Sei sulla pagina 1di 126
A. CASTANHEIRA NEVES DIGESTA ESCRITOS ACERCA DO DIREITO, DO PENSAMENTO JURIDICO, DA SUA METODOLOGIA E OUTROS VOLUME 1.° COIMBRA EDITORA 1995 2 O PRINCIPIO DA LEGALIDADE CRIMINAL O seu problema juridico e 0 seu critério dogmético (*) I. PRINCIPIO 1. O seu sentido geral O principio da legalidade criminal continua a enunciar-se universalmente pela formulagao latina que Ihe foi dada por A. V. FEUERBACH: nullum crimen, nulla poena sine lege (!), E, no entanto, mais do que problemdtico — a conclusio negativa pode mesmo dizer-se actualmente j4 um dado adqui- rido 2) —, que sob a formula inalterada permanega também a intengao nor- (*) Texto originariamente publicado no ntimero especial do Boletim da Faculdade de Dineito, da Universidade de Coimbra, sob 0 titulo Estudos em Homenagem ao Prof, Dow- tor Eduardo Correia, 1984, pigs. 307, ss., ¢ em separata do mesmo Boletim. ()) Jana 14 ed., 1801 (com uma 14. ed. em 1847), do seu Lebrbuch des gemei- nen in Deutschland giligen Peinlichen Rechts, § 20. & f6rmula do texto exprime apenas em termos comurs a sintese conclusiva do pensamento de FEUERBACH, que era todavia mais difereneiado e se polarizava em trés principios sucessiva ¢ correlativamente condicionados: rmulla poena sine lege, nulla poena legalis sine crimine, nullum crimen sine poena legal. Sobre 0 exacto pensamento de FEUERBACH ligado a estas formulagées, v., por todos, W. MAIHOFER, Rechtsstaat und menschliche Wiirde, 142, n. 208; W. SAX, Grundsatee der Sirafiectspflege, in K. A. BETTERMANN, H. C. NirveRDeY, U. SCHEUNER (Hrsg), Die Gran drechte — Handbuch der Theorie und Praxis der Grundrechte, Ui, 2, 995, se ainda Boranent, Paul Johann Anselm Feuerbach und der Bestimmtheingrundatz im Strafrecht, 1982. @) Para um amplo tratamento doutrinal deste ponto, pode ver-se H.-P. LEMMEL, Unbestimmate Strafbarkeitsvoraussetzungen im Besonderen Teil des Strarechts und der Grund- sate nullum crimen sine lege, passim. Para a conclusio referida no texto, v. também. 350 Alguns problemas dogmatico-jurtdicos mativa origindria € iluminista (iluministico-positivista) que com ela se impu- tava ao principio. ‘Tanto a concepsao do direito e da lei em geral como do direito criminal ¢ da lei penal em particular (3) ¢ ainda o entendimento meto- dolégico da concreta realizagio do direito séo j4 bem diferentes daqueles que ica fonte do direito é a lei ¢ o direito com ela se identifica, a lei oferece em si uma formal e abso- luta pré-determinagio do juridico, a realizagao do direito reduz-se & «aplica~ do» da lei (aplicagao légico-subsuntiva ou dedutivamente necessdria), etc. a essa intengio origindria do principio pressupunha: acritico optimismo ideolégico-politico do Iuminismo e o ingénuo radica- lismo normativo-juridico do seu legalismo (ou melhor, do legalismo positivista que ele possibilitou ¢ Ihe foi consequente) esto decerto na nossa condicio- nante heranga cultural, mas nao identificam ja as dimensdes verdadeiramente constitutivas do nosso presente, nao obstante o contemporineo esforco recons- trutivo de vérios neo-iluminismos (4) e de varios neo-positivismos (5). E que todos aqueles pressupostos iluministas vio superados na recuperada entre a lei e 0 direito: na actual recompreensio do problema das fontes, no reconhecimento da transcensio da mera legalidade por uma juridicidade material ou da abertura daquela a esta e bem assim da insuficiéncia norma- tivas do critério formal ¢a lei para assumir a juridicidade concreta, no caréc- ter normativo e de mediago concretamente constitutiva da realizacéo do J. Mever-LaDewic, Der satz «nulla poena sine legen in dogmatischer Sicht, in M.D. Ru 16 (1962), 262, ss T. Lencaner, Wertausillungsbedinfige Begrife im Strafteche und der Satz «nullion crimen sine lege», in Juristische Schulung, 8 (1968), 249, ss. ©) Chi. esperificamente, sobie este hime ponto, LeMMet, vb. cit., 131, ss. ( Tenham-se presentes as intengées politico-juridicas da «teoria critica», na pers- pectiva por que a orienta sobretudo HABERMAS; 0 sentido bésico da projeccio do «racio- rnalismo critico» open society por K, Porrer; as consequéncias politico-juridicas da «sozio- logische Auflelarungy de N. LUHMANN; etc. (9) Particularmente 0 neopositivismo juridico — no nos referimos 20 neoposi filosofico em sentido estrito ou da Escola de Viena entre as duas guerras mundiais — que tem a sua inspiragao na filosofia analitica c assimila os epistemolégicos esquemas ldgico-lin- guisticos das actuais «teorias da linguagem».Neopositivismo juridico esse que se terd de reconhecer a repercutir em todo o pensamento juridico — inclusivamente em polémica com a hermenéutica ou a nova orientacio hermenéutica daquele pensamento: eft. H.-J. Koc (Hrsg), Juristcche Methodenlehre und analytiche Philosophie — e de que se podem referir, como exemplares expresses significativas, no plano metodolégico KOCH ROSSMANN, Juristiche Begriindungslebre 1982, © no. plano dogmético, ¢ mesmo dogmdtico-criminal, J. HRUSCHKA, Sfraffeche nach logiseb-analytiveher Methode 1983. Para uma extica geral, v., KL. KUNZ, Die analytische Rechtstheorie: eine «Rechts»-theorie ohne Recht?, 1977. O principio da legalidade criminal 351 direito, etc. (9). Pelo que o principio da legalidade criminal s6 pode signifi- car hoje o que, numa irrecusével exigéncia de integrante congruéncia que o préprio direito como sistema nfo dispensa, for compativel com o diferente sen- tido da juridicidade, ¢ igualmente da juridicidade criminal, implicado por esta mutacio da compreenséo do direito ¢ da sua realizaczo; mais do que iss0, nao pode ele proprio deixar de assimilar em si, na sua especifica inten- cionalidade normativa, esse outro ¢ actual sentido da juridicidade, Tudo pon- tos de que este estudo se ocupard. Nao obstante, continua o princfpio a ter por_abjecto todo o ambito mate- rial (?) ja da incriminagao (dos pressupostos quer positivos € negativos ("), quer normativamente gerais ¢ tipificadamente especiais (?) da incriminasio ¢ bem assim da sua agravagio), jd da punigao (da definigéo ¢ determinagao das (©) Caberé ainda referir que as trés coordenadas actualmente constitutivas do sistema do direito e da «razio juridica», na parte que mais ditectamente toca o principio de que nos ocupamos, como sio a aconcepgio do homem» (Mensckenbild), a videia de dircito» € 4 posigio do jurista perante a lei e 0 direico em geral rém hoje um sentido fundamen- talmente diferente daquele que Ihes correspondia 20 tempo da sua iluministica instituigio wv. neste sentido, P. SEEL, Unbestimmte und normative Tatbestandsmerkmale im Stra- ‘recht und der Grundsate nullum erimen sine lige, apud LEMMEL, 0b cit, 104 () O principio, ainda nas suas implicagoes mais rigorosas, como a proibigao da ana logia in malam partem continua a ser referido pelo pensamento dominante apenas 20 diseito criminal material e nfo jd 20 direito processual. — V., por todos, H. Wetzet, Dat detache Safed, 9* ed, 20; H. Hi, JESCHECK, Lebrbuch des Straftechts, AT. 3: ed. 107 que serd, no entanto, muito discutivel — v. J. BAUMANN, Grenzen der individualen Gerechtigheis im Serafech, in Summum ius, Summa iniuria, 122; W. Hassemen, Einfith- rung in die Grundlagen des Sraftechts, 245, 55 SCHONKE, SCHRODER, EsER, Strafgesersbuch Kommentar, 22 ed., § 2, 617, ps. 44, 8. Alids, pode perguntar-se se esta questio no devers resolver-se noutta sede, nfo por referéncia a0 principio nullum crimen, mas com funda- mento no principio da «reserva da lei» a impor a rodo o dircito piiblico que envolva ata- que ou diminuigo de direitos ou interesses dos cidadios — neste sentido, v. KREY, Stt- dien cum Geserzenorbchalt im Staffed, 41, ss3 240, 248. Sobre a relagio entre o p, muller ‘imen e o problema da «reserva da lei, v. também G. Marit, Nillum crimen, nulla poena sine lege, in Enciclopedia del Ditto, XVII, 952, ss.. 955. (8) Sobre o feito incriminador indirecto que pode resultar da delimitagdo ¢ apli- casio dos fundamentos de exclusio do ilfcio, da culpa e da pena, v. M. WaIBuINGER, Die Bedeutung des Grundiatces enullum erimen sine lege fr die Arvendung und Fortennvicklung des Schweizerischen Strafrechts, in Rechtsquellenprobleme im Schweizerischen Recht, 239. (0) Que o principio abrange todos os pressupostos da incriminacao punitiva, sejam cles determinados na «parte especial» (nos tipos incriminadores) ou enunciados na «parte geralo, nas normas geais do iiccoe da imputaglo, no sofre hoje divida — cfr por rodos, SCHONKE-SCHRODER-ESER, ob. cit, § 1, 28 (pag. 23). 352 Alguns problemas degindtico-juridicor penas ¢ de quaisquer outras sangées criminais) (!9) (2) —ou seja, todo 0 direito criminal que possa dizer-se constitutivo in malam partem ("2). Assim como deverd dizet-se, sejam quais forem as alteragGes da sua normativa inten- cionalidade especifica e as implicagdes tanto normativo-juridicas como jurf- dico-dogmaticas dessas alteragées (13), que persiste em geral nele o sentido fun- cional de uma garantia juridica. E a primeira fungo do principio mullum (8) «Sangoes criminaiss & expresso que pretende abranger todas as medidas ou reacg6es sancionatérias dos comportamentos previstos como criminalmente relevantes — penas, medidas de seguranca e outras (que conceitualmente nao sejam abrangidas pelas segundas). Na verdade, se teoricamente se deverd reconhecer uma diferenciacio entre penas e todas as outras medidas, justficada pela diversidade de pressupastos ¢ de objec- tivos, 0 certo & que nao deixa de haver uma forte analogia nos efeitos, particularmente para quem os softe, em atengio a qual de todo se imp8e que a mesma intengio de garantia que sempre teve por objecto as penas se estenda igualmente as modalidades e aos pressupos- tos das outras medidas — & também esta uma conclusio hoje pacifca: eft, por todas, WAl- BLINGER, ob, cit., 262, s.; HASSEMER, ob. cit., 244, ss, O que, alids, entre nds é jé juri- dico-positivamente consagrado — Constituigo da Reptiblica Portuguesa, art. 29.9, n.% 1, 3 € 4, Cédigo Penal, art. 1.9, n.° 1. Por outro lado, também aquelas medidas, nas suas diferentes espécies, podem subsumir-se a0 conceito de usangio», se a este conceito 0 entendermos correctamente em sentido amplo, que a prépria etimologia justifica, e assim em termos de referir tantos as sangées positivas como as negativas, tanto as sangdes repres- sivas como as promocionais — v. N. BOBBIO, Le sanzioni positive e La funzione promo- zionale del diritto, in Dalla struttura alla funzione, 33, 88., € 12, 33, respectivamente. ("") elncriminacio» e «punigéo» a considerar, além disso, na sua normativa conexio ou unidade intencional, jé que se 0 delico implica uma certa e cortespondente singio, a sanglo pressup6e um certo e correspondente delito. O que era jé tido em conta por FEUERBACH, no seu entendimento condicional de crimen e poena — v. L. JIMENEZ ASUA, Nillum erimen, mulle pena sine lege, in Zs°W, 61(1951),170; SAX, 0b. cit, 995 —e esteve bem presente nos trabalhos preparatérios do nosso Cédigo Penal — v, Actas das Sesser a Comisiéo Revisora do Cédigo Penal, 1, publicadas no Boletim do Ministério da Jus- tiga, 1965, 41, 49, ss. Com a importincia nfo apenas de se excluirem assim as «penas arbitrériasy, mas ainda de ser essa conexo ou unidade um relevante topos interpretativo —v. 0. A. GERMANN, Interpretation gemiss den angedrobten Strafen, in Meihodische Grundfeagen, 78, ss. — e em que serd mesmo licito ver uma das aplicagées do especifico «principio da proporcionalidader — cfr. E. SCHMIDHAUSER, Straffech, Allgemeiner Teil, 2.2 ed., 39, ss. (3) Cf. H. Wetzet, Auf welche Bestandteile einer Strafvorschrift bezieht sich der Satz: nulla poena sine lege?, in JZ, 1952, 617, s. — que inclui na «criminalidade consti- tutivan: 1) 08 elementos do tipo, 2) os momentos da ilicitude, 3) os momentos da culpa € 4) as condigées de punibilidade. Cf, ainda, C. ROxIN, Offene Tarbestinde und Rechesp- ichtmerkmale, 107, no que se refere & «fungio de garantia do tipo», (3) Vi infra O principio de legalidade criminal 353 crimen decerto uma fungéio de garantia, exigida pela ideia do Estado-de- -Direito (4), contra o exercicio jé ilegitimo (politico-juridicamente ilegitimo) ja abusivo (persecutério e arbitrério), jd incontrolavel (subtrafdo & racionali- dade juridico-dogmitico € critico-metodolégica) do ius puniendi estadual. E justamente enquanto impde a esse poder uma aregra de competéncia» (5), ren- cionzis limites normativos. Pois continua a postular-se que sé a incriminacao € a punigao que se submetam quer as exigéncias de fundamento e critério, quer aos limites juridicos que lhes visa impor o principio da legelidade crimi- nal ('9) se aplicario em termos de se afirmarem, por um lado, como polt- tico-juridicamente legitimas — reconhecer-se-4 0 «principio democrético» ou representativo-democrético na definigko dos pressupostos da incriminacéo punitiva e cumprir-se-4 0 uprine{pio da separagio dos poderes» na determinagio normativa desses pressupostos (17) — e de levarem, por outro lado, preservada a seguranga juridica (a previsibilidade e a confianga juridicas) suficiente- mente respeitada a liberdade dos cidadaos (pela exclusio mesma do arbicrio, correlato de aquela seguranca juridica, e pela possibilidade de contréle da incriminagao ¢ puniggo que o cumprimento do principio garantir4). Sé que nao se fica hoje por aqui, apenas por essa negativa fungao formal de gurantia. Tende-se decisivamente a compreender ainda o principio com um Ihe define as suas condigées formais de exercicio e Ihe demarca os seu: sentido normativamente material ¢ positivo, ao pretender ver-se nele, seja a manifestacao da justiga material (8) ou pelo menos da justica juridica (1?) do () Sobre o sentido do Estado-de-Direito que neste ponto sobretedo importa (enquadramento ¢ instituinte limicagio juridica do poder), v., por todos, K. LARENZ, Richtiges Recht, 136, ss. Em referencia directa a0 princ{pio nullum crimen, cfc. G.nA. Mancakis, Uber die Wirksamkeit des Satzes «nulla poena sine legen, in ZstW, 81 (1969), 1001, ¢ passim. Considerando todavia o prinefpio como uma snorma independente» ou nao necessariamente deduzida do Estado-de-Direito, v. LeMMEL, 06, cit, 164, Chr. infra (9) Chr. Lemmet, ob. cit, 158, ss. com base no pensamento de A. ARNDT. V. infia. (°) Quais sejam exactamente essas exigéncias de fundamento ¢ critério ¢ esses limi- tes juridicos é 0 que esta hoje justamente em aberto ¢ a actual compreensio da intenci nalidade normativamente especifica do principio € chamada a determinar. (°) V., inffa, a consideracio destes pontos, ('*) Chamou a atengio pa. este ponto, embora de um modo nio inteiramente feliz (v. infia), G. GRONOWALD, Bedeutung und Begriindung des Satzes «nulla poena sine lege, in ZstW, 76 (1964), 17, s (%) Sobre a distingie aqui implies entre a justiga tout court (a justiga ético-jurt- dica material) e a justiga juridica (a justiga jé da normatividade enquanto tal, jf de uma normatividade sécio-juridicamente institulda), v. C. PERELMAN, De la justice (agora in 2s 354 Alguns problemas dagméticojuridicos direito penal, seja a expresséo da prépria juridicidade do sistema criminal (2), seja inclusivamente uma inferéncia do valor tiltimo da dignidade humana (*)). E certo que é esta uma nova dimensio do principio que, apesar dos jé rele- vantes contributos oferecidos pelo actual pensamento juridico, néo logrou ainda afirmar-se com a generalidade € 0 expresso reconhecimento que a sua essencial importancia justifica 2), E, no entanto, temos para nés que serd no assumir dessa dimenso — embora nao necessariamente por qualquer dos modos referidos, que nao se revelam de todo imunes 8 critica — que o prin clpio poderd esperar hoje uma sua recompreensio decisiva, aquela recom- preensio que permitird como que reinstitui-lo no pensamento juridico con- temporineo. Assim, com mutagao decerto da sua intencionalidade especifica, mas pre~ servado no seu tradicional sentido geral de garantia juridica e acabando mesmo: por enriquecer-se de uma dimensao normativamente material — no que, afi- nal, apenas acompanha a evolugio do Estado-de-Direito formal para o Estado-de-Direito material —, o principio da legalidade criminal nao s6 se mantém com toda a importincia que sempre se Ihe imputou como nao se jus- tifica menos que seja recebido na portada dos mais recentes eddigos penais 3), que atinja, para além disso, o préprio nivel constitucional, no capitulo dos direi- Justice et raizon, 9, 8}; 10., Cing legons sur la justice, in Droit, morale et philosophic, 2. ed., 15, ss; G. AMBROSETTI, Tra metafisica classica e filosofia dei valor: i senso del divitto, 14, ss. Justiga juridica» que sempre acabard por acentuar 0 valor ou 0 principio da igualdade cfe. M. KRIELE, Kriterien der Gerechtigheit, 90, ss.; 1. TAMELO, Rechtslogik und mate- riale Gerechtigheit, 56, ss. Para uma insistente referéncia fundamentante do principio rnullum crimen a este valor ou principio da igualdade juridica, v. WAIBLINGER, 06. citz, 224, ss., € todavia com uma concludéncia bem duvidosa, se atendermos a que o waricter frag- do direito penal ¢ a proibigio da analogia incriminadora acabam justamente por impedir a realizagio juridica da igualdade — v., neste iiltimo sentido, M. MaIwaLD, Zum fragmentarischen Charakter des Strafrecht, in Fest. f. Reinhart Maurach zum 70 Geburtstag, 22, s., e passim; HM. Pawtowski, Methodenlebre fiir Jursten, 367, s. (9) “Assim, GA. MANGaKis 08, Loe. cits, passim: v. inf @!) Neste sentido, principalmente Sax, ob. loc. cits, 998, s.; MAIHOFER, 06, cit, 148, ss. Cir. JOse De SoUsA & BRITO, A lei penal na Consttuigao (separata dos Estudos sobre a Constituigéo, 11), 227, ss.; LEMMEL, 06. cit., 87, ss. (@) Pelo contrisiv, nu falta ainda hoje quem expressamente afirme © principio tio-s6 ‘como um «prinelpio formal» — eft. HANACK, Zur Problematik der gerechten Bestrafng natio- natsozialistischer Gewaltverbrecher, in JZ, 1964, 396; LEMMEL, ob. cit., 163, ss. — ou de sentido estritamente politico — eft. JIMENEZ DE ASUA, Nullurm crimen nulla poena sine lege in ZstW, 63 (1951), 169, n. 3 em referéncia a AFTALION. V. infra (2) Assim no nosso Cédigo Penal, no sew art. 1.° O principio da legalidade criminal 355 tos e das garantias fundamentais (#), e se veja mesmo indefectivelmente pro- clamado em todas as «declaragdes dos direitos do homem, desde a «Déelanation des droits de Uhomme e dis citoyen» de 1789 ‘att. 8.°) & Declaragito Universal dos Direitos do Homem de 1948 (art. 11.9, n.2 2) € & Convengio Europeia dos Direitos do Homem de 1950 (art. 7. Serd, por ultimo, necessdrio acres- centar que é ele, € por tudo isto, um dos principios normativos fundamen- tais da «consciéncia juridica geral» do nosso tempo? 2. Os seus coroldrios normativos Sentido e importincia assim muito genericamente referidos que melhor se evidenciargo se tivermos presentes todas as especificagées regulativas do principio — no fundo meros corolatios do seu otigindrio sentido essencial — @ que vemos comumente sistematizados pela doutrina (*5),/ Sendo certo que na exacta consideragio dessas especificagbes nos comegaremos justamente a dar conta daquela mutacéo intencional do principio que deixamos aludida. (q) «Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta» € 0 primeiro desses espe- cificantes corolérios, ¢ para afirmar a exclusividade da lei (a lei formaly ou a lei em sentido juridico-constitucional estrito) ¢ assim a correlativa inadmis- dade de oucras «fontes» ou modos normativamente constitutivos (parti- Galarmente dos direitos consuetudindrio e jurisprudencial) para os funda- mentos juridicos da incriminagéo ¢ da punigao./Nao € isto sendo a propria manifestacao tanto da ideia como da exigéncia da legalidade (enquanto deverd esta afirmar-se formal e expressamente), postuladas pelo sentido moderno-ilu- minista — e que jé dissemos 0 sentido verdadeiramente origindrio (*6) — do principio nullum crimen: s6 a lei € fonte politico-juridicamente legitima da incriminagao punitiva. Decerto que este axioma da exclusiva legalidade dessa incriminacio foi originariamente pensada em referéncia ao legalismo iluminista, e convocava para tanto todo 0 contexto cultural, ideolégico-politico ¢ juridico que entio o possibilitava; mas com esse sentido se manteve, mediante uma rafir- (4) Se é que nao foi essa a sua sede origindria — eft. SAX, ob. cit, 994; JOsE DE Sousa £ BRITO, A lei penal na Constituigdo, cit., 203. Na nossa Constituigio vémo-lo no ambito geral do Titulo sobre Direits, liberdades e garantias, ¢ expressamente enunciado no art. 29.9, ns 1a 4, do Capitulo sobre Direits, liberdades ¢ garantias pesonis. (®) Podem ver-se por todos, B. SCHUNEMANN, Nulla poena sine lege, 3, ssi-H.-H. Jescueck, Lehrbuch, cit. 105, |. SCHMIDHAUSER, Strafrecht, cit., 30, ss; SCHONKE, ScHRODER, EséR, Kommentar, cit., 18, ss. Cft. JOSE DE SOUSA E BRITO, ob. cit, 232, ss. (9) Che. infia. 356 Alguns problemas dogmatico-jurtdicos magio da sua indiscutida validade, no posterior positivismo legalista: o lega- lismo passou a ser o horizonte universal do pensamento juridico em geral € para 0 pensamento juridico criminal rornou-se ele como que de uma evi- déncia radical. $6 que — dissemo-lo também jé — o escrito legalismo ilu- ministico-positivista reeonhece-se hoje superado em todos os aspectos decisivos, € que vio desdz a implicada concepgao do direito as suas inferéncias tanto nor- mativas como metodol6gicas, ¢ essa superagio, assumida também no direito criminal, nao podia deixar de repercutir no entendimento do principio, € inclusivamente no ponto particular que agora con: haja de dizer-se, com W. HaSsEMER (27), que se «a forma escrita das fontes do direito, a possibilidade de serem lidas por quem quer que seja, € (para a filo- sofia politico-juridica da Auftlérung) um pressuposto necessirio para 0 discurso geral sobre os limites da liberdade (ainda que nao uma condigéo suficiente), este ethos também para nés evidente ¢ importante: a invocacéo de funda- mentos juridico-consuetudindtios seria em direito penal como meter a mao numa black bex, numa caixa mégica, em que ninguém, salvo 0 mago, sabe muito bem 0 que esté ld dentro». Simplesmente também nio jé assim em ter- mos absoluitos ou sem as diferenciagées normativas que igualmente se impGem. Deixemos de lado recurso, de admissibilidade indiscutida, a funda- mentos e critérios normativo-juridicos translegais — desde logo a princfpios normativos € a critérios dogmético-jurisprudenciais «no escritos» ou extra- textuais —, para a integragio, o auténomo desenvolvimento € mesmo correcco in bonam parten do diteito criminal legalmente positivo e de que resulta a tam- bém translegal objectivacdo dogmético-institucional de uma nfo pequena parte do diteizo criminal vigente (28). No préprio campo da directa aplica- ao do princfpio ou naquele dominio criminal que atrés vimos corresponder 20 seu objecto especifico, deparamos todavia com um resultado andlogo, ¢ nfo menos vilido. Isto, se distinguirmos a indispensével referéncia incriminante € punitiva a lei — ou a necesséria invocagio do direito criminal positivo-legal como leramos. Nao que nao €) Ob cit, 248. (@%) Para o desenvolvimento e comprovacio deste ponto, v. particularmente P. BRIN- GENAT, Gewohnbeitsrecht und Richterrecht im Strafrecht, in ZstW, 84 (1972), 592, ss. Cii., também, A. SCHONKE, Auslegung, Analogie und Gewobnheitsrecht im Strafrechs, in MDR, 1947, 36; G. STRATENWERTH, Strfiecht, A.T., 3.4 ed., 47; SCHONKE, SCHRO- DER, ESER, ob. cit, 19, s.; R. MAURACH, Deutsches Strafrecht, A. T., 73, s. — que ana- lisa 0 relevo do sdircito consuctudinério», no ambito da «parte eapecials, pelos seus efei- tos de exclusio e de atenuacéo da pena ¢ ainda de limitagio da incriminagio tipica. O principio da legalidade criminal 357 fandamento formal e imediato da incriminagio e da punigio — da deter- minagio hermenéutica e do integrante desenvolvimento sistematico dessa mesma lei criminal, do direito criminal legalmente positivo. © legalismo iluministico-positivista néo fazia esta distinc4o, ou recusava-a implicitamente, jd que para ele a lei nao devia ser apenas o imediato fundamento da incri- . é, no corpus juridico do seu texto) toda a normatividade juridico-criminalmente ineriminante ¢ puni- tiva — que tanto € dizer que essa normatividade se esgotaria no significance conteido textual da lei criminal. O que nao era proprio apenas do lega- lismo criminal, mas de todo o positivismo legalista com as suas inferéncias metodologicamente exegéticas (2). Devendo mesmo dizer-se que o legalismo criminal s6 afirmava no seu ambito especifico 0 que esse posit € os seus canones estritamente exegéticos lhe justificavam: o direito era a lei € 0 normativo jurfdico identificava-se com o exegético contetido da lei. Ora esta ultima identificagio — bastemo-nos agora com ela, que a sua recusa logo implicara a negacéo também da primeira — é hoje de todo insus- tentével, com ser normativo-juridicamente ¢ metodologicamente inaceitével. Metodologicamente, confirmé-lo-emos em outros momentos deste estudo — ¢ ai se veré que inclusivamente a invocacio da lei como juridico findamento decisério nao implica a dedugio do sentido normativo da decisio apenas do contetido da lei, que juridico-normativamente fundamentagio e deducio se nio indentificam (), que a lei s6 poderd ser fundamento normative num processo metodolégico-problematicamente decisério em concreto mediante uma recons- trugio intencional de sentido normativo ¢ em que sempre se assume uma normatividade para além daquela que possa oferecer 0 pressuposto e expresso contetdo legal. E no que toca ao ponto de vista normativo-juridico ou & decerminagéo do contetido juridicamente normativo do direito criminal, haverd de reconhecer-se que é ele em boa medida — nao s6 em extensio, mas ainda nos aspectos juridico-dogméticos decisivos — também a expressio normati- vamente constitutiva de uma claboracao (ou reelaboragao) jurisprudencial-dou- trinal, de sentido e resultado dogmatico-institucionais, do direito criminal minacio, devia ainda oferecer exclusivamente em si ismo legalisca () Ce. 0s nossos artigos A interpretagéo juridica ¢ Escola da exegese, in Polis, Enci- clopédia Verbo da Sociedade e do Estado, respectivamente, vol. 3 ¢ 2, 651, ss. 1032, ss (09) Nio obstante renovadas tentativas para sustenter 0 contririo, inclusivamente para voltar a identifcar fundamentagio jurfdica com dedugio subsuntiva — assim, KOcH/ROSS- MANN, Juristische Begriindungslebre, 1982; B. SCHONEMANN, Die Gesetzesinterpretation im Schnitefeld von sprachphilosophie, Staatsverfassung und juristischer Methodenlebre, in U. Klug-Fest., 1, 169, ss 358 Alguns problemas dogmatica-juridicos legalmente positive. E nos resultados dogmtico-institucionais dessa elaboracéo normativamente reconstrutiva, ¢ que se traduz sempre num integrante desen- volvimento normativo-juridico, que o direito criminal — como, alids, qual- quer outro direito positivo — obtém a sua tiltima determinagao e se objec- tiva no seu contetido juridico verdadeiramente vigente (31). E assim para todo o direito criminal, ou sem distinguir agora o in bonam eo in malam par- tem, pois do que se trata é de atingir a normatividade juridica que a plena expli- citagio do sistema de direito criminal exige e a sua concreta realizacéo nor- mativa nfo dispensa. Pense-se na determinagéo normativa dos critérios quer da ilicitude (incluindo 0 sentido € os limites das causas justificativas), quer da culpa (também com o seu sentido, os seus fundamentos especificos ¢ os cri- térios dos seus problemas particulares), sem excluir evidentemente a acabada determinagio hermenéutico-normativa dos tipos especiais de incriminagao (*). E se tal nfo é possivel sem a convocacio de fundamentos normativos transle- gais ¢ a definicdo de critérios juridicos «extratextuais», também essa determi- nante objectivagio do direito criminal vigente se oferece nessa mesma medida como inegavelmente translegal. E deste modo que se tem de concluir pela exis- céncia de um direito criminal de constituiggo extralegal, integrantemente desenvolvido tanto intra como practer legem (33). Direito esse, cuja «fonter, (°) Que a normatividade dogmatica-juridica assim constivufda, © uma ver que se veja assimilada pelo sistema jurfdico-criminal global que determina ¢ integra adquire deste modo vigéncia jurfdica e se tomna verdadeiramente direto, é o que se pode compreender com fundamento nas reflerdes que desenvolvemos no nosso Fontes do divito (separata dos «Estudos em Homenagem a0s Profs. Manuel Paulo Meréa e Guilherme Braga da Cruz», II), 103-118. (2) Para uma aceatuagio do especial relevo do edireito consuetudindrio» (cf, infia, noras 34 e 36) na consticutiva determinagio da normatividade da parte geral do dirciro criminal, v., por todos, MAURACH, ob, cit, 73; STRATENWERTH, ob. cit, 47; SCHONKE, Aus- legung, loc. cit, 86; SCHONKE, SCHRODER, ESER, ob, cit, 20 — que chamam a atengio para essa origem das «teorias gerais», normativo-dogmaticamente reconhecidas e juridicamente aplicavels, como as da imputagio causal, do dolo e da negligéncia, do erro sobre a proi- bicéo, do crime continuado, dos delicos de omissio imprépria, etc. Igualmente neste sentido, afirma H. Weuze., Das deutsche Strafiecht, 9.* ed., 21, que «os conceitos fun- damentais da parte geral si0 de naturera consuerudindrian. Decerto que os Autores cita- dos se referem ao que se verifica na ordem juridico-criminal alema, mas de todo analo- gamento se passam as ccisas na nossa propria ordem jurfdica. (®) Para um desenvolvimento normativo-metodolégico deste ponto no sentido indicado, v. especialmente P. BRINGEWAT, ob. cit, passim; V. KREY, Studien zum Geset- zesvorbehalt im Strafrech, passim. O principio da legalidade criminal 359 se duvidosamente se poderd considerar de natureza consuetudindria strico sensu (34), pelo menos na sua parte dogmética mais relevante (%5), 0 que néo deixard de ser é de indole consuetudinéria jurisprudencial (°6 — enquanto ver- dadeito «direito jurisprudencial» (°7), quer de otigem judicial (Richterrecht), quer sobretudo de origem dogmdtico-doutrinal (Juristenrecht) (58). Pelo que ja terd de negar-se que a lei seja a tinica fonte do direito criminal constitu- tivo (°) — como o principio também originariamente pretendia, Pois nes- tes termos, para além de uma juridicidade de origem extralegal com efeitos excluentes ou atentiadores da incriminagio e da punigao, reconhece-se e tem eficdcia normativo-juridica (j. é, participa do direito criminal vigente) uma nor- matividade também extralegal, de origem jurisprudencial de objectivacéo dogmitico-institucional, que releva decisivamente na determinagao ¢ defini- () Direito sonsuetudindrio em sentido estrito que nao terd, na verdade, aqui grande oportunidade, néo s6 em consequéncia do relevo geral da «reserva da leis no dominio juridico criminal, como ainda em virtude da prépria indole normativo-juridica do diteiro criminal — com concludente chamada de atengao para este iltimo ponto, v. HASSEMER, 0b. cit, 248, ss. A propria desuetudo dificilmence se podera verficar — cf. SCHONKE, SCHROCER, ESER, ob, cit, 19, a favor; SAX, ob. cit., 1003, contra. €) 0 relevo da consuetudo ser’ menos normativo-dogmitico do que normativo-social a repercutir em termos sobretudo de politica juridico-criminal — é assim, que tem relevado especialmente na descriminalizagio. Cfr, HASSEMER, ob. cit., 249. C9) Ou, se quisermos, de indole consuetudindria em sentido amplo, sendo certo que 6 direito jurisprudencial (Richterrecht) se deverd em rigor distinguir, po: todos os seus momentos consticutivos, do direito consuetudindrio em sentido préprio — v. © nosso Fontes do dircito, cit, 104, € nora 3. (2) Empregamos a expresso no mesmo sentido amplo ¢ cléssico que nos tem- pos mais préximos foi recuperado por L. LOMBARDI, Saggia sul diritto giurispruden- ziale, 1967. () Para uma ampla consideragéo desta «fonte» globalmente jurisprudencial do direito criminal, ¢ dos seus resultados numa especifca «institucionalizagio» juridico-dog- mitica desse direito, v. LEMMEL, 0b, cit, 134, ss. 166, sss ¢ ainda J, MevER-LADEWIG, Der satz amulla poeva sine legen in dogmatischer Sicht, in M.D.R., 1962, 262, ss. KREY, 0b. cit, 101, ss. Sobre o problema geral do direito jurisprudencial na teoria geral das fontes do dircito v. Fontes do direito, cic., 103, ss3 especificamente sobre 0 Richterrecht, v. por Ultimo G. OrRU, Richterrecht, 1983. ©) Pode dizer-se nee sentido, com LeMMet, ob. cit, 167, que xo principio da dependéncia legal da punigio quer conseguir que s6 perante a existéncia de uma lei penal se possa punir, mas nao exige que exclusivamente segundo essa lei se decidan. Chr. a dis- tingio, em sentido andlogo e para que ina chamaremos a atengdo, entre fundamento j dico e critério normativo da decisio jurisdicional concreta. 360 Alguns problemas degmatico-juridicos tiva constituicéo normativas da prépria juridicidade incriminadora e puni- tiva (40) (4), (8) Podendo, por isso, concluir-se, de novo com LeMMEt, ob. cit, 170, que «se tor- nou claro que a lei é para o juiz penal sé uma fonte de conhecimento entre muitas outras, que ela sé constitui em geral a moldura para a jurisprudénciay, E que inclusivamente a jurisprudéncia ou o Richterrecht, com a complementaridade do Juristenrechr, s6 hajam de considerar-se normativo-juridicamente constitutivos em termos de coneretizagio intra Leger, porquanto apenas desse modo seriam compativeis com o principio mullum crimen —tal & posigio de LemMet, ob, cit, 167 —, € 0 que os desenvolvimentos anteriores fo 4 suficientes para pér também em divida (0) O que no nosso sistema juridico se projecta com um muito particular relevo, se convocarmos aqui o instituto dos asrentos. Pois sempre essa normatividade excra-legal, ¢ enquanto for ela o resultado de uma iurisprudentia em que consticutivamente concor- rem concretas posigdes jurisdicionais, é susceptivel de se converter (através justamente de ‘asentos em que a conttibuigio dessa mesma normatividade se assimile ou de quilquer modo formalmente se objective) em «doutrina com forga obrigatéria geral» (art. 2.° do Cédigo Civil). E se néo ignorarmos que desse modo os assentos, a mais de uma natureza mate- rialmente legislativa, adquirem a indole e 0 valor juridico de uma fonte formal (v. 0 nosso cestudo O instituto dos assentos e a fungao juridica dos Supremos Tribunais, 273-315), € decerto forcoso concluir que entre nds 0 postulado juridico-criminal de lege sripta nem mesmo cm termos formais (i, é, relativamente aos modos imperativo-formalmente pres- critivos) encontra total acatamento, pois que nesse postulado 2 lex seripta intenciona cexclusivamente a lex do legislador (do legistador constitucionalmente titular do poder legislativo atrito). E néo se obviard a esta conclusio imputando aos assento, particular- mente no dominio juridico criminal e por exigencia directa do principio mullum erimen, ‘uma fungio normativa to-s6 interpretativa — v., neste sentido, EDUARDO CORREIA, Direito Criminal (com a colaboraio de FIGUEIREDO Dias), I, 132. A parte a muito duvidosa validade de discriminar, no Ambito juridico que € legalmente possibilicado (e mesmo processual-institucionalmente exigido) aos assentos, uma legitimidade tao-s interpretativa que thes excluisse a fungio integradora — v. de novo o nosso estudo refe- rido, 315-397 —, é a prépria indole merodolégica da interpretagio, tal como ela hoje no pode deixar de ser compreendida, a tirar éxito a essa pretensio, Basta aludir a dois pon- tos, que neste mesmo estudo se fario evidentes: por um lado, a impossibilidade de demar- car de um modo formalmente rigoroso a interpretagio da integracio ou de lhes definir os correlativos limites normativo-metodolégicos; por outro lado, o carécter juridicamente constitutive de toda a interpretagio juridica na sua fungio problemdtico-normativamente econcretizadoray — nem é por outra razZo que a actividade jurisprudencial, dirigida embora a um pressuposto direito positivo legal ou que neste veja o seu decisive fundamento normativo-juridico, acaba por se revelar nos resultados verdadeiramente crisdora de uma normatividade juridica extralegal. © que nfo significa — ou nfo significa aqusla conclusio — que nao se suscice aqui o melindroso problema da constitucionalidade da competén- cia formalmente prescritiva que a0 Supremo Tribunal de Justica ¢ atribuida pelo instituro O principio da legelidade criminal 361 Nem se fica ja hoje por aqui, uma vez que a mais deste direito criminal extralegal, integrantemente determinativo e de especifico desenvolvimento dogmético-institucional do direito criminal legal, se chega a admitir, embora em estreitos limites, a incriminacéo sem imediato findamento legal. Basta pen- sar no que prescreve © art. 7.°, n.° 2, da Convengao Europeia dos Direitos do Homem e igualmente o art, 29.9, n.2 2, da nossa Constituigéo. O que — nao deixe de dizer-se © este estudo ird mostrar — nao representa um atentado inaceitvel ao sentido fundamental do principio ou ao sentido com que numa sua reconstrugéo normativa 0 havemos hoje de compreender, desde que néo confundamos esse seu sentido fundamental com o sentido que iluministica- mente [he foi origindrio. «Nullum crimen, nulla poena sine lege praevia» & um outro corolério, € com que se enuncia, bem se sabe, uma das mais relevantes especificagées do princfpio, pois significa a irrenuncidvel/proibicio da retroactividade criminal. | in malam partem. /Nele temos uma das manifestagdes nucleares da funcao de garantia que ao princfpio cumpre, na perspectiva da sua insergao institucional nos valores ético-politicos ¢ nas exigéncias juridicas do Estado-de-Direito (#2), dos assentos — v. O Instituto dos assentos, 297, ss. —, mas esse € um problema que nio pode ser resolvido pela simples invocagio do principio mullum crimen. {0 que acaba de ler-se foi escrito antes da entrada em vigor do novo Cédigo de Pro- cesso Penal, tendo portanto em conta o regime dos assentos que 0 Cédigo anterior ram- bbém admitia no dominio juridico-criminal. $6 que ainda neste ponto aquele novo cédigo impos importantes alteragdes, porquanto parece ter abandonado os assentos como forma de assegurar 1 uniformidade da jurisprudéncia nesse dominio. Alteragio que muito se loura se espera seja seguida em geral pela actual reforma do nosso direito processual — mas alteragio que, tendendo a instituir um regime de precedentes obrigatérios (no se tradu- itd em outa coisa a «jurisprudéncia obrigatériay imposta pelo art. 445.°, n° 1, do Cédigo de Processo Penal), nao deixa de continuar a reforcar, embora de outro modo, 0 que se diz no texto). (8) Inclusive, quanto a este tiltimo ponto, como implicagéo do principio da sepa- ragio dos poderes, a0 propor-se impedir que o legislador ultrapasse o seu poder de defi- nigio da incriminagio em abstracto, para wum nimero indeterminado de casos fururos», ¢ interfira no dominio da justia judicial, na decisio criminal dos casos concretos, mediante a punitiva incriminagio de certos comportamentos particularmente visados pela retroac- tividade —v., neste sentido, GRONWALD, 0b. lo. cits, 14, 58 B. SCHONEMANN, ob. cit, 24, ss. Sendo certo que o sentido comum de garantia que vai associado & nao retroactivi- dade criminal rem a ver sobretudo com a intencio do ius puniendi estadual em ordem a impedir a incriminacio persecut6ria ou 0 sarbitrio ex post (BAUMANN) nesse dominio. Dat 4 veeméncia com que e551 consequéncia do prinefpio foi proclamada desde as suas prim formulagoes constitucionais: «tetrospective law punishing facts commited before the exi friar de ani 362 Alguns problemas dogmdtico-juridicos mas nfo menos a directa expressio do seu essencial sentido normativo, como iremos compreender. (© que nao impedit que a experiéncia juridica europeia deste século, ¢ com afloramentos zinda recentes na nossa prdpria experiéncia juridica nacional, nos tenha mostrado dramaticas preterigées do principio justamente neste ponto. Sé que verificou-se isso em contextos ético-culturais ¢ politico-juridicos muito compleros, em que se tem de sublinhar a circunstancia fundamental de no se pretender com essas preterigées negar os valores ético-normativos da dimensio de direito que sempre tem concorrido na cultura e no homem europeus, e concorrido neles como uma das capitais dimensdes diferenciado- res; bem pelo contrério, objectivo era o de afirmar o direito (a intengao ¢ a axiologia materiais do direito em sie naquela sua decisiva importancia humano-cultural) acima ow axiolégico-normativamente a transcender a mera juridicidade legalmente formal (4)./Aludimos decerto & punicio retroactiva (e na medida em que rigorosamente 0 foi) dos agentes do Estado nacio- nal-socialista, na Alemanha, e também & incriminagio imposta entre nés, do mesmo modo, a responsdveis politicos e a agentes policiais do regime politico anterior & Revolugao de 25 de Abril de 1974. Nao € este o lugar para deba- ter essa grave questo, com todos os problemas juridicos implicados (#). Apenas anotaremos, sem de modo algum ignorar a capital importincia da distingao entre direito e lei (ius € lex), assim também no Ambito do direito cri- minal desde entao retomada, que subsistem iniludiveis dividas sobre se 0 modo concreto, e to epocalmente empenhado, como juridico-criminalmente tence of such laws; and by chem only declared criminal, are opressive, injust and uncom- patible with liberty» — li-se na Constituigo americana de Marylands (1776) ¢ igualmente na Constituigéo revoluciondria francesa de 1793, art. 14.0: «La loi qui punirait les délits commis avant qu'elle existat, serait une tyrannie; leffet retroactif donné & la loi serait un crimes, (3) Foi assim pelo menos, ¢ expressamente, no caso alemio que vai referido a seguir. (H) Paraa discusséo destes problemas com posig6es diversas, pode ver-se a biblio- grafia alema ciz. por G. GRUNWALD, ob. cit, 4, nota 13, e ainda H._COING, Grundziige der Rechisphilosphie, 3.4 ed., 203-205; F. BAUER, Das egesetaliche Unrecht» des National- sozialismus und die deutsche Straftechupflage, in Gedichenisschrift fiir Gustav Radbruch, 302, ss Mz WAIBLINGER, 06, loc. citz, 259, ss; W. FRIEDMANN, Théorie générale du droit, trad. francesa, 311, ss.j H. L. A. Hart, Legal Positivism und the Separation of Law and Moral, segundo a trad. cit. incluida in Contributi all‘analisi del ditto, 148, sui 1D., Le concept de droit, trad. franc. de M. v. de Kerchove, 248, ss G. FULLER, Positvitm and Fide- iy to Law, in Harvard Law Review, 1958 630; 10.3 The Morality of Law, Student Ed., 5 G. VASsALt, «Mullum crimen sine lege», in Novissimo Digesto Italiano, XI, 501, s. O principio da legalidade criminal 363 se dizia querer realizar 0 diteito (o direito em si e por si) contra certos obs- téculos de legalidade formal nao levou a esquecer outras nfo menos irrenun- ciéveis dimensSes normativo-juridicas (e normativo-jurfdicas materais) da essencial juridicidade do direito criminal — tais como a da determinaséo objectiva da antijuridicidade no contexto histérico-comunitério (“5) e da imputagéo ética da culpa no quadro situacionalmente concreto da acco pes- soal — que se néo deveriam confundir com o que se considerou © mero comprometimento politico daqueles obstéculos. E para que a relagao entre a punicio (ainda que em nome de um dicito supralegal) o acto punido nao se reduzisse tao-sé a uma relacao entre duas posigées politicas contrérias, a um combate apenas entre distintas forcas ideoldgicas — caso em que as solugées procuradas perderiam toda a sua possivel validade normativa € nao poderiam deixar de ver-se simplesmente como a imposicio (se nao a vindicta) de uma forca que histérico-politicamente triunfou. Para além desta problematica particular, a questio que relativamente 20 idade criminal hoje sobretudo se pée é, porém, 0 deverd atingir as poss(veis mudangas de orien- ago na jurisprudéncia jurisdicional incriminadora e punitiva, jé que a deci- so concreta em que essa mudanca se verifique significa decerto a imposico cumprimento ca nao retroa a de saber se a sua proil 2 um comportamento ou a um caso situados no passado de uma solucio juridica que entéo nao estava definida € nao se conhecia (46). O surgir do pro- blema é ja em si mesmo bem significativo, uma vez que — contra o enten- dimento iluministico-positivista de que a realizacio jurisdicional do direito cri- minal nao ia além de uma «mera interpretacao» estritamente reprodutiva das respectivas normas juridicas seguida de uma simples «aplicagao» légico-dedu- tiva ou subsuntiva dessas mesmas normas assim interpretadas — ele pres- supée o reconhecimento (4) pelo menos da mediagéo normativa concretiza~ (©) Cle, J. VeRAEGEN, Notions floues er droit pénal, in C. PERELMAN/R. VANDER Est (Eds), Les notions a contenu variable en droit, 18, s. V. infra. (4) Aliés o problema nao se pée hoje apenas no ambito da juridicidade criminal, vemo-lo também considerado relativamente ao possivel efeito retroactivo da jurisprudén- cia jurisdicional em geral — para esse eratamento geral do problema, v. sobrecudo, W. KNIT TEL, Zum Problem der Riickwirkung bei einer Anderung der Rechtsprechung, 1965; W. GRUNKY, Grenzen der Rickwirkung bei einer Anderung der Rechtsprechung, 1970. (®) Cf, por todos, J. MEVER-LADEWIG, Der Satz «nulla poena sine legen in dog- matischer Sicht, cit, 262, ss3 W. STRASBURG, Riickwirkungsverbot und Anderung der Rechisprechung im Strafrecht, in ZW, 82 (1970), 948, ss; LEMMEL, 0b, cit, 132, 58 142; He-L. SCHREIBER, Rifckwirkungsverbot bei einer Anderung der Rechtsprechung im Stra~ 364 Alguns problemas dogmdtico-juridicos dora (#) da realizacéo jutisdicional do direito ¢, desse modo, a relativa auto- nomia constitutiva dessa realizado ¢ da sua jurisprudéncia (*). Com efeito, sé porque se reconhece que o direito criminal que concretamente se impSe nao é afinal exclusivamente determinada pela lei, mas ainda pelo normativo con- tributo jurisdicional, haverd de perguntar-se se as garantias juridicas referidas em principio apenas a lei, porque unicamente ela se tinha por criminalmente constitutiva, néo deverdo referir-se igualmente & também constitutiva deter- minagio jurisdicional. Mas problema, com este significado geral, que deverd balizar-se por dois pélos, nem sempre tidos em devida conta, e daf algumas dispensdveis dificuldades na sua solugio. Por outro lado, nao pode ele ter por objecto as decisées judiciais singulares, seja do mesmo tribunal seja de um qual- quer tribunal superior, exclu(da que teré de considerar-se a aplicabilidade nos sistemas juridicos de legislagio — sé deles curamos neste estudo — de um qualquer regime de precedentes vinculantes (no obstante as jé hoje insisten- tes teses nesse sentido) (59) que pudesse sustentar a inderrogével expectativa de uma certa ¢ particular decisio judicial futura (51), Por outro lado, o problema jé nao tem a ver com a normatividade juridico-criminal que, constituida pelo ‘ffecht, in J.Z., 1973, 714, @ pasim. P. HONERFELD, Bedeutung von Prajudicien im Stra- ‘frecht, in Die Bedeutung von Prajudizien im deutschen und fransisischen Recht, U. BLAU- ROCK (Hrsg), 120, ss. () Que, alids, nfo se terd de ficar por aqui, jé 0 vimos supra. Chamando também a atencio para essa maior amplitude normativo-institucionalmente constitutiva na ques- to particular a que nos estamos a referir, v. STRASBURG, 06. loc. cits., 955, 55. 964, ss. Para uma diferenciacéo das varias modalidades possiveis do Richterrecht — concretiza- dor, substitute ou supletivo, corrector e concorrente da lei — v. J. IPSEN, Richterrecht und Verfassung, 63-115; G. ORRU, ob. cit., 54, ss. (®) Pelo que jé aqui se pode considerar de todo insustentavel a posigio daqueles autores que, admitindo embora essa nacureza jurisprudencialmente constitutiva da reali- zagio em geral do direito, entendem que relativamente aos tipos criminais € por exi- géncia do principio mullum crimen a actividade judicial s6 deveria ser de indole subsun- tiva — A. HAMANN, Grundgesetz: und Strafgesetegebung, 48; W. Cass, Generalklauseln im Strafrecht, in Eb, Schmidt-Fest., 136, ss; PAWLOWSKI, Methodenlebre flir Juristen, II Parte — eft., ainda, B. SCHONEMANN, Niulle poena sine lege? 19, 8. 1D. Die Gesetze- sinterpretation, cit., passim. Como se a aplicagio subsuntiva fosse metodologicamente vidvel ou ainda hoje uma op¢io merodolégica posstvel ¢ a realicago concrete do discivr criminal pudesse subtrair-se as exigencias normativas ¢ metodoldgicas da realizagio do. direito em geral — cfr. P. HUNERFELD, ob, loc cits, 106, ss. € v. infra (©) Para uma informagio geral, v. 0 nosso ja referido Fontes de direito, 106, ss. ©) Ponto este que as posigées radicais nem sempre cém em devida conta — oft. SCHREIBER, Rudenwieungenber, cit., 716, ss. O princlpio de legalidade criminal 365 dircito jurisdicional ou que tendo tide a sua fonte no Richterrecht, se haja de considerar também direito vigente ou assimilada pelo sistema jurfdico-crimi- nal vigente — quanto a essa normatividade, 0 problema de uma qualquer sua alteragéo nao ¢ 0 problema da mudanga de jurisprudéncia anterior e sim 0 pro blema da pretericao ou modificagéo do préprio direito positivo vigente (%2), de que aquele direito jurisdicional passou a fazer parte. Pelo que o problema 86 poderd considerar-se relativamente as «correntes jurisprudencidis», e sobre- tudo perante a jurisprudéncia estabilizada dos supremos tribunais (53). E aban- donada a posicio acritica que concluia a priori pela nao aplicabilidade da proibigao da retroactividade & jurisprudéncia, porque pelo principio nullum cri- ‘men essa proibicao seria imposta unicamente & lei ¢ as decisées jurisdicionais apenas aplicariam ao caso concreto a solucio juridica legal (54) — posigao que verdadeiramente ignorava o sentido especifico do problema —, vemos defen- didas as duas solugées extremas, tanto a da directa aplicagio da proibicgo como a da remincia pura e simplesmente dessa aplicagio. A favor da aplicasao directa invoca-se a radical op¢io pela seguranga e confianga juridico-criminais, € bem assim o principio da igualdade de tratamento, sendo certo que para o agente seré indiferente que a nova ou ex post facto posicio juridica de préti- cos efeitos retroactivos com que se veja surpreendido resulte de uma alteracdo da lei ou da jurisprudéncia (55). Sé que uma tal solucéo tem contra si argu- mentos decisivos. Por um lado, esquece que o princ{pio nullum crimen, decerto com o valor da seguranca e confianca juridicas que implica, nio € 0 ©) Ci, em sentido andlogo, desde que se possa considerar 0 Richterrecht como direito consuetudindrio, IPseN, ob. cit, 227; W. STRASBURG, Riickivirkungsverbor und Anderung der Rechtsprechung im Sirafrecht, in ZstW, 82 (1970), 953. Cft. ainda G. Jaxoss, Strafrecht, ALT., a A., 80, 82 (ps. 88, 5.) () Nao s6 porque seré dificil comprovar uma corrente jurisprudencial suficien- femente constante no conjunto das jurisdigées criminais, mas fundamentalmente por- que, dada a particular responsabilidade dos supremos tribunais em ordem & «uniformi- dade da jurisprudéncias ou & unidade do direito (cfe. © nosso O instituto dos «assentase 4 fungi juridica dos supremos tribunais, 645, ss.), serd sobretudo em referéncia & juris- prudéncia desses tribunais que as posigoes juridicas da jurisdigio podem repercutit € serio conhecidas na ordem juridica em geral. Sobre o possivel relevo para a decisio con- reta, particularmente para 0 julzo sobre a culpa (erro e exigibilidade), das posigoes mesmo divergentes da jurisprudéncia, v., por todos, H.-L. SCHREIBER, ob. loc. cits, 714 © 178. (9) Clr, HL. Scrnetsen, 0b, loc. cts, 714, (9) Cie, por todos, W. KNITTEL, ob. cit, 20, sss LEMMEL, 0b. cit, 142; ScHREI- eR, Ibidem, 714. 366 Alguns problemas dogmético-juridicos nico principio a ter em conta (55) ou que esses valores nfo so 0s tinicos valo- res relevantes no direito criminal actual — com o valor da «seguranca», diga- mo-lo com a inadequada formulagio comum, concorre também af o valor da justiga» (67), Essa concorréncia axiolégica normativa manifesta-se de forma clara nas intengdes normativo-materiais da ilicitude e no préprio sentido actual dos tipos (5), para além decerto da natural intengo materialmente normativa da culpa, ¢ a que hoje se deverd acrescentar uma marcada dimen- so social, tanto nos pressupostos normativo-contextuais (°°) como nos efei- tos politicos-criminais da concreta incriminagio e punigéo. Tudo isto, reper- cutindo inclusivamente nos limites a impor & exigéncia de uma estrita determinaggo abstracta da legalidade criminal (9), nio poder deixar de impli- car uma realizagao juridico-criminal materialmente justa ¢ concretamente jus- tificada (ou seja, uma realizagio juridica que material-concretamente releve 0 mérito juridico problematico do caso decidendo), de que se nio excluird ainda a consideragdo funcionalmente consequencial dos visados efeitos polf- tico-sociais (61). O que sé possivel de conseguir-se, no quadro embora ou sem desrespeito da juridicidade legalmente abstracta e dogmédtico-objectivamente definida, através de um decidir autonomamente concretizador, e bem assim assi- milador do novo e do diferente tanto nas circunstincias judicativas como na prognose teleoldgica (2), ¢ portanto de uma inevitdvel exigéncia de alteragio (©) Acentuando este ponto, v. LEMMEL, 06. cit, 110, 170, s. Cfr. também J. Mever-LADewic, ob foe. cite, 264, © passim. (7) Ou, se quisermos, com os valores jutidicos formais da legalidade concorrem as inteng6es juridicas materiais dos fundamentos axiolégicos, com a justiga generalizante da juridicidade abstracta oferecida pela lei a justiga individualizante 36 susceprivel de conse- fguir-se na judicativa decisio concreta. Cft. HENKEL, Recht und Individualitét, 1958; J. BAU- MANN, Grenzen der individualen Gerechtigheit im Strafrechi, loc. cit. passim. (*) Chr. infia: ¢ desde jd TH. LENCKNER, Wertausfilungsbediiriige Begriff im Stra- frecht und der Satz «nullum crimen sine lege», in JUS, 1963, 253, 88. (©) A relevarem, p. ex., na «tcoria da adequacio sociah — cft. LeNcKNER, Ibid, 253. (©) V. infia (*) Para uma particular consideracio deste ponto, com a chamada de atencio para a abertura (e a indeterminagio) juridica e elasticidade judicativa que implica, v. HAS- SEMER, 0b. cit, 314, 55. (@) E que, como logo se compreende, pode pér em causa a igualdade formal, a igual- dade que critérios de generalizagio abstracta se proponham. definir, mas permite atingit a igualdade material, aquela que tem a ver com as diferenciagSes concretas ¢ as exige. Pelo que o argumento da igualdade a favor da manutengio da jurisprudéncia estabilizada perde todo o seu valor — eft. W. KNITTEL, ob. cit, 23. Para uma consideragio geral da opgio O principio de legalidade criminal 367 € evolucio jurisprudencial, decerto contréria & rigida fixidez que resultaria da primeira solugéo. Por outro lado, se 2 seguranga ¢ a confiansa juridicas informam o sentido do principio da legalidade criminal enquanto princi- pio do Estado-de-Direito, nao so menos principios desse mesmo Estado 0 da intengao & justiga material (63) e 0 da separagio dos poderes, tal como essa separagao deverd hoje ser entendida (“). Quanto a este iltimo princt- pio, reconhega-se que ele imputa a legislagio uma prerrogativa juridicamente constitutiva € mesmo uma particular «reserva de lei» em matéria criminal (), mas nio significa isso negar a esséncia intencional da fungao judicial, a qual 86 se cumpre na problematicamente concreta € normativo-materialmente ade- quada realizagéo do direito. Pelo que entre aquela reserva legal ¢ esta rea- lizagao jurisdicional teré de ver-se uma complementaridade funcional, que o € também intencional ¢ normativa (%), € a compreender em termos de nem as exigéncias e a especificidade da jurisdicional realizacio do direito poderem anular o valor € 0 relevo auténomo a reconhecer a lei, na sua abs- tracta e formal legalidade, nem esse valor e relevo da legalidade abstracta implicarem a rentincia & fungio normativo-jurfdico prépria daquela realiza- entre estes tois sentidos da igualdade na realizagio jurisdicional do direito, v. © nosso O instituto dos assentos, cit., 95, $8.. 118, ss. (@) Para uma particular acentuagao dessa intengio em directa referéncia A tematica aque consideramos v. P. Set, Umbestimmente und normative Tatbestandsmerkmale irs Stra- ‘freche und der Grundsatz. nullum crimen sine lege, apud LEMMEL, 0b. cit, 104, s.; LENCK- NER, cb, loc. cits, 255, © passim. (4) Sobrerudo, decerto, no ponto aqui em causa, 0 da definigio da relagio entre © poder legislativo (a legislagio) ¢ © poder judicial (a jurisdigio). E directamente sobre ela, dentre uma bibliografia hoje imensa, pode ver-se: D. ARNOT, Das Bild des Richeers, in Gesammelte juristische Schriften, 325, ss.; F. Werner, Uber Tendenzen der Entwicklung von Recht und Gericht in unserer Zeit, Bemerkungen zur Funcktion der Gerichte in der sgewaltentelenden Demokratie, Das Problem des Richtertaats,ensaios publicados in Recht und Geriche in unserer Zeit, 139, ss '. WIEACKER, Gesetz und Richterkunst, 1957; H. P. SCHNEIDER, Richterrecht, Gesetcesrecht und Verfassungsrecht, 1969; J. Instn, Wichterredht und Verfasuing, 1975; R. Wank, Grenzen richterlicher Rechufortbildung, 1977, II Paste; MAURO CAPPELLETTI, Giudici legislatori?, 1984; G. ORRU, Richterrecht, passim; 0 nosso O instituto dos asentos, 418, ss. (@) Sobre o tema, v. especialmente V. KREY, Studien aum Gesetzesverbehale im Sera- recht, 1977. (6) Para uma acentuacao deste ponto, v. G. STRASSBURG, 06. loc. cits, 950, ss. € passim: KREY, ob, cit, 101, ss. Além de que se trata igualmente, e de novo, da comple- mentaridade entre a justiga generalizante e a justiga individualizante, esta s6 possivel acta vés de juiz — ft. LemMet, ob, cit, 110. 368 Alguns problemas dogmdsico-juridicos go (). Ora, tanto a global intencionalidade normativa do direito criminal como o sentido da fungio jurisdicional no quadro dos poderes do Estado impdem que a decisio juridico-penal concreta seja aquela que 0 caso criminal decidendo em si mesmo (j4 normativo-materialmente, j teleolégico-conse- quencionalmente) justifique, ¢ sem que Ihe possam fazer absoluto impedi- mento anteriores € porventura diferentes orientag6es jurisprudenciais. Concluséo esta que nao tem de sigrificar, todava, uma «capitulagion (6) sem mais da exigéncia geral da nao retroactividade criminal também no Ambito da juris- prudéncia ou sequer a conformada aceitago de uma «zona de riscov, sé demar- cavel pela lei, a que o agente af teria de sujeitar-se (©) — que tanto & dizer, a remincia a critérios especificos ¢ prévios de contréle daquela retroactividade judicial 79). Antes o que deverd tentar-se — ¢ vio jé nesse sentido alguns esfor- gos da doutrina — é conciliar o mérito daquela conclusio, no que ela tem de itrenuncidvel, com a exigéncia nao menos importante de uma tanto quanto pos- sivel exclusio da restroactividade concreta. Ser este mais um caso de «concor- dancia prética» a conseguir entre principios ou intengies normativas contrérios em abstracto. E 0 que visam, no fundo, as propostas de solugo quer nos ter- mos da «prospective overruling» ou de uma «cléusula ex-nune» (!), quer mediante () Particularmente dirigida a0 estudo desta dialécrica, v. a monografia cit. de V. Kney. Ao que poderé mesmo acrescentar-se 0 argumento da prépria vinculagio @ ¢ ainda da obrigatoriedade de concreta fundamentagéo que se impdem & decisio judicial, jd que aquela vinculagio exige que o tribunal decida sempre tal como a realizagio do direito legal o justifique no caso concreto ¢ nao sactifique essa realizacéo legal a uma outra qualquer vinculagio que a impega, ¢ a obrigatoriedade de fundamentagio implicard, por sua ver, também uma decisio concretamente fundada (adequada). Invocando estes argu- ‘mentos contra a aplicagio da proibiggo da retroactividade criminal & jurisprudéncia judi- cial, G. JAKOBS, ob. cit, 88. () A expressio € de STRASSBURG, ob. loc. cits, 960; cfr. KNITTEL, ob, city 29, s (@) Assim, B. SCHONEMANN, 0b. cit,, 28. Cfr. LEMMEL, 06, cit, 169. (7) £ que, como o impée o espirito do principio nullum crimen, deverd dizer-se com ScuReweR, ob, loc. citz, 716, que «qualquer limitacéo da retroactividade pressupde que haja regras gerais ¢ formuliveis independentemente da decisio concreta, com as quais 0 caso em questio possa ser posto em confronto», E essa a raz, como veremos infra, porque 0 con- rréle apenas metodolégico das decisSes criminais nao poderd garantir 0 efectivo cumprimento daquele principio, inclusivamente no ponto nuclear da nio incriminagio por analogia, (7) Aceitando-se aquela «prospective overruling» — solugdo convocada por KNIT- TEL, ob. cit, 30, ss., do pensamento juridico americano — ow esta «cldusula ex-nunc» («Von-nun-an-blausel») — defendida, entre outros, por G. KowLMANN, Der Begriff des Staatsgeheimnisses und das verfassungsrechtliche Gebot der Bestimmbeit von Strafvors- chrifien, 289; G. STRASBURG, ob. loc. cits, 967, ss. — pretende-se introduzir «um novo O principio da legalidade criminal 369 © condicionamento da excluséo da retroactividade pela culpa (’2), quer dife- renciando graus de gravidade da decisio retroactiva ¢ consoante os quais ela seri ou nao admitida (73). Nao temos por lograda nenhuma dessas respostas (4). Cremos, pelo contririo, que serio obtides melhores resultados se conjugar- mos — prescindindo aqui de uma melhor especificagio do modo concreto dessa conjugagéo — 1) 0 respeito pelo enguadramento abseracto-legal, em que deverd mover-se a jurisprudencial mediacio concretizadora (73), 2) com um pai cular énus de contra-argumentacao nas decisées que se afastem da jurisprudén- cia estabilizada (’6) ¢ 3) 0 relevo escusante de um jufzo sobre a culpa (sobre 0 estilo de decisior de que resultaria «uma aplicagio analégica do principio da nfo retroac- tividade» (STRASBURG), pois através desses critérios o tribunal decidente, que conclufsse por uma justificada alveragio da jurisprudéncia até entio seguida, nfo deixaria de aplicar a solucio dessa jurisprudéncia a0 caso decidendo, mas anunciaria uma solucio diferente, no sentido da alteragio que entendesse jusificada, para os casos andlogos a decidir no futuro. Proposta que nao logrou, porém, a adesio da doutrina. A parte os obsticulos processuais ¢ institucionais & sua admissibilidade (cft. SCHREIBER, ob. lac. cit, 717) cer-se que no faz sentido, € mesmo contrério & esséncia da func: ter de reconhe- jurisdicional, nao impor ao caso decidendo a solucio que ele concretamente exige, segundo o jutzo normative justificado pelo seu préprio mérivo problemstico-juridico, e aplicar-Ihe antes uma solugio que ele mesmo revelou inadequada. Contra essa proposta, pode ver-se, por todos, SCHREI- eR, bid, 717; IRSEN, ob. cit, 229 (wRichterrecht pode s6 constituir-see alterar-se no caso juridico concreto»); LEMMEL, 0b, cit, 141, 5.3 SCHUNEMANN, 06. cit, 28, s, FIKENTS- CHER, Methoden des Rechts, IV, 349. (7) Acculpa ou a auséncia por «erro sobre a proibicio» (relevando o conhecimento ou a ignorincia das oriencagées da jurisprudéncia que fosse determinante ou codetermi- nante do comportamento) nio seriam, nesta proposta, s6 pressuposto da punigéo concreta, condicionariam a prépria admissibilidade da decisio jurisdicional retroactiva. O que seria subverter 0 sentido genético objectivo do principio mullum crimen e a sua implicacio de rio retroactividade por um aleatério subjectivo causador da maior incerteza deciséria — contra, justificadamente, v. STRASSBURG, 0b, loc cts, 958, ss; SCHREIBER, ob. loc. cits, 717. ()_V., para uma informacio sobre varias propostas neste sentido (de BRAUMANN, HANACK, SCHRODER), LEMMEL, of, cit, 141, s. — sendo certo que se trata sempre de solu- gBes de contornos indefinidos e que acabam por remerer para um juizo autonomamente concreto do julgador (é ele quem em tilkimo termo decidird da gravidade relevante), 0 que justamente © principio nullum crimen quer excluit — cft., supra, nota 70, (7) V. as trés notas anteriores. (*) Para o problema geral desse enquadramento, pode ver-se de novo a mono- guafia cit, de V. KRey — embora deva distinguir-se, no contriburo desse Autor, a sua exacta compreensio do problema da discutivel solugio metodolégica que propoe (cft. infra). (9) Seo «énus da contra-argumentagion pode considerar-se uma consequéncia do principio da inércia da ra2i0 prética — sobre este principio, v. CH. PERELMAN, Conside- 24 ¢) PANEPO [ocran wage) 370 Alguns problemas dogmadticajurtdicos erro) referido & possivel influéncia daquela jurisprudéncia no comportamento do agente (7). Solugéo que afasta decerto a aplicagio directa do prinefpio da nio retroactividade as poss{veis alteragSes da jurisprudéncia criminal, mas que nem por isso deixa de dar cumprimento razodvel a0 seu sentido essencial, preservande os agentes submetidos a julgamento de decisdes incriminadores de todo imprevisiveis, arbitrrias e surpreendentemente responsabilizantes. De qualquer modo, o que nao pode deixar de ter-se por adquirido ¢ que 0 postulado da nio retroactividade criminal viu modificado o seu ambito problematico ¢ nao é susceptivel em todo ele da aplicacéo linear que o prin- cipio nullum crimen originariamente prescrevia — a dizer-nos isto que a sua problemética, j4 quanto a esse ponto, se alargou em termos imprevistos para a formulacio origindria do principio. Concluséo que iremos ver repetir-se quanto aos seus dois outros corolirios, a considerar a seguir. (g)eNullum crimen, nulla poena sine lege cera» € o enunciado de um ter- ceird corolirio sem o qual sempre se tem eiitendido que o cumprimento, tanto dos dois corolérios anteriores como ainda do sentido nuclear do préprio principio, ficaria frustrado e, por isso, se considera dele a sua essencial con- digéo de possibilidade (’8). Lex certa ser a lei deserminada na sua formula- Gio prescritiva e no seu contetido normativo, em termos de poder impor-se jd como critério auténomo e suficiente da incriminaggo punitiva, jé como fundamento verdadeiramente incriminagio — e para que assim possa prever-se essa decisao, seja ela sus- ceptivel de preservar a igualdade ¢ de se submeter a um contréle objectivo na sua aplicagao individualizada e concreta (7°). E de novo se invocam, de culante da decisio concreta que impute essa rations sur la raison pratique, in Le champ de Vargumentation, 171, s8.; 180; eft. R. ALEXY, Theorie der jurisischen Argumentation, 216, ss. — ¢ & susceptivel de concorrer para a admissibilidade de um particular ou atenuado regime de precedentes (um regime de «pre- sungio» da vinculagio destes) mesmo nos sistemas de legislagio — v., neste sentido, espe- cialmente M. KRIELE, Theorie der Rechtsgewinnung, 2. ed., 243, ss. 258. s83 ID., Recht und praktische Vernunfi, 91, ss.; eft. 0 nosso Fontes do direita, 107, s. —, por maioria de razio sera esse nus um factor indispensivel no nosso caso: s6 invocando argumentati- vamente novos fundamentos normativos e suficientemente concludentes, numa concreta ideragio problenidtica, para por em causa a orientacio da jurisprudéncia estabilizada, a deciséria alteracio desta se poderd admitir. (7) Com 0 que a culpa retoma o seu sentido e lugar propric gemento concreto do agente, no com os NEMANN, 08. cit, 28, s (8) Che. SCHONKE, ScHRODER, EsER, 0b. cit, § 1.9, 21, pig. 21 () Cfr., por todos, T. LENCKNER, ob. loc. cits, 251, s. tem a ver com o jul- ins da aplicacio do prinefpio. Cfr. SCHO- O principio da legalidade criminal 371 um lado, a segurang: a confianga jurfdico-criminais (que implicariam espe- cificamente a autonomia e a suficiéncia da normatividade legal) e, de outro lado, o principio da separaco dos poderes (a exigir agora a genérico-objectiva vinculagao & lei da judicial decisio criminal concreta) (8). $6 que ainda aqui as coisas nao sio simples, ¢ sobretudo se deste modo se quiser referir a radicalidade com que 0 postulado da determinacio foi pen- sado no sentido origindsio (iluminista) do prinefpio: a lei devia oferecer-se numa pré-determinagao normativa to precisa que possibilirasse quer um sea conhe- cimeiito ihiversalmente univoco, quer uma sua aplicagio l6gico-necesséra (*!). Pelo conirario, teré de reeonhecer-se que essa pré-determinagao é hoje impen- sivel, porque é também ela contrariada pelas intengdes normativas actuais do direito criminal ¢ porque em qualquer caso metodologicamente irrealizdvel. Quanto aquele primeiro ponto, chama-se mesmo a atencao para uma tendéncia de «abertura» normativa da legislagio criminal dos nossos dias (®2), a manifestar-se na conceitualizagio que mobiliza ¢ no menos nas intencbes priticas que assume. E 0 que torna tio actual a temiética dos conceitos de valor, normativos ¢ indeterminados, inclusivamente das «cldusulas gerais» referida aos pressupostos juridico-constitutivos da incriminacao (83). Neste sentido expressamente se aceatua que seré um erro supor que a existéncia das «ldu- sulas gerais» (*4) no direito criminal seja um fenémeno apenas da legislagio (8) Insistindo neste iltimo ponto, v. SCHONEMANN, ab, cit, 29. Cf. GRONE- WALD, 0b, lo. cits, 14, 585 J. JAKOBS, Strafiecht, Allgemeiner Teil, 1983, 55, ss. 59, 60, () Recordem-se os pensamentos de BECCARIA e de MONTESQUIEU. (2) Assim, TT. LENCKNER, of, loc. cits, 253; CLASS, ob. loc. cits, 124; NAUCKE, ob cit. na nota seguinte, 3-8 passim. (©) Especificamente sobre tema, podem ver-se K. ENGISCIt, Die normativen Tat- bestandomerkmale im Strafrecht, in Mezger-Fest., 127, 58 W. C1ass, Generabklauseln im Sira- fiech, in Eb. Schmidt, 122, 53 H. WOESNER, Generalklausel und Garantiefinsion der Straf gesetze, in N.J.W. 1963, 273, ss.; P. SEEL, Umbestimmte und normative Tatbestandsmerkmale iim Strafrecht und der Grundate nullum crimen sine lege, 1965; T. LENKNER, Wertausfil- Lungsbedirftige Begriffe im Soraftecht un der Sate «nullum erimen sine legen, cits; HP. LeMmet, Unbestimmte Straflarkeitrworaussetzungen im besonderen Teil des Sriafvechts und der Grundsatz nullur crimen sine lege, cit, W. Naucke, Uber Generalklauseln und Reckisan- swendung im Strafrecht, 1973; F. Hart, Generalklauseln und unbestimmte Begriff im Stra freche, in JuS, 1975, 477, ss. Numa perspectiva analitica v. M. HERBERGER, Die des- kriptiven und normativen Tatbestandsmerkmale im Strafrech, in H.-J. Koc (Hrsg), Juristische Methodenlehre und analytische Philosophie, 124, 38. (4). Sobre 0 conceito de «cléusula gerals, a sua diferenciagéo de outros conceitos jut- dico-normativos indeterminados ¢ a sua contraposicio a uma tipificagio «asuisticar, \ 372 Alguns problemas dogmatico-juridicos toralicaria (®), pois é um facto — dir-se-4 com WOESNER — que «também © moderno Estado-de-Direito, posto que titular de uma sociedade pluralista com uma série de ordens de valores auronomamente subistentes umas perante as outras, no pode renunciar na legislacao penal a tipos indeterminados ¢ aber- tos ¢, particularmente, nao pode renunciar a cléusulas gerais» (8). Sao, alids, jd sistematizdveis diversos factores explicativos dessa tendéncia (87), Factores sociolégicos ou aqueles que se manifestam na estrutura pluralista das sociedades actuais, ¢ nos dois aspectos desse pluralismo. © pluralismo social em sentido estrito, que tem a ver com a pluripolarizagio ¢ a «complexidade» das sociedades industtriais cientifico-tecnolégicas e a implicar que quanto mais nelas se verifica uma miltipla veriedade e continua diferenciagao dos modos de vida ¢ dos comportamentos tanto mais va ser4 a pretensdo de submeter as podem ver-se especialmente K. ENGISCH, Einftthrung im das juristitche Denken, 8.* ed., 120, sx W. C1ass, ob. loc. cits, 123, ss F. WERNER, Zum Verhilimis von gesetalichen Generalklauseln und Richterrecht, 5, s8.; W. NAUCKE, 0b, city 3, 883 F. HAFT, ob, loc cit, 479, 5; H. GARSTKA, Generalklauseln, in H.-J. KOCH (Hrsg), Juristische Methodenlebre und analytische Philosophie, 124, ss.i G. TEUBNER, Generalklauseln als Sozio-normative Modell, in Generalklauseln als Gegenstand der Sozialwisenschtrafien, 13, ss (8) H. Woessner, ob. loc. cits, 273. Para uma consideragio do uso particular das cliusulas gerais pelo totalitarismo nacional-socialista — v., para o direito criminal, CLAss, ob. loc. cits, 130, 5.3 em geral, B. ROTHERS, Die unbegrenzte Auslegung, 1968, 210, ss., 216, ss. (9) Ibidem, 273. E assim & que, na verdade, também nao péde renunciar a ecliu- sulas gerais» © nosso actual Cédigo Penal. Veja-se: arts. 132.°, 1 (sespecial censurali- dade ou perversidade do agente»), 133.° («relevante valor social ou moral»), 149.° (vos bons costumess), 151.2, 2 («motivo nao censurivels), 153. 1, 6) (ractividades perigosas... ou desumanas»), 157.°, 1, 6) («grave abuso de autoridade»), 160.2, 2, 6) «(tratamento cruel ‘ou desumano»), 164.°, 2, a) («interesse publico legitimo», «justa causar), 6) («fundamento, sétion, «boa fe), 172.° (sconduta ilicita ou repreensivel»), 190.9, 1, g) (arestrigées graves, injustificadas e prolongado da liberdade»), 6) (xsubtracgo ou destruigéo injustificaday), 199.9, 1 (sinfrigir grosseiramente...»), 201.2, 1, 205.%, 1 («grave ameaga», «ameaca grave»), 3 («violar em grau elevado os sentinentos gerais da moralidade sexuals), 210.° (xcensura- velmente>), 219.9, 3 («motivo relevante»), 220.°, 1 (xescamecer ou ofender oucrem de maneira baixa, vil ou grosseiras), 226.0, 2 («actos ofensivos do respeito devido 208 mor- tos»), 309.2, 3, ¢) (asignificativas para a ciénciay), 4 (sbaixeza do cardcters), 313.%, 1 «(enri- quecimento ilegitimo»), 319.°, 1 (agrave violagio dos deveres...»), 326.%, I («grave inctiria ou imprudéncia»), 402.9, 2 (wsem justa causan), etc. () Especificamente sobre os fundamentos justificativos das «cliusulas gerais» no direito criminal, v. CLASS, of, loc. cits, passim; LENCKNER, 0b, loc. cit, passim; NAUCK, ob. cit, 13, 88: v. KREY, ob. cit, 82, ss. O principio da legalidade criminal 373 miiltiplas formas do ilicito criminalmente imputdvel, que daf podem resulear, a uma «casufstica descritiva» (8), © pluralismo cultural e ideolégico, enquanto exptessio das «sociedades abertas» (®), a recusar por sua vez a rigida defini ao de critérios juridicos, incapazes de assimilarem na sua aplicago concreta a diversidade ¢ as nuances das intencionalidades relevantes. Pelo que ambos os pluralismes postulam uma normatividade juridica-criminal adequadamente compreensiva, i. é, necessariamente flexivel e adaptavel nas intengées e sufi- cientemente aberta nos correlatos objectivos, que s6 conceitos ou critérios indeterminados e em tiltimo termo cléusulas gerais podem enunciar (°) (), Factores juridico-criminais e que tém a ver tanto com os compromissos cien- tifico-criminolégicos e politico-sociais do actual direito criminal de sociedades € de Estados sociais como com as intengdes normativo-juridicas particulares que 0 mesmo direito tem vindo a assumir. Acueles compromissos levam directamente as cldusulas gerais, pois se, por um lado, o direito criminal ter de manter-se aberto as exigéncias do juizo cientifico (juizos periciais), com a sua liberdade de investigagio e de conclusdo em concreto (°2) — com o que © dogmatico teré de ceder aqui 20 2etético —, por outro lado, © politico-socia, (9) Chr. CLass, 0b, loc. cits, 127, sz H. WOESNER, ob. loc. cts., 273; F. WERNER, ob, cit, 24, s. () Ao que poderd talver acrescentar-se 0 relevo do processo democritico da legis- lagio, enquanto rende este a conduzir 20 compromisso entre intengdes politico-normati- vas diferentes que s6 uma férmula indeterminada ou aberta poder exprimir — ponto que vemos acentuado por G. KOLHMANN, Der Begriff des Staatigeheimmisier und das verfas- sungsrechtliche Gebot der Bestimmbeit von Strafrechtschriften, 232. (9) Quanto & relagéo, em ge-al, entre pluralismo e cliusulas gerais, v. R. Scey- 1’ HING, Pluralismus und Generalklauseln, 1976. - (!) Serio ainda porventura invocaveis factores especificamente culturais — desde, logo aqueles que tém a ver com a crescente secularizagio ou, mais exactamente, com 0 (” seculatismo actual, a determinar a perda da influéncia teferente ¢ normativamente orde- nadora dos valores éticos ¢ religiosos e, em consequéncia, a procura de um seu Ersatz, atra- vés de cliusulas gerais como as da eboa fe, dos ubons costumes», etc. — sobre 0 ponto aqui aludido, eff. CLass, ob. loc. cits, 127; SCHEYHING, ob. cit, 4, ss. Isto enquanto fenémeno de alargada juridicizagéo da vida que vai paradoxalmente simultineo, num efeito indirecto daquele secularismo e das suas sequelas na «sociedade de bem-estar» dos nossos dias, com a perda do sentido essencial do direito, substituido por um processo ape- nas de crescente organizagio politico-regulamentar, — v. Alternative Rechtsformen und Alvernativen zum Recht e Gegentendenzen zur Verrechtlichung, in Jahtbuch fiir Rechtssozio- logic und Rechtstheorie, respectivamente vols. 6 ¢ 9. () Chamando a atencio para a relagio entre as cliusulas gerais ¢ este compromisso scientificor do direito criminal, v. CLASS, ob. loc. cits, 128. hier 374 Alguns problemas dogmdtico-jurtdicos com a sua caracteristica racionalidade consequencial em que os efeitos (a pros- seguir) substituem os fundamentos (pressupostos), levard a recusar esquemas rigidas de aplicacao estrita a favor de critérios téo-s6 regulativos (edirectivas»), mais de invocagio programatica do que de imposigéo dogmética (°3) — 0 «pro- grama de fim» prefere o «programa condicional», Quanto as intengdes nor- mativo-juridicas especificas do actual direito criminal, as implicagées sio ainda andlogas, embora por outras raz6es ¢ de outro tipo. Nao deixando desde ja de se acentuar que a conciliagio dessas intengSes jurfdico-criminais especifi- cas com 0s aspects anteriores se revela em mais de um ponto problemétic sio as dificuldades de compatibilizar 0 sentido juridico, ou de garantia jur dica, do Estado-de-Direito com a intengio politico-finalistica do Estado social (°4), ou no menos uma perspectiva dogmético-normativa com uma perspectiva de wciéncia sccial» (°5). E se pode dizer-se que o principio nul- lum crimen visa justamente prevenir os excessos da intengo cientifico-poli- tico-social no direito criminal ou, para usarmos a expresséo de Lisz, a defesa {40 dizeito criminal contra a politica criminal (°), 0 certo € que no dominio automo da normatividade especificamente juridico-criminal 0 corolério da determinagio que resultaria daquele principio se vé também posto em causa, no seu sentido tradicional, pelas razbes seguintes. Para além da dificuldade de definir de uma modo formalmente preciso os valores ou bens juridicos hoje criminalmente cuteléveis (os ebens jurt- dico-criminais») — porquanto, tal como os comportamentos sociais de que so correlatos, se oferecem umas vezes em termos dinamicos, de limites varidveis (@3)_Cfr. HASSEMER, ob. cit., 238, ss. (Para 0 problema em geral da relagio entre as intengies do Estado-de-Direito ¢ do Estado social continua a ser um ponto de referéncia obrigatério a conhecida refle- xdo de FoRSTHOFF, Begriff und Wesen des sozialen Rechtstaates, in Rechustaatlichkeit und Soziaksteatslichkeit, 165, ss por iltimo, também, N. LUBMANN, Die Einheie des Rechtsys- tems, in Rechtstheorie, 14 (1983), 150, ss. Concretamente sobre essa questo no quadro espectfico da problemdtica do direito criminal e sustentando uma solucio positiva ou de dialéctica incegragio, v. C. ROXIN, Franz v. Liszt und die kriminalpoliticche Conzeption des Alternativentune, in ZseW, 81 (1969), 611, ss. (também publicado, em trad. portuguesa, nna colectinea do mesmo A., Problemas Fundamentais de Direito Penal, 49, ss.). (3) Cf. em geral 0 nosso Método juridico, in Polis, 1V, 233, 275, ss., 281, ss. para uma acentuagio da diversidade de perspectivas e de efeitos juridicos que correspon- derd & tentativa de conversio da tradicional compreensio do dircito, em termes dogmé- tico-normativos, num seu entendimento cientifco-social ou vendo nele o objecto de uma ciéncia social stricto sensu. () Sobre este ponto, cfr. ROXIN, ob. loc. cits, 78, ss.; LEMMEL, ob. cit. 171. O principio da legalidade criminal 375 ou fluidos ¢ mesmo de relevo concreto muitas vezes imprevisto, outras vezes com uma indole nao corpéreo-objectiva mas intencional-ideal e assim, por uma © outras destas razdes, sem vs contornos objectivamente demarcéveis «descri- tiveis») dos bens juridicos clissicos, como a vida, a integridade corpérea, a pro- priedade (7) — considerem-se, ¢ considerem-se sobretudo, a mutagio da culpa psicoldgica (em perspectiva empirica) para a culpa normativa (em pers- ppectiva ético-valoradora) (°9), da iliciude formal (definida por normas enquanto _—,—/ estruturas conceitualmente sistemdticas) para a ilicitude material (objectivada | 7-4 «424 em normas referidas a uma ordem de valores e de sentido teleolégico) e bem —_4/. 7), f assim o crescente relevo, nas causas justificativas e nos préprios elementos do tipo, das atitudes de animo, de intengdes morais, de convocagao da persona- lidade etc. 9) — os «elementos subjectivos do ilfcito» (9), se quisermos. E logo se compreende que estamos perante uma juridicidade s6 assimilivel de modo normativo-material e numa intencionalidade de realizagio concreta, i. é, uma juridicidade referida a fundamentos axiolégico-aormativos irreduti- veis a uma conceituacio formal e exigente, por isso mesmo, de um cumpri- mento mediante uma valoracéo adequadamente concreta ou que s6 através de valorades concretas pode obter a sua decisiva determinacéo normativa. Daf, tanto «conceitos de valor» e «normativos», em vez de «anceitos descritivos», como «conceitos indeterminados» — quer para a referencia a momentos nor- mativos extrajuridicos (Eticos, normativo-sociais, politico-sociais, etc.) a assu- (7) Cft. para esta influéncia da diferente indole dos actuais bens juridico-criminai sobre a indeterminagio normativa do direito criminal. e com exemplificacio. v. LENCK- NER, 0b, loc. cits, 254. ("Sem cermos de considerar aqui o problema das consequéncias que a também actual perspectivacio da culpa em termos politico-criminais e sécio-funcionais possa por- ventura ter sobre a compreensio normativa da culpa — sobre estes pontos, v., por todos, H. RoxIN, Kriminalpolitische Uberlegungen zum Schulprinzig, in Mscht. Krim., 1973, 316, 38. ID., Zur jtingsten Diskussion iiber Schuld, Privention und Verantwortlchkeit im Stra- recht, in Bockelmann-Fest., 279, 33.3 E. SCHMIDHAUSER, 0b. cit, 188, 8 G. JAKOBS, ob. cit, 386, ss. 1D., Schuld und Prévention, 1976; G. STRATENNERTH, Die Zukunft des stra frechtlicher Schulprinzips, 1977, segundo a tradugio espanhola com um estudo preliminar de Enrique Bacigalupo. (®) Chamando também a atencio para todos estes pontos, relativamente, & ques- to que consideramos, v. LeNCKNER, 06, loc. cits, 293, ss. (0%) Sobre esses elementos, v., por todos, E. MEZGER, Strafiecht, 3.* ed., 168, 38. H. Wetzet, Das deutsche Strafecht, cic, 71; € por tltimo MEZGERIBLEL, Sirafiecht, 7, AT 18.8 ed., 126, ss.; JAKOBS, 06. cit, 251, ss. Quanto ao problema metodolégico geral da sua imputacio concreta, v. HASSEMER, 0b. cit, 168, ss. | do k legislador, tem a sua causa na bmatéria_juridica que I 376 Alguns problemas dogmdtico-juridicos mir como critérios jurfdicos, quer para relevar a mutabilidade intencional dos momentos relevantes (!9!), quer para intencionar a sintese entre 0 funda- mento axiolégico-normativo ¢ a valoradora consideragao das circunsténcias concretas (#92), Tanto € dizer que estes «conceitos» ou estes modos juridicos de uma normatividade indeterminada e aberta, que implica uma comple- mentar valoragéo (« Werzansfillungsbediirfiigem Begriffén») no jutzo decisério con- cretizador e em que, portanto, o que devia ser acabadamente pré-determi- nado (num critétio formalmente determinado) é afinal o determinante, so «a expresso — digamo-lo com palavras de LENCKNER (!%3) — de um desen- volvimento imposto pelas préprias coisas», expresso de um direito criminal normativamente aprofundado e pritico-axiologicamente mais comprometido, pois que esses conceitos juridicos «so 0 Unico meio com o qual é possivel dominar legislativamente uma matéria complexa de forma a serem evitadas a rigidez ¢ a iniquidade» (14): «esta ‘fuga para as cldusulas gerais’ (195) — con- tinuam a ser palavras do mesmo Autor — nao é 0 efeito de uma desisténcia séodadal ea exigit assim também no direito criminal a solugio eldstica do. iusaequsgr» (106), No que, alids, em tiltimo termo se manifesta a actual inser¢o, no dominio tam- bém desse direito, da justiga material ou da intengéo da realizagao da justiga (0°!) Cf. KRey, 06, eit., 84 (referindo também ROxiN). (0%) A que actescem os préprios «tipos abertos» — ou seja aqueles tipos criminais, como nos casos dos delitos por negligéncia e dos delitos da omissio imprépria, em que «a lei apenas descreve uma parte dos elementos do tipo ¢ a outra parte se vé remetida para integracio judicial do tipo, sendo dado 20 juiz sé 0 ponto de vista segundo o qual ele tem de proceder a essa integracior, Nos delitos por negligéncia esse ponto de vista é enun- ciado pela referéncia ao «cuidado a que, segundo as circunstdncias, est4 obrigado» o agente (are. 15.9 do C. P.), nos delitos de omissio imprépria pela exigencia da «posicio de garanter. V., sobre estes tipos, H. Wetzel, ob. cit, 22, 44, 75, s. — a quem pertence a formulagio transcrita —; para uma anilise dogmatica critica, v. C. ROXIN, Offene Tat- bestnde und Rechtspflichtmerkmale, 1959. (8) Ob, loc. cits. 255. (9) Caberé aqui recordar uma das resolugées do Congresso Internacional de Direito Penal de 1933, em Paris: «ll est & souhaicer que les dispositions de la loi pénale qui défi- nisgent les infractions soient concues en termes assez généraux pour faciliter 'adaptation de la jurisprudence aux nécessités sociales» (apud WAIBLINGER, 0b. loc. citz, 261, n. 1). (5) _Refere-se obviamente Autor 20 conhecido ensaio erltico de J. G, HeDe- Mann, Die Fluche in die Generalklaweln — Eine Gefabr fiir Recht und Staat, 1933. (0%) Cr, por todos, LENCKNER, ob, loc. cits, 255; M. WAIBLINGER, ob, loc. cits, 215, 883 LEMMEL, ob. cit, 110, 170, 5. € passim. O principio da legalidade criminal 377 material no quadro dos valores do Estado-de-Direito, para além simplesmente dos valores da seguranca ¢ da igualdade formal que a legalidade estrita have- ria de garantir, E a conclusio nao pode ser senao esta: 0 direito criminal que correspondia ou era o correlato intencional do sentido origindrio do. princ pio nullum crimen, ¢ do seu corolétio de determinacio estrita ¢ formal, jé néo existe ou foi superado ('°7), Indeterminagio normativa esta, postulada pela indole actual do direito cri- minal e em coeréncia com o sentido também actual do Estado-de-Direito, que se oferece decerto nos termos espectficos que Ihe impéem estas dua: coorde- nadas, mas que desse ou de outro modo sempre se verificaria jé que uma indeterminacao_normativa é da esséncia do juridico — da esséncia do juridico que nao ceda a sua normatividade a uma pura formalizacao simbélica ¢ 0 seu juizo (prético decisério) a um célculo computarizado, ou seja, desde que © direito nao seja substituido por uma organizagao formalizada entregue a ordenadores ¢ nele a técnica (a racionalidade puramente instrumental ¢ de compossibilidade entre factores) nio elimine a pratica (¢ comunicagio signifi- cante de validades que convoca fundamento normativos). Basta pensar — e nem sempre isso se tem presente — que essa indeterminacao € a expressio irre- dutivel jd da dimensio pragmética da linguagem juridica, j4 da intengia. nor- mativa das prescrigdes juridicas, jé da indole problemético-concreta do deci- sério juizo jurisdicional.’ Sem ter de antecipar o que adiante melhor seré explicitado, tenha-se efectivamente presente que a linguagem juridica, enquanto linguagem de uma comunicagio pritica, nao suscita apenas nem fundamen- talmente 0 objectivo semantico da significagao abs:racta (légico-linguistico isolada) dos seus termos ¢ expresses, ¢ ainda que com o complemento sin- tdctico de significagao obtido no respectivo contexto discursive; procura antes uma projecgao performativa e comunicacional s6 possivel pela insercéo dos seus enunciados no contexto social (sécio-histérico-cultural) ¢ mediante um leitura deles em fiungéo pratico-hermenéutica desse contexto./ E. sendo assim o sen- tido dos enunciados juridicos, enquanto justamente enunciados juridicos, um sentido pragmdtico, i. é, praticamente varigvel (porque sentido «situacio- nal (18) ou em referéncia ao contexto sécio-cultural de situagio prética em causa) © 56 contextualmente determindvel, quer isto dizer que vai nesse sen- tido uma continua tensio significante e que s6 pode ele obter-se superando devetaga (7) V., no mesmo sentido, LENCKNER, /bidem, 257; J. MeYER-Labewic, Der Satz senulla poena sine loges in dogmatischer Sicht, cit, 262, e passim (8) V.T. Vignes, Topik und Jurisprudenz, 52 ed § 9. 378 Alguns problemas dogmdticajaridicos a distancia significativa entre a significacao semantica das expressdes ¢ 0 sen- tido pratico-hermenéutico do enunciado — ou seja, convertendo a significa- ao (seméntica) em sentido (hermenéutico) (1) —; ¢ essa superagio, que € um resultado de determinagio intencional, e tem no seu ponto de partida aquéla tensio e distincia significativas que a exigem, pressup6e decerto uma indererminagao de sentido, a indecerminagao que as mesmas tensio € distan- indeterminacao que, de outro lado, se confirma, se con- siderarmos a fungao normativa, que nao apenas enunciativa (e comunicativa), das prescrigées juridicas, a fazer avultar agora ofcompromisso pratico da sua intencionalidadey‘o qual obriga sempre a procurar para além da significagao Expressiva o sentido prético-normativo, para além da letra, com o seu signi- ficado filolégico-gramatical, olepirito.\com o seu sentido especificamente nor- matiyo — e de tal modo que mesmo aquela primeira (a letra) na sua inde- erminacio origindria, s6 pode ser lida juridicamente em fungio circular deste segundo (0 sentido) (""'), /De novo a exigéncia de uma determinagio a pres- supor uma inicial indeterminaco. E indeterminacao que subsistiré ainda que-ao nivel da expressio ou da wletray ela nfo existisse — o que, alids, a inde- terminacio primeiramente referida, de {ndole lingu(stica, comegou também por excluir —, pois trata-se aqui da indeterminagao que emerge da distancia intencional entre a significagao da expresso e o sentido da norma, um sen- tido que a expresso s6 por si no oferece € que, portanto, nela estd indeter- minado antes da determinacao que metodologicamente atinja o sentido.” Nem € outra a justificagao da interpretagio juridica, mesmo no seu sentido tradi- cional, ou sem fazer intervir ainda uma terceira perspectiva a referir a seguir a interpretagio juridica justifica-se pela necessidade de superar a indeterminagio (°%) Sobre esta passagem, de superagio con-umagio — que aqui nos limitamos a aludir — da semantica & hermenéutica, desde que a leitura significativa se faca em ia prdtico-comunicativa, pode ver-se, convocando 0 pensamento de P. Ricoeur, J-L. Perit, Herméneutique et sémantique chez Paul Ricoeur, in Archives de Phi- osophie, 48 (1985), 575, ss. (") Coincidindo nas concludes ¢ mediante um pensamento andlogo, v. F. HAFT, ob, loc. cits, 481, . Contra, mas sem razio — v. inffa — SCHONEMANN, Nulla poena sine lege?, 19, s8.; 1D., Die Gesetzesinterpretation, cit. 174, ss ¢ passim. Para exemplo do que se diz no texto ¢ por referéncia a nogées que se pretendiam legislativamente deter- minadas, v. R. LEGROS, Les notions & contenu variabl+ en droit pénal, in Les notions & con- tenu variable en droit, eft (11) Para uma explicaglo teste ponto, v. 0 nosso O actual problema metodoligico da interpretasao, in Rev. Leg. Jurisprudéncia, em curso de publicagio. contextual referé O principio da legalidade criminal 379. essencial aos enunciados ¢ as prescrig6es juridicas, dada a sua indole prag- matica e a sua intengo pritico-normativa — o que logo permite compreen- der a inadmissibilidade da doutrina in claris non fit interpretatio (!2), presente decerto nas pretensdes mais radicais da pré-determ ae esperar da lei penal segundo o principio mudllum crimen (13), Eas coisas nao ficam por aqui jd que as duas perspectivas anteriores da indeverminagio jurfdica hé que acres- centar outra que resulta da distincia, agora problemético-deciséria, entre a norma ¢ 0 caso concreto_decidendo, pois que essa distancia faz sempre com que @ normatividade prescritiva ou legal, na sua abstraccio e generalidade, careca da intencional determinagéo normativa que a especificidade problemériea do caso decidendo exige que sé a sua metodoldgico-judicativa e deciséria con- cretizagao pode lograr (114) — concretizadora determinacio da prdtica ¢ nor- mativa indeterminagio geral-abstracta em que verdadeicamente culmina a interpretagao jurfdica ou em que ela adquire o seu auténtico sentido ("'5). Tniludivel indeterminagdo nestas trés dimensdes, pragmatica, normativa ¢ problen dtica, da normatividade juridica enunciada em termos prescri- tos, € assim sé superdvel pela fmediagad do acto 10 metodolégico d determinagio interpretativo-judicativa, que nao se pode, por outro lado, mi mizartizendo que, se essa normatividade nao se oferece j4 em si de todo determinada, nem por isso & insusceptivel de uma deverminacéo objectiva, porque nao deixa ela de ser metodologicamente determinavel — de tal modo. que se poderia concluir que as normas legais criminais se devem ter por deter- minadas se forem objectivo-metodologicamente determindveis ("9 (117),/E que (2) Sobre essa doutrina e para a sua critica, v. de novo o nosso O actual pro- blema metodolégico da interpretagéo juridica, Ybider. (3) Cit. W. Sax, Grundaitze der Strafrechtspflege, loc. cit, 997, s. (4) Sobre esta indeterminagio essencial das normas juridicas, enquanto critérios de uma realizacao normativa problematicamente concreta, v. j 0 nosso Questito-de-facto — Questio-decdireto, 214-219. Veja-se no mesmo sentido, KREY, ob. cit, passim, que con- lui: «sto portanto consideragoes Mégico-materiais, resultantes da natureza da lei e da. sua interpretaglo, que se opsem & tese de que ‘legalmente determinada’ ¢ s6 uma cominagio penal que se possa ober exclusivamente da lein. (9). Sobre este sentido da interpretagio jurfdica e actualmente o tinico defensével, de novo nos remete"nos para 0 nosso estudo cit. na nota 111, passim. Cf, também, KREY, 0b. cit, 78, 8, 97, $s € passim. (°9 Para informayio de posigGes doutrinais e jurisprudenciais que se oriencam neste sentido, v. SAX, ob. lac. cits, 1008, n. 317; LeMMEL, ob. cit, 56 (0) © que significaria ambém, no fundo, substituir 0 tipo legalmente expresso (Gezetztatbestand) pelo tipo da wjusta interpretagio da lei» (Auslegungstatbestand) — dis- 380 Algions problemas dogmdtico-juridicos esta determinagio sera sempre a posteriori ¢, embora'metodologicamente con- trolada, nao poderé nunca impor-se em termos necessérios que excluissem qualquer outra diferente, Essa necessidade nao € pensavel no prético-decisé- tio juzo juridico, de_racionalidade argumentativa ¢ nao dedutiva, ¢ isso mesmo nos permite compreender tanto as diferengas como a variacio das decisées jurisprudenciais, posto que cada uma delas fundada, i. é, nao arbi- trdria ou metodologicamente correcta (118),/Pelo que a pré-determinacao e pré-determinagéo univoca que ia postulada pelo principio nullum crimen, para que desse modo a norma legal se impusesse ao acto da sua aplicagao con- creta € houvesse de prevenir a mediagio constitutiva do juizo decisério dessa aplicagao, € 0 que justamente vemos faltar (#19). ‘Mas se, nestes termos, a absoluta determinagao das prescrigdes das leis cri- minais no ¢ possivel — havendo mesmo de duvidar-se, pelas razdes que também vimos, se € de todo desejével —, nao se terd de concluir dai que 0 ptincipio da determinacso criminal, enquanto corolétio do principio mullum crimen, careca de sentido. No se pode decerto pretender uma estrita e for- mal pré-determinagéo — uma determinagio légico-linguistica, Iégico-concei- tual ou Iégico-prescritiva auto-suficiente ao nivel do enunciado legal. Man- tém-se todavia as exigéncias, € em referéncia justificativa aos valores jé invocados, de um direito criminal objectivo que adequadamente cumpra a repartigio de competéncias entre a legislagao € a jurisdicao — imposta pelo principio da separagio dos poderes —, que actue como fiundamento normativo das decisoes juridicas concretas — imposta, por sua vez, pelo principio da vinculacao juri- dica das mesmas decis6es — e ofereca a pritica possibilidade de contréle ainda dessasdécisies — como impée o principio da objectividade juridica ou da exclusao do arbitrio. v Nesta base desde logo se podem apontar os limites negativos de uma determinacdo actualmente pensével do direito criminal objectivo” Um primeiro, € decerto o que temos vindo a acentuar: essa determinagao nao exige, nem é& tingio esta que encontra cco na doutrina criminal suica, v. José HURTADO Pozo, Le principe dela lgaite, le rapport de causalité et a culpabilitt: rflexions sur la dogmatique pénale, in Schweizerische Zeitschrift flir Strafrecht, 104 (1987), 37. (1) Sobre este ponto, v. 0 nosso O Instiruto dos eassentor, 461, s., nota 1010; Método juridico, ci (9) Por isso se poderé dizer, com Mezcen/BLel, B. T., 309 (apud LenMet, 06. cit, 54) e no sentido da exigéncia dessa pré-dererminagio, que sno podem ser dados con- tornos 20 tipo s6 através da interpretagio». Para uma ampla discussio doutrinal do ponto referido no texto, v. LEMMEL, Ibid., 56-74, 136, s. O principio da legalidade criminal 381 susceptivel de traduzir-se numa legalidade criminal de absolura_pré-determi- nagio formal. Um segundo situa-se no outro extremo e para excluir a rentin- cia do legislador & definigéo da incriminacfo punitiva ou dos seus pressupostos € critérios juridico-normativos (29) através, p. ex., de uma sua total delega- 40, directa ou indirecta, no julgador — serd directa essa delegacio no caso do concessio de um poder discriciondrio incriminador ('21), seré indirecta nas hipéteses de frmulas e conceitos puramente formais ou totalmente aber- tos (122) € insusceptiveis como tais de enunci vinculante, ainda que indeterminadg € necessitado de um desenvolvimento ou determinago complementar (123). Pelo que a determinagio normativagxigivel) 20 direito criminal objectivo situar-se-4 entre uma rigida pré-detetminagio ¢ uma total auséncia de determinagio — ficando, no entanto, por definir espe- icamente a sua indole e grau, embora se saiba jé que ela € compativel com uma indeterminagao normativa de que nao esteja ausente uma tomada de posigao législativa capaz de se impor como fundamento vinculante ¢ critétio de contréle decisério. Nao é também objectivo deste estudo tentar uma resolucao acabada do problema da definicéo dessa normativamente indeterminada determinagao juridico-criminal.” Ainda aqui no‘keremos de ficar pela breve indicagao das coor- denadas de uma sua resolugéo posstvel. “Assim, deverd comesar por pergun- tar-se se 0 préprio objecto intencional da determinacéo nao se alterou ou rem um normativo fundamento passou a ser outro. E que, tal como a normatividade juridica no se confunde com a textualidade também juridica ¢ vai referida a um sentido normativo que () Para uma particular acentuagio deste postulado, v. LEMMEL, ob. cit, 180, ss. (2) Cle. H. DRost, Das Ermessen des Straftichter, 201, s8.4 1D.. Das Ermesten des Sraftichters als Problem der Strafrechtsreform, in NJW, 1955, 1256, s.; G. WARDA, Dog matische Grundlagen des richterlicher Ermessen im Strafiecht, passim; LEMMEL, ob. cit, 41, ss 181. (23) Che, Lemmet, ob, cit, 181, ss. Sobre a duvidosa possibilidade de conceitos total- mente abertos ¢ «conceitos sem contetidon, v. F. HAFT, 06. loc. cits., 480. (18) oral delegagio que nao se confunde assim com a anteriormente referida complementaridade legislador/juiz ou legislagaoljurisdi teridas as trés exigéncias enunciadas, com os prine(pios correlativos. Que nio se verifica também no caso das normativas ucl{usulas gerais», pois estas no deixam de impor um sen- tido normativo ou, se quisetmos, uma inten¢io normativamente regulativa, que cumpre a0 juiz assumir ¢ realizar. Inclusivamente nos «tipos abertos», pois também nestes, como vimos ja (supra, nota 102), se prescteve uma vinculante intengdo normativa «um ponto de orientagio suficientemente determinado segundo o qual o juizo haverd de realizar a inte- gracio do tipo» — Wetzel, ob. cit, 44. » até porque af se nfo véem pre- Mi trnshasb ded de bam” 382 Alguns problemas dogmético-juridicos © texto pretende exprimir mas nao reduz, também o delito que o direito cri- | fi minalobjectivo se propée determinadamente caracierizar néo se confunde "nem esgota na descrigao tipico-le Antes tbe em esgi c al ortame Ante at se consubstancia no sentido axioldgico socialmente negative, perante a ordem oe 8 negative, pe tr? juFidiea, que esse comportamento descrito materialmente manifestg/ Pelo i que o essencial, para o cumprimento da intengdo fundamental do principio >. J nullum crimen, esté na determinacao material daquele sentido ¢ nao na deter- minagio formal (descritivo-extertor) deste comportamento. Digamo-lo com Sax — que concludentemente chamou a atengio para este ponto —: «a sede da garantia jurfdico-penal da liberdade nao é a descrigao exterior do tipo, mas a Tmediata au mediata violagao, tipificada através da descricéo tépico-penal do comportamento, de valores reconhecidos vinculantemente na comuni Somente essa violacéo ¢ 0 ponto de referencia da censura jurfdico-penal do ilf- ito ¢ da decisio auténoma, desaprovada como faltosa no juizo juridico-penal da culpa, contra o direito e pelo ilicito (Unrecht). Deve ela, portanto, ser 20 tempo dessa aurodecisio nao sé ‘legalmente determinada’», i. é, fixada exterior mente através «la lei, mas também ‘legalmente determinada’ i, é, caracterizada ‘em termos materialmente univocos como tipo de violacao de valores (Wert- verletzungstypus), se se pretender, apesar da inflicgo de uma pena ético-social- mente desclasificante, que a dignidade humana do arguido seja garantidan (0, E entao, assim como se terd de reconhecer uma tensio intencional e posstvel renga objectiva entre texto ¢ sentido normativo, igualmente se terd, { admitir uma tensio intencional e possivel diferenga objectiva entre a desc 2 A 40 do comportamento eo delito enquanto tal (7) — nao podendo, por isso, excluir-de que uma dgcricio precisa nao permita caraccerizar adequadamente © delito ¢ um delito se veja adequadamente caracterizado por uma descticéo imprecisa (24). /Ou seja, a determinacéo ou indeterminego material do (0) Sax, Grandsdtce der Strapiechnseflege, loe. cit, 1008, s. () Para um pensamento andlogo, chamando a atencio para a polaridade ¢, simul- taneamente, a unidade entre «ideia» (material «vialagia de hens juridicass) e «exemplon (manifestacéo descrisiva ou wabstracto-positivar daquela violagio) na tipificagio criminal, vy. J. HAFT, 0b, loc. cits, 481, 483, (29) Também este ponto encontra expresso apoio nas palavras de Sax, Ibid, 1009: «Determinagio material do tipo-de-violagio-de valores (Wertverleteungstypus) ¢ determi- nagio do tipo de comportaniento (Tatbeitandibestimmbeis) nio tém de coincidic, Apesat dr univoca determinaco do primeiro, pode ser indeterminado o tipo de comportamento; «, inversament nido-no seu Con O principio da legalidade criminal 383 delito ido se, identifica com a determinagao ou indeterminacéo da sua descrisio formal — e naquela primeira, nao nesta segunda, se deve ver, como jé dissemos, © objecto essencial ¢ decisive do principio da determinagao juridico-criminal. O que nos leva & consideracao de outros dois pontos. — Decerto que nao serd de pequena importancia 0 modo como se oferega a formulagio legal — a indole e o grau de decerminagao ou de indetermina- sao do seu enunciado inctiminador. Pois se nesse enunciado temos o corpus expressive do delito tipico e no|comportamento tipicamente descried se sus- tenta 0 sentido axiolégico-socialmente negativo do delito, a tensio atrds rel ida nao € separacao e a diferenca objectiva nao exclui uma global unidade intenciona,Usando as categorias hermenéuticas, dir-se-4 que 0 delito é o refe- rente do texto-tipo e ambos se correlacionam num cfrculo de espiral intencio- nal, em termos de o texto-tipo oferecer a base legal constitutiva do delito ¢ © sentido consubstancial deste iluminar compreensivo-intencionalmente 0 texto-tipo — ou, de novo com as palavras de SAX, «ambos esto entre si numa relagio condicionantey («Bedingungsverhalmnis») (™),/Dai que o legis- hai Va usar todos os meios (expressivos, conceituais e normativos) adequados 8 caracterizacéo normativo-intencional do delito — é essa a determinacio que fundamentalmente se Ihe exige —, ¢ esteja, por isso, simultaneamente legi- timado a usar todos esses meios, sejam eles conceitos «descritivos» e de valor, conceitos determinados ¢ indeterminados, conceitos normativos e cléusulas gerais, «tipos fechados» e «tipos abertos», «exemplos regularesy («Regelbeis- pielen) (¥28), etc. — & esta a indeterminacéo que se lhe admite, Assim, «pode a descrigio tipica, 0 tipo do comportamento, set na verdade materialmente indeterminado no sentido tradicional, mas permanecer intacta a determinacio legal da pena, se e enquanto os conceitos de valor ¢ outros forem necessérios € adequados para a especificagéo material e a precisio do tipo-de-violagao-de-valor mirado». ‘Diremos que a primeira hipérese poderd verificar-se no caso de delitos novos ou de recente incriminacéo e a que ainda no corresponda um seu reconhecimento nos quadros ético-sociais ou no plano sécio-culeural, para além da es cagio legal; assim como a segunda hipétese facilmente se admitiré no caso de delitos que como tais sio considetados também nesse plano sécio-cultural ou ético-social. (2) Ibidem, 009. Cr phar porte (2) Sobre estes wexemplos» ¢ 0 problema da sua ucilizacéo legislativa, v., por todos, MANWALD, Bestimmsheitgebot, tarbestandliche Typisierung und die Technik der Regalbeispiele, in Gallas-Fest, 137, ss3 J. WESSELS, Uur Problematil der Regelbeispile fiir «schwere» und benders schnwere fillen, in Fest. f. Reinhart Maurach zum 70, Geburtstag, 295, ss.5 SCHONKE, SCHRODER, Eser, Kommentar, 24. Cae. "in un" 384 Alguns problemas degmatica juridices criminalmente relevante» (129). -E serd va a pretensio de querer fixar abstra- tamente uma hierarquia entre aqueles meios utilizéveis (#39), embora possam porventura enunciar-se alguns principios regulativos por que se deva orientar a determinacio tipico-delitiva (151), no sentido indicado,/O que nao pode dei- xar de se exigir ao legislador ¢ que ele exerga ou nao abdique do seu poder legislativo, comando antes sempre uma posicéo materialmente tipificante da incriminacio (!32) — aquela posigio materialmente tifipicante que se oferega. como a objectivagéo adequada e suficiente de um tipo normativo de delito, para além do mero tipo descritivo de comportamento, e possa impor-se assim como fundamento normativamente vinculante e, por isso mesmo, obrigaro- riamente orientador do decisério juizo incriminatério em concreto. © que, no obstante toda a sua importincia, nao nos permite prescin- dir de um outro ponto. Com efeito, embora se deva poder ver na legislativa do delito o fundamento normativo da decisio criminal — i. é, 0 argumentum normativo-juridico fundamental por que ssa decisio se oriente juridicamente, se justifique normativamente e se legitime decisoriamente —, no exclui isso a especifica {utonomia ya mediacZo constitutiva do concreto ador ¢, portantor-apossibi lade de decis6es concretamente srentes, ainda que respeitem aquele fundamento ¢ o assimilem judicativa- mente. Jao dissemos: a fundamentagao normativa nao € dedugao — aquela insere-se num processo argumentativo ¢ de constituinte concretizagio em que () Sax, Ibidem. Cir. ainda, em sentido andlogo, A. KAUFMANN, Analogie und «Natur der Sache», in Rectsphilosophie im Wandel, 313. (5) Por exemplo, nos termos do wesquema de trés graus», proposto por KOHLMANN, (v. apud LeMMeR, ob. cit, 99, ss. e analogamente sugerido por H. WOESNER, ob, loe. cit, 27 sivel recorreria a «conceitos normativos» juridicamente definidos ou definiveis e por ultimo 4 wconceitos normativos» cujo conteiido fosse determindvel por referéncia a padres etic legislador deveria utilizar em principio sconceitos descritivos», caso no fosse pos- -culturais geralmente reconhecidos ¢, por isso, susceptiveis de uma determinagio objectiva. (2) Assim, aqueles que enuncia F. HAFT, 06. loc. cits., 483, ss., como «principios da determinacio do tipo: 0 wp. da necessétia unidade da ideia e exemplo», 0 «p. da vio~ lasio priméria do bem juridico», 0 «p. da limitagio vertical dos conceitos», 0 «p. da limi- tagao horizontal dos conceitosy, 0 «p. da limigio existencial dos conceitos» (2) Uma particular acentuagio deste ponto, pondo em relevo os modos pelos quais o legislador ndo teré cumprido aquelas exigéncias, ranto de uma valoracéo (tomada de posigio) expressa ¢ suficiente no tipo como da prépriatipificagio enquanto tal, é 0 prin- cipal contributo de Lemme, na sua investigacio sobre a actual indeterminacéo criminal — ob. cit., 180-20. O principio da legalidade criminal 385 a racionalidade nao é necessidade, esta exprime uma racionalidade que tende justamente a identificar-se com a necessidade légica ('33) — e a decermina- do caractetizadora do tipo de delito nao anula a indeterminagao intencional propria da sua indole materialmente normativa (que, alids, sempre se mani festard, como vimos, na tensio-di de delito). Dai o ter de perguntar-se se o princi sta exigéncia de prévio contréle decisétio, néo implicaré mais do que essa vinculante fundamentagio normativo-legal. E se a resposta houver de ser positiva — como sabemos j que deverd ser —, entio teremos de procurar outro modo € a outro nivel esse exigivel critério de contréle decisério, que 0 fundamento normativo da legal tipificagio incriminadora s6 por si nfo ofe- rece. E 0 que justamente nos levard a concluir pela necessidade de uma espe- cifica solueao dogmdtica para 0 problema do cumprimento jurfdico do principio nullumcrimen. io da determinagao, com a E ainda por aqui se vé que o direito criminal, inclusivamente para cum- prir o seu principio de determinagao, nao pode identificar-se com a mera legalidade — nem é isto senio o reconhecimento, uma vez mais, do relevo da translegal dimensio jurisprudencial e dogmatico-insticucional do di minal. «Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta» é a formulagéo do tikimo coroldrio do principio, e para excluir tanto a incriminacéo (e a agra- vacio) como a determinacéo da pena por analogia, Tal € pelo menos o sen- tido (14) com que o pensamento dominante compreende este corolirio, € (3) © que acabamos de dizer para distinguir «fundamentagio» e dedugio» deci- em termos de uma judicativa decisio concreta que se funde numa norma nio ter de significar que ela se obtém apenas do conteido dessa norma numa dedugio do geral para o particular ou sem uma especifica ¢ constituinte mobilizagio de elementos de con- cretizagio» para além desse conteido — podemos enuncié-lo com uma formulagio de F, MOLLER, Juristsche Methodik, 2.8 ed., 266: «a norma de decisio nao se obtém ‘de’ a norma juridica; mas a norma de decisio é aferida na norma jusfdica ¢ tem de comprovar-se rela». E por isso € que, se tradicionalmente a waplicagio» concreta das normas pretendia bastar-se com a winterpretasio» — no sentido também tradicional, da explicitagio do conteiido da norma —, hoje ha que acrescentar a essa interpretacio a aconcretizagio», em sentido metodoldgico préprio, ¢ os elementos a utilizar hermenéutico-metodologicamente para realizar a primeira nio sio os mesmos que normative metodologicamente exige a segunda — v. 0 mesmo Autor, Ibidem, 125, ss., 146, $5. 266, 5., € passim; cht. infra. (9 Quanto a0 objecto — que se refere, funtamentalmente, aos pressupostos da inctiminagao ¢ & punigdo —, v, por todos, SCHONKE-SCHRODER-ESSER, ob. cit, 23, ss. Jesciieck, ob. cit., 197, e especialmente Key, ob. cit., 29, ss., 215, ss. sérias 25 ferenca entre tipo de comportamento ¢ tipo ito cri- Jen ged 386 Alguns problemas degmético-jur com base numa fundamentagio geral que se pode enunciar nos termos seguin- tes. Se unicamenre a lei, com excluséo de qualquer outra fonte normativa, em legitimidade para decidir ¢ definir a incriminagao punitiva, ao juiz compete apenas a aplicagan extrier dexa noma incriminadora © punitiva, proibindo-se-The assim uma concreta incriminagdo para além da legalmente imposta e de que ele fosse decisoriamense respons4vel ou que por ele fosse também normati- vamente constitufda. Nao se pretende ja com isto proscrever a interpretagao dessa norma criminal — com 0 pretenderam, no entanto, MONTESQUIEU ¢ BECCARIA, € chegou a ser aceite também por FEUERBACH (195) —, e inter pretagao inclusivamente com toda a indole normativo-concretizadoramente constitutiva que hoje se reconhece 3 interpretacao em geral (!35) e vimos cor- relativa da essencial indeterminagdo da normatividade juridica, Mas continua a negar-se a possibilidade de uma incriminagao e puni¢o em concreto que ultrapasse a hipotética previsio da norma legal, e ainda que o exacto sentido dessa previsio owe lererminar-se pela interpretagao ¢ seja um resultado dela, pois essa determinagao ¢ esse resultado deveriam obter-se no quadro definido pelos limites prescritivos da norma e com respeito por esses limites — os quais se imporiam assim como uma pré-determinagao da prépria interpreta- fo (do seu Ambito e possibilidades) (#97). “Deste modo 0 corolério da lex stricta implica a no aplicacio da norma legal incriminadora e punitiva para além > 1 dee bo ee licacdo directa ou imediata, possibi- itada cade peli interpretagao/e infere-se dai a recusa da sua aplicagio indirecta ¢ mediatizada por um auténomo jutzo normativo do julgador a casos diferen- tes, posto que andlogos daqueles por ela directa ente previstos — que tanto € dizer, recusa-se uma sua aplicagio analdgica. Pelo que «a exigéncia central que o principio da legalidade impée a0 juiz penal, nullum crimen, nulla poena sine lege stricta» (HASSEMER) teria o seu critério na distingio entre/interpretagio ofanalogie/integrasio analdgica) — na definigio metodolégica dessa distin- Gao. E critério que também as leis ndo deixam de expressamente enun- ciar, como se vé desde logo no nosso Cédigo Penal, art. 1.9, n.° 3. Daf que (1). Sobre este tltimo, cfr. A. KAUFMANN, Tendenzen im Rechtsdenken der Gegen- wars, in Beitrige eur jurstschen Hermenentik, 134; Sax, Grundsitze der Strafiechspflege, cit, 996, (3) Acentua-o igualmente, em referéncia também & problemitica da proibicio da analogia criminal, KREY, 0b. cit, 80, 88.5 97, 88.5 246, s., € passim. () Ponto certamente decisive na questio em causa, mas fortemente problemtico, como veremos infia. Sobre ele, v. especialmente a monografia cit. de V. KREY, Studien zum Gesetzesvorbehalt in Serafrecht, que 0 tem fundamentalmente por objecto. O principio de legalidade criminal 387 — ponto que sobretudo queremos acentuar — o problema do cumprimento do principio nullum crimen especificado pelo seu corolétio da lex stricta se con- verta afinal num problema metadglagico — pelo menos quanto ao tipo da sua solugo ou a0 seu critério. ‘Simplesmente, se assim «o objectivo da proibicio da analogia ¢ evidente ¢ claro — digamo-lo de novo com palavras de HasseMeR (138) menos claro ¢ actualmente se ¢ como se = ple ele realizar, /Si0 » bastante e ceo ean critério./ Dividas sobre a possibilidade aquém ou sem interpretacao os limites prescrtivos da norma va lel inctiminadora — ou seja, sobre a possibilidade de p pretagio —/diividas depois, e na sequéncia das primeira, as quant "a0 critétio hermenéutico-metodolégico que para tanto se haveria de considerar decisivo, seja a letra ou texto da lei — seria interpretacao toda a determinante impu- tagio de um sentido normativo & norma que correspondesse a um dos «natu- raipy ou wpossiveiss sentido Wterais do seu texto (") —, seja o ssentido fim» da norma — seria interpretacio toda a determinante imputagéo de um sentido normative que se sustentasse na teleologia especifica (Fosse histé- rico-subjectiva, fosse objectiva) da norma, ainda que contra ou para além da sua letra (4°) —, e mesmo quanto 4 possibilidade de delimitar ou pré-decer- minar, destes ou de quaisquer outros modos, a interpretagio da analogia. no continuum metodolégico da concreta realizagao do diteita ('+!)/” Diividas inclusivamente sobre o préprio sentido da distingio metodolégica entre inter- (38) Ob. cit, 252. () Ea posicéo tradicional ¢ ainda de algum modo dominante no comum do pensamento juridico — cft., por todos, W. Sax, Das strafechtliche «Analogieverbot», 79, ss3 SCHONKE-SCHRODER-ESER, ob, cit 127, 38 246, 3. € passim — estes tiltimos com uma esgotante informagio sobre as posigdes doutrinais da literatura jurfdica alema relativa- mente a este ponto. (8) Como Autores significativos desta posigio, v. O. A. GERMANN, Grundsitze des Kassationshofs zur Gesetzesauslegung, in Schw. Zeit, f. Steafrecht, 79 (1963), 88, ss.; 1D., Rechtsscherheit, in Methodische Grundfragen, 62, ss.; W. SAX, ob. cit, 36, $8. € passim: ID, Grundsiitze der Strafrechtepflege, cit., 1002, nota 292; M. WAIBLINGER, Die Bedeutung des Grundsatzes «mullun poena sine leges, loc. cit., 235, ss. Para uma posigio que pretende con- jugar os dois pontos de vista, v. KREY, 06. cit., capftulos 6 e 7, pig. 127, ss., € 173, ss. () Para uma recusa dourrinal e metodolégica da distingio entre interpretagio © analogia,v. jf N. Boab10, Z‘Analogia nella logien del divtto, 132, ss. Quanto 20, ponto exps- ificamente referido no texto, v. inf. Hagemen i Alguns problemas dogmético-jridicos pretagio e analogia, porquanto o juizo analégico nao poderia ser dispensado pela incerpretagio (42) ¢ esta teria mesmo, na sua projecgio concretizadora, uma esséncia analégica (43) Diividas ainda sobre a validade de identificar. com a analogia ou a integracio analégica toda a incriminadora integragio consti- tutiva por que © juiz se decidisse, mesmo sem abandon indirecta & norma — as Diividas e divergéncias que nio tém sido todavia suficientes para excluir a perspectivagéo metodoldgica do problema (ou da sua solugio), embora jus- tifiquem jé a tendéncia para deixar de ver na analogia (ou na alternativa com a analog) 0 crtério decsivo da aplicagio sestritay da lei penal /A entre iiiterpreta¢ao e analogia nio seria o critério correcto, mas o problema teria sede metodoldgica (seria essa a sede, no do problema em si, mas da.sua solugio) € havia por isso de se continuar a procurar para ele um critério tam- bém metodoldgico, ainda que porventura diferente daquele primeiro, no seu sentido tra ional. Assim, a delimitagio a cer em conta deveria passar_a fazer-se ou pela distingio mais compreensiva entre realizagio juridico-crimi- nal secundum legem (mediante uma interpretagéo normativo-constitutivamente concretizadora ¢ de que nao se excluisimesmo uma «analogia no ambito do tipo» (""5) ou 0 jufzo analégico que operasse nos limites dessa concretizagie) € integragio practer legem (jd mediante a analogia, jd mediante quaisquer suitor meee integragio, reducio teleoldgica, extensio teleolégica, etc) (49) ou considerando que 20 juiz criminal estria vedads,néa.amobilizasio de todas (8) Cfr., por todos, Hassemer, Tarbestand und Typus, 55, fibrung, cits, 255, 883; M. WAYBLINGER, 0b, lo. cits, 254.5 KREY, 201, € passim. (©) Assim, principalmente A. KAUFMANN, Analogie und «Natur der Sache» = Zugleich ein Beitrag aur Lehre vom Typus, cit, 272, ss HASSEMER, Tatbestand und Type, 160, ss. (4) Chamando particularmente a atencio para este ponto, embora sob inspira- fo de Cananis, v. KREY, of, cit, 27, s., 167, s. — ¢ de que pode ser exemplo a nio exclu- sio da punigio da tenrativa nfo s6 quando a desisténcia do agente se tenha verificado, por- que ele foi efectivamente descoberto (admitindo que seja essa a solugio que resulta da aplicagéo directs da lei — cfr. art. 24.° do Cédigo Penal), mas ainda porque se julgou des- coberto (solucio que jd se obteria por integracfo exigida por uma redugio teleoldgica do teor geral da norma). (5) Sobre esta «innertarbestandliche Analogie» e com ampla referéncia bibliogrd- fica, v. KREY, 28, ¢ nota 10, 141, 202, 237, € passim. (9) Decidir 0 problema mediante a distingio que vai enunciada, € 0 que se pro- pe a monografia cit. de KREY. O principio da legalidade criminal 389 as formas hermenéutico-metodolégica de uma materialmente adequada reali- zacio concreta da incriminacao legal, incluindo a interpretagao objectiva~ mente teleolégica ¢ a propria analogia, mas unicamente uma livre determinagio do direito («freie Rechisfindung») inctiminador praeter legem (!47). Ou seja, aban- Uomia-se a analogia como critério decisivo (148), mas continua a pedir-se A metodologia juridica um critério para resolver a questo, pois metodologica- mente se haveria de discinguir ¢ delimitar a integragao praeter legem da inter- pretagio concretizadora, 0 cumprimento concretamente adequado da lei cri- minal de uma livre ctiagao integradora: 0 problema do cumprimento do nullum crimen, na sua exigencia de lex stricta, manter-se-ia assim, apesar de tudo, tum problema de solucio merodolégica. 3. Os seus problemas Reconhesamos que o principio nullum crimen pe ao pensamento juri- dico problemas de indole diversa, pois cada um dos corolirios em que o principio se especifica, e que acabamos de considerar, se projecta num plano de intencionalidade problematica distinta. Sendo certo que os problemas dos trés primeitos coroldrios, da lex scripta, da lex praevia e da lex certa, podem ter-se globalmente por problema» politico-juridicos, jA que poem ques- tes relativas & criacdo do préprio direito criminal € se decidem por exigén- cias regulativas que tem fundamentalmente por destinatério o legislador; enquanto o problema suscitado pelo corolério da lex stricta se pode conside- rar um problema estritamente juridico (), ao intencionar directa ¢ exclusi (9) Assim, GeRMANN, obs. locs. cit: Sax, ob cit, 148, s8., 152, ss © passimn (8) Dat que se pretenda inclusivamente substituir a tradicional «proibigfo da ana logia», com que comummente se traduz 0 corolirio da lex stricta, por outras expresses mais adequadas, como, p. ex. a «proibigio da generalizagion — assim, G. Jakons, Sirafiecht Alle, Teil, 68. () Nao deixe de anorar-se que a diferenciagio que vai pressuposta, entre pro- blemas politico-juridicos ¢ problemas estritamente juridicos, através da distingao entre ring (ou constituigéo ex novo) ¢ aplcagio (realizagio de um direito pressupostamente cons- tituido), néo pode ter-se hoje por absoluta ou sequer de :odo correcta: nem aquela «cria- Glo» deixa de ser juridicamente enquadrada de actuar 20 seu nivel como concretizagio- de uma normatividade juridica que a subordina — é 0 que se sabe desde KFISEN € que a juridica constitucionalidade das ordens juridicas actuais claramente manifesta —, nem 2 vaplicagion se exclui de dimensbes «politica, i. é, normativo tleologicamente const- ‘as. Depois, 0 préprio problema da constitui¢io ou «criagio do dircito» € um pro- 390 Alguns problemas dogmévico-juridicos camente a aplicagio concreta do direito criminal constituido, dirigindo-se portanto imediatamente ao julgador, a0 juiz. Problemas politico-juridicos globalmente os trés primeiros, posto que também entre si bem diferenciados. No coroldrio da lex scripta 0 que sobre- tudo esté em causa, como vimos, é a legitimidade e simultaneamente a titulari- dade politico-juridicas do poder punitivo ¢ pretende-se-Ihe encontrar uma solu- gio no quadro das fontes do direito pela imputagéo daquele poder a certas instincias normativo-constitucionais — em princ{pio exclusivamente ao legis- lador ou as suas leis, embora nao possa jé hoje compreender-se como abso- luro esse principio de exclusividade. No corolério da lex praevia & concreta- mente o ambito do mesmo poder que se visa determinar, mediante a proibigio da retroactividade penal em referéncia aos virios niveis normativos em que essa retroactividade se pode verificar. E no corolério da lex teria € 0 mado nor- mativo-prescritivo do direito legislativo criminal que se questiona, ponde- rando jé das intengdes de politica juridico-criminal, jé dos critérios de téci legislativa por que se deveré orientar a normativa prescrigio desse direito. Problema s6 jurfdico 0 implicado pelo corolatio da lex stricta, mas com a particularidade — assim comummente se pensa, vimo-lo também — de se converter num problema metodolégico, jé que a sua solugéo e o seu crité- rio seriam de indole metodolégica. Postulando esse corolério que a incrimi- nagio punitiva s6 poderd decidis-se com fundamento estritamente legal — ou de outro modo, postulando a auséncia de lacunas na incriminacéo punitiva que 0 juiz houvesse de preencher —, tudo estaria em delimitar 0 ambico da apli- cago directa ou imediata da lei relativamente ao ambito da constitutiva inte- gracio ¢ seria assim natural convocar a metodologia jurfdica para encontrar nela tum critério que demarcando rigorosamente esses dois ambitos, desse uma solucio exacta 20 problema. Por outro lado, entre esses diversos problemas sao reconheciveis relagées que 0s articulam em certos termos. Os trés primeiros, ou as suas solugées, sio condigées de possibilidade do quarto — sé uma incriminagio scripta, praevia e certa permitir4 uma sua aplicagao stricta — ¢ verdadeiramente nao se propSem senio assegurar essa possibilidade. Pelo que se poderd dizer que a problemética do principio nullum crimen culmina no problema juridico do blema que 0 pensamento juridico (nfo s6 0 pensamento politico) hoje assume — v. 0 nosso Método Juridico, loc. cit., 278, ss. $6 que esta convergéncia também nio anula uma dite- renga de indole problematica ¢ de intencionalidade normativo-merodolégica — como também pode ver-se em Método Juridico, 214, ss. © passim. O principio da legalidade criminal 391 seu cumprimento. E problema que os outros no reduzem, pois se as suas solu- Ges adequadas sto condigdes necessétias, no s4o todavia condigées suficientes Para uma aplicacao estrita da inctiminagio legal — essa «aplicagao» suscita sem- pre o problema auténomo da judicativo-deciséria realizacéo concreta ainda que de uma estrita, prévia ¢ certa incriminacao legal E deste ultimo — o problema juridico do cumprimento do principio da lega- dade criminal — que 0 presente estudo se pretende sobretudo ocupar, E desde Jogo para nos interrogarmos sobre a validade daquela sua tradicional conver- sio metodolégica._E que a metodologia juridica, e justamente a aprofun- dade metodologia juridica dos nossos dias, tem frustrado todas as intencdes de procurar na sua sede uma solugio vidvel para esse problema. Nem os cf ios metodolégicos tradicionais, nem muito menos os critérios metodolégicos mais recentes que criticamente substituem os tradicionais sio susceptiveis de oferecerem aque'a pretendida rigorosa demarcagao entre interpretacao-aplicacéo ¢ integracao - ~ verdadeiramente excluem-a, como iremos ver. Pelo que tere- mos de considerar se a sede problemédtica do problema nao ser outra e de indole diferente o seu possivel critério de solugo — que tanto ¢ dizer que 0 axioma do critério metodolégico daquele problema juridico teré de ser pro- blematizado. E a conclusio a que chegaremos é a de que o problema nao se resolve, com efeito, metodologicamente e de que, portanto, a sua sede nao é metcdolégica, mas antes dogmética — ou seja, o problema € juridico (nor- mativo-juridico) nfo s6 na sua intengio mas ainda na sua propria soluczo. Il. O FUNDAMENTO E O SENTIDO DECISIVO DO PRINCIPIO Nao podemos, no entanto, avancar para uma discussio esclarecida desse problema sem reflectir um pouco mais detidamente — um pouco mais deti- damente do que as referencias introdut6rias ¢ as alusées sucessivas permitiram — sobre o verdadeiro fundamento do principio e de que ele cobra afinal, quer em geral, quer em todas as suas especificagbes, 0 sentido decisivo. Aquele sentido que nos faré compreender a sua intengdo essencial que serd assim 0 regulativo fundamental da solucio do seu problema e do critério do seu cum- primento. A questéo do fundamento nio é, pois, apenas uma especulativa questio tedrica, é antes condicao de que dependerd o prético e correcto cum- primento do principio (159). () Ctr. em sentido andlogo, G. GRONWALD, Bedeutung und Begriindung des Sat~ -zes emulla poena sine lege>, lc. cit, 9, 392 Alguns problemas dogmticajuridicos Questo decerto largamente debatida pela douerina, esta que pergunta pelo fundamento do principio, ¢ que tem recebido, ¢ admite efectivamente, trés tipos de respostas, consoante se convoca 0 seu ideolégico fiundamento politico (ideo légico-juridico), se acentna a seu sistemética fimdamento dogmético (dogmd tico-juridico) ou se transcende a0 seu universal fundamento axioldgico (axio- Isgico-normativo) (15). Respostas que, além disso, ndo deixamos de ver consideradas em termos alternativos. Mas o certo & que, tendo cada uma delas © seu sentido e justificagéo prdprios, sé numa particular conjugacéo de todas elas se poderd obter para aquela questo um esclarecimento acabado. E 0 que passamos a ver, 1. Fundamento politico Quanto a0 primeiro tipo de resposta, hé que ter de novo presente que, embora de uma larga histéria — ou melhor, de miiltiplos antecedentes hit t6ricos (152) —, 0 principio tal como ainda hoje o enunciamos tem as suas raf- zes no substrato jé cultural, jé ideoldgico do Iluminismo. Na iluminista con- cepgio antropolégica de um homem individualmente auténomo ot socialmente descomprometido que se assumia de todo livre e racional; ¢ nas iluministicas pretensbes politicas simultaneamente liberais ¢ democréticas — sendo certo que convergiram ¢ se racionalizaram ambas estas dimensdes nas sinteses das duas modalidades do individualismo contratualista (LOCKE ¢ MONTESQIEU, por um lado; ROUSSEAU € KANT, por outro lado) e encontraram expressio jurf- dico-penal no pensamento reformador-reivindicativo tanto de BECCARIA como de BENTHAM € no pensamento reformador-instituinte de FEUERBACH. E uma vex assimilados esses pensamentos pela legislagéo, e logo em seguida pelo constitucionalismo do Estado-de-Direito de oitocentos, no direito criminal passariam a ser desde entao evidentes trés coordenadas capitais. Uma delas, a nuclear, é uma coordenada essencialmente politica ¢ nela vamos encontrar © directo fundamento politico do princ{pio; mas essa coordenada nao seria con- cebivel, nem a compreenderiamos no seu exacto sentido, sem a pressuposicao de uma primeira coordenada cultural (filoséfico-cultural) ¢ s6 seria vidvel por- que se projectou numa terceira coordenada juridica (politico-juridica). (31) Che, par rods, L. JIMENEZ DE ASUA, ob, Ibe, cite, 167. () Cra também por todos, G. VASSALLI, «Vullum erimen sine legen, in Novissimo Digesto Italiano, XI, 497, ss.; L. JIMENEZ DE Asua, Jbid., 172, ss.; JESCHECK ob. cit., 103, ss. O principio da legalidade criminal 393, 1) Tudo remonta, com efeito, ao ponto decisive do nominalismo ético ¢ do correlativo utilitarismo ou funcionalismo social com que as luzes rom- peram com a compreensio ¢ o fundamento absolutos (teoldgica ou ético-meta- fisicamente absolutos) tanto das ordens juridicas como dos crimes em parti cular. permitiria nao sé ajuizar da criminalidade pela sua esséncia ética, mas ainda fundamentar a pena pelo proprio crime (0 crime ontoldgico-ético funda- mento da pena) ¢ a implicar mesmo o principio de que todo o crime deve ser seguido de pena (153) —, a incriminagao e a pena sé poderiam justificar-se numa perspectiva de funcionalidade ou utilidade sociais, pela instrumental ¢ pragmatica necessidade de preservacio das pessoas dos bens ¢ nos limites dessa. necessidade ('54). E isto, se significava a relativizagdo da pena, no seu fim € na sua medida — a pena expiatério-retributiva ou de auténomo fundamento normativo é substituida pela pena preventiva ou de relativa justificagio finalis- fica € a sua medida deixa de corresponder ao grau eticamente negativo do crime para passar a ser funcao da sua eficécia social, a pena como que deixa de ter fundamento que lhe conferisse um sentido de validade para ter apenas efeitos por que se afere a sua utilidade —, nao significou menos a aceitagio da con- tingéncia histérico-social do delito, que possibilitava a sua submissio a um cél- culo politico-social na sua proscrigo e na sua determinagéo, Pelo que, dei xando o delito € a pena de serem ético-ontologicamente inferidos — aquele da esséncia ética negativa do comportamento, esta das exigéncia» éticas do delito — mera opgio de politica social. Que tanto é dizer, o delito ¢ a pena nio podiam ser deduzidos, tinham que ser decididos: antes que fossem decididos na sua qualificagéo ¢ na sua medida, e nessa decisio determinado o delito ¢ imposta a pena, nao existiam nem o delito, nem a pena (!55). Decisaio cons- tituinte essa que remetia decerto a um poder — pelo que da incriminacio seria sempre titular o poder ¢ a suscitar assim a questéo nova da sua legitimidade. Nem as coisas seriam fundamentalmente diferentes, neste ponto, desde a origem iluminista até hoje. A pressuposigéo ético-filosdfica que subsiste na wescola cléssica» sofreu 0 embate radical da visio «cientificay da «escola Recusado o sentido ético-religioso ou ético-metafisico aos delitos — que haviam ambos de exprimir agora to-s6 uma opsio social, uma ('3)_ Sobre a complexa perspectiva nestes termos apenas aludida, pode ver se A. UT2, Evhique sociale, ML, (Philosophie di Droit), 138, ss. (9) Cin, por todos, M. ViLtev, Des délits et peines dans la philosophie due droit natural classique, in Archives de Philosophie du Droit, 28 (1983), 182. (9) Pensamento que, como se sabe, estava j4 explicita em Honats — fr. Mate HOFER, 0b. cit, 139, ss 394 Alguns problemas dagmatico-juridicos positivay ¢ teria uma alternativa mais lograda no finalismo sociolégico de E v. Liszt — e se fracassou a pretensio ilusdria de superar 0 direito crimi nal pela «ciéncia», 0 certo é que nao deixou de se ter como consequéncia uma maior relativizagéo daquele diteito, além de que (e foi o sobretudo rele- vante) 0 lugar que fora da axiologia e da ética, nos pressupostos fundamen- tantemente constituintes, viu-se progressivamente ocupado pela «politica cri- minal» funcional-finalisticamente orientada, A determinar isso que no direito criminal, até pelo contraste que se afirmava entre a sua comum intenciona- lidade juridica e a diferente ¢ especifica intencionalidade da politica criminal (a que sobretudo aquela primeira intencionalidade se devia submeter ¢ que desse modo se via convertida a uma indole juridico-normativa téo-s6 formal), se acen- tuasse claramente a sua contingéncia deciséria. O direito criminal era agora explicitamente o produto aurénomo da decisio politica tout court — embora politico-criminal na inspiragao, era politico-legislativo na prescricéo, jé que a politica criminal, se inspirava, néo o determinava necessariamente: a inspi- taco s6 se projectava na prescrigao pela mediagao da auténoma op¢io poli- tica (politico-legislativa). Por outro lado, 0 que foram ontem a escola posi- tiva e a escola sociolégica e bem assim 0 nominalismo ético iluminista s40 hoje, correlativamente tanto a «défense social» e um racional finalismo politico-social como 0 relativismo axiolégico e o pluralismo ideolégico — ¢ a subtrairem igual- mente ao direito criminal uma consistente base materialmente fundamen- tante, remetendo-o de novo para a decisio aberta de um poder politico. Um poder que para as suas prescrigdes juridico-criminais, ainda quando a estas finalistico-funcionalmente as racionaliza ou justifica, invoca assim nio um normativo fundamento material, mas uma deciséria legitimidade politica (15) 2) Atribuigéo nestes termos a deciséo politica (politica tanto na autoria como na intengio) e nao podendo existir sem ela, 0 direito criminal ou a puni tiva incriminagao exigiria, pois, as positivas prescrigdes de um poder legitimo que o impussese e determinasse. E ainda aqui o iluminismo definiu de um modo perduravel a legitimidade ¢ a indole dese poder. O seu individualismo, consequéncia da moderna autonomia humana radicalizada que invocava con- tra as ordens histéricas os valores «naturais» da liberdade e da igualdade, sé podia pensar ¢ legitimar 0 poder de um modo contratualista (mediante 0 «contrato social», autovinculativo das incondicionais liberdades) e estruturd-lo segundo um principio de separagio de poderes que os preservasse contra 0 39) Cf. P. PONCELA, Droit de punir et pouvoir de punir: une problématique de in Archives d, Ph. du Droit, 28 (1983), 133, ss. UEtat, O principio da legalidade criminal 395 «despotismo». Principios que implicavam a atribuigio do poder jurfdico constitutive de prescrigées de qualquer modo restritivas das esferas de liber- dade, dos direitos ¢ interesses dos cidadios, dentre elas particularmente as prescrigées criminais, a uma assembleia legislativa de indole democritico-repre- sentativa — aquele modo de representagio politica pela qual os individuos livres e iguais se pudessem contratualisticamente pensar auténomos legisladores de si préprios, enquanto participavam na formacio de uma volonté générale legis- lativa. Foi, pois, assim que nas sociedades democraticas de ontem e de hoje © direito criminal passou a pressupor um constitutivo «principio democrd- tico», que imputa a sua prescric&o exclusivamente ao poder legislativo demo- crético-reptesentativo, € a compreender-se também desse modo tao-s6 politi- camente legitimado e justificado — i. & de novo sem nenhum fundamento essencial além da decisio politica. 3) Por outro lado, esse poder criminalmente legislativo havia de expri- mir-se naquela forma juridica que em si mesma garantisse os valores-fins cue através do seu poder constituinte a legitimavam — os valores-fins da liberdade, da igualdade ¢ ainda 0 da seguranga como condicéo da prépria liberdade. Essa forma juridica seria a /ei — a lei no apenas em sentido formal, enquanto prescrigio do poder legislativo, mas lei em sentido material ou como norma geral e abstracta, Pois s6 essa lei, na sua generalidade e abstraccio, e que jé por isso havia também de ser prescrita com autonomia e anterioridade & stia aplicagio e execugio (57), seria compativel com a liberdade (jé presente na ori- gem representativa da lei ¢ preservada pela objectividade abstracta do seu cri- tério), realizaria a igualdade (na sua propria abstracta generalidade), excluiria a incriminago arbitréria, persecutéria ¢ retroactiva (na sua antecipada abs- traccio) ¢ garantitia a seguranca ou a confianga juridicas (na formal deter- minagio e objectiva cognoscibilidade da sua prescrigao). Nestes termos, com feito, nullum crimen, nulla poena sine lege —e sine lege scripta, praevia, certa stricta, S6 que um tal fundamento politico, com aquela sua pressuposigio sécio-cultural téo localizada e esta sua consequéncia juridica téo particular, se esteve efectivamente na origem da assuncio explicita e irrevers(vel do prin pio, esté jé hoje longe de ser satisfatério como fundamento decisive. Verda- deiramente subsiste apenas como fundamento histérico ou susceptivel tio-s6 de nos dar uma explicagdo hist6rica do principio, mas deixou de lhe ser nor- (%) Cf, quanto a este tltimo ponto, B. SCHONEMANN, Nulla poena sine lege’, cit, 15s 396 Alguns problemas dogmiticojuridicos mativamente fundamentante — explica uma origem, nao fundamenta um sentido, pelo que também aqui explicacao (referida aos factos) e fundamen- tagio (referida & validade) se distinguem (158). Pois ainda que deixemos de lado a critica que haveria de fazer-se & inadmissivel redugio politica (e enquanto expresso de um decisionismo positivista) de um fundamental principio juri- dico, como tende a verificar-se na intencionalidade do fundamento politico, € nao voltemos a acentuar que esse fundamento da mais resposta 4 questo da legitimagao da legalidade do que & questo sua fundamentacio normativa (!59), para invocar antes neste tiltimo sentido o intencional contexto axiolégico que aquele fundamento nao deixa igualmente de levar referido, 0 certo é que sempre se terd de reconhecer que essa possivel axiolégico-intencional funda- mentagio s6 nos permite compreender um direito criminal de estrito legalismo ¢ esse legalismo vimo-lo superado na actual consideracéo de cada um dos corolatios do principio — se € que esse legalismo pode mesmo ter a preten- séo de cobrir numa tinica fundamentagéo explicativa todos esses corolé- rios ('). Dai que a conclusio haja de ser aquela que jé anteriormente alu- dimos: ou o principio deixou de ser constitutivo do actual direito criminal ou mantém-se dele constitutivo, mas com sentido diferente do até aqui referido € a solicitar outra fundamentacio. Além de que — e é este um ponto independente da conclusio ante- tior —, 0 fundamento politico mantém-se «exterior ao relevo juridico-criminal do principio, j4 que também nao nos oferece a compreenséo da sua natureza constiutiva relativamente ao préprio direito criminal e enquanto dimensio capi tal do sistema desse direito: 0 fundamento politico explicard a exigéncia do lega- lidade criminal — i. é, explicard porque se impée o principio ao legislador penal inda ao juiz —, mas deixa por fundamentar essa legalidade como ele- (155) Distinguindo também, relativamente a0 problema da legitimagio da incrimi- rnagio punitiva, as justficagdes que se mantém no plano do facto ou do aset» da funda- mentagio que se remete 20 plano axiolégico ou do «dever-set», v. SAX, Die Grundiiitze, cit. 957. (°) Cabe aqui analogamente a consideracio geral de HAYEK, Droit, législation et libérte, rad, franc. de Raoul Audouin, I, 87: «Toutefois, la discussion pour savoir qui devrait détenir ce pouvoir a inddment rejeté dans 'ombre la question beaucoup fondamentale qui est de savoir jusqu'ot ce pouvoir devraic s'etendres. ('%) Sustenta, p. ex, GRONDWALD, ob, loc. cits, 16, s. que 0 «principio democré- ticor da legislagéo (e da ideia de lei implicita) nio pode fundamentar a exclusio da retroactividade criminal, jf que esta exchisi visa justamente limitar 0 peder legislativo incri- minatério, qualquer que seja a sua legitimagao politica. O principio de legalidade criminal 397 mento do sistema juridico-criminal e por ele postulado — i, em que ter- ‘mos vai o prinefpio implicado pela juridicidade criminal enquanto tal. E este tltimo ponto, que nos conduz directamente & consideragio do fundamento juri- dico-dogmético, revela-se inclusivamente como uma estacio indispensdvel para atingirmos a fundamentagio decisiva, a universal e normativa funda mentagio axiolégica — e com essa fundamentagio a base intencioral para uma necesséria revisio do seu sentido ¢ modo institucionais. 2. Fundamento dogmatico-juridico Deixemos de lado, no ambito das tentativas de fundamentagio juri- dico-dogmatica, aquelas posigGes que afinal nada acrescentam ao sentido que 20 principio é susceptivel de conferir a invocagéo comum do principio do Estado-de-Direico de legalidade. Est2o neste caso as justificagbes de sine lege quer pelo principio da separagio dos poderes, posto que agora no sentido particular de que o cumprimento desse principio pela prévia ¢ abstracto-geral prescrigéo incriminatéria subtrairia a deciséo judicativa 4 influéncia emocio- nal e subjectiva do real caso concreto ('6!) — pois niio é isto seno outro modo de invocar a objectividade ¢ a imparcialidade ¢ bem assim a igualdade que se presume a legalidade garantiria —; quer pela referéncia ao princfpio da «defesa da confianga» enquanto dimensio constitutiva de qualquer estatuto de juri- icidade e especialmente de um estaturo de consequéncias to graves como 0 criminal, que postularia «a previsibilidade ¢ calculabilidade do direito pelos cida- daos» (162) — 9 que sb acentua, por seu lado, a perspectiva subjectiva do valor da seguranga juridica. Com inceresse especifico hé que considerar ape- nas as fundamentagées seguintes. 1) A legalidade criminal seria postulada pela prevengao geral, conside- tada como fim principal da punigio — ou seja, admitida a prevencio geral como fungao capital do direito penal, isso implicaria que a incriminagio ¢ a correspondente punigio se oferecessem prévia ¢ determinantemente prescritas pela lei, pois s6 assim seria vidvel aquela prevengéo. Foi esta a conhecida fundamentagio formulada por FEUERBACH, no quadro da sua consistente con- cepsao ilumin{stico-liberal do direito criminal, associada & também sua «teo- tia da coacgao psicolégica» no entendimento da pena. Segundo aquela con- (151) Assim, GRONDWALD, Ibidem, 14, ss. V., ainda, G. MARINI, 0b, loc. cits, 951, s. (08) Neste sentido, especialmente SCHONEMANN, 0b, cit, 16,

Potrebbero piacerti anche