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O SILÊNCIO EM DESALINHO:
Rastros da solidão na poesia de Laura Liuzzi

Camila Rodrigues Boff (mestranda Letras/UFRGS)

PARA COMEÇAR, TRÊS BREVES CENAS

Cena nº 1: um corpo deitado na penumbra. Não dorme. Está inerte, mas não
dorme. São três da madrugada, e o corpo deitado na penumbra amarga a solidão.
Cena nº 2: um corpo sentado em uma cadeira no canto de um café qualquer.
Observa. Ouve os ruídos à volta: muita gente que não cansa de falar, uma xícara que
quebra. O corpo sentado a sua frente não estabelece diálogo. Os dois corpos em um
café qualquer, amargam a solidão.
Cena nº 3: um corpo habita uma casa vazia. O dia é especial, mas o telefone
não toca. Espera. Não tem esperança, mas espera. Em silêncio, o corpo habitante
amarga a solidão.
Corpos solitários e silentes. Corpos que se isolam e não conseguem falar
sobre aquilo que os aflige. Na contemporaneidade, é comum encontrar cenas como as
descritas acima. Elas beiram o clichê do solitário que observa, que não dorme, das
pessoas que não se reconhecem mais. No entanto, o ritmo acelerado das metrópoles
impõe aos corpos a sua própria medida, obrigando todos a correrem no tempo que o
capital determina. Todos correm, mas também sentem os efeitos da corrida em busca
de sempre possuírem mais: cansados, os sujeitos se isolam; então, o corpo reclama a
solidão, o silêncio: já não dorme, já não fala, já não vive.
Contemporaneamente, muitos são os corpos que se encontram em desajuste,
e, em sua própria terra, não encontram paragem, vagam sozinhos pelos dias,
amargando a solidão, essa que parece se constituir como um dos males do século
XXI. Na poesia brasileira contemporânea, podem ser destacados alguns autores que
trazem eu-líricos marcados por essa questão, apartados em meio às multidões das
grandes cidades. A produção da poeta carioca Laura Liuzzi (1985) pode ser citada
como uma das que evocam essa temática, sobretudo em Desalinho, segundo livro da
autora, publicado pela Cosac Naify em 2014.
Desalinho é uma coletânea composta por 49 poemas, onde todos, de alguma
forma, versam sobre as relações humanas, sobre o cotidiano cansado de um sujeito
lírico pós-moderno que precisa lidar com a rapidez da vida contemporânea. Em meio a
bares, praias, aeroportos e noites mal dormidas, esse sujeito precisa entender quem
ele é e o que o rodeia. Ele está sozinho, e, sozinho, é um corpo em silêncio.
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Nesse sentido, este texto segue os rastros da solidão na poesia de Laura


Liuzzi, solidão que incide diretamente na linguagem, uma vez que esse sujeito
(fragmentado) precisa lidar com o silêncio: seja a incomunicabilidade com o outro
(sempre há um outro), sejam os não-ditos de um sujeito que, perturbado com a
situação de deriva, não consegue falar. Através de um corpus de seis poemas, esta
escrita é uma tentativa de fazer alguns apontamentos sobre a solidão e o silêncio
presentes em Desalinho, visto que são dois traços característicos da sociedade
contemporânea.

A VIDA ESCORRE

Para o escritor português Valter Hugo Mãe (2015), “o sentido da vida está nas
relações”. Se não há o contato com o outro, se não se estabelece qualquer tipo de
vínculo, como não sentir-se perdido?
A palavra “deriva” parece ser muito apropriada para descrever o sujeito
contemporâneo. A metáfora de algo que perdeu a âncora e se encontra solto nas
águas, à deriva, faz lembrar Zygmunt Bauman, para quem a sociedade líquido-
moderna é aquela em que nada pode durar (BAUMAN, 2001). Na modernidade líquida
nada é sólido, logo, nada é estável. O barco que perde a âncora perde estabilidade,
por isso deriva pelas águas de um mar profundo e desconhecido. Assim são as
relações humanas nessa sociedade: quando se pensa que algo vá se tornar
duradouro, tudo muda e se liquefaz. Nada é fixo, nem as identidades: tudo é fluído,
tudo escapa, tudo foge aos dedos sedentos dos que perderam o norte. A vida escorre
pelos dedos, pelo corpo, e dela só resta o lastro, gotículas que logo evaporam.
As incertezas provocadas pelo mundo líquido-moderno incidem sobre
qualquer coisa que diga respeito às relações humanas. Para Bauman, até mesmo o
amor-próprio está relacionado com o outro, uma vez que ele nada mais é que a
vontade e a esperança do sujeito de ser amado por outrem (BAUMAN, 2004: 100).
Nesse sentido, muitos dos discursos de independência que estão em voga parecem
ser apenas uma forma de mascarar a vontade e a necessidade do outro. Nas palavras
do sociólogo, “para termos amor-próprio, precisamos ser amados. [...] O amor-próprio
é construído a partir do amor que nos é oferecido por outros. [...]. Outros devem nos
amar primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos” (BAUMAN, 2004: 100).
Vive-se, portanto, em função do outro, mas o outro é aquilo que invariavelmente
escapa.
O outro, errático, escapável, inapreensível, leva consigo a felicidade. Ela
também escapa. Gilles Lipovetsky, em Felicidade Paradoxal (2007), fala sobre a
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felicidade como o ideal supremo, a eterna busca. Desde os modernos, a felicidade foi
colocada no horizonte de todas as pessoas: todos podem desejá-la e alcançá-la. No
entanto, inapreensível, escapável, a felicidade pode se constituir apenas como
horizonte: caminha-se em sua direção, mas ele nunca é alcançado. É nesse contexto
que surgem as sociedades de hiperconsumo, uma vez que o produto, que pode ser
comprado, aparece como um substituto para o outro que escapa. “Produzimos e
consumimos sempre mais, não somos mais felizes por isso” (LIPOVETSKY, 2007:
336).
Inevitavelmente, o ser humano se torna incompleto. Ele não é pleno,
necessita do outro para se tornar um inteiro. Precisa do outro para conhecer a
felicidade:

Dependente dos outros para ser plenamente feliz, minha


felicidade é necessariamente fugidia e instável. Sem o outro,
não sou nada, com o outro estou à mercê dele [...]. A lição é
luminosa: porque não podemos ser felizes sozinhos, não
somos senhores da felicidade. Ela nos ‘acontece’ ou nos
abandona, em grande parte, sem nós, é por excelência o que
não possuímos (LIPOVETSKY, 2007: 352-353).

Mesmo que não se possa ser feliz sem o outro, é nele que se deposita todo o
poder sobre a felicidade. Mas o outro não é “possuível”, ele é o que não se aprisiona.
A felicidade se apresenta, então, como uma espécie de duplo desse outro: ambos
voam e deixam gaiolas vazias e silenciosas. E esse silêncio que ecoa no vazio não é
vazio. É um silêncio carregado de angústia, é o silêncio da incomunicabilidade, de
querer, mas não conseguir dizer.
Nesse sentido, de acordo com Michele Federico Sciacca, não existe silêncio
destituído de sentido: assim como existem palavras que nada dizem, existem silêncios
que falam mais que qualquer palavra (SCIACCA, 1967: 22). Tendo em vista que a
realidade é fragmentada, onde o sujeito não encontra palavras para dizer o que sente,
é importante lembrar George Steiner (1988: 44), para quem o número de realidades de
que a palavra pode dar conta diminuiu (STEINER, 1988: 44). Assim, a linguagem não
abarca tudo, mas apenas um recorte da realidade, onde talvez a maior parcela seja
silêncio (STEINER, 1988: 40). Os tempos líquido-modernos são os tempos da palavra
presa na garganta, onde “vivemos dispersos na dispersão de mil coisas não
essenciais” (SCIACCA, 1967: 52).

ESCANDINDO SOLIDÕES
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Os estilhaços desse sujeito fragmentado se espelham no eu-lírico dos


poemas que serão analisados a seguir. Sendo sempre um “eu” que fala, uma das
características formais que se sobressaem na leitura é a quantidade de enjambement
que são utilizados. São muitos encadeamentos, versos que precisam ser completados
no verso seguinte. Talvez isso seja uma marca de uma “dicção solitária”, onde a busca
da voz poética pelo outro se delineia na estrutura:

Quantos adjetivos
não disse para que
não interrompesse
o seu modo de
acontecer
com esse impulso
besta, classificatório (LIUZZI, 2014: 27).

Outro recurso formal que pode ser alinhavado a essa voz solitária é a quebra
de ritmo que ocorre em meio a vários versos. A leitura exige uma pausa, ocasionando
uma espécie de desconforto, refletindo o desalinho do sujeito lírico: “Se de repente
acordo/ é madrugada/ surpreende o coração/ descansa sobre os lençóis/ exausto”
(LIUZZI, 2014: 8). Aqui, por exemplo, é claramente perceptível que o terceiro verso
sofre uma interrupção em “surpreende”, que não acompanha a quebra formal. O
coração descansando sobre a cama, fora do corpo, é desconfortável para o eu-lírico.
Nesse mesmo poema, intitulado “Coração sobre cama”, o eu-lírico acorda em
meio à madrugada, esperando encontrar alguém que não está lá. A primeira estrofe é
explícita:

Se repente acordo
é madrugada
surpreende o coração
descansa sobre os lençóis
exausto
não tenho sede nem sono
e nem mais coração.
Se acordei e é madrugada
era pra ver você
que não está nessa cama (LIUZZI, 2014: 8).

Nos momentos de sofrimento, de uma seca e vazia angústia, é necessário


retirar o coração. Se, popularmente, ele é o órgão ligado ao sentimento, ele será foco
de amargura e ansiedade, então precisa ser apartado do corpo para que a vida possa
ser ordenada novamente, ou para que ao menos se tenha a ilusão de que não haverá
mais dor. A insônia é o fio condutor do poema, e parece se constituir como um traço
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da pós-modernidade: a voracidade da vida, das metrópoles, o consumo desenfreado,


a diluição dos laços, tudo isso perturba o sujeito e afeta uma de suas necessidades
mais primordiais. O corpo sente a ausência do outro e não consegue uma paragem,
não consegue refúgio nem no sono. Olhos abertos olhando para o teto, um corpo
silente que tenta abafar o que sente.
Na última estrofe, o sujeito lírico diz:

Esperaremos a manhã
o coração e eu
e os jornais o carteiro as babás
colocarão as coisas no lugar:
o coração no peito
você à distância
os lençóis na lavanderia (LIUZZI, 2014: 8).

Aqui, “coração” e “lençóis” são colocados no mesmo nível, como se fossem


elementos da mesma ordem. Se o local dos lençóis é na lavanderia, então a distância
do outro é algo natural, estar distante é algo cotidiano.
Em “Passagem”, o silêncio e a solidão aparecem atrelados à passagem do
tempo, e a insônia é o campo fértil da poesia mais uma vez. A voz do sujeito lírico diz
estar “acesa”, apenas para “assistir ao lento espetáculo do fim” (LIUZZI, 2014: 25), ou
seja, o tempo passa, a solidão se instala de tal forma que o eu-lírico tem certeza de
que tudo vai acabar da pior forma possível. Aqui, o olhar é recoberto por uma camada
de pessimismo.
Quase ao final do poema, um dos versos é iniciado por travessão, recurso
dramático que indica uma fala, claramente direcionada a alguém: “– Não, eu não
quero que você vá/ não vou aceitar” (LIUZZI, 2014: 25). O eu-lírico rechaça o
abandono, declara abertamente não querer a ausência do outro, declara, de certa
forma, que o outro é necessário em sua vida (será que a presença do outro é capaz de
refrear o tempo e a [inevitável] degradação?). No entanto, não há um indício de
resposta. O silêncio quebrado é novamente recomposto, e é adjetivado como “um
silêncio de pedra” (LIUZZI, 2014: 26), um silêncio pesado demais para ser suportado.
A ausência se transforma em silêncio, que se transforma na rocha que se atravessa
na garganta. A palavra petrificada não quer sair. Michele Federico Sciacca, em
Silêncio e palavra, lembra que o silêncio tem um peso psicológico muito grande, peso
que muitas palavras não possuem (SCIACCA, 1967: 37). Quantas pessoas não gritam
em silêncio?
No poema que se segue, “O que eu gostaria de dizer”, o silêncio se oferece
de forma clara. O título poderia facilmente ser completado: “O que eu gostaria de
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dizer”, mas não disse; “O que eu gostaria de dizer”, mas não consegui; “O que eu
gostaria de dizer”, mas ninguém quis ouvir. A voz lírica se dirige em silêncio para
alguém que está corporalmente presente. É como se as palavras que são dadas ao
leitor se passassem todas na interioridade do sujeito: é exatamente o que ela gostaria
de dizer, mas o outro está ausente, não se constitui como uma escuta. O outro, corpo
presente, ouvidos selados, uma solidão que não se consegue medir. É dos piores
tipos: a presença ausente. Bastaria estender a mão e tocar o outro, mas há algo
subjetivo que não permite o toque. Os corpos estão à deriva, são corpos
abandonados, são corpos silentes. Assim, os seres estão apartados de tal forma que
não conseguem estabelecer um diálogo. A incomunicabilidade se instala, e o eu-lírico
finaliza com os seguintes versos: “este poema se escreve/ com o som do seu silêncio”
(LIUZZI, 2014: 26).
O corpo presente, porém inalcançável, também aparece em “Saudade”,
pequeno poema de duas estrofes e sete versos. Toda sua potência está na concisão,
no que ele não diz de maneira explícita. A estrutura bipartida, dividida de forma
irregular – uma estrofe tem dois versos; a outra, cinco –, demonstra visualmente a
divisão e a diferença entre as duas pessoas que aparecem no texto. Sentadas em um
bar, tentam, em vão, estabelecer uma conversa, que não se desenvolve. Dela só se
tem resquícios, os dois versos ilhados da pequena primeira estrofe: “Seu cabelo
aumentou, disse./ Também sinto saudade, respondi” (LIUZZI, 2014: 32). O grau de
distanciamento é tamanho que as “temáticas” das duas falas se desencontram, entram
em desalinho. Perceber a mudança no corpo do outro não é o mesmo que sentir a sua
falta. Nesse momento, o eu-lírico se perde observando o dia úmido e percebendo as
vontades do coração. Ao cair em si, ao olhar para a pessoa a sua frente que,
possivelmente, a encara, a voz lírica chega à conclusão (irremediável) de que o sujeito
que conhecera não está mais ali. A essência (ou o que quer que seja) já não habita
aquele corpo: “Te procurei, mas só ouvi/ o rumor de um canudo/ em um copo quase
vazio” (LIUZZI, 2014: 32). Existe apenas o rumor, um barulho, não a voz, que fica
presa na garganta.
O “Poema da garganta” evidencia a dificuldade de fala de um eu-lírico que, no
dia do seu aniversário, está sozinho. “A voz não sustenta sequer um obrigada”
(LIUZZI, 2014: 76), e a garganta estreita é descrita com palavras como “corredor”,
“ruína” e “ralador”, onde “erres” rascantes e tepes evidenciam o incômodo, o
“atrapalhamento” de algo que não deixa a voz sair. O dia árido é abalado pela
chegada do carteiro, cuja voz e a função de mensageiro são admiradas pelo sujeito
lírico; Laura (como o carteiro chama a voz lírica) contempla o homem, pois ele
consegue falar e não é presa do silêncio. Seu corpo é móvel, sua voz é movente. No
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entanto, o carteiro não traz presentes, e essa falta, em conjunto com sua voz,
escancaram a solidão. Não existe alguém que possa lhe enviar algo; não existe
alguém com quem se possa falar, desaguar a voz, desamarrar a garganta. O corpo
envelhece, a solidão e o silêncio são testemunhos de um corpo que vaga pela casa
vazia, em um dia que, “sem doçura” (LIUZZI, 2014: 76), é “um capítulo/ a mais para as
narrativas/ do fracasso” (LIUZZI, 2014: 77).
Se até agora a necessidade do outro aparece sempre como uma falta
irremediável, passando a impressão de que o eu-lírico nunca deixará de ser sozinho,
em “Linha”, ainda que as palavras tragam matizes de mágoa, pode-se vislumbrar, no
limiar da palavra, alguma esperança de que existe a possibilidade (ainda que remota)
de tocar o outro. O sujeito se encontra, novamente, em estado de alerta, “às três horas
de uma lenta madrugada” (LIUZZI, 2014: 78). A voz lírica está distanciada do mundo,
isolada, o que fica expresso na presença de palavras como “silencioso”, “naufrágio”,
“fundo”, “couraça”. No entanto, ainda que demonstre ser alguém fechado em si, em
um universo próprio de solidão e silêncio, o sujeito acredita que há uma linha que liga
todos os corpos do mundo através dos calcanhares. Nesse momento, pode-se lembrar
do tendão de Aquiles, que lhe deu força, mas é, ao mesmo tempo, a sua fraqueza. Ou
seja, o outro é aquele que dá força, mas também é a fraqueza. Lembrando o que diz
Lipovetsky: um ser sozinho não é ninguém, mas em companhia de outro, torna-se
dependente desse outro (LIPOVETSKY, 2007).

Se o corpo é a casa e o mapa é o corpo


formamos um improvável arquipélago
flutuamos ora perto ora longe
sem caixa de correio ou endereço
apenas a correspondência possível
entre o silêncio de ilha e os seus pássaros remotos (LIUZZI,
2014: 79).

Todos estão conectados de alguma forma, mas todos estão distanciados.


Depende de qual direção o vento sopra, depende do movimento das marés: são eles
que decidem para onde a deriva leva. Não há endereço para seguir um trajeto, não há
uma caixa de correio para entregar o desenho da palavra. O silêncio é o único
condutor, a única forma de diálogo. Ele não pode ser visto, apenas sentido, assim
como a linha invisível que liga os corpos.
O sujeito sabe que existe o vínculo com o outro, mas não vê, não quer ver,
finge que não está vendo. Quer fazer a correspondência dos silêncios (quebrá-los),
mas não fala, não quer falar, não consegue falar. É um corpo perdido, silente, solitário.
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Na distância, em algum ponto morto da cidade que acorda, o outro, que também não
dorme, sente em seu próprio corpo os efeitos da solidão: silêncio, saudade, dispersão.

PARA TERMINAR, TRÊS BREVES PONTOS

Do rastro, tentar encontrar o fio que ajude a entender. Seguir a linha e ler o
silêncio deixado pela solidão. Tendo em vista o corpus de análise (o corpo que não
dorme), podem-se perceber ao menos três pontos, que podem ser costurados às três
cenas que iniciaram essa escrita.
Ponto nº 1: o corpo, em sua organicidade, é afetado não apenas em sua
faculdade de fala, mas também em uma das necessidades mais primordiais do ser
humano, o sono. A insônia aparece em boa parte dos poemas, onde a necessidade do
outro suprime o sono. Se a voz não consegue sair, o corpo, a sua maneira, chama o
outro que não está.
Ponto nº 2: a angústia gerada pela solidão só pode ganhar expressão através
do silêncio. Ele pode ser traduzido como ansiedade, uma agonia do sujeito em estar
só. Esse sentimento de deriva também potencializa a dificuldade do dizer, onde, em
diversos momentos, o eu-lírico tem o que falar, mas algo em sua subjetividade impede
a garganta de funcionar. Esse silêncio também é marca do desencontro, do desalinho
entre os sujeitos, que se estranham e já não se reconhecem mais. Frente ao outro,
barco sem âncora, só resta calar.
Ponto nº 3: a solidão é como um processo. Em alguns momentos, ela vem
abraçada a imagens de passagem do tempo (um rosto sozinho se olha no espelho e
percebe que os anos estão passando, por exemplo). Isso parece apontar para uma
degradação, um esboroamento, um desfazimento dos laços afetivos interpessoais.
Solidão, silêncio, deriva. Um corpo que não dorme, não sossega e que cala.
São milhares de corpos, na contemporaneidade, que sofrem dos males das
sociedades de hiperconsumo, da vida líquido-moderna. Em meio ao caos da
metrópole, enredados em diversos afazeres tantas vezes vazios, o ser humano risca
os dias áridos no calendário. O outro, vislumbre à distância. Dentro de si, o dicionário
suporta um léxico frio: solidão, silêncio, deriva.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
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BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:


Zahar, 2001.

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de


hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

LIUZZI, Laura. Desalinho. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

MÃE, Valter Hugo. A memória que permanece. Vida Simples. 24/11/2015. Disponível
em:<http://vidasimples.uol.com.br/noticias/compartilhe/a-memoria-que-
permanece.phtml#.VtM_TfkrLIV>. Acesso em: 10 set. 2016. Entrevista concedida a
Débora Zanelato.

SCIACCA, Michele. Silêncio e palavra. Trad. Maria Teresa Pasquini e Flávio Loureiro
Chaves. Porto Alegre: Faculdade de filosofia, 1967.

STEINER, George. Linguagem e silêncio: ensaios sobre a crise da palavra. Trad. Gilda
Stuart e Felipe Rajabally. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

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