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Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra
2017
Direito Administrativo I – 2017
Pedro Costa Gonçalves
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INTRODUÇÃO
1 – Estado Administrativo
A nossa compreensão do Direito Administrativo assenta na premissa da
existência de um mapa dualista da realidade política, que conhece uma divisão entre o
Estado e a Sociedade Civil. Sem prejuízo de algumas interseções e até de situações de
interpenetração entre os dois polos, uma comunidade politicamente organizada
contempla a bifurcação entre a esfera de Poder e a esfera dos cidadãos.
Assim, de um lado, temos o Estado (conceito aqui usado em sentido lato, de
modo a abranger todo o aparelho público), com as suas organizações, as suas funções e
competências; do outro lado, surge-nos a Sociedade Civil, o conjunto dos cidadãos e das
organizações por eles criadas (associações, fundações, sociedades comerciais,
cooperativas), num espaço de autonomia e de liberdade e no exercício de direitos
subjetivos (v.g., direitos à constituição de associações e de cooperativas: artigos 46.º e
61.º da CRP). 1
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Cf. Adrian Vermeule, “The Administrative State: Law, Democracy, and Knowledge”,
http://ssrn.com/abstract=2329818.
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relação direta e imediata” com os cidadãos, e, em particular, com cada cidadão. Muitas
vezes, a relação com o Estado Administrativo é procurada e desejada pelos cidadãos
(v.g., para obter autorizações ou subsídios). Mas, também em muitas outras ocasiões, o
Estado Administrativo atua numa direção desfavorável aos cidadãos (v.g., recusa
autorizações, proíbe, impõe, pune). Em qualquer caso – em sentido favorável ou
desfavorável –, o Estado Administrativo interfere de uma forma direta e imediata na
vida real dos cidadãos.
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Sobre este ponto, cf. Pedro Costa Gonçalves, Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado
Contratante, Coimbra, Coimbra Editora (CEDIPRE), 2013, p. 49 e segs.
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2 – Administração Pública
Qualquer pessoa tem uma perceção imediata do sentido inicial ou básico do
conceito de Administração Pública: refere-se à “máquina administrativa” ou ao
“aparelho administrativo” do Estado (em sentido amplo) e abrange os múltiplos
organismos que se dedicam ao exercício da função pública administrativa e da
prossecução do interesse público.
Sem prejuízo dos desenvolvimentos de que o tema carece, de que se ocupará a
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Parte I, revela-se útil conhecer, desde já, as notas fundamentais do conceito, bem como
os termos da composição e da delimitação da Administração Pública.
vezes se designa por “mobilização dos particulares e das empresas para a realização de
objetivos públicos”.
Sem prejuízo dos casos de coincidência e de conexão entre interesse público e
interesse privado, são inúmeros os cenários de desencontro, de tensão e de conflito
eventual ou atual entre interesse público e interesse privado. Não se trata agora da
discordância de um indivíduo em relação à qualificação de um determinado interesse
como público. O que aqui está em causa é antes um cenário de tensão e de colisão entre
um interesse pessoal e um interesse qualificado como público: pense-se no interesse
pessoal de um indivíduo em andar armado em face do interesse público na resolução de
litígios por meios pacíficos; no interesse pessoal de alguém em construir e explorar uma
fábrica de explosivos em face do interesse público de proteção da vida e da saúde dos
vizinhos e dos trabalhadores; no interesse pessoal de alguém construir uma casa num
local que se encontra qualificado como de paisagem protegida; no interesse pessoal de
alguém em manter-se dono de um prédio que se torna necessário para a construção de
uma estrada; no interesse pessoal do estudante em ser aprovado em face do interesse
público da credibilidade dos resultados dos exames.
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Em todos os casos anteriores, o interesse privado não se realiza ou pode não se
realizar por causa do interesse público – a ser assim, poderá falar-se de uma supremacia
ou prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Em conformidade com
este princípio, a realização do interesse público pode impor o sacrifício de interesses
privados: a supremacia não tem de exigir sempre, e em todos os casos, o sacrifício do
interesse privado; pode reclamar apenas a acomodação deste às exigências próprias do
interesse público. Mas, em qualquer caso, deve aceitar-se que não tem de existir uma
igualdade jurídica entre interesse público e interesse privado, subsistindo, em certos
termos, uma prevalência ou supremacia do primeiro em relação ao segundo (cf., infra,
mais desenvolvimentos sobre este ponto).
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“The public interest may be presumed to be what people would choose if they saw clearly,
thought rationally, acted disinterestedly and benevolently” – Walter Lippman, 1955, apud Carol W.
LEWIS, “In pursuit of the public interest”, Public Administration Review, vol. 66, n.º 5, (2006), 694.
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interesse público” reconduz-se, pois, a uma vinculação pela lei (princípio da legalidade
administrativa).
Apresentada nestes termos, a vinculação pelo interesse público parece não se
autonomizar do princípio da legalidade administrativa: prosseguir o interesse público é
cumprir a lei.
E, de facto, assim sucede em muitos casos. Contudo, pode acontecer, e acontece
com muita frequência, que a lei não defina, de forma taxativa e completa, os
pressupostos da sua aplicação ou os termos precisos do seu cumprimento – pense-se,
por exemplo, na lei que autoriza a Administração a expropriar por razões de utilidade
pública, na lei que indica que a Administração deve adotar as medidas necessárias e
convenientes em face de uma certa situação ou na lei que define que a Administração
pode adotar uma certa medida. Nestes cenários, a vinculação pelo interesse público
autonomiza-se e, em si mesmo, o interesse público ascende à natureza de critério
jurídico autónomo da ação administrativa. Em casos como estes, e outros idênticos ou
ainda de outra natureza, a Administração é, afinal, chamada a assumir um papel na
própria definição do interesse público.
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Assim, o plano ou o momento da realização do interesse público pela
Administração não reclama necessariamente a aplicação automática e mecânica de uma
solução gizada em todos os seus contornos pelo legislador. Pelo contrário, a realização
efetiva do interesse público pode convocar uma participação da Administração Pública
numa espécie de definição complementar e concretizadora do próprio interesse público.
Ao abrigo da norma legal que a autoriza a expropriar bens e direitos por “causa de
utilidade pública”, a Administração, em cada ato de expropriação que pratique, vai definir
em concreto – ou concretizar – essa causa de utilidade pública; ou seja, definir ou
concretizar o interesse público que justifica o ato de expropriação.
Embora num âmbito muito determinado, a Constituição alude à definição do interesse
público pela Administração: cf. artigo 269.º, n.º 1, ao estabelecer que “os trabalhadores da
Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão
exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei,
pelos órgãos competentes da Administração.
(livre) de atuações que têm efeitos positivos e benéficos para a coletividade, que se
reputam atuações de interesse geral. Mas isto não significa que estejamos em presença
de um interesse assumido como público em sede político-legislativa. Numa palavra, o
conceito de interesse público assume, neste contexto, um significado próximo de bem
comum ou de interesse geral, na perspetiva que destes conceitos tem o homem comum.
Ora, o interesse público que o Estado Administrativo prossegue e tem a
responsabilidade de realizar não tem esse sentido simplesmente descritivo, mas antes
um sentido jurídico-normativo, pressupondo a definição legislativa de uma específica
responsabilidade da Administração Pública.
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