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Rotas
alternativas
Esforço de pesquisa para substituir o uso de
animais em testes começa a mostrar resultados
Fabrício Marques
G
anha musculatura no país uma articula- Qualidade em Saúde (INCQS), vinculado à Fun-
ção entre laboratórios públicos, grupos dação Oswaldo Cruz, e o Instituto Nacional de
de pesquisa e órgãos governamentais Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
para reduzir ou substituir o uso de Em março, essa estrutura ainda em fase de
animais em testes de segurança e eficácia de consolidação foi desafiada a cumprir uma me-
produtos. O esforço foi deflagrado em 2012, com ta ambiciosa: dar suporte para a substituição
a criação pelo governo federal da Rede Nacional progressiva, nos próximos cinco anos, do uso
de Métodos Alternativos (Renama) e o lança- de animais em testes, sempre que existir uma
mento de uma chamada de projetos pelo Con- alternativa validada. Para novos métodos ainda
selho Nacional de Desenvolvimento Científico não validados, esse processo envolverá o Centro
e Tecnológico (CNPq), que contemplou 10 pro- Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos
jetos de pesquisa no âmbito da Renama. Todos (Bracvam) e toda a estrutura da Renama. A subs-
estão em andamento e têm focos diversos, como tituição foi decidida pelo Conselho Nacional de
a produção de kits de pele artificial para testes de Controle da Experimentação Animal (Concea),
sensibilidade de cosméticos, estudos com larvas instituição colegiada vinculada ao Ministério da
capazes de substituir mamíferos em exames de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), respon-
toxicidade ou a redução do número de roedores sável desde 2009 por estabelecer normas para
no controle de qualidade de vacinas. Três labora- a experimentação animal no Brasil e substituir
foto eduardo cesar
tórios fazem parte do núcleo central da Renama. animais para propósitos científicos e didáticos
Um deles é o Laboratório Nacional de Biociências quando existirem recursos alternativos. Em maio,
(LNBio), em Campinas. Os outros ficam no Rio o Concea recebeu do Bracvam a primeira reco-
de Janeiro: o Instituto Nacional de Controle de mendação de métodos alternativos já validados
O
projeto contemplado foi o de um grupo de um ensaio in vitro para detectar a ati- José Giannini
da Faculdade de Ciências Farmacêuticas vidade imunogênica. Em outra, a meta é
da USP, liderado por Silvya Stuchi-Maria substituir ensaios em cobaias por ensaios
Engler, que começou a produzir pele artificial em células no controle da anatoxina dif-
em meados dos anos 2000, com apoio da FA- térica – toxina da difteria que mantém
PESP (ver Pesquisa FAPESP nº 166). Produzida atividade imunogênica, embora não seja mais tó-
a partir de células retiradas de doadores, a pele xica. Um terceiro foco é a adaptação para vacinas
reproduz os mesmos tecidos biológicos da huma- produzidas pelo instituto de um kit que substitui
na e pode ser utilizada para avaliar a toxicidade o uso de coelhos em testes de pirogênios, conta-
e a eficácia de novos compostos para fármacos minantes que causam febre e podem ser oriundos
e produtos cosméticos. Originalmente, a pes- de microrganismos ou aglomerados proteicos. Em
quisa sobre pele cultivada buscava dar suporte quarto lugar, procura-se reduzir o uso de camun-
a outra linha de investigação em que Silvya está dongos na sorologia para vacina de coqueluche – a
fotos 1 e 2 eduardo cesar 3 léo ramos 4 wikimedia commons
envolvida: o estudo de moléculas capazes de de- ideia é utilizar para a doença os mesmos animais
ter o melanoma, tumor de pele muito agressivo. usados para dosar anticorpos contra difteria e té-
“Logo percebemos que a pele poderia ajudar as tano. A redução do número é sensível: de 170 ani-
empresas”, afirma. “Os kits são uma alternativa mais por lote de vacina para apenas seis cobaias.
para testes de cosméticos, mas é bom lembrar Por fim, o Butantan já está obtendo êxito em
que o uso de animais segue imprescindível, por uma técnica com potencial para substituir o uso
exemplo, em testes para o desenvolvimento de de camundongos por um ensaio imunoenzimático
medicamentos”, observa Silvya. numa etapa da produção da vacina contra a rai-
O Instituto Butantan, com sua vocação para de- va. “A redução e a substituição de animais é um
senvolver e produzir soros e vacinas, vem dimi- caminho sem volta”, diz o químico Wagner Quin-
nuindo a quantidade de animais, como camun- tilio, pesquisador do Butantan responsável pelo
dongos e cobaias, utilizados para o controle de projeto. “Existe a pressão da sociedade e dos co-
qualidade. Esse esforço já levou, entre outros avan- mitês de ética em pesquisa, que não permitem o
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méticos, já que praticamente não se usam mais A expectativa de Octavio Presgrave, coorde-
animais para este fim. “O banimento completo nador do Bracvam, é de que práticas aceitas
colocaria em xeque a segurança da população”, internacionalmente tenham aprovação rápida.
diz o médico e biofísico Marcelo Morales, pro- “Para a validação interna será necessário demons-
fessor da Universidade Federal do Rio de Janeiro trar que os registros já obtidos no exterior se re-
(UFRJ) e ex-coordenador do Concea. “Ele pode produzem em testes feitos nos nossos labora-
inviabilizar o desenvolvimento de cosméticos tórios”, afirma Presgrave, que é pesquisador do
com ingredientes novos ou moléculas desco- Instituto Nacional de Controle de Qualidade em
bertas na nossa biodiversidade que contenham Saúde (INCQS). Segundo ele, o prazo de cinco
contaminantes desconhecidos”, afirma. Luiz anos é factível. “É tempo suficiente para que as
Henrique do Canto Pereira, coordenador-geral empresas e laboratórios se adaptem”,
de biotecnologia e saúde do MCTI, afirma que diz. Em outros casos, o trabalho do
o banimento poderia prejudicar a estratégia de- Bracvam será mais demorado. É
finida pelo MCTI de substituir, reduzir e refinar o caso, por exemplo, do protocolo “Banimento
o uso de animais em testes sempre que isso for Het-Cam, que busca substituir o uso
possível. “A campanha pelo banimento atropela de coelhos por uma membrana do completo de
o esforço que estamos fazendo desde 2011, quan- ovo de galinha na identificação de
do começamos a conceber essa iniciativa, para compostos corrosivos ou muito ir-
testes de
organizar no país uma rede estruturada, capaz ritantes. O método, criado na Eu- cosméticos
de validar e disseminar de forma mais ampla os ropa em 1985, é aceito apenas como
métodos alternativos, incluindo não apenas cos- pré-teste na França e na Alemanha. põe em xeque
méticos mas também fármacos e agrotóxicos”, O processo do Het-Cam será o pri-
afirma. “Mesmo na Europa há salvaguardas que meiro estudo de validação no Brasil segurança da
permitem a realização de testes se houver riscos seguindo preceitos internacionais,
à saúde da população.” afirma Presgrave. “Quando deixa-
população”,
mos de usar animal num teste, há diz Marcelo
H
á quem veja certo açodamento no prazo de um ganho ético importante. Mas um
cinco anos para a substituição estipulado novo método também significa criar Morales
pelo Concea. “Começamos recentemente conhecimento. Desenvolvemos ino-
a investir no desenvolvimento de métodos alter- vações na busca de métodos mais fi-
fotos 1 eduardo cesar 2 miguel boyayan
A
minuir ainda mais o número de substâncias que implementação de métodos alternativos
são submetidas a testes em animais pela elimina- depende da existência de laboratórios re-
ção rápida daquelas que se mostrarem inviáveis. conhecidos nas chamadas boas práticas
Trata-se de um filtro que evita o desperdício de de laboratório (BPL), mas eles ainda são poucos
tempo, recursos financeiros e principalmente o no Brasil. “As boas práticas contribuem para a
rastreabilidade e, portanto, para a confiança no
estudo realizado. A confiabilidade dos métodos
alternativos também será garantida pela reali-
zação de comparações entre os laboratórios da
Renama”, diz o coordenador do Concea, José
Mauro Granjeiro, responsável por essa área no
Inmetro. Recentemente, o Inmetro coordenou
uma comparação entre cinco laboratórios da rede,
com apoio de uma consultoria internacional com
experiência – Centro Europeu para Validação de
Métodos Alternativos (Ecvam, na sigla em in-
glês) –, cujos resultados estão sendo analisados.
A ampliação dos estudos sobre métodos alter-
nativos dependerá de um reforço no financiamen-
to aos grupos de pesquisa envolvidos, observa
Luiz Henrique Canto, do MCTI. “Conseguimos
desenhar uma estrutura e começamos a avançar
e o MCTI vem envidando todos os esforços, in-
clusive buscando apoio no Congresso por meio
Rato de laboratório: de emendas parlamentares, para o fortalecimen-
pesquisas buscam to da Renama. Acreditamos que essa iniciativa
substituí-lo por testes
poderá beneficiar em muito o desenvolvimento
in vitro ou reduzir seu
uso no controle de científico e tecnológico do país na área das ciên-
qualidade de vacinas 2 cias da vida”, afirma. n