uni- Srta. B expresse o fenótipo de acetilador lento, e a sua dose
56 | Capítulo Quatro
de isoniazida não for diminuída com base nesse fato, a adição e colapso circulatório, resultando na palidez e na cianose que
de isoniazida a seu esquema posológico pode potencialmente deram o nome a essa síndrome.
ter um efeito tóxico. No indivíduo idoso, observa-se uma diminuição geral de sua
capacidade metabólica. Em conseqüência, é preciso ter um cui-
dado especial na prescrição de fármacos ao idoso. Esse declínio
ETNICIDADE E POLIMORFISMOS GENÉTICOS de função tem sido atribuído a diminuições relacionadas com a
Alguns aspectos genéticos da etnicidade afetam o metabo- idade na massa do fígado, na atividade das enzimas hepáticas
lismo dos fármacos. Em particular, as diferenças observadas e no fluxo sangüíneo hepático.
nas ações de fármacos entre etnicidades têm sido atribuídas a Há algumas evidências de diferenças no metabolismo de
polimorfismos em genes específicos. Por exemplo, a 2D6 do fármacos em ambos os sexos, embora os mecanismos envolvi-
P450 é funcionalmente inativa em 8% dos caucasianos, porém dos não estejam bem elucidados e os dados obtidos de animais
em apenas 1% dos asiáticos. Além disso, os afro-americanos de laboratório não sejam particularmente esclarecedores. Foi
exibem uma alta freqüência de um alelo 2D6 do P450, que relatada uma diminuição na oxidação de etanol, estrogênios,
codifica uma enzima com atividade diminuída. Essas observa- benzodiazepínicos e salicilatos nas mulheres em comparação
ções são clinicamente relevantes, visto que a 2D6 do P450 é com os homens, que pode estar relacionada aos níveis de hor-
responsável pelo metabolismo oxidativo de cerca de 20% dos mônios androgênicos.
fármacos — incluindo muitos antagonistas  e antidepressivos
tricíclicos — e pela conversão da codeína em morfina.
Em alguns casos, um polimorfismo no gene-alvo constitui a
DIETA E AMBIENTE
base de diferenças étnicas observadas na ação de determinados Tanto a dieta quanto o ambiente podem alterar o metabolismo
fármacos. A atividade da enzima epóxido de vitamina K reduta- dos fármacos ao induzir ou ao inibir as enzimas do sistema
se (VKORC1), que constitui o alvo do anticoagulante varfarina, P450. Um exemplo interessante é o suco de toranja (grapefruit).
é afetada por polimorfismos de nucleotídios simples (SNP), Os derivados do psoraleno e os flavonóides encontrados no
que tornam um indivíduo mais ou menos sensível à varfarina e suco de toranja inibem tanto a 3A4 do P450 quanto o MDR1 no
que determinam a administração de doses mais baixas ou mais intestino delgado. A inibição da 3A4 do P450 diminui significa-
altas do fármaco, respectivamente. Em um estudo, foi consta- tivamente o metabolismo de primeira passagem de fármacos co-
tado que certas populações asiático-americanas apresentavam administrados que também são metabolizados por essa enzima,
haplótipos (combinações herdadas de diferenças de bases/SNP enquanto a inibição do MDR1 aumenta significativamente a
individuais) associados a uma sensibilidade aumentada à varfa- absorção de fármacos co-administrados que são substratos para
rina, enquanto populações afro-americanas exibiam haplótipos efluxo por essa enzima. O efeito do suco de toranja é impor-
associados a um aumento da resistência à varfarina. Talvez o tante quando esse suco é ingerido com fármacos metabolizados
exemplo mais proeminente de terapia baseada em polimorfismo por essas enzimas. Esses fármacos incluem alguns inibidores da
genético seja a associação de dinitrato de isossorbida e hidrala- protease, antibióticos macrolídios, inibidores da hidroximetil
zina em dose fixa (também conhecida como BiDil). Foi relatado glutaril CoA redutase (estatinas) e bloqueadores dos canais de
que essa associação de vasodilatadores produz uma redução de cálcio. O saquinavir é um dos inibidores da protease que é
43% na taxa de mortalidade de afro-americanos com insuficiên- metabolizado pela 3A4 do P450 e exportado pelo MDR1. No
cia cardíaca. Embora a base bioquímica nesse efeito não seja caso descrito no início deste capítulo, a Srta. B deveria ter sido
conhecida, esses dados clínicos demonstram que os polimorfis- alertada quanto ao fato de que a ingestão simultânea de suco
mos genéticos podem representar uma consideração essencial de toranja e de saquinavir pode resultar inadvertidamente em
na escolha do tratamento e das doses de um fármaco. níveis séricos tóxicos do inibidor da protease.
Como muitas substâncias endógenas utilizadas nas reações
de conjugação derivam, em última análise, da dieta (e também
IDADE E SEXO necessitam de energia para a produção dos co-fatores apro-
O metabolismo dos fármacos também pode diferir entre indi- priados), a nutrição pode afetar o metabolismo dos fármacos
víduos como resultado de diferenças de idade e sexo. Muitas ao alterar o reservatório dessas substâncias disponíveis para as
reações de biotransformação têm a sua velocidade reduzida enzimas de conjugação. A exposição a poluentes pode, de modo
tanto em crianças de pouca idade quanto no indivíduo idoso. Ao semelhante, produzir efeitos radicais sobre o metabolismo dos
nascimento, os recém-nascidos são capazes de efetuar muitas fármacos; um exemplo é a indução das enzimas P450 media-
das reações oxidativas, mas não todas elas; todavia, a maioria da por AhR através de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos
desses sistemas enzimáticos envolvidos no metabolismo de presentes na fumaça do cigarro.
fármacos amadurece gradualmente no decorrer das primeiras
2 semanas de vida e durante toda a infância. É interessante
lembrar que a icterícia neonatal resulta de uma deficiência da
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS METABÓLICAS
enzima de conjugação da bilirrubina, a UDPGT. Outro exemplo Os fármacos podem, potencialmente, afetar a biodisponibili-
de deficiência de enzima de conjugação que está associada a dade oral, a ligação às proteínas plasmáticas, o metabolismo
um risco de toxicidade em lactentes é a denominada síndrome hepático e a excreção renal de fármacos co-administrados.
do bebê cinzento. As infecções por Hemophilus influenzae em Entre as categorias de interações medicamentosas, os efeitos
lactentes eram antigamente tratadas com o antibiótico cloran- sobre a biotransformação têm uma importância clínica especial.
fenicol; a excreção desse fármaco exige uma transformação O conceito de indução e inibição das enzimas do P450 já foi
oxidativa, seguida de reação de conjugação. O metabólito de introduzido. Uma situação clínica comum que precisa levar em
oxidação do cloranfenicol é tóxico; se esse metabólito não sofrer consideração esse tipo de interação medicamentosa é a pres-
conjugação, seus níveis podem aumentar no plasma, alcançando crição de determinados antibióticos a mulheres em uso de con-
concentrações tóxicas. Em conseqüência da presença de níveis tracepção hormonal. Por exemplo, a indução enzimática pelo
tóxicos do metabólito, os recém-nascidos podem sofrer choque antibiótico rifampicina faz com que a contracepção hormonal à
Metabolismo dos Fármacos | 57
base de estrogênio seja ineficaz em doses convencionais, visto P450 e outras enzimas hepáticas cruciais para o metabolismo
que a rifampicina induz a 3A4 do P450, que é a principal enzima dos fármacos. Em conseqüência desse metabolismo mais lento,
envolvida no metabolismo do componente estrogênico comum, os níveis das formas ativas de muitos fármacos podem atingir
o 17␣-etinilestradiol. Nessa situação, é necessário recomen- valores significativamente mais altos do que o desejado, causan-
dar outros métodos de contracepção durante o tratamento com do efeitos tóxicos. Por conseguinte, pode ser necessário reduzir
rifampicina. A Srta. B deve ser alertada dessa interação se a as doses de muitos fármacos em pacientes com hepatopatia.
rifampicina for acrescentada ao esquema terapêutico. A erva- A doença cardíaca concomitante também pode afetar o meta-
de-são-joão, um fitoterápico, também produz indução da 3A4 bolismo dos fármacos. A intensidade do metabolismo de muitos
do P450 e, por conseguinte, possui um efeito semelhante sobre fármacos, como o antiarrítmico lidocaína e o opióide morfina,
a contracepção hormonal à base de estrogênio. Outro fenômeno depende da liberação de fármacos ao fígado através da corrente
associado à indução enzimática é a tolerância, que pode ocor- sangüínea. Como o fluxo sangüíneo está comumente compro-
rer quando um fármaco induz o seu próprio metabolismo e, metido na doença cardíaca, é preciso estar extremamente atento
dessa maneira, diminui a sua eficácia com o decorrer do tempo para o potencial de níveis supraterapêuticos de fármacos em
(ver a discussão anterior sobre a carbamazepina, bem como a pacientes com insuficiência cardíaca. Além disso, alguns agen-
discussão da tolerância no Cap. 17). tes anti-hipertensivos reduzem seletivamente o fluxo sangüíneo
Como os fármacos são freqüentemente prescritos em asso- para o fígado e, por conseguinte, podem aumentar a meia-vida
ciação com outros produtos farmacêuticos, deve-se dispensar de um fármaco como a lidocaína, resultando em níveis poten-
uma cuidadosa atenção aos fármacos metabolizados pelas mes- cialmente tóxicos.
mas enzimas hepáticas. A administração concomitante de dois O hormônio tireoidiano regula o metabolismo basal do corpo
ou mais fármacos que são metabolizados pela mesma enzima que, por sua vez, afeta o metabolismo dos fármacos. O hiper-
resultará, em geral, em níveis séricos mais elevados dos fárma- tireoidismo pode aumentar a intensidade do metabolismo de
cos. Os mecanismos de interação medicamentosa podem envol- alguns fármacos, enquanto o hipotireoidismo pode ter o efeito
oposto. Acredita-se também que outras afecções, como doença
ver inibição competitiva dos substratos, inibição alostérica ou
pulmonar, disfunção endócrina e diabetes, também afetam o
inativação enzimática irreversível; em qualquer um dos casos,
metabolismo dos fármacos, porém os mecanismos envolvidos
pode-se verificar uma elevação aguda dos níveis de fármacos,
levando, possivelmente, a resultados deletérios. Por exemplo, a nesses efeitos ainda não estão totalmente elucidados.
eritromicina é metabolizada pela 3A4 do P450, porém o meta-
bólito nitrosoalcano resultante pode formar um complexo com n Conclusão e Perspectivas Futuras
a 3A4 do P450 e inibir a enzima. Essa enzima pode levar a Neste capítulo, foi feita uma revisão de diversos aspectos do
interações medicamentosas potencialmente fatais. Um exemplo metabolismo dos fármacos, incluindo os locais de biotransfor-
notável é a interação entre a eritromicina e a cisaprida, um fár- mação, o transporte e o metabolismo enzimático dos fármacos
maco que estimula a motilidade do trato GI. As concentrações nesses locais e fatores individuais passíveis de afetar essas
tóxicas de cisaprida podem inibir os canais de potássio HERG reações. O caso da Srta. B ilustra as implicações clínicas do
no coração e, assim, induzir arritmias cardíacas potencialmente metabolismo dos fármacos, incluindo as possíveis influências
fatais; por esse motivo, a cisaprida foi retirada do mercado em da etnicidade e das interações medicamentosas sobre a terapia
2000. Antes de sua retirada, a cisaprida era freqüentemente farmacológica. A compreensão do metabolismo dos fármacos
bem tolerada como agente único. Entretanto, como a cisaprida
e, em particular, da interação desses fármacos dentro do corpo
é metabolizada pela 3A4 do P450, quando a atividade des-
permite a aplicação dos princípios de biotransformação ao
sa enzima é comprometida em decorrência da administração
planejamento e uso da terapia. À medida que a farmacogenômi-
concomitante de eritromicina ou de outro inibidor da 3A4 do
ca e o planejamento racional de fármacos forem liderando a
P450, as concentrações séricas de cisaprida podem aumentar e
pesquisa farmacológica no futuro, a melhor compreensão da
alcançar níveis associados a indução de arritmias. Em outros
casos, as interações medicamentosas podem ser benéficas. Por biotransformação também deverá contribuir para um tratamen-
exemplo, conforme assinalado anteriormente, a ingestão de to farmacológico das doenças mais individualizado, eficaz e
metanol (um componente do álcool metílico) pode resultar em seguro. Esse tópico é discutido no Cap. 52.
cegueira ou morte, visto que os seus metabólitos (formaldeí-
do, um agente utilizado no embalsamamento, e ácido fórmico, n Leituras Sugeridas
um componente do veneno de formiga) são altamente tóxicos. Burchard EG, Ziv E, Coyle N, et al. The importance of race and ethnic
Um tratamento para o envenenamento por metanol consiste na background in biomedical research and practice. N Engl J Med
administração de etanol, que compete com o metanol pela sua 2003;348:1170–1175. (A compreensão atual sobre a variabilidade
oxidação pela álcool desidrogenase (e, em menor grau, pela étnica em resposta à administração de fármacos.)
2D1 do P450). A conseqüente demora na oxidação permite a Fura A. Role of pharmacologically active metabolites in drug dis-
depuração renal do metanol antes que possa haver formação de covery and development. Drug Discov Today 2006;11:133–142.
seus subprodutos tóxicos no fígado. (Mais detalhes sobre o papel dos metabólitos ativos na atividade
dos fármacos.)
Guengerich FP. Cytochrome P450s, drugs, and diseases. Mol Interv
DOENÇAS QUE AFETAM O METABOLISMO DOS 2003;3:194–204. (Revisão do sistema P450, seu papel no meta-
bolismo das drogas e os efeitos das doenças no metabolismo dos
FÁRMACOS fármacos.)
Muitos estados mórbidos podem afetar a velocidade e a exten- Ho RH, Kim RB. Transporters and drug therapy: implications for drug
disposition and disease. Clin Pharmacol Ther 2005;78: 260–277.
são do metabolismo de fármacos no corpo. Como o fígado (Revisão do papel desempenhado pelos transportadores de fárma-
constitui o principal local de biotransformação, muitas doenças cos no metabolismo deles.)
hepáticas comprometem significativamente o metabolismo dos Wilkinson GR. Drug metabolism and variability among patients in drug
fármacos. A hepatite, a cirrose, o câncer, a hemocromatose e a response. N Engl J Med 2005;352:2211–2221. (Uma excelente revi-
esteatose hepática podem comprometer as enzimas do citocromo são básica do sistema P450 e das interações medicamentosas.)