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Repertório, Salvador, nº 16, p.

11-23, 2011

TEATRALIDADE E
PERFORMATIVIDADE NA
CENA CONTEMPORÂNEA
Sílvia Fernandes1

RESUMO: A crise de identidade e de estatuto tal que, ao contrário da gesamtkustwerk wagneria-


epistemológico que o teatro contemporâneo par- na, rejeitam a totalização, e cujo traço mais eviden-
tilha com a dança, as artes plásticas e o cinema, te é a frequência com que se situam em territórios
que permite se falar de experiências cênicas com híbridos de artes plásticas, música, dança, cinema,
demarcações fluidas de território, em que o emba- vídeo e performance, além da opção por proces-
ralhamento dos modos espetaculares e a perda de sos criativos avessos à ascendência do drama para a
fronteiras entre os diferentes domínios artísticos constituição de sua teatralidade e seu sentido.
são uma constante, reincide no recurso aos concei- Os aparatos conceituais que enfrentam essa
tos de teatralidade e performatividade. produção heterogênea, de um modo ou de outro,
reincidem nos conceitos de teatralidade e perfor-
RESUME: La crise d’identité et statut pédagogique matividade, que têm se revelado instrumentos pre-
que le théâtre contemporain partage avec la danse, ferenciais de operação teórica das experiências de
les arts visuels et le cinéma, qui permet de parler caráter eminentemente cênico, que manejam múl-
d’expériences scéniques avec des démarcations flui- tiplos enunciadores em sua produção. Ao mesmo
des de territoire, dont le brouillage des modes spec- tempo em que os dois conceitos definem campos
taculaires et la perte de frontières entre les diffé- de estudo específicos, chegam a confundir-se em
rents domaines artistiques sont constants, revient determinadas abordagens, dependendo da filiação
aux concepts de théâtralité et performativité. do ensaísta a uma ou outra tendência de análise do
fenômeno cênico. De qualquer forma, usadas meta-
O teatro contemporâneo partilha com a dança, foricamente ou como conceito operativo, de modos
as artes plásticas e o cinema uma crise de identi- divergentes ou até mesmo contraditórios, as noções
dade e uma indefinição de estatuto epistemológi- são recorrentes não apenas na teoria teatral, mas em
co. Nesse sentido, pode-se falar de experiências disciplinas como a antropologia, a sociologia, a filo-
cênicas com demarcações fluidas de território, em sofia, a política, a psicanálise e a economia.2
que o embaralhamento dos modos espetaculares e
a perda de fronteiras entre os diferentes domínios
artísticos são uma constante.
2
Nas áreas da teoria e da história do teatro, aparecem espe-
cialmente nos ensaios de Bernard Dort, Patrice Pavis, Erika
Em resposta à transformação, vários teóricos do
Fischer-Lichte, Jean-Pierre Sarrazac, Marvin Carlson e Josette
teatro e da performance buscam organizar vetores Féral;; em relação à abordagen específica da corporeidade,
de leitura dessas espécies estranhadas de teatro to- são freqüentes nos estudos de Eli Rozik, Susan Leigh Fos-
ter e Virginie Magnat; na área dos estudos culturais recebem
atenção especial de Joachim Fiebach; nos trabalhos ligados à
1
Professora da ECA/USP, dramaturga, pesquisadora do ciência cognitiva são analisados por Malgorzata Sugiera; nos
CNPq. estudos culturais sobre a performance são esmiuçadas por
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A partir da frequência com que são utilizadas, é categoria que se apaga sob formas diversas de per-
possível especular em que medida os estudos con- formatividade, revelando campos extra-cênicos,
temporâneos sobre teatralidade e performatividade culturais, antropológicos e éticos.
são uma resposta conceptual à dissolução de limi- Como se vê, segundo Pavis, a teatralidade é um
tes entre obra e processo, ficcional e real, espaço termo polissêmico, que inclui a performatividade
cênico e espaço público, ator e performer. A hipótese e depende da leitura do espectador para se cons-
que se considera aqui é que ambos os conceitos tituir.
podem funcionar como operadores de leitura da
cena de fronteira criada não apenas por uma parce- Teatralidade e anti-teatralidade
la significativa do teatro contemporâneo mundial,
mas também por artistas brasileiros. Se para o ensaísta francês o conceito de teatrali-
Um bom exemplo do procedimento é o esbo- dade é operacional, para o teórico americano Mar-
ço de teatralidades plurais que Patrice Pavis projeta tin Puchner a teatralidade deve ser investigada a
no texto “A teatralidade em Avignon”, publicado partir das correntes tradicionais que a ela se opõem
há dez anos.3 No ensaio, discrimina a idéia do es- ou que a defendem, representadas, exemplarmente,
pecificamente teatral a partir de práticas cênicas na história do teatro, pelas proposições de Stépha-
concretas, em geral divergentes, apresentadas no ne Mallarmé e Richard Wagner, não por acaso dois
Festival de Avignon de 1998. Na instigante ope- artistas ligados ao simbolismo.4 Enquanto para o
ração de leitura dos espetáculos da mostra, prova poeta francês o que importa é o “teatro do verbo”
que é possível dissociar o termo de qualidades abs- e a cena mental do leitor, o conceito wagneriano de
tratas ou essências inerentes ao fenômeno teatral obra de arte total baseia-se exatamente na materia-
para trabalhá-lo com base no uso pragmático de lidade da encenação, já que a gesamtkusntwerk pro-
certos procedimentos cênicos e, especialmente, da põe a teatralidade como meio privilegiado de fusão
materialidade espacial, visual, textual, corporal e do drama, da música, da poesia e do gesto.
expressiva de escrituras espetaculares específicas. Puchner elege as posições antagônicas dos ar-
Sustenta que, para um espectador aberto às experi- tistas como balizas de demarcação de diversas
ências da cena contemporânea, a teatralidade pode questões teóricas ligadas ao problema, que anali-
ser uma maneira de atenuar o real para torná-lo es- sa exemplarmente, em seu já clássico Stage Fright,
tético; ou um modo de sublinhar esse real com um a partir da vertente que considera anti-teatralista.
traçado cênico obsessivo, a fim de reconhecê-lo e O argumento avançado por Puchner, defendido
compreender o político; ou um embate de regimes anteriormente por estudiosos como Jonas Barish
ficcionais distintos que impede a encenação de e Evlyn Gould, indica a gênese platônica do anti-
construir-se a partir de um único ponto de vista, e teatralismo.5 A partir dos diálogos da República,
abre múltiplos focos de olhar em disputa pela pri- projeta a extensa linhagem dos opositores à “arte
mazia de observação do mundo. De acordo com o do engano”, demonstrando que a suspeita contra a
ensaísta, a teatralidade pode ser também o canteiro representação é tão antiga quanto a defesa da ação
de obras de um work in progress teatral, ou uma
4
O movimento simbolista tem sido reavaliado por vários
Richard Schechner, Judith Butler, Freddie Rokem e Janelle teóricos, que passaram a considerá-lo a primeira vanguarda.
Reinelt, ensaístas que promovem a migração da noção de Ver a respeito o excelente estudo de Frantisek Deak Symbol-
teatralidade para a de performatividade. Também é recidivo ist Theater. The formation of an avant-garde, Baltimore e
o uso dos termos nas análises da cena pós-moderna e do Londres, The Johns Hopkins University Press,1993.
teatro pós-dramático, empreendidas por Johannes Birringer, 5
O livro de Puchner foi publicado em 2002 pela Johns Hop-
Timothy Murray e Hans-Thies Lehmann, compondo uma kins University Press. O professor da Universidade de Co-
cartografia expandida de pontos de vista que demarcam os lumbia retorna ao tema na coletânea Against Theatre, que or-
principais focos de reflexão crítica sobre o tema. Na bibli- ganiza com Alan Ackerman e edita pela Palgrave em 2006,
ografia são arrolados os principais títulos. em que reúne ensaístas como Arnold Aronson, Elinor Fuchs
3
Patrice Pavis, Voix et images de la scène, Paris, Septentrion, e Herbert Blau. Jonas Barish é autor do estudo The antitheatri-
2007, p. 317-337. cal prejudice, Berkeley: University of California Press, 1981.
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teatral concreta, que opõe as concepções de Platão na recusa da personificação do ator e na defesa de
e Aristóteles já na nomeação do ator – hypocritès e um teatro abstrato de andróides e super-marione-
prattontes, o fingidor e o atuante.6 tes. Seja por considerarem os atores incapazes de
Mas, para Puchner, o antagonismo só adqui- encarnar obras-primas da dramaturgia, como é o
re foros de luta estética a partir do modernismo, caso de Maeterlink, seja por acreditarem que seres
quando um assalto avassalador desestabiliza o fun- humanos são instrumentos pouco eficazes na de-
damento dominante da enunciação teatral - a re- finição de uma linguagem cênica rigorosa, tramada
presentação da realidade sustentada pela coerência por espaço, luz e movimento, como é o caso de
da personagem e da narrativa ficcional do drama. Craig, é inegável que a encarnação da personagem
No contexto de quebra de paradigmas que definiu pelo ator foi um dos principais alvos de ataque dos
o teatro moderno, a dinâmica anti-teatral funcio- anti-teatralistas que, olhados por esse ângulo, po-
nou a partir de um processo de resistência aciona- dem ser vistos como precursores de uma nova tea-
do no interior do próprio teatro e foi responsável tralidade, não mais baseada na interpretação de um
pela definição de mudanças substantivas no texto texto dramático por atores, mas na mobilização de
dramático, na concepção das personagens e tam- recursos de espaço, luz e movimento, ou da palavra
bém no trabalho do ator. concreta e poética, para sua constituição.7
Nesse sentido, o anti-teatralismo, mais que uma Também é possível compreender por essa via
oposição, foi uma força produtiva de criação de as objeções mais sérias de Nietzsche à ópera wag-
experiências radicais de outro tipo de teatralida- neriana. As críticas do filósofo alemão têm como
de. Vista desse ponto de vista, a anti-teatralidade alvo predileto não tanto a concepção de “obra de
de criadores como Maurice Maeterlinck, Stéphane arte total” com que Wagner inaugura o primado do
Mallarmé, Gertrude Stein e mesmo Antonin Ar- encenador, mas principalmente a qualidade gestual
taud, que Puchner alinha à tendência, pode ser vis- e mímica da música wagneriana, que associa aos
ta como oposição ao paradigma teatral em vigor. princípios da atuação. É uma crítica semelhante à
A esse respeito, é interessante constatar que a que Theodor Adorno fará, bem mais tarde, à mú-
corrente definida por Puchner como oposta à tea- sica do compositor alemão, considerando-a fruto
tralidade em geral funcionou como rejeição à arte da “momice” inerente à representação teatral. O
do ator, concebido como centro do fenômeno te- azedume crítico de Adorno com intérpretes que
atral. Os artistas mencionados foram considerados lembrariam macacos exibindo-se no zoológico, e
anti-teatralistas por contestarem especialmente a o parentesco da atuação com as formas mais pri-
atualização cênica do drama pela metamorfose do mitivas da mimese, são restrições semelhantes às
ator em personagem, entrando em franca oposi- censuras de Maeterlinck e Gordon Craig aos atores
ção aos princípios vigentes no teatro, no início do de seu tempo. Na verdade, retomando uma longa
século XX. Vale lembrar que Maurice Maeterlinck, tradição, Adorno afirma que o sucesso do teatro
o dramaturgo mais representativo do simbolismo, moderno depende de sua capacidade de resistir à
dirige críticas ácidas ao trabalho do ator individu- mimese ligada à personalização do ator. Deve-se
al, que acredita ser um dos maiores responsáveis a essa resistência a admiração deste filósofo pelas
pela impossibilidade de atualização efetiva da po- criações de Brecht e Beckett, por serem artistas
esia dramática. Por paradoxal que possa parecer, a que se rebelaram contra a dependência do teatro
sintonia de princípios em relação ao ator é o vín- à individualização. Especialmente o dramaturgo
culo de união entre Maeterlinck e Gordon Craig,
tradicionalmente considerados antípodas em suas
posições teatrais que, no entanto, aproximam-se 7
Ver a respeito o ensaio de Maurice Maeterlinck “Menu pro-
pos: um théâtre d’androïdes” in Introduction à une psychologie des
songes (1886-1896), Bruxelas: Éditions Labor, 1985. Gordon
6
Para uma discussão aprofundada do tema, consultar Denis Craig tem vários estudos sobre a über-marionette, sendo o
Guénoun, Actions et acteurs. Raisons du drame sur scène, Paris, Be- principal deles “The actor and the über-marionette”, publi-
lin, 2005, especialmente “La face et le profil” e “Entre poésie cado em seu livro On the art of the theatre, New York: Theatre
et pratique”, p.7-52. Arts Books, 1956, p.54-94.
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irlandês, melhor sucedido ao transformar as per- templaria, tanto quanto aquela, os componentes da
sonagens em personas vazias, inviabilizando por representação. Em seu dicionário de teatro, Pavis já
completo a possibilidade de imitação de “pessoas definira a teatralidade como “aquilo que, na repre-
reais” no palco.8 sentação ou no texto dramático, é especificamente
teatral (ou cênico)”. Mas ressaltara que a noção te-
Teatralidade e encenação ria a desvantagem de se revestir de um traço idea-
lista, remetendo, inapelavelmente, à velha questão
No ensaio mencionado sobre a teatralidade em da especificidade do teatro puro. Olhada por esse
Avignon, Pavis discute o termo perguntando-se se ângulo, estaria condenada a permanecer “não ape-
é mesmo necessário seu uso nos estudos teatrais, nas abstrata e metafísica, mas inoperante”, tendo
diante da proximidade com a noção de encenação. algo de “mítico, excessivamente genérico, e até
Segundo o teórico francês, não faz sentido debru- mesmo idealista e etnocêntrico”.10
çar-se sobre concepções de teatralidade quando É interessante constatar como as reservas não
a teoria da encenação já descreve, há pelo menos impedem o estudioso de enfrentar o tema, talvez
cem anos, o funcionamento dos signos cênicos por levar em conta o acirramento das discussões da
enquanto objeto empírico, além de contemplar a teoria teatral em torno dessa noção, especialmente
constituição do sistema de sentido pelo espectador, nas últimas décadas do século XX. Seguindo sua ar-
o que marca a passagem da representação para a gumentação, e levando em conta a aproximação en-
encenação.9 tre os conceitos de encenação e teatralidade, é com-
Mas o que importa a esta argumentação é refle- preensível que a defesa da idéia principie com os
tir sobre a sinonímia que o ensaísta detecta entre encenadores das primeiras décadas do século pas-
os termos encenação e teatralidade, pois esta con- sado, responsáveis por uma verdadeira mutação de
paradigma do teatro, com o deslocamento do ator
e do dramaturgo do núcleo central de sua constitui-
ção. A celebração sem precedentes da teatralidade,
8
Friedrick Nietzsche, O caso Wagner; Theodor Adorno, Não é
possível tratar neste texto das várias posições anti-teatralistas que ficou conhecida como re-teatralização do tea-
presentes em outras áreas artísticas. O crítico de artes plásticas tro, sem dúvida é caudatária da emergência desse
Michel Fried, por exemplo, foi uma das expressões mais mar- poderoso criador, que reúne as funções de compo-
cantes do pensamento teórico anti-teatralista, especialmente sitor, poeta, diretor, cenógrafo e teórico da “obra de
representado no livro Absorption and theatricality. Painting and
arte total”. Gordon Craig, Appia e Meierhold são
beholder in the age of Diderot, Chicago e Londres: The Univer-
sity of Chicago Press,1980. No artigo “Art and objecthood”, pioneiros no esforço de composição de uma arte
de 1968, Fried sustenta que a autonomia das artes plásticas cênica relativamente independente do texto dramá-
no modernismo findou no momento em que a realização de tico, tornando-se os principais modelos da teatrali-
uma obra passou a depender da recepção do público, de sua dade centrada no moderno diretor teatral.
capacidade de transformá-la e completá-la com sua leitura.
Mas, de fato, o uso consciente dos conceitos
Para o teórico, o inacabamento da obra, afirmado em sua per-
spectiva relacional, com direção explícita ao espectador, teria de teatralidade, teatralização e reteatralização do
correlatos na interação do ator com o público. Nesse sentido, teatro deve-se a Meierhold, que os entende e os
é paradigmática a afirmação de Fried, de que o sucesso, ou pratica como estratégias de distanciamento do fa-
mesmo a sobrevivência das artes, depende de sua capacidade miliar pelo emprego de recursos do próprio teatro,
de resistir ao teatro. Michael Fried, Art and objecthood, 1968.
de modo a chamar a atenção para seu caráter de
9
Em ensaio anterior, Patrice Pavis já definira a representa-
jogo e artifício. Procedimentos de atuação como a
ção como objeto empírico que abrange tanto o conjunto de
materiais cênicos quanto a atividade do encenador e de sua biomecânica e técnicas de encenação como o cons-
equipe dentro do espetáculo. Já a encenação é um objeto de trutivismo visavam exatamente a enfatizar a teatra-
conhecimento, um sistema estrutural que só existe uma vez lidade que, para Meierhold, supõe a inevitabilidade
recebido e reconstituído pelo espectador, cuja leitura, evi-
dentemente, toma por base os sistemas significantes produzi-
dos em cena pelos criadores. Patrice Pavis, “Do texto para o
palco, um parto difícil”, O teatro no cruzamento das culturas, São 10
Patrice Pavis, Dicionário de teatro, São Paulo, Perspectiva,
Paulo, Perspectiva, p. 22-23. 1999, p. 372.
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da forma, como observa Jacó Guinsburg. A nova ilusão da representação. Para o filósofo francês, a
poética teatral do artista inicia a transição do dra- teatralidade é o “por em jogo”, ou melhor, é o mo-
mático e literário para o cênico e performativo. vimento de passagem para o jogo, viabilizado pelo
Uma síntese esclarecedora dessa trajetória de in- gesto de mostrar a coisa em si, em sua fenomenali-
dependência paulatina da cena em relação ao dra- dade. De acordo com Guénoun, “o aparecer aí da
ma é apresentada por Bernard Dort no ensaio “A coisa é a própria teatralidade”.13
representação emancipada”. Partindo das poéticas Nesse processo, o que passa a determinar o
de Wagner e Craig, Dort propõe que o princípio trabalho de construção da cena é o princípio de
da afirmação do encenador como autor do espetá- literalidade, responsável por colocar em confron-
culo, na passagem do século XIX para o XX, é o to a materialidade dos elementos que constituem a
início de um longo percurso que leva o texto dra- realidade específica do teatro. Ao colocar em cena
mático a ser duplicado ou mesmo suplantado pelo um objeto literal, que não tem por função dra-
texto cênico para gerar, nas últimas décadas do sé- matúrgica e cênica simbolizar, mas simplesmente
culo XX, uma nova concepção de encenação. Nos estar presente e produzir situações de linguagem,
trabalhos de artistas como Robert Wilson e Klaus teatros da literalidade, como os de Tadeusz Kan-
Michael Grüber, por exemplo, a teatralidade não tor e Bob Wilson, acionam um gigantesco efeito de
é apenas a “espessura de signos e sensações” a que estranhamento, posto a serviço da intensificação e
se referia Roland Barthes, essa espécie de “percep- da densidade extremas da matéria teatral. Essa exi-
ção ecumênica de artifícios sensuais, gestos, tons, gência de manifestação literal produz uma teatrali-
distâncias, substâncias, luzes, que submerge o texto dade que deixa de fundar-se na obra acabada, para
sob a plenitude de sua linguagem exterior”, mas instaurar-se enquanto processo construtivo, cujo
uma “polifonia significante” aberta sobre o espec- sentido nunca é global, mas local e fragmentário,
tador.11 Para Dort, a teatralidade é “interrogação já que o espectador torna-se um parceiro ativo de
do sentido” e crítica em ato da significação.12 sua criação.14
Jean-Pierre Sarrazac dá continuidade às refle- As definições de teatralidade de Sarrazac e Gué-
xões de Dort quando observa que a separação en- noun têm relação muito próxima com o conceito
tre palco e platéia foi abolida a partir do momento de performatividade, como se verá a seguir.
em que os espectadores foram convidados a se in-
teressar pela ocorrência do próprio teatro no seio Teatralidade e performatividade
da representação. O teatro épico de Bertolt Brecht
seria um dos marcos dessa transformação, por defi- O conceito de performatividade é trabalhado
nir uma mudança de regime do espetáculo e incor- hoje, prioritariamente, no campo de estudos da
porar o espectador à criação do simulacro cênico, e performance, que se consolidou nos Estados Uni-
a seu processo produtivo. É evidente que, no caso dos nos anos 1970 e 1980, especialmente com a
de Brecht, a mudança visava a objetivos políticos equipe liderada por Richard Schechner, da Univer-
bastante definidos. Mas a partir dela, o que se põe sidade de Nova York. O pesquisador americano
em ação é um mecanismo de revelação da teatrali- entende que sua consolidação como área de es-
dade pelo esvaziamento do próprio teatro. tudos independente, ligada à antropologia e à so-
É uma visão semelhante à de Denis Guénoun, ciologia, foi responsável pela criação de um “novo
para quem o teatro contemporâneo confessa o gos- paradigma”, em resposta aos limites dos métodos
to de mostrar e oferece ao espectador a “sobrieda- modernos de análise, que não conseguiam dar con-
de lúdica e operatória” do jogo, e não o efeito de ta da radical mudança no panorama cultural e ar-
tístico que ocorreu no último terço do século XX.
A nova disciplina considera o teatro e a arte da
11
Roland BARTHES, Le théâtre de Baudelaire, in Écrits sur
le théâtre, p. 123.
12
Bernard Dort, La réprésentation émancipée, Paris, 1990, p.
13
Denis GUÉNOUN, A exibição das palavras, p. 140.
173-173. 14
Jean-Pierre SARRAZAC, Critique du théâtre, p. 62.
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performance como um foco de análise entre ou- Quanto à performatividade, seria ao mesmo tempo
tros, já que delimita seu campo de estudo de modo uma ferramenta teórica e um ponto de vista analí-
bastante ampliado. Schechner define performance tico, já que toda construção da realidade social tem
como ação, e propõe-se a explorá-la em diferentes potencial performativo.18
domínios, em que as práticas artísticas aparecem A dedicação dos estudos da performance a
ao lado de rituais, atividades esportivas, compor- variados aspectos da vida social tem contraponto
tamentos cotidianos, modos de engajamento so- nas análises voltadas especificamente para a arte
cial e até mesmo demonstrações de excelência em da performance, desenvolvidas inicialmente por
variados setores de atuação.15 Para estabelecer seu Rose Lee Goldberg e Jorge Glusberg e, no Brasil,
recorte, volta às origens do termo performativo, de forma pioneira, por Renato Cohen.19 A despeito
que surge como conceito definido nos anos 1950, de terem emergido simultaneamente, no contexto
quando Austin o utiliza para designar as locuções contracultural dos anos 1970, os dois campos de
verbais que não apenas dizem alguma coisa, mas de pesquisa diferenciam-se. A performance art detém-se
fato a realizam.16 Retomado por John R. Searle, o na instância artística, e não pode ser separada das
conceito é desenvolvido na teoria dos atos da fala, práticas estéticas que passaram a se desenvolver
ou da palavra-ação. Schechner baseia-se nos dois em vários cantos do mundo no período, como o
scholars para disseminar a noção de performance happening, a action painting, a live art, a arte conceitual
em todas as esferas da vida social, incluindo tanto e a body art. Interessada na experiência corporal e
as ações cênicas quanto a vida cotidiana na teoria na ação do artista em situações extremas, a arte da
da performatividade. performance visa exatamente a desestabilizar o co-
Não é o caso de tratar aqui as inúmeras aborda- tidiano por meio da transgressão e da ruptura, pro-
gens da performatividade que Schechner desenvol- movendo ações artísticas marcadas pela diferença.
ve, pois acredita que “não há nada inerente a uma A perspectiva ligada à arte da performance é
ação que a torne uma performance ou a desquali- mais produtiva para o estudo da teatralidade, pois,
fique enquanto tal”, abrindo um campo de estudos seguindo seus pressupostos, pode-se dizer que di-
cuja amplitude dificulta análises específicas. Para versos traços performativos permeiam a linguagem
este argumento, interessa apenas reter a afirmação
de que a performance nunca é um objeto ou uma
mance, e seu risco é exatamente o fato de poder ser aplicada a
obra acabada, mas sempre um processo, por estar
qualquer ação, uma vez que o comportamento é sempre feito
ligada ao domínio do fazer e ao princípio da ação.17 de ações que se repetem ou imitam outras ações. Mostrar
fazendo (showing doing) está ligado à natureza de todo com-
portamento humano, e consiste em performar, em dar-se
15
Ver a respeito Performance studies. An introduction. New York em espetáculo, exibir (ou exibir-se), sublinhar a ação. Expli-
and London, Routledge, 2006. car essa exposição do fazer (explaining showing doing) é o
16
John Langshaw Austin, Quand dire c’est faire, Paris: Éditions campo dos pesquisadores e dos críticos, que refletem sobre
du Seuil, p. 41-43. o mundo da performance e o mundo como performance (a
17
Se levada a efeito a definição de Schechner, podem-se in- performatividade). Richard Schechner, Performance Studies. An
cluir na performance todos os domínios da vida social, já que introduction. New York and London: Routledege, 2006.
performar é o resultado das ações de ser (being), comportar-
18
Richard Schecher, op. cit, p. 123, p. 127.
se (behave), fazer (doing) e mostrar o fazer (showing doing). É 19
Glusberg salienta que o corpo do artista é o meio pref-
evidente que essas categorias podem ser aplicadas a todos erencial da performance, e sua característica de gesto origi-
os aspectos da vida. “Fazer (doing), é a atividade de tudo nal e inaugural deve ser priorizada. É o mesmo enfoque de
que existe, desde os quarks até os seres humanos”, afirma Goldberg, para quem a performance é um meio de expressão
Schechner. As performances são feitas de comportamentos artística. Também para Renato Cohen, ela é antes de tudo
representados (twice behaved), de comportamentos restau- uma expressão cênica, que existe em função do espaço e
rados (restored behavior) e ações (performed actions) que do tempo. Para caracterizá-la, é preciso que algo aconteça
as pessoas treinam executar, praticam e repetem, observa naquele instante e naquele lugar. Jorge Glusberg, A arte da
na apresentação do livro Performance studies. An introduction, performance, São Paulo, Perspectiva; RoseLee Goldberg, Per-
completando que o comportamento é o “primeiro objeto” formance art. From futurism to the present, London, Thames and
dos estudos da performance. A ideia de comportamento res- Hudson, 1988; Renato Cohen, Performance como linguagem, São
taurado é central para as teorias norte-americanas da perfor- Paulo, Perspectiva, 1995.
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do teatro contemporâneo. É o que defende a teórica A abordagem de Josette Féral concorda, em


alemã Érika Fischer-Lichte, ao considerar a perfor- muitos aspectos, com a de Fichter-Lichte, especial-
mance uma extensão natural do campo do teatro, mente quando faz dialogar os conceitos de teatrali-
e não um novo paradigma, como quer Schechner. dade e performatividade. Em ensaio publicado pela
A ensaísta trabalha com exemplos extraídos exclu- primeira vez em 1988, cujo título é “Teatralidade:
sivamente do que se pode considerar a prática artís- sobre a especificidade da linguagem teatral”, recu-
tica do teatro e da performance contemporâneos. sa-se a definir a teatralidade como uma qualidade
Seguindo a linha européia de abordagem do tema, no sentido kantiano, pertinente exclusivamente à
focaliza suas análises no trabalho de encenadores e arte do teatro e pré-existente ao objeto em que se
performers como Frank Castorf, Einar Schleef, Ro- investe.21 Defende a ideia de que ela é consequência
meu Castelucci, Marina Abramovich e Schlingen- do processo dinâmico de teatralização que o olhar
sief, por exemplo. Por outro lado, concorda com ele produz ao postular a criação de outros espaços e
quando afirma que a performance e o teatro con- outros sujeitos. Esse processo construtivo é resul-
temporâneo são processos e não obras acabadas. tado de um ato consciente que pode partir tanto do
Para Fischer-Lichte, o teatro experimentou um performer no sentido amplo do termo – ator, ence-
desvio performativo por volta dos anos 1960, que nador, cenógrafo, iluminador – quanto do especta-
o transformou em evento, em lugar de obra acaba- dor, cuja visada cria a clivagem espacial necessária
da. A partir daí, não pode mais ser concebido como à sua precipitação. De acordo com a ensaísta, a te-
representação de um mundo ficcional que o pú- atralidade tanto pode nascer do sujeito que projeta
blico deveria observar, interpretar e compreender. um outro espaço a partir de seu olhar, quanto dos
Na verdade, a performatividade elude o escopo da criadores que instauram um lugar alterno e reque-
teoria estética tradicional, pois resiste às demandas rem um olhar que o reconheça. Também é possível
da hermenêutica de compreender a obra de arte. que a teatralidade nasça das operações reunidas de
Para a ensaísta, entender as ações do artista é me- criação e recepção. De qualquer forma, a teatrali-
nos importante do que experimentá-las, fazendo a dade não é um dado empírico ou uma qualidade,
travessia do evento proposto. A participação nessa mas uma operação cognitiva ou ato performativo
experiência provoca uma gama tão ampla de sen- daquele que olha (o espectador) e/ou daquele que
sações que transcende a possibilidade e o esforço faz (o ator). Tanto ópsis quanto práxis, é um vir a ser
de interpretação e produção de significado, não que resulta dessa dupla polaridade.
podendo ser superada nem resolvida pela reflexão. Em ensaio anterior, “Performance e teatralida-
Isso não quer dizer que, numa performance, não de: o tema desmistificado”, Féral opunha o concei-
haja nada para o espectador interpretar. Mas tam- to de teatralidade ao de performatividade.22 O texto
bém não se pode dizer que as ações do artista per- apresenta a performance como uma força dinâmi-
formativo apenas signifiquem alguma coisa. ca cujo principal objetivo é desfazer as competên-
É evidente que tanto para a hermenêutica quanto cias do teatro, que tende a inscrever o palco numa
para a semiótica, tudo que é perceptível em cena pode semiologia específica e normativa.23 Caracterizado
ser definido e interpretado como signo. No entanto, por estrutura narrativa e representacional, o teatro
no caso da performance, a materialidade das ações maneja códigos com a finalidade de realizar deter-
e a corporeidade dos atores dominam os atributos minada inscrição simbólica do assunto, ao contrá-
semióticos. O evento envolve performers e especta- rio da performance, expressão de fluxos de desejo
dores em atmosfera compartilhada e espaço comum
que os enreda, contamina e contém, gerando uma
experiência que ultrapassa o simbólico. O resultado
New York: Routledge, 2008, p.36.
é uma afetação física imediata que, para a ensaísta, 21
Josette Féral, “Theatricality: on the specificity of theatrical
causa uma “infecção emocional” no espectador.20 language”,Substance, n.2, p. 3-12.
22
O texto “Performance et théâtralité, le sujet desmistifié”,
foi publicado no livro Théâtralité, écriture et mise en scène.
20
Érika Fischer-Lichte, The transformative power of performance, 23
Josette Féral, op.cit.
17
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que tem por função desconstruir o que o primeiro dramático, que considera excessivamente genérico
formatou. Ainda que oponha os dois conceitos, e, por isso mesmo, pouco efetivo, a autora analisa
percebe-se que uma das principais intenções do algumas das experiências enfocadas pelo ensaísta
estudo de Féral é considerar a teatralidade a resul- alemão como o resultado da contaminação radical,
tante de um jogo de forças entre duas realidades que acontece no teatro contemporâneo, entre pro-
em oposição: as estruturas simbólicas específicas cedimentos da teatralidade e da performance.27
do teatro e os fluxos energéticos – gestuais, vo- A despeito da distinção de abordagem, Lehmann
cais, libidinais - que se atualizam na performance e já havia observado a emergência de um campo de
implicam criações em processo, inconclusas, gera- fronteira entre a performance e o teatro, à medida
doras de lugares instáveis de manifestação cênica. que este se aproxima cada vez mais de um “acon-
Por recusar a adoção de códigos rígidos, como a tecimento e dos gestos de auto-representação do
definição precisa da personagem e a interpretação artista performático”.28 É exatamente o que Féral
de um texto, o performer apresenta-se ao espec- ressalta quando afirma que o teatro contemporâneo
tador como um sujeito desejante, que em geral se beneficiou-se amplamente de algumas conquistas
expressa em movimentos autobiográficos e tenta da arte da performance. A principal delas é deslo-
escapar à representação e à organização simbólica car a ênfase para a realização da própria ação, e não
que domina o fenômeno teatral, lutando por defi- sobre seu valor de representação. Segundo Féral,
nir suas condições de expressão a partir de redes de essa mutação é responsável por uma ruptura epis-
impulso. A condição de um evento não repetível, temológica de tal ordem que é necessário adotar a
que se apresenta no aqui/agora de um espaço, é expressão teatro performativo para qualificá-la.
outro princípio de separação entre performance e
teatro. Em certo sentido, a performatividade, nessa Teatros performativos, teatros do real
acepção, aproxima-se do conceito de teatro ener-
gético de Jean-François Lyotard, um teatro de in- Há uma série de grupos e criadores brasileiros
tensidades, forças e pulsões de presença, que tenta que assumem as práticas diversificadas do teatro
esquivar-se à lógica da representação.24 performativo. É possível destacar vários traba-
Voltando a Féral, em texto recente, a ensaísta lhos, em especial as criações de Enrique Diaz com
atenua a oposição estabelecida nesse ensaio inicial, Companhia dos Atores, como A bao a qu, A morta,
sustentando que a performatividade é um dos ele- Melodrama e Ensaio Hamlet, ou mesmo as encena-
mentos da teatralidade e todo espetáculo é uma ções sem a companhia, como A paixão segundo GH
relação recíproca entre ambos. Sublinha que a per- e Gaivota, tema para um conto curto, além das práticas
formatividade é responsável por aquilo que torna atuais com o Coletivo Improviso, como Otro.
uma performance única a cada apresentação, en- Mas em lugar das várias manifestações cênicas
quanto a teatralidade é o que a faz reconhecível e que se poderia relacionar aqui, como os trabalhos
significativa dentro de um quadro de referências e de Beth Lopes, Michel Melamed e Christiane Ja-
códigos.25 O que varia é exatamente o grau de pre- tahy, o interesse maior é aproximar os teatros per-
ponderância de uma ou de outra.
Féral avança uma nova etapa dessa discussão em
último ensaio sobre o assunto, em que projeta o
27
Como se sabe, para Lehmann a ausência do drama e a que-
bra da ilusão de realidade compõem as linhas divisórias entre
conceito de “teatro performativo”.26 Discordando
o teatro dramático e o pós-dramático. É apenas quando os
de Hans-Thies Lehmann a respeito do termo pós- meios teatrais se colocam no mesmo nível do texto, ou po-
dem ser concebidos sem o texto, que se pode falar em teatro
pós-dramático, um modo novo de utilização dos significantes
24
Jean-François Lyotard. La dent, la paume, in Des dispositifs no teatro, que exige mais presença que representação, mais
pulsionnels, p. 91-98. experiência partilhada que transmitida, mais processo que
25
Josette Féral. Theatricality: on the specificity of theatrical resultado, mais manifestação que significação, mais impulso
language, Substance, n.2, p. 3-12. de energia que informação. Hans-Thies Lehmann, Teatro pós-
26
Josette Féral. Entre performance et théâtralité: le théâtre dramático. São Paulo, Perspectiva, 2007, p. 143.
performatif, Théâtre/Public, n. 190, p. 28-35. 28
Hans-Thies Lehmann, op. cit., p. 223.
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formativos do que vem sendo chamado de teatros não é o resultado de um processo de elaboração
do real. Pois é visível que uma parcela considerável superado por uma finalização, ela é o próprio pro-
das práticas cênicas de hoje não visa apenas à cria- cesso de criação”, afirma Bernardet, vendo nesse
ção de uma peça, ou do que se poderia conside- traçado processual, que aqui se considera perfor-
rar um produto teatral acabado e comercializável mativo, uma atitude de resistência à obra definitiva
no mercado da arte. Uma parte significativa desse e significativa.29
teatro, especialmente quando opta pelo trabalho Para o filósofo francês Jacques Rancière, a dimen-
colaborativo, é reconhecida pelo envolvimento em são política dos coletivos evidencia-se em práticas
longos projetos de pesquisa que, ainda que visem, processuais como essas, em que modos de discurso
em última instância, à construção de um texto e de misturam-se a formas de vida e em que cabe aos
um espetáculo, parecem distender-se na produção artistas criar condições para que uma experiência
de uma série de eventos pontuais. Talvez se pudes- comunitária se exteriorize, atuando de modo a tor-
sem caracterizar essas breves criações apresentadas nar pública determinada realidade política, cultural e
em ensaios públicos ou produzidas em workshops econômica. Rancière considera os artistas coletivos
internos como teatralidades contaminadas de per- “relacionais”, por desenharem esteticamente as fi-
formatividade, cujo caráter instável explicita-se no guras da comunidade, ou melhor, recomporem não
traçado processual e na recusa à formalização. Es- apenas a paisagem do visível, mas favorecerem sua
sas experiências em geral aparecem de modo mais evidenciação. E conclui que essas práticas artístico-
urgente que o desejo de finalização num objeto/ sociais não são a simples ficcionalização do real,
teatro – a produção de uma dramaturgia e de um pois encontram seu conteúdo de verdade na mescla
espetáculo -, e em geral se processam numa rela- entre a “razão dos fatos” e a “razão da ficção”.30
ção corpo a corpo com o real, entendido como a Um bom exemplo dessas práticas são as inter-
investigação das realidades sociais do outro e a in- venções em espaços públicos que os coletivos orga-
terrogação dos muitos territórios da alteridade e da nizam por meio de exaustivas pesquisas de campo
exclusão social no país. dedicadas à coleta de depoimentos dos mais di-
Talvez por isso invadam territórios de natureza versos cidadãos, de viagens exploratórias a bairros
política, antropológica, ética e religiosa por meio de de periferia das grandes metrópoles brasileiras, de
pesquisas de campo que, aparentemente, deixam convívio em zonas urbanas de tráfico, criminalida-
em segundo plano tanto as investigações de lin- de e prostituição, de ocupação teatral de albergues
guagem quanto a militância explícita. Na verdade, de moradores de rua, hospitais psiquiátricos e pri-
são os próprios processos que se desdobram em sões, de oficinas, debates e ensaios públicos aber-
mecanismos recidivos de intervenção direta na rea- tos à opinião dos espectadores e, principalmente,
lidade e funcionam como micro-criações dentro de de processos colaborativos altamente socializados,
um projeto maior de trabalho. Essas intervenções que fazem questão de incluir interlocutores tradi-
performativas sinalizam a multiplicação de práticas cionalmente alijados da criação teatral e buscam
criativas pouco ortodoxas, cuja potência de envol- uma aproximação com o espectador não restrita ao
vimento no território da experiência social tende a momento de apresentação do espetáculo.
superar a força da experimentação estética. Daí a teatralidade complexa que resulta de al-
Em texto recente, Jean-Claude Bernardet obser- guns trabalhos de grupo, contaminada pela perfor-
va movimento semelhante no cinema, que associa a matividade de vozes, saberes e culturas marginais,
procedimentos da crítica genética em seu empenho
de compreender o itinerário das produções. Nessa
visada, as etapas de elaboração não constituem os 29
É interessante notar que Jean-Claude Bernardet comenta
momentos de um processo que antecede um obje- nesse texto, “O processo como obra”, a exposição “A res-
peito de situações reais”, realizada no Paço das Artes de São
tivo final, a obra, ou uma mera preparação que deve
Paulo em maio de 2003. O artigo foi publicado na Folha de S.
necessariamente ser superada por ela. “Nas obras Paulo – Caderno Mais! em 13 de julho de 2003.
que me inspiram estas reflexões, tendencialmente 30
Jacques Rancière, A partilha do sensível: estética e política, São
não há obra. Ou então, a obra é outra coisa. A obra Paulo, Ed. 34, 2005, p. 52-54.
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em que se explicita uma fragmentação da enuncia- colaborativos talvez seja mais um sintoma da ne-
ção que funciona como mimese exata da fratura so- cessidade de encontrar experiências “verdadeiras”,
cial brasileira. Pode-se mencionar casos exemplares “reais”, colhidas em práticas performativas viven-
desse tipo de produção, como o espetáculo BR3 ciadas na exposição imediata do performer diante
do Teatro da Vertigem, as Bastianas da Companhia do espectador, como observa Óscar Cornago em
São Jorge de Variedades e Ueinzz -Viagem a Babel, palestra recente, em que recorre a Giorgio Agam-
da Companhia Teatral Ueinzz. ben para creditá-las ao déficit de experiência que
Não por acaso, dois dos grupos mencionados – está na base da modernidade.32
o Vertigem e a Companhia São Jorge – buscam es- Nos casos mais radicais, essa experiência é trans-
paços urbanos de uso público para suas apresenta- plantada para a cena em estado bruto, gerando ma-
ções, em geral contaminados de alta carga política nifestações extremamente incômodas para o espec-
e simbólica, além de apresentarem um desvio ge- tador, que podem acontecer por várias vias. Um dos
ográfico de interesses, do centro para as periferias casos exemplares, por sua radicalidade, continua
urbanas e nacionais e, especialmente, recusarem-se sendo Apocalipse 1,11, do Teatro da Vertigem, estrea-
a funcionar em circuitos fechados de produção e do há mais de dez anos. Algumas cenas do trabalho,
recepção teatral. Em seus trabalhos, o que aparece de brutalidade desconcertante, pareciam, à primeira
em primeiro plano é a vontade explícita de con- vista, modos realistas de remissão ao contexto so-
taminação com a realidade social mais brutal, em cial brasileiro. No entanto, um observador atento
geral explorada em um confronto direto com o ou- percebia uma alteração de estatuto nessas interven-
tro, o diferente, o excluído, o estigmatizado. ções de realidade. A impressão que se tinha era que
Na maioria das vezes, o trabalho que resulta os criadores procuravam anexar fragmentos do real
dessas longas trajetórias de pesquisa não consegue ao tecido teatral que se apresentava. Era visível, por
dar conta do intrincado percurso que o precedeu. exemplo, que os traumas da mobilização inicial para
Um bom exemplo é BR-3, do Teatro da Vertigem, o espetáculo, como a queima de um índio pataxó,
fruto de um processo de mais de dois anos, que em Brasília, e o massacre de cento e onze detentos
envolveu criadores de várias áreas e foi apresenta- no presídio do Carandiru, em São Paulo, ganhavam
do em curta temporada de dois meses no leito do analogias brutais, como a cena de um corredor po-
rio Tietê, em São Paulo, em 2006. Independente da lonês, em que os espectadores, pressionados contra
qualidade do trabalho final, a comparação entre a a parede, no escuro, eram roçados pelos corpos que
brevidade da temporada e a extensão da pesquisa os atores carregavam sob rajadas de metralhadora;
é um dos índices de uma mudança radical de foco, ou a vivência do ator crucificado, suspenso pelos
do produto para o processo, do espetáculo teatral pés de uma altura alarmante; ou a da atriz escan-
para performances inacabadas, que se distanciam carando o sexo ou sofrendo agressões físicas reais,
das formalizações canonizadas pela tradição críti- depois que um ator urina em seu corpo diante de
ca, para dar vazão a uma performatividade extrín- espectadores perplexos.
seca e híbrida.31 A sofrida experiência do elenco e a exposição
A psicanalista Maryvonne Saison observa que de sua intimidade em estados extremos, em que os
outra face do mesmo processo é a opção recidi- corpos manifestavam o estado de guerra urbano,
va por mecanismos de confronto do teatro com pareciam funcionar como fragmento do horror
escritos testemunhais, como depoimentos, cartas e da vida pública brasileira das últimas décadas. Era
entrevistas, que hoje proliferam nas cenas de tea- como se a violência dessa teatralidade, contaminada
tro e cinema, como comprova a explosão de do-
cumentários ou a tensão entre realidade e ficção
recorrente em alguns filmes, como os de Eduardo 32
Óscar Cornago, “Actuar de verdad. La confécion como
Coutinho. O “depoimento pessoal” dos processos estrategia escénica”. Ver também o artigo de Ana Bernstein
“A performance solo e o sujeito autobiográfico” publicado
no primeiro número da revista Sala Preta, 2001, p.91-103.
Maryvonne Saison faz as observações mencionadas no livro
31
Jean-Claude Bernardet, op. cit. Les théâtres du réel, Paris, L’Harmattan, 1998.
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de performatividade, abrisse frestas para a infiltra- e da Virgem de Copacabana, no terreno movediço


ção de sintomas da realidade. Nesses momentos de e pantanoso do rio, flagrantemente real com seus
intensa fisicalidade e auto-exposição, a representa- despojos flutuantes. As sucessivas experiências das
ção parecia entrar em colapso, interceptada pelos cidades eram vividas pelo espectador em situação
circuitos reais de energia desses vários sujeitos. inédita de imersão, rodeado pelo trânsito intenso
Como Apocalipse 1,11, também BR3 era um teatro das marginais, a pobreza das favelas e a riqueza os-
performativo. No trabalho, Antonio Araújo proje- tentatória das sedes dos conglomerados financei-
tava uma espécie de cena migratória de exploração ros. Dentro do rio, era obrigado a suportar o mau
do “Brasil profundo” e das grandes metrópoles do cheiro e a confrontar-se com a realidade das águas
país, conturbadas pela violência e pela desigualdade mortas que atravessam São Paulo.
social. O trabalho processual esboçava a identida- Ao mesmo tempo, o espectador mergulhava
de dos protagonistas de forma móvel e questioná- numa espécie de heterotopia. Os espaços imaginá-
vel, respondendo ao primeiro objetivo do projeto, rios de Brasília, associada ao monumental e aos via-
de investigar possíveis identidades brasileiras com dutos, de Brasilândia, abrigada sob as pontes, e de
base na cartografia de três lugares do país, unidos Brasiléia, dispersa nas margens, forçados a conviver
pelo radical de nacionalidade e por localizações no mesmo leito instável, tornavam-se absolutamen-
em pontos-limite físicos e imaginários. Em todos te outros em relação às cidades reais que apresen-
os sentidos, Brasilândia, bairro da periferia de São tavam. Filtrados pelo olhar coletivo e deformados
Paulo, Brasília, capital do país, e Brasiléia, pequena por essa modalidade contemporânea de teatro do
cidade da fronteira do Acre com a Bolívia, formam real, performativa e fragmentária, eram lugares de
territórios de exceção, em que a idéia de país é posta “desvio”, irreconhecíveis em sua identidade origi-
em xeque. A cidade planejada, a cidade de fronteira nal. BR3 proporcionava ao espectador experiências
e a cidade periférica projetam territórios em que a sociais e existenciais, poéticas e políticas, processu-
idéia de pertencimento nacional é enfraquecida por ais e espetaculares, reais e ficcionais, destinadas ao
noções de borda, margem, travessia, e identidades reconhecimento de sua cidade e de seu país.
instáveis, processuais e híbridas substituem os sujei-
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